Edição setembro

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Direcção: Catarina Veloso e Inês Linhares Dias Edição nº23 - Setembro de 2015

Crise dos Refugiados em Budapeste «(...) tiravam fotografias, postavam nas redes sociais e viravam costas como se tivessem visitado uma atracção turística ou um “freak show”.» » página 12 a 14

EXPERIÊNCIAS: ex-alunos Entrevista Renascença:

EXPOSIÇÃO: Sam Shaw

«Tive a oportunidade de estar naquilo que é a “bolha” europeia, conhecer pessoas ambiciosas e com currículo vasto (...)»

«(...) Para Sam Shaw, a fotografia sempre foi mais do que simplesmente captar uma imagem que estava à sua frente.»

João Marinheiro » página 8

Papa Francisco

«Os jovens são uma das preocupações do Santo Padre, que defende um melhor entendimento da fase de vida que estes atravessam (...)» » páginas 15 e 16

» páginas 20 e 21

Sociedade | Lifestyle | Desporto | Moda | Séries | Cinema | Gaming | Música | Literatura


EDITORIAL

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Ficha Técnica Directora: Catarina Veloso Vice-Directora: Inês Linhares Dias

Redacção Ana Silvestre Andreia Monteiro Catarina Félix Dina Teixeira Diogo Barreto Gabriela Moura Guilherme Tavares Inês Amado Joana Santos Madalena Gil Maria Borges Maria Manuel de Sousa Mariana Pereira Martins Patrícia Fernandes Sandra Vasconcelos Tatiana Santos

Colunistas Alexandra Antunes, Literatura Catarina Veloso, Moda Diogo Oliveira, Desporto Francisco Marcelino, Música Inês Dias, Política Joana Ferragolo, Lifestyle João Torres, Cinema Maria Tavares, Tendências Miguel Freitas, Música Mitchel Molinos, Vídeojogos Omar Prata, Textos Criativos Pedro Pereira, Cinema Sebastião Almeida, Actualidade Susana Santos, Actualidade

Design: Daniela Trony Miguel Brito Cruz Contacto: jornal.pontivirgula@gmail.com REDES SOCIAIS: Facebook: www.facebook.com/ pontivirgula.geral Youtube:: AQUI Jornal redigido com o antigo acordo ortográfico, salvo quando indicado.

Bem-vindos a mais um ano de Pontivírgula! No seguimento da antiga direcção, o nosso jornal pretende continuar a ser um órgão informativo e independente da FCH. Com a maioria da equipa renovada, esta primeira edição tornou-se numa experiência de trial and error, em que tentámos não só orientar os membros mais novos, mas também ajudá-los a desenvolver as suas competências. Em conjunto criámos novas formas de comunicação e divulgação de conteúdos que ainda não tinham sido explorados, como o canal do Youtube e o blog. Tal como o arranque da maioria dos projectos, a nossa primeira edição não foi fácil, ficando marcada pela instabilidade e incerteza. De certo modo à semelhança do que se vive na Europa actualmente. Não sendo possível fugir ao debate das questões morais europeias, a nossa primeira edição centrou-se na crise dos refugiados. Desde Janeiro, mais de 400 mil pessoas procuraram na Europa santuário. A porta de entrada principal é a Hungria, onde milhares de pessoas acampam sem condições de vida ou dignidade. O desespero que levou a grandes vagas de mobilização provocou um sentimento de invasão em alguns países europeus: quem são estás pessoas? De onde vêm? Porque é que vêm? Há capacidade para as acolher? Irão assoberbar os nossos empregos, a nossa economia e a nossa cultura? Todas estas perguntas transformaram-se em acções questionáveis do ponto de vista humanitário e moral. O velho continente, que desde cedo idealizou a vida humana como o valor simbólico e ético mais elevado de todos, está agora a tomar decisões discutíveis. O grande exemplo é a construção de muros nas fronteiras, uma prática que está a tornar-se comum e que me leva a lembrar uma fase negra da história. Os refugiados não pretendem imigrar, apenas fugir ao destino de morte certa. O grande desafio será ajudar estas pessoas sem causar o caos na Europa. Será possível? Bom Outubro, Catarina Veloso


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A nova associação de estudantes da fch Com o começo de mais um ano letivo na Faculdade de Ciências Humanas, assistimos a um episódio que se tem repetido ano após ano: as eleições para a Associação de Estudantes. Assim, o Jornal Pontivírgula entrevistou os alunos Joana Ferragolo e Miguel Pais, cabeças da lista vencedora (Lista A), com o intuito de conhecer um pouco mais sobre o seu projeto para o ano 2015/2016.

© Fotografia Cedida por Joana Ferragolo

Pontivírgula: O que te levou a apresentar uma candidatura à presidência da AE? Joana: Não foi, tecnicamente, o que me levou a candidatar. Foi uma oportunidade que surgiu enquanto uma ideia de grupo. Enquanto discutíamos a ideia disseram para me candidatar à presidência da AE. Depois, o Miguel Pais [Vice-Presidente da AE] também tinha essa intenção e decidimos juntar duas equipas que só por si eram bastante fortes e que são capazes de fazer um bom trabalho na AE.

Pontivírgula: Quais são os vossos compromissos para com os alunos?

Miguel: Embora seja eu a responder, acho que falo em nome da lista A. Comprometemo-nos a melhorar a situação entre os alunos. O nosso objetivo é criar uma ligação entre os alunos. Queremos que eles se sintam bem, que nos procurem para pedir ajuda em qualquer situação e, sobretudo, comprometemonos a criar uma boa relação entre os constituintes Pontivírgula: Qual o teu principal foco como da nossa comunidade académica. Queremos presidente? que a Faculdade de Ciências Humanas tenha esse espírito de ligação e que os alunos possam Joana: Não é como presidente, é enquanto lista. contar tanto uns com os outros, tanto connosco. O nosso principal foco, sem dúvida alguma, é melhorar as relações entre os alunos da Faculdade Joana: Exato. Eu acho que também a Faculdade de Ciências Humanas, a reitoria e a direcção. Pretendemos igualmente representar justamente os de Ciências Humanas tem condições e nós, como alunos da FCH e conseguir ajudá-los a inserirem-se nova AE, queremos passar essa imagem de que melhor no mercado laboral e de estágios. Embora a a faculdade tem todas as condições para ser Faculdade dê bastante apoio na parte dos estágios, reconhecida e ter nome entre os alunos. Achamos consideramos que muitos alunos continuam um que a AE tem muito espaço para crescer junto dos pouco fora do assunto e se sentem desamparados. alunos e entre toda a comunidade académica. Considero mesmo que algo fundamental que devemos fazer, enquanto estivermos na AE, é criar uma ponte forte entre a faculdade e os alunos.


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Pontivírgula: Qual foi o critério de seleção dos elementos da lista e respetivos cargos? Joana: Como disse anteriormente, a decisão de me candidatar à presidência da AE não partiu apenas de mim, mas de um grupo de alunos que tinham capacidades e talentos para serem explorados em determinadas áreas e cargos. O Miguel Pais era um candidato fortíssimo para ser um bom presidente da AE, por isso esta presidência, independentemente de eu ser presidente e ele vice-presidente, é partilhada de igual maneira, nenhum de nós manda mais do que o outro. A própria lista mostra uma equipa muito forte, que é capaz de explorar todas as áreas, quer seja no Apoio ao Aluno, no Conselho Fiscal, na Assembleia Geral e na Direção. São pessoas que mostram interesse no gabinete que representam e a equipa está muito bem equilibrada. Sim, é verdade que são mais alunos de terceiro ano, mas costumam ser estes alunos que compõem as listas, dado que já conhecem a faculdade, já conhecem os alunos de segundo ano e, assim, é mais fácil conduzir a entrada dos alunos do primeiro ano na vida académica. Tendo isto em conta, acho que há uma boa ligação entre as pessoas e os cargos que desempenham. Pontivírgula: O que vos diferencia da lista anterior? Joana: Não é o que nos diferencia, pois cada pessoa que se candidata à AE tem como objetivo o bem-estar da faculdade e dos alunos, quer seja o presidente do curso de Comunicação Social e Cultural, quer seja de outro curso, dado que cada pessoa está preparada para representar bem a Faculdade de Ciências Humanas. Por isso, não é o que nos diferencia. Não somos nem melhores nem piores, e temos uma ideia do trabalho que temos de fazer e que queremos fazer. Se vamos conseguir fazer alguma coisa só o tempo o dirá e só no fim deste ano é que o saberemos. O que nos vai diferenciar será a opinião dos alunos que são agora de primeiro ano, que para o ano serão de segundo ano. Serão eles a dizer se fizemos um melhor trabalho ou não. Agora é impossível dizermos isso, pois somos pessoas diferentes e o trabalho vai ser diferente da Presidência anterior. Miguel: Uma coisa que se evidencia é que a nossa lista tem muito potencial para fazer um excelente trabalho, para levar a Faculdade de Ciências Humanas para a frente, para criar um bom ano para os caloiros, que é o que eles querem: ir para a faculdade e terem a melhor experiência possível. E é isso que nós queremos dar. Queremos que eles aproveitem todas as ferramentas para que, ao longo da sua licenciatura, não só neste ano, possam desfrutar de todas estas ferramentas, ajudas e conselhos que possamos proporcionar e acho que o potencial está todo na lista e faremos um excelente trabalho.

FCH “Uma coisa que se evidencia é que a nossa lista tem muito potencial para fazer um excelente trabalho, para levar a Faculdade de Ciências Humanas para a frente, para criar um bom ano para os caloiros, (...)” Pontivírgula: Como mensagem final, o que têm a dizer aos alunos da Faculdade de Ciências Humanas? Miguel: Acho que podemos mencionar um dos nossos slogans: “De alunos para alunos”, uma vez que, efetivamente, isso é verdade. Somos uma comunidade de alunos com idades e experiências diferentes, daí a nossa faculdade ser um melting pot com imensas pessoas de vários pontos do país e mesmo de Erasmus, que é um dos assuntos que queremos abordar: queremos que os alunos de Erasmus se sintam integrados na nossa faculdade, participem mais. Mas às vezes é difícil, já que estão um bocado afastados ou não falam com muitas pessoas. E o que nós queremos mesmo é criar uma excelente comunidade académica e mostrar que para além de sermos uma lista, somos potenciais amigos e que os alunos podem connosco a qualquer altura. Temos o Gabinete de Apoio ao Aluno e todos são bem-vindos. Joana: As sugestões são bem-vindas e devem ser feitas. Nós estamos a representar os alunos e os interesses deles e para os representar têm de haver sugestões, contacto e transparência. Queremos manter estas ideias até ao final do ano.

“Somos uma comunidade de alunos com idades e experiências diferentes, daí a nossa faculdade ser um melting pot com imensas pessoas de vários pontos do país e mesmo de Erasmus,” Guilherme Tavares


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As praxes académicas da fch Apesar das polémicas que giram em torno da praxe académica, esta continua a fazer parte do ritual de iniciação de grande parte dos estudantes à vida universitária. Na Universidade Católica Portuguesa cumpriu-se mais uma vez a tradição e os pastranos e veteranos dos vários cursos da FCH não quiseram deixar de dar as boas vindas aos caloiros. Vamos então ver como é que os nossos trajados se estão a sair e qual a opinião dos nossos caloiros acerca da praxe. © Fotografia Cedida por Maria Saraiva

© Fotografia Cedida por Gustavo Reis

VER ENTREVISTA AQUI .


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XV Semana da Língua Italiana na FCH: a viagem para Itália, cá dentro

“Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.” Afirmou o activista jamaicano pelos direitos dos trabalhadores negros dos Estados Unidos, Marcus Mosiah Garvey. O activista sublinhou a necessidade que qualquer povo tem de preservar o passado e valorizar a própria identidade, cultivando o património histórico e cultural. A frase não é recente, mas numa realidade em que a globalização impõe certos modelos de referência, que se tornam dominantes, parece extraordinariamente actual. É exactamente com o objectivo de valorizar o património identitário nacional que nasceu, há quinze anos, a Semana da Língua Italiana, organizada desde 2001 - Ano Europeu das Línguas - pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Através dos Institutos Italianos de Cultura e dos Consulados, sob o alto patrocínio do Presidente da República, promove, em todo o mundo e ao mesmo tempo, a língua (que, de uma cultura, é o primeiro elemento caraterizante) nas suas várias facetas e relações com a cultura do país. A Língua Italiana é, actualmente, a quarta mais estudada no mundo e Italia é o país que detém a maior quantidade de lugares (51) declarados pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. E se defender e proteger a cultura de cada povo é fundamental, ainda mais importante é divulgar e difundir o seu conhecimento. Com este objectivo, faz parte da tradição da nossa Faculdade participar activamente, graças ao apoio da Direcção e da Coordenação da Área Científica de Estudos de Cultura, nos eventos da Semana da Língua Italiana que, em Lisboa, envolve as Universidades e o Instituto Italiano de Cultura, com um programa extremamente rico e variado.

