Edição dezembro - Jornal Pontivírgula

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Direcção: Catarina Veloso e Inês Linhares Dias Edição nº26 - Dezembro de 2015

ATUALIDADE: Caso Banif: Como

Tudo Aconteceu

“Em Outubro, o Banif entra numa situação de risco envolvendo-se em discussões políticas do pós-eleições. Em Dezembro, o banco já tinha sofrido uma desvalorização de cerca de 72%“ » páginas 15 e 16

ATUALIDADE: Simplificar a Política com a Prof. Rita Figueiras

» páginas 17 a 20

ALUNOS: Sara Onofre

ERASMUS: Inês Linhares Dias

O PROFESSOR SUGERE: Jorge Vaz de Carvalho

» páginas 06 e 07

» páginas 10 e 11

» páginas 12 a 14


EDITORIAL

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Ficha Técnica Diretora: Catarina Veloso Vice-Diretora: Inês Linhares Dias

Redação Ana Silvestre Andreia Monteiro Catarina Félix Dina Teixeira Diogo Barreto Guilherme Tavares Inês Amado Joana Santos Madalena Gil Maria Borges Maria Manuel de Sousa Mariana Pereira Martins Patrícia Fernandes Sandra Vasconcelos Tatiana Santos

Colunistas Alexandra Antunes, Literatura Catarina Veloso, Moda Diogo Oliveira, Desporto Francisco Marcelino, Música Inês Linhares Dias, Política Joana Ferragolo, Lifestyle João Torres, Cinema Miguel Freitas, Música Mitchel Molinos, Vídeojogos Omar Prata, Produção Escrita Pedro Pereira, Cinema Mariana Figueira Saúde Susana Santos, Actualidade

Equipa Youtube Duarte Sá Carvalho Inês Camilo

Design Catarina Veloso Daniela Trony Miguel Brito Cruz Contacto: jornal.pontivirgula@gmail.com Jornal redigido com o Novo Acordo Ortográfico, salvo quando indicado.

Sendo o último mês do ano, Dezembro é, naturalmente, um mês de encerramentos e balanços. Se para nós, estudantes, este é o mês de entregas de trabalhos e preparação para as frequências, para o mundo foi também um mês decisivo. Um mês de implantações de novos governos, novos acordos, um mês de queda de bancos, de regimes, de erradicação de epidemias e do regresso da saga mais aguardada de sempre. Olhando para o que se passa no mundo, o Diogo Barreto dos resultados das eleições em Espanha e eu faço um rescaldo do que de mais relevante se passou na política mundial ao longo de 2015. Para compreender melhor o panorama político português, o Pontivírgula foi falar com a Professora Rita Figueiras, professora de Comunicação Política, numa entrevista conduzida pela Susana Santos e pelo Diogo Oliveira. Numa nota positiva, relembramos a erradicação do vírus do ébola na Guiné, do acordo histórico contra o aquecimento global e da criminalização dos piropos com teor sexual, uma medida que poderá proteger muitas mulheres, como explica a Sandra Vasconcelos. Mas como nem tudo foi positivo, a Andreia Monteiro traz-nos um especial sobre a queda do Banif. Como não podia deixar de ser, o acontecimento do mês (talvez até mesmo do ano) não nos passou despercebido e, por isso, o Guilherme Tavares leva-nos até uma galáxia distante numa viagem pelos sete episódios da saga Star Wars. Ainda no panorama cultural, a Andreia Monteiro apresenta-nos o Prémio Pessoa deste ano, atribuído ao escultor Rui Chafes. Damos conta, como sempre, para o que de mais importante se passou na FCH e contamos com o olhar atento e as boas propostas dos nossos colunistas. Boas Leituras Inês Liinhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico



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Católica Talks “What’s your thing?” foi uma pergunta que fez ao público. Algo previsível, ou algo imprevisível e descarado? Não podemos ser ignorantes sobre nós mesmos, temos que saber qual é a nossa “cena” e o que queremos, e a seguir pensar quem é a pessoa do outro lado e o que quer. As empresas não têm a faca e o queijo na mão, cada um tem uma coisa, porque sem um, o outro não sobrevive. É importante que se complementem. Uma relação com uma empresa “é como uma entre namorados, se queres algo tens que te esforçar”.

© Sandra Vasconcelos

A 3 de Dezembro de 2015 foi realizada a primeira Católica Talks, organizada pela Associação de Estudantes Católica Lisbon Business and Economics. O orador a estrear este evento foi Miguel Gonçalves, que falou sobre a “Receita para o Futuro”, no Auditório Cardeal Medeiros. Inicialmente, estava reservado o auditório 512 no edifício de economia mas, devido ao grande número de inscrições, teve que ser reservado o Auditório Cardeal Medeiros. Miguel Gonçalves é conhecido como orador da Tedx, mas também é CEO da Spark Agency. Esta última “é uma agência de recrutamento e gestão de talento do futuro. Ajudamos algumas das mais inteligentes empresas do planeta a inspirar, gerir e desenvolver as suas pessoas“, tal como é referido no site oficial. Nesta “Receita para o Futuro”, Miguel Gonçalves começou por dizer que o Futuro é como o bacalhau: há muitas receitas e não nos devemos privar por um caminho, temos que ir experimentando vários até encontrarmos aquele com que mais nos identificamos, e esse pode ser diferente de uma outra pessoa de sucesso, mas também nos permitiu que conseguíssemos alcançar grandes feitos. Não interessa o quão inteligente somos, mas o que fazemos com essa mesma inteligência.

Quanto à famosa frase de “tens que te vender”, Miguel Gonçalves diz que não, temos é que vender o nosso trabalho, e o CV não tem que ser diferente, mas sim eficaz. As empresas estão interessadas no trabalho e competências, e é isso que é importante demonstrar nas entrevistas e CV’s. No mercado laboral, não interessa a experiência mas sim as competências que se tem. Quando comunicamos com o cliente, é preciso saber quem é, não se pode inventar um cargo em que ele não trabalhe. Miguel Gonçalves disse que se for preciso “diz que és um professor de uma Universidade e que queres marcar uma reunião, todos lhe dão informações”. Se realmente queres algo, tens que fazer por isso. Também é importante ser-se profissional: se a reunião é às 10 horas, é preferível estar presente às 9h45. Este tipo de comportamento gera respeito e demonstra interesse e profissionalismo. “Uns choram, outros vendem lenços”. Esta era uma frase que o avô de Miguel Gonçalves lhe dizia. Todos vivemos momentos maus, mas no meio disso há que tirar o melhor proveito. E quando se estuda numa das melhores universidades porque é que não se pode ter uma grande carreira? Basta trabalhar e focar-se no mais importante. E como Miguel Gonçalves frisou a uma dada altura, “ser bonito é importante, rico ainda melhor, mas ser o melhor é que é a cena.” Existem dois pontos fulcrais a não esquecer: 1. escolhe o teu estilo de vida 2. escolhe um negócio em que tenhas uma relação com o teu chefe Comportamento gera comportamento, e uma grande parte da tua carreira é treino.

Sandra Vasconcelos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Concerto de Natal da Faculdade de Ciências Humanas

© Inês Amado

No dia 14 de Dezembro, segunda-feira, a Faculdade de Ciências Humanas (FCH) reuniu alunos, funcionários e docentes num concerto de música clássica oferecido pela Academia de Música de Santa Cecília. Com início marcado para as 19h, o auditório 1 da faculdade foi palco de múltiplas interpretações musicais em diferentes classes de instrumento, por alunos da célebre academia cinquentenária, quer do ensino básico, quer do secundário, num aprazível final de tarde de partilha.

Academia de Música de Santa Cecília em livro Por ocasião das comemorações dos 50 anos da instituição de ensino, foi lançado um livro sobre a Academia localizada na Ameixoeira, no concretizar de um desejo da Embaixatriz Vera Franco Nogueira, fundadora e Presidente da Academia de Música de Santa Cecília.

© Inês Amado

“A obra reúne, ainda, depoimentos marcantes sobre a Academia (...)”

A apresentação da obra decorreu no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, no dia 30 de Novembro, pelas 19 horas, sob o curioso, porém nostálgico olhar de alunos, professores, funcionários e demais interessados, bem como de tantos outros que passaram pela instituição de ensino. O livro “50 anos da Academia de Música de Santa Cecília” compila textos de antigos alunos da instituição de ensino, dos quais o director da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, José Miguel Sardica é exemplo, além de Rui Vieira Nery e de Adérito Tavares, também antigo docente da FCH. A obra reúne, ainda, depoimentos marcantes sobre a Academia, testemunhos de professores, funcionários e antigos alunos, uma cronologia de fotografias, bem como uma entrevista da fundadora da Academia de Música de Santa Cecília. Inês Amado *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Entrevista alunos: Sara Onofre Pontivírgula: Como foi o processo de selecção?

© Sara Onofre

Após se ter inscrito num programa de voluntariado nos Jogos Olímpicos 2016, Sara Onofre, aluna do 3º ano de Comunicação Social, foi aceite para participar neste evento global que terá lugar na cidade do Rio de Janeiro. O Pontivírgula foi falar com a Sara para saber as razões que a levaram a querer ingressar nesta aventura, bem como as suas perspectivas. Pontivírgula: Por que razão te inscreveste para fazer voluntariado nos Jogos Olímpicos? Sara: Já andava à procura de possíveis programas para fazer voluntariado no estrangeiro durante as férias mais longas. Quando soube da possibilidade de ser voluntária neste evento tão importante e de tanta grandeza não hesitei. Adoro desporto e, por isso, pareceu-me ser uma oportunidade fantástica. Pontivírgula: Que razões te motivaram a fazer esta inscrição? Sara: Sabia que as hipóteses de ser aceite deviam ser mínimas... Mas um não é sempre garantido! Uma oportunidade destas não surge todos os dias e, como é algo que me deixou entusiasmadíssima, decidi atirar-me de cabeça. Para além da minha paixão pelo desporto ter sido, sem dúvida, uma enorme motivação, o facto de ter família no Rio também me motivou ainda mais, pois sabia que, caso fosse seleccionada, em princípio, não teria problemas de alojamento.

Sara: O processo de selecção parece interminável... Para além de haver imensas fases (para avaliar as nossas competências, personalidade, entre outras características), este processo é bastante demorado. Comecei a minha candidatura em Novembro do ano passado, quando estava em Erasmus na Finlândia e apenas em Novembro deste ano soube que fui aceite. Apesar de ter dupla-nacionalidade (luso-brasileira), como sabia que havia muitos candidatos, na altura decidi candidatar-me como portuguesa pensando e esperado que não houvesse muitos estrangeiros que soubessem falar português a candidatar-se – por outras palavras, ser fluente em português sendo estrangeira é, neste caso, uma óptima vantagem! Até agora preenchi vários questionários, fiz testes de línguas (naquelas em que disse que tinha competências), fiz pequenos quizzes que simulavam cenários hipotéticos que podem acontecer durante os Jogos – para verem a minha personalidade –, fiz uma entrevista online com mais duas candidatas… Penso que dá para perceber como o processo é longo e demorado. No entanto, os Jogos estão incrivelmente bem organizados! A equipa por detrás deste processo deve ser fantástica porque, de facto, está tudo muito bem explicado. E, quando surge alguma dúvida que não esteja explicada no site oficial dos Jogos, Portal dos Voluntários ou Facebook da página – o que é raro – há sempre alguém que nos responde rapidamente. Pontivírgula: Normalmente no voluntariado em eventos há várias áreas para as quais podes enviar candidatura. Para quais te inscreveste? Sara: Como me candidatei há algum tempo, já não me recordo exactamente do nome das áreas, mas sei que me pude candidatar a três ou cinco. Fui aceite na primeira ou segunda opção, se não me engano: operações de imprensa. Tinha-me candidatado a áreas relacionadas com a minha licenciatura (Comunicação Social e Cultural, vertente de Jornalismo), portanto todas estavam relacionadas com media, tradução, protocolos, etc… Penso que mais do que voluntariado, esta oportunidade será praticamente um estágio. O Brasil é dos melhores países em comunicação social e um evento desta magnitude tem de ter uma forte imprensa porque todo o mundo vai estar ligado ao evento.


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Entrevista alunos: Sara Onofre Pontivírgula: Disseste várias vezes que gostas de desporto. Seria para ti um sonho vir a trabalhar nesta área, a nível profissional? Sara: Sim, adoro desporto. Desde que me lembro que o pratico, faz parte de quem sou. Estaria a mentir se dissesse que nunca tinha pensado nisso; ainda não estou certa em relação ao que quero fazer profissionalmente, mas sei que quero trabalhar numa área que me dê prazer e me desafie e sem dúvida que o desporto preenche esses requisitos. Pontivírgula: O que pensas dos Jogos Olímpicos? Sara: Naturalmente, adoro os Jogos Olímpicos. Sou aquela pessoa que acorda em Agosto e, dependendo da prova – pois há desportos que gosto mais que outros, claro – fica em frente da televisão a vibrar com os Jogos. Se é assim no meu sofá, nem consigo imaginar o que será na cidade olímpica! Pontivírgula: Como é que tiveste conhecimento desta iniciativa de voluntariado nos Jogos Olímpicos? Costumas estar atenta a este tipo de eventos? Sara: Como disse, já andava a pesquisar possíveis programas de voluntariado para realizar no verão. Mas, sinceramente, não me recordo exactamente de como soube dos Jogos. Penso que está relacionado com um vídeo viral do youtube em que se vê o Usain Bolt (que eu adoro!) a dar o seu gorro a um rapaz voluntário nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012... Lembro-me de pensar: “Que sorte!!! Quem me dera!”. No fundo, aquele rapaz podia ser eu, como podia ser qualquer um de nós! Penso que foi quando vi esse vídeo que fiquei com o “bichinho”. Em relação às inscrições nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 penso que foi o meu pai que me chamou à atenção para isso... Tenho a sorte de ter uns pais fantásticos que me apoiam em tudo e se lembram dos filhos quando veem estas coisas! Pontivírgula: O gosto pelo voluntariado é uma coisa recente ou já vem de há mais tempo? Sara: Penso que a noção do que é, de facto, voluntariado só surge quando somos mais crescidinhos. Sempre gostei de me envolver em actividades “extra” mas não olhava para isso como voluntariado. Penso que é algo que surge quando entendemos efectivamente o nosso papel e aquilo que a outra entidade procura/precisa, daí pensar que exige uma determinada maturidade.

© Sara Onofre

Pontivírgula: Por fim, quais são as tuas expectativas para fazer parte deste evento de dimensão mundial? Sara: São os primeiros Jogos Olímpicos na América do Sul. Todo o mundo está voltado para os Jogos. Os atletas vivem para conseguir estar presentes neste evento e dar o seu melhor... São anos e anos de treino e, no fim, tudo se resume a um momento. A um milésimo de segundo, por vezes. A organização do evento é demorada e esmiuçadamente pensada, tal como o processo dos voluntários e outras entidades envolvidas. É uma oportunidade única e sempre que penso ou falo no assunto sinto um remoinho de emoções dentro de mim que mal consigo esconder. No fundo, estou mesmo muito entusiasmada, mas também um pouco receosa. Por um lado, esta é uma oportunidade única que me permite articular várias áreas pelas quais tenho paixão: desporto, viajar e o Brasil em si. Por outro lado, o facto de estar no centro principal de operações de imprensa é uma enorme responsabilidade e sei que será um desafio, pois, até hoje, não tenho nenhuma experiência equiparável. Como disse, os media brasileiros são muito competentes, por isso, terei de estar ao nível exigido. Concluindo, estou bastante entusiasmada pois sei que será uma experiência que vai marcar a minha vida; vou estar num ambiente com os melhores atletas do mundo – que admiro bastante –, conhecer pessoas de todo o globo e aprender bastante sobre a minha área de estudo, desporto, organização de eventos, e sobre mim mesma. Mariana Pereira Martins


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Ex-alunos: Experiências Daniela Trony

Organizada, persistente e positiva Comecei com a ideia de ir para Itália depois de terminar a licenciatura porque queria pôr em prática os quatro semestres de aulas de italiano. Sempre que tentava falar com alguém em italiano preferiam o inglês e, por isso, achei que o ideal seria mudar-me para lá. Quase um ano depois surgiu a ideia de tentar ir para Berlim, porque tinha uma ideia utópica do que seria trabalhar numa startup e, tal como eu insistia em repetir, Berlim é a Silicon Valley da Europa. Mas cheguei a desistir da ideia de estagiar na capital alemã e expandi os meus horizontes até Munique, Dusseldorf, Hamburgo, Roterdão, Amsterdão, Roma, Milão, Turim, Madrid, Copenhaga… Gastei muito tempo do meu verão nestas andanças de procurar estágios - pagos, o que restringia bastante a minha procura - a enviar candidaturas, a editar e adaptar o meu currículo, e a escrever cartas de apresentação personalizadas. Passei horas a fio a trabalhar para este fim e tive de ser bastante organizada (criei um documento que listava todas as minhas candidaturas, com data, link, cidade, e resposta final), persistente e positiva até que o esforço começou a compensar. Ao todo fui contactada para 6 entrevistas, mas fiz apenas três e passei à segunda fase em todas. Entrei em contacto com o mundo das entrevistas por Skype, onde é importante cuidar da aparência como se fosse uma entrevista presencial com o cuidado acrescido de tratar do fundo, da luz, e do barulho, mas com o bónus de poder utilizar auxiliares de memória. Eu já tinha desistido de Berlim, mas Berlim ainda não tinha desistido de mim. Fiz a entrevista para a empresa onde estagiei sem preparação porque achei que não ia ser selecionada. A empresa trabalha no sector de licenciamento de música para publicidade e cinema e achei que não tinha as competências suficientes. Na primeira entrevista safei-me com algum conhecimento musical, alguma criatividade e capacidade de improviso, mas não estava confiante até me contactarem para a segunda e, eventualmente, informarem-me que queriam que começasse dali a um mês.

