Edição de Março - Jornal Pontivírgula

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Direção: Catarina Veloso e Inês Linhares Dias Edição nº29: Março de 2016

Entrevista à Prof.ª Rita Curvelo » página 05

Ex-Alunos: Entrevista a Catarina Gomes » páginas 06 e 07

As Fronteiras da Indiferença » páginas 20 e 21

ATUALIDADE | SOCIEDADE | LIFESTYLE | MODA | DESPORTO | MÚSICA | CINEMA | LITERATURA


EDITORIAL Ficha Técnica

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O Mês de Março...

Diretora: Catarina Veloso Vice-Diretora: Inês Linhares Dias Revisores: Alexandra Antunes e Diogo Oliveira

Redação Ana Silvestre Andreia Monteiro Diogo Barreto Gabriela Moura Guilherme Tavares Inês Amado Joana Santos Madalena Gil Mariana Pereira Martins Sandra Vasconcelos

Colunistas Alexandra Antunes, Literatura Catarina Veloso, Moda Sónia Araújo, Saúde Diogo Oliveira, Desporto Francisco Marcelino, Música Inês Linhares Dias, Política Joana Ferragolo, Lifestyle João Torres, Cinema Maria Borges, Psicologia Maria Manuel de Sousa, Psicologia Miguel Freitas, Música Mitchel Molinos, Vídeojogos Nuno Martins, Direito Omar Prata, Produção Escrita Pedro Pereira, Cinema

Equipa Youtube Duarte Sá Carvalho Inês Camilo

Design Catarina Veloso Daniela Trony Miguel Brito Cruz Contacto: jornal.pontivirgula@gmail.com

Devido a acontecimentos recentes e inesperados, o Pontivírgula teve de mudar o ênfase da sua nova edição e incluir um especial terrorismo: a Europa foi, mais uma vez, palco de um atentado terrível. No dia 22 de Março, a cidade de Bruxelas acordou sob a névoa de mais um ataque levado a cabo pelo Daesh. Sem respeito pela vida humana e munidos de uma máquina de propaganda brutal, o auto-proclamado Estado Islâmico continua a espalhar o terror com intuitos alegadamente religiosos. E a onda de terror e preconceito alarga-se. Vivemos num mundo cada vez mais global, em que as ameaças se multiplicam à velocidade de um like ou de um tweet. A prova está no texto “Março, Marçagão, Ora há Sossego, Ora há Explosão”, de Gabriela Moura, em que recuperamos todos os atentados ocorridos no mês de Março. Em “Os Atentados Mais Sangrentos na Europa do Século XXI”, de Diogo Barreto, é feito um resumo dos vários atentados que ocorreram em solo europeu após o 11 de Setembro. De regresso ao seu tema inicial: Março é considerado o mês da mulher e o Pontivírgula fez questão de assinalar o assunto. O Dia Internacional da Mulher surgiu no final do século XIX e início do século XX, num contexto de movimentos feministas para a melhoria das condições de trabalho e de salário. Celebrado entre Fevereiro e Março em vários países, este dia pretendia ser reaccionário do ponto de vista social, com várias manifestações que lutavam pela igualdade de direitos. Nesta edição, o Pontivírgula pretende questionar-se sobre a importância deste dia na actualidade: será que faz sentido continuar a existir um dia tão mediático dedicado à Mulher? Qual a importância da igualdade de género na discussão sobre o feminismo? Ainda é necessário reflectirmos sobre a condição feminina? Para nos ajudar a pensar sobre o papel da mulher na sociedade, contamos com a participação da Professora Rita Curvelo, numa entrevista sobre o Dia da Mulher. O nosso espaço “Ex-Alunos Experiências” também foi dedicado ao sexo feminino, com uma entrevista a Catarina Gomes, jornalista do Público, que nos falou sobre a sua experiência profissional. E foi nesta linha que se seguiram os textos de opinião, como por exemplo, Madalena Gil e Susana Santos que apresentam duas facetas que constituem a problematização das questões de género. Diogo Oliveira indica as sete mulheres com mais preponderância no mundo do desporto e Francisco Marcelino questiona-se sobre a importância da imagem da mulher na indústria musical. Por fim, não podemos deixar de homenagear o actor Nicolau Breyner, que faleceu no dia 14 de Março. Boas Leituras Catarina Veloso *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico

Jornal redigido com o Novo Acordo Ortográfico, salvo quando indicado.



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Futurália: O Teu Futuro Está em Jogo Como é habitual todos os anos, a Futurália, também conhecida como a feira das profissões, teve lugar na FIL - Feira Internacional de Lisboa - de 16 a 19 de Março. E o que se pode encontrar na Futurália, que faz com que, todos os anos, milhares de pais e alunos finalistas se desloquem até lá? Nesta enorme feira de profissões, que se encontra dividida em dois grandes pavilhões, estão expositores e bancas de várias universidades, de Lisboa e de outros cantos do país, onde se podem obter informações sobre as licenciaturas, os estágios, os mestrados e doutoramentos. Não só podemos encontrar Universidades Portuguesas, como também escolas no estrangeiro, escolas de cursos profissionais com equivalência ao 12º ano e cursos de curta duração (comissário de bordo, cursos da ETIC, entre outros) Para aqueles que estão mais confusos com o caminho profissional a seguir, a Futurália é indicada para o efeito, pois os colaboradores de cada estabelecimento de ensino ajudam a fazer com que as dúvidas se dissipem e a clarificar todas as questões que se levantam quanto à “grande decisão”.

© Facebook FCH, UCP

A Universidade Católica Portuguesa (UCP) também marcou presença, com todos os cursos da Faculdade de Ciências Humanas, de Direito e Economia e Gestão, todos num espaço comum. Foram muitos os estudantes que abordaram os responsáveis das bancas, com várias questões, desde as médias aos mestrados, e foram também bastantes os que se mostraram interessados em estudar na Universidade. A UCP dispunha de brochuras com o plano de estudos de cada curso, informações sobre os mestrados, as provas de ingresso e todos os cursos em todas as Universidades Católicas do país (foram muitos os que se mostraram interessados na Universidade Católica do Porto). © Futurália

Este evento não só promove os estabelecimentos de ensino, como também conta com atividades variadas, como um concerto de Jimmy P, bem conhecido do corpo estudantil, um concerto de música eletro acústica e de Tunas das faculdades. Além disso, também houve workshops e eventos mais pequenos proporcionados pelas universidades, como a Realidade Virtual da Education First, pré inscrição para captação de atletas da Next Level Sports, entre outros.

“A Universidade Católica Portuguesa (UCP) também marcou presença (...)” A Futurália teve bastante adesão. Quem lá entrou com dúvidas acerca das aspirações profissionais, pôde, certamente, clarificar muitas das suas questões. Relativamente à banca da Universidade Católica, os voluntários procuraram dar reposta e ajudar todos os que por lá passaram, recorrendo também ao extenso material de apoio (brochuras, panfletos, entre outros). Joana Pires Roque


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Entrevista à Professora Rita Curvelo Foi no dia 8 de Março que se celebrou o Dia Internacional da Mulher. A criação deste dia remonta para o final do século XIX e início do século XX, nos Estados Unidos e na Europa, no contexto das lutas femininas por melhores condições de vida, de trabalho e de direito ao voto. Contudo, no século XXI, onde cada vez mais se ouve falar e se defender a igualdade de género, muitos são aqueles que se questionam se, efetivamente, faz sentido haver um “Dia da Mulher” com tanto protagonismo na sociedade. Para tentarmos compreender melhor esta posição decidimos entrevistar a Professora Rita Curvelo para que nos pudesse dar o seu parecer em relação ao assunto. PONTIVÍRGULA: O que pensa do Dia da Mulher? É a

favor ou contra? Porquê? PROF. RITA: Não creio que se trate de ser a favor ou contra. Relembrar os direitos das mulheres é tão importante quanto relembrar os direitos de qualquer outro grupo humano. É verdade que a instituição da data aconteceu num tempo em que a emancipação feminina não era o que é hoje, mas hoje, apesar de tudo, já foram dados passos importantes para que haja muito maior igualdade entre os sexos. Pessoalmente, não costumo pensar muito nessa data: é quase um dia igual aos outros. É claro, no entanto, que não devemos desvalorizar, recorrendo à História, o movimento sufragista, e figuras particulares como a de Emmeline Pankhurst, e todos os outros momentos de conquista para as mulheres, que foram marcos da sua afirmação no mundo e que devem servir de exemplo para sociedades que não partilham este respeito pelos direitos das mulheres.

“As pessoas valem (ou devem valer) pelo seu mérito, não pelo seu sexo.” PONTIVÍRGULA: Atualmente, a igualdade de género

é amplamente defendida. Deste modo, acredita que faz sentido continuar a existir um dia tão mediatizado dedicado à mulher? PROF. RITA: Talvez não. A igualdade de género é uma expressão equívoca: as mulheres e os homens são diferentes em muitas coisas, e ainda bem, a benefício da diversidade. O problema é de direitos de uns e de outros e, onde ele existe, não é uma questão de género… mas de democracia. Se devem existir dias que nos lembrem a importância dos Direitos Humanos? Sim, todos os dias do ano! Direitos de Mulheres e Homens.

© Rita Curvelo via Facebook

PONTIVÍRGULA: Estamos a favorecer a desigualdade

de género?

PROF. RITA: As

pessoas valem (ou devem valer) pelo seu mérito, não pelo seu sexo. Infelizmente, nem todos os países ou culturas encaram a mulher e o seu papel no mundo da mesma forma. No entanto, eleger um dia para lembrar os atentados à sua dignidade, a violência a que muitas são diariamente sujeitas é minimizar a questão, é esquecer precisamente esse sofrimento diário e não anual. PONTIVÍRGULA: A jornalista Paula Cosme Pinto do

jornal Expresso escreveu: “Num mundo ideal ele [o Dia da Mulher] não seria necessário, mas estamos longe de viver num mundo ideal. Enquanto existirem mulheres que são questionadas sobre a roupa que estavam a vestir após sofrerem um ataque brutal que lhes ceifa a vida, este dia faz sentido. Tal como enquanto ainda existirem Sakinehs que podem ser apedrejadas até à morte por supostos adultérios confessados sob tortura.”, ao ler isto, a sociedade ainda precisa de ter um Dia da Mulher? PROF. RITA: A Sociedade precisa de travar estes atentados à dignidade humana. O mundo precisa de julgar e condenar os autores desta violência, de abolir a tortura, não só sobre mulheres mas também sobre homens, idosos ou crianças. Isso não se faz num dia… Infelizmente esta batalha também ainda não faz parte da agenda do dia de quem poderia pôr cobro a tanta brutalidade. Susana Santos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Ex-alunos: Experiências Entrevista a Catarina Gomes Uma jornalista apaixonada por histórias de vida e uma estudante de jornalismo curiosa. Um professor - jornalista e uma faculdade em comum. Uma conversa informal na redacção do Público, uma dezena de questões e duas dezenas de respostas. “Não me dizias nada?”, perguntaram vagamente a Catarina Gomes num dia normal de trabalho. Foi assim que a jornalista do Público ficou a saber que tinha ganhado o Prémio de Jornalismo Rei de Espanha. “Foi genuinamente uma surpresa. Pode parecer uma coisa de circunstância, mas é verdade”, afirmou Catarina Gomes, numa entrevista concedida ao Pontivírgula. “Achei que era uma história muito portuguesa. Não sabia se ia ter alcance internacional e enviei”, continuou a jornalista. Catarina Gomes fez o curso de Comunicação Social e Cultural na Católica e é jornalista do Público desde 1998. “Consegui estágio no Público e por cá fiquei. Foi o meu primeiro e único trabalho”. A jornalista deu aulas durante uns tempos e, em 2002, seguiu para Londres onde tirou o Master of Sciences in Media and Communication na London School of Economics. “Quem é o filho que António deixou na guerra?” é o titulo da reportagem vencedora na categoria de imprensa escrita do Prémio de Jornalismo Rei de Espanha. O trabalho jornalístico narra a história de um ex-furriel que, durante a guerra colonial, manteve uma relação com uma mulher angolana. O soldado português regressou a Portugal deixando para trás o filho que apenas viria a conhecer em 2015.

“«Foi a reportagem que escrevi mais difícil da minha vida.»” Catarina Gomes e dois colegas do Público partiram em reportagem para Angola acompanhados do exsoldado para presenciarem o encontro de pai e filho. Ler a reportagem escrita por Catarina Gomes é um deleite. Porém, o trabalho jornalístico em si é muito mais do que o que foi publicado. E esta reportagem é, sem dúvida, uma história dentro da história. “Foi rocambolesco. Só a reportagem dava uma história. Nós levávamos tudo muito planeado, havia vários riscos e custos elevados. Tivemos de conseguir um patrocínio da TAP e a grande dificuldade foi conseguir o visto. Há muito tempo que o Público não conseguia entrar em Angola.

© Inês Amado

E, ao segundo dia, o filho disse-me que afinal não podia ir ter connosco, nem nós podíamos ir ter com ele por ser militar e ter sido enviado para a Guiné”, explicou Catarina. “Vi-me na iminência de ter gasto este dinheiro todo ao jornal, de ter empenhado tanto da minha vida e de ter de ligar à directora e dizer que não ia haver encontro”. Fez a chamada e pediram-lhe para escrever uma reportagem sobre a desilusão do encontro. “Deixou-nos de rastos e ao pai em particular, que tinha ansiado a vida toda por aquele momento. Apanhámos na mesma o avião para o local do encontro”. No penúltimo dos 10 dias de estadia, inesperada e felizmente, o filho conseguiu ir à aldeia encontrar-se com o pai. “Foi uma construção de acasos felizes. A emoção foi até ao penúltimo dia e isso acabou por potenciar o final. Alguns leitores mandaram-nos e-mails a dizer que a emoção tinha sido dissimulada. Foi a reportagem que escrevi mais difícil da minha vida”, afirmou a jornalista. Quem acompanha o trabalho de Catarina Gomes depara-se frequentemente com o assunto da guerra colonial. “É um tema que me é caro porque o meu pai foi ex-combatente e tenho pena de não lhe ter feito uma série de perguntas. Havia curiosidade porque tinha perdido o interlocutor. Percebi que este tema era estupidamente virgem, o que diz muito da nossa sociedade. Por isso é que eu acho que teve o alcance que teve”. Em 2014, Catarina Gomes escreveu o livro Pai, tiveste medo?, uma colectânea de memórias da guerra colonial narradas por filhos de ex-combatentes. “É sobre como a memória era transmitida em casa na minha geração. Quando estava a fazer a pesquisa para o livro, percebi que existia uma realidade virgem no firmamento mediático português, que era a ideia de que os portugueses quando estiveram na guerra deixaram filhos para trás com mulheres africanas. E eu pensei: Será que isto é caso único? Ao longo da pesquisa para o livro fui fazendo muitas perguntas e percebi que alguns homens me respondiam na defensiva. Comecei a somar os casos. Descobri um blog em que se falava abertamente disto. Um segredo polichinelo, entre os ex-militares, uma coisa masculina e privada”, contou a jornalista.


