Nona Arte | março 2021

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NONA ARTE NONA ARTE

Revista da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas | nº 58 | Edição de março de 2021 | ISSN 1646 - 7787 Revista da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas nº 58 | Edição março 2021 | ISSN 1646 - 7787

ESPECIAL Mouette Barboff : a celebração do Pão de Portugal

NONA ARTE | MARÇO 2021 NONA ARTE | MARÇO 2021


Propriedade e edição: FPCG Rua Dr. Armando Gonçalves, nº11 3140-574 Tentúgal e-mail: fpcg.geral@gmail.com site: http://fpcggeral.wix.com/fpcg Diretora: Olga Cavaleiro Depósito Legal 261621/07 ISSN: 1646-7787

NONA ARTE | MARÇO 2021


EDITORIAL

Registar as mãos, o olhar, as histórias de quem fez a história do pão. E sim, uma maneira de gravar no tempo o imenso O seu ar tímido e a sua presença discreta não nos

mundo do pão não deixando escapar entre os dedos o que

deixavam adivinhar o portento da sabedoria que

tanto marca a nossa gastronomia. Penso como Mouette fez

Não era só a pessoa que mais sabia sobre o pão português,

acumulou ao longo de muitos anos de investigação.

tão bem à nossa gastronomia. Com ela crescemos no

era a pessoa que mais sentia o mundo do pão. Da história

Somos “comedores de pão”, a nossa alimentação é filha

conhecimento, na defesa e preservação do pão português.

dos cereais às mós e moinhos. Das padeiras às forneiras.

de uma prática milenar associada aos cereais, temos um

Qualquer pessoa que fale de pão, fala pelo que aprendeu

Dos pães regionais aos rituais lindos do pão sagrado.

imenso património do pão. Mas nunca tínhamos estudado

com a sua investigação. E muito do que a Mouette aprendeu

Conheço os seus livros de frente para trás e de trás para a

aquele que é a base da nossa alimentação de forma tão

foi porque soube acompanhar o tempo das pessoas, o tempo

frente. Tenho gravado na memória algumas páginas pelo

profunda como Mouette o fez.

do pão.

maravilhoso que lá encontrei. A alma de um povo através do

Semear, ceifar, segar, moer, amassar, fintar, crescer,

Mas poderemos aprender com Mouette muito mais do que

pão, do bocado de farinha amassado com água, sal e

levedar, tender, cozer, agradecer. Mouette olhou para

toda a riqueza do conhecimento que os seus livros

crescente e que, canto a canto, deu resultados tão diferentes

além da ação dos tempos verbais. Sentiu as pessoas, foi

proporcionam. Comove-me a simplicidade e gosto de

e tão particulares. Dos seus livros, mais do que a informação

visitá-las, acompanhou-as no seu trabalho, ouviu as suas

aprender com essa forma tranquila de chegar à raiz do

preciosa, sobressaem os rostos que nunca se coibiu de

histórias, recolheu os seus testemunhos, gravou-as para

conhecimento. Sem a pressa da exposição, do relato do

mostrar. Os olhos brilhantes, ligeiramente envergonhados,

sempre no imenso imaginário do pão português. Estudou,

circunstancialismo

das duas ceifeiras no momento da captura da fotografia. As

investigou, refletiu e deu-nos o fio que nos permitiu

gastronómica. Pensar a gastronomia portuguesa exige tempo

faces rosadas e felizes das padeiras sob o encantamento do

compreender porque somos o que somos. Ao ler os

e sobriedade.

pão acabado de amassar. É um mundo feminino, tão

seus livros e nas conversas que tive com Mouette ficou a

Essa é também um grande legado que Mouette Barboff nos

acolhedor, tão quente como o colo de qualquer mãe, aquele

certeza do conhecimento humanista que sempre a

deixa. No pensar, sentir e fazer gastronomia precisamos de

que encontramos nos seus livros.

acompanhou. O saber foi uma forma de compreender e

um olhar comprometido, mas humilde.

Era a Mouette. Mouette Barboff.

dar a compreender.

Obrigada Mouette.

