Edição Julho - Jornal Pontivírgula

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Direção: Catarina Veloso e Inês Linhares Dias Edição nº32: Julho de 2016

ATUALIDADE: Atentado em Nice «As testemunhas acrescentam que o camião percorreu este trajecto mortífero aos ziguezagues de forma a atropelar o maior número de pessoas.» » página 10

ATUALIDADE: T heresa, May The Force Be With You «Theresa May passou a ser a segunda mulher a governar o Reino Unido, 26 anos depois de Margaret Thatcher.» » página 14

Eleições Americanas: O Mal Menor

Começou Torto, Mas Há-de Endireitar-se

A Bordo do Santa Maria Manuela

» páginas 15 a 17

» páginas 20 e 21

» páginas 23 a 25

ATUALIDADE | SOCIEDADE | LIFESTYLE | MODA | DESPORTO | MÚSICA | CINEMA | LITERATURA


EDITORIAL Ficha Técnica Diretora: Catarina Veloso Vice-Diretora: Inês Linhares Dias Revisores: Alexandra Antunes e Diogo Oliveira

Redação Ana Silvestre Andreia Monteiro Diogo Barreto Francisco Cambim Gabriela Moura Guilherme Tavares Inês Amado Joana Pires Roque Madalena Gil Mariana Pereira Martins Patrícia Fernandes Sandra Vasconcelos Tiago Sardo

Colunistas Alexandra Antunes, Literatura Catarina Veloso, Moda Diogo Oliveira, Desporto Francisco Marcelino, Música Inês Linhares Dias, Política Joana Ferragolo, Lifestyle João Torres, Cinema Maria Borges, Psicologia Maria Manuel de Sousa, Psicologia Miguel Freitas, Música Mitchel Molinos, Vídeojogos Nuno Martins, Direito Omar Prata, Produção Escrita Pedro Pereira, Cinema Rita Santos, Psicologia Sónia Araújo, Saúde

Equipa Youtube: Duarte Sá Carvalho e Inês Camilo

Design: Catarina Veloso, Daniela Trony e Miguel Brito Cruz

Contacto: jornal.pontivirgula@gmail.com Jornal redigido com o Novo Acordo Ortográfico, salvo quando indicado.

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É o último jornal sob a nossa direcção. Se retrocedermos, é possível perceber que, nos últimos meses, o foco do nosso jornal tem sido os atentados. A Europa tem sido o palco principal destes ataques, com uma frequência brutal. De uma forma grosseira: Charlie Hebdo, Bataclã e agora Promenade des Anglais. O terror instalou-se em solo europeu e parece ser uma questão irresolúvel. França é o país mais massacrado, com aproximadamente 250 vítimas nos últimos 18 meses. A ironia do destino instala-se quando retrocedemos na história e percebemos que a França foi um dos primeiros países a defender a igualdade e independência religiosa. A grande república francesa de Napoleão foi a primeira a estabelecer a liberdade de culto religioso como um direito, proibindo que os cidadãos fossem desrespeitados por causa da sua religião. Foi assim que a liberdade de expressão se tornou o valor querido que representa o epítome da sociedade ocidental, e o preferido para ser alvo de ataque. E todos estes atentados revindicados pelo Daesh, que se aproveitam de qualquer brecha para lançar o terror em nome da religião, atacam os pilares sob os quais erguemos as nossas convicções. No entanto, é o conceito de liberdade de expressão que lhes dá o direito à liberdade religiosa que usufruem. A Europa actual, que já se tinha sacudido de extremismos religiosos desta magnitude há muito tempo, nunca concebeu ser palco para demonstrações de fanatismos exacerbados em larga escala. No entanto, é o assunto que povoa a agenda mediática e que mais nos preocupa. Mais tanques e mais polícias artilhados “até aos dentes”, em todos os cantos, já não são suficientes para parar esta carnificina. “Estamos cansados de mortos. Estamos cansados desta incerteza quotidiana. Estamos cansados de ver as mesmas e ineficazes respostas para problemas cada vez mais complexos. (…) Estamos cansados de guerra.”, afirmou o jornalista do Expresso, Valdemar Cruz, aquando os ataques de Nice. Não poderia ser mais verdade. Os Estados Unidos também são palco de outro tipo de agitação social. Com o passar do tempo e o desenrolar das eleições presidenciais, Hillary Clinton e Donald Trump foram os escolhidos para representar os respectivos partidos e lutar pela Casa Branca. Mantendo o foco no outro lado do Atlântico, os Jogos Olímpicos, na cidade do Rio de Janeiro, não começaram da melhor forma. Águas contaminadas e uma vila olímpica com poucas condições sanitárias foram alguns dos contratempos que os desportistas tiveram de enfrentar. Por fim e no âmbito do Tall Ships Races, somos levados numa viagem quase literária a bordo do veleiro Santa Maria Manuela, com uma entrevista a um dos voluntários. Rodrigo Martins contou a sua experiência única, em exclusivo para o Pontivírgula. Dado que esta é a última edição, pedimos à redacção e aos professores, que colaboraram connosco e apoiaram o nosso jornal, uma pequena reflexão sobre as nossas iniciais e amadoras incursões jornalísticas. Obrigada a todos. Boas Leituras Catarina Veloso *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico



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O Futuro do Nosso Pontivírgula Olhando para trás, vejo um ano de grandes sucessos do Jornal Pontinvírgula. Houve momentos muito desafiantes para o nosso jornal, como a cobertura do My Career e da Semana Cultural da Faculdade de Ciências Humanas. De resto, aprazme referir todas as pessoas que fazem com que este jornal exista: redactores, colunistas e revisores. Queria, também, deixar um grande obrigada à Inês Dias e à Catarina Veloso, pelo rico trabalho que desenvolveram, por toda a paciência que tiveram connosco, pelo apoio incondicional e pelo espaço que me deram para tentar fazer coisas diferentes e desafiarme. Foi com imensa surpresa e orgulho que surgiu o convite para liderar este jornal durante o próximo ano lectivo. Espero continuar a garantir a qualidade do nosso jornal e a crescer como temos feito todos os anos. Almejo também fazer com que mais pessoas conheçam o Jornal Pontivírgula e que se interessem pela sua leitura, assim como garantir a continuidade da redação. Este é um jornal que, sendo feito por alunos, mostra que temos tudo o que precisamos quando existe trabalho e vontade para evoluir. Por isso, convido-vos a juntarem-se a nós e juntos continuarmos a crescer com a visão inovadora do nosso tão querido Pontivírgula.

Andreia Monteiro

Na primeira vez que me falaram do Pontivírgula, fiquei entusiasmada: pensei neste jornal como a minha primeira experiência no mundo do jornalismo. Lembro-me do meu primeiro artigo, da minha primeira coluna de opinião ou reportagem. Lembro-me do bloco de notas, da caneta, da câmara fotográfica. Lembro-me da doce dedicação de todos os membros, afinal foram os meus primeiros “colegas de trabalho”. Juntos, sem qualquer recompensa ou ajuda monetária, tentámos criar e recriar um jornal feito e refletido nos nossos alunos. Reunimos, sem cessar, os materiais necessários para estar sempre à altura dos desafios, somente pela paixão de fazer aquilo de que se gosta. Agarrámos em todas as nossas diferenças e, na diferença, nasceu mais um ano de Pontivírgula. A Catarina e a Inês ensinaram-nos a caminhar sempre no sentido da perfeição: o cumprimento de prazos, a organização das ideias, a ambição de estar sempre a lutar por um jornalismo ético e sério. Às duas directoras, agradeço-lhes toda a disposição e paciência. Amanhã? É preciso continuar a evoluir e a dar sentido à viagem. É necessário que todos continuemos a abraçar o projecto, com a certeza de estar a amar cada segundo. É com muito prazer que me junto à Andreia Monteiro na direcção do ano que se avizinha. Quanto a mim? Só desejo que nunca se coloque um ponto final, onde um dia se viu nascer um Pontivírgula. Ana Silvestre


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Até Sempre, Pontivírgula

Foi um ano de algumas derrotas, mas muitas conquistas. O Pontivírgula afirmou-se como projecto e órgão de comunicação da Faculdade de Ciências Humanas. Com o objectivo de nos aproximarmos à realidade jornalística, o nosso jornal procurou informar os seus leitores com conteúdos de qualidade e superar todos os desafios que encontrou pelo caminho. Conseguimos juntar a comunidade académica com um trabalho consistente, participámos activamente no My Career, fizemos uma cobertura estrondosa da Semana Cultural e ultrapassámos fronteiras com parcerias com o Instituto de Ciências da Saúde e com a Faculdade de Direito. Não podia estar mais orgulhosa da nossa equipa. Trabalhámos em conjunto para atingir um objetivo comum, crescemos, aprendemos, chegámos mais longe e tornámo-nos uma grande família que se apoia incondicionalmente. Agradeço todo o vosso esforço, motivação e empenho em elevar o nosso jornal, em especial à Inês, Alexandra, Diogo Oliveira e Diogo Barreto, por toda a ajuda. Mas está na altura de passar o testemunho à Andreia e à Ana e desejar a melhor sorte do mundo, para que este projecto continue a crescer. Catarina Veloso

Um ano passou e chega agora a altura de passarmos o testemunho que nos foi confiado. Foi um ano desafiante, que nos fez crescer e perceber alguns dos (grandes) desafios de uma redação. Quando eu e a Catarina recebemos a importante tarefa de guiarmos o rumo do Pontivírgula, sabíamos que tínhamos um importante legado para respeitar, mas também muito espaço por onde evoluir. Foi, por isso, com muito orgulho que aceitámos o desafio. Chegando ao final da missão, é bom olhar para trás e ver que conseguimos estabelecer um patamar de qualidade do qual nos podemos orgulhar, que conseguimos inovar, trazer novos formatos e novas formas de reportar e que, por vezes, falhámos nas nossas apostas, mas que, tantas vezes, vingámos naquilo a que nos propusemos. Foi uma honra trabalhar com esta equipa e vê-la evoluir e tentar sempre encontrar diferentes abordagens. Estamos certas de que, juntos, todos crescemos com esta grande experiência. Agora, é a vez de passarmos o testemunho a uma nova direção, que temos a certeza que fará um excelente trabalho. À Andreia, à Ana e a toda a equipa, agradecemos todo o trabalho e dedicação que demonstraram ao longo deste ano e desejamos a melhor sorte para o que aí vem. Inês Linhares Dias


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O Nosso Pontivírgula

“O Pontivírgula não é apenas um extra na tua vida académica. É um compromisso que tens que levar até ao fim. Tens uma equipa e leitores que contam com o teu melhor desempenho. O Pontivírgula permitiu-me errar, mas fez evoluir a minha escrita sempre com rigor. O Pontivírgula foi uma preparação para o que aí vem.” Sandra Vasconcelos

“O Pontivírgula foi um trabalho que não maçou, onde aprendi como saber escrever e, principalmente, a trabalhar em equipa.” Guilherme Tavares

“Felicito toda a equipa do jornal Pontivírgula por todo o esforço e dedicação a este projeto e não posso deixar de afirmar que foi, para mim, uma grande honra participar na elaboração da coluna de Saúde. Parabéns a todos!” Sónia Araújo


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O Nosso Pontivírgula

“«A alma ajoelha e reza, mas não chora», disse Teixeira de Pascoaes. É assim que me sinto no adeus.” Omar Prata

“Se dizem que nunca se esquece o primeiro grande amor, arrisco-me a dizer que um jornalista também nunca irá esquecer o primeiro jornal para o qual escreveu. É por isso que o Pontivírgula é tão importante para todos nós: crescemos juntos, aqui. Evoluímos.” Alexandra Antunes

“Através do Pontivírgula, tive a oportunidade de falar de bandas, estilos e múltiplas entidades envolvidas na criação de música, que normalmente não têm muito tempo de antena.” Miguel Freitas


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O Nosso Pontivírgula

“Ao longo do último ano o Pontivírgula cresceu em qualidade e afirmou-se como um dos projetos extracurriculares mais importantes da FCH. A equipa do jornal está claramente de parabéns! O empenho que colocaram na seleção dos temas e das fotografias é um legado que deixam aos novos alunos e à faculdade.” Professor Nelson Ribeiro

“O Jornal Pontivírgula é um projecto com valor, que revela todos os meses o profissionalismo, a dedicação e o empenho dos estudantes do curso de CSC. Este é um projecto que contribui para formar futuros profissionais promissores na área da comunicação. Parabéns Pontivírgula por mais um ano de trabalho!” Professora Rita Figueiras

“PONTIVÍRGULA = RAZÃO E PAIXÃO “ Professor Jorge Fazenda Lourenço


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O Nosso Pontivírgula “Comunicou a atualidade com empenho e seriedade… A política, a cultura, a economia e a sociedade. Viajou por um país que viu surgir um novo Governo e elegeu um novo Presidente. Andou pelo mundo: de Paris a Orlando, da Nigéria a Bruxelas…Viveu a Faculdade: falou com Professores e Alunos. Recordo em particular a presença do Jornal no My Career e na Semana Cultural da UCP, iniciativas em que estive envolvida e que me possibilitaram um envolvimento maior com os seus membros! Propôs leituras, filmes, músicas, tendências e lugares. Não parou, noticiou pelo simples gosto e missão de informar. Traçou metas, cumpriu objetivos, fez jornalismo e fomentou o diálogo e a participação. Equipa dedicada, empenhada, criativa, inteligente e competente! “ Professora Rita Curvelo

“A Universidade, hoje em dia, é uma coisa viva, uma casa onde aprender e ensinar livremente, onde trabalhar feliz e fraternalmente.” É assim que o físico alemão, Albert Einstein, costumava dirigir-se aos seus alunos. Esta afirmação que poderá (talvez) soar utópica é, na realidade, objectivo da nossa comunidade académica e o Pontivírgula, um dos mais felizes exemplos de como, na FCH, se pode conjugar a criatividade dos estudantes com os ensinamentos recebidos nas aulas. Por isso, não só apoiei sempre a iniciativa, como trabalhámos juntos num inesquecível projecto para a Semana da Língua Italiana de 2015. Formulo votos de sucessos aos que, no próximo ano lectivo, iniciam novas aventuras e desejo um bom trabalho à nova equipa da Pontivírgula, auspiciando novas e frutuosas colaborações. In bocca al lupo!” Professor Gaspare Trapani


ATUALIDADE

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Atentado em Nice Na noite de quinta-feira, dia 14 de Julho, houve mais um atentado em França, desta vez em Nice. Nesta cidade no sul de França, um camião avançou sobre uma multidão, causando 84 vítimas mortais e mais de 100 feridos. Um dos feridos era português. 74 dos feridos continuam hospitalizados, 19 têm prognóstico reservado e 71 das vítimas mortais já foram identificadas.

