Edição de Abril - Jornal Pontivírgula

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ATUALIDADE: Panama Papers «Apesar da recusa dos jornalistas em fornecer toda a informação, a que já foi publicada chegou para fazer estragos. Muitos políticos e empresários viram mudar o seu estatuto e os seus cargos, quer por infuência das investigações policiais, quer por demissão voluntária.» » páginas 12 a 15

O Prof. Gaspare O Prof. Gaspare Trapani Sugere... Trapani Sugere... » páginas 07 e 08

Miguel Honrado, o Novo Secretário de Estado da Cultura

Eu não me lembro do 25 de Abril » página 22

» página 11

ATUALIDADE | SOCIEDADE | LIFESTYLE | MODA | DESPORTO | MÚSICA | CINEMA | LITERATURA Direção: Catarina Veloso e Inês Linhares Dias Edição nº30: Abril de 2016


EDITORIAL

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Ficha Técnica Diretora: Catarina Veloso Vice-Diretora: Inês Linhares Dias Revisores: Alexandra Antunes e Diogo Oliveira

Redação Ana Silvestre Andreia Monteiro Diogo Barreto Francisco Cambim Gabriela Moura Guilherme Tavares Inês Amado Joana Santos Mariana Pereira Martins Patrícia Fernandes Tiago Sardo

Colunistas Alexandra Antunes, Literatura Catarina Veloso, Moda Diogo Oliveira, Desporto Francisco Marcelino, Música Inês Linhares Dias, Política Joana Ferragolo, Lifestyle João Torres, Cinema Maria Borges, Psicologia Maria Manuel de Sousa, Psicologia Miguel Freitas, Música Mitchel Molinos, Vídeojogos Nuno Martins, Direito Omar Prata, Produção Escrita Pedro Pereira, Cinema Rita Santos, Psicologia Sónia Araújo, Saúde

Equipa Youtube Duarte Sá Carvalho Inês Camilo

Design Catarina Veloso Daniela Trony Miguel Brito Cruz

A atualidade foi marcada durante o mês de Abril por uma mega investigação jornalística, propiciada por uma fuga de informação, que levantou a ponta do véu de uma intrínseca teia de empresas offshore. Os Panama Papers revelam dados da Mossack Fonseca, uma sociedade de advogados que cria empresas fantasma em paraísos fiscais, vendendo o anonimato a quem quer mascarar o seu dinheiro. Esta é a maior fuga de informação de dados de paraísos fiscais até à data e pode vir a ter um grande impacto na sociedade, como explica o Diogo Oliveira. Abril é o mês em que se celebra a Liberdade e nesta edição a Ana Silvestre assinala a revolução da qual não se lembra, mas que não esquece. Relembramos também a genialidade e a loucura de Mário de Sá-Carneiro no centenário da sua morte e celebramos a vida de Prince, o herói musical de muitos que morreu no dia 21 de Abril. Mas a cultura em Portugal, ainda que moribunda, teima em persistir. A Andreia Monteiro traça o perfil de um homem que enfrenta o desafio de reavivá-la - o novo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado. No Brasil, país que se prepara para receber os Jogos Olímpicos ainda este ano, como explica o Tiago Sardo, uma grave crise política estalou ameaçando a estabilidade do país. O processo de impeachment de Dilma Rousseff deixou o país num ponto em que nenhuma solução parece ser boa. A viagem pelo panorama político do país irmão é guiada pela Gabriela Moura. Mas se a crise no Brasil já se antevia, Angola conseguiu surpreender ao pedir um resgate ao FMI. O Nuno Martins explica as implicações que este resgate pode ter num país que depende demasiado do petróleo, e quais as potencialidades deste tipo de financiamento na reestruturação do sistema económico. Para além das habituais opiniões e sugestões dos nossos colunistas, temos este mês as sugestões culturais do professor Gaspare Trapani que sugere uma travessia entre Portugal e Itália. Boas Leituras Inês Linhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico

Jornal redigido com o Novo Acordo Ortográfico, salvo quando indicado.




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Sessão de Esclarecimentos de Mestrados No passado dia 13 de Abril, realizou-se na Faculdade de Ciências Humanas (FCH) uma sessão de esclarecimentos para alunos interessados em realizar mestrado na FCH. No início da sessão, cada aluno recebeu um saco com as brochuras e os programas de mestrado. O Professor Doutor Nélson Ribeiro, Diretor da Faculdade, deu as boas vindas a todos os presentes e fez a sessão de abertura. Seguiu-se uma apresentação geral de todos os mestrados da Faculdade e dos 11 programas de 2º ciclo, divididos pelos 5 cursos: Psicologia, Comunicação Social, Línguas Estrangeiras e Aplicadas (LEA), Filosofia (regime B-learning) e Serviço Social. Dentro dos programas de Mestrado, podem encontrarse mestrados em Filosofia, Línguas Estrangeiras e Aplicadas, Tradução, Ciências da Comunicação, Serviço Social, Estudos de Cultura, Estudos Asiáticos, Ciências da Família, Ciências da Educação e Educação de Infância.

Os interessados tiveram a oportunidade de esclarecer as suas dúvidas e questões acerca do funcionamento de cada programa, bem como currículos, estágios, saídas profissionais, intercâmbios, métodos de admissão, entre outras questões no âmbito do ingresso e consequente progresso nos mestrados da FCH. Após a apresentação dos mestrados existentes e das alterações para o ano letivo 2016/2017, o responsável por cada área de mestrado juntou-se com o grupo de alunos interessados em inscrever-se no respetivo curso de 2º ciclo. Foi possível abordar as dúvidas e questões de forma mais detalhada e concreta. A primeira fase de inscrições para mestrados começou no dia 16 de Março e termina no dia 3 de Junho.

“Foi possível abordar as dúvidas e questões de forma mais detalhada e concreta.”

© Inês Carrão via Facebook FCH, UCP

Joana Pires Roque


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Ex-alunos: Experiências Entrevista a Filipe Resende A paixão por determinada área de estudos não brota de todos da mesma forma. Uns descobrem-na ao longo do curso ou com a entrada na profissão. Outros carregam-na no tempo desde muito cedo. Filipe Resende enquadra-se na segunda situação. “Sempre quis ser jornalista e trabalhar na área da comunicação”, começou por dizer o estudante da Faculdade de Ciências Humanas e agora docente. Filipe Resende tem 23 anos e, tal como previu, segue um caminho na área da comunicação. “No secundário escolhi a área de Humanidades. Fiz a Licenciatura na Católica em Comunicação Social e Cultural, na área de jornalismo. Quando acabei a minha Licenciatura, fiz o Mestrado em Comunicação Política na Católica. Neste momento, estou a fazer o meu doutoramento, também na área da comunicação”, explicou.

© Filipe Resende via Facebook

Depois de acabar a Licenciatura, em 2013, seguiu-se um leque de experiências profissionais em comunicação, nomeadamente como consultor júnior na empresa LPM. “Recebi uma proposta de uma empresa de Relações Públicas. Estive a fazer gestão de clientes importantes, como o F.C. Porto e, também, gestão na parte online”. Em 2014, o percurso de Filipe Resende na Faculdade de Ciências Humanas ramificou-se. “Ganhei uma bolsa de investigação aqui na Católica, em Junho de 2014. Estive com a bolsa no Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, a trabalhar com o Professor Nélson Ribeiro e a fazer o mestrado simultaneamente. Fui, também, consultor na RTP num projecto ligado à Católica e estive a colaborar com a Doutora Inês Romba no Gabinete de Marketing”, expôs o mais recente assistente/monitor da cadeira de Comunicação Radiofónica. Questionado sobre as projecções para o seu futuro, Filipe Resende mostrou-se preciso na resposta: “Eu quero trabalhar na área académica. Quando acabar o doutoramento, quero fazer investigação e produção científica”, continuou, aludindo a uma possível carreira internacional. “Eu gostava de fazer um pósdoc ou investigação durante um semestre numa universidade estrangeira em Oxford ou em Londres, na área puramente política.

Vamos, agora, recuar alguns anos até ao momento da criação do jornal da Faculdade de Ciências Humanas. “Criei o jornal em Setembro de 2012. Na altura, não havia jornal, mas sim uma espécie de folhetim, que só saía de vez em quando. O Director era o Presidente da Associação de Estudantes e fui convidado para integrar o gabinete do jornal”. E surgiu, assim, a publicação que deu lugar ao actual “Pontivírgula”. “Criei o jornal “O Académico”. Acabei por fazer uma coisa inovadora. Uma nova identidade, no fundo. Queríamos fazer um jornal independente, que tivesse regularidade e estivesse disponível para todos os alunos. Nós tínhamos uma posição muito crítica em relação à Associação de Estudantes e dissemos logo que tinha de haver uma separação. Não havia dinheiro para imprimir jornais. Percebemos que o caminho do digital era o mais certo e acabámos por fazer um jornal digital. A minha ideia era fazer uma coisa que desse prazer aos alunos de ler. Foi uma aventura fantástica. É importante para qualquer faculdade, principalmente para alunos de jornalismo. Recebemos muito apoio da faculdade”, explicou. “É um jornal que continua a manter o seu estilo, mas que muda muito consoante a direcção. É um bom jornal, que continua a fazer o seu papel contributivo na faculdade. É preciso é produção criativa, acima de tudo, e que os alunos façam”, admitiu Filipe Resende, sobre o actual jornal.

“«É um bom jornal, que continua a fazer o seu papel contributivo na faculdade».” A entrevista prosseguiu para o tema dos desafios que o jornalismo enfrenta. “Estou a fazer um estudo sobre a imprensa escrita e, em alguns livros, dizem que o papel não vai acabar; há outros que dizem que vai acabar. Eu acho que a imprensa não vai acabar, vai simplesmente mudar o seu formato e reinventar-se. Acredito muito no digital. Acho que é preocupante a mudança da qualidade do jornalismo. Os jornais de referência estão a mudar o seu estilo editorial. As fronteiras do jornalismo estão a modificar-se. Acho que as Relações Públicas estão a ganhar muita influência no jornalismo e basta um bom assessor de imprensa para convencer um jornalista a produzir determinada notícia. Isso não é saudável para a democracia”. Filipe Resende não partilha da opinião de que o jornalismo português é mau. “É uma generalização. Há jornais maus, mas existe bom jornalismo em Portugal. O nosso jornalismo, a nível do online, é um dos que está mais evoluído na europa”, finalizou Filipe Resende, numa entrevista concedida ao Pontivírgula. Inês Amado *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Professor Gaspare Trapani sugere... É muito difícil conseguir produzir um “top 3” dos gostos e das preferências culturais, dada a vastidão de significados que o termo “cultura” implica e as infinitas possibilidades que esta nos oferece através das mais variadas expressões. Por conseguinte, limitarei a lista das minhas “preferências” aos dois países que mais contribuíram para a minha formação e para a minha vida quotidiana: Itália e Portugal.

Filmes: - LA TERRA TREMA de Luchino Visconti. É provavelmente um dos filmes menos conhecidos do realizador milanês e, apesar de ter ganho o Prémio da Realização no Festival de Veneza, foi um insucesso comercial. O filme, a preto e branco, rodado a partir de um dos mais significativos romances de Giovanni Verga, o mais importante escritor realista italiano do século XIX, é, na minha opinião, a melhor síntese do Neorealismo cinematográfico italiano. Para garantir o melhor efeito do real, a língua usada é o dialecto siciliano e os actores são os mesmos pescadores da aldeia siciliana onde a história se desenvolve.

© Gaspare Trapani via Facebook

- AFIRMA PEREIRA de Roberto Faenza. É um filme realizado a partir das mesma obra de António Tabucchi, o escritor que mais contribuiu a difundir a cultura portuguesa em Itália. O filme, ambientado no Portugal de 1938, oferece, para além das belíssimas imagens de Lisboa e da banda sonora do recém Prémio Oscar Ennio Morricone (que escreveu para este filme, propositadamente para Dulce Pontes, o tema A Brisa do Coração), uma das últimas interpretações de Marcello Mastroianni, talvez o melhor actor italiano. © Wiki Commons

© IMDB

- MINHA MÃE de Nanni Moretti. Nanni Moretti é um dos realizadores contemporâneos italianos mais conhecidos em Itália e fora de Itália. Realizou filmes de várias tipologias, quase todos imperdíveis, com um olhar atento sobre a situação política italiana. Este é o seu último filme que apresentou pessoalmente no Estoril & Lisbon Film Festival e que se debruça sobre a relação com a mãe. A maior capacidade de Moretti é proporcionar grandes momentos de comédia, se bem que numa história extremamente comovente e tocante.

Música: - THE BEST OF THE BEAST de Rettore. Rettore é uma cantora italiana que, nos anos 80, trouxe para Itália novas sonoridades no âmbito do rock, punk e ska, rompendo com o que a música melódica italiana tradicional proporcionava na altura. É autora das letras das suas músicas – letras que muitas vezes se apresentavam provocatórias e que me acompanharam na minha adolescência, estimulando aquela parte mais rebelde que em cada adolescente reside.


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O Professor Gaspare Trapani sugere... - NABUCCO de Giuseppe Verdi. Para qualquer italiano (e não só) Giuseppe Verdi é um ponto de referência. Nabucco é a terceira ópera do Mestre italiano, aquela que marcou o seu primeiro grande sucesso. A ópera contém “Va, pensiero”, também conhecido como o “Coro dos Escravos Hebreus”, particularmente significativo para os italianos porque, segundo alguns estudiosos, pretendia ser um hino para os patriotas italianos, que procuravam unificar o país e libertá-lo do controlo estrangeiro. - A UNA TERRA CHE AMO de Amália Rodrigues. É um álbum que a grande Amália gravou e dedicou a Itália. Todas as músicas pertencem ao folclore regional italiano. As canções são quase todos de autores anônimos e de épocas distantes: alguns até mesmo do século XV. Acho extraordinário que Amália consiga cantar, com magnifica intensidade, não só em italiano, mas em todos os mais diversos dialectos italianos. © Lilly’s Lifestyle

- O LIVRO DO DESASOSSEGO de Bernardo Soares (Fernando Pessoa). Acho que existe uma grande relação entre Pessoa e Pirandello. Bernardo Soares reúne, numa desordenada e fragmentada narração (como, de resto, é a vida humana), uma espécie de “miscelânea” em que, de modo trágico, irónico, profundo e inquieto, reflecte sobre a vida, a morte e a alma, mas também sobre as suas memórias mais íntimas e sobre a passagem do tempo, as cores e as emoções que ele olha ao redor e dentro de si mesmo. © RTP

Livros: - UM, NINGUÉM E CEM MIL de Luigi Pirandello. Prémio Nobel em 1934, Pirandello transpôs para esta narrativa muitos dos processos dramáticos que fizeram dele um dos grandes dramaturgos do nosso século. Aqui ele desenvolve o drama da personalidade: quem sou eu? e como sou visto pelos outros? Um monólogo de grande intensidade dramática que, não desistindo de momentos de intenso humorismo, revela a grandeza deste autor.