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regional

ou

novidade

de

cultura


CONTEÚDOS

Em memória de Mouette Barboff………………………………. ……….. …………... 5 – 9 Alguns pães de Portugal ……………………………….………. ………... ………… 10 - 14 O Ciclo do Pão Alentejano pela Confraria da Gastronomia do Alentejo …………………………………….…………………………... .. …………………... 16 – 22 “Ao Sabor das Conversas surgem conversas com sabor”……... ………... ………….. 23 – 26 Dia da Mulher e as Mulheres da Gastronomia …………….............................................. 27 – 29 Memórias gastronómicas em Lafões : Confraria homenageia Chefe Silva em livro … 34 - 37

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Em memória de EDITORIAL Mouette Barboff

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MOUETTE: A MULHER APAIXONADA PELO PÃO Mouette Barboff nasceu em Paris (França) em 1941 e faleceu no dia 22 de março de 2021. Barboff iniciou a sua pesquisa sobre o pão português, no início da década de 80 do século passado, quando conheceu o pão alentejano e da Serra da Estrela. Barboff pretendia estudar o artesanato dos pastores no Alentejo quando se apercebeu que em Portugal ainda existia a tradição das mulheres amassarem o pão. Assim começa uma história de amor e dedicação a este temática, Barboff pretendia estudar etnograficamente não apenas o fabrico do pão, mas todo o ciclo que envolve o pão desde o seu cultivo, à confeção e ao seu consumo. Geograficamente, Barboff iniciou os seus estudos no Alentejo, mas a sua pesquisa acabou por se alargar às tradições e histórias do pão em Portugal, tendo realizado trabalho de campo durante dez anos em quatro comunidades: no Alentejo estuda o pão de trigo, em Castro Laboreiro e Soajo, no Alto Minho, estudou o pão de mistura e a broa de milho e no Sabugueiro, na Serra da Estrela, estudou o pão de centeio feito por mulheres numa comunidade agropastoril. Era doutorada em Etnologia-Antropologia Social, pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, presidente da

associação científica L'Europe, Civilisation du Pain, durante dez anos, e fundadora e administradora do site online Les Civilisations du Pain, que pertence à Fondation Maison des Sciences de I'Homme, de Paris. Apaixonada pelo tema do pão, é considerada uma especialista neste domínio em Portugal, em França e em vários países europeus. As suas investigações sobre o ciclo do pão caseiro em Portugal deram origem à tese de doutoramento que submeteu à L'École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris e conduziram a inúmeras exposições e filmes documentais, à publicação de diversas obras, entre as quais se destacam Terra Mãe Terra Pão, título do catálogo da exposição realizada no Seixal, entre 1995-1996 e ao livro homónimo publicado pela Âncora Editora em 2005. Pains d'hier et d'aujourd'hui, Éditions Hoebeke, Paris, 2006, recebeu o primeiro prémio de Gourmand Awards em 2007, O pão em Portugal, o livro que cheira a pão, Inapa, Lisboa, 2008, foi considerado um dos melhores livros de gastronomia em Portugal, A tradição do pão em Portugal, CTT, Lisboa, 2011, que lhe valeu igualmente o primeiro prémio de Gourmand Awards 2012. Participou no Diccionnaire universel du pain, Éditions Robert Laffont, Paris, 2010.

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ALGUMAS PUBLICAÇÕES:

Mouette Barboff

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em memória de Mouette Barboff… Paulo Amado evoca Mouette Barboff, a estudiosa do

É uma colecção de vivências que toma outro

nosso pão, recentemente desaparecida.

sentido, o que era vida partilhada, continua a ser vida partilhada, agora mais memória, por essa nova

Pão, de mão e mãe. Que apanha o cereal, da fertilidade,

camada, a noção de que nada se repete.