“As testemunhas acrescentam que o camião percorreu este trajecto mortífero aos ziguezagues de forma a atropelar o maior número de pessoas. “ Segundo o Nice Matin, o camião terá atropelado pessoas durante dois quilómetros, durante 45 segundos. As testemunhas acrescentam que o camião percorreu este trajecto mortífero aos ziguezagues de forma a atropelar o maior número de pessoas. Dizem ainda que o condutor disparou contra algumas pessoas, inclusive agentes da polícia, antes de ter sido abatido. Descrevem ter visto corpos e destroços a serem lançados pelo ar e o pânico das famílias. Das 84 vítimas mortais, 12 eram estrangeiras: uma cabo-verdiana, dois marroquinos, uma suíça, três alemães, um ucraniano, uma russa, uma arménia e dois norte-americanos. O autor do atentado foi Mohamed Lahouaiej Bouhlel, um tunisino de 31 anos que vivia em Nice. No camião as autoridades encontraram o telemóvel deste autor, a sua carta de condução e um cartão bancário. A sua família e amigos já foram interrogados. O homem tinha cadastro na polícia (por violência doméstica), mas não tinha sido assinalado pelos serviços secretos por ligações ao terrorismo. Tinha três filhos e estava no meio de um processo de divórcio. O veículo pesado terá sido alugado pelo tunisino na segunda-feira, dia 11, e deveria ter sido devolvido no dia 13. O condutor conseguiu entrar na Promenade des Anglais dizendo que iria distribuir gelados. Investigações revelam que Bouhlel consultou sites islâmicos durante as duas semanas precedentes ao ataque. François Molins, o procurador responsável pela investigação ao atentado em Nice, revela que o ataque foi premeditado. O autor do atentado foi captado pelas câmaras de vigilância da cidade, nos dois dias anteriores ao atentado, a ensaiar o percurso que viria a fazer.

© BBC

Ainda não foi possível estabelecer uma ligação directa entre Bouhlel e o Estado Islâmico, embora o último tenha reclamado o atentado. As provas apontam para uma radicalização recente e rápida. Entre 1 e 13 de Julho, o computador do tunisino revelou várias pesquisas relacionadas com outros atentados terroristas e várias suratas do Alcorão. No dia 18 de Julho, França fez um minuto de silêncio em homenagem às vítimas. Porém, este encontro de 42 mil pessoas foi também marcado por assobios e gritos de protesto. Os gritos exigiam a demissão do primeiro-ministro francês, Manuel Valls, e do Presidente, François Hollande. As mortes de famílias e crianças promoveram a raiva dos franceses, o desespero e o medo. O ambiente político em França está tenso. A oposição ao governo está a capitalizar esta tensão para fazer notar que considera que “tudo o que deveria ter sido feito nos últimos 18 meses não foi feito”, disse Nicolas Sarkozy. O governo atual revela, no entanto, que “desde 2013 houve 16 atentados que foram evitados”. O jornal Le Figaro divulgou um estudo de opinião que revela que apenas 33% dos inquiridos confia nos presentes líderes políticos no combate ao terrorismo. Após os ataques de Novembro a confiança no governo rondava os 50%. François Hollande, Presidente francês, decretou três dias de luto nacional. O estado de emergência iria terminar no final deste mês, mas devido a este atentado foi prolongado por mais três meses. Andreia Monteiro *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


ATUALIDADE

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Estado de Emergência: Até quando? Em 2015, a Alemanha acolheu mais de 1 milhão de refugiados, inclusive milhares de menores de idade que chegaram sozinhos ao país. Este acolhimento, além de ter dado uma segunda oportunidade a quem quer fugir da guerra, dificultou o processo de controlo da circulação de pessoas na União Europeia. Só neste mês dois refugiados na Alemanha abusaram da oportunidade que lhes foi concedida. Reacendeuse o debate sobre a política migratória de Angela Merkel, que considera estes ataques um desrespeito para a União Europeia, para o país que os acolheu, para os trabalhadores, para os voluntários e para os refugiados que procuram auxílio longe da guerra no Iraque, Síria e Afeganistão.

© Exame

No dia 18 de Julho, um afegão de 17 anos, entrou armado com um machado e uma faca na estação de comboio de Heindingsfeld, em Würzburg atacando cinco passageiros (uma alemã e quatro turistas chineses) e deixando os restantes em estado de choque. Testemunhas afirmam ter ouvido o terrorista gritar “Deus é grande”, em árabe pelo menos três vezes durante o atentado, tendo sido uma delas gravada pela polícia durante uma chamada de emergência feita por um dos passageiros. Entrou em fuga depois de ter sido accionado o travão de emergência, mas foi abatido a tiro pela polícia. O autor do atentado entrou na Alemanha em Junho de 2015, sozinho. Depois de passar pelo centro de refugiados em Ochsenfurt, foi acolhido por uma família. O Daesh reivindicou este ataque depois de ter divulgado um vídeo no qual o afegão faz algumas ameaças. Foi também encontrada uma bandeira do Daesh no seu quarto e uma carta de despedida escrita em árabe.

Ainda na mesma semana, um alemão de origem iraniana de 18 anos espalhou o terror no centro comercial Olympia em Munique. Nove pessoas morreram (com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos) e pelo menos 27 ficaram feridas. As vítimas foram escolhidas aleatoriamente, pois nenhuma delas tinha qualquer ligação com o autor. Enviou mensagens através do Facebook a jovens de diferentes nacionalidades a oferecer refeições gratuitas no McDonald’s local, de forma a atraí-los para que, quando reunidos, pudesse abatê-los. Entre os mortos estão três turcos, três albaneses e um grego. Era racista, sociopata, afirmava-se ariano, sentia orgulho por ter nascido na mesma data que Hitler e era obcecado por massacres. No entanto, o autor deste atentado não tinha qualquer tipo de ligação ao Daesh ou a qualquer outro grupo terrorista. Passados apenas dois dias, a Alemanha foi palco de mais um atentado. Um sírio de 27 anos fez-se explodir em frente a um restaurante próximo do local onde se realizava mais uma edição do festival de música Ansbach Open, que no momento tinha um público composto por mais de 2000 pessoas. A explosão ocorreu em Ansbach, na Baviera. O próprio autor do atentado foi a única vítima mortal, que fez 12 feridos, dos quais três encontram-se em estado grave. O ministro do Interior da Baviera, Joachim Herrmann, afirmou haver um cúmplice, ainda com identidade desconhecida, do homem-bomba com o qual manteve contacto até ao momento da explosão. Este ataque foi também reivindicado pelo Daesh. Foi encontrado um vídeo no qual além de prometer fidelidade à organização terrorista, o suicida prometeu vingança à Alemanha por ter-se atravessado no caminho do Islão. O terrorista estava prestes a ser deportado para a Bulgária, depois de lhe ter sido negado o estatuto de refugiado na Alemanha por ter sido comprovado que tinha sido aceite na Bulgária. Em resposta aos recentes atentados, Angela Merkel pretende: reforçar a segurança na Alemanha e a cooperação com serviços de segurança de outros países; diminuir a burocracia para deportar refugiados; que haja um registo nacional de entrada e saída do país; criar um órgão que descodifique a comunicação via web e um sistema de alerta para a radicalização de refugiados. Os meses passam, o terrorismo alastra-se e aos poucos a Europa vai entrando em estado de emergência. O inesperado acontece e ninguém está a salvo

Gabriela Moura

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


ATUALIDADE

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Golpe de Estado na Turquia: O que se passou? O golpe de Estado de 15 de Julho na Turquia durou quatro longas horas, matando mais de 200 pessoas e detendo mais de 6000 militares, autores do golpe. Na manhã de 15 de Julho, já vários golpistas se tinham rendido ou tinham sido detidos. Hoje, sabemos que o golpe falhou. Em grande medida, porque dezenas de milhares de pessoas saíram à rua a meio da noite, para enfrentar os tanques dos revolucionários, posicionados em centros estratégicos de Ancara e Istambul. Assim, e mais uma vez, o Presidente Recep Tayyip Erdogan saiu como grande vencedor. O Golpe de Estado apanhou todos de surpresa. No início do ataque, os militares golpistas pareciam ter conquistado o poder, com tanques a controlar alguns pontos centrais da Turquia: as pontes sobre o Bósforo, em Istambul, o aeroporto da mesma cidade, a televisão estatal, e as principais sedes governamentais na capital. Num comunicado na Televisão Pública Turca, os golpistas - que se auto intitularam “Movimento para a Paz na Nação” - anunciaram que tinham tomado o poder para “restaurar a ordem constitucional, as liberdades e direitos humanos, e restaurar a segurança, que estava seriamente ameaçada”. Erdogan, que controla a grande maioria dos media e quase todos os pilares do poder na Turquia viu-se obrigado a falar ao país através de uma rede social (Facetime), para apelar aos cidadãos que saíssem às ruas e desafiassem os tanques. Como sabemos, o apelo resultou - o que mostra também o poder e o apoio popular do actual Presidente. Pessoas de toda a parte começaram a invadir as praças e as avenidas das grandes metrópoles turcas e a subir aos tanques para controlá-los. Um pouco por toda a Turquia, o país mobilizava-se contra o golpe. Algumas unidades militares começaram a desaparecer – a do aeroporto de Istambul foi a primeira. O Presidente Erdogan tomou então a iniciativa: voou de Marmaris (onde se encontrava de férias no momento do golpe) para Istambul, aterrou no aeroporto, ainda quando outras partes da cidade estavam sob controlo dos golpistas, apareceu à multidão e discursou perante o país e em frente às câmaras. O presidente estava visivelmente abalado, mas determinado: prometeu derrotar o Golpe de Estado, ameaçando punir severamente os responsáveis, e sugerindo uma “limpeza” nas forças armadas. Posto isto, durante a noite, a maré começou a virar a favor do Governo. Um a um, os líderes ocidentais, frequentemente muito críticos de Erdogan, começaram a condenar o golpe e a apoiar o “governo legítimo”. Todos os partidos da oposição condenavam, em Ancara, a tentativa de tomada do poder pela força.

No final da noite, enquanto alguns golpistas ainda bombardeavam o parlamento, na capital, o povo tomava conta das cidades. Já de manhã, as últimas forças de resistência, na ponte sobre o Bósforo e no quartel-geral da Jandarma, em Ancara, foram neutralizadas, com centenas de soldados a renderemse à polícia e a serem insultados e agredidos pela população que viu neste golpe uma imensa desonra.

© Sapo

A democracia acabou por vencer, mas quase 200 pessoas perderam a vida – entre as quais dezenas de polícias e civis. Mas este golpe foi realmente obra de quem? Erdogan e outras fontes governamentais têm culpado os golpistas de serem seguidores de Fethullah Gulen, um religioso islâmico exilado há muitos anos nos EUA - outrora muito influente na Turquia -, líder de uma vasta rede social e política, e ex. aliado de Erdogan. O presidente acusou-o de liderar uma organização terrorista, mas John Kerry, Secretário de Estado dos Estado Unidos, prontamente salientou que a Turquia deve reunir provas da culpa de Gülen — que já se declarou inocente –, dando assim a entender que o presidente turco possa ter aproveitado o rescaldo do golpe, para “acertar contas” com inimigos dentro e fora de fronteiras turcas. “Convidamos o governo da Turquia, como sempre, a apresentar-nos provas legítimas”, disse ainda o Secretário de Estado, numa conferência de imprensa. O primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, já afirmou que qualquer país que esteja “ao lado do imã Fethullah Gülen não será amigo da Turquia e será considerado como estando em guerra com a Turquia”. O que fazer agora? Algo é certo: o golpe acaba por reforçar, ainda mais, Recep Erdogan, que agora apressará as mudanças constitucionais que tanto têm dividido a Turquia. Enquanto os Governos ocidentais apelam para a unidade e reconciliação nacionais, espera-se que o presidente comece a transformar o país num regime presidencialista, face às ameaças à segurança nacional e com a legitimidade e apoio que uma revolta popular contra os golpistas militares lhe deram.

Ana Silvestre

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


ATUALIDADE

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Durão Barroso integra os altos quadros da Goldman Sachs José Manuel Durão Barroso é o novo presidente não-executivo da Goldman Sachs International, anunciou o grupo financeiro. “A sua perspectiva, capacidade de avaliação e aconselhamento irão acrescentar muito valor ao Conselho de Administração da Goldman Sachs International, à Goldman Sachs, aos seus accionistas e trabalhadores”, pode ler-se no comunicado presente na página web do banco. O antigo primeiro-ministro, que já havia manifestado a intenção de abandonar a área política e dedicar-se ao sector privado, será também consultor para o Brexit no banco internacional. “É verdade que conheço bem a UE e relativamente bem o Reino Unido. Se o meu aconselhamento puder ser útil, claro que estou pronto para dar a minha contribuição”, afirmou Durão Barroso, em declarações ao Financial Times.