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Ex-alunos: Experiências Esta investigação deu aso a novas questões de interesse e instigou a jornalista a novos trabalhos: Filhos do vento - com que venceu o prémio Gazeta Multimédia, em 2014 - e Quem é o Filho que António deixou na guerra?. “Filhos do vento é como se fosse a semente deste trabalho de Angola. Pensei que já não estrava no âmbito do livro que eu estava a escrever, mas aquilo ficou em germinação em mim. Então fui à Guiné fazer isto. O trabalho de Angola foi a parte dois, um bocadinho a história feliz”.

“«O jornalismo bem escrito, que causa empatia e que te põe a viver a vida das outras pessoas não vai acabar»” Uma das últimas reportagens da jornalista portuguesa – Devolvidos a Cabo Verde – questiona as políticas de deportação em Portugal, com as autoridades cabo-verdianas a falarem em “violação dos direitos humanos”. “Só se ouve falar dos deportados portugueses que vão para os Açores. E eu pensei: Porque é que não se escreve sobre isto ao contrário? Nós também expulsamos. Parece que o jornalismo anda em torno dos mesmos temas e não se consegue sair daí, como uma “pescadinha de rabo na boca”. Introduzir um tema novo na esfera pública é difícil. Dos EUA são deportados às vezes de forma desumana, e então como é que faz Portugal? O feedback que eu tive desse trabalho foi sobretudo “Eles merecem. Porque é que estás a escrever sobre isto?”. O que eu ponho em causa nem é a justiça das deportações, às vezes é a forma como se faz. Digo no artigo que Portugal deportou um sem-abrigo com perturbações psíquicas. Não foi uma reportagem muito grata nesse sentido, enquanto o trabalho de Angola foi “maravilhoso”, explicou a jornalista. Catarina Gomes recebeu, ainda, o Prémio AMIJornalismo contra a Indiferença com a reportagem Infâncias de Vitrine e foi finalista mundial do Prémio de Jornalismo Iberoamericano Gabriel García Márquez na categoria de texto com a reportagem Perdeu-se o pai de José Carlos. “Fico muito contente por terem reconhecimento, mas antes disso já fazia trabalhos que acho que também o mereciam. Há muitos trabalhos que estão na sombra e artigos que mudaram a vida das pessoas e não recebem prémios. Isto é 1% da minha vida profissional”, admitiu Catarina.

“«Isto é 1% da minha vida profissional.»”

Como estudante de jornalismo, não evitei perguntar sobre o planeamento e concretização de grandes reportagens, o que se cruza com a crise na imprensa escrita. “Nos tempos que correm é um pesadelo. Há efectivamente uma crise de jornalismo e a imprensa está a senti-lo de uma forma particular. A internet veio revolucionar tudo, para o bem e para o mal. As minhas reportagens não poderiam ter vídeo se não houvesse internet. Mas depois há o reverso da medalha. As pessoas estão habituadas a informações gratuitas e não percebem que o jornalismo custa dinheiro e, quando é bom, exige tempo e deslocações, custa muito dinheiro. E se não custa dinheiro, leva muito tempo, e o tempo é dinheiro também. Hoje pede-se a um jornalista que seja polivalente e rápido. Neste momento trabalha-se a intenção. A perspectiva de quem sai da imprensa é a de nunca mais voltar. Neste momento não sabemos o que vai acontecer.” Quanto aos jovens que pretendem seguir jornalismo, Catarina Gomes tem uma palavra a dar “Quem quer muito, não deve desistir. Sei que parece um bocado lírico. O jornalismo bem escrito, que causa empatia e que te põe a viver a vida das outras pessoas não vai acabar. É importante teres curiosidade, hábitos de leitura de jornais, e livros, ir ao cinema. Há muita inumeracia no jornalismo”. No final da conversa, pedi à entrevistada que traçasse as diferenças entre a Jornalista Catarina de 1998 e a Jornalista Catarina de 2016. “Mais sentido crítico, mais maturidade intelectual, pessoa mais informada. Mulher de 40 anos com dois filhos. Quando entrei, com 22 anos, era um bocado acrítica. “Porque é que diz isso? Onde é que vai buscar esses números?” - é um exercício que todos devemos fazer. Lembrome da primeira vez que fui entrevistar um ministro da Justiça, que é o actual primeiro-ministro. Eu tinha 23 ou 24 anos e fui com dois colegas veteranos fazer a entrevista. Tremia como varas verdes, mas depois percebi que ele também estava nervoso; era um ministro muito jovem. Ou seja, tu relativizas as pessoas ditas importantes”. Catarina Gomes tem uma novidade para os seus leitores. “Estou a escrever um livro, que foi inspirado no trabalho sobre os filhos que os militares deixaram para trás. Eu gosto muito de escrever sobre uma pessoa. Passar tempo suficiente com as pessoas para conseguir entrar na vida delas e conseguir transmitir isso com intensidade. O gosto pela escrita e por contar histórias descobri ao longo do meu percurso. É mesmo isto que eu quero fazer: histórias de vida e reportagens”, finalizou a antiga aluna da Faculdade de Ciências Humanas. Inês Amado *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Terror no centro da União Europeia – Atentados em Bruxelas

© Expresso

O dia 22 de março de 2016 ficará sempre guardado na mente dos europeus e do mundo. Às 8 horas da manhã (7 horas em Portugal Continental), duas bombas explodiram no Aeroporto de Zaventem, em Bruxelas, causando o caos no Aeroporto e na Europa. Relatos de testemunhas afirmam que, antes das explosões, ouviram-se tiros e gritos árabes. Uma hora depois, um homem fez-se explodir no metro de Maelbeek, também em Bruxelas, uma das estações centrais da cidade, próxima do Bairro Europeu, onde se encontra o edifício da Comissão Europeia. Ao todo, três explosões aterrorizaram o território europeu, sendo que a polícia belga conseguiu desativar uma terceira bomba no aeroporto. No total, 34 pessoas perderam a sua vida e mais de 230 ficaram feridas. Este ataque foi reivindicado pelo Daesh, afirmando que a Bélgica “é um país que faz parte da aliança contra o Estado Islâmico”, prometendo “mais dificuldades e mais amarguras” no território da Europa. Foram identificados 3 suspeitos dos atentados. Dois desses suspeitos terão morrido nos atentados. Os dois homens foram vistos pelas câmaras a empurrar um carrinho de aeroporto com malas de viagem, acompanhados de um terceiro homem que é, neste momento, “procurado ativamente” pela polícia belga.

“Este ataque foi reivindicado pelo Daesh, afirmando que a Bélgica “é um país que faz parte da aliança contra o Estado Islâmico” (...)” Este ataque já tinha sido prenunciado no dia anterior, por um dos suspeitos do atentado de Paris que, após a sua captura, planeava fazer “alguma coisa em Bruxelas” depois dos atentados de novembro na capital francesa. Vários líderes europeus apresentaram as suas condolências, com destaque para a primeira declaração oficial do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que interrompeu uma reunião para dar uma palavra de “pesar, repúdio e de solidariedade do povo português”. Marcelo defendeu ainda que era momento de os europeus se unirem e reafirmarem “a luta pela democracia, pela liberdade, pelos direitos humanos, pela dignidade da pessoa”. No dia 4 de Abril, foi descoberta uma carta do bombista-suicida Ibrahim El Bakraoui, que se fez explodir no aeroporto. Nesta carta, Bakraoui desculpa os outros suspeitos, dizendo que não sabiam em que é que cooperavam. Segundo o próprio, outro dos suspeitos, Mohamed Bakkali, não estava a par do objetivo final dos planos, algo que a polícia local considera improvável. Guilherme Tavares *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Março, Marçagão, ora há sossego, ora há explosão Março tem feito correr muita tinta e muito sangue. Apesar de países como a França, a Bélgica e a Turquia estarem em alerta máximo contra o terrorismo, é arriscado prever quais são os próximos da lista. O mundo está em luta contra várias formas de radicalismo. O Daesh é, actualmente, a principal ameaça à estabilidade do Médio Oriente. Liderado por Abu Bakr al-Baghdadi, o Daesh ocupa grande parte do Iraque e da Síria e funciona como um Estado que assegura serviços básicos e cobra impostos. A Al-Qaeda, que significa «a base» em árabe, é uma organização terrorista que tem como principal objectivo criar uma nação única muçulmana regida pela lei islâmica, ou seja, pretende eliminar a influência ocidental nos países muçulmanos. O Daesh e a Al-Qaeda são uma versão radical da lei islâmica. O Boko Haram, que significa «a educação ocidental é proibida» nas línguas faladas no norte da Nigéria, é uma organização terrorista que pretende eliminar primeiro o cristianismo do norte da Nigéria e depois do resto do país. O Boko Haram tem apoiantes de todas as classes sociais nigerianas, incluindo antigos ditadores, salafitas ricos e apoiantes activos em cargos elevados do Governo.

No início do mês, um lar de idosos na cidade de Aden, no Iémen, a cargo das Irmãs Missionárias da Caridade, foi tomado de assalto por seis homens armados, membros do Daesh. Foram mortas quatro Irmãs e doze funcionários do lar. No total, 16 pessoas morreram por serem cristãs. Actualmente, o Iémen encontra-se numa guerra civil entre diferentes facções, mais concretamente entre xiitas e sunitas, mas as minorias religiosas - das quais o cristianismo é uma – têm sido perseguidas e sofrido ataques ao longo dos últimos anos. No dia 13, um carro com um grupo de homens fortemente armados conduziu até uma praia que dá acesso a três hotéis, em Grand Bassam, na Costa do Marfim. O grupo de atacantes, da organização terrorista Al-Qaeda no Magrebe, que estava armado com Kalashnikovs, abriu fogo na praia indiscriminadamente contra os turistas e habitantes locais que se encontravam no local. Uma testemunha diz tê-los ouvido gritar «Allahu Akbar», que quer dizer «Deus é grande» em árabe. Repetidas vezes pediram às pessoas que gritassem o mesmo e quem não o fez foi morto. Outra testemunha afirma que durante o ataque dois rapazes foram abordados também em árabe: um ajoelhou-se a rezar, o outro não o fez e foi abatido. Na sequência da chegada das forças armadas ao local, foram mortos seis dos terroristas.

“No mesmo dia, fez-se explodir um carro-bomba no parque Güven, em Ancara, na Turquia.”

© CNN

O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) tem propósitos diferentes: luta pela independência dos curdos que vivem no sul da Turquia. Desde o golpe militar de Estado da Turquia, em 1980, adoptaram acções terroristas, tais como sequestrar turistas e atentar contra os locais, que se opõem aos seus ideais, e ao governo turco, considerado como uma nação inimiga.

A população da Costa do Marfim está dividida entre muçulmanos e cristãos e a luta entre a Al-Qaeda e o Daesh pela liderança do jihad global está a alterar o estado de segurança do país. Grand Bassam, além de ser Património da Humanidade da UNESCO, é um destino turístico de grande importância para a Costa do Marfim. O tiroteio vitimou quinze civis e três soldados, para além dos 33 feridos. Ficou a imagem dos corpos repousados na praia e das granadas deixadas pelos terroristas. No mesmo dia, fez-se explodir um carro-bomba no parque Güven, em Ancara, na Turquia. Esta explosão fez 37 vítimas mortais e 125 feridos. O carro explodiu junto a um autocarro com vinte passageiros, numa zona de grande circulação de transportes públicos, com várias paragens de autocarro e uma saída de metro. A imagem da explosão foi captada por várias câmaras de vigilância. Estavam dezenas de pessoas na rua e nas paragens e vê-se um carro a abrandar perto de um autocarro antes de se dar a explosão.


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Março, Marçagão, ora há sossego, ora há explosão Horas depois da explosão, um tribunal de Ancara ordenou a proibição de acesso às redes sociais Facebook e Twitter, nas quais foram partilhadas várias fotografias e vídeos do atentado, por estas redes estarem a ser usadas para fazer circular mensagens propagandísticas. Este atentado foi reivindicado pelo PKK, organização separatista curda que luta pela criação de um Estado autónomo no sudeste da Turquia, zona maioritariamente curda. Esta organização está em Guerra com o Governo. No dia 16, Bruxelas foi palco de um tiroteio entre agentes da polícia franco-belga e suspeitos de ligações aos terroristas dos atentados em Paris. Foi feito um mandato de busca a um apartamento em Forest, bairro de Bruxelas, que foi alugado por um indivíduo que havia já alugado outros apartamentos usados por suspeitos de terrorismo.

“Abdeslam tem estado a colaborar com os investigadores e confessou ter vacilado nos atentados em Paris (...)” Dos onze suspeitos que foram detidos, um foi morto. Quatro polícias ficaram feridos durante os tiroteios, dos quais três eram belgas e uma era francesa. Um quinto foi atingido durante a operação de entrada no apartamento. Foi criado um perímetro de segurança na zona e os alunos das escolas e das creches foram obrigados a permanecer nas salas de aulas. Passados apenas 2 dias, o terrorista mais procurado dos últimos quatro meses foi detido em Molenbeek, em Bruxelas, com mais quatro indivíduos. Salah Abdeslam era oriundo do bairro no qual foi encontrado pela polícia franco-belga. Molenbeek é considerado o bastião do terrorismo islâmico na Bélgica. Bairro no qual viviam vários autores dos atentados em Paris. Abdeslam, após ter tido alta do hospital, por ter sido baleado na perna durante a operação antiterrorista, foi acusado de “pertencer a uma organização terrorista” e de “ajudar e dar abrigo a criminosos”, ficando também detido. As duas mulheres detidas durante a operação foram postas em liberdade, uma sem acusações, a outra acusada de “auxiliar a abrigar criminosos”. Abdeslam tem estado a colaborar com os investigadores e confessou ter vacilado nos atentados em Paris, pois planeava fazer-se explodir no Stade de France.