“É exactamente com o objectivo de valorizar o património identitário nacional que nasceu, há quinze anos, a Semana da Língua Italiana (...)”

É importante dizer que os eventos previstos não se dirigem só aos estudantes de Língua Italiana, mas sim a todos os “curiosos”, já que o conhecimento e a cultura não têm fronteiras, mas só infinitas etapas. Toda a comunidade académica é, assim, convidada a participar nas actividades que terão lugar na FCH. Dedicaremos o primeiro dia de eventos Segunda-Feira, dia 19 de Outubro - à opera lírica que é, sem dúvida, um dos principais veículos da língua e da cultura italiana no mundo. E, exactamente, porque a cultura não tem fronteiras, teremos a honra de abrir a nossa semana da Língua Italiana da melhor maneira, com o nosso Professor Jorge Vaz de Carvalho, máximo especialista nesta área que, às 11h30, numa palestra imperdível. Falará sobre “Lorenzo da Ponte: três libretos italianos para Mozart”. Às 14h, continuaremos o percurso na ópera lírica com a visualização do documentário “Giuseppe Verdi, o génio da lírica”, que será uma “viagem” pela vida do mais famoso compositor italiano, conhecendo os lugares, as pessoas e os afectos que acompanharam e inspiraram a extraordinária carreira do autor de “Aida” e de “La Traviata”.

“(...) porque a cultura não tem fronteiras, teremos a honra de abrir a nossa semana da Língua Italiana da melhor maneira (...).” No dia 21, às 14h, a Professora de História e Teoria da Tradução da Universidade de Cardiff, Loredana Polezzi, na aula aberta “Os percursos transnacionais da canção italiana” traçará um percurso fascinante da musica pop italiana nos Estados Unidos e América do Sul, na qual não faltarão curiosas e interessantes surpresas. Esta palestra será precedida por um projecto que tive ocasião, mesmo nestas páginas, de anunciar e que envolve a equipa do jornal Pontivírgula; um projecto que tive o prazer de coordenar, mas que foi fruto dos esforços e da viva paixão de Catarina Veloso, Francisco Marcelino, Alexandra Antunes e Sandra Vasconcelos.


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“ Não faltem, portanto. A viagem para Itália, cá dentro, está prestes a começar!

“ © Miguel Brito Cruz

“Quando todos os caminhos vão dar a... Lisboa! (Histórias de italianos em Lisboa)” é um documentário em que, através de onze entrevistas, os nossos quatro magníficos visam contar histórias de italianos que escolheram Lisboa e Portugal como lugares para começar, continuar ou renovar os seus percursos de vida. As histórias que cada italiano/a contou são completamente diferentes e oferecem, graças às perguntas postas, um panorama rico, variado e desprovido de imagens estereotipadas dos italianos que encontraram na Lusitânia uma autêntica segunda pátria. Foi um trabalho que nasceu do desejo espontâneo deste fantástico quarteto continuar a usar a língua italiana, estudada brilhantemente por dois anos, ligando-a quanto mais possível aos seus estudos e aspirações.

O primeiro passo deste projecto foi dado no mês de Junho e, ao longo de todo o Verão, em época de férias, foram realizadas as entrevistas, sempre com entusiasmo, pontualidade, preparação e uma boa dose de humorismo que contagiou, como veremos, até os entrevistados. A equipa do jornal acompanhou todo o processo até à versão final que, graças também ao precioso trabalho da Joana Ferragolo, da Inês Camilo e do Duarte Sá Carvalho, virá à luz no dia 21 de Outubro, às 11h30. Espero, portanto, que a dedicação, o entusiasmo e o trabalho dessa fabulosa equipa seja encorajado e aplaudido e possa constituir um ponto de partida para os sonhos de cada um deles, mas também para inéditas experiências para a inteira comunidade académica. Não faltem, portanto. A viagem para Itália, cá dentro, está prestes a começar! Prof. Dr. Gaspare Trapani


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Ex-alunos: Experiências João marinheiro Olhando para estes últimos dois anos, gostei de todas as experiências que pude agarrar. O meu primeiro trabalho foi um estágio de Verão no i, onde colaborei na versão online do jornal. Foi uma boa passagem por duas simples razões: coincidiu com o momento em que os órgãos de comunicação social transitavam para o formato digital, o que permitiu poder participar no projeto de reconversão do site do jornal; e porque foi aí que aprendi, verdadeiramente, a gostar da política nacional, uma vez que estava lá quando Paulo Portas quis apresentar a sua “irrevogável” demissão, inaugurando uma crise que podia ter deitado abaixo o governo de coligação. Mais importante ainda, foi graças a essa experiência que comecei a tomar atenção ao que se passava nos corredores da classe governativa de Portugal. Passou-se um ano e meio até voltar a estagiar. Não foi o período mais fácil com o qual tive de lidar. Já me tinha licenciado na FCH uns meses antes e estava a começar o mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, mas tardava em encontrar qualquer coisa. Qualquer coisa que tivesse significado para a minha carreira profissional. Até que, repentinamente, quando não tinha nada na carteira, surgiram duas boas propostas. Uma delas era um estágio no Ministério dos Negócios Estrangeiros, a outra era na TVI. Ora, quem me conhece, sabe da desconfiança que tinha em trabalhar na televisão. Mas acabei por escolher essa opção porque queria continuar no jornalismo. E ainda bem que o fiz, uma vez que esse estágio na editoria de notícias internacionais me fez perceber que, durante uns tempos, era aquilo que queria continuar a fazer. Porventura mais tempo que isso até. Não sei se foi a adrenalina diária que implica trabalhar em televisão, se foi a larga rédea que me deram para ser criativo em criar as “minhas” notícias, ou alguma coisa impercetível que me tocou a alma quando se deram os atentados do Charlie Hebdo e me fez sentir que tinha de continuar a fazer aquilo. O certo é que o estágio acabou por findar e, com algum receio, virei a página. Tinha sido um dos quantos escolhidos portugueses para ir trabalhar durante cinco meses na Comissão Europeia. Não conhecia Bruxelas mas não tive grande oportunidade de preparação porque “caí” na Bélgica quase imediatamente: tinha saído da TVI umas três semanas antes e era a minha primeira experiência laboral no estrangeiro. Já tinha feito Erasmus em Roma mas aqui era diferente, ia trabalhar e não estudar, logo, a pressão era outra. E foi preciso algum “sangue-frio”, afastarme bruscamente da família, namorada e amigos.

© Fotografia Cedida por João Marinheiro

Tive a oportunidade de estar naquilo que é a “bolha” europeia, conhecer pessoas ambiciosas e com currículo vasto (apesar de terem quase a mesma idade do que eu), de todos os cantos da Europa (literalmente). Muitas tornaram-se amigos próximos e fizeram-me olhar para o mundo de outra maneira, de encarar o futuro com outros olhos. Já para não falar de poder ter aprendido, estando por dentro da própria “máquina”, como as instituições funcionam, participar nesse quotidiano e tentar contribuir para o projecto europeu, especialmente numa altura em que precisava – e, no meu entender, continua a precisar - de reencontrar o significado de identidade e pertença por causa dos episódios ligados à crise grega. Não obstante, guardo o estágio na Comissão com carinho e muito orgulho. Trabalhar no estrangeiro é válido em qualquer cenário: a “saída do ninho”, seja para quem for, traznos maturidade, compostura e, sobretudo, mais mundo do que já temos. Conhecendo-me como conheço, acredito seriamente que esta não será a última vez que vou sair do país para mudar de vida. Todavia, decidi voltar a Portugal por vários factores. Além das circunstâncias emocionais, regressei essencialmente porque tinha interrompido o mestrado e queria acabá-lo. Por outro lado, tive uma oportunidade de regressar à televisão, agora com contrato profissional, na TVI outra vez. A verdade é simples: mesmo tendo estado em Bruxelas, o chamamento, a ligação sentimental ao jornalismo continuou a fervilhar cá dentro. Por isso e, por agora, sinto-me de consciência tranquila, sem arrependimentos das escolhas que tomei, a trabalhar naquilo que gosto e a estudar aquilo que gosto. É o começo de mais uma nova etapa e as novas etapas são sempre, mas sempre, entusiasmantes. João Marinheiro


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PSICOLOGIA Carta ao caloiro

Bem-vindo, Caloiro! Escrevo este artigo com o objetivo de te antecipar o que está prestes a acontecer, aconselhando-te na tua transição e adaptação ao Ensino Superior. Cada um é como cada qual. Desta forma, a vida académica pode ter diferentes significados e interpretações e, em consequência, construir diferentes histórias. Digo-te, desde já, que os nervos e o receio misturados com a ânsia que deves estar a sentir são algo perfeitamente normal. A universidade, tal como o nome indica, é algo enorme em todas as suas dimensões. No meu primeiro dia no Ensino Superior acordei especialmente ansiosa e impaciente, mas também confiante do passo que ia dar. Quando entrei pela primeira vez na sala de aula, observei uma dezena de pessoas na mesma situação que eu: um pouco perdidas mas ambiciosas para começar um novo ano, criar novas amizades e beber novos conhecimentos. Senti-me extremamente bem quando estas mesmas me honraram com cumprimentos, sorrisos e pequenos gestos de acolhimento. O primeiro obstáculo já estava ultrapassado: a integração na turma. Procurei com quem mais me poderia identificar e ali estavam elas, amigas que hoje considero para a vida. Tenta fazer o mesmo, pensa que a tua turma vai ser uma espécie de segunda família que te vai acompanhar durante todo o teu curso. O sentimento de integração é o primeiro passo para o sucesso. Contudo, os primeiros meses foram tempos duros. A entrada na faculdade é sempre sinónimo de praxe e assim aconteceu. Não fiques assustado, irão respeitar-te nos teus direitos e só participas naquilo que queres, mas aconselho-te como amiga a não perderes algumas das atividades organizadas. Os anciões da casa tornar-se-ão quase como guias turísticos dentro desta mega viagem que vais iniciar.

© Fotografia Cedida por Bárbara Matos

Todavia, é pertinente que não te percas no meio de toda esta “farra”, entretanto o teu semestre está a começar e tens de te aplicar desde o início. Este é o segundo passo para o teu sucesso. A exigência académica cresceu e a chave é organizares o teu tempo. Marca a diferença e mostra-te interessado desde o princípio. Neste momento, sem dúvida que os resultados estão nas tuas mãos. A experiência pela qual passei correu melhor do que aquela que tinha idealizado, mas nem sempre é assim. Nenhum ser humano é perfeito. Portanto, caso te arrependas das tuas escolhas, mantém a serenidade e não desistas. Há sempre solução. Recomeça. É o momento perfeito para crescer enquanto estudante e também enquanto ser humano. A faculdade é um novo mundo e está pronta para te acolher. Estarás tu pronto para entrar? Boa sorte!

“No meio primeiro dia no Ensino Superior, acordei especialmente ansiosa e impaciente, mas também confiante do passo que ia dar” Maria borges


INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

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CUIDA-TE! Alimentação saudável em tempo de aulas A alimentação, para ser saudável, não significa que seja restritiva ou monótona. Significa, sim, que deve ser variada, completa e equilibrada pois, desta forma, temos acesso a todos os nutrientes indispensáveis ao bom funcionamento do organismo. Os produtos hortofrutícolas, cereais e leguminosas são alimentos ricos em fibra, vitaminas, sais minerais e com baixo teor de gordura, por isso devem ser os mais consumidos diariamente. Neste período, em que é importante ter bom desempenho académico e boa capacidade de memorização, é necessário consumir peixe, como por exemplo o salmão, a cavala, o atum ou a sardinha porque são uma boa fonte de gordura polinsaturada, importante na proteção vascular e ricos em ácidos gordos ómega-3, envolvidos na regeneração das membranas que envolvem os neurónios.