“Um monólogo de grande intensidade dramática que, não desistindo de momentos de intenso humorismo, revela a grandeza deste autor.” - CRISTO PAROU EM EBOLI de Carlo Levi. Reúne as memórias do autor, um médico e um escritor, exilado pelo seu antifascismo, em 1935, numa remota aldeia italiana. Proibido de exercer qualquer actividade, incluindo a prática da medicina, ele descobre o mundo camponês e, através desta descoberta, alcança uma nova maturidade interior. Gaspare Trapani *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Pedido de demissão do chefe do Estado-Maior do Exército

© Observador

Após a publicação de uma reportagem polémica acerca do Colégio Militar pelo jornal online Observador, o chefe do Estado-Maior do Exército, General Carlos Jerónimo, apresentou o pedido de demissão, que foi logo aceite pelo Presidente da República. Dias mais tarde, após a demissão, levantou-se a suspeita, tal como foi avançado pelo Correio da Manhã, de que o vice-chefe do Estado-Maior do Exército, António Pereira Agostinho, que ocupa neste momento o cargo de chefe do Estado-Maior do Exército em substituição do General Carlos Jerónimo, tenha também pedido demissão. No entanto, o vicechefe mantém-se em funções: uma fonte oficial do Exército garantiu ao Observador que a notícia (da demissão) terá sido baseada em especulações “às quais o Exército é alheio”, refere. Em busca de esclarecimento, o Observador questionou o Ministério da Defesa sobre eventuais consequências das declarações feitas pelo subdirector Tenente Coronel António José Grilo sobre a homossexualidade no Colégio Militar. A fonte do Observador referiu não ter “conhecimento que tenha sido desencadeado algum procedimento relativamente ao Colégio Militar”. Entretanto, em comunicado, o gabinete do Ministro da Defesa, Azeredo Lopes afirmou que “foram iniciados pelo Governo os procedimentos adequados com vista à nomeação de um novo chefe do Estado Maior do Exército”.

A notícia soube-se dias após a publicação de uma reportagem polémica acerca do Colégio Militar, realizada pelo Observador. O Colégio Militar (CM) recebeu meninas este ano lectivo, após mais de 200 anos. Aquilo que ao início poderia parecer um grande choque, após tantos anos, acabou por se tornar num hábito: os rapazes e as raparigas convivem amigavelmente dentro do colégio, independentemente das diferenças que possam existir entre os dois géneros e os seus hábitos. A fusão de alunos de sexos diferentes dentro da mesma escola militar surgiu em consequência do encerramento do Instituto de Odivelas (IO), uma vez que o custo por aluno numa escola militar seria muito superior aos custos de uma escola pública. O Colégio Militar ficou agora com 689 alunos, dos quais 423 são rapazes e 266 são raparigas. De entre o total de alunos, 100 raparigas e 275 rapazes são internos. A diferença fez-se sentir até mesmo da parte dos professores: o comportamento que estes mantinham com as alunas não era tão rígido inicialmente, uma vez que elas ainda se estavam a habituar às regras da nova escola. Mas rapidamente se habituaram, após mais de dois séculos a viverem na exclusividade de género, tanto eles como elas.

“(...) «Não expulsamos ninguém por ser homossexual»”


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Pedido de demissão do chefe do Estado-Maior do Exército

© Michael M. Matias, Observador

O primeiro ano com raparigas, depois de 211, foi um período de grande transição de regras, comportamentos, pensamentos e mentalidades. Ao início havia uma certa distância entre alunos e alunas, por haver formas de pensar diferentes mas, ao longo do tempo, foram convivendo, dizem alguns alunos entrevistados pelo Observador. No entanto, as relações entre rapazes e raparigas mantêm-se no lugar certo: dentro do Colégio Militar só há espaço para a amizade. Seja no interior do colégio ou fardados no exterior, os alunos devem respeitar as regras. O tempo de estarem juntos como namorados é ao fimde-semana, segundo diz o Regulamento Interno/ Guia do Aluno do CM. Dentro do colégio, um rapaz e uma rapariga podem conversar como dois amigos, mas beijinhos e abraços apertados só no exterior e vestidos à civil, referiu um aluno que se apaixonou por uma colega. Apesar de se ter tornado num colégio misto, as áreas exclusivas a cada género são bem delineadas. Os internatos são mesmo ao lado um do outro, mas há sempre alguém responsável por controlar as movimentações e há câmaras de vigilância nos corredores. A entrada das raparigas no Colégio Militar pode ser recente, mas os casos de roubo e as drogas não são novidade e têm as suas respectivas punições. Por exemplo, em caso de furto ou de droga, procede-se de imediato à transferência de escola.

Por outro lado, há a questão da homossexualidade. Entre colegas pode não ser aceitável, mas admite-se que possa acontecer, uma vez que são muitos dias seguidos de convivência permanente com pessoas do mesmo sexo. No entanto, “não seria nada fácil para um homossexual”, disse um aluno. O director do colégio refere que estas questões devem ser tratadas com algum cuidado, contudo antigamente encadeava uma expulsão directa. Mas agora refere: “Não expulsamos ninguém por ser homossexual”. Já o subdirector Tenente Coronel António José Grilo refere, um pouco hesitante, que a homossexualidade é aceite legalmente, mas que internamente as relações entre os alunos do colégio devem ser apenas de amizade, de modo a salvaguardar o espírito de irmãos em que vivem. No caso de haver relacionamentos afectivos, a direcção comunica aos encarregados de educação que “o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se verifica. São excluídos”, garante o responsável. Num ambiente de externato a situação pode ser gerível. No entanto, num ambiente de internato, torna-se muito difícil, uma vez que afecta a convivência total desse aluno, sendo que a informação no colégio difunde-se muito rapidamente: “passado uma hora, 600 sabem e 600 estão a comentar. É complicado“, comenta o subdirector. Mariana Pereira Martins *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Miguel Honrado, o novo secretário de Estado da Cultura Miguel Honrado é o novo secretário de Estado da Cultura. O antigo presidente do conselho de administração do Teatro D. Maria II tomou posse no dia 14 de Abril, juntamente com o novo Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.

“Numa altura em que a cultura em Portugal é tida como secundária e em que muitos dos nossos jovens não veem a sua relevância, o trabalho de Miguel Honrado será desafiante.” Quem é o novo secretário de estado? Miguel Honrado, de 50 anos, é gestor cultural desde 1989. É licenciado em História, pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Posteriormente, fez uma pós-graduação em Curadoria e Organização de Exposições, na Fundação Calouste Gulbenkian. Participa no Festival Europália, nas programações da Exposição Universal de Sevilha 92, na Exposição de Lisboa Capital Europeia 94 e na Exposição Mundial de Lisboa 98. Honrado tem uma ligação especial à dança, visto que um dos seus primeiros trabalhos de ressalte foi o de coordenador de equipa do Departamento de Dança do Instituto Português das Artes do Espetáculo, entre 1999 e 2002. Mais tarde, entre 2003 e 2006, foi diretor artístico do Teatro Viriato, em Viseu. Desde 2003 é professor convidado da Universidade Lusófona, sendo responsável pelo seminário de Políticas Culturais, no Mestrado em Gestão Cultural. Entre 2006 e 2012 foi, também, professor assistente da Escola Superior de Teatro e Cinema. De 2005 a 2007 foi Presidente do Conselho de Administração da Associação Sul Europeia para a Criação Contemporânea. Em 2007 é curador do evento “Jardim do Mundo” do projeto “O Estado do Mundo”, programado por António Pinto Ribeiro, na celebração do 50º aniversário da Gulbenkian. Também em 2007, chega à presidência da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa, onde se manteve durante sete anos. Há pouco mais de um ano, em Janeiro de 2015, Miguel Honrado aceitara o desafio de presidir o conselho de administração do Teatro D. Maria II. Desejava fazer o teatro crescer naquele que seria um “desafio muito interessante”.

Deste modo, encerram funções Isabel Botelho Leal, que Miguel Honrado sucede, e, com ela, João Soares, após a sua demissão do cargo de Ministro da Cultura. Esta demissão aconteceu na sequência de declarações no Facebook, onde João Soares prometia “salutares bofetadas” a dois colunistas do PÚBLICO, Augusto M. Seabra – por críticas à falta de ação política e ao “estilo de compadrio, prepotência e grosseria” do antigo Ministro - e Vasco Pulido Valente.

© Daniela Quintela, Global Imagens via DN

Numa altura em que a cultura em Portugal é tida como secundária e em que muitos dos nossos jovens não veem a sua relevância, o trabalho de Miguel Honrado será desafiante. Não se tratará apenas de gerir a cultura nacional, mas também torná-la relevante aos olhos de todos. Quanto a expectativas relativamente ao novo secretário de Estado da Cultura, o programador António Pinto Ribeiro declarou ao PÚBLICO que: “Se tiver condições, vai ser um excelente secretário de Estado. Está muito bem preparado, conhece muito bem todo o sector artístico e também o território. É um homem com mundo”. Andreia Monteiro *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Panama Papers - Comprar o segredo? Desvendemos o enredo. Criar offshores, fazer transacções, fugir aos impostos e comprar o segredo financeiro. Assim se resume, numa frase, o enredo do Panamá Papers, a investigação jornalística que colocou a nu os esquemas mundiais de corrupção, crime e património escondido. Os princípios do jornalismo de investigação dizem que, citando Pedro Santos Guerreiro, Director do Expresso, “descobrir é desencobrir”. Dizem ainda que, muitas vezes, uma boa história precisa que o jornalista siga o rasto do dinheiro – o conhecido “follow the money” – e dizem que uma boa investigação pode demorar bastante tempo. No Panamá Papers, todos estes processos foram seguidos e tivemos, durante mais de um ano, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) a desencobrir o rasto do dinheiro, com base numa fuga de documentos. Começou com o Offshore Leaks, nas Ilhas Virgens Britânicas, chegou o LuxLeaks, no Luxemburgo, veio o SwissLeaks, na Suiça, e agora voltamos a ter uma origem exótica noutra investigação financeira a nível mundial: o Panamá Papers. Tudo começou na fuga de mais de 11 milhões de documentos com informação fiscal, que chegou ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung, proveniente da firma de advogados Mossack Fonseca, sediada no Panamá. O jornal teve acesso aos documentos através de uma fonte confidencial e, por se tratarem de quase 2,6 terabytes de informação, pediu ao ICIJ para colaborar na investigação. A representação portuguesa neste consórcio é feita pelo Expresso e pela TVI. Mais de 370 jornalistas colaboraram na investigação dos negócios secretos dos clientes da Mossack Fonseca, sociedade de advogados que trabalhou, nos últimos anos, para criar empresas offshore e ajudar os clientes a gerir e transacionar património financeiro nos chamados “paraísos fiscais”. Os clientes, em nome próprio ou como grandes empresas, compravam à Mossack Fonseca o sigilo e privacidade dos registos financeiros das suas transacções. Entre os clientes mais conhecidos, destacam-se multimilionários, celebridades, desportistas, políticos, traficantes e entidades bancárias. Estes clientes viram revelada a sua identidade como fundadores de empresas offshore em paraísos fiscais. Entre os nomes envolvidos, destaca-se ainda a presença de alguns portugueses.

© Miguel Brito Cruz

Mas qual é a importância de ter uma empresa sediada num paraíso fiscal? Em traços gerais, um paraíso fiscal é uma zona onde existe pouco, ou nenhum, controlo na criação de empresas e total, ou quase total, sigilo bancário. Assim, os proprietários do dinheiro não só criam facilmente uma empresa onde podem “estacionar” o seu dinheiro, como têm garantida a protecção da sua identidade. A grande vantagem está no facto de, nestas zonas do globo, os impostos serem mais baixos, permitindo que o dinheiro aplicado nestas empresas seja tributado de forma mais suave. É importante perceber que com “dinheiro estacionado”apenas se refere o princípio de o dinheiro estar protegido e coberto, dado que uma das principais vantagens destas empresas é, precisamente, não estacionar o dinheiro, transaccionando verbas privadas de forma muito facilitada. Por fim, crème de la crème, é tudo feito com sigilo total, envolto numa espécie de “nuvem”. Na prática, pode dizer-se que a legislação destes países é “desenhada” para atrair quem quer esconder património.

“(...) um paraíso fiscal é uma zona onde existe pouco, ou nenhum, controlo na criação de empresas e total, ou quase total, sigilo bancário. Assim, os proprietários do dinheiro (...) criam facilmente uma empresa onde podem “estacionar“ o seu dinheiro (...)


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Panama Papers - Comprar o segredo? Desvendemos o enredo. Porque é que não se acaba com a existência de paraísos fiscais? Parece ser a solução mais óbvia e a pergunta que todos fazem. A resposta é simples: não existe interesse geral e unânime em terminar com os paraísos fiscais e, por extensão, com as offshores. Os países que aplicam tributações fiscais mais leves não têm interesse em mudar esse cenário, dado que beneficiam da entrada deste dinheiro no seu território (território geograficamente pequeno, em quase todos eles) e da criação massiva de empresas (ainda que a maioria não pretenda produzir riqueza no país). Pelo seu lado, os clientes, por maioria de razão, não terão interesse em deixar de beneficiar da existência dos paraísos fiscais e passarem a ter de pagar impostos mais altos no país onde recebem os seus rendimentos. Por fim, os bancos e entidades privadas que alicerçam a criação das empresas offshore beneficiam do pagamento feito pelos clientes, em troca do segredo da sua identidade.

© Ken Teegardin, Flickr

Neste contexto, são interessantes as declarações de Mark Pieth, Professor de criminologia e assessor de jornalistas envolvidos nesta investigação: “Aceitámos, durante muito tempo, a existência desses centros offshore. Todos criticavam, mas quando chegava a hora de fazer algo a respeito, todo o mundo tinha o seu próprio pequeno paraíso. Veja a França, com o Mónaco; a Suíça, com o Liechtenstein; a Grã-Bretanha com as Ilhas do Canal; a Holanda, com Aruba e os Estados Unidos, com Delaware” (…) “Ao ver quem tem essas contas, entende-se por que motivo os políticos não estiveram seriamente interessados em combatê-los” (os paraísos fiscais).

A dificuldade de provar a ilegalidade destas movimentações é outro dos principais entraves à investigação e penalização de quem esconde dinheiro nestas empresas. Para efeitos práticos, não existe nenhuma ilegalidade na criação de uma empresa num país onde a criação de empresas offshore é legal e onde é protegido o secretismo em torno dos dados bancários. Não existe ilegalidade em pedir a uma firma de advogados para ajudar a criar a empresa. Não existe ilegalidade em pedir à firma para gerir as finanças de clientes com rendimentos avultados. Não existe ilegalidade na actividade que a Mossack diz desenvolver – a “privacidade legal” – dado que a empresa alega nem sequer ter condições para contornar os mecanismos mundiais de controlo ao total anonimato na utilização de offshores como máquinas de evasão fiscal.

“Para efeitos práticos, não existe nenhuma ilegalidade na criação de uma empresa num país onde a criação de empresas offshore é legal e onde é protegido o secretismo em torno dos dados bancários.” A ilegalidade estará, essencialmente, na dimensão do anonimato. Haver a tal “nuvem” em torno dos dados dos clientes é, de facto, ilegal. A fronteira entre a “privacidade legal”, defendida pela Mossack, e a privacidade ilegal é ténue e é um ponto a explorar. O outro “buraco” a ser explorado será, sobretudo, o da possível ilegalidade das actividades colaterais dessas empresas. Algumas das empresas e, claro está, dos criadores, são apontadas como base de tráfico de droga, fuga ao fisco, espionagem, guerras e armamento, lavagem de dinheiro ou exploração de diamantes. Harald Hau, Director do Instituto de Pesquisa e Finanças da Universidade de Genebra, acrescenta: “Empresas de fachada obstruem a justiça em países emergentes. A real questão não é tanto se a estrutura é legal ou não. Isso é uma cortina de fumo. A questão é que actividades fraudulentas não podem ser levadas à justiça porque evidências importantes – ou seja, o rasto do dinheiro – estão ocultas”.