© Reuters via CNN

No dia 19, um turco de 23 anos não hesitou como Abdeslam e fez-se explodir numa das ruas mais movimentadas e populares de Istambul, na Avenida Istiklal. Nas imagens captadas pelas câmaras de segurança vê-se um homem a dirigir-se a um pequeno grupo de pessoas que passavam por um edifício do governo, seguindo-se a explosão. O autor do atentado estava ligado ao Daesh. Além dele, morreram mais quatro pessoas: três israelitas e um iraniano, e 36 pessoas ficaram feridas, das quais 11 eram israelitas. Ainda não se sabe se foi um ataque deliberado que tinha como alvo os cidadãos israelitas, ou se foi uma coincidência. Foram detidas cinco pessoas, suspeitas de estarem ligadas ao bombista suicida. Um empregado de um café da zona afirma ter corrido em direcção ao local da explosão e ter visto corpos no chão, «uma verdadeira carnificina». A Turquia tem sido alvo de atentados por parte do PKK e do Daesh nos últimos meses. Aos poucos, os turcos começam a evitar locais de grande concentração. No dia 21, foi revelada informação acerca de um relatório feito pelo Banco Mundial: estima-se que o Boko Haram terá matado cerca de 20 000 pessoas no nordeste da Nigéria desde 2009 e calcula-se que o custo da destruição ronda os 5,2 milhões de euros. Na manhã do dia 22, Bruxelas acordou com duas explosões no aeroporto internacional de Zaventem e, cerca de 90 minutos depois, com uma outra na estação de metro de Maelbeek. Há cerca de 35 mortos e há mais de 300 feridos, dos quais 61 estão nos cuidados intensivos. O atentado foi reivindicado pelo Daesh. Suspeita-se que as explosões sejam uma resposta à detenção de Salah Abdeslam. O combate ao terrorismo continua e os meios e a capacidade de luta estão a ser reforçados, mas Março confirma-nos que o terrorismo está a alastrar-se. Gabriela Moura *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Descobertos alguns nomes dos membros do Estado Islâmico Foram entregues à Sky News dezenas de milhares de documentos com nomes, moradas, números de telefone e contactos de famílias de pessoas que se juntaram ao autoproclamado Estado Islâmico. A cadeia televisiva divulgou esta informação no dia 10 de março. A Sky News informou que a documentação foi entregue por um dissidente do grupo extremista. Os documentos foram entregues em suporte informático e roubados à direção da polícia de segurança interna do Daesh.

“Entre as informações pedidas, encontram-se o nome, morada, tipo sanguíneo, “nível de compreensão da sharia” (lei islâmica), experiência idade ou local e data pretendidos para a morte.”

Os documentos correspondem a impressos que os candidatos têm de preencher para serem aceites no grupo terrorista. Entre as informações pedidas, encontram-se o nome, morada, tipo sanguíneo, “nível de compreensão da sharia” (lei islâmica), experiência idade ou local e data pretendidos para a morte. Depois da análise dos documentos, foi apurado que o Daesh contém nas suas fileiras pessoas de 51 nacionalidades. Alguns dos documentos contêm, alegadamente, informação de membros do grupo até agora desconhecidos. Estes membros estão distribuídos pela Europa do Norte, EUA e Canadá, bem como no Médio Oriente e Norte de África. Um antigo dirigente de operações antiterrorismo no MI6 (um dos serviços de informações britânico), Richard Barrett, escreveu, na sua conta na rede social Twitter, que os registos deveriam dar “uma luz incalculável” sobre os membros do grupo. “Isto vai ser um recurso de valor incalculável para os analistas”, acrescentou.

© RTP

Sandra Vasconcelos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Os Atentados Mais Sangrentos na Europa do Século XXI Muitos dos atentados que se registaram na Europa desde o 11 de Setembro foram perpetrados por grupos islamistas, embora também haja ataques individuais e independentes, como o de Breivik na Noruega. Todas as atenções estavam viradas para os Estados Unidos, depois dos atentados do 11 de setembro de 2001. No entanto, a tragédia não se restringiria ao continente americano. A 11 de março de 2004, em Madrid, 191 pessoas morreram e mais de 600 ficaram feridas, depois de dez bombas terem rebentado em várias linhas de comboio da capital espanhola. O ataque foi reivindicado pela Al Qaeda. Quando a polícia se preparava para capturar os terroristas, estes fizeram-se explodir no seu apartamento em Madrid, matando um polícia.

No dia 22 de julho de 2011, o terrorista norueguês Anders Breivik foi responsável pela morte de 77 pessoas e, pelo menos, 319 feridos. Os ataques aconteceram em Oslo e na ilha de Utøya. O ataque em Oslo foi feito com um carro armadilhado e resultou na morte de oito pessoas. Na ilha de Utøya Breivik disparou duas armas automáticas, matando 69 pessoas.

© Holm Morten, AFP, Getty Images

© Christophe Simon, AFP, Getty Images

A 7 de julho de 2005 a Al Qaeda reclamou os suicídios bombistas no metro de Londres que resultaram na morte de 52 pessoas e que mais de 700 ficassem feridas. O ataque ocorreu durante o primeiro dia da 31ª Conferência do G8.

© AFP

A 18 de julho de 2012, em Burgas na Bulgária, morreram 7 pessoas e 30 ficaram feridas depois de um suicídio bombista perto do aeroporto de Burgas. O ataque foi reivindicado pelo Hezbollah. No dia 7 de janeiro de 2015, a Al Qaeda voltou a fazer-se notar na Europa, quando atacou a redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo, em Paris. Este ataque resultou na morte de 20 pessoas, incluindo três dos terroristas. 22 pessoas da redação do jornal foram baleadas, tendo morrido onze desses. As outras seis mortes ocorreram ao longo dos dois dias seguintes, em seis ações separadas.

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Os Atentados Mais Sangrentos na Europa do Século XXI O ataque de maior relevância que se seguiu voltou a acontecer em Paris, no dia 13 de novembro de 2015. No primeiro atentado do Daesh na Europa, morreram 137 pessoas, incluindo 7 dos terroristas, e mais de 350 ficaram feridas. As mortes resultaram de fogo aberto e de explosões em seis locais diferentes. Os ataques ocorreram perto do Stade de France - onde a seleção francesa jogava nessa noite -, em quatro restaurantes espalhados por Paris e ainda no Bataclan - teatro onde uma banda tocava um concerto, morrendo 89 pessoas.

Em Ancara, no dia 10 de outubro de 2015, um ataque resultou em 107 mortos e mais de 400 feridos. As explosões aconteceram em duas estações de comboios da capital turca durante uma manifestação pacífica contra o aumento de violência entre o PKK e o exército turco. O ataque não foi reivindicado. Em Istambul a 12 de janeiro de 2016, um bombista suicida membro do Estado Islâmico fez dez mortos e 15 feridos. O atentado ocorreu ao pé da Mesquita Azul, um famoso ponto da cidade turca. Dois dias depois, um ataque fez seis mortos e 39 feridos em Diyarbakir

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Na parte mais oriental da Europa, a Turquia tem sido alvo constante de ataques terroristas, estando a ferro e fogo. Desde junho de 2015 já morreram mais de 240 pessoas. A 5 de junho de 2015 duas bombas explodiram durante um comício pró-curdo, resultando na morte de quatro pessoas e cerca de 400 feridos. O ataque não foi reivindicado. No dia 20 de julho de 2015, em Suruç, morreram 34 pessoas e mais de 100 ficaram feridas, num ataque suicida de Seyh Abdurrahamn, sírio que se fez explodir numa reunião de jovens ativistas. O ataque foi reivindicado pelo autoproclamado Estado Islâmico

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A 17 de janeiro de 2016, em Ancara, um carro bomba que explodiu fez 28 mortos e 60 feridos. A detonação foi feita na hora de ponta do trânsito, junto ao parlamento e do quartel-general do exército turco. Outro ataque com um carro com explosivos em Ancara fez 37 mortos e 125 feridos, a 13 de março de 2016.

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Diogo Barreto © Depo Photos, AFP, Getty Images

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Dia da Tomada de Posse de Marcelo Rebelo de Sousa Foi no dia 9 de Março que Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse, tornando-se no 20.º chefe de Estado português desde a implantação da República, a 5 de Outubro de 1910. Professor universitário na Universidade de Lisboa e comentador político, Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito a 24 de Janeiro de 2016 com cerca de 52% dos votos portugueses. A cerimónia de posse realizou-se na Assembleia da República (AR), que estava enfeitada com cerca de duas mil rosas das cores da bandeira nacional para receber o novo Presidente. O encontro contou com mais de 550 convidados, incluindo filhos e familiares de Marcelo, membros do Governo, vários deputados, Ramalho Eanes, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Maria Cavaco Silva, Ferro Rodrigues, António Guterres, Fernando Medina, rei Filipe VI de Espanha, António Costa, Passos Coelho, entre outros políticos. A cerimónia teve início na Sala de Sessões, onde Marcelo Rebelo de Sousa, com a assistência de pé, prestou juramento sobre a Constituição de 1976. De seguida, ouviu-se o hino nacional português e Aníbal Cavaco Silva fez a passagem de testemunho ao novo Presidente.

“(...) Marcelo Rebelo de Sousa, com a assistência de pé, prestou juramento sobre a Constituição de 1976.” O Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República assinaram o auto de posse e o Presidente da República subscreveu a declaração de compromisso. Finalmente, a palavra foi oferecida a Marcelo, que deu o seu primeiro discurso como Presidente da República no hemiciclo da Sala de Sessões da AR. No final da manhã, a cerimónia teve continuidade em Belém, no Mosteiro dos Jerónimos, onde Marcelo prestou uma homenagem a Camões e Vasco da Gama, deixando uma coroa de flores nos seus túmulos. De seguida, o Presidente assinou o Livro de Honra do Mosteiro dos Jerónimos. Os festejos seguiram-se no Palácio de Belém, onde os populares saudaram Marcelo e os funcionários lhe deram as boas vindas. A Presidência da República ofereceu o almoço, no qual estavam presentes o Presidente da Comissão Europeia, o rei de Espanha, o Presidente da Assembleia da República, o primeiroministro e os seus acompanhantes.

© Dinheiro Vivo

À tarde, após as despedidas aos convidados no Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa visitou a Mesquita Central de Lisboa para uma cerimónia que contou com a presença de representantes de confissões religiosas e associações cívicas. O presidente da comunidade islâmica em Portugal, Abdool Karim Vakil, foi o primeiro a discursar, antes de se fazer uma oração conjunta: o “Pai Nosso universal”. Marcelo discursou de seguida, falando sobre a importância da liberdade religiosa e destacando a abertura de Portugal a outras culturas. Após a visita à Mesquita, o chefe de Estado deslocou-se até ao Palácio Nacional da Ajuda para a cerimónia de condecoração de Aníbal Cavaco Silva. O ex-Presidente da República recebeu o Grande Colar da Ordem da Liberdade, sendo que “O Grande-Colar da Ordem da Liberdade é o mais alto grau da Ordem e é concedido pelo Presidente da República a Chefes de Estado estrangeiros. O Grande-Colar pode ainda ser concedido pelo Presidente da República a antigos Chefes de Estado e a pessoas cujos feitos, de natureza extraordinária e especial relevância para Portugal, os tornem merecedores dessa distinção.”. Ao abandonar o Palácio Nacional da Ajuda, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que o dia tinha corrido muito bem, “como tinha sonhado”, e que ainda tinha energia para os concertos. No final do dia, Marcelo Rebelo de Sousa foi recebido pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, nos Paços de Concelho de Lisboa. O dia terminou com um espectáculo musical de comemoração da tomada de posse, onde a fadista Mariza cantou “A Portuguesa”, o hino nacional. Nessa noite, actuaram também Paulo de Carvalho, Diogo Piçarra, HMB, José Cid, Pedro Abrunhosa e Anselmo Ralph. Mariana Pereira Martins *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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Primeira deslocação oficial do Presidente da República Uma semana após a sua tomada de posse, o Presidente da República escolheu o Vaticano como destino da sua primeira deslocação oficial ao estrangeiro. A escolha tem como justificação o facto de ter sido o Vaticano a primeira entidade a reconhecer Portugal como um estado independente. A visita ao Papa Francisco decorreu durante a manhã de dia 17 de Março e durou cerca de meia hora. Eram dez da manhã quando o Presidente chegou ao Vaticano e logo conheceu o Papa Francisco. Logo de seguida, Marcelo apresentou, um a um, os membros da comitiva que o acompanha. Durante a audiência houve uma troca de presentes entre Marcelo Rebelo de Sousa e o Papa: o Presidente ofereceu ao Papa um conjunto de seis casulas desenhado pelo arquitecto português Álvaro Siza Vieira, que representam os diferentes tempos litúrgicos, em verde, roxo, azul, vermelho, branco e rosa. Para além disso, Marcelo ofereceu ainda, proveniente da sua colecção particular, um registo de Santo António. Por sua vez, o Papa ofereceu os presentes reservados aos chefes de Estado que consistiram em versões portuguesas da encíclica “Louvado Sejas” e a exortação apostólica “Alegria do Evangelho” - os dois grandes documentos do seu pontificado. O Papa ofereceu também a Marcelo um medalhão do seu pontificado com dois ramos de oliveira entrelaçados.

“Durante a audiência houve uma troca de presentes entre Marcelo Rebelo de Sousa e o Papa: o Presidente ofereceu ao Papa um conjunto de seis casulas desenhado pelo arquitecto português Álvaro Siza Vieira (...)” Ao Papa, Marcelo levou ainda um convite: uma carta formal em nome da República Portuguesa a convidar a sua santidade a visitar Portugal em 2017, a propósito do centenário das aparições a Fátima. A resposta ainda não se sabe, mas o Presidente espera um acolhimento a este convite por parte do Papa Francisco. Marcelo referiu posteriormente que saiu “muito feliz” da audiência. Após a audiência papal, o Presidente da República foi também acolhido pelo Cardeal Secretário de Estado do Vaticano (o equivalente a um primeiro-ministro), cardeal Pietro Parolin. Em seguida, o Presidente viajou para Espanha para um jantar com o rei Filipe VI, no Palácio Real, em Madrid. A visita iniciou-se com um cumprimento oficial entre os dois chefes de Estado, onde estavam presentes as comitivas de ambos os países ibéricos. Seguiu-se uma reunião entre Felipe VI e Marcelo Rebelo de Sousa, longe dos olhos da comunicação social. O jantar oferecido pelos reis de Espanha ao novo Presidente da República português no Palácio Real juntou cerca de duas dezenas de convidados.

© Diário de Notícias

Mariana Pereira Martins *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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Samba na Crise – Crise Política no Brasil Neste mês de março, as atenções políticas voltaram-se para o continente sul-americano, mais propriamente para o Brasil, onde a Operação LavaJato ganha cada vez maior proporção e ameaça a estabilidade política brasileira. Embora esta operação já tenha alguns pares de anos, nestas últimas semanas atingiu o seu ponto mais alto. À medida que os acontecimentos têm decorrido, um novo nome surge neste escândalo de corrupção, que envolve a empresa Petrobras.