“Entrei em contacto com o mundo das entrevistas por Skype (...)”

© Daniela Trony

Considero que foi uma experiência positiva, mas confesso que foi também muito cansativa. É verdade o que se diz sobre a produtividade alemã, e as expectativas são outras. Trabalhei das 10h00 às 19h00, porque estávamos em constante contacto com editoras dos Estados Unidos, e é necessária uma boa margem de horas comuns com os americanos, e trabalhávamos directamente com agências criativas onde o ambiente é caótico e os projetos são concluídos em cima do joelho. Chegámos a receber pedidos às 18h para o dia seguinte. Felizmente, não andei a servir cafés e senti que o meu trabalho de estagiária era crucial para a empresa. Para utilizar uma música num anúncio é necessário licenciá-la e, antes de licenciar a música, é preciso escolhê-la. A empresa onde trabalhei fazia ambos, e o meu trabalho principal era procurar músicas que correspondiam ao que o cliente tinha em mente para o seu anúncio e, dependendo da importância do projeto o ideal era sugerir entre 20 e 50 músicas que seriam reduzidas a uma lista final que depois era enviada para o cliente. Muitas vezes queriam algo para o qual não tinham dinheiro, já que uma música conhecida pode rondar os 75.000€ para ser utilizada, e nós procurávamos alternativas mais em conta. É por isto que considero que estava na equipa criativa da empresa. Ouvir música o dia todo parece o trabalho perfeito para alguém que gosta de música como eu, mas quando tenho de passar 3 horas, ou mais, a ouvir dubstep ou folk com ukelele, deixa de ser tão divertido…


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Ex-alunos: Experiências Daniela Trony Ainda assim gostei bastante daquilo que fazia e ,apesar de passar 9 horas por dia sentada em frente ao computador, o trabalho conseguia ser entusiasmante. O pedido mais interessante para o qual trabalhei veio de uma marca de cerveja que precisava de uma música com uma sonoridade retro-moderna, com o acréscimo de que a banda teria de ter “estilo” e estar disposta a voar para Los Angeles dali a 3 dias para filmar o anúncio. Era um projeto sem budget, ou seja, sem restrições de orçamento, o que significa que o custo do licenciamento não tinha limite. Não ganhámos o projeto, mas foi o ponto alto da nossa semana. O trabalho mais desafiante foi procurar uma música que se assemelhasse ao single de Pharrel Williams, Happy, com um budget de “apenas” 2000€, e tal coisa não existe e por isso também perdemos este projeto. Fora do trabalho, Berlim é uma cidade caótica, com uma oferta cultural que atente a todos os gostos. Há locais interessantes, locais estranhos e locais estranhamente interessantes. Visitei um hospital abandonado (num dia escuro e chuvoso) que estava grafitado de cima a baixo com padrões infantis e foi das experiências mais interessantes que tive na cidade. Outro ponto alto foi quando, através de amigos de amigos, acabei numa típica WG Party de Berlim, uma festa na casa de alguém (que até hoje desconheço), onde estava um DJ a passar música e dois alemães a cantar numa sala com uma multidão à volta e uma bola de espelhos a criar o ambiente. No inverno, em Berlim está sempre tudo a acontecer dentro das casas e dos bares (que muitas vezes têm salas secretas) por causa do frio, e as ruas estão sempre vazias - uma grande diferença das nossas iluminadas ruas cheias de gente numa sexta-feira à noite.

“(...) Berlim é uma cidade caótica, com uma oferta cultural que atente a todos os gostos. Há locais interessantes, locais estranhos e locais estranhamente interessantes.”

© Daniela Trony

A cidade é dez vezes maior que Lisboa e está, no entanto, saturada, o que dificulta a procura de casa. Eu estive sem casa fixa durante os últimos três meses. A procura é muita e não há oferta suficiente, o que me levou a morar em três casas diferentes de pessoas que subalugavam os quartos enquanto estavam temporariamente fora, e a estar três vezes sem casa para o dia seguinte. Considero-me uma pessoa de sorte porque das três vezes consegui um novo sítio para dormir no mês seguinte com apenas um dia de antecedência, ao mesmo tempo que me esquivei de fraudes, de preços inflacionados, e de me mudar para casas que poderiam ter trazido problemas. Na reta final desta experiência, resta apenas saldo positivo. Nem tudo foi perfeito, mas aprendi muito sobre música na área da publicidade, aprendi mais sobre outras culturas no ambiente internacional em que me encontrava e, acima de tudo, aprendi a acreditar mais em mim. Se pensava que não ia conseguir passar três meses a trabalhar 45 horas por semana noutro país, estava enganada. Não me arrependo de nada e recomendo a experiência! Daniela Trony *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Erasmus: Experiências Inês Dias

Dancemos no Mundo Durante meses e meses (os meus amigos e família que o digam) andei a sonhar com Budapeste. Devo confessar que, quando os resultados saíram, já o pico do entusiasmo tinha passado. Fiquei, obviamente, satisfeita por ter entrado na minha primeira opção, mas não delirei como os meus colegas ao saber onde tinha ficado colocada. Já estava à espera e já tinha esgotado todo o tipo de planos, sonhos e devaneios possíveis em relação ao semestre que passaria na Hungria. Dediqueime, antes, a fazer o que tinha a fazer na altura: a faculdade, o Pontivírgula, a tentar arranjar um estágio para o Verão… Os meses que antecederam a ida foram tão atarefados que não me ocupei a imaginar pormenorizadamente cada detalhe de como a minha vida em Budapeste seria, como geralmente faço. Tenho, contudo, a certeza de que, se o tivesse feito, os meus sonhos em nada corresponderiam à realidade.

“Fiquei, obviamente, satisfeita por ter entrado na minha primeira opção, mas não delirei como os meus colegas ao saber onde tinha ficado colocada.” Penso que todos os alunos de Erasmus, quer tenham tido uma experiência positiva ou negativa, concordam em que o programa foi uma oportunidade que os ajudou a crescer. Eu saí de casa dos meus pais há 4 anos e tranqui lizava-me pensar que estava preparada para fazer sozinha mais uma mudança, ainda que admitisse que estar noutro país seria diferente, até por ter de me confrontar com uma língua totalmente estranha. Antecipava, contudo, que, desta vez, a mudança seria mas fácil. E foi, de facto, incomparavelmente mais fácil.

“Eu saí de casa dos meus pais há 4 anose tranquilizava-me pensar que estava preparada para fazer sozinha mais uma mudança, ainda que admitisse que estar noutro país seria diferente (...)”

© Francisco Fidalgo

Foi assim, em parte, porque as colegas (que se tornaram amigas), que também foram para Budapeste, cuidaram de me facilitar a vida. Como de costume, eu teria deixado tudo para a última da hora, mas a Joana tratou prontamente de nos arranjar casa e pessoas com quem partilhá-la. Não podia ter escolhido melhor, principalmente nos colegas de casa. Ajudaram-me também a acarretar as toneladas de malas do aeroporto até casa e trataram de me informar acerca de todas as burocracias a que teria que atender o mais prontamente possível. Tive sorte em ser a última a chegar.

© Francisco Fidalgo


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Erasmus: Experiências Inês Dias

© Francisco Fidalgo

Uma vez instalada, havia que deixar-me deslumbrar com a beleza da cidade, procurar descobrir a sua cultura, sentir ali o peso da história europeia do século XX, ainda tão presente na vida de Budapeste, e viver a normalidade do quotidiano com o espanto de ali se estar a escrever também a história do século XXI, com o drama dos refugiados no centro da cidade. De resto, em quase tudo, o dia-a-dia de um estudante de Erasmus é semelhante ao de outro estudante qualquer, com a pequena diferença de que, provavelmente, o estudante de Erasmus está em contacto com muito mais pessoas de culturas diferentes. Esta “pequena” diferença é, na verdade, das mais significativas e enriquecedoras. Ontem, deparei-me com mais um daqueles artigos cheios de banalidades, que o facebook tem para oferecer, sobre pessoas que vão viver para outros países, ainda que temporariamente. Grande parte do que estava lá escrito não trazia nada de novo, mas houve uma frase que despertou a minha atenção. Lia-se qualquer coisa como “vais-te aperceber de que o mundo tem mais pessoas boas do que más”. É verdade. Não sei se o programa Erasmus implica, em si mesmo, uma espécie de pré-selecção de pessoas interessadas em desempenharem um papel activo no mundo, mas a verdade é que a grande maioria das pessoas que conheci me enchem de esperança. Se a amostra de pessoas que conheci em Erasmus for representativa da nossa geração, acho que o futuro está em boas mãos.

“O que quero mesmo dizer é que aventurarmo-nos noutro país deixa-nos antever que não há oportunidades que nos estejam vedadas.” Não posso deixar de mencionar a que foi, provavelmente, a maior lição que retirei do meu semestre de Erasmus: a noção de que o mundo está ao nosso alcance. Ter vivido num país situado na Europa Central deu-me uma perspectiva nova, mais concreta, da Europa que via nos mapas, de como a proximidade facilita a circulação entre os países e faz-nos perceber que, realmente, Portugal está distante do resto da Europa e do mundo – esta percepção é talvez maior para mim, que venho da mais longínqua fronteira de Portugal e da Europa, do território isolado do arquipélago dos Açores. É claro que hoje em dia o mundo está mais pequeno (e talvez o centro já não seja a Europa), mas, ainda assim, é bom sentir que estamos no “centro do mundo”, mesmo que só por um bocadinho. Mas não é só a isso que me refiro quando digo que “o mundo está ao nosso alcance”. O que quero mesmo dizer é que aventurarmo-nos noutro país deixa-nos antever que não há oportunidades que nos estejam vedadas. Penso que estes 6 meses me deram ainda mais coragem para encarar os desafios de frente e aproveitar as oportunidades que me forem surgindo, por mais assustadoras que possam parecer. Inês Linhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Professor recomenda... Jorge Vaz de Carvalho LIVROS - HOMERO, Ilíada A aurora de róseos dedos de toda a literatura europeia, que lhe deve heranças futuras. À luz eterna e insuperável deste poema os heróis combatem e sofrem; os deuses partilham com eles destinos de cóleras e afectos; até os cavalos choram. A mais poderosa, arrebatadora e emocionante das narrativas poéticas. - DANTE, Vida Nova Porque não a mais óbvia Divina Comédia (lida no original italiano)? Elegi esta experiência de juventude, em que a mulher amada revela a beleza virtuosa que educa e aperfeiçoa; e o amor é menos sentimento que se sofre do que a energia moral que glorifica o poeta. Estilisticamente, o prosimetrum cria um discurso capaz de exprimir condignamente matéria de tão elevado erotismo espiritual.

© Universia

- SENA, Sinais de Fogo Camões (sobre todos) e Pessoa dão aqui o lugar a Jorge de Sena. Poderia ser a Poesia, O Físico Prodigioso, os contos. Mas este é, a par d’Os Maias, o melhor romance da literatura em português (quem não perceber, paciência!). Um jovem e a descoberta de um sentido político-social, amoroso e poético para a vida. Uma poética da formação: um protagonista que - SHAKESPEARE, Hamlet E King Lear? Macbeth? Fascinam-me os mistérios se vai formando, enquanto a ficção nos forma para os irresolvíveis. Claudius age por paixão do poder ou de diversos aspectos do conflito existencial. Gertrude? Partilha ela a culpa no crime? Hamlet ama Ophelia e rejeita-a? A morte dela é suicídio ou acidente? FILMES A verdade do fantasma é fiável ou usa Hamlet? A sua vingança é moralmente justificada? O que decide uma Omitindo tantas e tantas obras-primas acção, a razão ou a loucura? Pensar as nossas ignorâncias cinematográficas, eis cinco filmes que se inspiram é o fundamento da filosofia; o da ciência repor em noutras tantas obras-primas literárias: causa as próprias certezas. Tal é a energia verbal de Shakespeare, que desfaz e refaz o infindável feixe de - JOHN FORD, As Vinhas da Ira mistérios que é a natureza humana. “What a piece of A obra-prima sobre o tempo da Grande Depressão work is a man!” americana e o seu impacto socioeconómico, segundo o romance de John Steinbeck, The Grapes of Wrath. A - JOYCE, Ulisses travessia de uma família desalojada e migrante (como O romance modernista por excelência, segundo a centenas que a crise desenraizou, com a proporção lição de Baudelaire: ficção de todas as tradições e de bíblica de um povo em busca de uma terra de todas as rupturas. A do quotidiano enquanto confronto sobrevivência), a luta digna de um homem rural contra com a história (o nacionalismo da Irlanda ocupada o infortúnio, a injustiça e a ganância capitalista. pelo Império Britânico), a religião (a influência da Igreja Católica na vida de uma nação), a literatura (entre - JOHN HUSTON, O Falcão de Malta revivalismo e revitalização). A epopeia da sobrevivência, Um clássico do romance policial, The Maltese na Dublin de 1904, não menos aventurosa do que a odisseia do grego antigo. Mas há uma esperança Falcon de Dashiel Hammett, inspira um filme negro maior, com os ingredientes fundamentais de mistério, bruxuleando. Yes! alvoroço, traições, romance e assassínio. Enredo assaz labiríntico, personagens vívidas, cenas extraordinárias, “E King Lear? Fascinam-me os excelentes diálogos, um final shakespeariano.

mistérios irresolvíveis.”


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O Professor recomenda... Jorge Vaz de Carvalho - HOWARD HAWKS, À Beira do Abismo Outro clássico maior do policial, The Big Sleep de Raymond Chandler. Bogard e Bacall num filme inolvidável, de acção dura, enredo enigmático, fluidez de diálogos, personagens aceradas e sensuais, um mundo tumultuoso de beleza e corrupção, festas luxuosas e assassínios: cínica representação de Los Angeles, perversamente sedutora e moralmente degradada. - LUCHINO VISCONTI, O Leopardo Il Gattopardo de Tomaso di Lampedusa na culta elegância de uma realização magistral, que conjuga reconstituição histórica e penetração psicológica. Fim de um mundo, quando aristocracia decadente e burguesia em ascensão firmam um novo contrato social. Menos que nostalgia, leio em Visconti incredulidade no futuro: “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi”. Sem a revolução das mentalidades por via da cultura (ainda não aprendemos!), o poder cai nas mãos ávidas dos espertos ou medíocres oportunistas. - FRANCIS FORD COPPOLA, Apocalypse Now O cenário de brutalidade, devastação, horror e caos da guerra do Vietnam, símbolo da loucura dos conflitos, inspira-se no romance Heart of Darkness de Joseph Conrad. Conta a navegação rio acima de um grupo de soldados com a missão de eliminar um senhor da guerra que reina na selva como semideus; é também uma viagem à psique humana, aos seus pesadelos, alucinações e dilemas morais. Quem pode ser tão alienado a ponto de gostar dos odores da morte e comandar pessoas para matar outras? Hein, mister President? MÚSICA Música erudita e ópera, jazz e pop/rock são universos tamanhos, que optei por um modelo inverso ao Big Bang: concentrar a matéria em cinco astros (ainda assim, fazendo batota): - J. S. BACH, O Cravo Bem Temperado Os Prelúdios e Fugas para tecla, compostas por Bach para o fim modesto de estudo e entretenimento, é um cume e um modelo de inspiração para toda a música ocidental.

Disciplina racional e liberdade criadora acordam estas vozes cuja conversa flui com a fascinante certeza de habitarem a própria ordem – ao mesmo tempo, matemática e espiritual – do universo. Neste sentido, também poderia ter escolhido a Missa em Si menor. - MOZART, Le Nozze di Figaro Porque não Don Giovanni ou Così Fan Tutte? Foi a ópera da minha estreia internacional, em Itália. A ópera que rompe as dicotomias de cómico e sério, riso e lágrimas, jovialidade e melancolia: afinal, não se pode separar a paixão da sua origem trágica. Divertido e ansioso jogo de máscaras que simboliza as metamorfoses por que devem passar os seres, até que, reconciliados, o seu melhor triunfe e sejam dignos da felicidade. A loucura do dia é regida pela grande força motriz da ópera e de todo o agir humano, sentimento de matizes indefiníveis, que Mozart nunca cessou de querer iluminar: o amor.

“O cenário de brutalidade, devastação, horror e caos na guerra do Vietnam, símbolo da loucura dos conflitos, inspira-se no romance Heart of Darkness (...)” - BEETHOVEN, as 9 Sinfonias Tudo se acha subordinado à voz imperiosa da vida interior, mas repugna o sentimentalismo e a imaginação desregrada e ilógica dos românticos. Músico vigoroso, mestre-construtor, escultor robusto, ciclópica constituição moral. Eis a primeira condição do homem livre, e este deve mostrar-se, pelo vigor do espírito, pela excelência do mérito, digno da sua alegre liberdade. Que outra obra revela tão exemplarmente esta virtude ética em cumes de criatividade? - MILES DAVIS, Kind of Blue e o resto da obra (Jazz) Tantos músicos cimeiros que admiro (Ellington, Armstrong, Coltrane, Monk). Miles Davis é dos raros a que chamo génio e este é o álbum a que regresso sempre. Pelo seu profícuo encontro com modelos dos compositores clássicos (obrigado, Bill Evans!), explorando possibilidades de variações melódicas, mais que as harmónicas, numa abertura a renovados idiomas de criatividade.