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Panama Papers - Comprar o segredo? Desvendemos o enredo.

© New Yorker

Seguindo a pista da ilegalidade, recorde-se a defesa da Mossack Fonseca: “A privacidade é um direito humano sagrado, mas existem pessoas neste mundo que não entendem isso. Nós acreditamos definitivamente na privacidade e vamos continuar a trabalhar para que a privacidade legal funcione”. Segundo Ramón Fonseca, um dos co-fundadores da firma, a empresa dedica-se a “criar estruturas legais que vendemos a intermediários, como bancos, advogados, contabilistas e fundos, que têm os seus próprios clientes finais, que nós desconhecemos”. Referindo-se à divulgação da identidade dos clientes: “Não compreendemos, o mundo está a aceitar que a vida privada deixou de ser um direito humano”. Por que motivo muitos dos envolvidos nunca chegam a entrar numa cela, ou sequer numa sala de interrogatório? Porque este tipo de actividade estabelece uma fronteira ténue, embora bem estudada, entre ser considerado oportunista e/ ou pouco ético e ser considerado criminoso. Como vimos, para ser considerado criminoso é preciso uma conjugação específica de factores e provas. O que o Panamá Papers mostra, numa análise superficial, é que muitas pessoas e instituições importantes têm comportamentos e estratégias pouco éticas, ou até obscuras, para “estacionar” os seus rendimentos. Pouco éticas, não necessariamente criminosas. No entanto, não desconsideremos esta “condenação” ética. No caso do primeiro-ministro islandês, que se demitiu após ver o seu nome envolvido neste escândalo, não existem provas de evasão fiscal, fuga ao fisco ou desonestidade fiscal. No entanto, ver o seu nome associado à Mossack Fonseca e à criação de offshores foi suficiente para lhe custar o cargo.

Vamos ao outro lado da moeda, a pressão dos governos. Os jornalistas que investigaram o Panamá Papers não revelaram toda a informação de que dispõem e todos os nomes envolvidos. O Ministério das Finanças e a Polícia Judiciária pediram aos jornalistas portugueses envolvidos na investigação que lhes facultassem os dados ainda não publicados. A resposta foi negativa, bem como a resposta do ICIJ ao mesmo pedido feito pelas principais instâncias europeias. Entre outros argumentos, os jornalistas defendem que não são o braço armado de nenhum Estado e que esta é uma investigação jornalística, feita por jornalistas. Aos jornalistas o que é do jornalismo, aos polícias o que é da polícia. Apesar da recusa dos jornalistas em fornecer toda a informação, a que já foi publicada chegou para fazer estragos. Muitos políticos e empresários viram mudar o seu estatuto e os seus cargos, quer por influência das investigações policiais, quer por demissão voluntária. Destacam-se a demissão do primeiroministro islandês, a polémica em torno da família de David Cameron e o envolvimento do filho de Hosni Mubarak, do Rei da Arábia Saudita, do Presidente dos Emirados Árabes Unidos, de pessoas próximas de Vladimir Putin, do Presidente argentino, do Chefe de Estado do Azerbaijão, de políticos ligados aos principais partidos brasileiros, do Presidente Chinês, de primos de Bashar al-Assad e do filho de Kofi Annan. Também personalidades como Lionel Messi, Jackie Chan, Pilar de Bourbon, Michel Platini, Strauss-Kahn e Pedro Almodôvar viram os seus nomes envolvidos.

“(...) é que muitas pessoas e instituições têm comportamentos e estratégias pouco éticas (...)”


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Panama Papers - Comprar o segredo? Desvendemos o enredo. Quanto aos portugueses, os nomes têm surgido aos poucos. A lista de portugueses envolvidos contém, alegadamente, mais de 240 pessoas. Começou com Idalécio Oliveira, empresário nortenho. Ao CEO do Grupo Lusitana, seguiram-se Ilídio Pinho, Luís Portela e Manuel Vilarinho, ex-presidente do Benfica. Mais tarde, surgiram os nomes de Ângelo Correia, exministro, de Pedro Queiroz Pereira, um dos homens mais ricos de Portugal e de membros da família Champalimaud. Também o nome de José Sócrates, segundo o jornal Expresso, aparece nos ficheiros. As declarações de defesa têm variado entre a passagem de responsabilidades, a negação e a garantia de transparência. Manuel Vilarinho refere que não escondeu nada: “Não tenho rabos-de-palha e sou um cidadão cumpridor. Já paguei tudo o que devia” (…) “Pois é claro que o meu nome aparece nos Papéis do Panamá. Eu sei que estou lá, sabe o Ministério Público, e sabe o país todo”. Já Ângelo Correia lança a hipótese de ter sido envolvido por terceiros: “Trabalhei para muita gente e pode ter sido que me tenham nomeado para essa empresa e eu tenha assinado”. Ilídio Pinho refutou as acusações de ter criado uma offshore no Panamá: “Não, de todo! Absolutamente zero!”. No caso do antigo primeiro-ministro, José Sócrates, a defesa refere que as suspeitas de o dinheiro envolvido na Operação Marquês (caso de corrupção e branqueamento de capitais) ter passado por offshores do Panamá são: “infundadas, abusivas e caluniosas”.

“A lista de portugueses envolvidos contém, alegadamente, mais de 240 pessoas” Uma das questões mais sensíveis que adveio desta investigação foi a alegada presença de jornalistas entre os nomes que surgiram da investigação à offshore conhecida como “saco azul do Grupo Espírito Santo” . O Sindicato de Jornalistas pediu ao Expresso que revelasse os nomes, “de forma a poder actuar em conformidade nos casos que, e se, vierem a ser provados”. O Sindicato identifica a credibilidade do jornalismo como a sua maior preocupação: “A credibilidade do jornalismo é fundamental em democracia e não podemos deixar que ela seja minada por suspeitas cuja existência ainda está por provar, nem permitir que toda uma classe fique sob suspeita. Saudando o jornalismo de investigação, o Sindicato dos Jornalistas apela a que o jornal Expresso aja com a responsabilidade que lhe compete”.

Já se conhece a resposta do semanário português envolvido na investigação. Como ponto fulcral, destaca-se a igualdade entre o jornalismo e qualquer outra profissão: “O critério editorial do Expresso em relação à existência de jornalistas na lista foi, é e será rigorosamente o mesmo usado em relação a todas as profissões referidas. Retirar qualquer uma delas seria fazer uma diferença de classe”. Também os princípios do jornalismo de investigação foram abordados na nota editorial publicada pelo Expresso: “ O critério foi, é e será sempre idêntico em relação à revelação de nomes: só quando o trabalho jornalístico de recolha de fontes, confirmação, contraditório e audição de partes atendíveis o permite publicamos nomes. De jornalistas ou de quaisquer outras pessoas”. Por fim, destaque-se uma frase-chave, porventura a mais agressiva desta resposta: “O Expresso não deixa que os seus critérios editoriais sejam alterados por pressões.”

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Dia 9 Maio, às 17 horas portuguesas, o ICIJ vai abrir ao público a base de dados com o resto das informações . Segundo o Expresso, a base de dados interactiva fará uma “divulgação cuidadosa de informação corporativa básica, que deve ser pública e transparente”, não havendo lugar à divulgação de “dados pessoais em massa, registos de contas bancárias e transações financeiras, mensagens de correio electrónico e outra correspondência, passaportes e números de telefone”. Espera-se a divulgação de mais nomes de pessoas e empresas, apesar de nos contornos da investigação não serem esperadas grandes novidades. Resta, agora, esperar pela acção dos governos e altas instâncias internacionais no combate à evasão fiscal, à corrupção, fuga ao fisco, lavagem de dinheiro e, sobretudo, à utilização livre e abusiva de offshores em paraísos fiscais. Diogo Oliveira *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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“Se gritar «Pega Ladrão», não fica um meu irmão“ A votação do impeachment de Dilma Rousseff parou o Brasil no dia 17 de Abril. As ruas brasileiras encheram-se de verde e amarelo, de um lado e de vermelho, do outro. E os ecrãs retiveram o olhar de todos, enquanto a Câmara dos Deputados votava o processo de destituição da Presidente. A votação teve início às 14h de Brasília [18h em Portugal] e prolongouse por mais de seis horas. E o que é isto do impeachment? É a aprovação da admissibilidade da destituição de qualquer chefe do poder executivo (seja ele Presidente da República, Governador ou Prefeito). Pode justificar um impeachment: o abuso de poder, crimes normais e crimes de responsabilidade – actos que atentam contra a Constituição Federal, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a probidade administrativa (a honestidade e o rigor na administração ou na função pública de acordo com as normas e a ética), o cumprimento das leis e das decisões judiciais, entre outros – assim como qualquer outro atentado ou violação à Constituição do Brasil.

“Houve quem votasse pelos pais, pelos filhos e pelos netos e até por aqueles que ainda não nasceram. Outros votaram pela paz em Jerusalém, por Deus, pelos maçons do Brasil, pelos correctores de seguros, pelo estado ou cidade de origem.” Eram necessários 342 votos, dos 513 deputados, para fazer avançar o processo de impugnação de Dilma. Foi o deputado Bruno Araújo, do Partido Social Democracia Brasileira (PSDB), que votou o “sim” decisivo. A sessão dirigida por Eduardo Cunha, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB-RJ), teve como resultado final: 367 votos a favor, 137 contra, 7 abstenções e 2 ausências. Mas não foi o número de deputados que mudaram de opinião (68) no Domingo o que mais marcou esta sessão, mas sim o espectáculo circense no qual se tornou a votação. Houve quem votasse pelos pais, pelos filhos e pelos netos e até por aqueles que ainda não nasceram. Outros votaram pela paz em Jerusalém, por Deus, pelos maçons do Brasil, pelos correctores de seguros, pelo estado ou cidade de origem. Alguns pronunciaram a frase “Tchau, querida”, que se lia em muitos cartazes de deputados pró-impeachment.

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Outros aproveitaram para chamar o presidente da Câmara e arguido na Operação Lava Jato, Eduardo Cunha, de gangster, “ladrão” e “corrupto”. Raquel Muniz (PSD) votou um dos “sim” mais polémicos. Deu, como exemplo de gestão, o marido, prefeito de uma cidade do Estado de Minas Gerais, que foi detido na manhã seguinte. Mas a polémica não parou por aqui: o deputado Jair Bolsonaro – que pelas suas convicções arrisco-me a intitulá-lo Donald Trump brasileiro – é conhecido por defender a ditadura militar, por considerar a tortura legítima, por ser machista e sexista, por se opor ao casamento entre homossexuais e à adopção por casais do mesmo sexo, por criticar a política indígena, por racismo, entre outras convicções polémicas. Bolsonaro terminou o seu discurso com uma citação do Coronel Ustra, o único militar brasileiro declarado torturador pela Justiça e responsável por 42 mortes e 502 torturas: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. Durante a entrevista colectiva com jornalistas estrangeiros, no passado dia 19, Dilma aproveitou para falar do que viveu: «Eu, de facto, fui presa nos anos 70. De facto, eu conheci bem esse senhor ao que ele se referiu. Foi um dos maiores torturadores do Brasil, contra ele recai não só a acusação de tortura, mas também de mortes, só ler os documentos da Comissão da Verdade. Lastimo que, nesse momento, o Brasil tenha dado espaço para esse tipo de ódio, situação de raiva de ódio de perseguição. E, veja você, em um processo como o nosso em que a democracia resulta de uma grande luta. É terrível você ver no julgamento alguém defendendo esse torturador. É lamentável.»


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“Se gritar «Pega Ladrão», não fica um meu irmão“ Acrescentou, referindo-se à oposição: “Isto não é um impeachment, mas eleição indirecta”. Mas a Presidente garante ter “força, ânimo e coragem” para não se deixar abater. Dilma promete que vai continuar a lutar, como fez “toda a vida”. Considera que por não terem conseguido assumir o poder através do voto [eleições de 2014], a única alternativa que lhes resta é o golpe de Estado.

“Actualmente, 273 deputados, dos 513 que constituem a Câmara, respondem a algum tipo de processo judicial. Ou seja, cerca de 53% são acusados de crimes eleitorais, corrupção e má gestão do dinheiro público.” Actualmente, 273 deputados, dos 513 que constituem a Câmara, respondem a algum tipo de processo judicial. Ou seja, cerca de 53% são acusados de crimes eleitorais, corrupção e má gestão do dinheiro público. Na lista dos partidos de deputados investigados, o PMDB lidera, seguido do Partido dos Trabalhadores (PT), depois o Partido Progressista (PP) e, por último, o PSDB. Tentem imaginar o que será governar um país com estes deputados. Agora, o processo segue para o Senado, que está apontado para o dia 11 de Maio. Do Senado, segue para julgamento, se metade dos 81 senadores der o seu “sim”. Antes do julgamento, a Presidente Dilma (PT) é suspensa por 6 meses e substituída por Michel Temer (PMDB-SP), Vice-Presidente. Se por algum motivo Temer também for afastado durante a primeira metade do mandato (até ao fim de 2016), são convocadas novas eleições e, enquanto isso, é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), quem substitui Dilma. No caso de este último também ser afastado, quem assume o poder é o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O sucessor da presidente desempenhará o cargo até ao fim do mandato, que termina em 2018. Esta não é a primeira vez que um Presidente da República do Brasil passa pelo processo do impeachment. Em 1992, Fernando Collor foi julgado no Senado, acusado de corrupção e de esquemas ilegais. Durante o seu governo, muitas empresas faliram, bens públicos foram leiloados e também muitas empresas públicas foram privatizadas. A gota de água foi quando Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou e comprovou um esquema de corrupção que envolvia Fernando Collor e o tesoureiro da sua campanha presidencial.