Alimentos a evitar – Para prevenires a diabetes, obesidade, hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares, eis alguns alimentos que deves evitar na tua alimentação: • Produtos açucarados - Além de te fazerem ganhar peso, podem prejudicar bastante o cérebro. O consumo a longo prazo de açúcar pode criar uma grande variedade de problemas neurológicos, interferir na memória e prejudicar a capacidade de aprendizagem; • Álcool - Conhecido por prejudicar o fígado a longo prazo, o álcool costuma criar uma espécie de “nevoeiro” cerebral - um sentimento de confusão mental que afeta a capacidade de pensar com clareza e a memória;

• Junk Food - Um estudo recente realizado pela Universidade de Montreal revelou que a junk food (comum em restaurantes fast food) pode alterar o equilíbrio químico do cérebro, levando à manifestação de sintomas associados à depressão e à ansiedade. Estes alimentos afetam a produção de dopamina, que é uma substância química responsável pela sensação de felicidade e que dá suporte à função cognitiva do cérebro, à capacidade de aprendizagem, à atenção, à motivação e à memória; • Fritos e pré-cozinhados - Praticamente todos contêm químicos, corantes, aditivos, sabores artificiais e conservantes, que podem afetar o comportamento e funcionamento cognitivo do cérebro. Contribuem em simultâneo para o aumento dos níveis de colesterol e obesidade, que podem levar a problemas de saúde como a Diabetes e a Hipertensão. • Alimentos muito salgados - Afetam a pressão arterial e o coração a longo prazo, aumentando o risco de problemas de saúde graves, como enfarte agudo do miocárdio e AVC. • Proteínas processadas - A carne é a maior fonte de proteínas, mas as processadas, como salsichas e salames, devem ser evitadas. As proteínas naturais ajudam o corpo a isolar o sistema nervoso, enquanto as processadas fazem exatamente o contrário. Opta por peixe, laticínios, nozes e sementes que são fontes de proteínas naturais e de alta qualidade;. André Ribeiro Ramos Revisão científica: Sra. Professora Doutora Margarida Lourenço


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SÍRIA: DA PRIMAVERA AO INVERNO ÁRABE

A Síria também faz fronteira com o Iraque, onde nasceu o grupo terrorista e jihadista, do ISIS, Islamic State of Iraq and Syria; © Yeowatzup, Flickr

Desde 2011 que se trava uma guerra civil na Síria entre o governo e diversos grupos de opositores. Esta guerra civil tem tido um grande destaque na cidade de Alepo, onde milhares de cidadãos morrem diariamente e os destroços são inevitáveis. É importante referir que Alepo não é a capital da Síria, mas sim a cidade com maior população (cerca de 2 milhões). Damasco, a capital, reúne 1.7 milhões de pessoas e situa-se a Sul do país, a poucos quilómetros do Líbano e de Israel. Por outro lado, Alepo situa-se a Norte e faz fronteira com a Turquia. A Síria também faz fronteira com o Iraque, onde nasceu o grupo terrorista e jihadista, do ISIS, Islamic State of Iraq and Syria; isto é, um grupo que luta de forma a encontrar a fé perfeita. No mundo islâmico existem dois principais ramos da religião muçulmana: os Xiitas e os Sunitas. Em 2003, Saddam Hussein governava o Iraque com o apoio dos Sunitas, minoria do país, enquanto a maioria são Xiitas. Após a invasão dos Estados Unidos da América, o país começou a ser governado por Nouri al-Maliki, que discriminava os Sunitas. Entretanto, o ISIS começou por conquistar território e desde Junho deste ano que está presente no Norte do Iraque, Síria, Iémen, Afeganistão, Paquistão, Nigéria, Península do Sinai no Egipto, Líbia, Arábia Saudita e na Argélia; isto sem contar com os agentes activos presentes noutros países, nomeadamente na Turquia, no Líbano e em Israel.

Também é importante mencionar a Primavera Árabe, movimento popular que se propagou por todo o Médio Oriente, iniciado na Tunísia em 2010, que visa submeter países a um governo democrático. Estes protestos realizaram-se de forma a acabar com governos repressores, cujas ideologias tiveram raízes nas ditaduras militares entre as décadas de 1950 e 1970. Quando estas manifestações não tiveram o efeito pretendido da população deu-se o Inverno Árabe, nome dado à violência originada pela falha de implementação de governos democráticos, nomeadamente guerras civis. Na Síria, o conflito começou por ser uma luta a favor da democracia. Porém, com as influências dos seus países vizinhos, juntou-se a disputa religiosa. Por outras palavras, começou a travar-se uma guerra de poder, e uma guerra entre Xiitas e Sunitas neste país. Mais uma vez, juntou-se a religião à política. Os escombros da cidade de Alepo são conhecidos pelo mundo fora, mas os conflitos diários não. A UNICEF divulgou a falta de electricidade na cidade, e a CNN mostrou ao Ocidente o aumento de raptos de crianças na cidade, assim como o cuidado e empenho em ensinar a língua inglesa às crianças que ainda se mantém no país. Visto isto, com ataques vindouros de todos os países vizinhos, os sírios tendem a procurar a democracia nos países europeus que vivem dificuldades em registá-los a todos. madalena gil


ACTUALIDADE

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Crise dos Refugiados em Budapeste

© Francisco Fidalgo

A vida corre, em Budapeste. Em Blaha Lujza, uma das praças mais movimentadas da capital húngara e sítio onde passo diariamente, as pessoas fazem as suas vidas normalmente e ninguém se apercebia de que, a poucos metros dali, na estação de Keleti, estavam acampados dezenas de refugiados que ali aguardavam a oportunidade de partirem para outros países. A grande maioria tem como destino final a Alemanha. Era o que se ouvia das vozes dos refugiados e o que se lia nos murais que enchiam as paredes até que as autoridades os removessem. Logo eram substituídos por outros, que pregavam mensagens de tolerância e pediam acolhimento. Também esses durariam pouco.

A Keleti chegava gente de todos os lados para ver com os próprios olhos o “fenómeno” de que tanto se fala na televisão. Alguns perguntavam em que podiam ajudar e voltavam no dia seguinte com comida, roupa ou simplesmente disponibilidade para prestar assistência, distribuir mantimentos ou limpar o espaço. Outros havia que olhavam o acampamento de cima, observavam como se comportavam os refugiados, tiravam fotografias, postavam nas redes sociais e viravam costas como se tivessem visitado uma atracção turística ou um “freak show”.

© Inês Linhares Dias


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© Francisco Fidalgo

Era este o cenário que se vivia até 15 de Setembro, em Budapeste. Na manhã de 15 de Setembro, o governo húngaro anunciou que iria erguer um muro na fronteira com a Roménia e que a polícia passaria a prender quem entrasse ilegalmente no país. Nesse mesmo dia, dirigi-me à estação de Keleti, onde tinha estado dois dias antes. O cenário era desolador. No espaço onde se encontravam, no dia anterior, dezenas de famílias, já só se viam tendas vazias deixadas para trás e voluntários que, à semelhança dos dias anteriores, iam preparados para auxiliar os que precisavam, mas que, naquele dia, só tinham para limpar os vestígios deixados por Osama Eddin, um voluntário que conheci quem foi obrigado a sair mais cedo do que esperava. em Keleti, explicou-me que os migrantes vinham maioritariamente da Síria e do Iraque, mas também do A polícia não foi violenta, disse-me Osama, que tinha Afeganistão, Irão, Sumália e Nigéria. Todos eles fogem assistido a tudo. Aliás, assim que chegam a Budapeste, de conflitos nos seus países. Os percursos geralmente tudo é mais tranquilo. O executivo de Viktor Órban, foram feitos até à Turquia, depois através do mar até à como qualquer governo ditatorial, tem noção de que Grécia. Daí, aqueles que podiam fazê-lo, apanhavam a imagem que transmite é essencial, e é por isso que ligações aéreas até aos seus países de destino, os em Budapeste as autoridades são mais contidas no outros teriam que andar até à Macedónia, até à Sérvia e tratamento que dão aos migrantes que ali chegam. Na depois para a Hungria e para a Croácia. Este percurso, já fronteira, onde os acessos são muito mais controlados, dentro da Europa, podia levar uma semana ou um mês. a violência é uma constante. Os relatos dão conta de como as forças militares exercem o seu poder de Ao longo do caminho não receberam qualquer tipo forma tirana, exigindo o dinheiro, os telemóveis e de apoios dos governos dos países que atravessavam. outros bens preciosos daqueles que tentam passar. Mas havia sempre alguém, à margem dos governos, disposto a ajudar. Antes de eu ter chegado a Budapeste, os meus companheiros de casa albergaram por uma noite 5 refugiados que estavam à porta do nosso “Ao longo do caminho não prédio. Como eles, muitos outros prestaram auxílio receberam qualquer tipo aos viajantes que iam encontrando. Muitas mulheres de apoios dos governos dos grávidas e crianças passaram noites ao relento, mas países que atravessavam” relembram sempre as alturas em que foram ajudadas. De alguma forma, as pessoas que por ali pernoitavam já se tinham habituado à constante observação a que eram sujeitos. As mães, os pais, os irmãos mais velhos continuavam a ter que manter as crianças debaixo de olho e, por isso, nem se apercebiam de que estavam a ser fotografados. As crianças, sempre demasiado ocupadas a brincar para se sentirem incomodadas com a situação. Aqueles que reparavam, sorriam com um olhar complacente, que, por vezes, era correspondido pelo fotógrafo intrusivo, outras provocava um arrepio de temor no “voyeur” apanhado.


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ACTUALIDADE

© Francisco Fidalgo

Também os meios de comunicação social são altamente controlados (censurados, é a palavra certa) pelo governo. As imagens que percorreram o mundo de uma jornalista húngara a pontapear refugiados não foram divulgadas dentro da Hungria. Foram as redes sociais que mostraram aos húngaros o tratamento que os refugiados recebem na fronteira. Muitos deles aplaudiram a actuação das autoridades.

“Foram as redes sociais que mostraram aos húngaros o tratamento que os refugiados recebem na fronteira.”

Se o tratamento dado aos refugiados já era “selectivo” antes do dia 15 de Setembro, desde então, tem vindo sistematicamente a piorar. O muro na fronteira com a Sérvia estendeu-se até à fronteira com a Croácia. As autoridades húngaras têm agora licença para atirar sobre os emigrantes ilegais. A Áustria, que recebeu milhares de imigrantes durante várias semanas, apertou também o controlo com a Hungria devido ao enorme fluxo que recebia diariamente.

Hoje, já não se vêem refugiados em Keleti, nem em mais lado nenhum da capital. Já não entravam pela Sérvia, agora nem pela Croácia. Não podem ir para a Áustria. Também a Alemanha atingiu o ponto de saturação. Eles continuam a chegar e têm cada vez menos lugares para onde ir. É importante referir que muitos não teriam saído, mas as condições que enfrentavam obrigaram-nos a arriscar a vida à procura de paz e melhores condições. É imperativo que se lhes abra as portas, mas é imperativo também lutar para que não tenham que sair mais pessoas dos seus países.

Inês Linhares Dias


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Papa Francisco quer para igreja o mesmo que quer para a Europa: que seja mãe Em entrevista exclusiva à Rádio Renascença, o Papa Francisco alertou para a importância do acolhimento. A entrevista que o Santo Padre concedeu à Rádio Renascença foi mote para uma conversa em que o Papa, à semelhança do que tem vindo a fazer ao longo do seu pontificado, alertou para a importância de a igreja abrir portas e ir ao encontro das necessidades das pessoas. Os jovens são uma das preocupações do Santo Padre, que defende um melhor entendimento da fase de vida que estes atravessam: “Os jovens são mais informais e têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o jovem cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho, mas acompanhá-lo. E saber acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber escutar muito. Um jovem é inquieto.” Por isso, sustenta que é

© Raffaele Esposito, Flickr

necessário propor desafios que lhes interessem, que os envolvam e os comprometam. Mas, também na forma de a igreja se relacionar com os mais novos, nomeadamente, no modo como transmite a mensagem cristã, o Papa entende que são

Aos riscos inerentes aos processos de renovação, que considera necessários, responde que é preferível ter uma igreja “acidentada” a ter uma igreja estagnada, que vive fechada e adoece. “Uma igreja que vê o que está à sua volta e

necessárias mudanças. Na metodologia catequética,

que vai ao encontro desse mesmo propósito

que, às vezes, não é completa, deve operar-se um afas-

pode sofrer acidentes, mas está viva”, sublinha.

tamento da catequese puramente teórica e deve ser ensinada uma “doutrina para a vida”, que “tem de incluir

“Os jovens são uma das preo-

três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o

cupações do Santo Padre, que

idioma do coração e o idioma das mãos”, defende o

defende um melhor entendi-

Sumo Pontífice, acrescentando que “a catequese deve

mento da fase de vida que estes

entrar nesses três idiomas: que o jovem pense e saiba

atravessam (...)”

qual é a fé, mas que, por sua vez, sinta com o seu coração o que é a fé e que, por sua vez, faça coisas.”