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O Professor recomenda... Jorge Vaz de Carvalho - (You make me feel like) A Natural Woman, de Carole King e Gerry Goffin Do Pop/Rock poderia ter escolhido bandas (The Beatles ou Rolling Stones), intérpretes (Bob Dylan, Janis Joplin) ou canções (Bridge Over Trouble Water, Both Sides Now) mais óbvios. Mas esta gema de Carole King (que também a canta no excepcional álbum Tapestry), pela voz da diva Aretha Franklin, é um esplendor. Se alguém alguma vez pensar em mim ao ouvir esta canção, terei cumprido uma razão substancial desta minha existência. ARTE - Os Bronzes de Riace Poucos bronzes gregos originais sobreviveram, a maior parte conhecemo-los a partir de réplicas de mármore romanas. Que emoção rara é visitar, no Museo Nazionale della Magna Grecia, em Reggio Calabria, as duas estátuas do séc. V a. C. achadas no mar do sul de Itália em 1972. São guerreiros, um na plenitude da sua glória e poder, outro numa pose mais gentil de maturidade. Escreveu Sophia de Mello Breyner que o corpo grego é fenómeno: evidencia o ser, “brilha de ser”. Estas anatomias de lúcida musculatura são uma beleza ideal. A perfeição física é humana, mas do humano tocado pelo divino. - David de Michelangelo O bronze de Donatello captara David após a vitória e a decapitação de Golias, provocando a surpresa e emoção de um feito tamanho cometido por um corpo de tão delicada fragilidade; o David de Bernini é captado no acto de lançar da funda épica a pedra, gesto decisivo cujo movimento liberta o mármore da sua gravidade. David de Michelangelo, pleno de força muscular e de beleza física, é captado antes do duelo, no instante de decisão fundamental, enfrentar a força desproporcionada aparentemente impossível de derrotar. O bloco de 5,17m de altura e várias toneladas exalta, afinal, algo de imaterial: o ânimo, a vontade. A estátua fala-nos do apogeu heróico que é, muito mais do que triunfo sobre o gigante filisteu, a própria energia mental da superação de si mesmo.

“A perfeição física é humana, mas do humano tocado pelo divino.”

- Mona Lisa de Leonardo da Vinci Como escapar à banalidade de eleger esta pintura? As máquinas fotográficas e de reprodução não descansam diante do enigma do seu sorriso. O sortilégio, para mim, advém da relação desse sorriso com a penetração fulcral do olhar; e do dinamismo psicológico que criam com a postura de repousada serenidade. Talvez prefira até a Dama com Arminho ou uma e outra Virgem dos Rochedos. O rigor analítico do espírito de Leonardo e a perfeição das modulações de tons e cores, suavizados pelo sfumatto, dão ao retrato uma atmosfera de equilíbrio e harmonia, diria, de eternidade. - Vénus ao Espelho de Velázquez Fascinante, em pintura, é o mistério que persiste no que revela. Em Velázquez, é criado pela irradiação dos pontos de vista e multiplicidade das perspectivas da visão – como n’As Meninas. Parece paradoxo, mas a pintura elucida a sua verdadeira natureza denunciando o próprio efeito de ilusão. Esta Vénus, nua e de costas (nas tintas?) para quem a olha, parece deleitar-se a contemplar ao espelho a sua beleza. Vemos uma parte e imaginamos o resto. Coisa mental, mais do que mostra, a pintura é o que a transcende.

“Vemos uma parte e imaginamos o resto. Coisa mental, mais do que mostra, a pintura é o que a transcende. - Guernica, Picasso A dimensão da pintura monumentaliza-a como um mural político de denúncia e protesto contra a atrocidade do bombardeamento de Guernica, onde a força aérea de Hitler exercitou a sua capacidade chacinando civis em prol de Franco. As criaturas de um crime histórico, nas convulsões gritantes do sofrido horror, são símbolos de uma agonia que ameaça universalmente toda a humanidade. Trinta anos depois da revolução modernista de Les Demoiselles d’Avignon, Picasso cria o exemplo maior de uma pintura que conjuga o projecto estético e o manifesto ético. Jorge Vaz de Carvalho *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Caso Banif: como tudo aconteceu O Banif viu-se envolvido na crise política e tem vindo a ver as suas acções na bolsa de Lisboa a caírem para valores mínimos. Mas como começou tudo? O Banif podia ter caído em 2013, pois a Troika sempre foi céptica em relação à recapitalização do banco e a concorrência europeia duvidou dos planos de reestruturação. No entanto, foi aprovada a ajuda pública temporariamente, ainda com Vítor Gaspar. Recordemos que em finais de 2012 caminhava-se para a crise de Chipre, na qual se propôs um corte em todos os depósitos. Não tivesse havido a aprovação da ajuda estatal ao Banif e teríamos, desde logo, assistido a cortes aos depósitos no mesmo. Por outro lado, também em finais de 2012, Portugal preparava-se para a primeira emissão de dívida de longo prazo em mercado (por João Moreira Rato – Presidente do IGCP – e de outros bancos). Emergia também a problemática das ilhas, em que a população costuma reagir de forma imprevisível a momentos de incerteza na banca e a reputação do Banif entre os emigrantes que confiavam remessas ao banco. Já em Setembro de 2015, o Banif tinha em sua posse cerca de 8 mil milhões de euros, o que se refletia numa queda de cerca de 5%, numa altura em que os outros bancos viviam uma tendência de aumento dos depósitos. Em Outubro, o Banif entra numa situação de risco envolvendo-se em discussões políticas do póseleições. Em Dezembro, o banco já tinha sofrido uma desvalorização de cerca de 72% desde o início do ano. Surge, então, a polémica notícia de que iria fechar. Na semana posterior a esta informação, o Banif perde cerca de 900 milhões de euros, que se torna numa perda incomportável.

“Em Outubro, o Banif entra numa situação de risco envolvendo-se em discussões políticas do póseleições. Em Dezembro, o banco já tinha sofrido uma desvalorização de cerca de 72%“ Durante os últimos dois anos, o governo encaminhou o problema do Banif para o Banco de Portugal, dando pouca importância às negociações com a DGCom. Foram chumbados oito planos de reestruturação, sendo cada vez menor a proactividade do governo e a paciência de Bruxelas (que já estava a investigar a situação do banco português há algum tempo).

© Funds People

A solução encontrada para todo este problema foi a compra do Banif pelo Santander por 150 milhões, o que implica a separação do Banif em três partes: o Santander Totta detém a operação bancária, com créditos e depósitos; a Naviget (veículo de gestão criado pelo Banco de Portugal para receber e gerir os direitos e obrigações transferidos) fica com os activos imobiliários e participações e créditos de má qualidade; e o Banif mantém participações sociais, obrigações para com os accionistas relevantes e obrigações de dívida subordinada. Como consequência, o Banif deixou de exercer a sua actividade bancária, pois a parcela mais significativa da sua actividade foi vendida ao Santander. Como tal, os clientes do Banif passam a ser agora clientes do Santander Totta. Durante todo o processo, o Governo realizou ajudas públicas de 2.255 milhões de euros para a cobertura de contingências futuras, dos quais 489 milhões são do Fundo de Resolução e 1766 milhões são diretamente do Estado. Cerca de mil milhões são injecções de capital que visam corrigir desequilíbrios contabilísticos, resultado dos activos que o Santander não comprou e que ficam na esfera pública. Uma parte servirá para cobrir perda no imobiliário e créditos, assim como para apoiar a Naviget que ficou com os activos de pior qualidade. O PCP votou contra este Orçamento Rectificativo que pede um aumento de 2.255 milhões de euros no endividamento do Estado para injectar no Banif e no Fundo de Resolução, mais uma garantia de 750 milhões para a operação com o Santander. Só mudaria a sua posição caso fosse decidida a integração do Banif na esfera pública do sistema bancário. João Oliveira, líder parlamentar do PCP, afirma que “não podemos admitir que os portugueses possam ser responsabilizados pela situação que foi criada no Banif”. O voto do Bloco de Esquerda também não era garantido, mas Catarina Martins impôs condições como uma nova lei de resolução bancária.


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Caso Banif: como tudo aconteceu Pedro Passos Coelho, ex-Primeiro Ministro, avança que “não teria uma solução muito diferente daquela que foi adotada” uma vez que nos últimos anos “não foi possível identificar um comprador para o Banif”. No entanto, acrescenta que “não dispensa que ela [a solução] seja analisada com pormenor para se perceber exactamente os custos envolvidos, se haveria ou não outra possibilidade de diminuir os custos para os contribuintes”..

“A resolução deste problema acarreta custos pesados para os contribuintes e é o culminar de um processo arrastado há três anos.”

© Leonardo Negrão, Global Imagens

Ficou, também, a saber-se a dimensão dos gastos que o Estado tem tido em apoios públicos no sector financeiro. Entre 2008 e 2014, foram gastos 11.822 milhões de euros, o que equivale a uma média de 1.182 euros por cidadão. Os números do Tribunal de Contas revelam ainda que o BES/ Novo Banco representa 40% dos gastos com a Banca. A resolução deste problema acarreta custos pesados para os contribuintes e é o culminar de um processo arrastado há três anos, tendo sempre Bruxelas a opinião de que o Banco deveria ser integrado noutro maior. Mário Centeno, Ministro das Finanças, diz que “O governo preferia uma outra solução, uma outra alternativa, mas que, por restrições legais, não foi implementável. Esta alternativa passava por uma recapitalização do Banif pelo Estado, seguida de uma fusão com a Caixa Geral de Depósitos.” As restrições eram regras europeias que vinham de Bruxelas, uma vez que a Comissão europeia não permitia mais ajudas de Estado ao Banif, nem que a Caixa realizasse novas aquisições. O ministro diz ainda que sem uma solução a única alternativa era liquidar o banco, mas isso colocaria em risco a garantia dos depósitos. Encontra-se esperançoso que a solução encontrada permita retornos que baixem o esforço financeiro da resolução do Banif.

Onde recai a responsabilidade da decisão? O Banco de Portugal aponta “as imposições das instituições europeias e a inviabilização da venda voluntária do Banif” e colocou no site da instituição um documento intitulado “Informações sobre o Banif – perguntas frequentes” para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o processo que decorreu ou sobre o futuro dos clientes e accionistas do Banif. A Comissão Europeia reagiu dizendo que “as autoridades portuguesas e a Comissão concordaram que, apesar da anterior recapitalização estatal, de 1.1 mil milhões em 2013, a viabilidade do Banif não poderia ser restaurada.” António Costa, primeiro-ministro, assume que foi uma “opção do governo e do Banco de Portugal”, mas refere o arrastar da situação pelo anterior executivo. O primeiro-ministro revela que Bruxelas autorizou a reestruturação do Banif sem a sua resolução e diz que “alguém terá de explicar por que razão essa solução não foi encarada”. No entanto, diz que “esta opção apresenta como vantagem o facto de constituir uma solução definitiva para o problema, não ficando o Estado português sujeito a perdas futuras ou dependente de um incerto processo de venda do banco”. Para o PCP, a culpa é do antigo governo por ter ocultado a “real situação do banco” e do incumprimento das responsabilidades do Banif de pagar a dívida dos empréstimos do Estado – “Toda essa responsabilidade política pela situação em que hoje o Banif se encontra tem de ser exigida ao anterior governo PSD/ CDS”. Culpa também o Banco de Portugal por considerar que as regras actuais da supervisão e a forma como funciona são ilusórias. Porém, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, afirma que “actuou no quadro do seu mandato e das suas competências”. Andreia Monteiro *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Simplificar a Política com a Prof. Rita Figueiras I n t r o d u ç ã o à Po l í t i c a A política portuguesa atravessa um período singular, com algumas nuances complexas. Este foi o pretexto para recorrermos à Professora Rita Figueiras, Doutorada em Ciências da Comunicação e Professora de Comunicação Política, que simplificou este momento particular da política nacional. Pontivírgula: Comecemos por definir o espectro político português, vulgo “esquerda e direita”. Como estão organizados os principais partidos em Portugal no eixo esquerda-direita? Prof. Rita Fiqueiras: Consideremos as últimas Eleições Legislativas: havia a expectativa de o Livre poder eleger um deputado, mas a surpresa foi ter sido o PAN a eleger um deputado. Isto significa que, neste momento, temos o CDS, o PSD, o PS, o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e o PAN representados no Parlamento. Coloquei-os por esta ordem, mas não significa que o PAN seja um partido mais à esquerda do que o Bloco de Esquerda. O PAN, ao contrário dos outros partidos, é mais vocacionado para uma causa, a dos animais. Em termos tradicionais, sabemos que temos o PSD e o CDS à direita, com o PSD numa posição mais de centro-direita. À esquerda, o PS no centro-esquerda, seguido do PCP e do Bloco. Pontivírgula: E acha que uma presença mais regular do PAN, nos próximos anos, pode ajudar a defini-lo no espectro político? Prof. Rita: A questão é: se o PAN se mantiver fiel à sua própria identidade de origem, a sua possibilidade de crescimento será sempre limitada. O PAN preocupa-se mais com questões relacionadas com a qualidade de vida. Terá sempre uma agenda muito circunscrita a um conjunto limitado de temas. Se tiver aspirações a tornar-se um partido maior e a falar a mais pessoas, terá de abrir a sua própria agenda.

© PAN

Pontivírgula: Se o PAN adopta esse princípio de qualidade de vida e de uma causa pelos animais e pela natureza, pergunto-lhe se será possível vermos uma aproximação entre o PAN e o Partido Ecologista “Os Verdes”, que têm matrizes semelhantes, e assim a CDU ganhar força.

© UCP

Prof. Rita: Neste momento, o PAN vale mais sozinho, embora seja uma questão muito particular do momento actual. Se tivéssemos um parlamento com uma maioria absoluta, por exemplo, um voto não contaria nada. No contexto presente, um voto é decisivo. Do ponto de vista táctico, o deputado do PAN vale mais se não estabelecer uma aliança com nenhum partido. Num contexto distinto seria benéfico para o PAN associar-se a um grupo parlamentar e eventualmente, assim, conseguir negociar o agendamento da discussão de questões que lhe são caras. A política também é feita de táctica, e só o líder do PAN poderá responder a estas questões.

“A questão é: se o PAN se mantiver fiel à sua própria identidade de origem, a sua possibilidade de crescimento será sempre limitada ” Pontivírgula: Ainda nesta linha, mas pegando nos partidos em concreto, é possível definir, numa frase ou numa ideia-chave, cada um dos partidos, dos que têm assento parlamentar? Prof. Rita: Não é fácil... Se pegarmos nos nomes dos partidos podemos perceber a sua matriz fundacional: Democrata-Cristão, Social-Democrata, Socialista, Comunista e o Bloco, que é um partido mais recente. De uma forma simples, o ideário deste partido é fruto de uma combinação de várias correntes comunistas. Estas são as matrizes originais, mas com o avançar dos tempos, e por um conjunto vasto e complexo de factores, estas identidades sofreram alterações: a disputa por um mesmo eleitorado, cada vez mais volátil, o recurso a estratégias de marketing político semelhantes e o facto de os níveis de decisão em áreas-chave da governação se terem deslocado para instituições supra-nacionais (União Europeia, Banco Central Europeu, etc.) contribuiu para a diminuição da diferença entre os partidos do chamado arco da governação (PSD, PS e CDS).


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Simplificar a Política com a Prof. Rita Figueiras Pontivírgula: Qual é, então, o elemento diferenciador? Prof. Rita: Para além dos temas de campanha, o elemento diferenciador passou a ser o candidato. O candidato, associado à questão de fundo do momento. Por exemplo, se a questão económica for muito forte nesse momento, o partido e o candidato adaptam-se a isso. Isto aliado à personalidade do candidato e à forma como é recebido pela opinião pública, acaba por moldar a linha de acção de cada partido. Todavia, por causa do contexto económico do país, nestas últimas eleições tivemos um regresso a um discurso mais ideológico e uma clivagem mais pronunciada entre esquerda e direita.

“Todavia, por causa do contexto económico do país, nestas últimas eleições tivemos um regresso a um discurso mais ideológico e a uma clivagem mais pronunciada entre esquerda e direita.” Pontivírgula: Peguemos nesse regresso ao discurso ideológico para tentar definir “esquerda” e “direita”. Tradicionalmente, entende-se a política portuguesa como direita conservadora e capitalista, centro liberal e esquerda revolucionária. Posto isto, quais são as principais diferenças entre a esquerda e a direita, em Portugal? Prof. Rita: Tradicionalmente, as diferenças situam-se na relação com o Estado, isto é, ser mais interventivo, ou menos interventivo nos sectores-chave da sociedade (saúde e educação, por exemplo). A relação com o estado, a economia e valores sociais são três vectoreschave para podermos fazer essas diferenças ideológicas mais tradicionais. À direita coloca-se o mercado mais forte do que o Estado, embora isto seja relativo e depende dos sectores. Por exemplo, o CDS era a favor da manutenção da RTP na posse do estado, e o PSD não. De forma genérica, podemos dizer que os eixos diferenciadores tradicionais são uma economia com maior presença do estado, ou com uma maior presença do mercado, e mais liberalizado ou menos liberalizado a legislar os valores sociais.

“Tanto pode ser uma decisão consciente e de revolta com a política, como pode ser uma mera indisponibilidade.”