que dá a vida. Mouette cismou presa nesse património

A ultima vez que ouvi sua voz, ia de carro à procura

nosso e fez parte de sua vida pender para nós, os

do ouro, à procura de Deixar o Pão Falar, com

portugueses. Ela, perdão, a senhora, ou como gostaria, a

Mário Rolando - o exímio padeiro humanista -

Mouette, era francesa. Sensível e com olho, atentou,

recolheu, fixou. Guardo memória da fotografia anexa a

Durante anos tive a oportunidade de poder interagir

este texto. Esta menina de broa na mão que já soube

com Mouette Barboff, enquanto jornalista, pessoa

quem era, de nome e localização e tudo. Mas não fixei,

ligada a eventos e outrem presente no mundo nesta

não era preciso, estava cá a Mouette para me dizer de

época. Entrevistei Mouette mais do que uma vez para

novo quem era a “minina”. Foi António de Sousa que

a revista Inter Magazine, estive no lançamento de

me apresentou Mouette Barboff, foi ele - nome grande

alguns dos seus livros, preparei uma exposição das

no universo do cereal e do pão em Portugal - quem em

suas maravilhosas fotos para acompanhar o seu

deu acesso a essa mulher maravilha.

penúltimo livro e organizei a homenagem do Congresso dos Cozinheiros em 2019.

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pessoa a quem dei os pesamos. Não conhecia ninguém mais do seu universo. Viverá em nós Mouette. O País deve-lhe a atenção, o destaque, pelo contributo cultural que nos deu com a recolha e o estudo que levou por diante. Um abraço e até sempre.


Raul Moreira em memória de Mouette Barboff…

Falava de “pão” com um conhecimento tão grande e com O trabalho de edição obriga a uma proximidade de contatos e a uma quase que intromissão nas vidas particulares de escritores e de editores, o que torna quase inevitável a ocorrência de amizade; também porque “les beaux esprits se rencontrent” e era muitas vezes ao redor de uma refeição

A aventura da edição de livros pelos CTT Correios de Portugal iniciou-se em 1983. Fomos o primeiro Operador Postal no mundo a editar livros com selos dentro, iniciando assim uma tendência que, anos mais tarde, quase todos os colegas de muitos países seguiam. Nessa senda da inovação no que toca a esta atividade também fomos precursores na criação de selos de correio e de livros temáticos sobre o

tema da gastronomia nacional. A abrangência da nossa presença no mundo através destas edições (bilingues) tornounos

num

dos

portuguesa. São

maiores

divulgadores

da

gastronomia

centenas de selos postais sobre a

Gastronomia de Portugal, com uma tiragem global superior a 24 milhões de unidades. E ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. Mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da gastronomia portuguesa. Não por acaso ficamos amigos desses autores. NONA ARTE | MARÇO 2021 - 9

bem escolhida e bem partilhada que as ideias de trabalho

surgiam e os vetores de desenvolvimento do livro se definiam. Alguns – Mouette Barboff, David Lopes Ramos, Alfredo Saramago – infelizmente já não se encontram connosco. Outros continuam a partilhar a sua sabedoria e amizade sempre que nos encontramos. Mouette Barboff chegou ao nosso gabinete de trabalho recomendada pelo antropólogo Benjamim Pereira, figura maior da antropologia nacional, alma grande do Centro Nacional de Etnologia e do Museu Nacional com o mesmo nome, amigo e colaborador de Ernesto Veiga de Oliveira e de Jorge Dias. Era uma senhora

muito calma, pequenina, que escondia debaixo de uma aparência frágil uma enorme sabedoria e uma tenacidade notável para encaminhar no sentido desejado os seus projetos.

palavras tão simples que logo nos conquistou a ideia de lhe encomendarmos uma obra com as características das nossas (de divulgação geral, dirigida a públicos amplos, mas cientificamente intocável) sobre a mesma temática. O “pão” era a sua vida e a sua especialidade, sobre ele defendeu a sua

tese de doutoramento na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). E, para mais, foi em Portugal que encontrou

a

matéria-prima

mais

interessante

para

desenvolver as suas pesquisas. No Portugal que se estende em termos de pão regional de Norte a Sul, de Este a Oeste. O resultado desta colaboração foi o livro “A Tradição do Pão em Portugal”, que editámos em 2011 com um design inspirado da Sofia e do Vasco Marques e que, pela qualidade intrínseca de texto e arte final, foi distinguido em França com o prémio Gourmand do melhor livro do mundo sobre Pão no ano de 2012.