“A nomeação de Durão Barroso para a Goldman Sachs tem sido objecto de discórdia e alvo de contestação por inúmeras figuras do plano político nacional e internacional (...)” A nomeação de Durão Barroso para a Goldman Sachs tem sido objecto de discórdia e alvo de contestação por inúmeras figuras do plano político nacional e internacional, embora o antigo presidente da Comissão Europeia tenha já cumprido o “período de nojo” de 18 meses – tempo definido por lei durante o qual um político é impedido de assumir um cargo no sector privado. Várias vozes se têm levantado contra a ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs. No Parlamento Europeu, foi pedido que se adoptasse a sanção de perda da reforma do tempo em que descontou como Presidente da Comissão Europeia. “Neste período de crise, quando o populismo quer dinamitar o ideal europeu e a instituição que o encara, o recrutamento de Barroso pelo Goldman Sachs é chocante e alimenta os ataques contra a Comissão”, afirmou Pierre Moscovici, Comissário francês. Num dos editoriais do Le Monde, Durão Barroso é apelidado “anti-europeu”, sendo feito um apelo à Comissão Europeia para que as regras sejam mudadas, no que diz respeito ao poder público e ao poder privado, com o conflito de interesses que possa implicar. O banco de investimento está envolvido em várias polémicas, entre as quais o auxílio dado ao governo grego para mascarar o défice, para que entrasse na moeda única. O “gigante de Wall Street” estabeleceu vários negócios em Portugal, inclusive com o Estado Português.

© Sapo

Por outro lado, Pedro Passos Coelho louva a contratação e não identifica qualquer conflito de interesses. “Foi um grande presidente da Comissão Europeia, que liderou a Comissão com muita inteligência e com coragem, num dos períodos mais complexos e difíceis da vida da União Europeia. É uma pessoa muito bem preparada e, de certeza, deixará um bom exercício na função que vai agora desempenhar”, defendeu o antigo primeiro-ministro português. O actual chairman da Goldman Sachs presidiu à Comissão Europeia entre 2004 e 2014, tendo sido primeiro-ministro de Portugal de 2002 a 2004. Durão Barroso é o 5.º nome a juntar-se à lista de portugueses que trabalharam na Goldman Sachs, depois de José Luís Arnaut, António Borges, António Horta Osório e Carlos Moedas.

“O banco de investimento está envolvido em várias polémicas, entre as quais o auxílio dado ao governo grego para mascarar o défice, para que entrasse na moeda única.” Inês Amado


ATUALIDADE

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Theresa, May the Force Be With You A 13 de Julho de 2016 Theresa May passou a ser a segunda mulher a governar o Reino Unido, 26 anos depois de Margaret Thatcher. Desde o dia 11 de Julho que May era a única candidata ao lugar de David Cameron, devido à desistência de Andrea Leadsom. Theresa May foi ministra do Interior durante os seis anos de David Cameron no nº10, em Downing Street, e é a nova líder do Partido Conservador num dos momentos mais conturbados da recente história política. May tem agora nas suas mãos a responsabilidade de conduzir o processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

© CBS

Theresa May tem 59 anos e é licenciada em Geografia pela Universidade de Oxford. Iniciou a sua carreira no Bank of England e foi Chefe de Unidade de Assuntos Europeus e Conselheira Sénior de Assuntos Internacionais na Association for Payment Clearing Services (APACS). Conhecida entre os colegas de faculdade por ambicionar ser a primeira mulher a chefiar o Governo (antes da nomeação de Margaret Thatcher para o cargo em 1979), iniciou a sua carreira política em 1986, na altura com 20 anos, como vereadora no bairro de Merton, em Londres. Exerceu o cargo até 1994. Entre 1988 e 1990 foi Presidente da Educação, e Líder do Grupo de Deputados e porta-voz do Partido Conservador de Merton, entre 1992 e 1994. Em 1997 é eleita deputada conservadora pelo círculo de Maidenhead, em Inglaterra, após duas derrotas nas legislativas. Entre 1999 e 2010 foi membro do governosombra, e em 2002, foi a primeira mulher a liderar o Partido Conservador. Theresa May foi nomeada ministra do Interior em 2010 e tornou-se a ministra do Interior do Partido Conservador com mais anos de serviço. Durante estes anos supervisionou reduções na criminalidade, a reforma da polícia e a introdução da lei da escravatura moderna no Reino Unido, em 2015. Seguida da sua eleição para líder do Partido Conservador, May foi eleita Primeira-ministra do Reino Unido a 13 de Julho de 2016. Tornou-se assim a 13ª chefe do Governo britânico no reinado de Isabel II.

Theresa May chefia um Governo composto maioritariamente por eurocépticos, dois deles foram seus adversários na corrida ao cargo de primeiroministro britânico. Entre eles estão Andrea Leadsom, que está encarregue da pasta da Energia e Meio Ambiente, e Liam Fox, ministro do Comércio Externo. O ex-Mayor de Londres, Boris Johnson, foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, escolha que gerou alguma polémica por Johnson não ter boa reputação ‘lá fora’ (há uma lista de governantes de outros países que já foram ofendidos pelo mesmo) e por ter, contra todas as expectativas, anunciado que não iria candidatar-se à liderança do Governo britânico depois de ter sido um dos rostos da campanha a favor do Brexit. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Philip Hammond, anteriormente ministro dos Transportes, da Defesa e das Relações Exteriores, foi nomeado para a pasta das Finanças. David Davis, antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, vai ser o ministro da nova pasta da Saída da União Europeia. Para sua sucessora, Theresa May indicou Amber Rudd, que é uma das poucas, a integrar o actual governo, que se opôs ao Brexit, para ministra do Interior. Quem também se opôs ao Brexit foi Michael Fallon que se mantém ministro da Defesa (cargo que exerce desde 2014). Liz Truss, que era secretária de Estado do Ambiente e da Alimentação no governo anterior e que também defendeu a permanência do Reino Unido na União Europeia, substitui Michael Gove no ministério da Justiça, o que causou algum burburinho por Gove ter sido um dos principais rostos do Brexit. O ministério da Educação, que poderá vir a ser um dos sectores mais prejudicados devido ao Brexit, está a cargo de Justine Greening. Theresa May chega ao poder num momento de viragem histórica não só para o Reino Unido como também para a União Europeia. No seu primeiro discurso em Downing Street assumiu que irá lutar pela união do país, e que deseja intensificar os laços entre Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte neste momento importante. Recorde-se que a Escócia e a Irlanda do Norte afirmam querer a independência, desde o resultado do referendo. Theresa May acrescenta ainda, que acredita que o Reino Unido está à altura do desafio, e que a principal missão do seu governo será tornar o país num lugar que funcione para todos e não apenas para uma minoria privilegiada, e que juntos construirão um país melhor. Gabriela Moura *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Eleições norte-americanas: o mal menor Depois de umas primárias intensas, ei-los. Os candidatos à presidência dos Estados Unidos são Donald J. Trump, pelo Partido Republicano, e Hillary Clinton, pelo Partido Democrata. Trump teve de enfrentar 16 candidatos e derrubouos a todos. O último combatente a ser derrotado foi Ted Cruz, Senador do Texas, que durante a Convenção do Partido Republicano, em Cleveland, teve a coragem de subir ao palco para apelar aos eleitores: “Votem com a vossa consciência. Votem em candidatos que vocês acreditem que defendem as vossas liberdades e que vão ser fiéis à Constituição.”. O pedido vago e a maneira como conduziu o discurso, em que nunca aludiu ao candidato oficial, deixaram claro que o Senador ultraconservador não apoia “The Donald”. A decisão valeu-lhe ser vaiado pelo público.

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Trump ganha junto ao eleitorado, mas perde dentro do partido, que, desde o início das primárias, tem demonstrado descontentamento em relação a ele. Paul Ryan, speaker da Câmara dos Representantes e figura máxima do partido, mostrou-se relutante em apoiar a candidatura de Trump. Acabou por fazê-lo, mas de uma maneira tímida. É óbvio que Donald Trump é controverso e gera fissuras dentro do partido. A união dos republicanos foi, aliás, um tema abordado no discurso de Ted Cruz e que Mike Pence, o homem escolhido para vicePresidente, resgatou na mensagem que se seguiu.

Há uma coisa que parece unir, de facto, consenso dentro do partido: a necessidade de derrotar Hillary Clinton. O nome da candidata democrata foi sobejamente mencionado e de todas as vezes era capaz de suscitar uma grande onda de protestos no público, que pedia que a prendessem.

“Trump teve de enfrentar 16 candidatos e derrubou-os a todos.” Numa campanha feita por homens, Hillary não foi a única mulher a ter uma posição de destaque durante a convenção. Alguns dos momentos mais mediáticos da convenção foram protagonizados por elas, embora nem sempre pelas melhores razões. Melania Trump, mulher do candidato, fez o discurso mais comentado da semana, já que foi acusada de ter plagiado um discurso que Michelle Obama fez em 2008, na Convenção do Partido Democrata. Apesar de ninguém do partido, incluindo Donald ou a própria Melania, ter pedido desculpa pelo sucedido, a mulher que escreveu o discurso acabou por emitir um comunicado em que assumia a culpa. Sobre o assunto, Trump apenas disse que a atenção que se levantou em torno da questão valeu de publicidade ao discurso proferido pela sua mulher. Mas quem roubou o protagonismo da convenção foi Ivanka Trump. A filha mais velha de Donald subiu ao palco no último dia da convenção, o mesmo em que Donald fez o discurso mais importante da sua vida e, ao contrário do que se viu durante toda a campanha e toda a semana de convenção, conseguiu transmitir uma mensagem positiva e de esperança, numa convenção pautada pelo medo. Ivanka falou em união e inclusão, num homem que não julga as pessoas pela sua cor ou género e que está disposto a lutar pelos direitos laborais das mulheres, enquanto o seu pai falou em construir muros. Se este é o cenário que se encontra à direita, desengane-se quem pensa que à esquerda se encontra um partido mais unido. A Convenção do Partido Democrata, que se realizou em Filadélfia, começou mal mesmo antes de ter começado. Uma fuga de informação (mais uma) demonstrou, a poucos dias do início da convenção, que o Comité Nacional Democrático favoreceu a candidatura de Hillary. Essa era uma acusação que já tinha sido feita por Bernie Sanders, mas que agora foi comprovada através dos emails divulgados pelo Wikileaks. Sobre o assunto, Bernie disse: “não estou chocado. Mas estou desiludido”. Na sequência da descoberta, Debbie Wasserman Schultz anunciou que se demitiria assim que a Convenção terminasse.


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Eleições norte-americanas: o mal menor Qualquer indício de boa vontade que pudesse ter sido dado com a demissão acabou por ser deitado por terra quando Schultz foi convidada por Hillary Clinton a integrar a sua campanha e aceitou o cargo. A decisão provocou, naturalmente, uma onda de descontentamento, liderada por apoiantes de Bernie Sanders, que sempre defenderam que o sistema estava viciado de forma a favorecer os mais fortes. Em muitos dos testemunhos dados, várias pessoas disseram estarem desiludidas porque Schultz foi “premiada” por falhar no seu trabalho, que era manter a imparcialidade dentro do partido. A decisão de Clinton em apoiar a sua “amiga de longa data”, que a terá favorecido para a nomeação como candidata oficial do Partido Democrata às presidenciais, atiçam as críticas de que Hillary é desonesta. Lembre-se que Hillary foi também alvo de uma investigação depois de terem sido divulgados emails em que usou uma conta pessoal para partilhar informação confidencial acerca do ataque de Benghazi em 2012.

“A decisão de Clinton em apoiar a sua «amiga de longa data», que a terá favorecido para a nomeação como candidata oficial do Partido Democrata às presidenciais, atiçam as críticas de que Hillary é desonesta. Não é, por isso, de espantar que o primeiro dia de convenção tenha sido marcado pela indignação dos apoiantes de Sanders, que fizeram questão de apupar todos aqueles que diziam apoiar Hillary, incluindo o próprio Sanders, que subiu ao palco para explicar a importância de eleger Clinton. O Senador do Vermont já tinha apresentado o seu apoio oficial, mas na Convenção Democrata reiterou o patrocínio, deixando claro que isso não significa que tenha abandonado os seus ideais. Afirmou que estava muito orgulhoso pelo movimento que a sua campanha criou e que não estava disposto a abandonar a sua visão, mas garantiu que há um esforço por parte da campanha de Hillary de se aproximar da sua e de adotar algumas das reformas essenciais que Sanders defende. Acrescentou que esta (a de Hillary, com o seu apoio) é a campanha mais progressista que já se fez em solo norte-americano e relembrou que é essencial que a candidata seja eleita, porque é inconcebível que ganhe aquele que descreve como “o pior candidato que alguma vez vi”.

Mas o dia que evidenciou a divisão do partido foi marcado pelo discurso que é apontado como o melhor de toda a Convenção: o de Michelle Obama. A mensagem foi uma chapada de luva branca à campanha de ódio levada a cabo pelo candidato democrata. E foi, acima de tudo, uma mensagem de valores, num dia em que todos os questionavam. O discurso deixou claro que é imperativo derrotar Trump (apesar de o seu nome não ter sido mencionado uma única vez), mas evidenciou também tudo o que faz de Hillary uma excelente candidata – coisa que ficou esquecida em algumas intervenções.