Inês Linhares Dias


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Papa Francisco quer para igreja o mesmo que quer para a Europa: que seja mãe

Os refugiados e a Europa As reflexões do Papa acerca da crise de refugiados passam pelo reconhecimento da complexidade da situação a um nível global (recordando ciclos históricos ou os fenómenos de migrações internas, do campo para a cidade, e os consequentes guetos suburbanos) e culminam no apelo aos países da Europa para que abram as portas e acolham aqueles que aqui procuram abrigo. Não haverá solução se os problemas não forem resolvidos na origem, diz: “Onde as causas são a fome, há que criar fontes de trabalho, investimentos. Onde a causa é a guerra, procurar a paz, trabalhar pela paz”. E o diagnóstico do Papa aponta também a “um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema económico (dentro do mundo, falando do problema ecológico, da sociedade socioeconómica, da política) o centro tem de ser sempre a pessoa. E o sistema económico dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda.” Por outro lado, recorda que os fluxos migratórios sempre existiram e que podem ser saudáveis e equilibrar estruturas demográficas envelhecidas, como as europeias. “Quando há um espaço vazio, a gente procura preenchê-lo. Se um país não tem filhos, vêm os emigrantes ocupar o lugar. Penso no nível dos nascimentos de Itália, Portugal e Espanha. Creio que é quase 0%. Então, se não há filhos, há espaços vazios.”

“As reflexões do Papa acerca da crise de refugiados passam pelo reconhecimento da complexidade da situação a um nível global (...)”

“ A todos, o Papa Francisco deixa o apelo que é o eixo central da sua acção cristã: “Acolher, acolher as pessoas, e acolher tal como vêm.”

“ À Europa pede que retome a sua capacidade de liderança no concerto das nações. “Ou seja, que volte a ser a Europa que define rumos, pois tem cultura para o fazer” - uma cultura que, recorda, assenta nos pilares da cristandade: “a Europa tem que desempenhar o seu papel, ou seja, recuperar a sua identidade. É verdade que a Europa se enganou – não estou a criticar, mas só a recordar –, quando quis falar da sua identidade sem querer reconhecer o mais profundo da sua identidade, que é a sua raiz cristã, não foi? Aí enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos na vida... Está a tempo de recuperar a sua fé. Neste sentido, o Papa apela às Paróquias para que acolham famílias, alerta para a importância do papel da educação na integração pelo trabalho dos jovens refugiados e finaliza com uma mensagem de esperança para a Europa: “A Europa ainda não morreu. Está meia-avozinha, mas pode voltar a ser mãe. E eu tenho confiança nos políticos jovens. Os políticos jovens tocam outra música.” A todos, o Papa Francisco deixa o apelo que é o eixo central da sua acção cristã: “Acolher, acolher as pessoas, e acolher tal como vêm.”

Inês Linhares Dias


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Independentistas da Catalunha obtêm maioria no parlamento No passado dia 27 os catalães puderam ir votar num plebiscito sobre a independência da Catalunha face a Espanha.

© AFP, Getty Images

A coligação independentista da Catalunha, Juntos pelo Sim, conseguiu a maioria no Parlamento, obtendo lugar para 62 deputados, aos quais se juntam 10 conseguidos pela Candidatura de Unidade Popular, perfazendo um total de 48,06% dos votos. Numa votação que levou 77% dos eleitores recenseados às urnas, tornando estas eleições as mais concorridas de sempre, na Catalunha, os independentistas venceram as eleições, mas a independência não está garantida. Em segundo lugar nas eleições, ficou o partido Cidadãos, que conseguiu 25 lugares no Parlamento. Este é um partido antiindependência, tal como o Partido Socialista da Catalunha, ou o Partido Popular, que conseguiram 16 e 11 deputados, respectivamente.

“(...) os independentistas venceram as eleições, mas a independência não está garantida.” Antes do plebiscito do passado domingo, o Juntos pelo Sim afirmou que se vencesse as eleições iniciaria um processo que conseguiria a independência para a Catalunha em 18 meses. Para atingir essa independência, o partido comprometia-se a criar uma força militar, redigir uma nova constituição e ainda um sistema judicial independente do Estado Espanhol. Em Dezembro terão lugar as eleições legislativas espanholas que poderão levar ao afastamento do partido de Mariano Rajoy, líder do Partido Popular, confessamente contra a independência. Diogo Barreto


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ANTRAL protesta na rua contra a Uber No dia 8 de setembro, mais de 400 taxistas concentraram-se na zona do Aeroporto de Lisboa e protestaram nas ruas contra a plataforma privada de táxis Uber, com o objetivo de levar o Governo a actuar, fazendo cumprir a lei. Protestos que igualmente se reproduziram nas cidades do Porto e de Faro, à semelhança do que aconteceu noutras cidades europeias. Segundo a Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), a Uber está a operar em Portugal sem autorização do tribunal, após ter sido aceite, a 28 de abril de 2015, uma providência cautelar que proibia os serviços da aplicação de transportes Uber em Portugal. No entanto, o processo aguarda uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, devido ao recurso apresentado pela Uber: a providência cautelar aceite pelo tribunal não abrangia a actividade e dizia respeito ao serviço UberPop, que permite a qualquer pessoa, sem formação, disponibilizar o seu carro pessoal na plataforma e transportar clientes (serviço que não se encontra disponível em Portugal). Para além disso, a Uber alega que opera inteiramente de acordo com a legislação em vigor, uma vez que trabalha apenas com parceiros credenciados que pagam impostos por cada viagem realizada na plataforma.

“ (...) a Uber está a operar em Portugal sem autorização do tribunal (...),

“ De momento, a plataforma que liga utilizadores a motoristas privados, apesar de não estar disponível para aceder através do site, tem os serviços UberX e Uber Black disponíveis na aplicação. A aplicação tem tido um crescimento significativo, principalmente em Lisboa e no Porto, o que reflecte a utilidade da plataforma para a mobilidade.

© Uber Logo

No seguimento dos últimos protestos contra a aplicação, o Pontivírgula falou com Bernardo Figueiredo, um dos mais recentes motoristas da Uber, para tentar perceber como funciona esta aplicação e o que traz de novo a Portugal. Pontivírgula: O que é a Uber para si? Por que razão decidiu trabalhar para a Uber? Bernardo Figueiredo: Para mim, a Uber é uma plataforma que liga pessoas a um serviço, de maneira simples, cómoda e segura. Decidi trabalhar nesta área, não só por fazer algo que gosto, conduzir, bem como pela comodidade e qualidade do emprego em si Pontivírgula: Mas, trabalha directamente para a Uber? Em que serviço? Bernardo: Eu não trabalho directamente para a Uber, nenhum motorista trabalha. Trabalho para uma empresa partner da Uber que, para além destes serviços, efectua também tranfers sob marcação. De momento, faço apenas serviços UberX, a linha mais informal e descontraída da Uber, coisa que se reflecte, tanto nos preços das viagens, como nos carros e comodidade que é oferecida ao cliente. É um serviço feito em carros mais acessíveis. Porém, são novos. .


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Se ridiculariza ou se inferioriza as empresas concorrentes é porque simplesmente estas não são tão boas ou tão funcionais quanto a Uber.

“ Pontivírgula: Acha que esse serviço traz benefícios para os cidadãos portugueses? Bernardo: Sem dúvida que este serviço é, hoje em dia, uma grande mais-valia para os cidadãos portugueses. No entanto, não está sequer perto de estar totalmente explorado e estabelecido, em Portugal. Pontivírgula: E que benefícios traz para si este serviço, como motorista? Bernardo: Como motorista, este serviço tem também imensas qualidades a destacar, como, por exemplo, o facto de nunca e em qualquer momento haver dinheiro envolvido entre o motorista e o cliente. É seguro para o cliente e seguro também para mim enquanto motorista, pois sei que nunca, ou muito pouco, provavelmente, estarei envolvido numa situação de assalto, visto ser tudo processado através do cartão de crédito do cliente e da aplicação. Pontivírgula: Acha que a Uber tem um serviço que deve permanecer em Portugal? Porquê? Bernardo: Sem dúvida alguma. Há pessoas que, simplesmente, não gostam ou têm total aversão a andar de táxi ou em qualquer outro tipo de transporte. Mas, neste caso, comparo a um táxi, visto ser o mais parecido e, perante esta lacuna na nossa sociedade e na nossa rede de transportes, outras alternativas terão de surgir. Neste caso, a Uber está a fazê-lo muito bem, apesar de o número de carros ainda ser muito reduzido e haver uma grande falta, tanto de viaturas como de motoristas.

Pontivírgula: Acha que a empresa cumpre todas as medidas de segurança necessárias ao serviço? Bernardo: Creio que sim. Na verdade, não sou nenhum especialista neste tipo de assuntos, de segurança. Mas, a meu ver, creio que sim. Todos os carros têm, pelo menos, uma cadeira para bebés ou crianças e seguros contra todos os riscos, que cobrem tanto o carro, como os seus ocupantes em caso de dano. Posto isto, não vejo de que maneira possa este serviço ser mais seguro ou que outras medidas de segurança possam ser acrescentadas. Pontivírgula: O aparecimento da Uber tem vindo a causar algum descontentamento para muitos profissionais do sector de transporte de passageiros. Acha que esta aplicação inferioriza as empresas concorrentes de alguma forma? Bernardo: Sim, isso é verdade. Se ridiculariza ou se inferioriza as empresas concorrentes é porque simplesmente estas não são tão boas ou tão funcionais quanto a Uber. Já nem sequer vou entrar na questão dos motoristas Uber serem mais responsáveis que o taxista genérico português. Pontivírgula: O que acha acerca das últimas manifestações da ANTRAL? E porquê? Bernardo: Toda a gente tem o direito de se manifestar quando não está contente com algo, pelo menos está assim previsto na constituição. Na verdade, acho que era a opção mais previsível. Pontivírgula: O que achou do comportamento dos motoristas de táxi durante as manifestações? Bernardo: Na minha opinião, o comportamento dos taxistas durante o protesto foi só lamentável, degradante e infeliz. As acções que foram tomadas pelos que protestavam contra os próprios colegas que decidiram não aderir, puseram a nu a verdadeira génese dos taxistas, no geral. As agressões, os insultos, tudo isso só veio contribuir para o aumento do fosso entre a população e os próprios taxistas e, se com isto pretendiam fazerse ouvir e expressar, o resultado final ficou muito aquém do desejado. Ninguém está acima da lei. Não é por se sentirem injustiçados que adquirem o direito de fazer o que fizeram durante o protesto. Mariana Pereira Martins


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Sam Shaw, 60 anos de Fotografia “Pessoalmente, procuro encontrar. Encontrar o inesperado, o que está mesmo ao virar da esquina, o que está prestes a acontecer, é uma aventura visual. Só raramente enceno uma composição fotográfica: a única excepção foi a fotografia de Marilyn Monroe na sequência com a saia a esvoaçar.”, Sam Shaw O Centro Cultural de Cascais recebeu, em estreia, a digressão mundial “Sam Shaw, 60 anos de Fotografia” no passado dia 11 de Setembro, que continuará em exibição até dia 8 de Novembro. Esta exposição conta com cerca de 200 fotografias, umas nunca antes vistas e outras célebres, que foram reunidas por Lorie Karnath, investigadora e autora que viajou pelo mundo com Sam Shaw. Chegada ao Centro Cultural de Cascais, envolvido por um tempo que ameaçava chuva, iniciei aquela que seria a viagem de ver o mundo pelo olhar atento de outrem. A exposição estava dividida em quatro partes principais: “Primeiros anos: Sam Shaw como fotojornalista”, “Sam Shaw e a indústria cinematográfica”, “Sam e Marilyn” e “Sam Shaw como produtor de cinema”. Nos corredores, à medida que observava as fotografias, ouvia visitantes a contarem as suas próprias histórias, suscitadas por aquelas imagens. O confronto entre o seu tempo e a documentação que tinham à sua frente. A incredulidade face à técnica de Shaw e a sua sensibilidade e sentido de humor. Nascido em 1912, enquanto criança, Sam Shaw adorava desenhar. Como tal, mais tarde, trabalhou como desenhador em tribunais, como cartunista político e desportivo e chegou a ser director artístico do jornal The Brooklyn Eagle. Iniciou a sua carreira fotojornalística na revista Collier’s, nos anos 40, onde documentou músicos de Jazz de Nova Orleães, o movimento dos direitos civis no Mississippi, entre outros. Teve, também, uma série –“How America Lives” – onde captou pessoas no seu dia-a-dia. Porém, para Sam Shaw, a fotografia sempre foi mais do que simplesmente captar numa imagem o que estava à sua frente. Envolvia-se na vida interior da história, tentando incluir na fotografia a vida na periferia ou o que acontece por detrás das câmaras. Deste modo, não procurava a composição perfeita, mas sim imagens que contassem histórias. Foi o artista Marc Chagall que levou Shaw a transformar a sua fotografia numa experiência que ultrapassava a imagem impressa, ou seja, tentar incluir alguma fantasia ou poesia para além do realismo inerente a uma fotografia.