© Opinião e Notícias Blog

Falamos de Lula da Silva, ex-presidente brasileiro e um dos principais apoiantes de Dilma Rousseff, aquando da candidatura da atual presidente. Lula, acusado de estar envolvido com a Petrobras, foi nomeado, pela atual presidente, Ministro-Chefe da Casa Civil, o que lhe dá uma posição privilegiada. No entanto, isto não significa imunidade total, dado que ainda pode ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo que Lula é nomeado, Dilma procura usar o ex-presidente para que não seja alvo de Impeachment, ou seja, que seja afastada da Presidência. A situação agravou-se quando foram divulgadas escutas telefónicas, nas quais Dilma “divulga” os seus planos. Nesta escuta, Dilma diz, nessa escuta telefónica, que mandou o subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, Jorge Messias, “junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse”. Na sequência desta divulgação, a presidente afirma que este documento serve para o caso de Lula não poder estar presente na tomada de posse, e não para o proteger de uma investida judicia. Dilma ameaçou ainda processar quem divulgou esta informação – o Juiz Moro. O que é certo é que os protestos ganharam ainda mais força.

Entretanto, o juiz da 4ª Vara do Distrito Federal suspendeu a posse de Lula como Ministro, já que considera que existem provas de violação do dever legal cometido por um agente político. Esta decisão foi tomada após uma ação popular e é uma medida provisória. Assim, fica temporariamente suspenso este ato, embora Lula tenha assinado o Documento da Tomada de Posse. Numa cerimónia que foi várias vezes interrompida por protestos de um lado e aplausos de outro, Dilma deixou vários elogios ao expresidente Lula da Silva. Mais recentemente, ainda no âmbito da Operação Lava Jato, um dos envolvidos neste escândalo, Raul Schmidt Felippe Júnior foi detido em Lisboa, a pedido da Justiça brasileira. Raul Júnior andava fugido desde julho do ano passado. Este antigo lobista é suspeito de ser um dos intermediários responsáveis pela distribuição de “luvas” de empresas estrangeiras a antigos diretores da Petrobras - a petrolífera brasileira que está na origem desta mega operação. A maior acusação é a sua integração num esquema de corrupção para beneficiar a empresa Vantage Drilling, num contrato de fretamento de um navio-sonda.

© Opinião e Notícias Blog

Segundo a revista brasileira Veja, Fellipe Júnior, além de atuar como intermediário no pagamento de “luvas”, era também o representante de empresas estrangeiras em negociações de contratos para a exploração de petróleo. Esta operação já levou à condenação de 93 pessoas, entre elas empresários, gestores e políticos brasileiros. Guilherme Tavares *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Barack Obama e Raúl Castro reunidos em Cuba

© Nicholas Kamm, AFP, Getty Images

“(...) Barack Obama foi encontrar-se com Raúl Castro e reatar uma relação com muitos anos de tumultos e cortes diplomáticos entre as duas nações.” 20 de Março de 2016 marca o início da reconstrução de uma ponte cortada há 88 anos. Quase um século depois de um presidente dos Estados Unidos da América ter visitado Cuba, Barack Obama foi encontrar-se com Raúl Castro e reatar uma relação com muitos anos de tumultos e cortes diplomáticos entre as duas nações. Desde 2014, Cuba e EUA têm dado pequenosgrandes passos na normalização das relações diplomáticas entre os dois países. Em Março, com a visita de Obama, foi dado mais um passo importante. Obama e Raúl Castro reunidos, em Cuba, para discutir questões relacionadas com economia, política, embargos comerciais e direitos humanos.

Das declarações dos dois líderes ficaram algumas ideias marcantes. Ambos concordaram na prudência: Castro alerta que “algumas das diferenças não vão desaparecer, porque nos dois países as ideias são muito diferentes”, enquanto Obama defende que a relação entre os dois países “não se transformará da noite para o dia”. Acerca do bloqueio nas relações comerciais entre os países, Barack Obama prevê: “Vai acabar, não sei quando, mas sei que vai acabar, porque não serve os nossos interesses”. Acerca deste embargo comercial, Raúl Castro relembrou que “a sua eliminação será essencial para a normalização das relações entre os dois países, e também para a emigração cubana que deseja o melhor para as suas famílias e o seu país”. Obama referiu ainda que “não deixará de falar” de direitos humanos e liberdade de expressão, ainda que defenda que os países devem “aprender a arte de coexistir com as diferenças de forma civilizada”. A visita de Obama a Cuba é um marco histórico na reconstrução de uma das relações diplomáticas mais conflituosas do último século. Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Nicolau Breyner, um ator sem máscara Nascido em Serpa, uma das suas principais paixões era a música. Começou por integrar o coro da Juventude Musical Portuguesa enquanto estudava no Liceu Camões. Posteriormente, aventurouse na Faculdade de Direito, ambicionando ser diplomata. Porém, acabou por desistir e ingressar no Conservatório Nacional no curso de canto. Chegou a participar no Festival da Canção em 1968. Mas, na realidade, acabou por ficar no curso de Teatro e esse foi apenas o começo daquele que seria um dos percursos mais notáveis. Após a Revolução dos Cravos, concebeu o seu primeiro programa televisivo: Nicolau no País das Maravilhas. Destaca-se a rábula do Senhor Feliz e Senhor Contente, onde Nicolau lança Hérman José, um então aspirante a humorista. Esta era uma das principais facetas de Nicolau Breyner: o caça-talentos e o maior veículo de lançamento de carreiras. Vários são os testemunhos de atores, hoje referências, que tiveram a oportunidade de entrar no mundo da representação pela mão deste homem. Mais do que um dos grandes atores portugueses, Nicolau foi o homem que inovou a forma de fazer televisão no nosso país. Introduz em Portugal o conceito de telenovela portuguesa, que se estreou com Vila Faia, em 1982. Em Vila Faia, Nicolau participou na escrita do guião, na direção de atores e era protagonista da telenovela. Posteriormente, fundou a NBP Produções (atualmente Plural Entertainment), uma produtora de televisão, tornando-o no percursor da indústria de ficção televisiva em Portugal.

“Esta era uma das principais facetas de Nicolau Breyner: o caça-talentos e o maior veículo de lançamento de carreiras” A partir daqui participou em várias telenovelas, mas também em muitos filmes. Somam-se quase 50 participações no cinema. Foi com um murro no estômago que recebemos a notícia da sua morte no passado dia 14 de março. O ator e realizador, com 75 anos, deixa-nos um legado superior a cinco décadas no mundo do cinema e teatro. Mais do que isso, deixa-nos a memória do ponto de viragem que protagonizou na cultura portuguesa e a marca naqueles com quem se cruzou ao longo da sua vida.

© Notable

Era um homem que adorava pessoas e que desejou ser um homem-borracha para nos poder abraçar a todos. Um homem que não tinha medo da morte, mas sim pena de deixar de viver, pois essa era a sua maior alegria. E viveu aproveitando cada momento. Mas como é que um só homem consegue tanto em tão pouco tempo? Nicolau Breyner era uma carta fora do baralho. Um ser demarcado de todos os outros pelas suas particularidades. Mais que um ator, foi um visionário capaz de transformar ideias em ações. Era um verdadeiro camaleão. Famoso pelo seu sentido de humor e aptidão para a comédia, não deixou de interpretar de forma brilhante papéis dramáticos. Olhar para o seu currículo dar-nos-ia a impressão de estar a analisar o currículo de quatro pessoas distintas, pela sua riqueza. Nunca foi um homem que se subjugasse às normas instituídas. Até na representação tinha hábitos díspares e conselhos incomuns para dar, mas a verdade é que a sua visão funcionava e transparecia a naturalidade. Quando representava não usava maquilhagem, por considerar que, com as luzes que agora temos, as pessoas ficam a parecer bonecos ao invés de pessoas. Era um ator sem máscara que nos oferecia personagens com as suas próprias feições. Se usasse maquilhagem seria para a caracterização de uma personagem, como por exemplo para a interpretação de um travesti ou um personagem com uma cicatriz.


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Nicolau Breyner, um ator sem máscara Considerava que há poucas coisas verdadeiramente importantes na nossa vida e que nos lamentamos muitas vezes por coisas mínimas e sem sentido, como por exemplo haver trânsito ou devido a uma simples crítica. Tudo isto, quando há pessoas a passarem por uma doença terminal ou que não sabem se vão ter comida amanhã. Nicolau considerava-se um privilegiado e, por isso, achava que não tinha o direito de se lamentar. O Alentejo, terra que o viu nascer, tornou-o num homem de pormenores. Gostava de cheiros, de música, dos cavalos, da terra, das touradas. Orgulhavase de ter vivido as coisas na altura certa.

“Para mim o Nico era eterno.”, Maria Elisa Domingues, diretora de programas quando estreou a Vila Faia

© Wook

“Aprendi muito com ele, ele ajudoume muito. Era um ator extraordinário, um homem extraordinário. Tinha tudo de bom. Aprendia-se muito com o Nicolau, ele era muito inteligente.”, Fernando Mendes © A Televisão

“Era o ator mais brilhante da geração dele. Começou com a comédia e passou para o cinema onde criou uma personagem e fez dele um ator interessantíssimo. A melhor homenagem é falar dele, evocá-lo e relembrá-lo durante muito tempo.”, Hérman José

© Restos de Colecção, Blogspot

Na área da representação, os conselhos que tinha para dar eram vastos. O mais comum era para não complicarem as coisas quando elas são tão simples. O importante é sentir. A representação é sempre uma palavra pesada, mas podemos aliviá-la ao brincarmos com as personagens. Transformava o impossível em possibilidades graças ao contágio da sua vontade de viver. A sua primeira preocupação era as pessoas com quem estava a trabalhar e a entrega que tinha a estas. Foi um ator de excelência, mas também um colecionador de testemunhos pela sua generosidade e alegria:

© Flash Vidas

© Sapo

“Tenho uma saudade enorme do meu amigo. Estou completamente desamparado, estou um bocado tonto.”, Ruy de Carvalho © TVI 24

“Quero que me recordem com um sorriso!”, Nicolau Breyner. Com um sorriso nos despedimos. Obrigada, Sr. Contente. Andreia Monteiro *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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As Fronteiras da Indiferença No dia 6 de Março, por volta das 15 horas, o auditório Liceu Camões, em Picoas, encheuse de ecos de revolta, amor, solidariedade e respeito. Para celebrar o Dia Internacional pelos Direitos das Mulheres, o grupo feminista do Bloco de Esquerda organizou uma sessão pública “Feminismo contra a guerra”, que se dividiu numa primeira parte relacionada com as condições das mulheres refugiadas e migrantes, e uma segunda parte, numa sessão internacional sobre o feminismo contra a guerra, que dá nome ao evento. O dia estava luminoso e calmo e o auditório estava parcialmente cheio: nele estavam mulheres de todas as idades, empregos vários, reconhecimento ou falta de, e uma presença e contributo importantes. Mas não eram só mulheres. Estavam também homens que, perante um tema tão humanamente interessante, chegavam de rompante e sentavam-se lá atrás. O ambiente descontraído incentivava todos os intervenientes a conviver, enquanto Marisa Matias, eurodeputada, aproveitava para tirar fotografias com os presentes.

“O ambiente descontraído incentivava todos os intervenientes a conviver, enquanto Marisa Matias, eurodeputada, aproveitava para tirar fotografias com os presentes.” A Conferência começa com a intervenção de Joana Grilo, a moderadora do evento, a apresentar as intervenientes: Elsa Sertório, do comité de solidariedade com a Palestina; Shazza Alsalmoni, uma activista feminina da Síria; Sofia Roque, activista feminina e Sara Carinhas, actriz e encenadora. Para introduzir a temática que deu voz ao evento, Joana mostra o vídeo de Chloe, uma activista que comenta a situação em Lesbos, uma ilha grega e porta de entrada dos refugiados na Europa. Chloe assegura não haver qualquer cuidado ou consideração pela estrutura corporal da mulher – dando o exemplo da menstruação, um factor inseparável e parte constituinte do corpo feminino, que é amplamente ignorado e torna a viagem e a luta contra a guerra numa missão ainda mais árdua. Acima de tudo, e propondo a definição de refugiado e migrante, Chloe afirma que “o maior acto de solidariedade é reconhecê-los”, ao invés de estarmos preocupados em distingui-los.

© Ana Silvestre

Mais tarde, é Elsa Sertório que introduz a Palestina, “um país de refugiados”. Afirma que a Palestina é um país onde a guerra é somente entre o exército e o povo palestiniano, indefeso e desarmado. Nestes setenta anos de resistência e luta pela libertação, as mulheres têm tido um meritório papel, juntando forças para criar mudanças. Embora vivam em sociedade patriarcal, algumas mulheres palestinianas conseguiram tornarse conhecidas e reconhecidas, assumindo papéis influentes no trabalho e na educação. Contudo, outras mulheres continuam rostos anónimos, desprezados pela sociedade. Para concluir a temática da Palestina, Elsa dá a conhecer a todos o “Women’s Boat to Gaza”, uma iniciativa da Freedom Flotilla Coalition (FFC), onde mulheres de todo o mundo embarcam com o objectivo de destacar as contribuições inegáveis de ​​ mulheres que têm sido centrais na luta palestiniana em Gaza. Passando a palavra a Shazza, a activista que foi expulsa da Síria para nunca mais voltar, no caso específico da mulher existem leis e políticas discriminatórias que afectam severamente todas as esferas da sua vida, privando-as do sentimento de segurança e paz. Com a revolução, as mulheres foram utilizadas como instrumentos de guerra, onde a tortura, a prisão e a violação eram um marco constante e a verdade é que, mesmo com ajuda humanitária, estas mulheres continuam a ser vítimas. De forma objectiva e realista, Shazza estabelece prioridades para a Síria e revela o que deveria ser feito: deveria haver activistas mulheres para todas as esferas; deveria existir uma constituição democrática que defendesse os direitos humanos pela paz; deveriam existir mecanismos de paz; deveríamos construir uma visão de “rebuild Syria” e, por fim, deveríamos proteger todas estas mulheres e dar-lhes competências, para que, desta forma, muitas pudessem regressar, por fim sem medo de mostrar o rosto.


ATUALIDADE

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As Fronteiras da Indiferença E é aqui que Sara Carinhas entra e, de uma maneira próxima e com uma sensibilidade tão genuína, conta a experiência de um jovem refugiado aqui em Portugal, que a aconselhou a visitar Atenas, para ver de perto a exasperação e o desespero. Ao visitar um centro de acolhimento, com poucos voluntários e muitas pessoas, na fronteira com a Macedónia, sentiuse “a odiar a vida que levo”. Um dos responsáveis pelo centro contou-lhe que o governo fornecia coletes salva-vidas, que faziam exactamente o contrário: eram coletes falsos que, ao se encherem com água, faziam peso e afundavam as pessoas. Com as lágrimas nos olhos e coração visível, acaba a sua intervenção dizendo que “se todas fizermos um bocadinho, alguma coisa pode mudar”.