© The Onion

Ao terceiro dia de Convenção, Barack Obama subiu ao palco, também para lembrar que “nunca houve ninguém mais qualificado do que Hillary Clinton para servir como Presidente dos EUA”. O Presidente também falou nos perigos de eleger Donald Trump, e disse que o país nunca esteve tão bem como está agora. Obama criticou fortemente a visão pessimista do país, apresentada durante a Convenção do Partido Republicano, e garantiu que a visão do “medo” não vai ganhar. No mesmo dia, discursou também Tim Kaine, a escolha de Hillary Clinton para seu vice-Presidente. A escolha de Kaine reflete um claro piscar de olho à direita desiludida com Trump. A campanha esforçase, assim, por ganhar os votos dos mais à esquerda adotando medidas defendidas por Bernie Sanders, e à direita escolhendo Kaine para a vice-presidência. O próprio discurso do Senador de Virginia refletiu isso, quando disse aos que “estão à procura do partido de Lincoln, nós temos uma casa para vocês aqui no Partido Democrata”. O candidato é também uma escolha que permite assegurar os votos de alguns grupos minoritários, particularmente os latinos (fortemente atacados pela campanha de Trump), já que Kaine fala fluentemente em espanhol e chegou mesmo a fazê-lo durante o discurso na Convenção do Partido Democrata.


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Eleições norte-americanas: o mal menor Apesar de todos os contratempos, a Convenção terminou com a nomeação de Hillary Clinton como candidata oficial do Partido Democrata a Presidente dos Estados Unidos. É a primeira mulher na história do país a consegui-lo. No seu discurso, Hillary falou do futuro que visiona para o país e apresentou várias medidas que tenciona tomar, algumas são medidas defendidas por Bernie Sanders com as quais ainda não se tinha comprometido. Elogiou o trabalho desenvolvido por Barack Obama e Joe Biden, que conseguiram tirar o país da recessão, mas lembra que ainda há muita coisa por fazer. Como não podia deixar de ser, evidenciou a falta de capacidade governativa do seu adversário, e deixou um apelo ao eleitorado, citando Franklin Roosevelt, quando disse que “a única coisa de que devemos ter medo é do medo em si”. A Convenção Democrata revelou um partido com fissuras, mas também empenhado em derrotar o adversário, à semelhando do que tinha acontecido também na Convenção Republicana. A principal diferença entre um evento e o outro foi que em Filadélfia imperou um discurso de esperança, enquanto em Cleveland o clima era de medo.

“No rescaldo das convenções, vêemse dois partidos desunidos (...)“ É preciso também ressalvar que esta foi a Convenção Democrata com mais diversidade de sempre, com participantes negros, latinos, homossexuais, mulheres, pessoas com deficiências, muçulmanos, transgénero, mulheres negras, homossexuais latinos e todo o tipo de minorias que se possam imaginar. Foi uma convenção em que participaram várias celebridades (Meryl Streep, Sarah Silverman, Lena Dunham, America Ferrera, Katy Perry, etc.) e que teve momentos muito poderosos, como quando subiram ao palco mães de jovens afroamericanos que foram mortos. No rescaldo das convenções, vêem-se dois partidos desunidos, dois candidatos que muitos acreditam não serem os ideais e que lutam pelos votos do eleitorado alegando serem melhor que a alternativa. A três meses das eleições, que se realizam dia 8 de novembro, as sondagens mostram uma luta renhida, sendo que a maioria dá vitória a Hillary, mas há também quem aponte para Trump como próximo Presidente.

© S.F. Chronicle

Inês Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Sir please, don’t kill me Arlon Sterling foi morto a 5 de Julho no Louisiana. Um dia depois, Philando Castille morreu no Minnesota. O que liga estes dois homens? Foram assassinados por agentes da polícia e eram homens negros.

© Patch

O afro-americano Arlon Sterling, de 37 anos, estava a vender CDs perto de uma loja de conveniência quando foi abordado por dois polícias que acabaram por o abater. John Bel Edwars, Governador do Estado do Louisiana, afirmou que as imagens do vídeo “são no mínimo perturbadoras” afirmando ainda a sua preocupação pelo que observou no vídeo. Philando Castille, de 32 anos, foi abatido a tiro pela polícia enquanto tirava a carteira do bolso das calças. O polícia pensava que se tratava de uma arma, e acabou por atingi-lo quatro vezes. A filha e a namorada de Castille estavam também no carro e assistiram a tudo. A namorada de Castille, após o namorado ter sido atingido, fez um Live através do Facebook para mostrar o que se estava a passar. No respectivo vídeo é possível ver o namorado coberto de sangue e deitado sobre ela, e a menina no banco de trás. O polícia mantém uma posição defensiva apontado a arma ao homem ferido durante todo o vídeo. É possível ouvir a namorada gritar “Por favor, senhor agente, não me diga que acabou de lhe fazer isto. Deu-lhe quatro tiros. Ele estava a tirar os documentos!”. Ao que tudo indica, antes do sucedido o homem tinha dito ao agente da polícia que tinha em sua posse uma arma para a qual tinha licença de porte, o que terá levado o agente a pensar que Castille em vez de estar a tirar os documentos como lhe tinha sido pedido, estava a tirar a arma.

Clarence Castille, tio de Philando Castille, em entrevista à CNN, disse que “Nós ouvimos estas coisas a acontecerem nos Estados Unidos da América e por todo o mundo, pessoas a serem abusadas e feridas por aqueles em que supostamente confiamos com as nossas vidas, que nos servem e protegem. E eles tendem a ser os nossos executores, juízes e assassinos”. As mortes dos dois cidadãos afro-americanos foram mote para mais uma manifestação, que foi organizada em Dallas, no dia 8 de Julho, para combater a violência policial contra os negros.

“«Nós ouvimos estas coisas a acontecerem nos Estados Unidos da América e por todo o mundo, pessoas a serem abusadas e feridas por aqueles em que supostamente confiamos com as nossas vidas, que nos servem e protegem. E eles tendem a ser os nossos executores, juízes e assassinos.»” Cinco polícias morreram e outros sete ficaram feridos. Três suspeitos foram detidos e um outro foi abatido. Segundo o Dallas Morning News, o suspeito estava barricado quando morreu e afirmou que tinha em sua posse uma bomba. Acabou por se suicidar. Apesar da ameaça, nenhuma bomba foi encontrada. David Brown, chefe da polícia de Dallas, afirmou que os detidos não estão a querer colaborar, mas suspeita que tenham sido cúmplices. Segundo o mesmo, os homens armados posicionaram-se em locais elevados para atacarem os polícias durante a manifestação. Os Estados de Nova Iorque, Los Angeles e Chicago também foram palco de manifestações -desta vez pacíficas - contra a violência policial em relação à população negra. A 19 de Julho no Kansas, o polícia Terry Zeigler morreu após perseguir suspeitos que alegadamente estavam envolvidos num tiroteio. Quando os localizou, iniciou uma perseguição, mas acabou por ser abatido. Existem quatro suspeitos deste evento, um já se encontra sob custódia, os outros dois estão detidos e um último está a ser procurado. Alegadamente estes quatro suspeitos estavam no carro em fuga. Este é o segundo caso de uma morte de um polícia no Kansas. A primeira durante uma apreensão num caso de carjacking.


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Sir please, don’t kill me

© The Disorder of Things

“Black Lives Matter defende que os negros também têm direito a viver, à sua liberdade e a uma vida digna.” De acordo com o U.S. Uncut, a 21 de Julho, um vídeo amador foi publicado e mostra um terapeuta negro com as mãos no ar a explicar à polícia que não estava armado e que estava a tomar conta do seu paciente autista. Foi baleado por um agente enquanto tentava acalmar o seu paciente. A polícia tinha sido chamada ao local através de uma ligação anónima que alertava para alguém que planeava suicidar-se Kinsey, o terapeuta negro baleado, afirmou que enquanto tinha as mãos no ar pensou “eles não me vão balear. Eles não vão disparar. Uau, estava errado”. Enquanto estava deitado no chão com as mãos no ar, disse aos polícias que não eram necessários tiros, e que o seu paciente só tinha um camião de brincar na sua mão. Quando Kinsey foi atingido pela polícia, perguntou porque lhe tinha atingido, e as palavras do oficial foram “Eu não sei”. O terapeuta ainda revelou que a polícia algemou-o e deixou-o a sangrar durante algum tempo, ignorando os seus pedidos de assistência.

Após estes desastres, a comunidade afro-americana tem-se juntado criando manifestações e movimentos como o Black Lives Matter. Beyoncé, Rihanna, Alicia Keys, Chris Rock, Pink, Kevin Hart, Bono, Adam Levine e muitos outros artistas conhecidos juntaram-se no vídeo “23 Ways You Could Be Killed If You Are Black In America”, em que relatam vários episódios em que um negro foi morto. Este é um dos problemas que a sociedade dos EUA enfrenta, não agora, mas já há muito tempo. Black Lives Matter defende que os negros também têm direito a viver, à sua liberdade e a uma vida digna. Este foi um movimento que se iniciou nos EUA. E como Matin Luther King discursou em 1963 em Washington DC “I have a dream that my four little children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character”. Este é um sonho que continua por se realizar. Os afro-americanos querem acabar com o ciclo de serem mortos e desrespeitados Just For Being Black In America . Sandra Vasconcelos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Começou torto, mas há-de endireitar-se Caminhamos a passos largos para o início de mais uma edição dos Jogos Olímpicos, que começa no dia 5 de Agosto. Com 93 atletas portugueses em competição, as aspirações lusitanas em regressar com medalhas são legítimas, ainda mais se tivermos em conta que contamos com os melhores do mundo, em algumas modalidades. Se no Futebol contamos com uma equipa que, apesar de ser de recurso, está recheada de grandes talentos que nos fazem acreditar numa possível campanha bem-sucedida, é no Atletismo e no Judo que residem as maiores esperanças lusas. Nélson Évora e Telma Monteiro são as personalidades que acarretam maiores esperanças por parte dos portugueses e o triplo-saltador até já sabe o que é ser campeão olímpico, depois de ter vencido em Pequim’2008.

“Com 93 atletas portugueses em competição, as aspirações lusitanas em regressar com medalhas são legítimas, ainda mais se tivermos em conta que contamos com os melhores do mundo, em algumas modalidades. “ Para além destes dois atletas, Sara Moreira, Dulce Félix e Jéssica Augusto também poderão fazer com que “A Portuguesa” se faça ouvir no Rio. As três maratonistas têm obtido grandes resultados nas últimas competições realizadas e pretendem dar seguimento aos mais recentes sucessos alcançados. Uma medalha está ao alcance de qualquer das maratonistas. Caso semelhante é o dos canoístas portugueses, que por sinal, foram os únicos a conseguir uma medalha na última edição dos Jogos Olímpicos, em 2012, através da dupla Fernando Pimenta/Emanuel Silva). Apesar de a dupla segunda classificada nas últimas Olimpíadas não competir junta novamente, as esperanças de trazer uma (ou, quem sabe, mais do que uma) medalha são reais e legítimas. Nunca Portugal levou tantos canoístas para uma edição dos Jogos Olímpicos e os sucessos recentes em competições internacionais – traduzidos em títulos e posições de pódio em vários escalões etários –, elevam as expectativas. O próprio presidente da Federação Portuguesa de Canoagem admitiu que Portugal tem todas as condições para lutar por medalhas.

Há que realçar também os atletas portugueses do Ténis de Mesa. Depois da conquista do campeonato da Europa e de medalhas de ouro nos Jogos Europeus de Baku, os mesa-tenistas lusos estão confiantes na obtenção de um grande resultado, até mesmo na superação dos oitavos-de-final alcançados em Londres ’12. Numa equipa que conta com Marcos Freitas (12.º do ranking mundial) como “estrela” da companhia, João Monteiro e Tiago Apolónia completam a equipa masculina que sonha trazer medalhas para o nosso país. Na competição por equipas, mais do que na categoria individual, Portugal terá legítimas aspirações a chegar às medalhas. Esta edição dos Jogos Olímpicos tem sido, contudo, algo atípica. Alvo de muitas polémicas, até pela instabilidade política que se tem vivido nos últimos tempos em terras de Vera Cruz, metade dos brasileiros mostrou estar contra a realização das Olimpíadas, sendo que 63% sente que a organização trará mais motivos de vergonha do que de orgulho ao país, segundo indica um estudo realizado pela Datafolha. Este sentimento é, inclusive, algo que tem vindo a crescer à medida que a competição se vai aproximando.

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Começou torto, mas há-de endireitar-se

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Um dos fatores que tem causado maior inquietação – não apenas aos organizadores, como também a todos os atletas –, é a possibilidade de propagação do vírus Zika. Já é significativo o número de atletas que se recusa a participar nos Jogos, com medo de ficar infetado, sobretudo tenistas e golfistas, mesmo depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter garantido que o risco de infecção é muito baixo. Nomes como Tomas Berdych, Milos Raonic e Simona Halep, do Ténis, e Rory Mcllroy e Lee-Anne Pace, do Golfe, são alguns dos exemplos de grandes desportistas que abdicaram da presença no Rio de Janeiro. No entanto, a maior preocupação da organização prende-se com os possíveis atentados terroristas. O Daesh já avisou que tenciona “estragar a festa” e promete não olhar a meios para atingir fins. Uma lista intercetada entre duas organizações terroristas sugere que os ataques sejam realizados em aeroportos e transportes públicos, usando táticas de esfaqueamento, envenenamento, sequestro e falsas ameaças. Quase trinta mil profissionais de segurança estarão destacados no Rio de Janeiro, durante os Jogos, na tentativa de evitar qualquer tipo de ação dos terroristas, garantindo que tudo corre como o planeado e desejado.