Deixou-nos repentinamente esta “cotovia”, voando para outras paragens. Ficaram por escrever mais livros connosco, entre eles um sobre a arte dos pastores que aproveitam os seus momentos de pausa para se dedicarem a esculpir em madeira. E foi demasiado cedo. Boa viagem Mouette. Muito obrigado! Raul Moreira


PÃES NOSSOS…

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Segundo Amorim Girão no seu Atlas de Portugal (1958) O etnólogo Leite de Vasconcelos evocava, em 1920, O pão em Portugal é feito com três cereais: o milho, o centeio e o

“curiosas formas de pães, cada um com um nome

trigo.

especial: cacete (pãozinho de trigo estreito, com uns 30

Informa-nos ainda que o milho se adapta melhor a terras pluviosas,

centímetros de comprimento), molete, pão podre (por

mas está também presente, se bem com produções mais reduzidas,

oposição ao pão de trigo), sêmea ou pão segundo (em

para sul ao longo da costa e no Algarve. Por seu lado, o centeio

oposição ao pão alvo), trigamilha (pão de farinha de

surge associado a terras mais acidentadas e frias, do Nordeste ao

milho com uma percentagem de trigo), cancra, pão

Tejo e mesmo para sul deste, no distrito de Portalegre. Quanto ao

minheiro e pão Rolão (por oposição ao pão branco ou

trigo, ele “cobre toda a metade meridional do País e avança muito

pão fino), papo- -seco (pão pequeno com cerca de 10

para o norte ao longo da fronteira terrestre. É o cereal das regiões

com

mais quentes e mais secas”

excepcionalmente, pão de cevada e pão de aveia”

de

comprimento),

(Barboff, 2008).

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pão

de

quartos

e,


Foto: INFATIMA

Também as Festas do Bodo em honra de S. São diversas as festas de cariz religioso que têm no

Sebastião em Janeiro de Cima a oferenda de pão e

pão a sua principal referência. É o caso da Festa dos

vinho pelos moradores ao santo e que no final é

Tabuleiros em Tomar e as Festa do Divino Espírito

partilhado entre todos os presentes.

Santo nos Açores. De igual modo, o pão aparece. associado ao 1º de Também as Festas da Ascensão (dia da Espiga) são

Novembro, quando as crianças saem à rua e em

festas de alusivas ao pão em muitas terras portuguesas,

pequenos grupos pedem, de porta em porta, o pão-

em associação direta com a Páscoa.

por-deus ou Bolinhos e Bolinhós.

Os fornos de pão assumem uma importância simbólica relevante para lugares e populações. Disso é exemplo o forno medieval de Avelar, ligado às Festas de Nossa Senhora da Guia e ao cumprimento de promessas. Com esta finalidade a pessoa entrava no Forno bem quente, levando nas mãos a farinha para cozer e fazer um pão enorme, e na boca, para sua proteção, flores como instrumento de proteção divina. O pão era, depois de cozido, distribuído gratuitamente pelos peregrinos.

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PÃES DE PORTUGAL PÃO DE MAFRA O fabrico de Pão de Mafra, até à segunda metade do século XX, permaneceu uma atividade primordialmente doméstica e artesanal feito pelas mulheres nas suas casas, inicialmente com cereais da região, o que lhe conferia um sabor intenso e distintivo, um pouco salgado até, devido à proximidade do mar e dos ventos fortes. Para além do cultivo, a própria moagem era feita nos inúmeros moinhos de vento e mós de pedra que ainda hoje povoam a paisagem do concelho de Mafra. A venda deste pão, na origem chamado de saloio, era já conhecida, pelas ruas de Lisboa, desde a idade média, pois uma das origem do nome “saloio” provem de um imposto que os “mouros” que viviam nas imediações de Lisboa pagavam para vender o seu pão, na cidade, segundo o autor Gentil Marques na sua obra: “O pão, as padeiras e os padeiros”. Este pão saloio contrastava na sua propriedade física com o pão tipo francês, que provinha de farinhas mais finas produzido nas padarias da capital. No entanto só em meados do século passado é que o Pão de Mafra consegue diferenciar-se do pão saloio com características próprias e distintas. Esta distinção inicialmente era feita pelos comerciantes de Lisboa que vinham ao concelho de Mafra abastecer-se de produtos hortícolas e também levavam sempre um pouco de pão. Este pão era feito de uma forma caseira e rápido, sendo mais macio e adocicado, por ter mais água e menos fermento, era mais apreciado que o pão saloio, começou a ganhar reputação e a ser chamado com o nome da sua proveniência, Mafra.