O país pousou os olhos na Câmara de Deputados que, a 29 de Setembro de 1992, aprovou o processo de destituição, com 441 votos a favor e 38 contra. Collor ainda tentou renunciar antes da decisão [para, desse modo, não sair tão prejudicado], mas foi deposto do seu cargo e destituído dos seus direitos políticos, sendo afastado da política por um período de 8 anos. Mas curioso: hoje ele é senador. No entanto, o caso de Dilma é um pouco diferente do de Collor. Porquê? Numa reportagem do The New York Times, considera-se que o processo de impeachment da Presidente está a ser liderado por políticos que estão envolvidos em casos de corrupção, fraude eleitoral e de abusos dos direitos humanos, “o que revela a hipocrisia entre os líderes brasileiros no debate nacional”. Os membros apoiantes de Dilma alegam que não se justifica o requerimento do impeachment e que se houver impeachment, esse representará um grave atentado contra a Democracia e a Constituição Brasileira de 1988. Apesar de os deputados terem mencionado várias vezes a palavra “corrupção”, não é esse tipo de acusação que a Presidente do Brasil enfrenta. De facto, Dilma é acusada por Desvinculação de Receitas da União (DRU) ou Pedaladas Fiscais, ou seja, é acusada de usar dinheiro dos gigantescos bancos públicos, para cobrir lacunas no Orçamento, o que danifica a credibilidade económica do país. Os recursos obtidos com a desvinculação ajudam o Governo Federal a atingir a meta de superavit. A DRU permite ao governo usar livremente 20% de todos os impostos e contribuições sociais e económicas federais. A Pedalada Fiscal é uma prática ilegal contra a Lei de Responsabilidade Fiscal que regulamenta todas as movimentações de finanças feitas por entidades federais, estaduais e municipais. Dilma é acusada de ter feito despesas, sem que o Congresso as autorizasse, como manda a lei. A visão parece estar turva porque é difícil enxergar onde poderá estar a verdade, mas no meio de tanta “ficha suja”, não será exagerada a forma como Dilma Rousseff tem sido enxovalhada? É caso para dizer: Quem tem telhados de vidro, não atira pedras ao do vizinho. Se alguém as atirar e no dia seguinte tiver a polícia à porta, lembre-se do casal Muniz. Os brasileiros temem o futuro do seu país. Não há maneira de entender quem poderá governar. Gabriela Moura *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Louco que Escreveu Sobre a Loucura Mário de Sá-Carneiro morreu há 100 anos. À falta de uma Casa própria, foi acolhido na Casa Fernando Pessoa, no passado 26 de Abril, para a celebração do centenário da sua morte. O evento foi marcado pela declamação de alguns poemas e pela presença do professor Ricardo Vasconcelos, que, recentemente, juntamente com Jeronimo Pizarro, organizou uma nova edição da correspondência entre os dois poetas (Em Ouro e Alma, 2015). Assim parece ter sido, também, ao longo da sua efémera vida: Sá-Carneiro nunca teve, verdadeiramente, uma casa (no sentido físico e metafísico do termo).

“À falta de uma Casa própria, foi acolhido na Casa Fernando Pessoa, no passado 26 de Abril, para a celebração do centenário da sua morte.” Nascido a 19 de Maio de 1890, em Lisboa, prole de uma família burguesa, ficou órfão de mãe aos dois anos — vítima de uma epidemia de febre tifóide. A morte prematura da mãe foi, provavelmente, o primeiro marco lúgubre da sua vida. Assim, entregue ao cuidado dos avós, foi viver para a Quinta da Vitória, onde passou grande parte da infância e começou a escrever poesia e pequenas peças de teatro, que distribuía pelas criadas da mansão. Em 1900 deixa a Quinta e ingressa no antigo Liceu do Carmo. Quatro anos depois, lança O Chinó, um “jornal académico com pretensões a humorístico”, que foi mandado retirar pelo pai, por ser demasiado alusivo a alguns professores do Liceu. Em 1910, em parceria com Tomás Cabreira Júnior, escreve a peça de teatro Amizade. No ano seguinte, Cabreira suicida-se, a 9 de Janeiro. O suicídio do amigo afectou-o profundamente e, alguns meses depois, escreveu o poema A Um Suicida, em sua memória. Terminou a escola nesse ano e matriculouse na Faculdade de Direito de Coimbra, mas não chegou sequer a completar o primeiro ano. Antes de partir para Paris, em 1912, conheceu Fernando Pessoa — naquela altura crítico literário. Nos restantes quatro anos da sua vida, passados entre Paris e Lisboa, Pessoa terá sido o seu amigo mais íntimo, apesar da distância geográfica. Iniciou, assim, um dos mais importantes diálogos epistolares da literatura portuguesa, quer pela própria qualidade da escrita, quer pelo seu contributo para a obra de Sá-Carneiro, para os heterónimos pessoanos (Álvaro de Campos) e para a revista Orpheu (publicada pela primeira vez em 1915).

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Nas cartas, Pessoa e Sá-Carneiro partilhavam experiências diárias, trocavam opiniões sobre movimentos artísticos da vanguarda (como o Cubismo ou o Futurismo), discutiam o Paulismo, o Interseccionismo, o Sensacionismo — movimentos literários modernistas, criados por Pessoa, que influenciaram, em parte, a obra de ambos —, trocavam frequentemente poemas e eram críticos das criações um do outro; entre outros temas recorrentes. São nítidas algumas semelhanças ideológicas entre os dois em obras como Loucura, de Sá-Carneiro, e alguns contos de Alexander Search — heterónimo de Pessoa. A certo ponto, a loucura foi entendida por ambos como inerente à genialidade. Citando Sá-Carneiro: «Que a loucura, no fundo, é como tantas outras, uma questão de maioria. (…) um número reduzido de indivíduos vê os objectos com outros olhos, chamalhes outros nomes, pensa de maneira diferente, encara a vida de modo diverso. Como estão em minoria… são doidos…» (Loucura, 1912). O facto de terem sido considerados malucos e paranóicos por parte da imprensa da época e por psiquiatras (como é exemplo Júlio de Matos), aquando da publicação da revista Orpheu, possivelmente contribuiu para a presença tão íntima do tema da loucura na escrita de ambos.


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O Louco que Escreveu Sobre a Loucura

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Por estar visivelmente a denegrir a imagem do filho e dos restantes membros do grupo, o pai de SáCarneiro interrompeu o financiamento da Orpheu e, assim, terminou um grande marco na literatura portuguesa do século XX. A 11 de Julho de 1915, partiu definitivamente para Paris, onde permaneceu até à data da sua morte, no ano seguinte. O dinheiro começou a escassear, mas foi mantendo-se por Paris, frequentado cafés, passeando por bulevares, levando uma vida boémia e escrevendo, sempre. A troca de correspondência com Pessoa era constante. Às oito da noite de 26 de Abril de 1916, suicidou-se no seu quarto, no Hotel de Nice, tomando cinco frascos de arsénio de estricnina. Assim, tão rapidamente, se despediu de uma vida que lhe escapara a correr. No próprio dia, escreveu um último bilhete ao seu eterno amigo, no qual dizia: «Um grande, grande adeus do seu pobre Mário de Sá-Carneiro». Pessoa respondeu depois: «Mário de Sá-Carneiro não tem biografia, só génio.»

Fim Quando eu morrer batam em latas, Rompam aos saltos e aos pinotes, Façam estalar no ar chicotes, Chamem palhaços e acrobatas! Que o meu caixão vá sobre um burro Ajaezado à andaluza... A um morto nada se recusa, E eu quero por força ir de burro!

Mário de Sá Carneiro, Paris, 1916. Francisco Cambim *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Portugal Olímpico em marcha Já se começa a ouvir o samba brasileiro. A cada dia que passa, estamos mais perto do início de mais uma edição dos Jogos Olímpicos, competição que a cada quatro anos entusiasma todos os amantes de desporto, por todo o mundo. Por esta altura, muitos atletas garantem as últimas vagas para o Rio de Janeiro e os portugueses não são exceção. Neste momento, são já 64 os atletas apurados para, em agosto, irem defender as cores nacionais a terras de Vera Cruz. O número é bastante interessante, principalmente se tivermos em conta que, muito provavelmente, irá ultrapassar o das últimas olimpíadas (76). O facto de o futebol reintegrar as modalidades pelas quais os desportistas lusos irão estar a competir por uma medalha, ajuda a estas contas, pois são logo mais dezoito atletas do que em Londres‘2012.

“(...) são já 64 os atletas apurados para, em agosto, irem defender as cores nacionais a terras de Vera Cruz.” E por falar em futebol, já se sabe as seleções que os escolhidos por Rui Jorge terão de enfrentar na fase de grupos. O sorteio não foi propriamente simpático para a seleção nacional, mas não retira qualquer ambição à formação lusa. A estreia é com a Argentina (que até talvez seja o adversário mais “assustador” deste grupo D), seguindo-se jogos com as Honduras e a Argélia. Também o atletismo tem já 18 atletas com mínimos garantidos, embora este grupo possa ainda ser alargado até 11 de julho, data em que fecha a qualificação. De lamentar o facto de não haver representantes portugueses na esgrima. No entanto, o râguebi, na variante de sevens, estrear-se-á nos Jogos Olímpicos e a seleção feminina poderá ainda seguir o mesmo caminho. As aspirações lusitanas em ver um atleta do nosso país conquistar uma medalha são perfeitamente legítimas. Portugal tem boas hipóteses de trazer recordações físicas para casa, estando grande parte das esperanças depositadas em Telma Monteiro, Nélson Évora e na equipa de futebol. A judoca lusa, número 6 do ranking mundial, parece decidida em sair do Rio com o título de campeã olímpica, juntando-o, assim, ao título de campeã da Europa (por cinco vezes em 2006, 2007, 2009, 2012, 2014) e de vice-campeã mundial (por quatro vezes em 2007,2009, 2010 e 2014).

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Nélson Évora, por sua vez, tentará repetir o feito de Pequim’ 2008, onde conquistou a quarta medalha de ouro da história para Portugal. Só Carlos Lopes (Los Angeles’ 1984), Rosa Mota (Seul’ 1988) e Fernanda Ribeiro (Atlanta’ 1996) igualaram tal feito e o atleta de triplo salto procurará tornar-se o primeiro português a conquistar por duas vezes a medalha mais ambicionada. No que ao futebol diz respeito, as esperanças são muitas, muito devido ao grande campeonato da europa de sub-21, realizado em 2015, onde a equipa das quinas perdeu na final, no desempate por pontapés da marca de grande penalidade, frente à Suécia. A convocatória não deverá ser muito diferente, havendo, provavelmente, uma ou outra alteração. O bom trabalho feito na formação de jogadores realizado nos últimos anos deixa antever boas perspectivas para a nossa selecção. São ainda muitas as modalidades com lugares por preencher e certamente (esperamos nós) veremos muitos portugueses a ocupar essas vagas. Os próximos dias serão frenéticos, com as disputas bastante acesas e os atletas a darem tudo nas competições que restam, para não perderem a hipótese de estar no torneio mais bonito e com mais história do mundo. Tiago Sardo


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PRINCE: Chora-se a Morte do Artista Todos temos heróis de infância; desde jogadores de futebol, heróis de banda desenhada, os nossos pais ou aquele actor de Hollywood. Hoje a ideia de herói é mais volátil, como tudo o resto na vida dos jovens tudo é um breve momento auxiliado pelas novas tecnologias e termina, invariavelmente, nas redes sociais.

«This is what is sounds like when doves cry», When Doves Cry (1984) A 21 de abril de 2016 morreu um dos meus heróis de infância, herói de uma vida. Com uma vida repleta de sonhos concretizados e momentos espectaculares Prince foi um artista único e, claro, a isso junta-se uma atitude enigmática e rebelde que incluía amar os primórdios da Internet e odiar o que ela se tinha transformado, implicando retirar todos os vídeos do YouTube. O artista de Minnesota esteve sempre um passo à frente de todos distinguindo o panorama musical com a sua música e a sua figura franzina mas marcante, diferenciando-se de tantos outros com os seus imensos visuais andróginos, fortemente destacados pela sua exuberância e concepção do mundo.

«Pop life everybody needs a thrill»,

Pop

Life (1985) Prince foi um artista repleto de sexualidade e teatralidade que viria a marcar para sempre a sua geração e todas as outras que se seguiram. Deixou o seu cunho na cultura e história da música com a sua amplitude musical e a sua capacidade de se reinventar a cada trabalho, com um pensamento criativo e avantgarde. Ao longo de quase 40 anos de carreira, Prince Roger Nelson explorou todos os géneros: do funk ao hiphop, passando do rock n’ roll, ao pop até às clássicas baladas, com 39 trabalhos de estúdio e mais de 100 singles, vendendo acima de 100 milhões de discos. Nos dias de hoje, andava de braço dado com o projecto 3rdEyeGirl com Hannah Welton (bateria), Donna Grantis (guitarra) e Ida Kristen Nielson (baixo), lançando Plectrumelectrum em 2014. Um ano antes, a 15 de agosto, daria um concerto relâmpago e absolutamente esgotado com pré-aviso de 3 dias no mítico Coliseu dos Recreios, em Lisboa, ao qual tive a honra de assistir e garanto-vos foi o melhor concerto de toda a minha vida.

© Kagan McLeod, National Post

«One night won’t make us feel ‘cause we know how this movie’s ending», Cinnamon

Girl (2004) Com o Prince morreu a ideia de lenda, do artista com décadas de êxitos e rebeldia de bradar aos céus. The Artist Formerly Known as Prince foi a última concretização por trás do imaginário da cultura pop: um ícone de moda, alguém que se tornou numa inspiração para outros artistas e um génio digno desse nome. Viveu sempre longe dos holofotes, onde a fama era vista como uma mera consequência de alguém que vivia para a música e encarnava uma figura forte de inovação e respeito pela diferença onde conceitos de Identidade de Género e Androginia eram naturais porque Prince foi tudo, quebrou barreiras e deu oportunidades a jovens de gerações futuras porque, acima de tudo, não se vendeu à indústria. Morreu o meu último herói musical e com ele morreu a ideia romântica da subsistência da cultura pop. Mas nada temam; Prince deixou-nos um legado tão grande e um cofre com música que permite o lançamento de um disco novo todos os anos durante um século – porque o imaginário do Prince não findava em si, nem a música era uma consequência natural deste alguém genial, eram apenas um só. Patrícia Fernandes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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Eu não me lembro do 25 de Abril Eu não me lembro do dia 25 de Abril de 1974. Não me lembro, aliás, porque eu não existia nessa altura, estava ainda para nascer e, felizmente, crescer num país tão diferente. Eu tenho vinte anos e nasci num país onde a democracia e a liberdade são características inatas ao meu país. Hoje, em pleno ano de 2016, já não seria possível vivermos sem este sentido de liberdade que preenche todos os indivíduos. Mas há quarenta e dois anos, quando os meus avós eram jovens adultos e a minha mãe uma pequena flor, Portugal era um país anacrónico. Era rara a família que não tinha alguém a combater em África e o serviço militar durava quatro longos e duros anos. A expressão pública de opiniões contra o regime e contra a guerra era severamente reprimida e censurada pelos aparelhos do Estado e os partidos e movimentos políticos eram proibidos e afastados. As prisões políticas estavam tão cheias de homens revolucionários e activos, que a verdade parecia estar farta de si mesma. Os líderes oposicionistas, logicamente, estavam exilados e os sindicatos eram fortemente controlados. Portugal era pobre económica e espiritualmente, porque embora se falasse muito da “política do espírito”, de António Ferro, os espíritos estavam silenciosos, revoltados, tristes e pobres. Os meninos que iam para a escola sentiam nos pés a terra fria e molhada, e na boca sentiam fome. A reflexão que trago hoje é mais do que uma opinião, é o refletir de um dos períodos mais controversos e estranhamente calmos de Portugal – o período do Estado Novo, o período do corporativismo e conservadorismo de Salazar. Não, Salazar não era fascista; era em si mesmo um contrário às políticas de Hitler ou Mussolini. Era um homem ambicioso e completamente adverso às ideias socialistas, de liberdade social. E o povo, esse tal núcleo de pessoas tão pequeninas, não discutia a pátria e a sua história, Deus e a virtude, a família ou a autoridade; não discutia porque lhe era impossível pôr em causa o rumo do país. Nós vivíamos num regime de cariz marcadamente ditatorial, persecutório, prepotente e marcadamente arrogante. Havia nos olhos dos ditadores uma arrogância típica de quem tem o poder. A vida deplorável e a pobreza constante, o analfabetismo, o trabalho infantil, a falta de direitos, a repressão brutal, a prisão injustificada e a tortura daqueles que se negavam a compactuar com o regime – tudo isto parece já tão distante no tempo e no espaço, como uma vaga memória.