“O Daesh já avisou que tenciona «estragar a festa» e promete não olhar a meios para atingir fins.”

Por fim, há que destacar também a polémica que envolve os atletas russos nesta edição dos Jogos Olímpicos. Após ter sido tornado público um relatório revelador de um sistema de dopagem com conhecimento e apoio do governo da Rússia, todo o atletismo russo foi suspenso de todas as provas (a excepção é Daria Klíshina, que há três anos treina nos Estados Unidos). Quanto aos outros desportos, o Comité Olímpico Internacional remeteu para as Federações Internacionais de cada modalidade a decisão de banir, ou não, os atletas russos. Em modalidades como Judo, Ténis, Equitação, Tiro com Arco ou Tiro, os atletas russos poderão ir ao Rio de Janeiro. Pelo contrário, na Natação, Remo, Canoagem, Halterofilismo, Luta Livre ou Pentatlo Moderno, alguns atletas não poderão participar. Quase 100 atletas já foram proibidos de participar. A Rússia já considerou esta decisão subjetiva e política. Esta decisão leva a que alguns ex-campeões olímpicos, como Yelena Isinbayeva (salto com vara), fiquem de fora da corrida a nova medalha olímpica. Num evento que está a nascer “torto”, destacamse ainda os problemas com as condições da aldeia olímpica. Muitas comitivas e atletas têm feito queixas e arranjado soluções de alojamento fora da aldeia. A título de curiosidade, nota para a comitiva dos Estados Unidos, que, tal como em 2012, estará alojada num navio, mesmo antes de experimentar a aldeia olímpica. Tiago Sardo


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Os Portugueses vão “apanhá-los todos” O Pokémon Go chegou a Portugal, oficialmente, a 15 de Julho e tornou-se um sucesso. O jogo para smartphones foi lançado em Portugal, Itália e Espanha, depois de já ter sido lançado, dias antes, na Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido. Já milhares de jogadores portugueses saem à rua em busca de personagens como Pikachu, Charmander ou Bulbasaur. O Pokémon Go já se espalhou pela restante Europa e está a ganhar cada vez mais espaço virtual, no mundo real. O jogo mais falado do momento utiliza a realidade aumentada, para misturar elementos virtuais, com o mundo real. Através da localização GPS, mapas e da câmara dos dispositivos compatíveis com a aplicação, o jogo coloca as criaturas virtuais (Pokémons) no mundo real. O objetivo é que o jogador explore diferentes locais do seu próprio Mundo, ao mesmo tempo que completa a sua Pokédex (caderneta virtual de Pokémons) e vence os estágios.

Pelos vários locais onde o jogo se espalhou, têm-se tornado conhecidas as histórias de alguns jogadores mais “ambiciosos”. Na Nova Zelândia, um jovem de 24 anos, que trabalhava num bar na Hibiscus Coast, entregou a sua carta de demissão para poder jogar Pokémon Go a tempo inteiro. Tom Currie já “caçou” 91 das 151 criaturas digitais e diz que prefere percorrer o país à procura de Pokémons, a ter que trabalhar todos os dias. “Consigo explorar cidades onde nunca estive”, refere. A sua experiência mais “excitante” foi em Sumner (Christchurch), onde acompanhou mais de 100 pessoas na caça de Pokémons.

© Expresso

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O Pokémon Go, que advém da famosa série juvenil, é gratuito e rapidamente se tornou viral, tendo alcançado o primeiro lugar na lista de aplicações gratuitas mais descarregadas. No entanto, o aplicativo foi alvo de várias críticas: se, por um lado, o jogo pode potenciar a saúde física dos jogadores e leválos a explorar ambientes urbanos, por outro, também gerou alguma controvérsia, depois de causar alguns acidentes e perturbação pública em alguns locais.

No Museu do Holocausto, em Washington, existem pelo menos três PokéStops (paragens que fornecem PokéBalls aos jogadores). O Museu solicitou aos seus visitantes que por ali deixassem de caçar Pokémons, uma vez que “não é apropriado no museu, que é um memorial às vítimas do nazismo”, explicou Andrew Hollinger, director de comunicação do museu. Também a procura de personagens do jogo no antigo campo de concentração de Auschwitz, na Polónia, foi considerada “inapropriada”. A razão para tanta adesão ao jogo, explica a Nintendo Portugal ao Observador, é o fato de o jogo ter sido sempre bem recebido pelos jogadores nas antigas consolas GameBoy, sendo que desperta o “desejo de colecionar criaturas escondidas nos locais mais recônditos e a satisfação de poder trocá-las com os amigos”. Mariana Pereira Martins *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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The Tall Ships Races 2016: A bordo do Santa Maria Manuela Há mais de 500 anos, partiram de Lisboa os navegadores portugueses à descoberta de novos mundos, deixando para trás a sua família e a sua Pátria.

«Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!»

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A bordo de Gigantes dos Mares, foram muitos os que contribuíram para que a língua portuguesa viajasse pelo mundo.

«Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena.»

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E ainda hoje os portugueses continuam a viajar pelos mares. Portugal recebeu a 60ª edição da competição The Tall Ships Races 2016 em Lisboa, entre 22 e 25 de Julho. Com início em Antuérpia (Bélgica), a frota de 51 veleiros viu culminar a primeira etapa da regata em Lisboa, seguindo depois para Cádiz, Espanha, onde chegou no dia 28, e terminando em La Coruña.

© Rodrigo Martins

Foi no Passeio dos Sete Mares, entre Santa Apolónia e o Terreiro do Paço, que vários portugueses embarcaram numa aventura única. Rodrigo Martins, recém-licenciado em Pilotagem pela Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, embarcou no veleiro Santa Maria Manuela como voluntário. E da partida, que caracteriza como «espectacular», realça «a quantidade de pessoas surreal no cais em Santa Apolónia» e «as pequenas embarcações que se metiam ao lado do navio e diziam adeus».

© Rodrigo Martins

Este navio, lançado ao Tejo em 1937, participou nas campanhas de pesca do bacalhau até ao início dos anos 90. Agora, ao invés de levar pescadores até à Terra Nova e à Gronelândia, o Santa Maria Manuela é um Navio de Treino de Mar. Rodrigo conta-nos que embarcaram, no total, 47 alunos e três professores da Escola Náutica, que «tenta ao máximo criar estas iniciativas». Esta é, então, uma mais-valia para os alunos, que se vêem com «muita teoria e pouca prática, até porque esta área é muito dispendiosa». Para um recém-licenciado, foi também o momento de tomar consciência da realidade, uma vez que ficou «um pouco assustado por não saber tanta coisa», percebendo depois que «é algo que se aprende a bordo e estes embarques são muito importantes» para tal. No dia-a-dia no Santa Maria Manuela, os «convidados» tentaram ajudar no que sabiam: «fomos divididos em três grupos e cada grupo tinha dois turnos de quatro horas para trabalhar por dia, sempre supervisionados pelos tripulantes.». É também um tempo de aprender mais: «Existem várias tarefas a bordo de um veleiro e exige bastante exercício e um bom conhecimento relativamente aos nós e aos cabos. Eles [os elementos da tripulação] içam velas, mudam a sua posição, arrumam o convés, tentam manter sempre os cabos bem amarrados e guardados no seu lugar.». As actividades relacionadas com a navegação também fazem parte dos dias: «o navio tem de seguir um determinado rumo e evitar abalroamentos com outros navios ou obstáculos que possam aparecer, como bóias. Existem várias tarefas na ponte do navio e deve-se manter tudo registado no diário de navegação.»


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The Tall Ships Races 2016: A bordo do Santa Maria Manuela Quanto à regata em si, os navios têm de seguir algumas regras, sendo que uma delas é não usar o motor «entre um ponto de partida e um ponto de chegada». Deste modo, apenas se movimentam tendo em conta o vento. Rodrigo confidencia que algumas embarcações têm vantagens, pelo que se tenta fazer uma «competição amigável» que, mesmo assim, não destrói «algumas batotas», sendo esses navios desqualificados. E se o mar sempre foi um factor de união entre os portugueses, esta equipa de voluntários é a prova disso. Embora já existissem laços entre alguns deles, Rodrigo Martins refere que «uma das grandes vantagens de trabalhar no mar é essa ligação que existe entre as pessoas. Não se encontra isso em terra e ali todos trabalham para o mesmo, todos se ajudam.». A navegar entre os dias 25 e 28, são vários os episódios que ficam gravados na memória de quem foi a bordo do Santa Maria Manuela. Para este voluntário, «o melhor disto tudo foram mesmo aqueles momentos em que podíamos ver o pôr-dosol ou o nascer do sol, não há mesmo palavras».

«Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.»

“(...) «o melhor disto tudo foram mesmo aqueles momentos em que podíamos ver o pôr-do-sol ou o nascer do sol, não há mesmo palavras».” De perigos e aventuras está o mar repleto. Rodrigo não podia abandonar esta regata sem um momento diferente: «A meio da viagem – estávamos a algumas milhas da costa algarvia – o vento era muito fraco e estávamos a ir mesmo muito devagar (se eu andasse a pé, até ia a uma velocidade superior à do navio). Com o calor, o comandante acabou por largar um semi rígido e levou logo cinco pessoas com ele para o mar e afastou-se um pouco do navio. Deixou-nos mergulhar e nadar ali um bocado – eu fui o primeiro a ir –, e isso foi um dos pontos altos da viagem.». Em plena segurança e vivendo uma oportunidade única em mar alto, Rodrigo viu «o pessoal do navio a roer-se de inveja», sendo que depois todos puderam aproveitar.

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© Kevin Marques

© Rodrigo Martins

Chegados a Cádiz, os voluntários assistem ao fim da segunda etapa da The Tall Ships Races 2016. Depois de uns dias no mar, «sabe sempre bem andar em terra firme», mesmo que seja «normal ainda sentir o balanço do navio», afirma Rodrigo. Já no cais, «muitos marinheiros, muitos espanhóis a querer visitar os navios e tirar fotos», mas nada à semelhança da partida de Lisboa, uma vez que «foi uma partida geral e ali [em Cádiz] os navios iam chegando». Mesmo assim, todos foram bem recebidos.


ATUALIDADE

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The Tall Ships Races 2016: A bordo do Santa Maria Manuela Questionado quanto à maior lição que tira desta viagem, Rodrigo não hesita: «O que se vive ali no mar é único. O ambiente que existe ali não se vê noutro lado. As amizades que se criam são muito fortes e o pessoal tem um espírito brutal. Podia dizer muito mais, mas faltam-me as palavras.». Quanto a um futuro no mar, Rodrigo refere que essa «é outra conversa»: «É uma vida muito difícil. Longe de casa, a solidão… Alguns querem, muitos desistem a meio e poucos aguentam. Espero aguentar.» Mesmo assim, o recém-licenciado tem uma certeza bem definida: «Quero ganhar experiência e conhecimento no mar. Só isso. Porque quero ter família, quero estar presente e no mar isso é difícil.». 2

«Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.»

Depois destes dias, Rodrigo já se prepara para uma nova viagem. Desta vez, num navio cruzeiro, durante seis meses: «Se tudo correr bem e assinar contrato, vamos correr o norte da Europa todo, depois descemos e visitamos várias cidades no Mediterrâneo. Daí, vamos percorrer o Oceano Atlântico e explorar a Antártida e depois a América do Sul. Devo desembarcar no Panamá.» Mesmo avizinhando um futuro difícil, Rodrigo não desiste: resta-lhe na alma os vestígios dos primeiros navegadores portugueses – o mar vai ser sempre uma segunda casa.

“(...) «Quero ganhar experiência e conhecimento no mar. Só isso. Porque quero ter família, quero estar presente e no mar isso é difícil.»”

© Kevin Marques

1 - Mar Portugês, Fernando Pessoa; 2 - O Invante, Fernando Pessoa

Alexandra Antunes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Julho - Especial Euro 2016 As datas de lançamento das edições de Junho e Julho não foram “amigas” do sucesso da selecção portuguesa no Euro 2016. Por isso, façamos o justo destaque à equipa nacional, aqui, na rubrica das frases do mês. Temos material riquíssimo. A selecção portuguesa era vista como “underdog”, neste europeu, e, com o decorrer da prova, esse estatuto acentuou-se, pelos primeiros resultados menos positivos. Mas verdade seja dita e honra seja feita, o seleccionador Fernando Santos sempre disse que o objectivo era sair de França com o título europeu. E saiu mesmo.

«Acho que só vou para Portugal no dia 11 e serei recebido em festa» – Fernando Santos Bem sei que agora é fácil dar nota 10 a esta frase, mas vou tentar ser mais imparcial. Para os jogadores, não duvido que tenha sido um enorme “balão de oxigénio” sentir que o treinador acreditava mesmo naquilo. Por outro lado, este tipo de declarações tem muito risco associado, dado que um falhanço na competição trará, inevitavelmente, a cobrança. Além disso, o assumir de uma candidatura ao título, sobretudo numa selecção tida como “underdog”, não é muito valorizado pelas pessoas e soa a “música de violino”, para aumentar a confiança. Mas quem deu música foi mesmo Fernando Santos. Assumiu, explicou, trabalhou e conseguiu. A frase pode ter sido desdenhada, mas, afinal, o homem sabia o que estava a dizer.

NOTA PONTIVÍRGULA: 7/10

«Antes do jogo com a Croácia, ouvi o seleccionador dizer que só ia dia 11 para Portugal. Eu via muita gente a duvidar e a gozar. Isso para mim marcou-me» - Cristiano Ronaldo

Esta frase vem no seguimento da anterior. A crença de Fernando Santos teve um poder tremendo na cabeça dos jogadores. E, após a final, o reconhecimento de Ronaldo perante o mérito do seu treinador não só é justo, como demonstra a gratidão do capitão. Muito bem.