© Público

Pontivírgula: Continuam a verificar-se elevados níveis de abstenção. Qual é a diferença entre o voto em branco, a abstenção e o voto nulo, no que diz respeito à “contribuição” de cada eleitor num resultado eleitoral? Prof. Rita: A abstenção significa que as pessoas não foram votar. As pessoas podem não ir para tentar dizer: “eu não acredito em nenhum partido e estou zangado” ou não ir votar porque a política não é importante para elas. No entanto, podem não ir apenas porque estão doentes ou no estrangeiro a trabalhar. Tanto pode ser uma decisão consciente e de revolta com a política, como pode ser uma mera indisponibilidade. De forma geral, com a abstenção, as pessoas pretendem passar uma mensagem. Pontivírgula: Mas para isso também existe o voto nulo e assim, pelo menos, participam no acto eleitoral... Prof. Rita: Claro, mas isso é outra coisa. Algumas pessoas não querem que o seu voto seja válido. Deslocam-se ao local de voto – reconhecem a existência das eleições – e querem passar uma mensagem de desagrado em relação aos partidos. Na abstenção, passam essa mensagem pela ausência, no voto nulo, passam pela presença. E ainda há o voto em branco, que é outra forma de dizer “não quero nenhum”. Cada eleitor é um eleitor, tal como, por exemplo, nos votos nulos, também há pessoas que apenas se enganam, ou pessoas que nem sabem como votar.


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Simplificar a Política com a Prof. Rita Figueiras Pontivírgula: Então aqui o que está em causa não é uma “traição” à população, mas sim uma “coligação” de esquerda no período póseleitoral? Prof. Rita: Não foi uma coligação póseleitoral que foi para o governo, foi um governo minoritário. O que temos é um governo minoritário, embora tenha surgido de um cenário pós-eleitoral totalmente novo. Pontivírgula: Considera que a falta de clareza dos media pode ter provocado a falta de compreensão dos acontecimentos políticos?

© CM Lisboa

Um olhar sobre a política Pontivírgula: As últimas eleições trouxeram a comparação entre a força do parlamento e a força do voto. De forma simples, como se explica a alguém que não acompanha a política, que o partido mais votado nas eleições não esteja a governar o país? Prof. Rita: Em primeiro lugar, decorre da forma como simplificamos aquilo que são as Eleições Legislativas e da contribuição dos próprios media com a tendência para a personalização da política. Passa-se a ideia de que estamos a eleger o Primeiro-Ministro embora, na verdade, estejamos a eleger a composição do parlamento. Tradicionalmente, os governos minoritários que venciam as eleições faziam o seu caminho, mesmo sem a maioria parlamentar. Os partidos da oposição, quando era votado o programa de governo, abstinham-se. Não votavam a favor, mas também não votavam contra, deixando “passar” o governo minoritário que estava a ser apresentado. O que se verificou foi que o governo minoritário não passou, contra aquilo que era uma certa tradição. O que os partidos de esquerda fizeram, embora seja uma novidade, é absolutamente legal. Pontivírgula: E que resposta é que se pode dar aos eleitores que se sentem “traídos” e dizem “o meu voto não teve valor”? Prof. Rita: Ganhar o partido em que se votou pode gerar no eleitor um sentimento de maior realização, do que quando não ganha ou não forma governo o partido em que se votou..

Prof. Rita: Exactamente. Durante a campanha diz-se tanta coisa, e tanto as pessoas como os media só ouvem metade. É preciso deixar assentar o “pó”, para se perceber melhor as questões e, sobretudo, olhar para trás e entender o que nos foi dito pelos políticos. Pontivírgula: Numa fase em que a emigração, os combates religiosos e a discussão acerca da política de fronteiras têm estado em voga, tem havido um crescimento dos partidos extremistas, embora em alguns países seja mais visível do que noutros. Acredita que partidos mais extremistas têm alguma possibilidade de governar em Portugal, ou sequer de chegar ao parlamento num futuro próximo? Prof. Rita: As eleições foram em Outubro, e não vimos isso. Claro que o PNR teve muito mais votos do que teve nas outras eleições. Ainda assim, são votos muito distantes dos mínimos que são necessários para ir para o parlamento. Portanto, temos dados recentes, com estas eleições, que nos fazem crer que essa questão não se coloque num futuro próximo.

“Durante a campanha diz-se tanta coisa, e tanto as pessoas como os media só ouvem metade. É preciso deixar assentar o “pó”, para perceber melhor as questões e, sobre tudo, olhar para trás e entender o que nos foi dito pelos políticos.”


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Simplificar a Política com a Prof. Rita Figueiras Tr i â n g u l o P o l í t i c a - C o m u n i c a ç ã o S o c i a l População Pontivírgula: Há uma frase que diz: “Política é demasiado importante para ser entregue aos políticos” – Considera que existe uma responsabilidade dos media para que frases como esta estejam, cada vez mais, na boca dos cidadãos? Prof. Rita: Sim, existe uma certa responsabilidade, sem dúvida. Não podem ser responsabilizados a 100%, mas enfatizam ainda mais determinadas visões sobre a própria política. A cobertura da política nos media está muito centrada no ataque, no negativismo e na controvérsia. Os media tendem a descontextualizar a informação e a personificá-la, colocando o jogo e a estratégia como eixos centrais para contar uma história. Isto dá à sociedade uma visão negativa e empobrecida da política. Como se não bastasse, temos ainda a questão da competição entre os vários canais. Para se destacarem dos outros meios de comunicação, não foi feito um percurso pela qualidade, mas sim pela atractividade, pela dramatização e pelo lado do espetáculo. Isso tende a não resultar numa informação com substância e com qualidade, que permita às pessoas estarem melhor informadas sobre o que quer que seja, incluindo a própria política. Pontivírgula: Quais são os pontos-chave para aproximar a população da política? Prof. Rita: São tantas questões, são muitas coisas... Enfim, era preciso que as pessoas sentissem que a política é importante na vida delas. Era preciso que as pessoas sentissem que a política também é um lugar de resolução dos seus problemas.

“Era preciso que as pessoas sentissem que a política também é um lugar de resolução dos seus problemas” Pontivírgula: E como é que se pode fazer essa “ponte”? Prof. Rita: Não é possível dar uma resposta simples a essas pergunta. Do ponto de vista dos media, seria necessário que mais media fizessem a pedagogia da importância dos partidos, do parlamento, das instituições democráticas. Também é necessário que as próprias pessoas se mobilizem mais e se envolvam. As pessoas estão muito desmobilizadas.

© Kaieteur News

Pontivírgula: Isso vê-se ao falarmos da abstenção... Prof. Rita: Claro, mas a questão tem de ser vista de modo mais amplo e estrutural. Tem que ver com questões da cultura política, da sociedade, da socialização política... A maioria desses factores são externos e ultrapassam os media. É preciso ter noção disto. Isso é algo que se tem verificado na maioria das sociedades ocidentais: o distanciamento entre a população e a política tem sido difícil de quebrar. Pontivírgula: Os media e os políticos têm interesse nessa aproximação entre a política e os cidadãos? Prof. Rita: Sim, têm. Mas há um círculo vicioso que é difícil de quebrar. Do ponto de vista das notícias, é preciso continuar a vender. O caminho da venda costuma ser, por norma, através da dramatização e do sensacionalismo. Isso não significa que todos os meios de comunicação sejam iguais, há diferenças. Há meios de informação de elevadíssima qualidade, são é pouco consumidos e isso a culpa não é destes meios. O problema é que os meios de comunicação de maior lucro são os que mais apostam numa informação superficial e orientada para as notícias leves, o que torna difícil convencer outros meios de que esse não é o caminho para o sucesso. É um esquema muito viciado e difícil de quebrar, mas, na minha opinião, há lugar para meios de comunicação que cumpram o seu dever de informar com qualidade. Isso requer um novo modelo de negócio, tempo para construir e fazer vingar o projecto e, a partir daqui, regressamos a um conjunto de problemas crónicos no sector dos media, mas também da sociedade portuguesa. Diogo Oliveira e Susana Santos *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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Impasse depois de eleições em Espanha Depois das eleições legislativas de 20 de Dezembro, tudo ficou em aberto sobre quem sucederia a Rajoy, no governo espanhol Na noite de 21 de Dezembro, o Partido Popular (PP, centro-direita) foi a facção com mais votos em Espanha, tendo reunido 28,72% dos votos. O Partido Socialista Obrero Español (PSOE, centro-esquerda) conseguiu 22,01%, o Podemos (esquerda) 12,67% e o Ciudadanos (centro) 13,93% dos votos. Em 2011, Mariano Rajoy e o PP conseguiram uma maioria absoluta, com 53,14% dos votos, tendo elegido 186 deputados para o congresso, de 350 possíveis. Os principais partidos na corrida à liderança de Espanha nas eleições de 2015 eram o PP de Mariano Rajoy, o PSOE, liderado por Pedro Sánchez; o Ciudadanos de Alberto Riviera e o Podemos dirigido por Pablo Iglesias.

“O partido de Mariano Rajoy compromete-se a baixar a taxa máxima do IRS e manter os valores da taxa mínima.” Os programas eleitorais dos partidos “tradicionais” – PP e PSOE – centram-se principalmente em medidas económicas. O partido de Mariano Rajoy compromete-se a baixar a taxa máxima do IRS e manter os valores da taxa mínima. O líder do PP prometia isenções excepcionais do IRS a trabalhadores com mais de 65 anos (idade da reforma) e isenção de um ano para desempregados que encontrem emprego. O PSOE pretende igualmente promover alterações o IRS, tendo também como objectivo uma remodelação no IVA e a criação de impostos sobre a poluição.

As sondagens publicadas pelos dois principais jornais espanhóis – “El Mundo” e “El País” – davam a vitória ao PP (27,2%), seguido pelo PSOE (20,3%), depois vinha o Ciudadanos (19,6%) e, por fim, o Podemos (18,4%). Estes valores levaram a que se pusesse a opção de um governo bipartidário, sendo que 42,4% dos inquiridos preferiam ver uma aliança entre PSOE, Ciudadanos e Podemos, deixando de fora o Governo eleito por maioria absoluta em 2011. Os resultados destas eleições tornam impossível um governo bipartidário de maioria absoluta. O congresso espanhol tem assento para 350 deputados, sendo necessário que uma força tenha 176 deputados eleitos para governar em maioria. Nenhum dos partidos conseguirá uma maioria absoluta com uma coligação simples, sendo necessário criar uma aliança com pelo menos três partidos. São várias as opções faladas, estando à altura de saída desta edição do Pontivírgula ainda a discussão sobre que partido, ou partidos, presidirão ao governo Espanhol. Caso o PP não fique à frente do Congresso, será o terceiro governo europeu formado em 2015 que não inclui o partido com mais votos, tendo o mesmo acontecido na Dinamarca e em Portugal. Em países como o Luxemburgo, a Bélgica e a Letónia é esse tipo de governo que vigora, actualmente. De notar que nestas eleições, dois partidos que não existiam há quatro anos (Podemos e Ciudadanos) conseguiram ocupar 109 lugares no parlamento. Antes das eleições espanholas, o alerta de ameaça terrorista estava no nível 4 (em cinco possíveis), tendo sido mobilizados cerca de 90.000 agentes de autoridade para o dia das eleições. Apesar deste alerta, a percentagem de votantes foi de 73,2% do total de escrutinados.

© El Pais

Diogo Barreto *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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Guiné está oficialmente livre de Ébola

Foi no dia 29 de Dezembro que a República da Guiné completou o período obrigatório de 42 dias desde o último caso registado, requisito necessário estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para ser declarado como um país livre de ébola. O último registo da doença no país foi o de um bebé, o primeiro a sobreviver ao vírus. A Guiné é assim o segundo entre os três países mais afectados pelo vírus a declarar o final da epidemia, depois da Serra Leoa tê-lo feito a 7 de Novembro. A OMS aguarda que a Libéria termine o período de 42 dias sem registos da doença para dar o surto como erradicado. Este período deverá terminar no dia 14 de Janeiro. A situação não pode, no entanto, ser dada como terminada, uma vez que já houve dois casos, um no Reino Unido e outro na Serra Leoa, em que o vírus voltou a aparecer em pacientes que estavam curados há meses. A OMS alerta também para o facto de que alguns casos podem ficar por registar, uma vez que os sintomas iniciais assemelham-se com os da malária, cólera ou outras febres hemorrágicas virais. Para além disso, novos surtos poderão surgir através do contacto com animais infectados (macacos ou morcegos), o que levaria ao início de um novo processo. Por todas estas razões, a OMS estabeleceu um período de vigilância de 90 dias após declarar um país livre de ébola.

© Misha Hussain, Reuters

“(...) os sintomas iniciais assemelham-se com os da malária, cólera ou outras febres hemorrágicas virais.“ Este foi o maior surto da doença e durou dois anos. O primeiro caso foi o de Émile, uma criança de 6 anos que ficou infectada com o vírus na Guiné. Desde então, o vírus afectou 28.637 pessoas, das quais 11.315 morreram. Os países mais afectados foram a Serra Leoa, Libéria e Guiné mas o contágio chegou a países como a Nigéria, Mali, Senegal, Itália, Reino Unido, Estados Unidos e Espanha. O jornal El País aponta algumas lições que devem ser tomadas no rescaldo desta crise. A primeira é que é imperativo melhorar as condições dos sistemas sanitários nos países pobres, como forma de controlar e travar a propagação de epidemias como esta. A segunda tem a ver com o modo de operação da OMS que se propõe agora a criar um corpo de intervenção no terreno para estas situações. Por último, o jornal espanhol indica a necessidade de melhorar os sistemas de alerta regionais, uma vez que o primeiro caso de ébola foi conhecido em Dezembro de 2013, mas o alerta só foi dado em Março do ano seguinte. Inês Linhares Dias *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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Acordo histórico contra o aquecimento global A conferência das Nações Unidas sobre o clima (COP21) terminou no dia 12 de Dezembro, em Paris, com um acordo histórico que reúne os representantes de 195 países, num esforço coletivo para combater as alterações atmosféricas. Após várias negociações, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, revelou ao mundo o primeiro acordo universal para o fim dos combustíveis fósseis, a redução das emissões de carbono e a contenção da subida da temperatura do planeta a 1,5ºC. Entre as medidas a serem tomadas estão os investimentos em energias renováveis e o reflorestamento.

O acordo de Paris define medidas vinculativas, como a elaboração de planos nacionais e a sua monitorização e revisão a cada cinco anos. Os 195 países têm de contribuir para a mudança e as nações mais desenvolvidas prometem ajudar os países mais vulneráveis na redução das emissões de dióxido de carbono e gases de efeito de estufa. No dia 22 de abril de 2016, Dia da Terra, o documento será aberto à subscrição formal dos países. Só será válido se for aceite por pelo menos 55 nações, representando 55% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Este acordo, se for legalmente aceite, deverá ser aplicado a partir de 2020. Dina Teixeira

Piropos com teor sexual já são crime Com as alterações do Código Penal em Agosto, os piropos com teor sexual podem valer uma pena de prisão até três anos Os piropos considerados com teor sexual valem uma pena de prisão de um ano, e três anos se for a menores com idade igual ou inferior a 14 anos, avança o Observador. Esta foi uma alteração feita pelo PSD/CDS no artigo 170 do Código Penal, onde foi considerado em Agosto, as “propostas de teor sexual” como crime. Clara Sottomayor, jurista, defende a autonomização do crime de assédio, indicando que não são todos os piropos sexuais que serão puníveis, mas sim as propostas de assédio sexual no trabalho. A jurista ainda indicou ao Diário de Notícias: “Sinto isto como uma meia vitória. Nunca pensei que acontecesse, achei que havia uma posição inflexível no grupo de trabalho, e surpreendeu-me muito que fosse o PSD a avançar. Mas sabe-se que este tipo de coisas progride aos poucos. E é preciso continuar a pugnar pela eliminação deste obstáculo à liberdade e autodeterminação das mulheres, que ficam inibidas de participar no espaço público ao serem desde muito miúdas submetidas a este condicionamento. Muito do que é a ausência de vontade das mulheres de intervir publicamente e que se apresenta como uma característica feminina é assim construído, culturalmente”.

Em Outubro de 2014, foi publicado um vídeo no youtube, intitulado como 10 Hours of Walking in NYC as a Woman, que teve mais de 30 milhões de visualizações em menos de 5 dias. Neste vídeo com cerca de um minuto é possível ouvir piropos e ver as reacções que os homens têm quando a rapariga passa. É possível ver o vídeo no seguinte link

© 10 Hours of Walking in NYC as a Woman, Youtube

Este vídeo denuncia o tipo de assédio a que as mulheres estão expostas cada vez que saem à rua. Esta lei visa combater este tipo de comportamentos que põem em causa a integridade e por vezes até a segurança das mulheres. Sandra Vasconcelos *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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Prémio Pessoa atribuído a Rui Chafes, o escultor que recusa a banalização do mundo

© Daniel Rocha, Público

Rui Chafes recebeu o Prémio Pessoa 2015, um prémio nacional que distingue personalidades das áreas da Ciência, da Cultura ou das Artes, com apenas 49 anos. Em 29 edições, é o segundo artista plástico contemplado, sendo que a primeira foi a pintora Menez. O júri da iniciativa conjunta do Expresso e da Caixa Geral de Depósitos é liderado por Francisco Pinto Balsemão e conta com nomes como Álvaro Nascimento (economista), António Barreto (sociólogo), Clara Ferreira Alves (jornalista e escritora), Eduardo Souto de Moura (arquiteto), João Lobo Antunes (neurocirurgião), Mário Soares (ex-presidente da República), Rui Vieira Nery (musicólogo), entre outros. O Prémio Pessoa, que existe desde 1987, já distinguiu personalidades como José Mattoso (1987), Maria João Pires (1989), Fernando Gil (1993), Herberto Hélder (1994), Eduardo Souto de Moura (1998), Manuel Alegre (1999) ou Eduardo Lourenço (2011). Rui Chafes reconhece a história de prestígio por detrás do Prémio e afirma que os nomes aos quais se junta“têm uma presença na sociedade mais longa e mais válida” do que a sua.