“Aborda a condição da mulher e os largos quarenta anos de vitóritas e lutas contra o conservadorismo.” Por fim, e terminando a primeira parte da conferência, Sofia Roque, também ela activista, aborda esta temática expondo as fronteiras da indiferença, e a impotência da humanidade. Segundo Sofia, estas fronteiras dividem aqueles que são sujeitos políticos e merecedores e os pobres, indignos de viver. Para ela, a escritora alemã Hannah Arendt tinha razão quando dizia que a humanidade roda em torno de quatro pontos, muitas vezes esquecidos: a dignidade, a liberdade, a felicidade e a igualdade, direitos estes que só valem para um sujeito político e não para um refugiado. Já eram 17 horas e o dia, que continuava limpo e ensolarado, quase pedia para que esta palestra inspiradora não terminasse. Sandra Cunha, deputada do Bloco de Esquerda, começa então o seu discurso dizendo que a sociedade do passado se mantém a sociedade do presente e deseja que esta não seja a do futuro. Aborda a condição da mulher e os largos quarenta anos de vitóritas e lutas contra o conservadorismo. E pergunta, num tom irónico: “se as mulheres já têm igualdade, o que mais querem?”. E, sem dar tempo a respostas, diz prontamente que as mulheres continuam ainda a ser vítimas de assédios, sendo importunadas, sofrendo de opressão e exclusão social, sem condições de adaptabilidade. “Mas o que liga mulheres ocidentais e mulheres refugiadas?”, expõe Sandra Cunha, deixando a interrogação pairar nas cabeças daqueles que ouvem, com atenção, cada palavra.

© Ana Silvestre

Marisa Matias, eurodeputada, entra em palco e, com a sua voz forte e grave, diz vivermos, hoje, uma crise identitária. “Temos de abrir fronteiras”, estabelece Marisa, acrescentando que “devemos exigir muitas coisas mas devemos sobretudo exigir uma política de cooperação de paz, para que a história acabe de vez”. Para ela, os valores da dignidade humana estão esquecidos e a guerra jamais acabará com mais guerra. Mulheres sozinhas, acompanhadas, grávidas, com filhos, crianças, jovens, velhas – mulheres de todas as condições e lugares são hoje refugiadas de uma guerra que é, acima de tudo, uma guerra de valores. Mas há algo que parece unânime: as mulheres têm, por várias razões, uma trajectória mais difícil do que os homens. Catarina Martins, porta-voz do Bloco, termina a sessão dizendo que a União Europeia tem a obrigação de acabar com os grupos de financiamento daqueles que constituem a guerra, afirmando que a causa da tragédia está na Inglaterra, na França e na Alemanha. Por entre aplausos e sorrisos, Marisa Matias acrescenta que “enquanto houver uma mulher refugiada, seremos todas refugiadas”, encerrando assim a comemoração do Dia Internacional pelos Direitos das Mulheres. Ana Silvestre *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Dia da Mulher Todos os dias ouvimos piadas que começam com a frase “só há dois tipos de pessoa neste mundo” que normalmente dividem a humanidade, por exemplo, nas pessoas que lêem a tua mensagem no Whatsapp e respondem, e as que tu sabes que leram, mas não responderam. Mas na verdade, e infelizmente, o mundo está divido em dois tipos de pessoa: o homem e a mulher. Esta divisão fez-se sentir desde as primeiras civilizações em que se desenvolveram sociedades patriarcais, que limitavam o papel da mulher na vida em sociedade, e elevavam o homem a todo o tipo de postos de responsabilidade. Assim, mesmo antes de nascermos, o mundo já tinha decidido que ao homem competia trabalhar e trazer o dinheiro para casa, enquanto a mulher estava destinada à vida de mãe e dona de casa, pronta a fazer bolachas sempre que necessário. O engraçado é que as mulheres, de vez em quando, passavam por momentos de liberdade esporádicos. Falo, claro, da inevitabilidade e ganância que levam à origem de acontecimentos bélicos. Sempre que um país entrava em guerra, as mulheres ganhavam por uns poucos anos as mesmas possibilidades de emprego que os homens, que entretanto estavam na frente de batalha. O problema residia, então, no regresso.

“O engraçado é que as mulheres, (...), passavam por momentos de liberdade esporádicos” Imaginem chegar à vossa pátria e depararem-se com uma mátria. É difícil imaginar este cenário, nem que seja pelo simples facto de tal nunca ter acontecido. Mas a Mulher, ao contrário do Homem, lutou pelo seu direito ao trabalho e pelo seu direito ao voto. Aliás, é interessante como desde os primórdios da política as pessoas elegíveis ao sufrágio tinham de ser chefes de família e, mais interessante ainda, como em 1911 a legislação portuguesa, sem o querer, permitiu que Carolina Beatriz Ângelo fosse a primeira mulher portuguesa a votar. Porque ser chefe de família sempre foi entendido como um posto do sexo masculino. Imaginem ainda a surpresa que foi, nos finais do século XIX e princípios do século XX, as greves dos trabalhadores que já não eram só realizadas pelos homens, como também pelas mulheres. Para não falar do movimento das sufragistas, as mulheres que lutaram pelo direito de se expressarem num campo de conhecimento que tinha sido até então reservado ao sexo masculino.

Tenho medo de estar a escrever a palavra “lutar” de forma leve, e que vos esteja a enganar a pensar que menosprezo o valor desta palavra. Mas quando são perdidas vidas de pessoas em fábricas ou no meio da rua por defenderem os seus direitos, “luta” fica aquém do trabalho que outras mulheres tiveram de fazer para que tantas como eu tenham a possibilidade de exercer a nossa liberdade de expressão e o nosso direito à educação. Educação é um tópico que me leva à incontornável referência de Malala Yousafzai, a rapariga Paquistanesa que aos 15 anos recebeu o Prémio Nobel da Paz por lutar pelo direito à educação a raparigas em todo o mundo, que não têm a sua sorte. Ou a nossa.

“Mas a Mulher, ao contrário do Homem, lutou pelo seu direito ao trabalho e pelo seu direito ao voto” São exemplos como estes, acompanhados de grandes nomes como Simone de Beauvoir e Virginia Woolf, que me fazem acreditar no poder que a Mulher tem, que não deve ser desvalorizado. A verdade é que existem vários conceitos de mulher e a sua representação passa quase sempre pelo estereótipo da mulher fatal ou da vítima, nunca da lutadora. E se passar, é sempre pelo lado da mulher fatal que consegue atingir os seus objectivos através da sedução. Esta palavra, começada com M maiúsculo, muda de sociedade para sociedade, de país para país, e eu se calhar sou ingénua o suficiente para acreditar que é na minha geração que a palavra Feminismo já não irá assustar pessoas. Talvez será cada vez mais aceite por todos a igualdade entre os sexos, como também aquelas ideias extremistas que defendem que uma mulher deve ganhar o mesmo que um homem no mesmo cargo de responsabilidade. Talvez já não irá ser necessário existir uma lei que requer que 1/3 da Assembleia da República tenha de ser do sexo feminino, porque isso já irá acontecer por si só. Talvez esta palavra não terá de ser utilizada pois já existirá a igualdade de direitos e liberdades para Mulheres e Homens. Mas, até lá, nunca é demais celebrar o Dia Internacional da Mulher e valorizar a outra metade do mundo. Madalena Gil *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Grito de Desespero para que nos Façamos Ler

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Um dia, quando for crescida, vou ter uma resposta coerente para todas as perguntas e vou olhar para trás e reparar que realizei sonhos. Nesse dia, vou sentir-me a pessoa mais feliz do mundo e vou ver algures um livro com o meu nome escarrapachado na capa. Ao lado vou ver outros livros da malta que estudou comigo ou de quem ouvi falar quando tinha vinte e um anos. Mas sabem qual é o problema? Nessa altura eu vou ter para aí uns oitenta e aquele vai ser o meu primeiro livro publicado, bem como o primeiro de todos os outros que têm a minha idade. E isto se houver essa coisa estranha a que hoje chamamos livros.

“Qual é o interesse em divulgar textos interessantes quando podem ter umas páginas que vão originar muito mais lucro, mesmo que não tenham tanta qualidade nem diversidade cultural?” De facto, qualquer pacóvio pode publicar um livro. E, sejamos sinceros, andam por aí muitos que têm tido sorte. E porquê? As editoras sabem o que vende. Qual é o interesse em divulgar textos interessantes quando podem ter umas páginas que vão originar muito mais lucro, mesmo que não tenham tanta qualidade nem diversidade cultural?

Este ano surpreendi-me com coisas que li, tanto aqui no Pontivírgula como em textos que foram apresentados nas aulas de Escrita Criativa. Há tanta gente a escrever bem aqui ao nosso lado. Tantos alunos que passam despercebidos porque ninguém lhes dá atenção, porque ninguém perde uns minutos a ler o que escrevem. E de certeza que somos tantos com textos trancados nas gavetas! O que custa é ganhar o nome. O mais difícil é ter um espaço que seja visível. A partir do momento em que um livro está na ribalta, os que se seguem até podem nem trazer nada de novo (com muita pena dos verdadeiros leitores!). É de fulano, vamos comprar. É de sicrano, também serve porque temos todos os livros na estante, dizem sempre o mesmo, mas nós queremos! E onde está um espacinho para as Marias, Joanas, Marianas, Catarinas, Anas e Ineses que ainda não são conhecidas? E para os Joões, Franciscos, Manueis, Diogos, Albertos e Pedros? Ainda ninguém sabe quem eles são. Ninguém ouviu falar deles porque são desta geração dos vinte anos e ainda não conseguiram fazerse ouvir. Todos gritam (gritamos!) desesperadamente e ninguém dá conta. Ninguém lê nada. Se é justo? Não. Sem uma porta aberta nunca passamos para lado nenhum. Mas uma coisa é garantida: ninguém desiste. Por enquanto, vamos espreitando pelas janelas. Vamos lançar papéis ao ar onde conseguirmos. Vamos tentar falar mais alto. Alguém há-de reparar em todos nós. Alexandra Antunes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Março

«Há princípios, valores e acontecimentos fundamentais cuja memória e celebração não podem estar à mercê (…) de fins propagandísticos (…)» – António Costa

Concorde-se ou não com a reposição de 4 feriados eliminados em 2012, a pompa e circunstância com que esta medida foi celebrada (até através do simbolismo da assinatura da lei) roça o absurdo, toca na propaganda e irrompe pelo populismo. A cerimónia especial, no Palácio da Independência, contou com a presença de D. Duarte de Bragança, herdeiro ao trono de Portugal, e Ribeiro e Castro, antigo líder do CDS (este facto tem um tremendo valor simbólico). Esta cerimónia foi palco de um discurso patriótico e populista e, para o primeiro-ministro, os feriados foram cortados para “fins propagandísticos”. Dando margem à factualidade da declaração de António Costa, é lamentável que a reposição dos feriados seja celebrada com cerimónia e discursos baseados no populismo e que a crítica ao corte dos feriados seja baseada precisamente no... Populismo. Não chegaria uma simples promulgação da lei? Não era preciso isto, Costa, não era preciso...

NOTA PONTIVÍRGULA: 5/10

«Is not a big deal» - George Gomez, CEO

da Billy L. Nabors Demolition, referindo-se a um erro na sua empresa

Breve enquadramento: nos Estados Unidos, uma empresa foi contratada para demolir uma casa. Já feito o serviço, percebe-se que a casa demolida deveria ter ficado de pé. A casa certa mantevese intacta... Na rua ao lado. O absurdo não fica por aqui: a justificação dada pela empresa remete a culpa para o... Google Maps. Querem mais? Que se saiba, a empresa ainda não assumiu a responsabilidade, mas o CEO teve algo a dizer! Será que disponibilizou a empresa para assumir os custos da reconstrução? Será que, em nome pessoal, pediu desculpa? Não, o CEO desta empresa referiu que o engano “is not a big deal”. E é isto que temos.

NOTA PONTIVÍRGULA: 1/10


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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Março

«Não entendo por que motivo não sou chamado à Seleção» - Hugo Vieira, futebolista português; «Não quero ser um mero turista» - James Milner, futebolista da selecção inglesa; «Ou tenho uma oportunidade na primeira equipa ou vou-me embora» – Pawel Dawidowicz, jogador do Benfica

Chegamos à recta final da época futebolística e aumenta a impaciência de alguns atletas por serem pouco utilizados pelos treinadores. A solução: reiterar, em público, o seu desagrado com as decisões dos treinadores. Bravo, rapazes! Hugo, não é por mostrares desagrado em público que Fernando Santos te chamará à selecção (e olha que o mister Fernando tem mau feitio). James, tu já lá estás! Chegaste onde milhões de ingleses querem chegar! Pawel, tens apenas 20 anos e chegaste ao Benfica na época passada! Queres ser já o “patrão” do meio-campo? E que tal canalizarem essa impaciência para um maior empenho nos treinos ou, numa óptica mais audaz, conversar com o treinador?

NOTA PONTIVÍRGULA: 3/10 «Não precisamos que o império nos dê nenhum presente». Sobre as palavras “melosas” de Obama: «Supõese que cada um de nós corria o risco de um enfarte ao escutar estas palavras do presidente dos Estados Unidos». Sobre esquecer o passado: «Depois de um bloqueio desapiedado que já durou quase 60 anos (...) um avião comercial repleto de passageiros que explodiram em pleno voo, invasões mercenárias e múltiplos actos de violência e de força?» – Fidel Castro, numa carta aberta dirigida a Obama.

Obama visita Cuba e tenta reerguer, com Raúl Castro, a ponte entre EUA e Cuba, cortada há muitos anos. Uma visita marcada por elogios mútuos, algumas “bicadas” inevitáveis e uma postura prudente, embora, aparentemente, empenhada no reatar de relações. Quer Obama e Raúl tenham protagonizado uma exibição hipócrita, quer tenha sido repleta de sinceridade, Fidel Castro não deve ter este comportamento. Fidel Castro, antigo líder cubano, apesar de ter passado o poder ao seu irmão, é um homem de enorme importância. Aquele que foi um passo difícil para americanos e cubanos, pode agora sofrer um revés, caso os americanos queiram levar “a sério” a posição de Fidel. Será vital o descolamento de Raúl Castro perante as declarações do irmão. Caso contrário, as relações diplomáticas, o embargo comercial e as polémicas com os presos políticos podem sofrer um impacto muito negativo. Ai Fidel, Fidel...