NOTA PONTIVÍRGULA: 8/10

«Quero agradecer à Susana Torres» – Éder, poucos minutos após a conquista do europeu Tenho o maior respeito pelo percurso difícil do Éder enquanto jogador, e até como homem, e não sou ninguém para colocar em causa o trabalho que a Susana Torres [mental coach de Éder] possa ter feito com o herói português da final do Euro 2016. No entanto, foi bizarro o momento em que Éder, minutos depois de oferecer, literalmente, o título europeu a Portugal, fala ao país para agradecer a Susana Torres, ignorando tudo o resto. Não sejamos hipócritas: aquele momento soou a publicidade pura e dura. Pode ter sido muito sentido e sincero, mas o que passou, na minha opinião, foi muito mais fraco do que isso. Em todo o caso, obrigado Éder, pelo golo, e obrigado Susana, por teres reabilitado o Éder... que fez o golo.

NOTA PONTIVÍRGULA: 4/10


OPINIÃO

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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Julho - Especial Euro 2016 «Desta vez não digam que foi demérito dos adversários» – Fernando Santos, após a final Geralmente discreto e humilde, Fernando Santos, após a vitória frente à França, “puxou dos galões”. Um trajecto subvalorizado merecia, no momento do festejo, o “grito de afirmação” do homem que sempre acreditou que fosse possível, mesmo quando todos nós torcemos o nariz.

NOTA PONTIVÍRGULA: 9/10

«A três minutos do fim, não podíamos ir lá insistir e tentar marcar um golo, quando estamos apurados e podíamos sofrer um» – Fernando Santos, após o jogo com a Hungria Amigo Fernando, o que fizeste por nós foi incrível e agradeço por isso. No entanto, não posso deixar passar a parte final do jogo com a Hungria. Estava estabelecido que, se empatássemos o jogo com a Hungria e a Islândia empatasse também com a Áustria (resultados que se verificavam nos últimos minutos das partidas), Portugal apurar-se-ia, é certo, mas, nas fases seguintes, enfrentaria os adversários teoricamente mais fortes como Alemanha, França, Itália, Espanha ou Inglaterra. Caso vencesse o jogo, Portugal enfrentaria equipas mais fracas e teria um caminho mais facilitado até à final. A opção de defender o empate, para mim, não fez qualquer sentido. Percebo a precaução, mas o caminho não se faz jogo a jogo (como os treinadores tanto gostam de dizer), também se faz olhando para a frente. Por sorte, um senhor islandês chamado Traustason marcou um golo à Àustria no último minuto do jogo, oferendo a Portugal a possibilidade de jogar com as tais equipas teoricamente mais acessíveis. Correu bem, mas podia ter corrido tão, tão mal…

NOTA PONTIVÍRGULA: 4/10

«Não sei se Danilo ou William Carvalho sabem fazer um passe de 30 metros, só sabem jogar no meio do campo. E Renato Sanches foi comprado pelo Bayern por 35 milhões (…) mas não tem nenhuma visão de jogo, nenhuma lucidez, nenhuma técnica. Portugal, na final, seja contra a Alemanha ou contra a França, não têm hipóteses nenhumas.» – Jerôme Rothen, antigo jogador francês. Eu sei, agora é fácil trazer esta frase e “esfregá-la” na cara do pobre francês, mas é demasiado difícil resistir à tentação. Quem segue o desporto – e o futebol, em particular – sabe que este tipo de frases, geralmente, resultam muito mal para quem as diz. É aquilo a que se costuma chamar “frase de balneário”. As frases que os treinadores colam no balneário (terá Fernando Santos feito isso?), para motivarem os seus jogadores. Monsieur Rhothen, pôs-se a jeito…

NOTA PONTIVÍRGULA: 1/10

Selecção de frases importantes, que permitem reviver alguns momentos marcantes do Euro 2016: - «Will Grigg’s on fire» – Para tristeza de todos nós, que assistimos à forma apaixonada como os adeptos irlandeses entoavam a música para o avançado Will Grigg, foi uma pena que o jogador não tenha chegado a jogar neste europeu. O seleccionador irlandês foi mauzinho. - «Portugal está muito dependente de Ronaldo e se este não estiver no seu melhor, a equipa perde metade da força» – Diego Armando Maradona, antes do Portugal-Croácia. Na final, perdemos Ronaldo logo na primeira parte. Toma lá, Maradona! - «Não lesionei o Cristiano Ronaldo de forma intencional» – Payet, jogador que lesionou Ronaldo na final do Euro. A campanha que se fez contra Payet, sobretudo durante o jogo, enquanto ainda não havia a euforia do título, foi absurda. Foi uma entrada dura, é certo, mas não foi, de todo, maldosa. - «Ter 10.000 pessoas aqui, vindas da Islândia, é inacreditável. É como ter a família no jogo. Conheço provavelmente 50% dos adeptos» – jogador da Islândia, uma das grandes sensações deste europeu. É incrível o feito de um país com cerca de 300.000 pessoas. É como fazermos uma selecção só do concelho de Sintra e irmos disputar um europeu. Ia ser bonito, ia... Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Ao Rosto Vulgar dos Dias Política No gélido reino do bom senso Pairou sobre a Península Ibérica um vento gélido vindo de Bruxelas, tão gelado que quase que nos perturbou o verão quente. Foram semanas ventosas à espera da decisão da Comissão Europeia sobre se sancionaria ou não Portugal e Espanha, para depois nos gelarem com a decisão. Multas. Ou então não necessariamente multas, mas cortes nos programas de financiamento. Fez fresquinho enquanto se esperou para se saber que forma é que, efetivamente, as sanções iriam tomar. E eis que o Sol voltou a brilhar. Afinal já não há penalizações para os países Ibéricos. Fala-se de telefonemas entre ministros das finanças e membros da Comissão, mas quem terá sido decisivo para o cancelamento das sanções foi o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble. O anti-herói terá ligado a vários comissários para apelar à não aplicação das multas.

A verdade é que os dados da execução orçamental do mês passado apontam para uma descida acentuada no défice, em relação ao período homólogo, mas dão conta de uma subida em relação ao mês anterior. As variações mensais são voláteis e dizem pouco acerca da concretização orçamental anual. O que se prevê é que o défice fique abaixo do limite dos 3% estabelecidos pela Comissão Europeia, mas bastante acima da previsão feita pelo Governo. Note-se que a Comissão impôs a Portugal um limite de 2,5%. Para cumpri-lo, serão, certamente, necessárias medidas extraordinárias.

“Fala-se de telefonemas entre ministros das finanças e membros da Comissão, mas quem terá sido decisivo para o cancelamento das sanções foi o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble.” Mas, para analisar a razoabilidade da decisão (e da contra-decisão), é preciso perceber o que estava em causa. Portugal e Espanha estiveram sob fogo por terem tido défices excessivos em 2015. No entanto, o problema não era só esse, já que, se fosse, outros países também teriam que ser incluídos no pacote sancionatório. O problema é que a Comissão viu nos países Ibéricos poucos esforços para a redução do défice e acha que a execução orçamental atual dita que, no final do ano, as metas não serão novamente cumpridas. Ou seja, a ameaça de sanções não passou de uma espécie de bullying, para que sejam tomadas medidas adicionais que permitam equilibrar as contas públicas. Em Espanha, Rajoy já garantiu que serão feitos ajustes. Em Portugal, o governo acredita que nada faz prever que as metas para o défice não possam ser alcançadas com as políticas adotadas.

© Notícias ao Minuto

Em tempo de rutura na União Europeia, imperou o bom senso, mas fica-se com a sensação de que não será por muito tempo e que virá, certamente, com um preço a pagar. Inês Linhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Law & Other Things Direito Estatuto dos Animais Ao longo das últimas semanas, e devido aos crescentes casos de maus tratos e abandono de animais, têm sido ouvidos no Parlamento vários partidos, em sede de comissão parlamentar, para se estabelecer de um novo estatuto jurídico para os animais. Esta iniciativa pretende alterar o regime jurídico dos animais e penalizar algumas condutas.

© Vet Sul

Actualmente, em debate no Parlamento, estão quatro projectos de lei que incidem numa mudança do estatuto do animal e outros três que prevêem o agravamento de sanções para os detentores de animais de companhia, em caso de maus tratos. O projecto de lei do PSD pretende “materializar aquela que é hoje uma convicção social generalizada – a de que a especificidade dos animais exige, também no direito civil, a distinção entre os animais e as coisas”. O objectivo da iniciativa socialdemocrata é acentuar, como decorrência deste entendimento, a protecção conferida aos animais, através de regimes previstos no Código Civil e que, no quotidiano, são de relevância prática evidente. Por sua vez, o PAN apresenta uma proposta em que refere que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade com valor intrínseco, e titulares de interesses juridicamente protegidos”, defendendo os animais como portadores de personalidade jurídica dentro das suas inerentes limitações.

Os partidos reconhecem falhas na aplicação das sanções, em relação aos maus tratos a animais, dado que existem certas lacunas não reguladas na actual lei. Por exemplo: no caso de a morte de um animal de companhia, mesmo que haja culpa do dono do animal, o facto de não ter sido precedida de maus tratos, não permite a imputação de qualquer sanção ou pena. Para além da do PSD, as propostas do PAN e do Bloco de Esquerda – mais próximas entre si e com objectivo coincidente – pretendem uma extensão das penas de prisão a quem maltratar, abandonar ou matar todos os animais, e não só os animais de companhia. Propõem igualmente o sancionamento dos casos acidentais ou de negligência, o que pode levar a situações extremas. Supondo que tal legislação entre em vigor nos termos referidos, o automobilista que atropele ou mate um escaravelho ou uma formiga (intencionalmente ou não) é logo constituído arguido e poderá incorrer em pena de prisão.

“Os partidos reconhecem falhas na aplicação das sanções, em relação aos maus tratos a animais, dado que existem certas lacunas não reguladas na actual lei.” É imperativo que este tipo de alterações sejam devidamente parametrizadas e fundamen-tadas nos seus conceitos, sob pena de se cair numa generalização de penas de prisão e, consequentemente, atingirmos um cenário de aplicações cegas e extremistas das leis civil e pena. Em última análise, a quantidade de coimas e penas podem pôr em risco sectores como a pesca e pecuária, devido à penalização dos próprios trabalhadores destas indústrias. O próprio investimento pode ser desincentivado. Nuno Martins *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Pensar Diferente! Psicologia

O Movimento da Escola Moderna Hoje vou falar-vos acerca do Movimento da Escola Moderna (MEM), que se encontra inserido no vasto mundo da psicologia educacional. A educação é mais do que uma simples aquisição de conhecimento: deve promover e desenvolver características pessoais, dando liberdade ao indivíduo para realizar as suas próprias escolhas na sociedade. A pedagogia do Movimento da Escola Moderna aparece como uma possível solução para enfrentar e suceder ao modelo atual da escola tradicional. O mesmo tem vindo a desenvolver-se ao longo dos últimos 50 anos, tendo início na década de 60, perante um regime político opressor que não tolerava a liberdade de associação ou de organização. Este modelo pedagógico teve a sua inspiração no pedagogo francês Freinet e baseia-se em princípios democráticos e na crença de uma educação inclusiva.

“A educação é mais do que uma simples aquisição de conhecimento (...)“ O MEM apresenta três grandes objetivos formativos: a iniciação a práticas democráticas, a reinstituição dos valores e das interações sociais e, por último, a reconstrução da cultura. A primeira consiste na cooperação e na solidariedade na comunidade democrática; a segunda sublinha a importância de uma reflexão constante de forma a explicitar valores, significações sociais e permitir que professores e alunos cooperem na tomada de decisões, bem como no acordo de atividades e projetos a desenvolver em redor dos conteúdos programáticos. A terceira implica uma nova perspetiva sobre a aprendizagem, ou seja, um processo sociocultural e colaborativo em que os conhecimentos são reconstruídos com base no diálogo. Este modelo atua em diferentes níveis educacionais, contudo no ensino pré-escolar verificam-se três condições essenciais. A primeira refere-se ao facto de os grupos estarem organizados com crianças de diferentes faixas etárias, assim como capacidades, enriquecendo a aprendizagem cognitiva e social das crianças. Deste modo cria-se uma zona de capacitação que pretende com a ajuda do educador permitir à criança a realização de tarefas que não consegue sozinha, tal como Vygotsky propôs através da Zona de Desenvolvimento Proximal.

A segunda condição remete para a existência de um clima de expressão livre, com base nas experiências de vida das crianças e ideias, bem como opiniões das mesmas. Por fim, é permitido às crianças um tempo dedicado à exploração, descoberta de materiais e documentos, onde estas são estimuladas a colocarem as suas próprias questões. Pensa-se que somente através destas oportunidades as crianças serão capazes de compreender e se envolver de forma ativa e permanente no mundo à sua volta. A fim de colocar em prática os conceitos teóricos propostos pelo MEM, foram desenvolvidos um conjunto de instrumentos de trabalho denominados de “instrumentos de pilotagem”. Alguns deles são o mapa de presenças, o mapa de atividades, o diário de grupo, o mapa das regras de vida e os quadros de distribuição das tarefas.