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O meu avô, velho e já farto de viver, diz-me, muitas vezes, que a Revolução dos Cravos foi um abrir de portas e um brilhantemente bem executado golpe de Estado. Viveu tudo aquilo com a maior intensidade e revolta, calor e esperança. O meu avô lembra-se de ver Marcelo Caetano, no final de tarde do dia 25, a render-se e a entregar o poder ao general Spínola. O meu avô lembra-se de votar pela primeira vez, em liberdade, em 1975, um ano depois da revolução, e sentir aquilo que só quem é livre sente. O meu avô tem também em sua posse revistas e jornais que cobriram entusiasticamente os acontecimentos do 25 de Abril. “As forças armadas tomaram o poder”, dizia o jornal República; “Golpe Militar”, destacava A Capital. Mas também no estrangeiro a revolução portuguesa fez manchete na imprensa: “Revolução asseada” ou “Cavalheiresco golpe de estado” foram alguns dos títulos. E o 25 de Abril foi mesmo isto: uma guerra limpa, sem sangue, sem dor, elogiada por todos. Mas eu não me lembro disto. Não me lembro de ouvir os discursos de Salazar, nem de sentir no meu pé descalço o frio do chão. Não me lembro da polícia política, da revolta ou do silêncio. Não me lembro dos militares, da conspiração ou da emoção indisfarçável que alegrou os corações quentes. Mas é por não me lembrar do dia 25 de Abril que sei que é uma data a não esquecer e, aliás, a comemorar. Neste mês de Abril, comemoramos, todos juntos, quarenta e dois anos de liberdade – e que bom que é relembrar sempre o que fomos e o que somos, neste nosso tão vivo Portugal. Ana Silvestre *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

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A Crueldade de Abril “Volta a rescender a floresta. Ao voar, as cotovias erguem consigo o céu, que nos pesava nos ombros; apenas se via ainda o dia entre os ramos, como estava vazio. Mas após longas, chuvosas tardes, chegam as novas horas sobredouradas de sol diante das quais, ao fugir em longínquas fachadas todas as janelas feridas batem temerosas suas portadas. Depois faz-se silêncio. Até a chuva escorre mais mansamente sobre o escuro brilho das pedras. Todos os ruídos se ocultam nos refulgentes botões dos rebentos.” - Rainer Maria Rilke, “De um Abril” in O Livro das Imagens “April is the cruelest months, breeding Lilacs out of the dead land, mixing Memory and desire, stirring Dull roots with spring rain.” - T. S. Eliot, in Wasteland

“Abril é também, segundo a sociedade portuguesa, o mês das “águas mil”, que traz as flores e as folhas, (...)” Estes dois poemas foram referidos numa crónica assinada por Tolentino Mendonça sobre o mês de Abril. O primeiro poema, do poeta Austro-Húngaro Rainer Maria Rilke, mostra a dicotomia do mês de Abril, entre a tormenta e a bonança. Já o início daquele que é considerado um dos mais importantes poemas do século XX, Wasteland, do poeta britânico Thomas Stearns Eliot, mostra a dureza do quarto mês do calendário gregoriano, referindo a violência das chuvas de Abril. Qual dos dois tem mais razão parece impossível de decidir. Literariamente, historicamente e socialmente são vários os acontecimentos que marcaram o mês de Abril ao longo dos anos, tanto bons, como maus.

Tolentino Mendonça relembra que a data aceite para a fundação de Roma é 21 de Abril de 753 a.C., o dia em que Rómulo terá matado o seu irmão Remo. Abril é também, segundo a sociedade portuguesa, o mês das “águas mil”, que traz as flores e as folhas, mas é também o mês que leva “os lilases da terra morta”. Foi em Abril que os Jogos Olímpicos da idade moderna voltaram a ser organizados, em 1896, e o mês em terminou a Guerra Civil americana, em 1865, mas em contrapartida, em 1994, teve início o genocídio de Ruanda. Martin Luther King, Jr. foi assassinado a 4 de Abril de 1968 e Abril é também o mês em que começa e termina a viagem de Dante n’ A Divina Comédia. Petrarca, que escreveu sobre o mês, considera-o um mês de bonança por ter sido o mês em que terá avistado a sua musa, Laura, pela primeira vez, e Goethe terá começado a escrever as Afinidades Electivas, o seu terceiro romance no quarto mês do ano.

“«Pensar incomoda como andar à chuva/Quando o vento cresce e parece que chove mais» (...)” Em Portugal, Abril marca a data do nascimento do mestre Alberto Caeiro. E se “Pensar incomoda como andar à chuva/Quando o vento cresce e parece que chove mais”, certamente que a chuva deste mês foi motivo de poemas. Mas a morte do poeta que escreveu “a loucura, no fundo, é como tantas outras, uma questão de maioria”, também aconteceu em Abril. Mário de Sá-Carneiro suicidou-se a 26 de Abril de 1916, em Paris. Abril marca igualmente a data da morte de Miguel de Cervantes, o autor de Don Quixote de la Mancha , que faleceu a 22 de Abril de 1616. Este ano celebramse os quatrocentos anos da morte do autor, motivo para recordarmos a “boa guerra” que Dom Quixote apresentou ao seu fiel escudeiro Sancho Pança, fruto da loucura induzida por romances cavaleirescos. Um cenário bastante impensável nesta época de leituras rápidas e digitais. William Shakespeare, o poeta imortal, foi baptizado a 26 de Abril de 1564. Deixou-nos 38 peças teatrais, 154 sonetos, 2 longos poemas narrativos e diversas poesias. É conhecido como o Bardo, não fosse este o grande poeta de Inglaterra e talvez o maior poeta universal. Morreu um dia depois de Cervantes. Se o dia 3 de Fevereiro de 1959 é considerado como “O Dia em que a Música Morreu”, então os dias 22 e 23 de Abril de 1616 podem ser considerados como “Os dias em que a Literatura Morreu”.


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A Crueldade de Abril Autor de tragédias como Romeo and Juliet ou Othelo, Shakespeare assinou igualmente comédias como A Midsummer Night’s Dream ou The Tempest. Atacou eventos históricos, entre os quais Henry V ou Henry VIII, e foi também o dramaturgo que escreveu textos tão ambíguos como The Merchant of Venice ou Titus Andronicus, peças caracterizadas pela sua brutalidade e traços cómicos, simultaneamente. E será que o homem cujo nome perdura é, de facto, quem se diz ser? Em volta de um génio há um mistério que inspirou várias interrogações: quem seria William Shakespeare? O actor plebeu, com pouca escolaridade que casou com Anne Hathaway e que tinha um brinco na orelha direita? Ou será que foi um nobre que através das palavras quis mudar os costumes na imperial Inglaterra, como sugere o filme Anonymous, atribuindo a Edward de Vere os textos do Bardo de Avon? Existe também a hipótese de ter sido um outro autor do século XVII a escrever as peças creditadas a William Shakespeare, como Cristopher Marlowe ou Francis Bacon. Nenhuma teoria foi comprovada. Provavelmente permanecerá este dilema sobre quem foi William Shakespeare. No entanto, a identidade de Shakespeare é de somenos, quando o autor tem uma obra tão vasta e completa. As questões centrais da humanidade estão todas na obra intemporal de Shakespeare. A história de Shylock, o judeu e de Antonio, o mercador de Veneza, não seria de estranhar num mundo actual que vê pessoas serem usadas como moeda de troca pelos mais gananciosos. A história de Romeu e Julieta, os dois amantes que, por discórdia entre as suas famílias, não podem estar juntos, pode não parecer tão actual, mas basta pensar nas famílias que impedem duas pessoas de se juntarem por diferenças económicas, religiosas ou culturais, para perceber a pertinência desta história ainda nos dias que correm. A ganância por poder que caracteriza a peça Julius Caesar não é de estranhar num mundo em que crimes são perpetuados e ocultados para conseguir influência política. Ou o poder da oratória, utilizada por Brutus ou Marco António para poder manipular a população romana. Quantos políticos não abusam hoje do seu poder de argumentação para atingir os seus próprios propósitos? A manipulação é outro dos temas de uma das mais conhecidas peças compostas por Shakespeare, quando, em A Midsummer Night’s Dream, jovens atenienses servem como utensílio para a diversão das ninfas da floresta, num enredo de enganos que entretém mais do que qualquer comédia romântica moderna em filme.

E se em Cymbeline começa por haver uma tentativa de derrubar o amor, é numa mulher que se centra grande parte do enredo da história. A não-aceitação de uma relação origina todo um jogo de poder e interesses, a par da manipulação constante. Com isto, surge o tema da honra a ser mantida, à volta do qual se move Imogénea, a personagem feminina que põe termo aos ideais de traição e mentira presentes na Corte, através da sua aparente simplicidade. Nesta peça, Shakespeare apresenta fortes contrastes: um rei que confunde a lealdade com a traição e, por isso, não percebe o porquê de ter os seus filhos longe; uma rainha que ignora o amor porque a ambição é maior; e a diferença entre a civilização do reino e a vida que os herdeiros do trono acabam por levar. Mais uma vez, um retrato de uma sociedade ainda actual.

“(...) o homem que faz de Abril o “mês mais cruel de todos”, mas igualmente o mês da esperança.” Mas os temas mais fracturantes da obra shakesperiana são provavelmente a ganância e a loucura. Duas das peças mais importantes do dramaturgo inglês são MacBeth e The Tragedy of Hamlet, Prince of Denmark e ambas se debruçam sobre a crescente loucura que assoma os seus protagonistas. A primeira obra revela a história de MacBeth, um general no exército de Duncan, o rei da Escócia, que encontra três bruxas que o informam que no futuro será rei de toda a Escócia. O general, cego com o desejo de poder, inicia uma campanha desmedida em busca do trono, não olhando a meios – atitude que a série House of Cards tem imolado na personagem de Frank Underwood (Kevin Spacey), um MacBeth dos tempos modernos. Quanto ao príncipe Hamlet, príncipe da Dinamarca, filho do anterior governante do reino, este é induzido à loucura pelo sentimento de vingança, rebelando-se contra todos, perdendo o uso da razão. A traição não é perdoada pelo jovem príncipe que não se perdoaria a si mesmo, se estivesse são e de faculdades plenas. Independentemente do nome que lhe seja aplicado, do século em que viveu, do seu modo de vida ou dos seus ideais, Shakespeare foi homem que mudou o mundo da Literatura. Um homem que Abril trouxe e levou, o homem que faz de Abril o “mês mais cruel de todos”, mas igualmente o mês da esperança. Alexandra Antunes & Diogo Barreto *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Março

«“Disse aos meus jogadores que não podem tocar no símbolo até ganharem alguma coisa. É um sinal de respeito”» – Jurgen Klopp, treinador do Liverpool

Jurgen Klopp é diferente. É excêntrico, é apaixonado, é emotivo e, acima de tudo, é inteligente. Esta declaração tem dois prismas de análise: 1 – A acção em si. Apelando mais ao lado emotivo e à capacidade de mexer com a cabeça dos jogadores, o treinador do Liverpool decidiu que os seus jogadores não poderiam cumprir o habitual ritual neste clube (tocar no símbolo do clube antes de entrar no relvado). É uma forma de “abanar” os jogadores e fazê-los perceber que vestir aquela camisola é diferente de vestir as outras. Se fosse jogador, sentir-me-ia espicaçado por o meu treinador me tirar a possibilidade de cumprir aquele ritual que faz de mim um jogador daquele clube histórico e lendário. 2 - A frase posta cá fora. Klopp sabe perfeitamente que esta frase teria um impacto tremendo. Os adeptos sentiram que têm ali um “defensor” da honra do Liverpool, colocando os egos e a falta de empenho dos jogadores abaixo do clube. Os jogadores ainda se sentem mais espicaçados por verem que toda a gente ficou a saber que eles foram “despromovidos”. O mundo do futebol rendeu-se à forma como Klopp defende o clube e como tenta trazer à tona o empenho e brio dos atletas. 3 em 1! Brilhante, Mr. Klopp!

NOTA PONTIVÍRGULA: 9/10 «Se eu estiver num palco a querer fazer rir, acho que vale tudo. A piada não discrimina. Eu posso não ser racista, mas chegar a fazer uma piada racista. E é um erro as pessoas julgarem o carácter de alguém pelas piadas que ela faz. O único propósito do humor é fazer rir. Claro que tem efeitos secundários, pode fazer pensar, alertar, passar uma mensagem.” (…) “O principal numa piada de humor negro não pode ser chocar, mas fazer rir» - Guilherme Duarte, humorista, autor de Por falar noutra coisa Guilherme Duarte explica, numa frase, a visão que devemos ter do humor. Fomos todos Charlie, até dizermos: “Mas eles, por vezes, abusaram”. Fomos todos Herman. Fomos todos Gato Fedorento. Fomos todos Rui Sinel de Cordes. Fomos todos Monty Python. Independentemente dos estilos de humor e do nosso gosto pessoal na arte de fazer rir, é arrepiante pensar que tantas e tantas pessoas condenam e reprimem piadas, trabalhos humorísticos e estilos de humor. O limite do humor deve ser o mesmo limite imposto pelas regras da vida em sociedade, nomeadamente no respeito pelos outros e pelo seu bom nome. No entanto, deve ser olhado tal como ele é: um trabalho humorístico. Caso se assegure o respeito, não se condene o humor, mesmo o negro.

NOTA PONTIVÍRGULA: 8/10


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Palavras à Lupa Comentário às Frases do mês de Março «É natural que o deputado sinta falta de rectificativos, porque toma-se-lhe o gosto” (…) “Não serão necessários retificativos neste ano orçamental» – Mário Centeno, em resposta a Duarte Pacheco (PSD)

Arriscado. Mário Centeno poderá estar, eventualmente, a atirar-se para “fora de pé”. É salutar a confiança do ministro no Programa de Estabilidade, embora, neste caso, seja bastante imprudente ser taxativo a este ponto. Mário Centeno deu, na primeira frase, uma resposta irónica e altamente eficaz: recorda a acção do anterior governo, coloca o PSD na berlinda, faz o parlamento rir da bancada do anterior governo e ainda afasta, de forma habilidosa, o foco de si mesmo. No entanto, acabou por se “entusiasmar”. Depois de uma frase eficaz, deixou-se levar e soltou uma declaração arriscadíssima, colocando-se em terreno pantanoso. Ninguém duvidará de que a promessa de não haver rectificativos será cobrada, se for caso disso. Até pode ser que Centeno venha a ter razão (seria bom sinal), mas nem ele próprio poderá ter já essa certeza. Cuidado, senhor ministro, cuidado...

NOTA PONTIVÍRGULA: 5/10 «“É um desrespeito pelos fãs. Já coloquei o meu bilhete à venda”. Após esta informação, eu não quero ver, aliás já vendi o bilhete. Acho deveras falta de respeito para com os fãs, o passo certo era o cancelamento da tour”.»