NOTA PONTIVÍRGULA: 2/10

Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Um Pouco (In)Conveniente Ser ou não ser? Eis a questão de género... Venho aqui modificar um pouco a aclamada fala pronunciada por Hamlet, de Shakespeare, que é muito útil para os temas que andam a ser discutidos hoje em dia. Em vez deste segurar uma caveira, vamos imagina-lo a segurar os símbolos de género... Rapaz? Rapariga? “Rapazariga”? Hm... Pois bem, estas são as questões que, a partir de agora, são proibidas de serem respondidas como um dado consumado pelos funcionários do Mcdonald’s, cada vez que entregaram um HappyMeal. Isto porque, segundo a secretária do Estado da Igualdade, Catarina Marcelino: “Não há brinquedos de menino e de menina. Aquilo que se lê naqueles questionários e a prática de dividir brinquedos por sexo é uma atitude discriminatória que reforça os estereótipos de género.”. Vamos lá ver se percebemos... A partir de agora os trabalhadores da Mcdonald’s não devem assumir instantaneamente que um rapaz irá querer um brinquedo que, supostamente, é denominado para rapaz e vice-versa. Até aqui, tudo bem. Concordo, acho que os empregados não têm o direito de serem eles a escolher o brinquedo que vem para as crianças, no HappyMeal, conforme o sexo das mesmas.

“Diferenças de foro psicológico e físico! Aceitem essa realidade!” Agora, há uma coisa que me está a dar uma certa comichão... Dizem que esta atitude do Mcdonald’s é uma discriminação de género. Até a própria Zara já decidiu fazer uma linha de roupa Ungendered para demonstrar que não discrimina ninguém. Sinceramente? Já chega. O que estão a fazer estas lojas de comida e roupa, isto sim é uma discriminação de género. Somos todos iguais? Não somos! Devemos ter todos os mesmos direitos? Claramente! Então, como fazemos isso? Após uma longa reflexão com a fantástica autora das rubricas “Perks of being fun-sized”, chegámos à conclusão que a igualdade é impossível porque, claramente, existem diferenças entre a Mulher e o Homem! Diferenças de foro psicológico e físico! Aceitem essa realidade! Não nos estamos a inferiorizar, de todo! Estamos a dizer as coisas como elas são!

© 3 Eders

Agora, eu e a minha querida amiga propusemos outra definição que, para nós, se acentua numa junção entre justiça e igualdade... JUSTIÇA + IGUALDADE = EQUIDADE. Uma conta perfeita que deu um resultado JUSTO e, para compreenderem melhor, decidi ir à minha infalível amiga Wikipédia buscar uma definição: “Equidade consiste na adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade. Pode-se dizer, então, que a equidade adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá-la mais justa. Ela é uma forma de se aplicar o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo para as duas partes.” Este conceito é o único que respeita totalmente as diferenças de cada um. Como é que é possível que uma sociedade que está sempre a proclamar que devemos respeitar a forma como cada um é, depois se contradiga e diga que “Espera aí, afinal temos de ter tudo igual porque se não tivermos é uma discriminação”? Onde está a coerência nisto? NÃO é IGUAL. SIMPLES. Mas não é igual para ninguém porque somos todos distintos uns dos outros! “Cada caso é um caso”, não é verdade? Por isso, proponho modificar novamente a frase de Hamlet para “Ser, não ser, talvez ser, não me apetece ser ou sou? Eis a realidade...”.

Susana Santos


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Ao Rosto Vulgar dos Dias Política Marcelo, o Presidente quase feminista Na edição especial dedicada à mulher podia-vos falar de Aung San Suu Kyi, vencedora do prémio Nobel da Paz, em 1991, a mulher que derrubou o regime militar no Myanmar e que ganhou as primeiras eleições democráticas do país. Podia falar sobre os pequenos avanços que foram feitos na inclusão das mulheres na política em países como a Arábia Saudita, ou podia até debruçar-me sobre as mulheres, cada vez mais, que fazem política em Portugal (algumas até já lideram partidos, vejam só...). Em vez disso, trago-vos o homem do momento. E faço-o porque a igualdade de género só tem lugar na agenda política (ou noutra agenda qualquer) nos dias marcados no calendário para o efeito ou quando não há nenhum tema mais pertinente que precise de ser tratado. Ora, este mês, tomou posse o novo Presidente da República e não podemos deixar passar o facto sem nos determos sobre ele. Marcelo Rebelo de Sousa venceu as eleições presidenciais a 24 de Janeiro, numa disputa concorrida, mas, nem por isso, renhida. Marcelo foi sempre apontado como favorito e ganhou a corrida à primeira volta. E, para comemorar em grande, a tomada de posse foi em grande também. A cerimónia durou vários dias. Começou em Lisboa e acabou no Porto. Para além das habituais formalidades a que o protocolo obriga, o novo Presidente da República, assumidamente católico, decidiu inovar, celebrando uma cerimónia inter-religiosa na mesquita de Lisboa, na qual estiveram presentes pessoas de várias religiões, com o objetivo de fomentar o diálogo e promover a aproximação entre culturas e religiões. Ainda na onda da inovação, Marcelo quis que esta fosse uma cerimónia aberta ao público e que integrasse a população. Assim, numa iniciativa dirigida aos jovens, o Presidente encerrou o primeiro dia de tomada de posse com um concerto na Praça do Município, em Lisboa, onde atuaram Mariza, José Cid, Pedro Abrunhosa e, o ponto alto da noite, Anselmo Ralph. Era por ele que esperavam os muitos jovens que se amontoaram na Praça do Município, enquanto entoavam cânticos com “MARCELO! ANSELMO! MARCELO! ANSELMO!”. No dia seguinte, o destino foi o Porto. Foi a primeira vez que um Presidente da República portuguesa estendeu a cerimónia da tomada de posse à Invicta, mostrando que está atento ao país. No Porto, a agenda passou pela visita a uma exposição de homenagem a Paulo Cunha e Silva, vereador da Cultura da Câmara Municipal do Porto, que morreu em Novembro passado.

Marcelo passou ainda pelo Bairro do Cerco, um bairro problemático, onde Paulo Cunha e Silva vinha a desenvolver um projeto que pôs a rapper Capicua e o músico André Tentúgal em residência artística. Foi uma tomada de posse intensa que mostra um Presidente atento a toda a população e que quer implementar uma estratégia de maior proximidade com a população. Fora de formalidades, o Presidente da República comunicou ao país no dia 28 de março, para informar que tinha promulgado o Orçamento de Estado 2016. Em relação ao documento, disse ser o resultado de negociações entre o governo, o parlamento e as entidades europeias. Quanto aos resultados disse que só seriam visíveis em 2017 e que cabe agora ao governo garantir que seja cumprido com rigor. A comunicação foi feita num tom didático, muito comum ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa, e não trouxe nada de novo, nem de relevante. Foi, de resto, mais uma utilização de tempo de antena em que mostrou que ainda não conseguiu separar-se da imagem de comentador. Para um Presidente da República não é suficiente. Explicou os processos por que passa um Orçamento de Estado, disse que há riscos - mas não especificou que riscos eram esses – e navegou durante aqueles 10 minutos sem nunca se comprometer ou dar uma opinião aprofundada acerca do Orçamento. O país continuou sem saber o que pode esperar deste documento. Foi uma prestação fraca de um Presidente que precisa ainda de ajustar o seu discurso político ao de Presidente da República, com os comprometimentos que lhe são necessários. Por fim, e religando com o tema desta edição, a comemoração do Dia Internacional da Mulher deu-nos a saber que Marcelo Rebelo de Sousa é um presidente que diz ser “quase feminista” (conceito que temos dificuldade em entender), numa intervenção em que destacou a importância do cumprimento dos princípios constitucionais e dos direitos humanos e da educação como meio para alcançar a igualdade de género e o reforço de poder. Inês Linhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Law & Other Things Direito Março e a(s) Mulher(es) O mês de Março não só significa que estamos cada vez mais perto do tão aguardado verão 2016, mas também é um mês muito especial para o sexo feminino, visto que é considerado o mês da mulher. No mundo de hoje, muitos se perguntam por que motivo ainda existe um dia destinado à mulher, tal como existe o dia do Homem a 19 novembro, algo que muitos não celebram por desconhecerem. Há quarenta e um anos atrás, a ONU declarou o dia 8 de Março como o Dia da Mulher. Celebrar este dia ainda faz sentido? Hoje, as mulheres nos países ditos desenvolvidos têm as mesmas oportunidades do que os homens, em termos profissionais, desportivos e de acesso à educação, mas será que esta igualdade existente nos países ocidentais acontece em todo o mundo?

© O Cantinho da Dama

O objectivo não está cumprido, segundo os dados da UNICEF (que são chocantes), pois mais de 700 milhões de mulheres em todo o mundo casaram antes dos 18 anos e uma em cada três antes dos 15 anos, o que nos leva a pensar se as mulheres, nestes casos, tiveram opção de escolha ou foi tudo por carência de meios económicos – casamentos prometidos em troca de dinheiro. As Nações Unidas classificam, desde 1993, o sexo forçado no casamento como uma violação de direitos humanos. No entanto, em muitos países, tal acto monstruoso cometido dentro do casamento é considerado um dever marital (de matrimónio), o que em pleno século XXI é inadmissível e primata. Para evitar tais crimes tem de existir uma maior regulação e maior apoio às mulheres neste sentido.

Em Nicarágua ou El Salvador – países que proíbem o aborto –, muitas mulheres são presas por darem à luz um nado morto, mesmo em caso de aborto espontâneo, o que é chocante. Para além da infelicidade de ver o seu filho morrer, o que psicologicamente é devastador, ainda são sujeitas a pena de prisão por um infortúnio. A fundamentação – se é que se pode atribuir este nome a tal argumento – é o facto de existir a presunção de que, se o filho morre no parto, a culpa é da mulher que dá à luz, variando as penas entre os 12 e os 30 anos, com a agravante de que, nestes casos, considera-se o crime como homicídio doloso, isto é, intencional. Um famoso caso é o de Teodora del Carmen Vásquez, no qual se aplicaram estas leis macabras e o processo crime contra Teodora que, em 2007, estava no nono mês da sua segunda gestação. Certo dia, começou a ter fortes cólicas. Enquanto esperava para ser atendida no hospital, foi à casa de banho e sofreu uma queda, desmaiou e teve um aborto espontâneo. Por este infeliz acidente – inesquecível para qualquer ser humano –, o juiz de El Salvador decidiu, na sentença, deter Teodora e acusá-la de provocar o aborto, tendo sido, em 2008, condenada a 30 anos de prisão, dos quais já cumpriu nove.

“As Nações Unidas classificam, desde 1993, o sexo forçado no casamento como uma violação de direitos humanos.” O facto de existir ou não um dia da mulher, não nos cabe a nós julgar nem decidir, mas há que repensar estes factos que ainda existem no nosso mundo. Mesmo que não existisse um dia da mulher, é certo e sabido que o mundo seria um lugar melhor sem tais injustiças e desigualdades, pois não se trata de serem desigualdades contra mulheres, mas sim contra algo mais abrangente, isto é, todos nós, seres humanos. Nuno Martins *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Pensar Diferente! Psicologia

As crianças também deprimem Hoje venho alertar-vos para um tema bastante pertinente nos dias de hoje - a perturbação depressiva durante a infância. As crianças não são apenas o futuro, são o presente também. O nosso presente que ignoramos e temos deixado de lado. Olhar para o futuro é cuidar dos mais novos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”. Assim sendo, o mau-estar mental, inclusive o estado depressivo, contradiz-se com a definição de saudável.

Na verdade, os sintomas são semelhantes aos da adultícia. Todavia, nas crianças podem revelar-se de uma forma um pouco diferente, mais adequada à idade em causa. A depressão é caracterizada tangencialmente por uma tristeza resistente e duradoura e um estado de anedonia, associados a transtornos de sono, de alimentação, entre outros. Na criança, mais frequente que a tristeza é a irritabilidade, um mau humor constante e a anedonia também, isto é, a falta de prazer em atividades infantis habituais. Podem apresentar também baixo desempenho escolar, fadiga excessiva, queixas físicas, isolamento, sentimentos de culpa, choro e hiperatividade. Escusado será dizer que cada um é como cada qual. Consoante a criança, os sintomas vão se modificando.

“Trata-se de uma epidemia silenciosa que se pode espalhar entre todas as crianças, independentemente da condição social, económica ou cultural.”

© Clínica da Criança, Psicólogos Évora

A perturbação depressiva faz parte das perturbações do humor, sendo que não é controlada pelo sujeito. Invade toda a sua esfera mental, com um impacto visível no quotidiano, tanto nas relações sociais como nas atividades do dia-a-dia. Se esta situação é aterradora na idade adulta, imaginemos o que as crianças padecem. Incontestavelmente, também os mais novos têm as suas preocupações e angústias. É um encontro com o desespero. O diagnóstico depende unicamente dos seus sinais e sintomas, razão pela qual é mais difícil durante a infância. Por vezes podem ser confundidos com má educação ou birras. Aliás, durante muito tempo esta questão foi desprezada. Ainda hoje em dia, os casos são mais frequentes do que a maioria pondera.

A etiologia da perturbação depressiva é, ainda, desconhecida. Parece resultar de uma complexa interação entre fatores psicossociais e biológicos. No caso das crianças, além da predisposição genética, há fatores ambientais, como o funcionamento familiar, a vinculação (relação afetiva) mãe-criança ou eventos adversos de vida, e fatores sociais, como a pobreza, o suporte social ou o acesso a serviços de saúde que podem interferir. Apesar de tudo isto, a depressão pode surgir sem causa aparente. Trata-se de uma epidemia silenciosa que se pode espalhar entre todas as crianças, independentemente da condição social, económica ou cultural. A depressão não é um problema só de gente grande. Nos próximos 20 anos, esta perturbação deverá tornar-se a doença mais comum do mundo, segundo dados da OMS. Vamos prevenir o hoje, para garantir o amanhã! Maria Borges


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Cuida-te! Instituto de Ciências da Saúde

Aprender pode salvar vidas! Quando assistimos a um filme ou uma série televisiva, é comum assistir a situações em que um herói salva uma pessoa vítima de paragem cardiorrespiratória. Estas situações podem acontecer, frequentemente, de forma súbita e a probabilidade de sobrevivência da vítima depende da forma como é socorrida. Habitualmente, o nosso primeiro pensamento é: “O que fazer?”. Desde cedo, aprendemos a ligar para o 112 em casos de emergência. Contudo, a demora pode significar a morte da pessoa à nossa frente. Curiosidade: Sabias que a chegada de um meio de socorro demora, em média, 6 minutos? O resultado dessa espera diminui em 98% as hipóteses de sobrevivência da pessoa! Se a pessoa que presenciar a situação souber agir corretamente, essa percentagem diminui para 11%. Neste artigo, pretendemos partilhar uma breve abordagem sobre Suporte Básico de Vida (SBV), com o intuito de despertar a curiosidade e o interesse de aprofundar conhecimentos sobre este tema. Em casos de paragem respiratória, existem passos-chave que se devem cumprir e a premissa principal é manter a calma. Quando se contacta o 112, o que devemos saber transmitir claramente é: identificarmo-nos, onde nos encontramos (sempre que possível, o local exato e a sua referência), o que aconteceu, número de vítimas envolvidas (idade e sexo), se existem fatores agravantes (perigo de incêndio, explosão, acidente elétrico), como se encontra a vítima, as queixas principais e as alterações que observamos. O objetivo da nossa intervenção é reconhecer a gravidade de uma situação de emergência e iniciar imediatamente os primeiros socorros preconizados, ou as manobras de Suporte Básico de Vida. De uma forma resumida, as etapas para a realização de SBV são as seguintes: - Avaliação inicial - Manutenção da via aérea permeável - Ventilação com ar expirado - Compressões torácicas A sequência das ações passa por: - Garantir segurança (nossa, da vítima, do cenário e das pessoas em redor);

- Avaliar o estado de consciência. Se a vítima não responder, devemos gritar por ajuda e pedir para ligar para o 112 (a pessoa deve estar preparada para responder às questões acima mencionadas); - Manter a via aérea permeável - desapertar a roupa à volta do pescoço e tórax, verificar se existe algum objeto estranho na boca (se existir, removê-lo); - Realizar extensão da cabeça (inclinação da cabeça para trás e elevação do queixo); - Verificar se a vítima respira. Observar movimentos do peito, ouvir respiração e sentir se existe saída de ar pela boca ou nariz - durante aproximadamente 10 segundos. Caso a vítima respire, deve ser colocada em posição lateral de segurança.