© Andreia Monteiro

“ Porém, para Sam Shaw, a fotografia sempre foi mais do que simplesmente captar numa imagem o que estava à sua frente.

“ Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


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© Andreia Monteiro

Foi assim que Shaw se iniciou na indústria cinematográfica nos anos 50, criando imagens icónicas como a de Marilyn Monroe com a sua saia esvoaçante sobre o respiradouro do metro, ou de Marlon Brando com a t-shirt rasgada para o filme “A Streetcar Named Desire”. Ao fotografar actores, músicos, artistas ou intelectuais, Shaw procurava trabalhar com os seus modelos sem que estes posassem ou tivessem qualquer maquilhagem ou acessórios. Encorajavaos a improvisarem e a serem espontâneos. Por fim, é nos anos 60 que se torna produtor de cinema com o filme “Paris Blues”. No entanto, a fotografia continuou a ser a sua actividade predilecta, sendo o principal fotógrafo no set de filmagens e ajudando a desenvolver as campanhas publicitárias de todos os seus filmes. Sam Shaw, não só tirou algumas das fotografias mais aclamadas de Hollywood, como também foi pioneiro de um novo estilo artístico e técnico. Aconselho todos a visitarem esta exposição onde cada fotografia conta uma história incrível por várias partes do mundo e com várias pessoas e culturas. Mais do que um relato pictórico, é um documento histórico da cultura americana e da sua evolução até 1999, data da sua morte.

Paris, 1960 © Andreia Monteiro

Andreia monteiro


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O Ano do Orpheu: A Mudança e o Caos Os paranóicos. Os loucos. Os revolucionários. Assim foram apelidados aqueles que, como Fernando Pessoa, se atreveram a criar a revista Orpheu. Em 1915 são publicados os dois únicos números da revista, esgotando-se num instante e suscitando, inevitavelmente, uma irritação geral. Os colaboradores da revista - entre eles Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros – orgulham-se de, em Portugal, pertencer ao movimento que marcou o início da modernidade artística e literária. Não sendo uma simples e banal exposição de arte, foi considerada “uma porta de entrada no contexto social, cultural e político do país”. De que forma estes autores relataram a atmosfera sombria que, naquele preciso ano, começou a espalhar-se pelo mundo? De que forma este cenário aterrorizador fez surgir o modernismo em Portugal? São precisamente por estas perguntas que a exposição Orpheu nos guia. A exposição, comissariada por Steffen Dix, produzida em parceria com o Centro Nacional de Cultura e exposta no Museu da Electricidade, conduz-nos pelo ano de 1915, de forma cronológica, através de registos bibliográficos, fotografias, objectos, filmes, cartazes publicitários, material bélico, desenhos e poesia da época. Um ano longínquo, ao que parece, mas incrivelmente perto de nós. Aqui podemos encontrar a tradição, a ruptura e a arte intrinsecamente ligadas: entramos numa espécie de cápsula do tempo dentro da qual os diferentes discursos culturais e interacções sociais da época nos transportam e nos arrastam.

© Ana Silvestre

A abrir a exposição, uma foto do café Montanha: foi precisamente neste espaço onde aconteceu o primeiro encontro entre Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Luís de Montalvor e onde, em Janeiro de 1915, tiveram a ideia de criar esta revista. De seguida, a exposição mostra-nos algumas armas da Revolução de 14 de Maio de 1915, bem como capacetes alemães da I Guerra Mundial, a prometida “guerra que traria o fim de todas as guerras”, ao mesmo tempo em que, numa das vitrines, surgem exemplares de revistas da altura, que por todo o mundo demonstravam um jornalismo pesado, duro e pessimista. Um jornalismo de guerra que, ao contrário de Orpheu, censurava a informação e se deixava absorver pela máquina de propaganda dos governos.

© Ana Silvestre

Aqui podemos encontrar a tradição, a ruptura e a arte intrinsecamente ligadas: entramos numa espécie de cápsula do tempo dentro da qual os diferentes discursos culturais e interacções sociais da época nos transportam e nos arrastam.


ACTUALIDADE À época, o jornal O Intransigente publicou a notícia que dava conta da nova revista Orpheu com o título “A Caminho do Manicómio”, em finais de março de 1915. Para a maioria dos críticos, a poesia e a prosa contidas nesta revista de vanguarda eram exemplos de decadência literária. “Esta é a revista dos malucos, o órgão dos malucos”, escreveu Pessoa, numa das cartas expostas no Museu. Num outro canto, encontram-se pinturas de Sousa Lopes e José Malhoa, obras estas que foram, no ano de 1915, centro de atenções na exposição Panama-Pacific em São Francisco, uma vez que pretendiam mostrar a época artística que se vivia, em Portugal, neste tempo de fúria. Por outro lado, há também música e cartazes publicitários de 1915, textos de provocação como a “Ode Marítima” de Álvaro de Campos e “Manifesto Anti-Dantas” de Almada Negreiros cuja leitura pode ser escutada individualmente pelos visitantes. Até uma mota vinda do Museu do Caramulo é outra pista para saber mais sobre o ano que produziu a revista que mudou para sempre o rumo da literatura portuguesa.

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“ Precisamente por isso, não podemos nunca esquecer estes artistas que, à luz de muitos sonhos e com uma alma revolucionária, ambicionavam mais e melhor por Portugal.

Com uma alma irreverente e uma mentalidade transcendente, Pessoa afirmou pertencer “a uma geração que ainda está por vir”. Essa geração que hoje somos nós. Precisamente por isso, não podemos nunca esquecer estes artistas que, à luz de muitos sonhos e com uma alma revolucionária, ambicionavam mais e melhor por Portugal. É uma exposição de afirmação e mudança. Uma exposição a ir, porque o passado espelha um futuro próximo e o Orpheu não acabou.

© Ana Silvestre

Ana Silvestre


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Apple apresenta novidades no mercado da tecnologia A Apple lançou, no mês de setembro, novos produtos, incluindo o iPhone 6s e o iPhone 6s Plus, que chegarão a Portugal apenas no final do ano com um custo base de 700 euros. Entre as novas funcionalidades estão o iOS 9, o 3D

Force Touch, o chassis com alumínio da série 7000, um processador a 64-bits, o A9 com a atualização do processador auxiliar para o M9, um WiFi mais rápido e um LTE (Long Term Evolution) mais desenvolvido. A Apple melhora ainda o ecrã, a variedade de

“ A Apple melhora ainda o ecrã, a variedade de cores (prateado, dourado e rosa dourado) (...)

cores (prateado, dourado e rosa dourado) e a qualidade da câmara: câmara iSign com 12MP, câmara

FaceTime com 5MP HD, vídeo 4K e nova tecnologia Live Photos. Outras novidades são o Apple Watch, agora com novas funcionalidades e mais personalização, o iPad

Pro e um iPad mini, com um sistema de áudio com quatro colunas e uma autonomia de 10 horas. A

Apple TV é também reinventada com a integração da Siri, uma assistente pessoal que permite controlar a TV com comandos de voz.

“(...) chegarão a Portugal apenas no final do ano com um custo base de 700 euros.”

© Apple

Dina Teixeira Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


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Actualidade Je suis Charlie? Oui, mas com calma, s’ill vous plait…

À dire vrai, é do conhecimento geral o frequente uso do “humor negro” nas capas do jornal francês Charlie Hebdo, principalmente quando se trata de satirizar o profeta Maomé. Aliás, é de tal forma conhecido que, devido às suas polémicas capas, em Janeiro passado, 17 pessoas sofreram as consequências das ridicularizações presentes nos cartones do jornal francês. 12 pessoas foram mortas num atentado contra o Charlie Hebdo enquanto que as outras 5, foram assassinadas nos dias seguintes num assalto a um supermercado judaico, perpetuado pelos terroristas do atentado. Porém, e como o Charlie Hebdo não gosta de fugir ao seu registo típico de “tocar na ferida”, o jornal satírico voltou a fazer das suas publicando mais uma capa polémica, contudo um pouco diferente do habitual... Não, não deixaram de suscitar “choque” aos mais sensíveis. Simplesmente, desta vez, o alvo foram os refugiados, particularmente Aylan Kurdi, a criança síria encontrada numa praia na Turquia depois de se ter afogado. O polémico jornal decidiu publicar uma imagem que retrata Aylan Kurdi na praia turca, juntamente com uma mensagem que dizia: “Tão perto do objetivo...” e um cartaz que assinalava: “Promoção! 2 menus criança pelo preço de uma”. Vamos lá ver... Brincar, brincamos todos. Mas há formas e formas de brincar. Sejamos sinceros, por muito que seja do senso comum que o Charlie Hebdo é um jornal que transpira, grita e representa o “ultraje”, há que ter atenção. Estamos a falar de uma criança, uma criança que morreu. Na praia. Afogado. Morreu ele e outros milhares de pessoas, eu sei. Contudo, esta criança é a representação dessas pessoas todas que fugiram de uma guerra e fugiram para uma vida melhor. Fugiram nas piores condições, ao frio, à chuva, rodeados de mar e mar, atulhados como lixo numa amostra de barco. Sim, eu sei que o objetivo da “crítica” ou da polémica da capa não está centrado em fazer chacota da criança, mas sim as circunstâncias infelizes que levaram à morte da mesma. Porém, isto não é justificação para pôr a delicadeza de parte. Invariavelmente, nem toda a gente vai saber interpretar esta capa e o objetivo da mesma e mesmo que se saiba, como eu por exemplo, não deixo de achar que foi uma falta de noção. Lamento, mas já cansa este típico registo do Charlie Hebdo, de serem “fora de lei”, quando se trata da forma como aborda os assuntos. Este tema merece mais que isso, muito mais! Há tantas perspetivas por onde podiam pegar e usar, mas esta não! Para mim, não!

Contudo, esta criança é a representação dessas pessoas todas que fugiram de uma guerra e fugiram para uma vida melhor.

Por isso, e lamento ferir os extremistas e defensores da plenitude da liberdade de expressão, tem que haver limites. Assim como dizia o anúncio da ZON fibra (prometo que não estou numa de fazer publicidade) “Há uma linha que separa...” pois bem, aqui não é uma linha, é um oceano, que em cada ponta há uma realidade muito distinta e onde pessoas, seres humanos como nós, procuram salvação, ajuda para saírem de uma guerra exaustiva e que fazem de tudo em busca disso mesmo. Sendo assim, caros futuros colegas do Charlie Hebdo, deixem de tentar ser o filho problemático que não larga as ganzas, nunca vai às aulas e que, mesmo sendo um génio, gosta de dar o ar que “se está a cagar para o que os outros pensam”. O mundo não é preto no branco, não podemos ser totalmente “florzinhas do jardim” como não podemos ser sempre “rebeldes e delinquentes”. Respirem, por favor. Podem gritar com todo o ar que têm nos pulmões a vossa indignação, aliás façam isso! Devem fazer! MAS NÃO CUSPAM O PULMÃO. Vocês têm o poder de “chocar”, toda a gente já entendeu isso. Porém, tomava-vos por mais inteligentes... Foram chocar com o que estava mais “à mão de semear” e para quê? Podiam ter tornado tudo muito mais polémico de outra forma muito mais inteligente. Agora? Claramente que estão a ser criticados, embora isso pouco vos importe, não é verdade? Querem ser diferentes? Então inovem e saiam desse registo. Resumidamente, com essa capa tornaramse mais susceptíveis a ferir susceptibilidades e, utilizando a legenda da vossa capa, vocês estiveram “tão perto do objetivo... De ficarem calados.”