– Fã de AC/DC, no site online da revista Blitz

Ponto prévio: Caso se sintam ofendidos, melindrados ou insultados pela minha posição, optem por manter a calma e não partir para a agressão física. A verbal, tudo bem, a física, evitem. Contexto: Os AC/DC vêm a Portugal e o concerto esgota. É anunciado que o vocalista Brian Johnson não virá ao concerto, devido a problemas auditivos. Será substituído por Axl Rose, vocalista dos Guns N’ Roses. Vamos lá ver uma coisa: o evento para o qual as pessoas compraram bilhete continua a ser o concerto da banda AC/DC. A banda é a mesma, o local do concerto é o mesmo, bem como a hora. Talvez a meteorologia seja mais incerta. Houve uma alteração (tratando-se do vocalista, é uma alteração importante, evidentemente) e essa alteração traz Axl Rose a Portugal, para repetir a interpretação de sons de AC/DC (quem ainda não o ouviu a fazer isto, oiça). Para mim, é um tremendo bónus! Gostava muito de ter Brian no Passeio Marítimo de Algés, mas ter Axl não é oportunidade de se desdenhar. Compreendo que para quem não goste de Guns, ou até de Axl Rose, a única opção seja a devolução do bilhete, mas se tivéssemos Brian Johnson + Axl Rose, devolveriam na mesma? Não é o “Chico da Esquina”, amigos, é o Axl Rose! Percebo a opção da DECO de permitir a devolução do bilhete a quem não quer ouvir Rose (havendo alteração do vocalista, é legítimo), mas dói-me na alma ver tanta gente devolver o bilhete, desperdiçando a hipótese de ver AC/DC com Axl Rose. Repito: é um bónus!

NOTA PONTIVÍRGULA: 3/10

Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Um Pouco (In)Conveniente Salve-se quem puder: Estamos a acabar o curso Hoje, mais uma vez, passei uma noite em branco a interrogar cada neurónio, debatendo-me exaustivamente através da massa cinzenta que enche o meu cérebro, acerca desta assustadora questão: O que vou fazer depois da licenciatura? Após tamanha interrogação, debruça-se sobre mim uma binariedade de pensamentos e medos que fazem o meu coração palpitar de tal forma, que a única cura é procrastinar no sofá enquanto faço uma mini (eterna) sesta para “repousar as ideias” – Sempre uma boa justificação para desculparmo-nos a nós mesmos de estarmos assoberbados por esta pressão pessoal, familiar, escolar e, principalmente, social. Vamos então falar do primeiro pensamento/receio que me surge na mente: 1º - Cada que vez que me sugerem um mestrado ou pós-graduação e dizem “É a tua cara” ou “Acho mesmo que isto será o futuro da tua carreira”, euzinha transformo-me numa criança de cinco anos que fica de tal forma entusiasmada que acredita piamente que cada sugestão é a ideal para si. Exemplificando: “Acho mesmo que o que está a dar é análise estatística, e o mundo digital? O F-UT-U-R-O”. Após ouvir a sugestão, a criança de cinco anos dentro de mim responde: “A sério? Mesmo, isso é tãoooo a minha cara! Estatística? Puff, fácil... Eu até passei à cadeira! Digital? Eu estou a aprender código em infografia e webdesign e tenho jeito para fazer vídeos no Imovie por isso.... É TÃO ISSO”. Vou a correr toda histérica dizer a tudo e a todos: “MALTA, já escolhi! Posso garantir, é isto mesmo! Na verdade, sempre me interessei por estas coisas” - #sóquenão. De modo claro que, passados uns dois dias, tomo consciência e volto à estaca zero.

“Após esta explosão de dúvida existencial, chego à conclusão de que devia dedicar-me a procrastinar porque, efetivamente, é o que melhor sei fazer...” Como é obvio que quem me ouve pensa que eu voltei à infância, sabem? Naquela altura em que queremos ser bailarinas, médicos, veterinários, cantores e dançarinos tudo numa só vez. Bem, chegamos agora à 2ª fase e esta já é mais complicada... Sabem, é que chegamos a um momento em que eu entro num desespero de tal forma elevado, que começo a questionar, efetivamente, se estes três anos no curso onde estou, valeram a pena... Pois bem, chegámos à minha fase mais complexa.

2º - Bem-vindos à fase “Tenho em mim todos os sonhos do mundo, mas nenhum deles tem que ver com o meu curso... PÂNICO” – chegamos então ao Síndrome de Desespero Auto-pessoal de Falta de Identificação e Indecisão da Escolha para a Futura Pró-Atividade de Nível Superior ao de Licenciatura (ler isto como os locutores de rádio leem os genéricos dos remédios, se faz favor). Assim, após recuperar o ar ao dizer o nome da minha síndrome, apercebome de que nesta segunda fase cheguei a um ponto de desespero em que começo a dedicar os meus neurónios à tentativa espetacularmente absurda de criar uma profissão toda mainstream onde eu possa ser: Dinâmica, criativa, proactiva e que não tenha de seguir as ordens de NINGUÉM. Sendo assim, decido fantasiar que, como gosto de fotografia, talvez o meu futuro esteja num mundo das imagens e eu, talvez, deveria seguir esse caminho. Porquê? Porque até me “safo” a tirar fotografias para o instagram (modéstia TOTALMENTE à parte). Depois, apercebo-me de que não sou hipster o suficiente e que não tenho milhares de seguidores e desisto da ideia... Depois, como gosto de música alternativa/eletróncia/indie/kizombas/ Lemonade da Queen B, chego à conclusão de que SOU BASTANTE CONHECEDORA DE MÚSICA! - Não acham? Pois, mas depois apercebo-me de que sei, no máximo, um quarto das músicas e um terço das letras e nas quais três terços são cantarolados com “hm, lalala, uhuhuh badjolaaaasss”. Após esta explosão de dúvida existencial, chego à conclusão de que devia dedicar-me a procrastinar porque, efetivamente, é o que melhor sei fazer... Porém, há males que vêm por bem e, sem dúvida, que após tanta fantasia e indecisão, de uma coisa eu tenho a certeza: é que imaginação não me falta! Por isso, vou deixar de ter medo do futuro, de crescer, seguindo em frente com a “bagagem” e os sonhos todos que estes três anos me ofereceram. Assim como José Saramago disse: “O acaso não escolhe, propõe”. Então colegas, eu proponho-vos e proponho-me arriscar! Sendo assim, encontramo-nos no caminho, certo? Até já!

Susana Santos


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Ao Rosto Vulgar dos Dias Política Obama, Trudeau, Marcelo – Um novo género de fazer política? Quando Barack Obama venceu as eleições presidenciais norte-americanas, em 2008, e tomou posse como presidente dos Estados Unidos, em 2009, o mundo ficou parado a assistir ao momento histórico. Não só por ser o primeiro Presidente negro daquele país, embora esse tenha sido um gigantesco marco num país fortemente marcado pelo racismo, mas também porque inaugurou uma nova forma de fazer política. Obama é um dos políticos mais carismáticos da atualidade. O seu modo de atuação é próximo, mesmo quando lida com situações da máxima importância, fazendonos sempre crer que aquela matéria, de máxima importância para o país, é também um assunto que lhe interessa pessoalmente. Exemplo disso, foi a intervenção que fez na Casa Branca, sobre medidas de controlo de armas, quando, ao elencar os vários tiroteios em massa a que teve que atender durante os seus dois mandatos, Obama se emocionou ao relembrar as vítimas, na sua maioria crianças de 6 anos, de um tiroteio numa escola primária em Newtown, em 2012.

Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse como Presidente, em Março, e o pouco tempo que leva na presidência já deixa adivinhar um Presidente com energia e vontade de aproximar e reconciliar as mais diversas facções da sociedade portuguesa. Comparar Marcelo com Obama ou Trudeau pela sua capacidade de atuação seria injusto, já que aos dois últimos cabe-lhes o poder executivo dos seus países e, em Portugal, o Presidente partilha o poder executivo com o primeiro-ministro. Mas, o que quero destacar neste artigo é a importância do discurso, tanto na forma, como no conteúdo e, nesse campo, também Marcelo dá cartas.

© Público

© 3 Eders

Em 2015, o Canadá elegeu Justin Trudeau, líder do partido liberal canadiano. À semelhança de Obama, Trudeau conquistou o mundo com o seu discurso carismático, acessível e mobilizador. O primeiroministro canadiano assume-se como feminista, ecologista e uma série de outros “istas” que, no país vizinho, teriam afugentado metade do eleitorado. Partilha com Obama o idealismo e a vontade de mudar o mundo, que inspira tanta gente.

O Presidente da República portuguesa é claramente mais conservador do que os líderes americanos, mas partilha com eles um discurso unificador e de tolerância que é raro nos líderes políticos e que é absolutamente essencial. Em comum têm o facto de os três serem políticos que se apresentam em mangas de camisa, que se deixam ver em gestos simples do quotidiano, que nos mostram as suas emoções e que têm a noção clara da importância do discurso, adequando o registo às situações em que se encontram, e, assim, garantindo sempre a cativação do público a que se dirigem. Inês Linhares Dias *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Law & Other Things Direito Angola e FMI: o inesperado encontro Angola pediu apoio ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para negociar um plano de resgate. O objectivo é fazer frente ao impacto negativo na sua economia, causado pela queda dos preços do crude. Esta queda fez diminuir a exportação de petróleo, destabilizando a economia angolana pela sua forte dependência a este recurso natural. O Ministério das Finanças angolano explicou que tem de se averiguar detalhadamente as despesas públicas do país, para alcançar um objectivo de desenvolvimento sustentável. Na carta ao FMI, o governo angolano reconheceu a dependência excessiva do petróleo, considerando que tal dependência tem como consequência uma maior vulnerabilidade para as finanças públicas e economia. Há que referir que, em 2015, a exportação de petróleo representou 95% das receitas e 68% das receitas fiscais. Sem adiantar mais pormenores do inesperado pedido de ajuda ao FMI, o governo diz que pretende apostar na melhoria da transparência das finanças públicas e do sector bancário.

“No comunicado emitido, o governo aponta, como áreaschave para esta mudança económica, a diversificação de sectores como a agricultura, pescas e mineiro (...)” No comunicado emitido, o governo aponta, como áreas-chave para esta mudança económica, a diversificação de sectores como a agricultura, pescas e mineiro - os novos focos para a expansão da economia a curto prazo - dizendo estar a considerar expandir esses sectores para melhorar o emprego a nível nacional. As discussões entre o governo angolano e o FMI deverão começar dentro de alguns dias, durante as próximas Reuniões da Primavera, em Washington. Essas negociações prosseguirão em Angola para limar arestas no quadro do Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility - EFF), criado para estimular o sector privado e reduzir a dependência relativamente ao sector petrolífero.

© Económico

O grande desafio de Angola e das suas elites será criar condições para apostar em outras áreas, como na década de 70 (anteriormente ao “boom” do petróleo), quando a economia assentava, predominantemente, na agricultura. O café, a cana de açúcar, o milho, o óleo de coco e o amendoim eram outros produtos com uma relevante expressão na economia angolana. Um investimento no turismo e na respectiva segurança seria benéfico para este país com um incrível potencial a todos os níveis: pelo seu clima (extremamente propício para agricultura, sendo que 85% das terras angolanas são férteis) e belas praias. Um investimento acentuado neste sector poderia diminuir o actual desemprego, aumentado a qualidade de vida da população. Este ano de 2016 será um ano-chave para Angola, pois com esta ajuda do FMI pode-se construir uma estrutura sólida para a economia em termos de coesão económica e respectiva sustentabilidade de modo a que seja possível criar uma independência dos recursos naturais, para que a sua economia não esteja dependente de factores externos e de países que são igualmente produtores de petróleo. Uma economia sem vícios e dependências é uma economia sustentável e segura atraindo investimento. Nuno Martins *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Pensar Diferente! Psicologia

Anorexia Nervosa Hoje venho falar-vos um pouco de uma das perturbações alimentares com maior destaque na atualidade, a anorexia nervosa. Considero que seja um tema muito recorrente ultimamente e penso que um passo bastante importante para quem sofre desta perturbação é o apoio e a ajuda dos mais próximos, pois muitas vezes o paciente não tem consciência de que está a sofrer dificuldades características desta desordem.

Um outro aspeto relevante refere-se à perda da identidade e dos seus limites. A pessoa acaba por não saber quem é, deixando-se influenciar pelo mundo exterior na criação das suas próprias ideias. Muitas vezes, verifica-se uma tendência para o suicídio e falta de motivação e desânimo perante a vida e em atividades outrora apreciadas pela pessoa. Uma outra característica típica desta perturbação é a mulher não menstruar por três ou mais ciclos.

“É bom lembrar que obter ajuda médica o quanto antes pode reduzir a gravidade de anorexia e de outros possíveis distúrbios alimentares.” © Medical Illustration, Nucleus Medical Media

A idade média para o início desta doença é por volta dos 17 anos, período da adolescência, e raramente se inicia em mulheres com mais de 40 anos. Verifica-se uma preponderância no sexo feminino, pois a beleza tem uma papel mais relevante para as mulheres do que para os homens, que se avaliam mais pelas suas capacidades do que pela beleza. A anorexia nervosa parece, também, estar mais associada às sociedades industrializadas, pois a figura feminina e a sua atratividade encontram-se mais ligadas à magreza. A anorexia nervosa caracteriza-se por uma recusa em manter um peso corporal na faixa normal mínima, isto é, provoca uma perda de peso acima do que é considerado saudável para a idade e altura, associada a um pânico em ganhar peso. Nesta situação, a pessoa fica obsessiva pela magreza o que leva à rejeição da ingestão de alimentos. Neste tipo de perturbação, o esquema de perceção corporal mostra-se totalmente danificado, o que leva a que os sujeitos afetados encontrem sempre excesso de peso em alguma região do corpo. Desta forma, o corpo de um anorético nunca é aceite tal como é.