“O objetivo da nossa intervenção é reconhecer a gravidade de uma situação de emergência e iniciar (...) as manobras de Suporte Básico de Vida.” - Se a pessoa não respirar, deve iniciar-se as chamadas “compressões torácicas, seguidas de duas insuflações “respiração boca-a-boca”. (Séries de 30 compressões + 2 insuflações). Colocar as mãos no centro do tórax da vítima e fazê-lo descer cerca de 4 a 5 centímetros, a um ritmo de 100 pulsações/minuto, alternando com ventilações. - Quando iniciamos as manobras de SBV, estas devem ser contínuas até que: chegue ajuda diferenciada, a vítima recupere, o reanimador esteja exausto; Para conseguires realizar esta técnica corretamente, é necessário possuir uma formação adequada. Informa-te e, quem sabe, um dia poderás também salvar uma vida! E já sabes, cuida dos outros e… CUIDA-TE! Sónia Araújo Revisão científica: Professora Isabel Rabiais


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Se Houver Tempo... Lifestyle Foi o que ele disse... Seria expectável que fosse a Joaninha a escrevervos para falar de mais um café super in ou de um novo hobby super trendy. Pois bem, celebrou-se durante este mês o Dia Internacional da Mulher e parece que nesta edição, as meninas tiraram folga. Assim sendo, fui convidado a escrever um artigo de lifestyle, no qual seria suposto falar sobre um local a que gosto de ir com os meus amigos e namorada. Não, não vos venho escrever sobre nada disso, até porque sabem perfeitamente que a melhor maneira de nos verem felizes é se estivermos dentro dum tasco, a beber descontroladamente que nem uns bezerros que procuram o leite materno e com um pires à frente cheio de amendoins e tremoços.

© Joana Ferragolo

Venho tentar explicar-vos a importância de certos rituais, hobbies e costumes que nós temos e vocês tanto se esforçam em menosprezar e dizer “não entendo como consegues gostar disso”. Passo a explicar: Futebol – Qualquer que seja o clube, entendam uma coisa: os homens portugueses adoram futebol. Futebol não é um hobby ou um lazer. Futebol faz parte do nosso dia-a-dia. E não, não é ridículo se dormimos mal antes dum derby ou de um clássico. Não, não somos deficientes mentais por irmos receber a equipa ao aeroporto e também não, não somos bipolares só porque se o nosso clube perde vamos para a cama, e se ganha vamos beber até cair. E também não, não batemos na nossa namorada se o Benfica perder.

Copos com amigos – Este tema é bastante importante para nós. Percebam uma coisa: copos com amigos e copos com amigos e respectivas namoradas não é a mesma coisa. Não entendem? Muito simples. Copos com amigos é beber, falar de mulheres, beber, ver a nova fotografia da Maria, beber, jogar ao “preferes” de maneira selvagem e beber. Copos com amigos e respectivas namoradas é outro universo. Aquele amigo que em 35 minutos está em tronco nu, demorará 3 horas a beber 2 imperiais. O porco do amigo que tem orgulho em urinar à porta de cada estabelecimento diz que já volta e percorre 3 km para fazer as suas necessidades num local seguro. Aquele amigo do “preferes” mais tarado de sempre vai dizer: “Já disse, vou ser o padrinho do primeiro filho.” Percebem a gravidade da situação? Grupos de Whatsapp– Sim, temos pelo menos dois ou três grupos de conversa em que, diariamente, 4 raparigas são analisadas ao detalhe. Não, não podem ver as conversas, não por falarmos lá de vocês (até porque namorada de amigo é sagrada), mas porque o conteúdo gráfico e escrito é um tanto invasivo. E quando passeiam pela galeria do nosso telemóvel aqueles prints não fomos nós que os fizemos, mas sim o nosso amigo solteiro que desde sempre faz questão de seguir 86 raparigas, sabendo que nenhuma o segue de volta. Concluindo, da mesma maneira que não fazemos questão de experienciar as maravilhas do novo espaço de saladas e batidos super saudáveis, também nós precisamos destes modos de vida. Moderados e controlados, visto que somos bons rapazes, mas não deixamos de precisar desses momentos. Homens e mulheres foram feitos para viver em conjunto, mas a verdade é que tanto nós como vocês precisamos destes momentos. A diferença está no que bebemos, comemos e onde nos encontramos. Zé Diogo Vinagre & Joana ferragolo *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Banco de Suplentes Desporto As 7 Maravilhas do Desporto Na 29ª edição do Pontivírgula, por ser dedicada ao Dia da Mulher, destaco histórias e façanhas de 7 mulheres que são, discutivelmente, as 7 melhores atletas de sempre. Senhoras e senhores, apresento-vos Serena Williams, a melhor tenista do Mundo. Para começo de conversa, digo que Serena Williams tem mais títulos em torneios Grand Slam do que todas as outras tenistas no activo... somadas! Querem mais argumentos? Cá vão: Chegou ao circuito profissional em 1995 e chegou a líder do ranking mundial, pela primeira vez, em 2002. Estamos em 2016 e Serena ainda cá anda. Está perto de ser a tenista com mais vitórias em Grand Slam, já é a quarta tenista da história com maior período na liderança do ranking e já é a tenista com mais prémios monetários ganhos no ténis. Chega, meus amigos?

“Está perto de ser a tenista com mais vitórias em Grand Slam, já é a quarta tenista da história com maior período na liderança do ranking e já é a tenista com mais prémios monetários ganhos no ténis.” Já alguém ouviu falar da história da primeira nota 10 na história da ginástica? Nadia Comaneci, a primeira ginasta a alcançar a perfeição! Em 1976, nos Jogos Olímpicos de Montreal, a romena fez os jurados colocar na placa da pontuação um medíocre 1,00. Todos ficaram com a respiração cortada por aquela nota, mas Nadia Comaneci acabava de ter um “Perfect 10,00”, nota que não cabia num marcador apenas preparado para colocar três algarismos. Nunca alguém tinha alcançado aquela nota e a jovem romena de 14 anos (!!!) começava, em Montreal, um percurso único como uma das melhores desportistas de sempre e uma das mulheres mais importantes do séc. XX. “Pelé de Saia”, a melhor futebolista de sempre. Marta foi eleita 5 vezes a melhor jogadora do Mundo e revolucionou o futebol feminino. Nunca, até aparecer Marta, tinha sido vista tamanha técnica individual no lado feminino de um desporto tradicionalmente masculino. Querem mais um “cheirinho”? Marta marcou 92 golos em 95 jogos internacionais. Exacto, quase 1 golo por jogo!!!

No Basquetebol há um tipo de lançamento muito especial que não está ao alcance de todos e que, até aparecer Lisa Leslie, se pensava ser exclusivo dos atletas masculinos: o afundanço (que consiste em saltar à altura do cesto e depositar a bola lá dentro). Lisa Leslie, em 2002, protagonizou um dos momentos marcantes do Basquetebol mundial ao ser a primeira mulher a fazer um afundanço. Melhor do que Lisa, no Basquetebol, não há. Sobre Natalie Coughlin comecemos pelo bizarro: esta nadadora, nos Jogos Olímpicos de 2008, conquistou um bronze nos 200 metros estilos (batendo o recorde dos EUA) numa prova para a qual não treinou e apenas tinha nadado “as a joke”. Podia ficar por aqui, mas vou mais longe: foi a primeira atleta norte-americana a ganhar 6 medalhas nos mesmos Jogos Olímpicos; é recordista de medalhas ganhas por uma americana (12); é recordista de medalhas em Mundiais (20) e, aos 33 anos, está a fazer as malas para ir ao Rio de Janeiro lutar pela 13ª medalha em Jogos Olímpicos. Steffi Graf e Martina Navratilova, dois “monstros” do ténis. Como escolher a melhor? Não dá. Falo das duas e assim ninguém se queixa. Graf é a recordista de semanas consecutivas na liderança do ranking, enquanto Navratilova é a tenista com mais títulos na história do Ténis. Graf é a única a ter pelo menos 4 vitórias em cada um dos Grand Slam, enquanto Navratilova é a recordista de jogos seguidos a ganhar. Vá, quero ver quem é que consegue escolher... Foram excluídas deste lote quatro grandes atletas: Griffith-Joyner, pelas fortes suspeitas de uso de doping; Didrikson Zaharias, por estar demasiado longe do meu imaginário desportivo; Ronda Rousey, pelo meu fraco conhecimento em desportos de combate; e Lindsey Vonn, pelo mesmo motivo, mas aplicado aos desportos de neve. Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Cabide Moda A Mulher de Chanel A moda é uma montra: é uma forma de visualizarmos a história e a cultura numa determinada época e estabelecermos relações entre os indivíduos e a sociedade. O sexo feminino e a sua imagem é o melhor exemplo desta relação. Moda e mulher quase que são sinónimos. Desde muito cedo que a indústria da moda está repleta de mulheres que desafiaram preconceitos e estereótipos. Poderia escrever sobre várias personalidades femininas fortes que reinam na indústria da moda: Anna Wintour, Anna Dello Russo, Miuccia Prada ou Alexa Chung... Mas a minha decisão recaiu sobre Gabrielle Chanel (ou Coco Chanel, como preferirem). Podem dizer que é um cliché, dado que ela também é uma das grandes mulheres da moda, o que é verdade. Mas existe todo um percurso de extrema importância por parte de Chanel, que resulta na libertação da imagem da mulher durante os anos 20 e 30.

Numa sociedade espartilhada, Gabrielle Chanel foi uma lufada de ar fresco para o sexo feminino: introduziu as calças e os looks mais masculinos nos seus guarda-roupas, dando a ideia de uma mulher livre e descontraída, pronta para viver o seu dia-a-dia em pleno. Sem saber desenhar, Chanel apenas apoiava pedaços de tecidos num manequim, até encontrar a forma que considerava correcta e, apesar de utilizar materiais considerados menos nobres (como por exemplo, a malha) e de a construção das peças ficar aquém do desejado, a marca tornou-se uma referência no panorama da moda francesa e na condição social da mulher.

“Numa sociedade espartilhada, Gabrielle Chanel foi uma lufada de ar fresco para o sexo feminino (...)” Gabrielle Chanel nasceu em 1883, em Saumur, França. Proveniente de meios pouco favorecidos, Chanel ganhava a vida como cantora e dançarina de cabaret. Foi este emprego que a catapultou para a moda: Chanel conheceu vários homens ricos que lhe proporcionaram os meios para investir no seu sonho de criar roupa. Trepadeira social ou cinderela do século XX, Gabrielle Chanel foi a primeira estilista a “despartilhar” a mulher. O objectivo da sua marca era providenciar opções confortáveis às mulheres, especialmente quando estas praticavam desporto. Os longos vestidos, os espartilhos apertados e os penteados elaborados tornaram-se incompatíveis com a vida da mulher, cada vez mais agitada. Chanel afirmava que “a moda virou uma piada. Os estilistas esqueceram-se de que existem mulheres dentro das roupas. A maioria das mulheres veste-se para os homens e quer ser admirada. Mas elas também precisam de andar e entrar num carro sem arrebentar a costura! As roupas têm de ter uma forma natural.”

© Vogue

A moda sempre reflectiu o tempo em que é usada: assim, quando falamos na libertação da imagem feminina e na evolução da sua posição na sociedade, a figura de Gabrielle Chanel é preponderante e incontornável (aconselho a verem o filme Coco Avant Chanel). Catarina Veloso *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Fita Queimada Cinema A Alma por detrás do Homem Por detrás de um grande homem está uma grande mulher. Uma expressão popular que carece tanto de rigor circunstancial como de objectivo. A justificação da sua origem reside, presumivelmente, na necessidade de colmatar a falta de valor atribuído ao papel da mulher na sociedade e, com uma relevância relativamente superior, na relação intrapessoal em termos de dinâmica conjugal. Hoje em dia não posso ouvir a palavra feminismo mas reconheço a substancialidade do “parto induzido” que levou a esta corrente de pensamento, especialmente num panorama sociológico que foi a grande parte do século XX. A mulher…um buraco negro de desejo, uma prioridade inconsciente, um porto de abrigo para a loucura incessante de um génio. O sujeito feminino contribui para a nossa sanidade física e mental e, por vezes, providencia uma dose de claridade à nossa percepção, arrojando uma óptica casmurra. Alma Reville foi um espécimen excepcional desta categoria que revigora este fenómeno no mundo do cinema.

“Hoje em dia não posso ouvir a palavra feminismo mas reconheço a substancialidade do “parto induzido” que levou a esta corrente de pensamento (...)” Alma nasceu a 14 de Agosto de 1899 em Nottingham, Reino Unido. Reville entrou no mundo do cinema como uma simplória “moça de recados” que servia o chá à equipa de produção. Diligente e observadora, rapidamente subiu na indústria, promovendo-se a assistente de direcção, guionista e editora. Em 1923, o senhor com a silhueta mais icónica do mundo, Alfred Hitchcock, convidou Alma para editar o seu filme Woman to Woman. O convite foi inicialmente rejeitado devido a, segundo Reville, inadequação salarial. Se é verdade que os homens se sentem inexplicavelmente atraídos por uma mulher difícil, também é verdade que Alma acabou por aceitar o trabalho e que, três anos depois, os dois casariam.