Chafes foi distinguido por conseguir “o feito raro de produzir uma obra simultaneamente sem tempo e do seu tempo”, anunciou Francisco Pinto Balsemão no Palácio de Seteais, em Sintra. O artista plástico reagiu numa entrevista ao PÚBLICO dizendo: “É uma sorte poder fazer um trabalho ao longo de tantos anos e ele ter algum tipo de significado e suscitar o interesse e o reconhecimento de uma comunidade. Não estou certo de o merecer nem de ter a importância de outras pessoas que o receberam, mas é uma alegria e uma grande responsabilidade.” Rui Chafes sente-se responsável por fazer circular “uma chamada de atenção para a própria existência da arte no mundo”. Discute ainda as intencionalidades da actividade artística, uma vez que este não visa alimentar o mercado, mas sim “levantar questões, fazer perguntas e pôr as pessoas à procura de respostas no sentido da essência daquilo a que chamamos vida e existir.”. O importante na arte é explorar as questões a fundo, dissecando cada elemento. Por isso, o escultor rejeita a conformidade sobre a banalização do mundo, não por se alhear do tempo em que vive, mas por não querer ser refém do mesmo.

“(...) É uma sorte poder fazer um trabalho ao longo de tantos anos e ele ter algum tipo de significado (...).”


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Prémio Pessoa atribuído a Rui Chafes, o escultor que recusa a banalização do mundo Daí surge também a dedicação do artista ao ferro. São poucos os artistas que trabalham exclusivamente este material. As esculturas em ferro ganharam maior expressão com a escultura modernista da segunda metade do século XX, por levantarem questões como a monumentalidade, jogos de peso e densidade, a sua natureza e o impacto no ser humano. O PÚBLICO compara Rui Chafes com um dos artistas mais emblemáticos que trabalham o ferro, o norte-americano Richard Serra: “pode dizer-se que Chafes traça um caminho diametralmente oposto ao de Serra: em vez da exibição da matéria, o seu apagamento, em vez do peso, a extrema leveza, em vez da densidade, a fluidez.”. O escultor nasceu em 1966 em Lisboa. Em 1989, formou-se em Escultura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estudou ainda na Alemanha na Kunstakademie Düsseldorf, sendo dos artistas portugueses mais reconhecidos internacionalmente. Em entrevista ao Expresso, descreveu-se como sendo “um mero artesão dessas vozes superiores que me dizem para fazer formas que não entendo”.

© Daniel Rocha, Público

Por acreditar que “uma obra de arte só existe quando é vista pelos outros”, algumas das suas obras podem ser vistas em espaços públicos, como por exemplo nos jardins do Museu Gulbenkian ou no Parque das Nações.

© Enric Vives-Rubio, Público

Andreia Monteiro *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Regresso da Saga das Sagas

© Manoel Lemos, Flickr

Já passaram dez anos desde que “Há muito tempo, numa galáxia longínqua” Star Wars passou pela última vez nos grandes ecrãs de cinema e invadiu a nossa sociedade. Mas a espera acabou! É certo que a Saga é muito conhecida – provavelmente das mais conhecidas que alguma vez saíram no mundo do Cinema. Mas há sempre quem desconheça a história que já leva sete episódios e quase quarenta anos de existência. Para esses, o Jornal Pontivírgula decidiu fazer um resumo de cada um dos filmes até ao episódio VI. Iremos fazer este resumo a partir do episódio I, embora não seja o mais antigo (os conhecedores da saga sabem o porquê, e quem não sabe irá descobrir).

Episódio II: Ataque dos Clones A agora senadora Padmé Amidala é vítima de um atentado, e Anakin e Obi-Wan são designados para protegê-la. Seguindo as pistas da tentativa de assassinato, o mestre Jedi descobre que um exército de clones está a ser criado e que na origem desta ideia está o mercenário Jango Fett, suspeito do crime. Durante este acontecimento, Anakin descobre o amor e o ódio: apaixona-se por Amidala e executa uma tribo inteira de nativos do deserto que havia sequestrado a sua mãe. Depois disso, Obi-Wan e Anakin enfrentam um Jedi cooptado pelo lado negro da Força que detém os planos de uma arma mortal: a Estrela da Morte.

E p i s ó d i o I : A A m e a ç a Fa n t a s m a Este episódio narra o início da história da família Skywalker, a partir do seu primeiro protagonista, o jovem Anakin Skywalker. Enquanto vivia com a sua mãe no planeta desértico Tatooine, Qui-Gon Jinn, o mestre de Obi-Wan Kenobi, repara no pequeno rapaz e vê nele uma predisposição incomum para a Força. O Jedi consegue a sua libertação, já que ele era escravo na sua terra e partem para ajudar a rainha Amidala a reconquistar o seu planeta, enfrentando Darth Maul.

E p i s ó d i o I I I : A Vi n g a n ç a d o s S i t h Após o início das Guerras Clónicas, Padmé Amidala, esposa do jovem Jedi, engravida. Ele começa a ter visões que mostram a sua mulher a morrer durante o parto. Temeroso por esse destino e querendo evitá-lo a qualquer custo, Anakin é seduzido para o lado negro da Força pelo chanceler Palpatine, que se revela como Darth Sidious. O Império Galático põe em prática seu plano de derrubar a República e aniquilar os Jedi. Por fim, há um acerto de contas entre Obi-Wan e o seu aprendiz.


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O Regresso da Saga das Sagas Episódio IV: Uma Nova Esperança Após a Princesa Leia ser capturada por Darth Vader e as forças do Império, R2D2 e C-3PO partem para o planeta Tatooine para procurar ajuda do exilado Obi-Wan Kenobi. Após levar os dois robôs ao encontro do mestre Jedi, Luke Skywalker retorna a casa e encontra os seus tios mortos pelo Império. Então, decide ajudar Obi-Wan. São transportados pelo contrabandista carismático Han Solo e o seu amigo Wookie Chewbacca para Alderaan, em direção à Estrela da Morte, estação espacial bélica na qual Leia é mantida como prisioneira. Após a destruição da nave, cabe ao grupo resgatar Leia e escapar da Estrela da Morte. Episódio V: O Império Contra-Ataca A destruição da Estrela da Morte não foi o suficiente para deter o Império, que continua a perseguir os rebeldes. Após a Rebelião ser derrotada no planeta gelado Hoth, Luke Skywalker parte para o planeta Dagobah para treinar com o mestre Jedi Yoda. No entanto, Darth Vader quer atrair Luke para o lado negro da Força. Para isso, o vilão sequestra Han Solo, Chewie, C-3PO e Leia com a finalidade de atrair o Jedi à Cidade das Nuvens, no planeta Bespin. Luke abandona o treino após ter uma premonição de que os seus amigos estão em apuros e parte rumo à cilada de Vader. Durante o confronto com seu pai, ele perde a mão, mas consegue fugir. O mal contra-ataca e vence. Episódio VI: O Retorno de Jedi No encerramento da primeira trilogia, o Império constrói uma segunda Estrela da Morte e avança contra as posições rebeldes, enquanto Luke e Leia partem para salvar Han Solo e preparar uma investida final. No derradeiro encontro com Darth Vader, Luke resiste ao lado Negro da Força e, com a ajuda do pai, derrota o Imperador. Antes de morrer, Vader reconcilia-se com o filho e com sua própria essência, Anakin Skywalker, aparecendo em seguida ao lado dos espíritos de Ben Kenobi e Yoda.

“Em Portugal, embora de forma mais tímida, o regresso também foi muito ansiado.”

© Matt Stroshane, Flickr

E p i s ó d i o V I I : O D e s p e r t a r d a Fo r ç a Tem sido um ambiente frenético a anteceder o regresso de Star Wars, tendo a Internet principal destaque, com imensas imagens alusivas ao filme a bombardearem as redes sociais. O novo filme, “Guerra das Estrelas: O Despertar da Força”, com estreia marcada para dia 17 de Dezembro, assinala o regresso de algumas das personagens mais queridas da saga, como Han Solo, Leia Organa ou Luke Skywalker. A história começa 30 anos depois da Batalha de Endor, retratada em “O Regresso de Jedi”. Para além disso, “O Despertar da Força” é o primeiro filme realizado sem George Lucas, o pai da “ópera espacial” que, em 2012, decidiu, segundo o próprio, passar o testemunho a “uma geração mais nova de realizadores”, neste caso a J.J Abrams. Nos Estados Unidos a espera foi imensa. Os bilhetes para a estreia “voaram” das bilheteiras em menos de uma hora e até houve quem comprasse os bilhetes da sala inteira (!) só para assistir sozinho e em paz a este filme. Em Portugal, embora de forma mais tímida, o regresso também foi muito ansiado. Os bilhetes para a estreia também saltaram das bilheteiras e quem teve a sorte de assistir à estreia do filme diz não ter ficado desiludido. Por fim, Star Wars está de volta! Milhões e milhões de fãs irão esgotar as salas de cinema locais e fazer deste o filme do ano. Cabe a cada um desses milhões respeitar o pedido de toda a Internet: não há spoilers! Guilherme Tavares


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Sem tretas nem tramas No passado dia 14 de Dezembro, o antigo Primeiro-Ministro José Sócrates deu a sua primeira grande entrevista após ter sido preso por suspeitas de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Isto foi e é, acima de tudo, um importante acontecimento, visto por cerca de 1.5 milhões de espectadores. Não só porque estamos no âmbito de um processo judicial que tem uma enorme dimensão mediática e, evidentemente, social, mas também porque José Sócrates fez acusações claras ao Ministério Público, à democracia e à justiça em Portugal. Para o senhor Engenheiro, os “malvados” reuniram-se contra ele, com intenções evidentes de afastá-lo do sistema ou diminuir a “esquerda”. Mas falar do nome de José Sócrates obriga a lembrar a Operação Marquês, o Face Oculta, o Freeport, a licenciatura na Independente e a Cova da Beira. Estas questões, aliadas a outras não menos importantes, como as estranhas “trocas e baldrocas” da casa em Paris e a relação com o amigo e empresário Santos Silva, alegado “testa-de-ferro” de Sócrates e nome constante no processo, levamnos a todos a duvidar incessantemente.

“Perguntas que espero serem respondidas, sem tretas nem tramas: algo que parece difícil quando de política se trata.” Certamente, José Alberto Carvalho ficou com muitas perguntas por fazer: a inconsistência aparente entre o rendimento e o estilo de vida e bens atribuídos ao ex-Primeiro Ministro, o desaparecimento dos documentos, a relação com Armando Vara ou os “queijinhos” e “fotocópias”, códigos dos quais desconhecemos o respectivo significado. Perguntas que espero serem respondidas, sem tretas nem tramas: algo que parece difícil quando de política se trata.

© Wikipedia Commons

Pois bem, mas o processo judicial continua e temos que aguardar uma conclusão. Das duas uma: se Sócrates for absolvido, dirão que foi vítima de uma perseguição judicial impensável; se Sócrates for culpado, dirão que é um conspirador corrupto que merece todos os anos de prisão e mais alguns. Mas seja qual for a conclusão do caso, não resolverá todas as questões levantadas ou todos os pormenores esquecidos. Depois de quarenta anos de regime democrático e de trinta anos de integração europeia, chegámos ao cúmulo de virar a página a questões fundamentais para a compreensão de um caso de alegada corrupção, algo que nos afectou a todos enquanto cidadãos portugueses. Hoje, mais do que nunca, tem de existir um debate político onde sejam esclarecidos todos os pontos-chave ou não chave do caso. Sem tretas nem tramas: algo que parece difícil quando de política se trata. Contudo, e por mais intrigantes que sejam as questões que rodeiam o caso Sócrates, podemos dizer que proferir um juízo sobre a culpabilidade de alguém com base na pessoa em si é sempre errado, principalmente quando o processo ainda está em investigação. Podemos, inclusive, questionar a justiça e os graves problemas éticos que têm de ser modificados hoje, para um melhor funcionamento amanhã. Que sejam respondidas todas as questões, sem tretas nem tramas, como quem diz, sem aldrabices: algo que parece difícil quando de política se trata. Ana Silvestre *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Será o Natal sinónimo de solidariedade? É certo e sabido que nesta altura do ano a solidariedade das pessoas está mesmo à flor da pele. O Natal é sinónimo de calor, amizade, família, amor, e claro está solidariedade para com o próximo. Talvez esse próximo não tenha tido um destino tão justo nem feliz, mas que não deve ser privado de atingir a felicidade e de receber sorrisos, ainda para mais numa época tão especial como esta.

“Estas são apenas algumas das muitas instituições que dão apoio a famílias que necessitam de ajuda, sendo que as igrejas e as comunidades também são as primeiras a dar uma mão a quem mais precisa..”

© Continente

É neste sentido que as instituições de solidariedade atuam em força no mês de Dezembro. É comum verem-se anúncios da Missão Sorriso nesta altura do ano, uma instituição de solidariedade que tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento das comunidades e melhorar a qualidade de vida das famílias portuguesas. A operação Nariz Vermelho, uma outra instituição solidária que atua dentro dos serviços pediátricos dos hospitais portugueses, também faz campanhas de solidariedade no Natal, de modo a contribuir para a felicidade das crianças hospitalizadas e apelar à sensibilidade e veia solidária dos portugueses, na altura do ano que as crianças mais gostam. Também o Banco Alimentar, uma instituição que se aloja nos supermercados e tem como objetivo a recolha de alimentos para ajudar pessoas carenciadas, tem maior incidência na época Natalícia. Estas são apenas algumas das muitas instituições que dão apoio a famílias que necessitam de ajuda, sendo que as igrejas e as comunidades também são as primeiras a dar uma mão a quem mais precisa.

© Banco Alimentar

© Banco da Saúde

A melhor parte de ajudar e ser solidário é que qualquer um pode fazêlo. Todas as instituições de solidariedade aceitam ajuda vinda daqueles que têm vontade de auxiliar o próximo. Todos temos o dever de nos chegarmos à frente! O Natal não tem de ser apenas um pretexto para que as pessoas façam aquilo que muitas vezes não fazem o resto do ano: ajudar. Joana Pires Roque


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Dear Daddy, Um vídeo Ofendeu-me Viram aquele vídeo, partilhado pela Care Norway, DearDad? Nesta produção, uma voz feminina agradece ao pai por tomar conta dela de todas as formas possíveis e imaginárias, mesmo antes de ter nascido. No entanto, o tom de agradecimento desaparece para dar lugar a uma entoação de culpabilização. Numa atitude de Ninfa da Ilha dos Amores, esta criança que ainda não nasceu, já previu que, aos 14 anos, os rapazes da turma lhe vão chamar nomes não especialmente simpáticos e a rapariga – vou chamar-lhe Maria, para ser mais fácil de seguir a história – até pressupõe que o pai terá feito o mesmo, quando era mais pequeno, para impressionar os outros rapazes da sua turma. Maria explica depois que, aos 16 anos, alguns dos rapazes já terão tentado pôr as mãos por dentro das suas calças enquanto ela está tão bêbeda que nem se consegue sentar direita e, mesmo que ela diga “não”, eles vão apenas rir-se. “Se me visses neste momento, daddy, ficarias tão envergonhado, porque eu estou totalmente perdida.” A profecia afirma depois, sem admiração, que aos 21 anos, Maria terá sido violada pelo filho de um amigo do pai, que cresceu a ouvir piadas de humor negro que o seu pai contava. E o próprio “daddy” ter-se-á rido, para ser cortês.

“Numa atitude de Ninfa da Ilha dos Amores, esta criança que ainda não nasceu, já previu que, aos 14 anos, os rapazes da turma lhe vão chamar nomes não especialmente simpáticos.” Mas nem tudo é mau na vida de Maria. Ela acaba por encontrar o seu príncipe encantado. Bonito, inteligente, com um bom trabalho e completamente louco pela namorada. Mas, um dia, tudo muda e o príncipe já não é o mesmo, já não é perfeito como fora até aí. “Serei eu?”, pergunta-se a narradora. Mas, um dia, ele chama-lhe um daqueles nomes que os meninos de 14 anos já lhe chamaram e, mais tarde, o príncipe bate-lhe. “Eu exagerei. Às vezes sou mesmo uma cabra para ele, mas mesmo assim somos o melhor casal do mundo. Eu amo-o, mas ao mesmo tempo odeio-o. Até que um dia ele quase me mata.”.

© Dear Dad, Care Norway

O vídeo acaba com um pedido: “Dear daddy, não deixes que os meus irmãos chamem nomes a outras raparigas, não te rias de piadas insultuosas de outros homens, mesmo que sejam amigos. Eu sei que me vais proteger de leões, carros, armas e até de sushi, sem sequer ponderares nas consequências que isso pode trazer para ti. Mas eu vou nascer rapariga e, por isso, peço-te que faças de tudo para que isso não seja o maior perigo entre todos.” Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, uma em cada três mulheres será vítima de abuso físico ou sexual ao longo da sua vida. E se formos contar com o abuso psicológico, a probabilidade deve aumentar ainda mais. São números chocantes e estas campanhas têm um óptimo propósito. Mas serão a melhor forma de fazer passar a mensagem? A percepção que este vídeo me deixou foi de que todos os homens são iguais. São verbalmente ofensivos, todos nos aproveitamos de uma rapariga quando ela se encontra mais vulnerável, todos tentamos violá-la e todos perderemos a cabeça com ela e acabamos por lhe bater. Claro está que o vídeo utiliza a generalização para atingir mais pessoas; nem todos os homens são maus; nem todos batem nas mulheres… Só a grande maioria.

“Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, uma em cada três mulheres será vítima de abuso sexual (...)”