© Rita Santos

Em suma, o MEM centra-se na formação contínua dos professores, que refletem sobre as suas práticas, partilha de experiências e de instrumentos de trabalho. Consiste em respeitar as diferenças individuais, assim como interesses e necessidades dos alunos para garantir o sucesso global permitindo uma pedagogia diferenciada. Esta organização impulsiona o desenvolvimento moral e cívico, a capacidade de iniciativa dos alunos pela aprendizagem democrática e a interação educador/aluno. Rita Santos


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Cuida-te! Instituto de Ciências da Saúde

De Finalistas a Enfermeiros No passado dia 9 de Julho realizou-se a cerimónia da bênção das mãos e dos estudantes finalistas do curso de licenciatura em Enfermagem da Escola de Enfermagem, do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. A cerimónia realizou-se na Sé Catedral de Lisboa, foi presidida pelo bispo auxiliar Joaquim Mendes e contou com a presença de vários familiares, amigos e colegas dos recém Enfermeiros. Foi uma manhã de grandes emoções para todos os que estiveram presentes para felicitar e testemunhar a celebração do compromisso e juramento Nightingale. Este juramento consiste na promessa, perante os presentes, de dedicação da vida profissional ao serviço da humanidade. Respeitando a vida desde a conceção à morte, respeitando os preceitos da ética e moral, honrando a profissão de Enfermagem. Ao longo de quatro anos, os estudantes de Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa dedicaram-se de forma a conseguirem concretizar uma grande objetivo: ser Enfermeiro! Este dia foi, por esse motivo, muito significativo para cada um dos novos Enfermeiros, sendo que possível observar o sentimento de felicidade no olhar de cada um deles.

“Foi um dia de gratidão, de acompanhamento, de vivência de milhares de sentimentos. Mas não foi o fim, foi um até já.“ Sandra Gancinho, aluna finalista, deixou o seu testemunho: “A Benção das Mãos & Cerimónia de Compromisso é tida como o fim. É o culminar de 4 anos de esforço, dedicação, luta e perseverança. É dos momentos mais esperados ao longo de toda a Licenciatura. Ao assistirmos às cerimónias dos anos anteriores é comum tentarmo-nos pôr no lugar do outro e tentarmos experienciar os sentimentos por eles vividos. No entanto, esta experiência não é nada, comparada com o que sentimos no dia da NOSSA bênção. É e foi um momento de ambiguidade de sentimentos. Por um lado a alegria e orgulho de ter concluído o percurso que vai ditar o resto das nossas vidas; por outro, a tristeza de deixar tudo e todos para trás. É um dia de lágrimas, de sorrisos e de orgulho, que se vê transbordar nos olhares e nas palavras. A presença dos colegas, dos amigos, dos familiares é das coisas mais importantes e fundamentais neste dia. Estar com aqueles que nos acompanharam ao longo destes anos é, neste dia, ainda mais especial, pois estão lá para assistir à última etapa do nosso curso. Foi um dia de gratidão, de acompanhamento, de vivência de milhares de sentimentos. Mas não foi o fim, foi um até já. E para terminar, deixo a citação que marcou o dia e que, para muitos, é o resumir destes 4 anos. “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós” (Antoine de Saint-Exupéry).” Parabéns Srs. Enfermeiros!... E já sabem, cuidem de nós e CUIDEM-SE!

© Facebook Há Saúde na Católica

Sónia Araújo


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Banco de Suplentes Desporto “Senhor Presidente, Eu Também Quero” Ponto prévio: Sou um grande apreciador de atletismo e, como desportista e seguidor atento do desporto, tenho noção dos sacrifícios aos quais um atleta de alta competição está exposto (sobretudo os do atletismo, que, em Portugal, têm muito pouco apoio federativo, valendo-se um pouco dos seus clubes e muito do seu esforço pessoal e dos seus treinadores). Por tudo isto, tenho o maior orgulho em ver atletas portugueses com bons resultados a nível europeu e internacional e estou seguro de que eles serão grandes, muito grandes, nos Jogos Olímpicos, em Agosto. Feito este ponto prévio, quero aproveitar este espaço para opinar acerca da condecoração dos atletas medalhados no Europeu de Atletismo e, por extensão, do “choradinho” feito por Jéssica Augusto. Após a recepção apoteótica aos campeões da Europa de Futebol, Jéssica Augusto, medalhada de bronze na meia-maratona, disse: “Também gostava de ser comendadora, mas pelo andar vai ser difícil. Vamos ver se o nosso Presidente repara em nós”. Chegou a hora de recordarem, pela primeira vez, o ponto prévio com que comecei o texto. Já está? Então agora vamos lá ver se nos entendemos. Ganhar um Europeu de Futebol não pode (ou melhor, não deve) ser comparado a ganhar uma medalha num Europeu de Atletismo. Um Europeu de Atletismo, por muito errado que isto esteja (e está), é um evento com pouca expressão e que ocorre com alguma frequência – intercalam com os Mundiais, ou seja, todos os anos temos uma grande competição de Atletismo –, ao contrário do de Futebol, que ocorre de quatro em quatro anos. Mais: é um Europeu, não é um Mundial. E considerando que, no Atletismo, algumas das principais potências estão fora da Europa, isso faz alguma diferença, embora não retire qualquer mérito aos medalhados europeus. (ler o ponto prévio). Repito: um Europeu de Futebol é algo que acontece de quatro em quatro anos e que é o apogeu de uma nação. Ou agora já todos esquecem a excitação geral nas redes sociais, desde que Portugal chegou ao Europeu? Alguém (do público, não da imprensa), nessa altura, falou de Atletismo ou de qualquer outra modalidade? Claro que não. Porquê? Porque uma pequena percentagem da população consegue dividir a sua atenção por várias modalidades. É assim. Pouco se poderá fazer.

Seguindo na questão da pouca expressão do Europeu do Atletismo, repito que é algo que está errado. O Atletismo deveria ser mais apoiado a nível estatal? Sim, claro. As Federações de Atletismo deveriam ter mais recursos? Sim, claro. Os atletas merecem ter mais e melhores condições de trabalho? Sim, claro. Mas quer queiramos, quer não, o Futebol é um Desporto que consome grande parte da preferência do público. E não só aqui, mas por todo o Mundo. O Futebol está para Portugal, como o Esqui está para Andorra, como o Hóquei no Gelo para a Finlândia ou como o Críquete para a Índia. Poucos países conseguem dar igual (ou semelhante, pelo menos) importância a vários Desportos. A excepção será o caso dos Estados Unidos, cuja dimensão, organização desportiva, base de recrutamento e modelo de cobertura mediática abre espaço a várias modalidades como Futebol Americano, Basebol, Basquetebol, Atletismo e até Natação.

© Move Notícias

Não é difícil reconhecer que a cobertura feita pela imprensa desportiva portuguesa “vira as agulhas” quase todas para o Futebol. E isso está errado, claro. Mas esta questão deve ser analisada caso a caso, isto é, se, num determinado dia, um atleta de uma modalidade “menor” vence uma prova importante, será conveniente fazer uma capa e um destaque? Claro que sim! Mas em termos conjunturais, é extremamente difícil para um país como o nosso alterar todo o paradigma de cobertura desportiva e descentrar as atenções do Futebol, por muito que se torne chato, cansativo e, por vezes, absurdo.


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Banco de Suplentes Desporto Por muito que seja habitual criticar a imprensa e os jornalistas pela polarização da cobertura mediática, penso que será mais justo criticar uma população que só quer ver Futebol à frente. Eu sei, é uma bola de neve. Mas esta bola de neve, para mim, só pode ser derretida por quem consome, e não por quem produz. Não se pode produzir 100 quando o retorno desse Desporto é 50. E isso, por muito triste que seja, é uma fatalidade num país como o nosso e numa conjuntura económica como a nossa. O Futebol dá um retorno (tanto financeiro como na audiência) que nenhum outro desporto dá. Chegou a altura de recordarem, mais uma vez, o ponto prévio. Já está? Obrigado!

“O Presidente da República acedeu ao “choradinho” de Jéssica Augusto e abriu um precedente perigoso.” Esta parte é extremamente importante e será, porventura, o meu principal argumento. O Atletismo e os desportos de pista têm o seu ponto máximo nos Jogos Olímpicos. Esses, sim, estão ao nível de um Europeu ou Mundial de Futebol e quando os atletas trazem medalhas dos Jogos Olímpicos, NINGUÉM questiona que eles sejam recebidos e condecorados pelos seus feitos. É altura de parar de comparar coisas incomparáveis. Chegou a altura de recordarem, pela quarta vez, o ponto prévio. Para o fim, guardo outro argumento de peso, embora mais mordaz. A atleta Sara Moreira, medalhada de ouro na meia-maratona, foi uma das condecoradas no Palácio de Belém, após os apelos de Jéssica Augusto e de altos dirigentes do Atletismo nacional (só Marcelo Rebelo de Sousa saberá se pretendia condecorálos, mesmo sem esses apelos). No entanto, quando questionada acerca de uma possível medalha nos Jogos Olímpicos de Agosto, a resposta foi curiosa. “Uma medalha no Europeu não equivale a uma medalha nos Jogos”, disse a atleta nortenha. Bravo! Deixem-me ver se percebi bem: para pedir uma condecoração e reclamar atenção igual ao Europeu de Futebol, os campeonatos da Europa de Atletismo eram muito importantes. Mas quando se fala de medalhas olímpicas a conversa já é diferente (os atletas procuram baixar a expectativa e o peso nos ombros) e o Europeu de Atletismo, afinal, já “não equivale a uma medalha nos Jogos”.

© Tv Europa

Nota ainda para Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República acedeu ao “choradinho” de Jéssica Augusto e abriu um precedente perigoso. Agora, como já se tem visto, todos os atletas medalhados em provas internacionais reclamarão condecorações (os apelos têm sido sucessivos e de várias modalidades). O facto de ser sido “a pedido” retirou o brilho e a espontaneidade a esta condecoração. Quando disse o que disse, Jéssica Augusto, muito provavelmente, não contaria que o Presidente cedesse e quis apenas “fazer barulho” e reclamar atenção para os atletas. Para além de responder a Jéssica Augusto, escrevi este texto para responder a todos os apelos que, por essas redes sociais fora, pediam tratamento igual para os medalhados europeus no Atletismo, para os campeões da Europa de Futebol e para tantas outras modalidades “menores”, ainda que valorosas. Mas não precisava de o ter feito. Penso que Sara Moreira respondeu a Jéssica Augusto. Vamos ler mais uma vez? Vamos! “Uma medalha no Europeu não equivale a uma medalha nos Jogos”. Obrigado, Sara, estou contigo! Estou contigo nisto e estou contigo (e com todos os grandes atletas que temos) nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos que aí vêm! Há muito boas perspectivas de medalhas. Boa sorte, malta! Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Cabide Moda Passado, presente e futuro Passaram dois anos desde que comecei este projecto que é “O Cabide”. Foi tão divertido como sufocante: dois anos é muito tempo para uma pessoa sem formação nesta área arranjar alguma coisa para “dizer”. Na maioria dos casos, tinha sempre alguma crítica a tecer, mas essa é a minha natureza enquanto pessoa. Acredito que posso ter ofendido várias pessoas com as minhas colunas e, por isso, não peço desculpa. Volto a repetir-me: a moda está na moda e todas nós queremos ser bloggers, receber coisas de graça e fazer parte deste fenómeno glamoroso. Mas a vida não é o Instagram e, quando nos deparamos com a dura realidade desta indústria, a maioria não aguenta. Para terminar num tom mais esperançoso, vou contar-vos a minha experiência numa revista de moda. Desde que me lembro, que quero trabalhar nesta área. Foi difícil. Não é uma indústria muito desenvolvida no nosso país. Funciona como lobby e “factor c”, só os amigos dos amigos é que entram. E eu, como não tinha nenhum amigo, tive de escavar até encontrar uma brecha por onde conseguisse entrar. Passei os últimos quatro anos a estagiar. Passei pelos ateliers do Valentim Quaresma e do Filipe Faísca e até passei um mês na redacção da Edit Mag! Houve um dia em que recebemos um email da faculdade, daqueles com vagas para estágios em que pediam pessoas para a Cofina. Eu lá actualizei o meu currículo e escrevi especificamente que queria ir para a Vogue (não tinha interesse nenhum em ir parar ao Correio da Manhã)Esperei muito tempo pela resposta e acabei por perder a esperança. Só dois meses depois, e quando já me tinha esquecido deste falhanço, é que me contactaram. Saltei de alegria (literalmente), era o realizar do meu ultimate dream. Foram três meses de redacção. Redacção a sério. (dentro do que é possível numa revista de moda). É um mundo novo, do qual o mero mortal nem se apercebe. Toda a mecânica de uma revista de moda é pensada ao pormenor: há a directora, a chefe de redacção, os jornalistas, o director criativo, as directoras de moda e shopping, a editora de beleza, a equipa da arte (que monta a revista) e, ainda, a equipa da plataforma online.