As causas podem ser diversas mas, hoje em dia, a causa exata ainda é desconhecida, mas acredita-se que fatores biológicos, psicológicos e ambientais estejam envolvidos. Um quadro clínico ansioso, decorrente de um acontecimento vital stressante, como sair de casa ou o divórcio doloroso dos pais, pode levar ao início e, caso não tratado eficazmente, ao desenvolvimento da anorexia nervosa. Um outro fator que pode estar ligado a esta doença relaciona-se com o aspeto social, isto é, a criação de estereótipos tendo por base figuras femininas mundialmente reconhecidas, tais como os ídolos de alguém ou modelos famosos. Neste sentido, a pessoa gostava de ser como estas figuras, tendo para isso de obedecer e sujeitar-se a determinadas características corporais, como por exemplo ancas estreitas e barriga totalmente lisa. Penso que é essencial pedir ajuda e, acima de tudo, a pessoa reconhecer que não se encontra na melhor forma e não é capaz de solucionar o problema sozinha. É bom lembrar que obter ajuda médica o quanto antes pode reduzir a gravidade de anorexia e de outros possíveis distúrbios alimentares. Rita Santos


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Cuida-te! Instituto de Ciências da Saúde

Malefícios do Tabaco Os malefícios do tabaco são bastante difundidos no nosso país. Contudo, o número de pessoas que adquirem este vício continua a ser bastante elevado. Recentemente, tem sido notícia a nova lei antitabágica que obriga a indústria do tabaco a exibir, em 65% das duas faces dos maços, fotografias de choque, acompanhadas de informação sobre onde procurar apoio para deixar de fumar. O cancro do pulmão é o maleficio mais associado ao consumo de tabaco e são marcantes os números de fumadores que vêm a desenvolver esta patologia. Estes números são divulgados para a população, mas grande parte continua a fumar, talvez por nunca pensarem que um dia pode acontecer com eles. Esse pensamento está errado. Existem muitas patologias associadas a este vício e a única forma de o prevenir é deixar de fumar. Relembramos então os produtos tóxicos que constituem um cigarro: Acetaldeído – produto metabólico primário do etanol; Acetona; Ácido cianídrico – cianeto; Alcatrão; Amoníaco; Arsênio; Benzopireno; Butano; Dietilnitrosamina; Fenol – ácido carbólico; Formol; Mercúrio; Metanol – ácido metílico; Monóxido de carbono; Naftalina; Nicotina; Níquel; Pireno – hidrocarboneto cancerígeno; Polônio. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o consumo de tabaco é responsável por 90% de todos os cancros do pulmão e traz também consequências para os chamados “fumadores passivos”. Para além de trazer consequências para as pessoas, é também prejudicial para o ambiente, uma vez que o fumo lançado para o ar contribui para a concentração de componentes químicos tóxicos e cancerígenos, comprometendo assim a qualidade do ar. Todos sabemos que o tabaco é uma droga que cria dependência e, de acordo com Planeta e Cruz (2005), a dependência da nicotina apresenta um processo semelhante a substancias psicoativas como a cocaína, os opiácios e o etanol. A nicotina aumenta as concentrações de dopamina (neurotransmissor), que vai atuar no mecanismo de recompensa, e origina estímulos causadores de prazer, levando assim à dependência desta substância.

Curiosidade: O tabaco é responsável por 30% das mortes por cancro; 90% por cancro no pulmão; 97% por cancro da laringe; 25% por doenças do coração; 85% por bronquite e enfisema; 25% por derrame cerebral; 50% por cancro de pele.

© K3 Notícias

Para além da componente física, existe também uma vertente psicológica no que diz respeito à causa da dependência. A dependência psicológica é associada aos estímulos sociais e culturais do nosso dia-a-dia (como, por exemplo, rotinas diárias, ambientes de festa, encontros entre amigos…). Sistematizando, algumas patologias que o fumador tem maior probabilidade de padecer: - Cancro (pulmão, cavidade oral, laringe, faringe, esófago, pâncreas, bexiga e rins, colo do útero); - Doenças cardiovasculares (cardiopatia isquémica, arteriosclerose, AVC); - Doenças hormonais (menopausa precoce, osteoporose); - Doenças respiratórias (bronquite crónica, enfisema e asma); - Doenças gastrointestinais (doença de refluxo gastro esofágico, úlcera péptica). Caso fumes ou conheças alguém que precise e queira ajuda para deixar de fumar, informa-te, pois existem muitas formas de conseguir abandonar esse vício. Fala com o teu médico ou enfermeiro de família, pois com um bom acompanhamento é possível! Já sabes, cuida da saúde dos que mais gostas e… CUIDA-TE! Sónia Araújo Revisão científica: Professor Paulo Seabra


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Se Houver Tempo... Lifestyle The Student Hotel - Nunca um hotel teve tanto universitário junto. Em Amesterdão, Holanda, existe um novo conceito que veio revolucionar o mundo da hotelaria e das residências de estudantes. Este conceito está previsto chegar a Lisboa em 2019 e vai estar disponível em 2018, no Porto. A ideia será juntar não só os típicos hóspedes que precisam de pernoitar durante uns dias, mas também estudantes universitários que veríamos numa residência.

“Imaginem: salas de jogos, ginásios, lavandaria, salas de estudo, biblioteca e até garagem com bicicletas ao nosso dispor (...)” À primeira vista, parece um desafio juntar o comum formato do turismo, com a vida académica, mas para o “cérebro” por trás deste projecto, Charlie MacGregor, o projecto irá crescer até 2020, com mais de 40 novos hotéis espalhados pela Europa. Agora, na qualidade de estudante, este hotelhostel-residência é um sonho. Imaginem: salas de jogos, ginásios, lavandaria, salas de estudo, biblioteca e até garagem com bicicletas ao nosso dispor (óbvio que esta parte está adaptada aos holandeses. Na minha opinião, a garagem vazia era o melhor - menos 1 moeda para a EMEL, se é que me entendem). Segundo o fundador, este tipo de hotel dispõe de entre 350 a 400 quartos, algo que tem vindo a dificultar a compra de um espaço em Lisboa, no centro da cidade (ambiciosos). Fora os pormenores logísticos e o design irreverente e jovial que seria de esperar num espaço destes, existe algo que eu considero verdadeiramente essencial, ainda para mais quando falamos de um local que é partilhado por estudantes universitários: o balcão das meias perdidas. Quem é que não tem umas quantas meias que perderam a sua cara metade? Aliás, todos nós desconfiamos que a gaveta tem um buraco que escolhe engolir apenas 1 das meias.

© The Student Hotel

O The Students Hotel pensou em tudo. Em todas as lavandarias existe uma parede dedicada a este facto. Encontram uma meia perdida na máquina? Pendura-se na parede... Encontram um top perdido na máquina? Pendura-se na parede... Um género de perdidos e achados, entenda-se. Genial. Para além de revolucionar o mundo da hotelaria, este projecto vem acabar com a praga da peúga perdida. A época da meia azul-escura com a meia preta chegou ao fim. Opinião final: a verdade é que se trata de um projecto giro e talvez seja uma nova forma de ver o turismo, aliando os preços de um hostel, à comodidade de um hotel, sem esquecer o facto de que tem, num só espaço, tudo o que um estudante de fora (da cidade) precisa. O meu medo? É onde é que vão enfiar um Hotel com mais de 300 quartos no centro da cidade. Espaço para McDonald’s aqui e ali existe sempre... Até lá, muita água vai correr. Por isso, se se lembrarem (visto que está previsto só para 2019) e se houver tempo, passem por lá. Joana ferragolo *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Banco de Suplentes Desporto As 7 Maravilhas do Desporto Masculino Na última edição o destaque foi para as mulheres. Desta vez, destaco os 5 homens que são, indiscutivelmente, os 5 melhores atletas de sempre. Começo por aquele que, para mim, já é o melhor atleta de sempre: Usain Bolt. O jamaicano é dono e senhor das pistas nas provas de velocidade (é curioso como provas que duram apenas cerca de 10 segundos são as mais mediáticas). O que mais impressiona em “Lightning Bolt” é a facilidade com que vence as provas. Parece que a concorrência nunca lhe exige 100% da sua capacidade. Para mim, estamos perante o melhor desportista de sempre. Notas rápidas: Primeiro atleta a ganhar os 100 e os 200 metros em dois Jogos Olímpicos consecutivos; o primeiro atleta com seis medalhas de ouro em provas de velocidade; primeiro velocista a deter, simultaneamente, os recordes dos 100 e 200 metros; e vou parar por aqui, mas só porque não quero que Bolt monopolize este texto.

Michael Schumacher construiu uma dinastia a conduzir os carros mais rápidos do mundo. “Schumi” é detentor de dezenas de recordes, nomeadamente o de mais campeonatos ganhos, mais vitórias em corridas, mais pódios, mais pole positions e o de mais corridas a pontuar. Em termos estatísticos, ninguém se compara a Schumacher. O que falta, então, para ser unanimemente o melhor de sempre? Em parte, conseguir desfazer um dos maiores mitos da história da Fórmula 1. Schumacher é odiado por muitas pessoas por, supostamente, ter festejado a vitória de forma “normal” no pódio do Grande Prémio de San Marino (em 1994, evento em que Ayrton Senna teve o acidente fatal e em que, no dia anterior, Ratzenberger também faleceu). A verdade, documentada e disponível a quem queira ver, é que Schumacher (e os outros 2 pilotos que subiram ao pódio) não só não festejou, como foi uma cerimónia calma, triste e sem os habituais festejos efusivos. Mais: esta tristeza foi baseada, para além da morte de Ratzenberger, apenas no facto de Senna ter tido o acidente e ter ido para o hospital, dado que Schumacher, quando subiu ao pódio, ainda não tinha conhecimento da morte do piloto brasileiro (anunciada horas depois).

“«Marquei-o um pouco com a minha cabeça e um pouco com a mão de Deus».”

© Daily Mail

Em vez dos inúmeros títulos, distinções e recordes, vamos tentar descrever Michael Jordan através das características como basquetebolista: um monstruoso marcador de pontos; um dos melhores defensores da história; saltador excepcional; líder incontornável; lançador de curta, média e longa distância; rápido; forte; que gosta de dar espectáculo; carismático; bom companheiro; polivalente; competitivo; com uma tremenda força mental. O que falta a Michael Jordan, como atleta? Exacto, nada! “Air Jordan”: o melhor basquetebolista de sempre e, para muitos, o melhor desportista de todos os tempos.


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Banco de Suplentes Desporto Roger Federer é o melhor tenista de sempre e detentor do repertório técnico mais fino que já existiu. Dono de uma classe inigualável, o suíço domina todas as pancadas do ténis e fá-las com uma elegância nunca vista. Do ponto de vista humano, tem mostrado, ao longo de toda a carreira, um grande desportivismo, respeito, humildade e consideração pelos adversários. É um ícone do desporto mundial. Aos 34 anos, ainda compete ao mais alto nível e é o nº 3 do ranking mundial. Parece já não ter “pedalada” para Djokovic, mas Federer continua a ser Federer. Ainda é o tenista com mais semanas consecutivas na liderança do ranking (em 302 semanas, construiu uma Era), recordista de vitórias em Torneios Grand Slam (recorde ameaçado por Djokovic), já fez o Grand Slam de carreira (vencer os 4 grandes torneios do Mundo) e já fez 3 vezes o “Pequeno Slam” (vencer, no mesmo ano, 3 dos 4 principais torneios). Vamos ver a evolução de Novak Djokovic na corrida como melhor de sempre, mas, por enquanto, Federer ainda é o “Rei da Selva”.

© Sporting News

Se em todos os outros desportistas destacados podemos mencionar factos e estatísticas incríveis, no caso de Diego Armando Maradona falamos de outra coisa. Falamos de Deus, El Dios. Maradona é considerado, por muitas pessoas, o melhor futebolista de todos os tempos. Tenho alguma dificuldade em falar de Maradona. Apenas o vi jogar em vídeos e jogos antigos, mas vi-o fazer as coisas mais incríveis que alguém já fez num campo de futebol. Prefiro dar a palavra a outras pessoas: “Palavras não chegam para reproduzir a sua técnica e talento. É o melhor futebolista do século”; “Maradona é o melhor e mais talentoso atleta de sempre”; “É como se a bola estivesse colada ao seu pé”.

“Parece já não ter «pedalada» para Djokovic, mas Federer continua a ser Federer” Maradona marcou dos golos mais incríveis que o futebol já viu, mas dois, em especial, ficaram na história. No Mundial de 1986, frente à Inglaterra, a Argentina venceu por 2-1. Maradona fez o primeiro golo, o mais famoso de sempre: A Mão de Deus. Marcou um golo com a mão (tentando simular que o fez com a cabeça) e, no fim do jogo, disse: “Marquei-o um pouco com a minha cabeça e um pouco com a mão de Deus”. E assim ficou baptizado aquele que foi considerado, numa votação online, o 15º dos 100 melhores momentos de Televisão. Quatro minutos depois de marcar este golo, Maradona voltou a gravar o seu nome na história do Futebol. Marcou “O Golo do Século”, como ficou apelidado após uma votação na FIFA. Pegou na bola antes do meio campo, fintou 6 jogadores ingleses, percorreu 55 metros em 7 segundos, sempre com a bola “colada” ao pé e fez o golo. Deixo-vos a narração de Victor Morales, narrador de rádio, neste momento épico da história do Futebol: “Maradona tem a bola, marcado por dois. Pisa na bola, Maradona. Arranca pela direita, o génio do futebol mundial... Deixa os adversários para trás… Sempre Maradona! Génio! Génio! Génio!... tá-tá-tá-tá... Goooool! Perdoem-me, quero chorar! Deus santo! Viva o futebol! Golaço! Maradona numa corrida memorável, na jogada de todos os tempos! Serpente cósmica, de que planeta vieste, para deixar tantos ingleses pelo caminho? Puseste o país num só punho apertado, gritando pela Argentina! Graças a Deus pelo Futebol. Graças a Deus por essas lágrimas”. Só com Maradona, só com Maradona. Diogo Oliveira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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O Cabide Moda Moda Consciente A conjuntura da sociedade actual diz-nos que só somos alguém, se consumirmos. As ideias de mudança e novidade constantes provocaram um sentimento de frenesim insaciável na indústria da moda. A necessidade de comprar, todas as semanas, uma peça de roupa nova levou a uma consequência óbvia: poluição. As cadeias de lojas de fast fashion (termo utilizado para designar marcas que produzem roupa em quantidades astronómicas e a velocidades furiosas, por exemplo, Zara ou H&M) vieram reafirmar o impulso do consumo desregrado. O sucesso destes magnatas dos trapos foi conseguido através da cópia parcial das peças de roupa (a cópia integral de uma peça de roupa coloca problemas legais) apresentadas nos desfiles das grandes casas, produção em grande escala e, depois, vendidas a uma fracção do preço (e da qualidade).

© H&M

Tal como uma bola de neve, esta situação aumentou exponencialmente, fazendo da moda a segunda indústria mais poluente do mundo (a seguir à indústria automóvel). A necessidade de mudança já se começa a sentir: a cadeia mundial de roupa H&M lança, todas as épocas, a H&M Conscious Collection, uma colecção feita a partir de materiais sustentáveis, que promove a moda como uma indústria ética que usa os recursos naturais de forma responsável.

“O sucesso destes magnatas dos trapos foi conseguido através da cópia parcial das peças de roupa (...) apresentadas nos desfiles das grandes casas, produção em grande escala e, depois, vendidas a uma fracção do preço (e da qualidade).” Em paralelo, a H&M também realiza a Recycling Week. É uma semana dedicada à recolha de roupa usada: os clientes podem doar tudo o que não usam (ou mesmo o que está estragado) e recebem um vale de desconto. Um outro projecto que pretende dinamizar a compreensão da reciclagem na moda é a Fashion Revolution. Esta organização sem fins lucrativos organiza uma semana (normalmente em Abril) que conta com várias acções do âmbito do consumo responsável. A Fashion Revolution pretende aumentar a consciencialização para o verdadeiro custo da moda, promovendo palestras e workshops que celebram a possibilidade de um futuro mais sustentável. Estas iniciativas visam chamar à atenção do consumidor final para a realidade do que se passa nas fábricas: sweatshops de mão-de-obra mal paga, que trabalha em condições desumanas e, muitas vezes, com empregados menores de idade. O objectivo destes movimentos não é desencorajar a compra de roupa a preços acessíveis, mas sim dar a conhecer a situação real. Com o entendimento correcto, o consumidor pode exigir a melhoria das condições de trabalho nas fábricas. Catarina Veloso *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Fita Queimada Cinema Há menos em NOS Há dois meses debati-me sobre os problemas que tenho com a forma como a indústria cinematográfica escolhe e calendariza o lançamento de filmes. Infelizmente esse continua a ser um problema menor comparado no cinema, em Portugal. Embora não se possa chamar um “verdadeiro” monopólio – afinal ainda existe a UCI, alguns cinemas locais e um punhado de Castello Lopes – a verdade é que se em Portugal queremos ver filmes, a maior parte das pessoas fora de Lisboa têm que ir a um cinema NOS, e a empresa tem tido atitudes incompreensíveis. Em primeiro lugar e, em parte a, grande razão para a escrita deste artigo, está o tratamento da Animação pelos cinemas NOS. Na última década e ao contrário de outros géneros como o Terror ou a Comédia, a Animação tem sido elevada, tanto por críticos, como por estúdios, como um género “legítimo” e artístico, destinado a adultos tanto ou mais do que para crianças e no entanto para a NOS, estes continuam a ser filmes para a demografia mais pequena e são tratados como tal.