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Dear Daddy, Um vídeo Ofendeu-me Como membro desse clube terrível chamado “sexo masculino”, tenho uma confissão a fazer: sentime ofendido por este vídeo. Acho que não faz o mínimo jus ao que o homem pensa. Claro que pode haver indivíduos do sexo masculino que pensam assim (há e eu até já conheci uns exemplos bastante exóticos destas bestas), mas a maior parte deles não pensa assim. No caso do rapaz que tenta aproveitar-se da rapariga bêbeda, Maria afirma “daddy, ficarias tão envergonhado, porque eu estou totalmente perdida”. Acho que o primeiro pensamento a passar pela mente de um pai não seria “É bem-feito, qu’é para aprenderes a não beber!”, mas sim “Onde é que eu posso encontrar esse rapaz, para lhe mostrar como a minha bota é mais rija que as costelas dele?”. Então e o rapaz perfeito? Se o rapaz “perfeito” fosse assim tão bom quanto nos é dado a querer, não lhe teria batido, ou insultado, muito menos tentado matar. Se o rapaz perfeito o fez, talvez o melhor seja levar o rapaz perfeito ao médico porque ele deve ter adquirido um distúrbio mental grave, para passar de um Brad Pitt para um Charles Mason.

“Se o rapaz perfeito o fez, talvez o melhor seja levar o rapaz perfeito ao médico porque ele deve ter um distúrbio mental grave, para passar de um Brad Pitt para um Charles Manson.” Quero só referir que não tenho absolutamente nada contra estas campanhas que tentam chamar a atenção para assuntos tão importantes como a violência contra grupos. Só peço é que tenham mais atenção à forma como colocam os assuntos. É ofensivo e muitos indivíduos do sexo masculino poder-seão sentir “atacados” por este vídeo, não ligando à importante mensagem que este pretende transmitir. Para mostrar o meu apoio relativamente ao sexo feminino, deixo aqui umas notícias que me alegraram e que provam que não sou assim tão má pessoa (embora seja um desses animais terríveis comummente conhecidos como “homens”):

© Calendário Pirelli, Público

Este Dezembro, o governo do Japão pediu oficialmente desculpa às “mulheres de conforto” sul-coreanas, que durante a II Guerra Mundial foram transformadas em escravas sexuais pelos soldados japoneses. A função destas “mulheres de conforto” era satisfazerem sexualmente os soldados japoneses, para que estes tivessem uma melhor prestação como soldados, durante a guerra. O governo japonês compromete-se a pagar 100.000 milhões de ienes (7,5 milhões de euros) às vítimas, como indeminização pelo seu sofrimento. O calendário Pirelli volta a não trazer apenas imagens de modelos em indumentárias mais diminutas. O calendário deste ano marca por ter mulheres de várias idades e de origens tão diferentes, bem como por se terem destacado em diversas áreas. O calendário contou com fotografias de Annie Leibovitz e as modelos escolhidas para serem fotografadas foram: Amy Schumer (comediante), Serena Williams (desportista), Yoko Ono (artista plástica), Fran Lebowitz (escritora), Shirin Neshat (artista visual), Agnes Gund (filantropa), Kathleen Kennedy (produtora de cinema), Yao Chen (actriz), Tavi Gevinson (escritora), Natalia Vodianova (modelo e filantropa), Ava DuVernay (realizadora) e ainda a incrível Patti Smith. Na Arábia Saudita, quatro mulheres foram eleitas nas primeiras eleições deste país em que as eleições foram abertas a indivíduos do sexo feminino – que tanto podiam candidatar-se como participar no processo de eleição. 900 mulheres candidataramse nestas eleições. Podemos estar perante um sinal de mudança neste país tão conservador? Diogo Barreto *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Um Pouco (In)Conveniente The Mad Hatter The Mad Hatter: - Have I gone mad? Alice: - I’m afraid so. You’re entirely bonkers.

© Pipoca Combo

Sempre me questionei acerca deste diálogo na Alice no País das Maravilhas, sabem? Por incrível que pareça, olhe por onde olhar, o que a Alice diz ao Chapeleiro Louco faz cada vez mais sentido. Cada vez mais as pessoas sofrem de problemas que vão para além do físico, que ultrapassam o “olho nu” do resto dos mortais. Isso, para mim, é preocupante. Ou melhor, mais do que preocupante, é alarmante por duas razões: em primeiro lugar, verifica-se que as pessoas estão cada vez mais desgastadas mentalmente, levando-se a um extremo de tal forma excessivo que acabam por se esgotar a elas próprias e, em segundo lugar, esse desgaste leva a que estes indivíduos sejam tratados e vistos como uns descompensados, frágeis ou malucos. Isso irritame. PIOR, mete-me nojo. Sim, eu sei que “nojo” é uma palavra forte contudo, é a única que arranjo para classificar aquelas pessoas que, ao verem alguém a passar por um distúrbio mental e emocional, tornam-se, pois, “limitadas mentalmente” menosprezando o sofrimento oculto e alheio de outros. Nós não temos noção das batalhas que, todos os dias, pessoas como eu e vocês passam. Batalhas essas que são obscuras, que se fazem sentir na sombra, mas que se sentem como uma tempestade, uma explosão e divisão entre o que se quer transparecer ao mundo e o que realmente se sente. Agora, questiono-me como é possível que, em pleno século XXI, o ser humano esteja cada vez mais sujeito a esta epidemia da mente... Só para terem uma noção, os distúrbios mentais compõem 12% da carga total de doenças em todo o mundo, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde. Isto se, claro, considerarmos apenas os países desenvolvidos, esse número aumenta para 23%. - Como é possível? Será o tempo? Será o individualismo da grande cidade? Será o quê? Eu podia agora fazer mil perguntas que não ia obter uma resposta milagrosa para solucionar este problema.

Porém, o melhor que posso fazer é alertar à sensibilidade daqueles que ainda não foram sujeitos a esta “peste” da mente. A esses, apenas peço para medirem bem as palavras e os olhares de pena ou de repulsa porque, embora não saibam, isso piora a dor interna dos que estão a travar, lá está, a sua própria luta. Não temos noção do impacto que temos nas pessoas e, ao mesmo tempo, também não sabemos ao certo o que fazer para ajudar pessoas com problemas mentais e emocionais. Neste sentido, o buzzfeed (para quem não sabe é um portal de notícias e entretenimento online de origem americana) há umas semanas, dedicou uma semana inteira a um tema: “Mental Health”. Aí, surgiu um pouco de tudo, desde a explicar por cartoons ou vídeos como era estar deprimido. Relatos de pessoas que se tentaram suicidar, relatos de familiares e amigos de pessoas com esquizofrenia ou bipolaridade, pessoas a explicarem como era ser hiperativo com idade feita ou, também, pessoas com distúrbios alimentares a dizerem que, efetivamente, existe uma fobia pela comida e a imagem e não um capricho como o resto da sociedade pensa. Todo um conjunto de relatos sobre variadíssimos problemas mentais aos quais se podia assistir, ouvir e ver nessa semana. Eu vi, cada um, cada relato, tanto dos que têm problemas como os que são familiares daqueles que têm este problema e digo-vos: são pessoas incríveis, sabem? Incríveis porque, ao ver a história da vida destas pessoas, nunca diríamos que eles estavam a passar por tamanha guerra, tamanha destruição pessoal. E sabem porquê? Porque estas pessoas, melhor do que ninguém, escondem esta tristeza bem lá no fundo, para alegrar a vida dos outros, ou seja, basicamente são os melhores conselheiros e os mais “palhaços” de todos. Quem os vê pensa: “Epá que gajo mesmo bacano! Parto-me a rir com ele.” Sim, é mesmo bacano. Contudo, é o mais infeliz e ninguém tem sensibilidade de ver que, por trás de um sorriso, de uma gargalhada ou de uma piada está ocorrer uma luta, uma bomba relógio que, mais tarde ou mais cedo, vai explodir no momento em que, e já como alegadamente dizia o Joker, “We stopped looking for monsters under the bed when we realised they were inside us”. Após essa detonação, o que é que acontece ao “gajo bacano”? Bem, o resto da felicidade que prevalecia vai desvanecer por entre a exaustão interna que o assola.

Susana Santos


OPINIÃO

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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Dezembro

“A Liga aproveita para apelar a todos os adeptos que pretendam deslocar-se para verem as suas equipas, que não deixem de exercer o seu direito e dever de voto” – Comunicado da Liga Portugal

Depois das últimas Legislativas, futebol em dia de Eleições, mais uma vez. Redes sociais, televisão, jornais... regressou a revolta por existirem jogos de futebol no dia das Eleições Presidenciais. Povo português: qual é o problema? As urnas de voto estão abertas das 8h às 19h, sem interrupção. Será assim tão complicado, para os que querem muito poder votar e ver o jogo de futebol, organizar as 24h do seu dia, de forma a ter tempo para fazer as duas coisas? A CNE, bem como alguns políticos, considerou que os jogos de futebol contribuiriam para a abstenção e para desfocar a atenção das pessoas. Se calhar está explicada a maior taxa de abstenção da história da democracia portuguesa... Não, não está. Respeitando a opinião da CNE, diga-se que muito mal estará a sociedade quando a justificação para não ir votar seja: “das 8h até às 19h, não tive disponibilidade para votar na eleição do próximo Chefe de Estado do nosso país. Houve um Belenenses-Guimarães às 16h, um Braga-Rio Ave às 18:15 e um Porto-Marítimo às 20:30. Era completamente impossível”. Será que deviam também fechar centros comerciais, teatros, cinemas, museus e restaurantes em dia de eleições? Muito bem esteve a Liga ao não vacilar perante este uso do futebol para desculpar o desinteresse das pessoas pela política.

NOTA PONTIVÍRGULA: 8/10

“Preferimos resolver problemas concretos como o da rede viária” – Assessor da Presidência da Autarquia de Faro, acerca da diminuição dos gastos com a iluminação de Natal.

A iluminação natalícia não tira só uns “trocos” ao orçamento das câmaras municipais. As Autarquias mais “generosas” chegam a gastar perto de 300 mil euros com as luzes natalícias. A tradição desta quadra, em Portugal, não permite que se deixe passar em branco as decorações alusivas à época. No entanto, convenhamos que estes valores são absurdos. Segundo o Jornal Expresso, Câmaras como Setúbal e Matosinhos aumentaram os gastos com as luzes de Natal, ao passo que Loures, Évora e Faro abdicaram das decorações nas ruas e jardins dos seus municípios. Pessoalmente, apesar de saber da importância desta quadra para muitos portugueses, acho que é um bom gasto para ser reduzido. As autarquias, que se dizem em dificuldades, ficarão com maior folga financeira e, dessa forma, resolverão problemas mais importantes (a qualidade do piso nas estradas urbanas, por exemplo). Tire-se o chapéu a Faro, Loures e Évora pela definição de prioridades e a Oeiras e Braga pela medida mais equilibrada: não acabar com a iluminação, mas reduzir bastante os gastos com esta quadra.

NOTA PONTIVÍRGULA: 9/10


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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Dezembro

“Ok, tenho de pedir desculpa. O segundo lugar é da Colômbia. A Miss Universo 2015 é das Filipinas” - Steve Harvey, anfitrião do concurso Miss Universo 2015, após ter colocado a coroa na cabeça da segunda classificada

Nas redes sociais já é apelidada de “gafe da década”. É daqueles momentos que ficará na história deste concurso. Momento hilariante para o público, traumático para a jovem colombiana, embaraçoso para o apresentador e perfeito para... as redes sociais. Todos os dias vemos novas montagens a parodiar com este engano e, para nós, é difícil dar uma má nota. Ok, a gafe é grave e os organizadores não devem ter gostado nada (e as concorrentes menos ainda). No entanto, verdade seja dita (perdoe-me a jovem colombiana), foi um momento hilariante e pôs o Mundo a rir. Steve Harvey justificou-se: “li os cartões ao contrário”. De forma brilhante e involuntária, Harvey colocou este concurso de beleza a circular nas redes sociais e nas televisões. Os patrocinadores agradecerão.

NOTA PONTIVÍRGULA: 5/10

“Michael Schumacher utilizava três velocímetros” - Willem Toet, ex-engenheiro da Benetton (primeira

equipa de “Schumi” na Fórmula 1)

A Fórmula 1 tornou-se, infelizmente, uma competição mecanizada. Os carros e a engenharia mandam cada vez mais, enquanto o talento dos pilotos manda cada vez menos. As declarações de Toet, explicando, ao pormenor, os “truques” de Schumacher para se tornar melhor piloto, relembram que os pilotos podem explorar o seu talento e os seus métodos pessoais para se distinguirem dos seus concorrentes. Saber estes pormenores que, na década de 90, faziam toda a diferença, faz pensar que a Fórmula 1 tem de mudar de rumo. Os amantes da competição-rainha do desporto motorizado querem mudanças: mais piloto e menos máquina, mais talento e menos tecnologia, mais espontaneidade e menos automatismos. No início da temporada, quase todos sabiam que o título seria disputado por Hamilton e Rosberg. São melhores pilotos do que os outros? Talvez sim, talvez não. O problema é saber-se que seriam estes pilotos a lutar pelo título, apenas porque são os que conduzem o melhor carro. Não é este o caminho.

NOTA PONTIVÍRGULA: 8/10

Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Ao Rosto Vulgar dos Dias Política O Rescaldo O ano novo traz sempre, inevitavelmente, o balanço do ano que passou. 2015 foi um ano conturbado, com tanto de positivo como de negativo. Diga-se o que se disser, concorde-se ou não com o panorama político nacional, europeu e mundial, muito do que se passou em 2015 vai deixar marcas no futuro. O ano começou com a vitória estrondosa do Syriza, na Grécia. O partido de esquerda, que chegou ao poder em Janeiro de 2015, veio abalar o sistema político centrista Europeu e rompeu com o arco de governação, que conduziu a Grécia para o gigantesco nível de endividamento público em que o país está mergulhado, tendo-o submetido a drásticas medidas de austeridade, que provocaram graves problemas sociais. O governo grego travou uma difícil batalha em negociações com a União Europeia e a Troika, que culminou num referendo, que questionava o povo grego sobre se o executivo devia ou não aceitar as condições impostas pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI. Ganhou o não. Entre ameaças de Grexit e a demissão de Yanis Varoufakis como ministro das finanças grego, as negociações foram iniciadas; não digo retomadas, porque, até então, o que se passou no Eurogrupo não pode ser apelidado de negociações, mas, sim, de um rol de imposições feitas de parte a parte, sem qualquer tipo de cedências. Desde então, ambas as partes têm trabalhado no reestruturamento da dívida grega. Alex Tsipras viu-se obrigado a aplicar algumas medidas de austeridade, mas, ainda assim, o caso grego inspirou outros países como Portugal e Espanha, que, apesar de bastante mais timidamente, também escolheram uma viragem à esquerda no panorama político, como forma de combaterem a austeridade e a precariedade que as políticas

O caso nacional foi peculiar, mas sintomático. O resultado das eleições, que deram uma vitória minoritária à coligação PàF e uma grande vantagem ao BE, foi, de certa forma, replicado nas eleições espanholas. Embora ainda não se saiba que partidos vão formar governo no país vizinho, em Portugal, a maioria votou contra a austeridade e o PS assumiu o poder com uma aliança à esquerda, sem precedentes na democracia portuguesa, depois de ter derrubado o programa de Governo de Passos Coelho, na Assembleia da República. Se na Grécia já se veem alguns resultados, pelos lados Ibéricos ainda vamos ter que esperar para ver. No Myanmar, enquanto o mundo estava paralisado a olhar para os atentados em Paris, o regime militar foi derrubado nas primeiras eleições democráticas em 25 anos e Aung San Suu Kyi, vencedora do Prémio Nobel da Paz em 1991, lidera agora o governo do país. Mais de 80% da população votou nas eleições que deram a vitória à Liga Nacional para a Democracia (LND). O partido já tinha ganho eleições em 1990, no entanto, todos os seus membros foram aprisionados em consequência da vitória eleitoral. Aung San Suu Kyi foi libertada em 2010, depois de 15 anos em prisão domiciliária. Ainda que esta seja uma vitória importante para a democracia no país, as forças militares ainda têm controlo sobre alguns ministérios, bem como 25% dos lugares no parlamento e a Constituição prevê que podem tomar controlo do governo em situações de emergência. Qualquer alteração à Constituição pode ser por eles vetada. Ainda assim, Aung San Suu Kyi afirma que o Myanmar tem agora a oportunidade de criar uma sociedade democrática e, no que dela depender, assim será.


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Ao Rosto Vulgar dos Dias Política Já em Dezembro, outro regime estabelecido foi abalado, desta vez na América do Sul. As eleições na Venezuela confirmaram as previsões das sondagens que apontavam para uma grande derrota do “chavismo”, actualmente liderado por Nicolás Maduro. O que não era expectável era a esmagadora maioria da grande aliança da oposição, que junta partidos do centro-esquerda até à direita mais conservadora. As eleições para a Assembleia Nacional deram à Unidade Democrática dois terços dos assentos parlamentares, o que permite, entre outras coisas, aprovar projectos de revisão constitucional e nomear ou destituir líderes de outras instituições como o Tribunal Superior de Justiça ou o Conselho Nacional de Eleições. Ainda que as eleições tenham sido para o parlamento, o grande debate que os resultados levantam é sobre o futuro do Presidente, Nicolás Maduro, e se este terá condições de levar a cabo o seu mandato, que termina em 2019.