Susana Santos


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Actualidade Este ano vou pedir ao Pai Natal uma tragédia para poder ser boa pessoa Ainda bem que no dia 7 de Janeiro de 2015 morreram doze pessoas e onze ficaram feridas, devido ao ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo. Felizmente que passados quatro meses, no dia 19 de Abril, morreram 700 migrantes ilegais num naufrágio em águas mediterrânicas. E que alegria maravilhosa, quando, no dia 2 de Setembro, um barco naufragou com doze pessoas lá dentro e uma criança de três anos deu à costa, morta, dando origem a uma das fotografias mais partilhadas na Internet nos últimos tempos. “It was the best of times, it was the worst of times” – Temos o mundo na nossa mão. A distância já não se mede em metros, pés ou polegadas, mede-se em bytes. Com dois toques num ecrã chegamos ao outro lado do mundo. Com um clique podemos ajudar a salvar centenas de crianças em África, apoiar uma causa revolucionária na China e ainda partilhar a imagem de apoio à legalização do casamento gay. Sim, são de facto os melhores dos tempos. Quão bom foi podermos todos ir mostrar o nosso apoio e a nossa solidariedade para com aqueles que morreram pela liberdade de expressão? Até pusemos imagens de capa do Facebook com o nome do satírico francês, usámos marcas a dizer “Je suis Charlie” e alguns - mais ariscos - até partilharam imagens publicadas pelo exímio jornal. E quando morreram aquelas pessoas africanas num desastre de barco fomos os primeiros a denunciar a tragédia, comentando nos sites noticiosos, a partilhar as notícias, minuto a minuto, “Isto não pode continuar”, vociferámos nos nossos murais e republicámos aquela imagem tenebrosa de um barco repleto de pessoas amontoadas, sem qualquer tipo de condições. E quando foi uma criança que deu à costa da Turquia, todos tivemos de puxar uma lágrima para não demonstrarmos fraqueza perante os nossos inimigos.

“It was the best of times, it was the worst of times” Continuámos fortes a denunciar os males do mundo e a perguntar a nós mesmos (e a todos os que visitassem o nosso Facebook ou nos seguissem no Twitter) “Como é possível que isto aconteça no século XXI, na Europa”? Não podíamos aceitar isto e de novo gritámos palavras de ordem e fizemos pressão para que a crise se resolvesse. Como somos boas pessoas, altruístas e com um sentido de justiça incrível… Ah… paremos um pouco para nos auto-apreciarmos. Conquistámos o nosso cantinho, conquistámos outros cantinhos, descobrimos alguns cantinhos, perdemos alguns desses cantinhos, libertámos outros, fizemos uma revoluçãozinha muito pacífica, entrámos numa comunidadezinha muito europeia, cumprimos sempre tudinho o que nos pediram. “O respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho?”

“ Até pusemos imagens de capa do Facebook com o nome do satírico francês, usámos marcas a dizer “je suis Charlie” (...)


OPINIÃO

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Actualidade Sim, são os melhores dos tempos e os piores dos tempos. Mas a divisão já não é geográfica, como escreveu Dickens. O melhor dos tempos anda de mãos dadas com o pior dos tempos em cada um de nós. Somos os defensores da liberdade, os rebeldes que lutam contra a opressão, mas o

“O melhor dos tempos anda de mãos dadas com o pior dos tempos em cada um de nós.”

juramento que fazemos sempre que sabemos de uma nova tragédia – o juramento de ajudar o mundo, de “sermos a mudança que queremos ver no mundo” – cai rapidamente por terra (eu diria que não dura mais do que uma semana). A imagem a dizer “Je suis Charlie” que tínhamos como fotografia de perfil foi substituída por aquela fotografia giríssima que tirámos sentados ao pé do Fernando frente à Brasileira, fingindo que estamos a pensar numa coisa importantíssima

A frase “Je suis Charlie” foi gradualmente substituída por “Je suis (escrever aqui algo que não tenha a mínima relevância mas que achamos comparável à morte de doze inocentes que tentavam fazer da lixeira onde vivemos um mundo melhor)” e depois perdeu-se, nos meandros da Internet. A fotografia de refugiados a fugirem em embarcações miseráveis, que tão heroicamente publicámos, foi rapidamente seguida pela publicação de um pequeno-almoço finíssimo na Padaria Portuguesa com a identificação #thisisreallisbon. E quando publicámos a imagem de Aylan Kurdi, talvez até tenhamos usado o hashtag #KiyiyaVuranInsanlik (humanidade deu à costa), mas a seguir como seria possível não publicar a nossa fotografia frente ao mar, apanhando as nossas costas, ou as nossas pernas?! “O mundo é para quem nasce para o conquistar.” As armas estão ao nosso dispor. Entre as nossas mãos temos canetas, telefones e computadores ligados a todo o mundo, máquinas fotográficas. Temos conhecimento de como palavras e imagens podem mudar o mundo. Vamos começar a fazêlo. Continuemos a ter o nosso entretenimento, a tirar fotografias engraçadas e partilhar vídeos que nos fazem gargalhar, mas por favor, não deixemos cair por terra o que nos faz chorar, o que nos faz cerrar os punhos ou sentir uma tristeza profunda.

© Freedom House & Christopher Chan, Flickr

“We have everything before us” não deixemos que este poder que temos seja em vão.

Diogo Barreto


OPINIÃO

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Actualidade A Hipófise de Donald De 1789 para cá, os EUA têm revelado uma curiosa capacidade de produção de políticos espirituosos, comparável à sua hegemónica produção de amendoins. Dos candidatos mais recentes, podemos recordar Sarah Palin e as suas patetices, muito apreciadas por Bruno Maçães. Podíamos falar de muitos outros com características peculiares, mas vamos ficar por aqui, pois o tempo escasseia. Ao longo do tempo, houve inúmeras tentativas de compreensão do fenómeno que abala décadas de história. Hoje fala-se de uma possível ligação ao mistério das “rochas deslizantes” do deserto do Vale da Morte dos EUA, que entretanto foi desvendado, mas que não invalida a ligação ao fenómeno. As eleições presidenciais de 2016 não fogem ao fenómeno e, no dia 16 de Junho, data coincidente com a da estreia de Psycho de Hitchcock no ano de 1960, Donald Trump apresentou-se aos americanos como candidato republicano. No canto superior esquerdo da sua página de Facebook, Donald Trump recebe-nos com uma simpática fotografia que nos leva a sorrir de volta. Deparamo-nos imediatamente com um acutilante olhar ladeado por pés de galinha. Lembra-me um falcão que intimida mas aguça curiosidade. Uma boca pequena, de lábios bem torneados e levemente unidos. Transparece capacidade no controlo da palavra; uma característica de quem sabe conter-se. Adivinho um escalpe bem cuidado, pelo cabelo que nos apresenta, e não há margem para dúvidas que haja ali mão de um creative director. É de realçar, também, o tom grisalho acobreado de alguém experiente que não descura a imagem. Por fim, é de louvar a radiosa pele que aparenta ter sido sedeada com material do Paraná.

“Deparamo-nos imediatamente com um acutilante olhar ladeado por pés de galinha.”

Vive em êxtase, num permanente estado de excitação e alimenta-se dos louvores que lhe são concedidos e dos gabos que oferece a si mesmo.

Feito o reconhecimento pela aparência, é fácil sentir empatia pelo candidato e, seguindo esta ideia, votar parece ser um gesto fácil. E quão fácil seria se fosse apenas o gesto manual de rabiscar uma cruz no boletim de voto. Na apresentação pública, o magnata americano arrasta multidões. Sobe, pavoneia-se, ri, diverte, encanta, vangloria-se, sente-se desejado. Vive em êxtase, num permanente estado de excitação e alimenta-se dos louvores que lhe são concedidos e dos gabos que oferece a si mesmo. Só não discursa aos saltinhos porque a idade não lho permite. Segundo o próprio, Donald é riquíssimo, lindíssimo, poderosíssimo e tantas outras qualidades no superlativo absoluto. A turbulência hormonal de Donald Trump levou a que se construíssem teorias na tentativa de explicar o seu comportamento. Enquanto uns se cingem ao narcisismo e egocentrismo, outros lançam-se noutras hipóteses. Há quem fale numa competição severa entre Donald e a sua Hipófise. Se assim for, a Hipófise de Donald faz corar de vergonha o conjunto hipotálamo-hipófise de António José Seguro. Outros dizem que não é a voluptuosa glândula que controla Donald, mas que é Donald quem tem mão nela e que conseguiu instituir o culto ao chefe no seu sistema endócrino. Ao nível do discurso, Donald Trump não perde uma oportunidade para cuspir o primeiro disparate de que se lembrar. E quantos já foram. Manifesta aversão aos estrangeiros e insiste em fazer declarações racistas, dois problemas relativos à ignorância e de resolução fácil para alguém que assume ter um QI dos mais altos. É desta forma que Donald Trump conquista alguns semelhantes, e repele uma maioria na promessa de devolver a grandeza à América. Inês Amado


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Actualidade O Acordo Ortográfico

O que aspirava a uma manobra de aproximação dos países da CPLP demonstrou ser um erro crasso, revelador do zelo português para com o que é a sua herança identitária. Hoje, atrevo-me a tamanha incongruência – podemos voltar a afirmar que estamos “orgulhosamente sós”, não pelas mesmas razões, mas por conjunturas nacionais que fazem Camões revirar-se no túmulo a cada livro publicado com o novo acordo. Este é o ano de mais um atentado severo à nossa cultura e às humanidades, o expoente máximo do que têm sido as políticas exíguas de espírito dos sucessivos governos que vêem na cultura e nas letras um acessório descartável. Mais do que ficarmos sem c’s em questões “atuais,” ficamos sem a nossa identidade que tão sabiamente foi beber às clássicas.

O que aspirava a uma manobra de aproximação dos países da CPLP demonstrou ser um erro crasso, revelador do zelo português para com o que é a sua herança identitária.

Pois que hoje, sim, podemos considerar o AO um tremendo falhanço diplomático: Moçambique, Guiné, São Tomé e Timor-Leste decidiram esquecêlo por completo, Angola recusa veementemente, e promessas de uma hipotética adesão são dadas por Cabo-verde e Brasil – que é o país com maior representação de nativos de língua portuguesa.

Na sua intenção, o Acordo Ortográfico pretendia-se “um acto de política externa”, como referiu José Pacheco Pereira, num artigo de opinião no Público; uma solução aparente para Portugal manter a sua posição idónea como revisor linguístico sobre o muito português que se escreve pelo mundo.

Depois do latim, será o português a cair e nós a falarmos brasileiro. Um brasileiro distante daquele de Nélson Ribeiro ou Machado de Assis, mas os políticos gostam e são eles quem mais ordenam. E por acréscimo vem a malta do costume que, perdoemme, lê mais rodapés durante as galas da Casa dos Segredos do que simples cabeçalhos num jornal. Para quem gosta de ler em bom português, é cingir-se a edições transactas a 2008 e esperar que a classe política – principal dinamizadora passiva deste genocídio cultural – se aperceba de que estão a destruir o caminho que Eça, Camões, Pessoa, Aquilino, Cardoso Pires e tantos outros trilharam até hoje. Desta feita, passaram-nos a perna. E bem. Sebastião Almeida


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Política O voto útil Posso ter andando distraída, mas acho que nunca ouvi falar com tanta frequência de “voto útil”. A minha jovem e ingénua mente partiu do princípio de que quem usava este termo estava simplesmente a pedir aos portugueses para se levantaram do sofá no dia 4 e para votarem e não ficarem apenas a celebrar um golo de um dos quatro jogos de futebol que ocorrem no mesmo dia em que se decide quem irá governar o nosso país, nos próximos quatro anos. O apelo ao voto útil seria, por isso, um apelo aos abstencionistas para deixarem de o ser e passarem a ter uma voz activa na sociedade (mas activa a sério, não daquelas vozes que gritam mais alto que todas as outras nas redes sociais, mas, na verdade, quando chega a hora de usarem essa mesma voz nas urnas, não o fazem). Parece-me perfeitamente plausível que se apele ao voto útil, a todo e qualquer voto que vá ao encontro dos ideais de cada um, portanto.

“Parece-me perfeitamente plausível que se apele ao voto útil, (...)” Pois bem, aparentemente o voto só é útil quando é feito num dos dois maiores partidos, para que o outro seja derrotado. Quando um partido tem que andar a implorar que votem nele para que o outro partido (ou coligação de partidos) seja derrotado, alguma coisa anda muito mal. Num boletim que inclui 16 opções de voto, o voto útil não se pode resumir a duas. Eu acredito que, na política, como em tudo na vida, as pessoas devem conseguir atingir as posições que desejam, porque têm as qualidades necessárias para tal e não porque são melhorzinhos do que a alternativa. A cultura do “mal por mal, antes este do que o outro” é um grave sintoma de uma sociedade que não se move por mérito, mas por conveniências. Que não ousa sonhar, mas que apenas faz concessões. E enquanto assim for, podem vir os agentes da Troika, podem vir os senhores das agências de rating, pode vir o Eurogrupo, podem nacionalizar tudo ou privatizar tudo o que temos, que nunca iremos a lado nenhum.

“ A cultura do “mal por mal, antes este do que o outro” é um grave sintoma de uma sociedade que não se move por mérito, mas por conveniências.