“Tive de aprender a escrever “à Vogue” – dar asas à imaginação, recorrer ao museu imaginário do leitor e salpicar com muitos adjectivos apelativos.” Balançar todas as posições dentro de uma revista criativa envolve uma grande perícia, pois cada pessoa tem ideias e visões diferentes que têm de ser coordenadas de uma forma harmoniosa, sem fugir à essência e ao modelo editorial do que é a Vogue. Sem contar com o departamento de comercial e publicidade: para além das visões criativas da equipa, é necessário integrar as marcas que anunciam na revista nas páginas de notícias ou nas sugestões de peças, sem que pareça publicidade gritante. Não é um ambiente nada fácil, especialmente em fecho de revista (no final do mês, na altura em que a revista tem de ir para a gráfica). A tensão está em alta e os ânimos exaltados. Todos trabalham freneticamente. São nove horas passadas à frente de um computador a escrever incansavelmente, tanto para a revista como para a plataforma online. Foi difícil, mas aprendi imenso. Percebi que as notícias não são assim tão lineares como nos ensinam. Aprendi que cada jornal e revista tem um estilo próprio pelo qual nos temos de guiar. Tive de aprender a escrever “à Vogue” – dar asas à imaginação, recorrer ao museu imaginário do leitor e salpicar com muitos adjectivos apelativos. Parece fácil, mas não é, especialmente para quem vem formatado da universidade a uma escrita simples e estritamente informativa. Aprendi sobre moda e todo o seu meio envolvente. E aprendi sobre como o trabalho de equipa pode resultar em algo visto e lido por uma grande parte da população. Isto tudo só para vos dizer que aprendi que se é mesmo isto que quero, não posso desistir. Catarina Veloso *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Fita Queimada Cinema Os filmes do Verão 2016 Com o início do Verão vem o chamado período de “Blockbusters” – uma época em que são lançadas no cinema as maiores apostas do cinema norteamericano. Mesmo tendo em conta que cada vez mais estes filmes são distribuídos por outras épocas – Natal e Março –, continua a haver alguns lançamentos de primeira fila neste Verão. Talvez o mais aguardado seja mesmo “Suicide Squad”, de David Ayer, que chegou ao cinema na última semana de Julho. O aguardado filme procura competir com os heróis da Marvel, recorrendo ao “trunfo na manga” da DC Comics, que são os seus vilões: icónicos, complexos e com capacidade de rivalizar com qualquer herói da marca. Muitos acreditam que é esta a aposta que pode finalmente rivalizar com a Marvel (afinal a grande fraqueza da Marvel está nos seus vilões) e lançar um universo monolítico depois do desaire deixado por “Batman vs Superman: Dawn of Justice”. Por seu lado, a Disney continua a aposta num universo de versões mais sombrias e adultas dos seus clássicos de animação, desta vez com “Tarzan”. O filme já nos cinemas portugueses é uma amálgama do livro de Edgar Rice Burroughs com “Heart of Darkness” de Joseph Conrad. O resultado? Uma mistura de comentário social sobre o colonialismo e um filme de acção que entretém, mas que acaba por ser pouco memorável. Na animação, já vimos “Finding Dory” a aliviar a preocupação de muitos que temiam o pior para esta sequela de “Finding nemo”. Contudo, o filme de animação de que se tem falado é “The Secret Life of Pets”, que tem dominado os cinemas americanos e europeus; é talvez a surpresa de animação deste ano. Quanto a Spielberg e “The Big Friendly Giant”, tal como “Tintin”, este é um bom filme com a marca do autor, embora não tenha tido grande presença nas bilheteiras. Para os fãs de ficção científica, chegou também no fim de Julho “Star Trek Beyond”. O terceiro capítulo da saga moderna de Star Trek tem dividido os fãs devido à sua aproximação com “Star Wars” e distanciamento da temática filosófica que tornou as séries originais em televisão de culto. As primeiras críticas têm dado uma nota positiva ao filme, portanto espera-se que este seja mais um êxito mesmo tendo em conta os seus detractores.

© Youtube

Também o Terror tem tido um bom Verão. O segundo capítulo sequencial no franchise dos especialistas ocultos Warren – “The Conjuring 2” teve um lançamento sólido e conseguiu manter a qualidade do seu predecessor (ao contrário de “Annabelle”). Outra aposta forte é a de “Lights Out”, realizado por David Sandberg, e que chegou no dia 21 aos cinemas portugueses. Tem sido apreciado por críticos e por fãs do género, enquanto “The Woods”, a sequela/remake secreto do “Projecto de Blair Witch”, chega em Setembro e está a gerar já alguma expectativa sobre se valerá a pena mexer num clássico do Terror. Por fim, queria agradecer a todos os que leram a coluna, mesmo estando eu mais distanciado do jornal este ano devido a já ter terminado o curso. Fiquei bastante feliz com o “feedback” que fui recebendo. Queria também agradecer à Catarina Veloso, não só pela oportunidade como também pela força e paixão que teve pelo jornal. Se não houve mais, ou se as coisas podiam ter corrido melhor, não foi por falta de querer ou por trabalhos deixados por ela, que ao contrário de alguns assumiu sempre o compromisso feito. Obrigado a todos, um bom verão e bons filmes. Pedro Pereira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Música nos Tempos que Soam Música Spring Tostando no Verão e o Underground Português Nem sei se alguém vai ler este texto, mas esta é a última coluna de música do Pontivírgula que vou escrever. Espero deixar alguma coisa para trás. Espero que, se tiver um leitor que seja, ele recorde bem estas palavras. O melhor ficou guardado para o fim. Nesta última edição tentarei dar-vos a conhecer uma editora lisboeta independente, que edita exclusivamente em cassete e representa uma pequena parte da emergente cena nacional alternativa. Com apenas um ano de vida, deixo-vos um nome a ter em conta, num futuro próximo: Spring Toast Records. Nascida no início de 2015, começou por ser uma ideia de um dos membros dos Mighty Sands, tornada possível quando estes conheceram Rui Moreira, produtor, engenheiro de som, génio na construção de instrumentos de raiz e dono de um estúdio na Graça. Com o apoio deste, criaram assim um selo por onde editar o primeiro EP da banda, o bem recebido “Big Pink Vol.1”. Depois de algumas mutações, o grande propósito desta editora consiste na criação de um espaço comum de entreajuda para bandas emergentes, tentando dar-lhes oportunidade de expor e partilhar as suas canções. Fazer acontecer, tornar possível, é o mote. Juntar amigos, criar música, e deitá-la cá para fora, ao mesmo tempo que se tenta facilitar o processo de crescimento de novas bandas, no seio do promissor underground português, nos tempos de uma indústria musical cega e caótica.

“(...) o grande propósito desta editora consiste na criação de um espaço comum de entreajuda para bandas emergentes, tentando dar-lhes oportunidade de expor e partilhar as suas canções.” No entanto, com apenas um ano de existência, a Spring Toast dá ares da sua graça. Contam já com a edição da aclamada primeira longa-duração de Filipe Sambado, “Vida Salgada”, o segundo EP de Mighty Sands, “Big Pink Vol.2”, um single de Sun Blossoms e espera-se também a edição da cassete de Vaiapraia e as Rainhas do Baile, no final do Verão, e algo de Jasmim, ainda sem data conhecida.

“Vivemos bons tempos para fazer música alternativa em Portugal (...)”

© Facebook Spring Toast Records

A editora que falo nesta peça é apenas uma parcela de toda uma explosão de novas bandas e editoras portuguesas, que criam pela música e não pelo dinheiro. Fogem às grandes editoras que estagnam e restringem o processo criativo, fazendo tudo por eles próprios, mantendo assim a sua arte intacta, pura, limpa. Por agora, toda esta cena pode passar-vos despercebida, mas tenho a certeza que, de uma forma ou de outra, se hão de cruzar com alguma representação da mesma, não terão outra opção. Vivemos bons tempos para fazer música alternativa em Portugal e acreditem quando vos digo, com a ajuda e motivação de tantas jovens mentes prolíficas, o underground não se vai manter debaixo da terra durante muito mais tempo! Miguel Freitas *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Literalmente Metafórica Literatura E viram-se livres dela… mas vem um pior! Cliché nº 9: para todo o fim existe um novo começo. Agora, se quisesse escrever sobre um assunto sério nesta que é – oficialmente – a minha última coluna de Literatura, falaria garantidamente na questão das obras inacabadas. José Saramago não acabou Alabardas, Alabardas e fizeram-no por ele; Jorge de Sena também não terminou Sinais de Fogo mas deixaram-no como estava. E são tantos os que passaram pelo mesmo: Joyce, Kafka, Camus, por exemplo.

© Obvious Mag

E é já aqui que vou contrariar o cliché inicial: seus grandessíssimos palermas, não tentem acabar de escrever algo que não é vosso. Estavam dentro da cabeça do escritor? Não. Sabiam ao certo o que ele queria? Também não (provavelmente nem ele). Então nem tentem! Perdem logo uma leitora. Prefiro mil vezes ler uma coisa que não tem um fim certo, ao invés de ler algo que foi acabado por outra pessoa. Depois desta última breve demonstração do meu mau feitio (que se baseia na ruindade pegada pelo Diogo Barreto que me revê os textos – obrigada, mil vezes, por puxares por mim!), vou dedicar-me ao que realmente me traz aqui, nesta última coluna. Por agora, não quero falar mais de Literatura em si (woow, aproveitem que isto não dura muito!), mas de quem também tem uma grande paixão por livros, de tal forma que vai mostrar isso aqui mesmo, no próximo ano. Mas eu adianto já um bocadinho da história…

Era uma vez um miúdo (da minha idade, mas um miúdo só porque me apetece) que consegue passar mais tempo do que eu na Feira do Livro. Melhor, consegue repetir mais vezes um “quero tanto ler isto!” e tem paciência para me acompanhar Feira acima. Descobri-o, por acaso, numa reunião do Pontivírgula. «Alexandra, olha o Amiguinho da Literatura!», disse a excelentíssima directora. «Então, o que lês?», perguntei eu. Conversa arrastada para o bar e uma ideia em mente: «Se ele escrever como deixa parecer, passo-lhe a coluna e de certeza que fica em boas mãos!».

© Mhp Books

Este Amiguinho, de nome Francisco Cambim, disseme (ups, foste enganado, desculpa!) que, se fosse um livro, era «um livro de poesia ou um romance filosófico». Pelo que tenho visto (e lido), acho que lhe dou toda a razão. O miúdo escreve bem, tem alma. E, além de saber escrever, sabe ler. Vão perceber isso daqui para a frente, garanto-vos. Quanto a mim, despeço-me deste «Literalmente Metafórica» com uma repetição do cliché inicial: para todo o fim existe um novo começo, Amiguinho da Literatura. E acredito que este tem tudo para ser em bom. (A prova são as sugestões de livros para este mês. Vão lá dar uma vista de olhos, que o rapaz já está a dar cartas.) Alexandra antunes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


TEXTO CRIATIVO

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Olhar de Prata Produção Escrita A última viagem Não havia forma de transitar sem estar atento à cedência de passagem. A herança deixada era demasiado pesada para que fosse desonrada. Como tal, estava obrigado a cumprir as regras que havia aprendido nas lições de código de escrita criativa. Em tempos pensei que tinha de saber distinguir bem entre os objectos de análise de mês para mês, uma espécie de acuidade visual. O medo de ser apanhado em contra-ordenação e de não atropelar os transeuntes na via da leitura causava-me atenção à estrada e aos limites de palavras para que não fosse multado em vão. Uma forma de o evitar foi continuar a escrever sempre com as mãos ao volante do antigo acordo ortográfico, do qual gosto do motor e que certamente é mais eficiente que as modernices e politiquices dos interesses que criaram esse veículo com falhas mecânicas e estruturais. E, como cinzas que a urna leva, depositou-se a minha alma e a entrega numa folha em branco, preenchida por letras digitadas entre a pressa e a ânsia de divulgar mais poemas, sempre de olho no conta-quilómetros para ver se era dos primeiros a estacionar os meus projectos no espaço reservado ao Olhar de Prata.

Um caminho sinuoso, perigoso, onde a visibilidade era reduzida e os meus sentidos batalhavam com a falta de energia e outras tarefas que se acumulavam e que pretendiam ser lombas ao abrandar a missão de ser um redactor cumpridor nesta casa, onde moram o ponto e a vírgula. E, porventura, seja estranho que não me despiste em nenhum acidente criativo. A estrada esteve sempre propícia e os pneus procuram sempre manter a estabilidade no piso sempre bem tratado e só o tenho a agradecer às minhas directoras de redacção, assim como aos meus colegas revisores. Esta viagem debruçou-se num olhar cristalino, ou melhor, pratalíneo, sem portagens nem brisa – tudo numa lógica que subverte os máximos primários do jornalismo, entra no domínio do subjectivo, não provoca encadeamento.

“E que no final desta lição todos possam dizer «Adeus, Olhar de Prata.»” Também havia um examinador pessoal que se intrometia como se fosse um passeio onde caminhavam notícias diárias; subentende-se que também tentou ser o sinal da diferença e não de sentido proibido, ao abrir espaço para o cruzamento de manobras ou inversão de pensamento. Aqui viveu o universo da racionalidade e da irracionalidade, o contraste entre o humano e o transcendente, foram obras que oxalá tenham servido de retrovisor da sociedade ou espelho para o debate de ideias e diferentes ideais. E que no final desta lição todos possam dizer “Adeus, Olhar de Prata”. Espero que tenham gostado. Tirem o cinto e desliguem a chave da ignição. Agora limpo as lágrimas e sigo para onde o meu futuro me levar. Até sempre. Omar prata

© Omar Prata

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


AS ESCOLHAS DO PONTIVÍRGULA

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LIVROS: “Obra Poética, vol.1” – Jorge Luis Borges “Pena Capital” – Mário Cesariny “Véspera da Água” – Eugénio de Andrade “Siddahartha” – Hermann Hesse “Admirável Mundo Novo” – Aldous Huxley “O Estrangeiro” - Albert Camus Francisco Cambim

ÁLBUNS: “In Colour” - Jamie XX “Tristia“ - Gran Purismo “Images and Word“ - Dream Theater “Load“ - Metallica “L.A. Woman“ - The Doors Francisco Marcelino

FILMES: “Frank” - Lenny Abrahamson “Apocalypse Now” - Francis Ford Coppola “Magnolia” - Paul Thomas Anderson “The Departed” - Martin Scorsese “The Butler” - Lee Daniels João Torres

VÍDEOJOGOS: “Monster Hunter Generations” Nintendo 3ds “Pokémon Go” - iOS e Android Mitchel Molinos



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