“A Comissão Eleitoral impôs uma segregação total dos sexos durante a campanha e proibiu o uso de fotografias dos candidatos (...) .” Na Arábia Saudita as mulheres puderam, pela primeira vez, votar e ser candidatas. As eleições para conselhos municipais, assembleias de poderes limitados e as únicas constituídas por membros eleitos, ocorreram no dia 13 de Dezembro e elegeram 4 mulheres para cargos municipais. A Comissão Eleitoral impôs uma segregação total dos sexos durante a campanha e proibiu o uso de fotografias dos candidatos ou que fossem pronunciados discursos perante pessoas do outro sexo. Com todas estas limitações, as redes sociais foram a ferramenta mais utilizada pelas candidatas durante a campanha. Esta aparente abertura é importante, contudo, há ainda um longo caminho a percorrer no que toca aos direitos humanos e ao respeito pelas liberdades individuais na Arábia Saudita.

Mas, o ano foi, sem dúvida, marcado pelos atentados em Paris. Se até então a democracia nos parecia ser um dado adquirido na Europa, o medo despertado pelos ataques no coração de França veio acordar antigos fantasmas. Se já a crise dos refugiados tinha alimentado ideologias de extrema-direita em países da Europa Central e de Leste, como a Hungria, a Polónia e a República Checa, os ataques em Paris fizeram-nas chegar até França, com repercussões um pouco por todo o mundo ocidental, como se pode ver pela crescente popularidade de Donald Trump na corrida presidencial dos EUA. As eleições regionais em França deram, na primeira volta, vitória à Frente Nacional de Marine le Pen em 6 das 13 regiões francesas. Na segunda volta, as previsões de que mantivesse a vitória em 3 regiões acabaram por cair por terra, não tendo ganhado em nenhuma região. Ainda assim, afirmou-se como principal partido de oposição à coligação de direita liderada por Nicolas Sarkozy. Em 2015 assistimos a mudanças significativas nas democracias da Europa, vimos regimes serem derrubados um pouco por todo o mundo, vimos alguns avanços na defesa de liberdades e direitos humanos. Mas também vimos o renascer da cultura do medo e do preconceito. Vimos países a fecharem as portas e a apontarem o dedo para os outros quando deviam olhar para dentro e perceber onde falharam e em que medida contribuíram para a difusão da cultura do ódio. Contas feitas, 2015 foi um ano importante, um ano decisivo. Para 2016 é preciso mais coragem para consolidar o que se fez de bom e inverter o que se fez de mal. Inês Linhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Se Houver Tempo... Lifestyle o

FMI e o Crash de 25 Este mês trago-vos uma ideia um pouco contraditória, essa mesma ideia é o facto da noite da consoada ser igual a uma visita do FMI. Vem para ajudar mas quando se vai embora a penúria começa... Passo a explicar. Umas semanas antes da noite de 24 de Dezembro, a nossa agenda social fica totalmente preenchida. Ora é o jantar do amigo, ora é um dos 200 jantares de Natal que temos. Quanto mais perto estamos da noite de natal mais vazia fica a nossa carteira, isso é certo. Os países mais estáveis juntam-se (a mãe, o pai, os avós e aquela tia que não oferece um par de meias) e contribuem para o fundo de um país que necessita de um resgate (eu e o meu fundo AZLAM – A Zara Leva-me A Mesada) de forma a ajudar o sistema económico desse mesmo país. Trata-se de uma cooperação monetária que se dá dentro dos envelopes brancos na meia noite, e que vêm acompanhados da típica frase de avó “é para o chocolatinho”. Até aqui tudo bem. O objectivo do FMI está a ser cumprido, um deles favorecer a expansão do comércio. As metas começam a ser estabelecidas: - Dinheiro para a passagem de ano (check) - Juntar dinheiro para viajar (check) - Outros indefinidos Problema? A noite de 25... Esta fatídica noite tem tudo para ser óptima. Cada país que é resgatado na noite anterior decide sair e celebrar a sua “folga” financeira. É só Cinderelas que partem em coches, com os novos kits e o resgate do envelope branco no bolso. É tudo à grande. Pagam-se rodadas atrás de rodadas, ora é um ora é outro, a notinha do gelado transforma-se, como se por milagre, em vodkas e gins. Expandir o comércio local lembram-se?

É do género... Ir a um buffet all you can eat de calças elásticas. Sabemos que estamos confortáveis, até podemos estar cheios mas cabe sempre mais alguma coisa. Bem lá no fundo da nossa consciência está a ideia de que aquelas calças de ganga que tens em casa já não te vão servir, mas não queres pensar nisso agora. Até que acordas como de um sonho na manhã de 26 e as semanas seguintes são repletas de momentos de negação/realização. As metas começam a ser restabelecidas - dinheiro para a passagem de ano ( a metade) - juntar dinheiro para viajar (próximo mês) O FMI foi-se embora. Fez o papel dele, mas como bons países que necessitam de resgates, a nossa noção de gestão é muito precária. Os juros começam a acumular e o fundo dos envelopes brancos, já só vislumbramos isso mesmo... O fundo. É certo que não ficamos a dever dinheiro a ninguém se não a nós mesmos. Mas o que interessa é que a noite de 24 de Dezembro chegou calma, serena e em prosperidade.

“Silent night holy night all is calm all is bright” E na noite de 25 de Dezembro dá-se todos os anos o mesmo “Crash”. Por isso, se houver tempo... Metam logo dinheiro de parte. Joana ferragolo *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Banco de Suplentes Desporto Desportistas em destaque em 2015 Senhoras e senhores, palmas para Novak Djokovic, o melhor tenista do Mundo! Se dúvidas existissem, o tenista sérvio dissipou-as com os 11 títulos que conquistou em 2015, vencendo 4 dos 5 (!!!) principais “canecos” do Ténis (só perdeu Rolland Garros). A sua incrível resistência física, a força mental e o vasto repertório de pancadas fazem de “Djoko” o tenista mais regular e consistente dos últimos anos, talvez até de sempre (perdoas-me, Federer?). Se mantiver este nível, dificilmente não veremos Novak Djokovic como o melhor tenista de todos os tempos. No ténis feminino, é Serena Williams quem dita as leis. Apesar de o quadro feminino ser mais imprevisível, Serena é a grande figura e venceu 3 dos 5 principais torneios: Austrália, Rolland Garros e Wimbledon. No basquetebol, mandou Stephen Curry. Foi o melhor jogador da NBA, levou os seus Warriors “ao colo” até ao título e começou a nova época a todo o gás. A juntar ao incrível “tiro” de longa distância, Curry ainda faz assistências, ganha ressaltos e rouba umas bolinhas aos adversários. Caminha para ser um dos melhores marcadores da história da NBA. No atletismo, mais do mesmo. Usain Bolt é dono e senhor das pistas nas provas de velocidade (é curioso como provas que duram cerca de 10 segundos são as mais mediáticas). Nos Mundiais de Pequim, Bolt voltou a “passear“ nos 100 e 200 metros e ainda teve pernas para ajudar a Jamaica a vencer a estafeta 4x100 metros. O que mais impressiona em “Lightning Bolt” é a facilidade com que vence. Parece que a concorrência nunca exige 100% da sua capacidade. A somar a isto, poucos não acharão piada à postura extrovertida e descontraída do jamaicano. Para mim, estamos perante o desportista mais dominante de sempre e um dia vou poder dizer aos meus filhos e netos “eu vi Bolt, meus jovens, eu vi Bolt!”. Na Fórmula 1, Hamilton revalidou o título de 2014. Apesar das picardias com alguns adversários, tem sabido explorar muito bem o seu Mercedes. Tem o melhor carro, é certo, e isso na Fórmula 1, infelizmente, é determinante. No Rally, Ogier domina após a saída de Sébastien Loeb, que se retirou depois de vencer 9 campeonatos seguidos. Ogier venceu o tri-campeonato e já se coloca a possibilidade de outro domínio semelhante ao de Loeb, embora, como diz o povo, “ainda tenha de comer muita sopinha”.

No Futebol, o trio MSN (Messi, Suarez e Neymar) do Barcelona encantou em 2015 e apenas Ronaldo se intromete na luta pela Bola de Ouro 2015. Gabemonos: Portugal tem 3 atletas no topo do Futebol! Ronaldo no Futebol de 11, Madjer nº1 no Futebol de Praia e Ricardinho, o Rei do Futsal. Quem gosta de patins e sticks, olhe para Carlos Nicolia. O jogador do Benfica foi campeão do Mundo de Hóquei com a sua Argentina. Nicolia tem um talento incrível e é um deleite ter um jogador desta craveira no campeonato português. O mágico Nicolia, o melhor jogador do Mundo, faz lembrar Panchito Velásquez, outro “artista” do hóquei que passou por Portugal. Na natação, tivemos Mundiais. E agora que já não há Phelps, meus amigos? Sun Yang, Florent Manaudou, Ryan Lochte, Chad le Clos e László Cseh continuam no topo da natação e contam, agora, com a companhia dos jovens Adam Peaty e Mitch Larkin. No sector feminino, o jovem prodígio de 18 anos Katie Ledecky aproveitou a má forma da também jovem Missy Franklin para vencer 5 medalhas de ouro. No ciclismo, vénia a Chris Froome. É o maior “papão” do ciclismo mundial. Só venceu 3 provas em 2015, mas venceu a maior de todas – Volta a França. Parece pouco? Talvez. Mas Froome venceu com enorme superioridade os grandes nomes do ciclismo, que apontaram o pico de forma para esta prova. Chris ultrapassa as montanhas com uma facilidade inacreditável (chega a ser assustador o seu conforto em montanhas com 20% de inclinação) e lê muito bem as corridas. Froome é, neste momento, o ciclista mais forte do planeta. Por fim, referência a dois ícones do Desporto. Kobe Bryant, uma das figuras da NBA, anunciou a sua retirada no fim desta época, após duas temporadas fracas (Kobe, Kobe... bem te disseram para saíres mais cedo!). Johan Lomu, um dos melhores jogadores de rugby de todos os tempos, faleceu em Novembro e deixou a Nova Zelândia e o mundo do rugby mais pobres. diogo oliveira


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Pensar Diferente Psicologia Todos somos estrelas. Algumas têm o poder de brilhar mais alto. Consegues ver? O dia 3 de dezembro é a data comemorativa do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Esta é uma comemoração estabelecida pelo Programa Mundial de Ação a respeito das pessoas com deficiência. Foi adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 1982, tendo como objetivos essenciais a mobilização da sociedade civil e a defesa do exercício pleno dos direitos humanos e da participação na sociedade da pessoa com deficiência. Este é, também, um dia de reflexão. Todos os anos, a ONU aborda diferentes temáticas para este dia. Neste ano, o tema abordado foi “A inclusão importa: acesso e capacitação para todos”. O conceito de inclusão nasce ligado à identificação de uma pessoa diferente ou caracterizada por uma deficiência. Ao longo da história, a pessoa diferente nem sempre foi vista da mesma forma. Felizmente, longe vão os tempos em que as pessoas com deficiência viviam isoladas e excluídas da sociedade. A deficiência não permitia que lhes fossem conferidos direitos e deveres fundamentais, que lhes garantisse a dignidade humana. O conceito de deficiência era enquadrado e sustentado apenas em conceitos médicos. Contudo, este paradigma tem vindo a inverterse bastante nas últimas décadas, tendo o conceito de deficiência sido já, por diversas vezes, alvo de alterações. Em 1974, a ONU sublinhou que as pessoas com deficiência possuem exactamente os mesmos direitos e responsabilidades do que qualquer outra pessoa.

“O conceito de inclusão nasce ligado à identificação de uma pessoa diferente ou caracterizada por uma deficiência.”

Quando se fala em inclusão, é inevitável que se refira, em especial, a“igualdade de oportunidades”, princípio que a nossa Constituição consagra. Mas isso só é possível se soubermos tratar de forma igual o que é igual, na exacta medida da diferença, percebendo e acreditando nas potencialidades que cada um de nós, sem excepção, pode ter. Ora, reflexivamente, no nosso país, se considerarmos um conjunto de variáveis que afectam a vida das pessoas portadoras de deficiência, tal como, as atitudes da sociedade em geral em relação à diferença, a falta de conhecimento das pessoas quanto a determinados conceitos essenciais para a compreensão dos seus problemas e a falta de recursos necessários para implementar intervenções, verificamos que as pessoas portadoras de deficiência se confrontam com enormes desafios. Mas pensar a deficiência não é só lembrar a pessoa portadora de deficiência, é lembrar também as suas famílias, amigos, educadores, terapeutas, médicos, psicólogos, instituições de solidariedade social e todas as pessoas que os rodeiam no seu dia-a-dia, enfrentando todos os desafios com um sorriso no rosto. Em todas essas experiências existe uma divisória, quase um véu que encobre o quão gratificante é con(viver) com a diferença. São verdadeiras lições de vida, que nos tornam seres humanos melhores, e que nos permitem olhar o mundo de uma forma especial, como só estas pessoas nos poderiam ensinar. Tatiana Santos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Cuida-te! Instituto de Ciências da Saúde

Desculpa, David Duarte Quando me questionaram se queria escrever este texto de opinião, fiquei um bocado reticente, não só pela sensibilidade do conteúdo mas também pela polémica gerada em redor do mesmo. Este é um assunto que me deixa particularmente chateada, para não dizer até magoada. Estando no Curso de Licenciatura em Enfermagem, a estudar para vir a ser enfermeira, este assunto toca em tudo o que vai contra os valores que nos são ensinados, nomeadamente na dignidade humana. Recapitulando um bocadinho, “David Duarte, 29 anos, perdeu a vida na madrugada de 13 para 14 de dezembro (de domingo para segunda-feira) no Hospital de São José, em Lisboa, porque a equipa médica que o poderia salvar recusa trabalhar ao fim de semana pelo valor que o Estado paga”, este foi o início da carta da namorada do David, publicada em todos os jornais. No Hospital de Santarém informaram os familiares do David Duarte que ele tinha tido uma hemorragia cerebral e que ia de urgência para o Hospital de S. José. Já em Lisboa, “ali anunciaram-nos, descontraidamente, que se tratava da rutura de um aneurisma, que o sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente, estes casos de urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja, o doente teria de ser logo operado. Mas como os médicos referiram, infelizmente calhou ser numa sexta-feira, logo não iria haver equipa de neurocirurgiões durante o fim de semana. O David teria de aguardar até segunda para ser operado. Deram-me a entender que o sangue espalhado pelo cérebro poderia, muito provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos AVC.” Quando li esta notícia pela primeira vez não me senti chateada nem irritada; comentei até mesmo nas redes sociais que me senti furiosa. Pergunto-me se é legal colocar as renumerações à frente das vidas humanas. É justo? E se fosse um familiar? Um amigo? Ou até mesmo um conhecido? É justo? Ou melhor… é humano? Estas foram as perguntas que fui formatando de automaticamente na minha cabeça à medida que fui lendo esta notícia, porque realmente não me faz sentido. É aceitável recusar a vida a alguém? Porque, na minha opinião, recusar trabalhar numa situação destas é recusar a vida a alguém, é negar-lhe a hipótese de ter sonhos, de contruir vontades e um futuro.

Que culpa tem o David Duarte de ter sofrido a rutura de um aneurisma a uma sexta? As pessoas só tem o direito de ficar doentes durante a semana? Obviamente que não espero que estas perguntas sejam respondidas fisicamente por ninguém, provavelmente para cada um a resposta seria muito simples, talvez diferente, mas cada um com a sua. Penso que estas perguntas são sobretudo para nos porem a pensar no que realmente são os valores de cada um, as prioridades e, para além disso, para nos porem a pensar no que é isto de dignidade. Acho que este conceito é muito mais complexo que uma simples definição no Priberam. Ah! O David Duarte tinha apenas 29 anos e muitos projetos em mãos para 2016, estava a construir uma carreira e uma vida com a sua namorada. Mas pronto… Desculpa David, tiveste o azar de ficar doente a uma sexta. Que mau dia para ficar doente, ainda se fosse a uma segunda ou a uma terça… Agora a uma sexta não houve nada a fazer, tiveste de esperar. Obviamente que haveria muito mais a dizer sobre este assunto, e que este discurso mostra apenas uma pontinha de todos os pensamentos que formulei acerca do mesmo, mas provavelmente isto já é suficiente para o que eu queria: pôr pelo menos uma pessoa que seja a pensar. Tentei evitar ao máximo fazer juízos de valor, porque, realmente, de que servem agora? Peço desculpa se de alguma forma o fiz, mas isto foram apenas os pensamentos de uma estudante de enfermagem, com muita alergia às injustiças e com uma boa dose de inconformação. Porque, no fim, como uma vez me disseram, “não podes esperar que todos pensem como tu, que ajam como tu, que façam o que tu farias. E não penses que por fazeres isso pelos outros, que eles algumas vez farão o mesmo por ti.” Ah! E já agora… Quanto vale uma vida humana? Desculpa, David! Mariana Figueira


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O Cabide Moda A arte que muda os cenários urbanos Este mês, a coluna de moda não será escrita por mim, mas pelo meu amigo Diogo, uma das pessoas mais descrentes que conheço no que toca à moda. Após uma aposta, este foi o resultado. Tenho quase a certeza de que consegui convencer pelo menos uma pessoa no que diz respeito à importância das roupas na sociedade. Catarina Veloso Não são os prédios, grafitis, ou outdoors, nem os carros, árvores ou transportes públicos. São casacos, calças, penteados e sapatos os principais elementos responsáveis pelas alterações na imagem da nossa sociedade! “Vain trifles as they seem, clothes have, they say, more important offices than to merely keep us warm. They change our view of the world and the world’s view of us.” - In Orlando, Virginia Woolf. Pensemos nos anos 60: Free love, LSD e Beatles – a famosa tríade: sexo, drogas e Rock N’ Roll (se não pensaram nisto, quer dizer que provavelmente a vossa mente não é controlada pelos clichés). Mas, provavelmente, se vos pedirem para conceberem uma imagem mental pensarão em casacos de cabedal, calças de ganga largas, bandanas coloridas, barbas, mini-saias, cabelos compridos e óculos escuros redondos (ou, no espectro completamente oposto, o look à Twiggy). Recuando para a década de 20 pensamos em Jazz, cinema, festas e pós-guerra, mas a imagem que fica são os cabelos curtos, os vestidos pelo joelho e a ausência de espartilhos – as flappers. Quanto aos homens, predominavam os fatos simples, com gravata, cores claras e a cabeça sempre coberta, de preferência por uma fedora. Nos anos 90 testemunhámos o aparecimento da Internet, o escândalo de Monica Lewinsky com um certo presidente Americano e a queda da União Soviética e do muro de Berlim. No entanto, pensando na última década do milénio passado surgem as imagens de roupa colorida e larga, com um aspecto quase plástico; ou então cabelos grandes, camisas de flanela, tons escuros e botas Dr. Martens. Qualquer pessoa vos pode certificar: não percebo patavina de Moda. Não sei que cores combinam, até há uns meses achava que camisas eram aquelas peças com botões que os meninos no nono vestem para tentar engatar meninas.