“ Todos os dias são divulgadas novas sondagens para que os eleitores possam avaliar a utilidade da sua intenção de voto. Todos os dias somos persuadidos a permitir que os mesmos dois partidos, com o seu partidinho satélite pronto a coligar para o lado que lhe for mais conveniente, continuem a hegemonia partidária que tem governado este país nos últimos 40 anos. E vejam onde é que isso nos levou. Vejam onde é que esses partidos levaram a Europa. Eu já votei. Não sei se foi útil ou não. Tenho a séria impressão de que não. Votei porque é um direito e um dever, mas saí da embaixada de Portugal em Budapeste com a impressão de que, apesar do meu voto, apesar do voto dos quinze jovens que se encontravam naquela sala, e de tantos outros que fizeram o mesmo noutros sítios do mundo e farão o mesmo no dia 4 de Outubro em Portugal, os próximos quatro anos não trarão nada de novo. Inês Linhares Dias


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Se houver tempo... Lifestyle Um pequeno amuse bouche Visto que se trata da primeira edição do jornal Pontivírgula deste ano, nada melhor do que deixar-vos “apalpar terreno” aqui por estes lados... Como me considero uma pessoa que gosta de deixar toda gente à vontade, aviso desde já que esta coluna irá apresentar conteúdos inadequados a pessoas de estômago fraco, olhos sensíveis ou mentalidades fechadas. Posto isto, e não querendo meter ninguém de parte, podemos prosseguir. Esta coluna vai ser um espaço onde podem encontrar sugestões nas mais variadas áreas de Lifestyle, do género restaurantes novos, espaços interessantes, tendências descabidas, viagens de sonho (porque só as podemos ter com a cabeça na almofada), fitness (aqui vou precisar de ajuda, uma vez que a minha esperança média de vida num ginásio é de 1 dia) e tudo o que causa buzz nas nossas conversas mundanas.

“ Amo um bom jantar fora de casa, um copo num bar novo e a arte de esplanar...

Não me tomem por uma expert do que quer que seja Lifestyle, até porque “estilos de vida” há muitos, cada um interessante à sua maneira. Amo um bom jantar fora de casa, um copo num bar novo e a arte de “esplanar” (depois explico). Por mim tinha uma sala de cinema em casa e a porta do teatro ao virar da esquina, caso ficasse aborrecida. Mas pronto, isto sou eu a dizer... E ao entrarmos na área das sugestões, fica então ao vosso critério seguirem alguma delas ou até mesmo contestá-las. No final do dia o que interessa é que esta coluna seja uma razão para explorarem novos sítios e ideias, mesmo quando não vos apetece sair do sofá ou das cadeiras vermelhas do bar. Sendo assim, e sem mais nada a acrescentar, despeço-me. Ah, e se houver tempo, passem por cá na próxima edição.

© Joana Ferragolo

Joana ferragolo


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BANCO DE SUPLENTES Desporto viver uma vida irreal

Recebe, mensalmente, uns quantos milhões na conta bancária. Vai para o treino num carro topo de gama. Os filhos estudam no melhor colégio privado da cidade. Vive num palacete e a família mais próxima não precisa de trabalhar. É a vida de um jogador profissional de futebol. Aparentemente, a vida perfeita. Começo com uma declaração de interesses: Sou árbitro de futebol e vejo futebol todos os dias. Tenho noção dos sacrifícios físicos e psicológicos aos quais um atleta profissional está exposto. Não obstante, reconheço que os jogadores profissionais recebem, na realidade actual, salários injustificadamente altos. Na primeira edição do Pontivírgula, trago uma lição de humildade. Já todos ouvimos comentários como: “recebem milhões só para dar uns pontapés na bola...” ou “só querem o dinheirinho no fim do mês, não sabem o que custa a vida!”. Os futebolistas são cidadãos predestinados. Nasceram com um talento incomum para jogar futebol e essa qualidade, na maioria dos casos, inata, proporciona-lhes uma vida estável e pouco exposta aos sacrifícios do cidadão comum. Os futebolistas vivem uma vida irreal. O meu ponto de partida para este texto é uma entrevista feita a Victor Valdés, guarda-redes espanhol de 33 anos. Está vinculado ao Manchester United mas defendeu a camisola do Barcelona durante 19 anos. Foi campeão espanhol e venceu três Ligas dos Campeões pelos catalães e venceu um Mundial e um Europeu pela selecção espanhola. Um currículo invejável e com muitas distinções individuais. Victor Valdés, em entrevista ao canal colombiano RCN, não questiona a ideia de “vida perfeita” que a sociedade atribui aos futebolistas. Reconhecendo-a, ressalva os sacrifícios que o sucesso exige. No entanto, antes de qualquer futebolista, está alguém “que apenas teve a sorte de poder ser futebolista”. O guarda-redes espanhol conta a experiência que uma lesão grave lhe proporcionou e dá “graças a Deus por ter vivido essa experiência”. A lesão fê-lo “sentir de novo o que é a vida sem ser futebolista”. Valdés foi recuperar da lesão em Augsburgo, na Alemanha. Reconhece que as pessoas foram essenciais, permitindo que o melhor guarda-redes do Mundo passasse despercebido na rua, algo a que não estava habituado.

“ Os futebolistas vivem uma vida irreal.

“Eu vivia num hotel e tinha de me deslocar à clínica, de eléctrico, duas a três vezes por dia. (…) Depois de muitos anos, voltei a contar moedas e a saber valorizar o que custava um simples bilhete de eléctrico ou ter de pagar um café. São situações às quais, nós, futebolistas, não estamos habituados porque vivemos uma vida irreal”. Valdés refere que um futebolista recebe tudo feito, que se sente cómodo em qualquer lado e que a lesão o fez voltar à “vida real”. Foi um golpe forte para recordar que vem de “comprar o bilhete de eléctrico e andar com as muletas, com a música nos ouvidos e...sozinho”. Valdés alerta para a crueldade do futebol:“Tens uma lesão no joelho e tu já não vales, chamam outro. Mas tu vais valer, se tu quiseres”. A entrevista é emocionante pela forma como uma figura incontornável do futebol “desce à terra” e olha para a vida do comum cidadão que teve a sorte de ser jogador. Não o jogador que teve a lesão grave, o outro. O que teve sorte. O que recebe tudo feito e não precisa de saber onde estava antes de ser profissional. Victor Valdés, guarda-redes natural de Barcelona, garante, com emoção, “nunca mais serei uma superestrela”. Para mim, Valdés já não é apenas um extraordinário guarda-redes. É um cidadão catalão, 1,83m, 33 anos, na fase final de uma carreira magnífica. Este cidadão comum deu uma lição de humildade a todos nós: aos que vêem os futebolistas como indivíduos fúteis e prepotentes, aos que sonham ter a “vida perfeita” do futebolista e aos que tiveram a sorte de ser talentosos mas não tiveram a “sorte” de ter uma lesão grave e ter de comprar, diariamente, bilhetes de eléctrico. Os bilhetes do sacrifício. Os bilhetes da vida real. diogo oliveira


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O Cabide Moda

Cabeças Ocas Bem-vindos a mais um ano de conversas sobre moda. Gostava de o começar com um tema actual e muito mastigado na minha cabeça uma vez que adoro questionar-me sobre a actualidade desta indústria. No outro dia estava à conversa com um amigo e ele falou-me da prima que também “adora moda”, não compra nada que não seja de marca e o seu passatempo preferido é gabar-se das malas XPTO que colecciona. Esta nossa conversa apenas veio confirmar a suspeita que eu tenho tido nos últimos tempos: as jovens “adoram moda” apenas porque gostam de roupa e ir às compras (entenda-se “adora moda” não no sentido lato do termo, mas sim, aquelas jovens que pretendem trabalhar no meio). Passo a explicar parte da minha teoria: há uns anos atrás surgiram umas meninas cheias de criatividade que decidiram partilhar as suas vidas numa plataforma acessível a toda a população; a ideia foi tão revolucionária que se espalhou rapidamente; esta tribo começou a denominar-se de bloggers. As tais “bloggers de moda” tornaram-se um fenómeno de publicidade tão incrível que as marcas passaram a pagar-lhes para usarem as suas peças; deste modo, todos os dias, milhares de bloggers publicam conteúdos em que mostram o que estão a usar – consequentemente, todas as jovens que “adoram moda” e que as seguem vão a correr comprar igual. Para além do capitalismo frénetico, da fast fashion e da cultura de tendências, os blogs de moda vieram disseminar e promover a ideia de que a moda são apenas trapos sem significado temporal e espacial: um bocado de tecido, rápido, fácil e acessível.

“ Ter sapatos não serve de nada se não sabes andar pelo teu próprio pé.

Fico ofendida quando sou comparada a estas jovens que afirmam “adorar moda” - não me interpretem mal porque eu também adoro roupas e ir às compras - em que a superficialidade, a futilidade e o consumismo são as únicas coisas que apregoam. Existe uma enorme falta de conhecimento do significado da moda e das mudanças que tem provocado na sociedade, na história e na cultura, dado que as pessoas não compreendem o seu verdadeiro impacto: pela primeira, vez nos anos 30, a Coco Chanel retirou as mulheres dos espartilhos e vestiu-as com calças; nos anos 60, a Mary Quant despiu-se de preconceitos e criou a mini-saia; em 1966, o Yves Saint Laurent quebrou todas as barreiras de género quando vestiu uma mulher com roupas tipicamente masculinas, le smoking (o nome dado pelo próprio). Todas estas mudanças foram cruciais para a liberdade de expressão que podemos usufrir quando nos vestimos de manhã. Todas estas mudanças foram construídas através de conceitos, ideias inovadoras e processos criativos de mentes brilhantes. Todas estas mudanças estão a perder-se com a fugacidade do consumo irresponsável perpectuado por estas jovens que “adoram moda”. Deste modo, não me incluam nesta categoria. E se vocês são estas jovens que “adoram moda”, procurem outra profissão a aspirar porque não precisamos de mais cabeças ocas. Tal como o meu amigo, Diogo Barreto, diz: “Ter sapatos não serve de nada se não sabes andar pelo teu próprio pé.”

Catarina Veloso o-cabide-moda.blogspot.pt


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FITA QUEIMADA Cinema

Questões sensíveis para a última hora Combustível. O ser humano, como qualquer outro objecto ou ser com consistência física, necessita de combustível. É quase imperativo que recorramos a forças exteriores para impulsionar a nossa linha de acção. As nossas ambições mais secretas, diga-se de passagem, as mais importantes, são, na maioria das vezes, armazenadas naquele canto ínfimo do nosso subconsciente juntamente com os nossos medos e frustrações. A busca pelos desejos puros assemelha-se à acção de expelir matéria fecal: por vezes sai naturalmente, outras vezes é preciso um “empurrãozinho”. Para a grande maioria, que peca em familiaridade com a latrina, existe Tyler Durden. Quem é Tyler Durden? Tyler é o gatilho da pistola, é a cavilha da granada. Tyler é a voz cujo sussurro penetrante é quotidianamente abafado pela nossa família, pelos nossos amigos, pela sociedade, por nós próprios. Tyler é quem nos mostra o que estávamos à procura quando não sabíamos muito bem o que procurávamos. À semelhança de entidades divinas, revela-se por desespero, por necessidade ou mesmo só porque sim. Cabe-nos controlar e dosear a sua intervenção na nossa realidade, se é que podemos considerar a sua interveniência controlável. Conhecermo-nos profundamente, a nível espiritual, é conhecer Tyler Durden. Após domínio total desta circunstância, damos por nós numa conversa amena com um amigo de longa data em frente ao espelho. “Compramos coisas que não precisamos com dinheiro que não temos, para impressionar pessoas de quem não gostamos.” A mecanização da sociedade e a analogia entre o percurso de vida humano e uma linha de montagem fordista é um fenómeno já dado como garantido. Por isso mesmo, a aceitação inconsciente desse ideal filosófico rema contra a corrente em direcção à nascente. Por este motivo, cabe-nos a nós próprios, enquanto indivíduos microscópicos na incomensurabilidade do universo espiritual, apercebermo-nos da nossa insignificante existência e lutar pela réstia de dignidade pessoal que podemos encontrar na poça de sangue originada pelas nossas batalhas com os outros e connosco próprios.

“ Compramos coisas que não precisamos com dinheiro que não temos, para impressionar pessoas de quem não gostamos.