“(...) a Animação tem sido elevada, tanto por críticos, como por estúdios, como um género “legítimo” e artístico (...).” Em 2014 Portugal recebeu o The Lego Movie e para a tristeza de muitos, a NOS recusou-se a fazer uma distribuição da versão original, fora um punhado de sessões espalhadas pelo país. O resultado foi uma versão dobrada não por actores de voz, mas por caras famosas que acreditam estar numa série animada dos anos 80 e cujo registo vocal é o de uma má imitação de uma personagem de Looney Tunes. Este ano houve Zootropolis, uma aposta da Disney em animação para adultos e crianças. Em Portugal, não só quase não houve exibições na língua original, como todas as sessões foram à tarde. Em 2015 um filme de animação do maior estúdio de animação do mundo ocidental, ser condenada a um horário da tarde e só na versão portuguesa mostra que para a NOS a animação é para crianças, embora grande parte dos adultos de hoje guardarem a Era de Ouro e a Era de Prata da Disney com a maior estima.

Como se não bastasse o pobre tratamento da animação, também temos que lidar com filmes, como Southpaw, que já se encontram em DVD e Blu-Ray no mercado internacional e que só agora aparecem nos nossos cinemas. Ou filmes como 10 Cloverfield Lane que conta com 90% deaprovação de críticos no agregador de críticas do RottenTomatoes e que em Portugal saiu em 5 cinemas da NOS, nenhum deles fora da Grande Lisboa. Ruth e Alex que conta com Morgan Freeman chegou agora aos nossos cinemas. No Canadá foi um filme que apareceu em 2014. E para voltarmos à animação, o sucesso de filmes da Dreamworks e da Disney tem levado a NOS a encher os números limitados de salas com filmes feitos directamente para o mercado de DVDs sem qualquer critério como Rodencia y el Diente de la Princesa ou Robinson Crusoe. Afinal a animação é toda igual para a NOS. Por seu lado The Wind Rises o mais recente filme de Hayao Miyazaki demorou 2 anos a ser lançado em Portugal, felizmente na língua original. Mesmo que se argumente que sempre foi assim em Portugal - os filmes chegam mais tarde, etc., etc. – a verdade é que tal não devia acontecer num mundo globalizado, e olhando para o calendário de Espanha por exemplo, mostra que recebem os filmes quase ao mesmo tempo que nos EUA. Porquê a NOS? Porque não fazer o mesmo comentário sobre a Castello Lopes ou a UCI? Porque mesmo sendo companhias com menos cinemas e lucro, há mais de dez anos que ambas têm um cartaz mais variado, mais actual e com filmes muito mais interessantes para todas as demografias do que a NOS, que tem vindo a piorar nos últimos anos. E isto para não falar no videoclube da NOS comparado com o da MEO, mas essa é uma conversa para outra altura. Pedro Pereira *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Inteligência Artificial Gaming/Internet O Desafio Este passado 12 de Abril foi lançado, pela companhia FromSoftware, o jogo Dark Souls III. Possivelmente, segundo o presidente da companhia, Hidetaka Miyazaki, será o ultimo na série Dark Souls. Esta série de jogos, incluindo o seu predecessor, Demon Souls e o horror cósmico de Bloodborne, é mais conhecida, provavelmente, pela sua dificuldade quase “inumana”. O jogo é muito mais do que isso, desde as técnicas que utiliza para transmitir a sua história, até à forma atemporal e pouco “congruente” na qual esta é apresentada. Contudo, já tive a oportunidade de falar sobre esses aspectos em outras edições. Desta vez queria, de facto, abordar o tema da dificuldade.

“(...) crescemos com um medo ignorante a falhar e a tentar novamente; esperamos voltar a falhar, quando de facto não há nada que assim o ordene.”

“Por muito óbvio que pareça eu dizer isto, não deixa de ser verdade que muitas pessoas ainda não compreendem que perder é correcto, que falhar é correcto e que só assim é que se aprende.” A maior parte de nós, e por isto refiro-me a “nós, ávidos jogadores”, conhece alguém que por mais que tente não consegue perceber a nossa fixação com o “desafio” e esta incapacidade é sempre acompanhada de frases como: “é a décima vez que morres, por que continuas a tentar?” ou “já perdeste inúmeras vezes e ainda estás a jogar?!”. Por muito óbvio que pareça eu dizer isto, não deixa de ser verdade que muitas pessoas ainda não compreendem que perder é correcto, que falhar é correcto e que só assim é que se aprende. Ainda que exista esta bizarra competição entre pais, professores e tutores por ocupar o lugar número um na tua educação, o melhor método de aprendizagem continua a ser falhar redondamente e os videojogos são uma excelente ferramenta para isto. Os gamers, são teimosos, mesmo teimosos, mas é essa atitude que é valorizada. Foram gamers que, utilizando o programa Foldit, conseguiram desdobrar e determinar a estrutura duma enzima derivada do vírus da SIDA, uma conquista que os cientistas não conseguiram realizar durante a maior parte de uma década.

© Dark Souls III, FromSoftware & Bandai Namco

Existe uma frase, incorrectamente atribuída a Albert Einstein, Benjamin Franklin e Mark Twain, que define a insanidade como fazer o mesmo inúmeras vezes, esperando resultados diferentes. Na realidade essa é a definição de perseverança e a frase original foi utilizada pelas associações de narcóticos anónimos, onde faz minimamente mais sentido. Mesmo assim, crescemos com um medo ignorante a falhar e a tentar novamente; esperamos voltar a falhar, quando de facto não há nada que assim o ordene. Isto tudo para dizer que gostei imenso do Dark Souls III, ok? Vereor Nox Mitchel Martins Molinos *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Música nos Tempos que Soam Música Maternidade Nesta edição do Pontivírgula, trago-vos algo que já queria divulgar há muito tempo. Falo da Maternidade, entidade multifacetada, difícil de descrever, que normalmente percorre os campos do agenciamento de concertos e promoção de novos artistas. No verão de 2014, com vontade de marcar concertos numa nova cidade, para si e para os seus amigos, Rodrigo Vaiapraia encontrou um porto seguro na Casa dos Amigos do Minho, no Intendente. Nesta associação cultural, onde se preserva a identidade da zona mais a norte do País e que também funciona como restaurante, alugam-se algumas salas para concertos e afins.

“(...) Maternidade, entidade multifacetada [que] percorre os campos do agenciamento de concertos e promoção de novos artistas.” Dá-se então início ao Exílio no Minho, série de três eventos até ao fim daquele ano. No fim da colaboração com Os Amigos do Minho, a vontade de organizar concertos permaneceu. Nesta nova fase, as várias bandas envolvidas juntaram-se sob um nome coletivo, sem perder a sua liberdade artística, com o intuito de explorar e criar novas sonoridades e relações. Nasce assim a Maternidade, projeto ambicioso, com base nos ideais Do It Yourself e Do It Together. Nos últimos tempos, têm aumentado o seu raio de ação tanto à marcação de concertos para artistas internacionais e nacionais que não tenham propriamente uma relação com a Maternidade, como à promoção das bandas dos amigos mais próximos. Esta ideia transformou-se num corpo estranho, multifacetado, pau para a toda a obra, pronto a disponibilizar meios para expor os seus artistas. E os tempos têm sido risonhos. A residência mensal no Damas Bar continua em força, desde a abertura do espaço a 25 de Abril de 2015, contando no reportório com concertos de Mighty Sands, Filipe Sambado, Jasmim, Cave Story, Duquesa e de bandas internacionais como os holandeses Those Foreign Kids, os londrinos Lull, ou as americanas Peach Kelli Pop. De destacar também a colaboração com a Damachine, que resultou no festival Girls To The Front!, um dia e noite dedicados à celebração do feminismo na cultura pop e punk.

Na mesma onda do Girls To The Front!, preparamse agora para embarcar numa nova aventura, com outros níveis de exigência. Colaborando com espaços de concertos como a Galeria Zé dos Bois, o Lounge, Rua das Gaivotas6, e, de novo, o Damas Bar, a Maternidade pretende organizar um festival diferente: o Ladyfest Lisboa. Pegando nos alicerces dos Ladyfest originais, eventos em várias cidades do mundo, com início no ano 2000, em Washington, tem como objetivo estimular o raciocínio crítico, sob um ponto de vista feminista.

“Esta ideia transformou-se num corpo estranho, multifacetado, pau para a toda a obra, pronto a disponibilizar meios para expor os seus artistas.” Acontecerá em Junho, e será um festival comunitário e multidisciplinar, contando com palestras, concertos, dj sets, filmes, workshops de auto-defesa e luta, exposições e algo semelhante a um Rock Camp para crianças. Com uma identidade feminista, pretende dar visibilidade não só a mulheres, mas também a várias minorias, apresentando-se como um festival plural, inclusivo e convidativo. Com novos objetivos em mente, a Maternidade continua erguida, advogando uma maneira diferente de fazer as coisas, enquanto navega pelo mar de excremento comercial e pastilha elástica sem sabor, que é a atual cena musical no nosso País. E nos tempos de uma Lisboa gentrificada, em que cada metro quadrado da Baixa é um hostel, é cada vez mais necessário o surgimento de entidades híbridas como a Maternidade, que dão oportunidade a novas bandas e artistas de mostrar a sua arte em boa companhia. Miguel Freitas *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


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Literalmente Metafórica Literatura Súplica a ateus e crentes Se Abril é mês de revoluções, venho aqui gritar só uma coisinha: - Cambada de ateus literários que para aí andam! Sim, leram bem. Não estou a misturar conceitos disparatadamente. O dicionário contou-me, há muitos anos, que ateu significa “aquele que não acredita em Deus”. E se para alguns ser ateu, no sentido estrito da palavra, é preocupante, a mim aflige-me mais os que não acreditam no poder da Literatura. Pior, causa-me mesmo urticária quando interesses literários entram em colisão com questões religiosas.

“- Cambada de ateus literários que para aí andam!” De facto, não se pode agradar a gregos e a troianos. Nem a ateus e crentes fervorosos. Mas percebamos uma coisa: se um livro não mexer connosco, certamente não estará a cumprir todos os seus objectivos. Não preciso de ir longe para encontrar um escritor que seja polémico neste sentido. O nosso único Nobel da Literatura faz questão de agitar as águas no que toca à religião. Ateu assumido, não poupou nas palavras e disse o que tinha a dizer, sem tento na língua (e perdoem-me – ou então não o façam – por reproduzir aqui fielmente essas mesmas palavras. Se elas existem, é porque podem ser ditas. Ou escritas.) Para Saramago, Deus é caracterizado como «rancoroso», «cruel», «maldoso», «invejoso», «louco», «má pessoa», «vingativo». Vá lá, vamos ficar chocadíssimos com isto tudo. Falemos em sacrilégios, pecados e faltas de respeito. Lamento, mas não consigo. Há uma coisa muito bonita que é conveniente estimar: chama-se liberdade de expressão. E ainda há outro conceito de que gosto particularmente, e esse é o tal de boa Literatura. Que ninguém me diga que, por acreditar em Deus (sim, afirmo-o aqui diante de todos, para que fique bem clara a minha posição), não posso aceitar este tipo de coisas. Posso. E devo aceitá-las enquanto produções literárias de uma qualidade espantosa, no seu todo. Lêem algo assim e incomoda-vos? Tenho uma solução bastante prática: se a porta da rua é a serventia da casa, fechar o livro é a hipótese nestas circunstâncias.

Se para alguns escritores a escolha de vocabulário feroz é um bilhete de ida para o inferno, a outros basta um modo simples de contar uma história (com umas quantas figuras de estilo!) para deixar muita gente pelos cabelos. Mais uma vez, refiro-me a frases escritas na nossa língua-pátria. Alberto Caeiro apresenta-nos, n’O Guardador de Rebanhos (VIII), a história de Jesus, por meio de um sonho. E se «O seu pai era duas pessoas - / Um velho chamado José, que era carpinteiro, / E que não era pai dele; / E o outro pai era uma pomba estúpida», Maria «Não era mulher: era uma mala / Em que ele tinha vindo do céu».

© Pixabay

Caríssimos, cada pessoa acredita no que quer. Cada um lê o que bem entender. Quanto a mim, mesmo que discorde das posições apresentadas pelos autores, nunca vou ser capaz de julgar o que quer que seja pelo modo como falam se assuntos tidos como sensíveis. É por isso que lanço uma súplica: de ateus a crentes, que saibamos todos identificar quando temos uma obra extraordinária diante dos olhos. Independentemente das palavras utilizadas relativamente a Deus. E independentemente do modo como se apresentam os factos. Alexandra antunes *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


TEXTO CRIATIVO

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Olhar de Prata Produção Escrita Filosofia do ser O universo, um corpo. Penso conhecer e não conheço Linha Ténue Que separa a lava E os blocos de gelo.

Um olhar preso ao tabuleiro.

Os meus dedos dos teus cabelos.

Diz-me quem és. Que será que ela sente?

Anestesia do pensamento.

Se o teu corpo mente à mente Quem será que mente ao corpo?

© Wiki Commons

Omar prata *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


AS ESCOLHAS DO PONTIVÍRGULA

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LIVROS: “In Nomine Dei” - José Saramago “Romeu e Julieta” - William Shakespeare “Dom Quixote de La Mancha” - Miguel de Cervantes “Dispersão” - Mário de Sá-Carneiro “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, José Saramago Alexandra Antunes

ÁLBUNS:

Miguel Freitas

“Oracular Spectacular” - MGMT “Big Pink Vol.2” - Mighty Sands “Capitão Fausto Têm os Dias Contados” Capitão Fausto “Teacher Don’t Teach Me Nonsense” - Fela Kuti “ As Músicas Perdidas do Daniel João” Daniel João

FILMES:

Pedro Pereira

“Mary & Max” - Adam Elliot “Persépolis” - Marjane Satrapi & Vincent Paronnaud “Valsa com Bashir” - Ari Folman “When The Wind Blows” - Jimmy Murakami “Belladona of Sadness” - Eiichi Yamamoto “Gandahar” - René Laloux

VÍDEOJOGOS:

Mitchel Molinos

“Dark Souls III” - PS4, XboxOne, PC “Black Desert Online” - PC “Enter the Gungeon” - PS4, PC, Linux, Mac “Hyper Light Drifter” - PS4, XboxOne, PSVita, PC, Linux, Ouya, Mac “Quantum Break” - XboxOne, PC



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