“Acontece que, por vezes, as luzes dos holofotes intensificam a sombra daqueles que os direccionam.” A partir de 1926, a carreira de Hitchcock solidificou-se e nasceu um ícone no mundo do cinema e na cultura popular global. Acontece que, por vezes, as luzes dos holofotes intensificam a sombra daqueles que os direccionam. Apesar de ter recebido creditação formal em dezanove dos filmes do cônjuge, os maiores contributos de Alma passam despercebidos até aos dias de hoje. Tomando como exemplo o clássico Psycho, no qual Reville não foi mencionada nos créditos, podemos observar o quão crucial foi a sua intervenção para o nascimento de um produto artístico de culto. A editora inglesa exerceu as suas funções na mítica cena do chuveiro de uma maneira meticulosa e altruísta para com a comunidade do cinema. Fez uma edição excepcional, trabalhando atipicamente com as frames que tinha da cena em questão e, acima de tudo, convenceu Hitchcock a utilizar a icástica música composta por Bernard Hermann. Segundo este, Alfred recusavase sequer a ouvir a versão com música. Na sua visão, a cena deveria ser silenciosa. Se não fosse a persistência da sua mulher, hoje em dia, quando queremos sonorizar complexamente um susto, não faríamos o agudo e polifónico som que, mesmo não tendo visto o filme, toda a gente conhece. Graças a Alma sentimos sempre aquele arrepio na espinha ao ver Janet Leigh personificar o medo e a agonia através de um grito. João Torres *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Inteligência Artificial Gaming/Internet Hibridização do Género Uma coluna um pouco mais ligeira para este mês. Sinceramente, com a excepção de alguns lançamentos, veja-se, The Divison, Far Cry Primal, Samurai Warriors 4 Empires, Pokkén Tournament, e dos SXSW Gaming Awards; Março é verdadeiramente um mês lento, não porque não aconteçam coisas mas o que se acontece simplesmente é pedestre, para além disso, era possível falar de qualquer tipo de lançamento ou “cerimónia” ad infinitum, e acredito que isso não faria desta coluna interessante. Por isso vou aproveitar para falar brevemente na hibridização do género, ou melhor, dos géneros.

“Por isso vou aproveitar para falar brevemente na hibridização do género, ou melhor, dos géneros.” Nos videojogos, assim como noutras artes, existem géneros, uns comuns dentro das mesmas, como drama, comédia, terror ou romance; outros um pouco mais restritos, como os FPS (first person shooter) ou RPG (role-playing games). O problema que surge ao criar rótulos a tudo o que for obra de arte é a fomentação da falsa necessidade de incluir a todas as obras subsequentes dentro desses mesmos rótulos, perdendo no processo o valor natural da obra. Muitas vezes quando incluímos algum tipo de videojogo dentro duma classificação pré-existente pretendemos que o videojogo em questão partilhe elementos dum género com outros de outro, i.e. ao classificar um jogo como um FPS-RPG, tentamos explicar que se trata dum jogo na primeira pessoa com elementos comuns a jogos clássicos de interpretação de papéis, mas o que sucede na realidade é a criação dum género híbrido que não satisfaz as necessidades etimológicas dos jogadores, que nos seus espaços pessoais, atribuem valores diferentes a classificações diferentes. Para alguns jogadores a etiqueta de “RPG” significa simplesmente “evoluir” de nível, ou adquirir itens diferentes, armas, poções, etc.; para outros, significa criar uma persona, uma história inerente a ela, vontades próprias, desejos, sonhos; ao misturar esta nomenclatura com outra de outro de género o jogo habilita-se a perder parte do significado original de uma das suas raízes.

© Ubisoft,Ubisoft Massive

O mesmo acontece com a nomenclatura “Rogue” que originalmente foi atribuída a jogos que partilhavam características com o jogo clássico Rogue, características com ser jogos progressivamente gerados, jogos onde a morte do jogador implica começar novamente desde o início e jogos com uma dificuldade fortemente relacionada ao seu valor críptico. Actualmente jogos que partilham essas características são rotulados como “rogue-like” e jogos que apresentam valores semelhantes mas simplificados como “rogue-lite”, pessoalmente, acho um desperdiço de tempo, tentar resumir os valores de qualquer tipo de obra artística numa só palavra, passa a fronteira de ser “prático” para ser ofensivo. Mitchel Martins Molinos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Música nos Tempos que Soam Música

Isto é tudo muito bonito, mas... Dia da mulher, Sia e Daft Punk. Temas improváveis que encaixam perfeitamente. Assinala-se o dia da mulher para relembrar a luta que tiveram na reivindicação de um tratamento igual ao dos homens, que se expandiu até ser transversal em toda a sociedade, excluindo as excepções que creio que existirão sempre. Na música, há muitas canções que homenagearam as mulheres (e continuam a fazê-lo). Há uma compaixão e, sobretudo, um reconhecimento pelo que o dia representa. Mas parece ser cada vez mais uma memória longínqua.

No entanto, existe uma diferença (não escondida): o sexo, que, neste caso, se traduz também no género. Não se estaria decerto à espera de uma apresentação pouco ortodoxa por parte da cantora. Ansiava-se talvez por uma imagem que pudesse ser objecto de conversa, abordagem que, como já referi na primeira edição desta coluna, resulta da transformação da arte em indústria, onde a música é apenas um adereço.

“É facto que a apreciação da beleza feminina se sobrepõe à masculina, mas tal não significa que se torne dever das mulheres mostrarem-na, perdendo qualquer direito sobre si mesmas.” Enquanto que a reserva de identidade dos Daft Punk nunca foi questionada - aliás, sempre fascinou -, a de Sia foi quase instantaneamente negativa. É facto que a apreciação da beleza feminina se sobrepõe à masculina, mas tal não significa que se torne dever das mulheres mostrarem-na, perdendo qualquer direito sobre si mesmas.

© Larry Busacca, Getty Images

Em Março do ano passado, a cantora Sia foi negativamente criticada por escolher não mostrar a cara durante as suas aparições públicas. De parte as questões de privacidade, a questão central é que a artista, por ser mulher, teria a obrigação de se “mostrar”. Neste caso, diferente de se “expor”. Os Daft Punk, Deadmau5 ou os Cazzette também se escondem atrás de máscaras.

Isto do dia da mulher é tudo muito bonito, mas não pode ser só para mostrar e seguir modas. Não defendo que tenha de ser relembrado todos os dias. Apenas que não seja esquecido quando é importante. Estaremos assim tão longe dos tempos em que a desigualdade não era racional? P.S.: Acredito que tenham lido o texto (também) para procurar referências ao programa do Gato Fedorento, mas só usei o título por se adequar ao tema. Não foi tempo perdido, garanto. Francisco Marcelino *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Literalmente Metafórica Literatura Guerra de Sexos Literária Florbela, Fernanda, Ilse, Sophia, Matilde, Maria, Agustina, Natália, Luísa, Graça, Rosa, Teolinda, Alice, Lídia, Mariana, Isabel, Clara. Estes podiam ser os nomes de quaisquer mulheres portuguesas, mas não. São os nomes de algumas das que gritam aos setes ventos, pela Literatura, a nossa Língua-Pátria. Ao lado delas, na mesma luta, inúmeros homens. Selma, Grazia, Sigrid, Pearl, Gabriela, Shmuel, Nadine, Toni, Wislawa, Elfriede, Doris, Herta, Alice, Svetlana. Quanto a estes, podíamos dizer que quase todos nos parecem estranhos. Mas são os nomes das 14 mulheres que, em 114 anos, ganharam o Nobel da Literatura. Todos os restantes foram atribuídos a homens.

“Enquanto mulher que lê, lamento que não tenhamos mais nomes femininos nas capas dos livros (e que alguns dos que lá figuram não façam boa figura!) (...)” Enquanto mulher, defendo-as e elogio-as por se afirmarem num mundo que tem sido de homens. Enquanto mulher que lê, lamento que não tenhamos mais nomes femininos nas capas dos livros (e que alguns dos que lá figuram não façam boa figura!) e que o prémio Nobel não passe de uma politiquice qualquer. E, lendo maioritariamente as palavras que foram escritas por homens, orgulho-me ao ver que estes escrevem sobre elas. Sobre nós. Se Ricardo Reis diz “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio” e pede que enlacem as mãos, é porque sabe que não pode estar só. É a noção de entrega total de Jorge de Sena: “Como tu queiras, Amor, como tu queiras./Entregue a ti, a tudo me abandono,/seguro e certo, num terror tranquilo”. Se O’Neill afirma que “Sei os teus seios./Sei-os de cor.”, David Mourão-Ferreira também não tem pudor em escrever “Assim que te despes/As próprias cortinas/ Ficam boquiabertas sobre a luz do dia”. São alguns dos que vêem no corpo feminino um motivo de poemas (fonte de inspiração, se quisermos usar o habitual cliché).

E há ainda Lobo Antunes que, ao retratar os homens como “maricas” quando estão engripados, grita um “Ai Lurdes Lurdes/ que vou morrer”; Camões que nos mostra a vulnerabilidade feminina, “Descalça vai para a fonte/ Leonor pela verdura”, e António Gedeão que cria uma Leonoreta que “Vai na brasa, de lambreta”! E não consigo não referir as personagens femininas de Gabriel García Márquez que, sem dúvida, são bastante mais fortes que as masculinas! Se elas não escrevem, eles escrevem sobre elas. Se são ignoradas, eles fazem questão de relembrá-las. De facto, é mais fácil lembrarmo-nos de escritores do que de escritoras. Pensamos mais frequentemente em livros ou poemas escritos sobre mulheres, não tanto por elas. Associamos a mulher ao sentimentalismo excessivo, aos textos lamechas e às divagações sobre o amor. Se eu podia defender o sexo feminino e dizer que nada disto é assim? Podia. Mas o que melhor fazemos é generalizar, tanto para o bom como para o mau. Nem no que toca à Literatura conseguimos escapar. Por isso, que ninguém me peça para dizer “Epah, temos melhores escritoras do que escritores” ou vice-versa. São milhões de páginas já escritas que testemunham o génio de milhares dos autores que as escreveram. E o génio? Esse não liga a género. O génio não descrimina por ser homem ou mulher. O que descrimina são as vivências. Mas, caso não se tivesse sentido descriminada, teria Virginia Woolf sido um farol literário do século XX? E não é ela que nos apresenta personagens femininas que são algo de extraordinário? Não vou defender uma coisa em que não acredito por uma questão de solidariedade feminina ou algo parecido. Mas também não me digam que qualquer homem – apenas por pertencer, precisamente, ao sexo masculino – pode escrever melhor do que uma mulher. Deixemo-nos de picardias sem sentido, meus amigos. Cada caso é um caso e, em certas circunstâncias, os números não dizem nada. Quanto a vocês não sei, mas a mim não me interessa entrar nesta guerra de sexos. Sabem, tenho ali na estante muitos livros por ler e outros tantos para reler. Alexandra antunes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


TEXTO CRIATIVO

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Olhar de Prata Produção Escrita Pai Uma pedra no sapato Um rio e o deserto Um berço abandonado Um crucifixo no tecto. Reza a molduras partidas Desde que a guerra o levou Já não volta mais.

Para uns sinónimo de tudo Para outros sinónimo de nada.

Hoje o filho é adulto A mãe é que o criou Memórias perdidas Pelo tempo que passou.

Do outro lado da barricada Um sorriso bem aceso À luz que ilumina o terço Um fiel crente em Deus Diz na madrugada:

Janela fechada Porta aberta copo vazio ou copo cheio.

“Nunca tive pai, mas em Ti acredito, Obrigado pela minha mãe, sei que não me deste o que queria, mas o Teu amor é infinito”.

© Daniel Martins, Flickr

Omar prata *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


AS ESCOLHAS DO PONTIVÍRGULA

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LIVROS: “Contos Exemplares” - Sophia de Mello Breyner Andresen “As Ondas” - Virginia Woolf. “O Amante” - Marguerite Duras “Sonetos” - Florbela Espanca “Orgulho e Preconceito” - Jane Austen Alexandra Antunes

ÁLBUNS: “Songs for Our Mothers” - Fat White Family “Ali Farka Touré” - Ali Farka Touré “Green and gold” - OOIOO “4 1/2”- Steven Wilson “Waves II”- Crydamoure Francisco Marcelino

FILMES: “Constantine” - Francis Lawrence “Gone Baby Gone” - Ben Affleck “Cape Fear” - Martin Scorsese “Bad Ass” - Craig Moss “Deadpool” - Tim Miller João Torres

VÍDEOJOGOS:

Mitchel Molinos

“Far Cry Primal” - PS4, XboxOne, PC “The Division” – PS4, XboxOne, PC “Samurai Warriors 4 Empire” – PS4, PS3, PSVita “Oxenfree” – PS4, XboxOne, PC, Mac “Pokkén Tournament” – WiiU


“AS MULHERES DA NOSSA FACULDADE“

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Numa edição especial sobre o Dia da Mulher, não podíamos deixar de incluir o testemunho de algumas mulheres da nossa faculdade. Ouvimos professoras, funcionárias e a Presidente da AEFCH e ficámos a saber o que pensam sobre vários aspectos em torno da condição da Mulher.

© Catarina Veloso

«Acredito que, ao contrário do que imaginaram Oscar Wilde e a maior parte da tradição ocidental, as mulheres existem para ser não só amadas mas também compreendidas. Acredito que, se/quando não lhes forem negados racionalidade, instrução e lugar no espaço económico e político-social, a sociedade que todos – homens e mulheres – habitamos e construímos será mais justa e mais rica porque verdadeiramente plural..» - Prof.ª D.ª Alexandra Lopes, directora-adjunta da FCH

«Mulher, um sorriso todos os dias.» - Clementina Santos, responsável por Erasmus

© Alexandra Antunes

«O dia Internacional da Mulher é uma efeméride que continua a ser importante assinalar.» - Prof.ª Doutora Rita Figueiras

© Inês Amado


“AS MULHERES DA NOSSA FACULDADE“

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«Ser mulher não se resume a uma frase ou um pensamento. Definir “ser mulher” é um livro que ainda agora vai a meio.» Joana Ferragolo, Presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Humanas

© Catarina Veloso

«Mulher é alguém que apesar de ter as mesmas capacidades do que um homem, pensa e emociona-se de maneira diferente.» - Elisabete Carvalho, Secretária das Áreas Científicas de Ciências da Comunicação, Estudos de Cultura e Filosofia © Alexandra Antunes

© Alexandra Antunes

«É importante continuar a celebrar o dia [da mulher] enquanto a discriminação existir, sobretudo no acesso a certas posições e à igualdade salarial. São séculos de luta para sermos cidadãs plenas e enquanto não existir igualdade de direitos, o dia deve continuar a existir.» - Sónia Pereira, Assessora do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC)

Texto: Inês Amado Edição de Imagem: Inês Camilo *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico



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