Não ligo a tendências e ainda me visto da mesma maneira que vestia no nono ano (algumas t-shirts e calças ainda são dessa altura). No entanto, aprendi a reconhecer o poder da roupa e da Moda. A Moda define a sociedade, quer se queira, quer não. Os mullet gritam anos 80, as calças boca-de-sino têm 70’s (e disco) escrito nas bainhas e os blazers às riscas largas são ícones do vestuário de praia dos anos 50. Podemos não nos lembrar o que aconteceu na Europa no século XVIII a nível político, social ou económico, mas sabemos que usavam aquelas perucas brancas cheias de caracóis. E isso não é necessariamente mau. Quantas vezes já tive – para saber que viveu durante o século do Iluminismo – de me lembrar que o Voltaire usava uma dessas perucas? Para quem, como eu, não percebe os meandros da moda per se, nem o seu papel na definição intelectual de um indivíduo, talvez este exemplo seja mais fácil: as mudanças do David Robert Jones! “David quem?!” Pois, ele é mais conhecido por outro nome: David Bowie, o homem que mudou mais vezes de persona do que o Prince mudou de namorada. E não eram só a sua música e personalidade que mudavam, eram também os elementos visuais. Na década de 60 usava vestidos de mulher; no início dos anos 70 mascarava-se de extraterrestre e usava kimonos; nos meados da década começou a vestir calças de fato pretas, com camisa branca e colete preto; nos anos 80 adoptou a imagem do homem simples e nos 90 decidiu parecer alguém que fazia parte de uma boysband. O Bowie é um autêntico camaleão (cliché). Usa a sua aparência exterior para reforçar aquilo que sente e quer transmitir, na sua música. Já divaguei tudo o que tinha a divagar. Sei que num desfile há mais do que roupa, meninas esqueléticas com cara de quem viu a família ser assassinada antes de desfilarem e flashes de máquinas fotográficas. Há histórias, há significados e há inovação. A roupa é mais do que aquilo que cobre o nosso corpo. A nossa roupa é o que mostramos ao mundo, é parte do nosso cartãode-visita visual (mais um cliché, só para acabar). Diogo Barreto *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Fita Queimada Cinema Um Regresso Seguro A Uma Galáxia Longínqua Não havia maneira nenhuma de que o sucessor do franchise multimilionário de Star Wars fosse um fracasso em termos financeiros, contudo a verdade é que entre as fileiras de fãs (nas quais me incluo) havia o medo de que Star Wars: A Força Desperta, o episódio VII, seguisse o caminho da controversa trilogia de prequelas. Contudo, a Força está com a saga nesta nova tentativa, procurando restaurar algum do seu brilho original, preterindo ambições cinematográficas maiores - ao mesmo tempo a maior força e maior defeito do filme: Embora as novas personagens tenham enorme mérito e carisma natural - conseguindo competir com muitas das personagens favoritas dos fãs - a verdade é que esta ainda é a história de Han Solo, Leia e Luke Skywalker, relegando em parte as novas personagens e as suas próprias histórias para um segundo plano. O próprio fio condutor de todo o filme é inspirado (em demasia) no primeiro episódio, Star Wars: Uma Nova Esperança, o que pode deixar vários espectadores desapontados. Todavia, mesmo contendo poucas surpresas no seu primeiro episódio, foram mostrados sinais de que esta foi “uma vez sem exemplo” pois J.J Abrams introduz material suficiente para adicionar novas dimensões ao universo de George Lucas e mistérios suficientes para serem explorados ao longo dos próximos dois capítulos. Este é portanto o grande desafio da nova trilogia: está a ser feita por fãs, pessoas que se apaixonaram por este universo e sempre imaginaram histórias à volta de algumas das personagens mais icónicas do cinema, contudo existe uma linha muito ténue entre reciclar as mesmas histórias e o tributo, e esta nova saga de Star Wars ainda pode vir a ser apenas uma sombra dos filmes originais. Pessoalmente, prefiro acreditar que este filme foi apenas uma tentativa de jogar pelo seguro, de mostrar o que torna Star Wars apelativo a crianças e adultos: os risos, as emoções, a energia e diversão antes de seguir o seu próprio caminho, numa direcção diferente, longe do legado e dogma de George Lucas.

“(...) prefiro acreditar que este filme foi apenas uma tentativa de jogar pelo seguro (...)”

Caso esteja errado, temo pelo futuro da série pois há neste material a capacidade de contar diversas histórias; de cada escritor e realizador adicionar mais vida a este mundo e, contudo, em todas as suas formas (de BD a videojogos), ninguém procura afastar-se da familiaridade dos contos e personagens de Lucas e isso é um desperdício. O Despertar da Força trouxe-me personagens pelo qual quero torcer, vilões complexos e com progressões que fogem à tradição da saga, mas ao mesmo tempo que faz isso, usa a mesma estrutura, os mesmos conflictos, e até os mesmos cenários e por mais bem-intencionado que tenham sido estes tributos, a verdade é que sufocam a nova história. A própria música, composta por John Williams reflecte isto: subtil, vaga, nunca conduz a acção, a não ser que sejam peças originais. Não é uma música nova que nos seduz no clímax, mas sim o clássico “Tema da Força”. Nesse momento, a criança em mim que acompanha há quase 21 anos estes filmes ficou maravilhada, mas o adulto em mim ficou hesitante, pois ainda não encontrou o momento ou filme “Star Wars” que o cative completamente. Este foi um passo seguro e cauteloso, mas que pode trazer mais riscos se for repetido. Como filme é competente, divertido e por vezes mágico, no seu pior é dogmático, vivendo na sombra dos seus predecessores e com medo em inovar, mas tal como Yoda uma vez disse: “Fazer ou não fazer, não existe tentar”. Portanto, este é o meu pedido: que o próximo Star Wars seja uma tentativa de conseguir algo novo, um capítulo que não deve ao seu legado, que nos cative pela sua história e não pela nostalgia, pois se apenas soubermos contar a versão de George Lucas de “Star Wars” estamos a criar um universo que parece pequeno e sem ideias, quando sempre foi um lugar querido a todos os que gostam de imaginar. Pedro Pereira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Inteligência Artificial Gaming/Internet Bom Ambiente Ei de poupar-vos o “spiel” todo natalício, fazer um artigo breve e ir directamente ao tópico em questão para esta edição. Os videojogos tem uma característica muito peculiar no que toca à transmissão de ideias ou à progressão narrativa em relação aos seus parentes mediáticos, esta característica é a existência do que é conhecido como “enviromental storytelling”, isto é, a capacidade de transmitir ideias ou mensagens que influenciem de forma directa a narrativa através da interacção entre jogador e meio ambiente, isto não só adiciona uma camada mais profunda à narrativa duma forma mais tradicional mas também ao omitir certos aspectos de forma propositada cria-se a possibilidade do jogador juntar ideias por si só e encher espaços vazios, criando uma história fora das restrições do guião original, uma história que vive na mente do jogador. Pequenas adições como marcas agressivas nas pedras ou na madeira duma casa onde o jogador se encontra é o suficiente para o jogador maquinar uma história à volta destes elementos: um possível ataque na casa, se calhar invasores ou uma besta mítica; encontrar uma torre destruída no meio duma floresta representa inúmeras possibilidades ao não explicar a sua existência, um dragão, um feroz guerra, uma maldição, estas histórias não foram contadas, nem mencionada por alto, foi simplesmente retirada do contexto em que o jogador se encontra. Na maioria dos casos, esta metodologia acaba por ser muito mais efectiva do que qualquer outra pois a nossa imaginação sempre é muito mais poderosa do que qualquer representação física.

“(...) cria-se a possibilidade do jogador juntar ideias por si só e encher espaços vazios (...)”

© Bloodborne - From Software & Sony Corporation

A omissão de informação de forma propositada é uma prática que tem ganho bastante impulso nos últimos anos, não só nos videojogos como também nos outros médios, principalmente no cinema e é, sem dúvida, uma excelente ferramenta no arsenal do escritor, contudo só consegue alcançar o seu verdadeiro potencial à luz dos videojogos graças à capacidade de não só absorver a informação do meio ambiente mas também interagir com o mesmo, mutando-o e da mesma forma a própria história que o rodeia. Alguns exemplos desta prática incluem: Bloodborne, Demon Souls, Darkest Dungeon, System Shock, Dead Space, entre outros. Fica então a ideia de que às vezes dizer menos acaba por ter muito mais valor. Mitchel Martins Molinos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Música nos Tempos que Soam Música A RELIGIÃO É LIXADA, METE-SE NA MÚSICA (até o Papa Francisco já tem um disco) Estamos ainda (pelo menos eu estou) na ressaca da época natalícia. O que significa que ainda há vestígios de músicas do género na nossa cabeça, ainda restam compilações de canções de Natal à venda, o Michael Bublé ainda não voltou para a caverna, entre outras coisas dispensáveis. É, por isso, uma excelente oportunidade para falar de Religião. Especialmente nesta altura em que a promessa do “vou dia 1 ao ginásio” ganhou força. Desde símbolos a mensagens e alusões, a Religião está presente em muitas bandas e conceitos musicais. Mesmo naqueles que lhe tecem críticas. É, curiosamente, um tema a que ninguém fica indiferente. Cria-se uma névoa de mística e obscurantismo em torno da imagem das bandas, mais do que da própria música, muitas vezes de forma exagerada e até errada. A banda electrónica Justice é um exemplo representativo. Tendo uma cruz como símbolo, foi imediatamente conotada como uma banda religiosa, que, pela mensagem das músicas e pelo som agressivo, tinha ligações a um lado mais obscuro, apelando a uma espécie de revolução mundial e mudança de paradigma. Como resposta, a banda usava a expressão “God only knows” (“Deus saberá”) em tom de brincadeira. Por outro lado, acirrou ainda mais as ideias que lhe estavam associadas. Apareceram mais na opinião pública e esgotaram mais concertos. Fica a recomendação.

“Desde símbolos a mensagens e alusões, a Religião está presente em muitas bandas e conceitos musicais(...) “

A Religião está mesmo em todo o lado e é um pouco impossível escaparmos-lhe. Porém, a Música também está presente na Religião. Ao longo do tempo, e com o desenvolvimento de outros géneros musicais e de ícones transversais, expressões como “banda de culto” tornam-se corriqueiras. The Beatles, Pink Floyd, Nirvana, apenas para citar algumas, são exemplo. Poderíamos, assim, dizer que foi o Homem que criou a Religião, isto é, que lhe atribui uma importância substancial, e não o contrário. Ou que foram as pessoas que divinizaram as bandas e não o inverso. Será talvez uma concepção parcialmente correcta. Por um lado, há uma liberdade por parte do público para escolher seguir ou não determinada banda. No entanto, o objecto de culto tem também valor intrínseco que suscita essa afinidade. Para concluir, a Religião estará sempre presente, por uma ou outra via, assim como a Música será religiosa, no sentido lato, mas também no que apresentei. Existe um laço inerente entre Religião e Música (ou Música e Religião), que cada um estabelece da forma que considerar melhor. Em boa verdade, é (quase) tudo uma questão de perspectiva. Já agora, alguém que tenha ouvido o disco do Papa Francisco pode partilhar reacções? Francisco Marcelino *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Literalmente Metafórica Literatura Vestígios de Um Conto de Natal literário Para começar, digamos que a Literatura tinha morrido. Neste caso particular, não pode haver qualquer dúvida; a certidão de morte fora assinada pelos escritores presentes e as pessoas que ainda a estimavam começaram a sentir-lhe a falta. Charlie também se apercebeu de tal acontecimento. Até há uns anos, mantivera-a por perto. Depois, acabou por abandoná-la. Tornou-se uma pessoa menos interessada, deixou as Letras para se dedicar a um emprego regido pelo tiquetaque constante do seu relógio de bolso. Era apenas um velho rabugento e apressado. Quando alguém se aproximava com um livro, mostrava um ar irritado e deixava quem quer que fosse a falar sozinho. Não tinha paciência para papéis cobertos de caracteres. Agora, preferia os ecrãs. Havia tanta coisa para descobrir num mundo virtual que tudo o resto deixara de importar. No entanto, nem de um e-book se aproximava. Na véspera de Natal, depois de tentarem convencêlo a jantar em família, sentou-se na secretária e deixou os dedos tamborilarem sobre o teclado do computador. O cansaço acumulado levou-o a dormitar por uns momentos. Ei, pára tudo! De facto, se Charles Dickens aqui estivesse, poderia dizer que o velho Scrooge – ou o meu querido Charlie – tinha sido visitado pelos espíritos da Literatura. E se substituísse os espíritos dos Natais passados, presentes e futuros, de modo a compreender o que se passa neste Portugal literário? Cá para mim, o espírito da Literatura passada levaria Charlie por uma viagem que o faria contemplar os escritores que afirmaram a nossa Pátria. Nesse mundo, Gil Vicente perguntar-lhe-ia «Esta barca onde vai ora,/ que assi está apercebida?»; Camões ajudaria à festa questionando «Quanto há-de durar tão duro intento?» e Pessoa havia de resmungar «E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!». Pois bem, estes e outros senhores hão-de estar a dar umas belas voltas nos túmulos graças àquilo em que se tornou a nossa Literatura e somente em poucos casos podem bater palminhas porque um ou outro se digna a escrever algo decente.

“Não tinha paciência para papéis cobertos de caracteres. Agora, preferia os ecrãs.“ Nesta lógica, o espírito da Literatura presente levaria Charlie até aos famosos tops da Bertrand e, com certeza, ficariam especados a olhar para um qualquer Peixoto que se viu emaranhado numa rede de melancolia extrema e sentimentalismo absurdo ou para uma Rebelo Pinto que a única coisa certa que alguma vez escreveu foi o título «Sei lá». Por outro lado, talvez parassem uns minutos numa estante escondida para admirar um livro de crónicas – mas nunca os romances – do Lobo Antunes ou os poemas da Agustina Bessa-Luís. (Não imagina o caro leitor o esforço que aqui se fez para pensar em bons escritores portugueses que ainda respirem. Mas talvez seja defeito meu: confesso que a vontade de ler estas pessoas é quase nula. Se apenas quiser passar o tempo, faço palavras cruzadas!). Já na última parte da viagem, o Espírito da Literatura levaria o nosso velho amigo até ao futuro. Pelo andar da carruagem, quer-me parecer que teria duas hipóteses de paisagem: 1) um local maravilhosamente povoado de escritorzecos que publicariam meia dúzia de livros por ano, sem se importarem com a repetição de conteúdos e com a qualidade linguística; 2) um sítio onde as pessoas não saberiam que um livro é uma «obra organizada em páginas, manuscrita, impressa ou digital» e onde ninguém teria ouvido o termo Literatura como o «conjunto de obras literárias de um país ou de uma época». Assim, obviamente que os escritores seriam uma espécie já extinta e que, por ignorância humana, nem figurariam nos registos históricos. Pobres escritores do passado, se vissem tudo isto. Ou pobres de nós que estamos neste país que parece não saber mais usar as palavras! Por aqui, resta a esperança natalícia de que surjam novos escritores que mostrem que a Literatura não pode morrer. Alexandra antunes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


TEXTO CRIATIVO

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Olhar de Prata Produção Escrita Astronauta Aqui estás, meu filho. Por mim foste enviado Quiçá precise o mundo de ti, Querido Astronauta. Em pequeno, sabias o que querias ser. Aquilo que era teu, em breve seria de todos. Construíste a tua árvore, os ramos desenvolveramse por si só, Tornaram-se num presépio: um sonho em movimento. Tiveste de procurar um lugar Onde ninguém soubesse do teu paradeiro Para que te sentisses feliz e verdadeiro. Isolaste-te do cruel mundo, Para que se apercebessem por um segundo Da tua ausência, até que caísse a neve. O vermelho que trazes no corpo Transborda uma paixão diferente. O manto envolve o rosto da noite Enquanto uns dormem ao relento. A nave patina no gelo E tu aterras no telhado. Deslizas pela chaminé adentro Sempre com um sorriso rasgado. Nem a distância separa Os laços que tens com as pequenas estrelas Que enfeitam as casas, Ao correrem em direcção aos presentes. Pára-se o tempo, a fantasia é realidade. Esta é a história de um embrulho que um dia foi parte de tudo, Hoje não é parte de nada. Adeus, querido Astronauta.

Omar prata *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico



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