” Ruptura total! A queda dos alicerces da sociedade para dar lugar a uma bola de neve anarquista. A automatização do pensamento e o vinco efectuado sob uma educação política ocidental dificulta ao cidadão dito comum aceitar a concepção de um ideal anárquico. A pureza do nosso ser e as suas autênticas vontades só se podem revelar num ambiente caótico e pós-apocalíptico do nosso próprio ser. A possessão material tomou conta de nós. As coisas sob as quais exercemos um direito de propriedade acabam por, no fim, nos possuir. A futilidade e a inutilidade de continuar a alimentar a máquina capitalista em todos os seus sentidos faz com que nos esqueçamos que somos os filhos não desejados de um Deus qualquer. Redenção? Não. Vamos antes fazer com que o suor da nossa causa rebente com os colossais edifícios de corporações que vêem cifrões refletidos nos olhos vazios da população. João torres


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Inteligência Artificial Gaming/Internet

Re-Creatividade Nos últimos anos temos visto surgir uma vaga de jogos que apelam à criatividade dos jogadores, um dos melhores e provavelmente mais conhecidos exemplos seria o jogo Minecraft, que provê ao jogador as ferramentas necessárias para criar uma variedade de elementos e set-pieces com a finalidade de habitar um mundo criado de forma processual, contudo esta ideia não única nem nova, acredito que a maior parte nós esteja bem aclimatizado com o conceito de LEGOS, simples peças de plástico que acabam por ter a mesma finalidade, ainda que adaptada, que o jogo anteriormente mencionado.

© Mario Maker, Nintendo

“ O mundo e a sua apreciação dependem exclusivamente da vontade humana e, como qualquer arte nova, os videojogos têm sofrido o desapreço de muitos.

O mais interessante deste fenómeno não é o elemento criativo em si, mas sim a capacidade de recriar material existente. A forma mais simples de exemplificar isto seria dizer que no início os LEGOS não apresentavam nenhum tipo de temática especifica mas com o passar do tempo começaram a adicionar elementos de outras propriedades intelectuais, como: Lord of The Rings, Star Wars, Harry Potter e muitos outros. Esta adição trouxe consigo a capacidade de recriar, modificar ou expandir as diferentes peças e elementos já existentes nesses mundos, o que pela sua vez expande os horizontes criativos duma forma virtualmente infinita. Passando ao mundo dos videojogos, temos a recente publicação do Super Mario Maker, para a Wii-U, que dentro do mesmo tom, possibilita a criação ou recriação de níveis e mundos clássicos dentro da franquia da Nintendo. Desde níveis completamente automáticos (tidos como, auto-marios), passando por níveis focados na criação dos sons, ritmos e música utilizando os elementos do jogo, até a criação de níveis alegadamente impossíveis. A ferramenta Mario Maker põe nas mãos do jogador uma classe de poder anteriormente reservada para a elite de homebrews e hacks. Por esta razão, é uma proeza conseguir não ficar emocionado a ver as diversas criações de inúmeros jogadores no mundo e ao mesmo é uma experiência íntima ao tentar perceber o funcionamento do cérebro do criador. Mitchel Martins Molinos


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Música nos Tempos que Soam Música

Música em exílio Tendo em conta a crise de refugiados que massacra o mundo, proponho apresentar aos leitores do nosso jornal uma banda cujos membros sofreram na pele os terrores do exílio. Falo dos Songhoy Blues. Banda originária do Norte do Mali, tiveram de se exilar para a capital do país, Bamako, quando a guerra civil maliana eclodiu naquela zona, em 2012. Com raízes na cultura Songhoy, originária das margens do rio Níger, entre as cidades de Timbuktu e Gao, tocam blues com sonoridades e ritmos africanos, tendo como influências grandes guitarristas do continente como Ali Farka Touré e Baba Salah. Depois do exílio, tocaram em Bamako, especialmente para refugiados do norte do país, até terem sido descobertos pelo produtor MarcAntoine Moreau, que procurava músicos para o projecto Africa Express, de Damon Albarn, vocalista dos Blur. Contribuiram com Soubour, segunda faixa produzida por Nick Zimmer dos Yeah Yeah Yeahs, para o álbum do projecto, Maison des Jeunes. Este foi um período de mudança para os Songhoy Blues. Viajaram para Glasgow e Londres, onde mais tarde se recolocariam, para dar concertos e tocar em festivais, assinando também um contrato com a Transgressive Records e dando início à rodagem de um filme sobre a música no Mali e a sua proibição. No seu novo local de residência, gravaram Music in Exile, albúm que aborda o sofrimento por que passaram.

“ Depois do exílio, tocaram em Bamako, especialmente para refugiados do norte do país, (...)

Com uma demonstração de força e perspicácia sónica, em forma de canções com grandes estruturas rítmicas, conquistaram uma boa cotação no mundo da música, albergando ótimas críticas que os catapultaram para outros festivais como Glastonbury, onde tocaram no prestigiado Pyramid Stage, Latitude e Roskilde. Na Dinamarca, voltaram a encontrar-se com o vocalista dos Blur, ao abrigo do projecto Africa Express, tocaram o exito dos Clash, Should I Stay or Should I Go, alterando as letras para abordar o tema da emigração africana. Costuma-se dizer que o Blues, tal como o fado, advém da tristeza. Sem dúvida que os rapazes Touré, pela sua experiência de vida, têm matéria-prima mais que suficiente para contar belas histórias de sofrimento e desespero através desta arte milenar. Mobilizaram-se, continuaram e continuam a lutar contra as injustiças, que muitos como eles continuam a sofrer. `The pen is mightier than the sword.` But so is the guitar. Miguel freitas


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literalmente metafórica

Literatura

Analepses e prolepses Um ano depois, estou finalmente em casa. Construí, com tijolos de vocábulos unidos pela pontuação, os alicerces necessários para depositarem em mim a confiança deste espaço. Posso, já que aqui estou, continuar a brincar com as palavras: uma coluna como sustentáculo de algo, de uma paixão. Da minha paixão; um amor inesgotável pelos livros e pelas letras. Em primeiro lugar, não me perguntem qual é o meu livro favorito e não me tentem convencer a ler qualquer obra noutro suporte que não o papel (o cheiro de um livro tem algo de mágico, bem como o toque das páginas). Também não me perguntem se prefiro prosa ou poesia e nunca questionem o porquê de andar quase sempre com um livro na mochila, mesmo quando tenho consciência que não há tempo para ler cinco linhas que sejam. Tentei, no parágrafo anterior, esboçar algumas das coisas que me definem. No entanto, não vou dizer que esta coluna vai ser isto ou aquilo. Esta coluna pode vir a ser muita coisa, tal como as minhas estantes têm livros de vários estilos, autores e editoras. Assim, o ilustríssimo leitor desta minha modesta página pode esperar uma crítica feroz a um livro ou autor, pode ser surpreendido com um devaneio sobre certa temática que me desperte a atenção ou, em dias de maior criatividade, pode até descobrir que a Alexandra tem tendência a inventar histórias, para não se refugiar apenas nas palavras escritas que outros atiraram ao mundo, para seu grande deleite. Mas debrucemo-nos, agora, sobre a questão da literatura em si mesma, que é para isso que cá estamos. Fernando Pessoa – ou Bernardo Soares, se quiser ser mais precisa – diz que esta simula a vida. Vai ainda mais longe e afirma que “Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.”. Será, então, um disfarce? Uma forma pensada de camuflar a realidade através das vidas das personagens? Temos, também, a opinião de Gabriel García Márquez que, no seu realismo mágico, define literatura como “o melhor brinquedo que se tinha inventado para gozar com as pessoas”.

“ Esta coluna pode vir a ser muita coisa, tal como as minhas estantes têm livros de vários estilos, autores e editoras.

“ De facto, quantas vezes não nos deixamos envolver de tal forma numa história que até sentimos estar dentro dela? Quantas vezes as reacções das personagens poderiam ser nossas, naquele mesmo enredo? E são também tantos os momentos em que nos sentimos ridículos por nos deixarmos afectar por uma ilusão! A literatura faz-nos pensar, como diz Saramago: “É a palavra escrita, a que está no livro, a que faz pensar”. É o que nos leva a reflectir, o que nos permite viajar por outros mundos, talvez sempre com uma ligação ao nosso. Atrevo-me a dizer, portanto, que os escritores vão abrindo janelas literárias. Lembro-me de ouvir, desde pequena, a seguinte frase: “Um livro leva-nos a ver aquilo que estamos a ler”. É esta a minha proposta, que também passa por esta coluna: explorem o universo literário que têm à vossa disposição. Viajem no tempo – voltem ao passado, imaginem o futuro – ,percam-se nas figuras de estilo e nas frases complexas. Descubram palavras e escritores. Recordem o que já é conhecido. Vamos? Alexandra antunes


CULTURA

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Produção Escrita - olhar de prata paisagem linguística

Nos nossos pensamentos criam-se momentos em que as ideias se interligam mutuamente. Em modo de observação, descrevo o que vejo, como é o quotidiano das palavras; Começam, em primeiro lugar, por sair do “cérebro do escritor” em direcção ao porto das canetas. Esta é a primeira paragem das palavras num dia regular de trabalho. Algumas palavras desembarcam neste porto, passando os bilhetes nos torniquetes e deixando a sua marca no papel. Num piscar de olhos, o batel acelera pelo perigoso mar de linhas à velocidade da tinta; Para trás deixam-se os membros, os familiares e amigos, as vírgulas, os pontos finais, pontos de exclamação e de interrogação sozinhos. A viagem faz-se depressa. Desta vez, em direcção a outro sentido: a um laboratório de observação dos erros do que foi escrito e cometido. É nesse compartimento que se fazem as vistorias do que é certo e do que é errado. Os polícias correctores disparam tiros de tinta branca cobrindo as fardas azuis dos trabalhadores. Há de tudo neste batel, até mesmo cidadãos palavrianos, sem documentação nem nação Bic ou Faber-Castle. São imediatamente levados para serem alvejados ou condenados na prisão de papel. Borram-se em lágrimas e mancham as folhas com suor e a tinta que sai da sua pele. As palavras ilegais que cometeram delitos e erros não têm escolha; outras, muitas vezes, são libertadas, mas não podem regressar à folha. Têm de permanecer cabisbaixas e desprotegidas enquanto são detidas. Se saírem da boca em que se encontram e disserem mentiras, serão subjugadas ao medo e às partidas. O tribunal do escritor tem o poder de remover do mundo do papel as palavras que quiser: estas nem sequer podem gritar de dor. Resta-lhes apenas rezar por um final melhor. E assim termina o dia com um final triste na poesia das palavras e da sua vida.

“Os polícias correctores disparam tiros de tinta branca cobrindo as fardas azuis dos trabalhadores.”

Omar prata


AGENDA CULTURAL

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EXPOSIÇÃO: - BARBADO GALLERY - Martin Parr´s “A Place in the Sun” - Beach Photos 1985-2015. Uma exposição sobre o melhor e o pior do Verão – 12 Setembro a 11 Novembro, na Rua Ferreira Borges, Campo de Ourique.

«Your eyes Sank in their hollows And the ocean of your disgrace»

CAMINHOS (VISITA GUIADA):

under the pillow, riversidE

A Lisboa de Orpheu – Comemoração dos 100 anos da revista Orpheu – Conhecer os locais emblemáticos CONCERTOS: da revista vanguardista de Pessoa, Almada Negreiros, Sá Carneiro, entre outros, como A Brasileira, o Teatro Riverside – 30 Outubro, paradise Garage, Municipal São Luiz, a Faculdade de Belas Artes, entre Lisboa, 19h. Apresentação do novo muitos outros - 15 Outubro – marcações prévias e disco Love, Fear and the Time Machine. informações: 218170900/ lisboa.cultural@cm-lisboa.pt (1ª parte – The Sixxis e Lion Shepherd). Semana da Lingua Italiana – Uma semana dedicada à Matthews Band – Digressão cultura italiana - 19 e 21 de Outubro, às 11h30 e 14h (entrada Dave do disco “Away from the World” - 11 livre), com participação do Professor Jorge Vaz de Carvalho, Outubro, Meo Arena, Lisboa, 20h. exposição de documentários, entre outras actividades.

As Escolhas do Pontivírgula ÁLBUNS:

VÍDEOJOGOS:

“Love, Fear, and the Time machine” , Riverside

“Super Mario Maker”, Wii U “One Piece Pirate Warriors 3”, PS4, PS3, PSVita e PC “SOMA”, PC “Metal Gear Solid V: The Phantom Pain”, PS4, PS4, Xbox One, Xbox 360 e PC “Undertale”, PC

“Moments in Time”, Alan Braxe “Cavalo”, Rodrigo Amarante “Parachutes”, Coldplay “Hand. Cannot. Erase”, Steven Wilson LIVROS: “Afirma Pereira”, Antonio Tabucchi “As Ondas”, Virginia Woolf “D’este viver aqui neste papel descripto – Cartas da guerra”, António Lobo Antunes “O Amor em Tempos de Cólera”, Gabriel García Márquez “O Monge e o Venerável”, Christian Jacq FILMES: “Birdman”, Alejandro González “Her”, Spike Jonze “Le magasin des suicides”, Patrice Leconte

© Riverside Band


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