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Foto: Pão de Mafra créditos da CM de Mafra


Pão Santoro de Pêga É um produto regional, típico do distrito da Guarda, particularmente da freguesia de Pêga. Daqui se expandiu depois a todo o concelho do Sabugal. É um pão de festas, mais concretamente da festa de Todos-os-Santos (facto que lhe originou o nome), época em que nestas terras é frequente os padrinhos oferecerem Pão Santoro aos afilhados, da mesma forma que noutras zonas do distrito da Guarda se oferece, Pão do Sabugueiro Pão tradicional da região de Sabugueiro, a aldeia que se situa a maior altitude em Portugal. Ao tratar das gentes da Beira, Joaquim Manuel Correia faz

pela Páscoa, o Bolo Folar da Guarda. A razão da oferta do Santoro é bem prova do estatuto que este pão tem,

em oposição ao pão escuro de centeio ou milho,

especial referência ao costume da cozedura do pão e do «desamuar do

considerado como a alimentação diária dos lavradores.

forno», dizendo que «sóbria a alimentação dos habitantes da, Beira (...). O pão

Já num livro de memórias se dizia: «os padrinhos mais

centeio (...), a carne de porco (...)». Também o pão foi durante muito tempo

pobres apenas dão bolos de vintém aos afilhados, que

objeto de «esmola» para a encomenda das almas, ritual comum em cerimónias

consistem em simples bolos de pão, cuja massa é

fúnebres «(...) um vizinho, quando o defunto deixa bens, distribui a cada pessoa presente, pedaços de pão centeio, que pobres e até ricos aceitam». Texto e foto: Produtos Tradicionais Portugueses, Lisboa, DGDR, 2001

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espalmada e untada com azeite antes de ir ao forno.» Texto e foto: Produtos Tradicionais Portugueses, Lisboa, DGDR, 2001


Pão de Padronelo O nome do Pão de Padronelo provém da freguesia do concelho de Amarante onde, no lugar da Ovelhinha, começou inicialmente a ser fabricado. Este lugar situa-se junto ao rio Ovelha, dispondo de vários moinhos tradicionais, alguns ainda em funcionamento. Aquando da segunda invasão francesa (1809), o lugar da Ovelhinha foi completamente destruído, tendo as padarias sido reconstruídas em locais, mais altos, onde ainda hoje funcionam. É, face ao seu formato, conhecido como o «pão da Concórdia». Pão fabricado segundo métodos tradicionais e cozido em forno de lenha. A farinha é moída em moinhos tradicionais, sendo depois peneirada e amassada com água, sal e fermento. Leveda cerca de 2 h. Volta a ser amassada à mão, altura em que se lhe dá o formato característico: um quadrilátero que é estrangulado segundo as medianas, ficando com o aspecto de losangos grosseiros, mais largos na zona de ligação e bicudos nas extremidades. A massa do pão é depois «couçada» (leveda tapada com cobertores). Entretanto, o forno é aquecido durante 1 h com lenha. Seguidamente o pão é cozido durante cerca de meia hora. Texto e foto: Produtos Tradicionais Portugueses, Lisboa, DGDR, 2001


Pão de Centeio de Castro Laboreiro

A elaboração do pão de centeio assenta num ritual com rezas para cada fase, as quais são consideradas pelas castrejas como fundamentais. Localmente a preparação do pão é assim descrita: «Peneirar a farinha centeia. Peneirar

a farinha milha ou triga. Misturar as farinhas com a mão. Fazer um "vulcão" e encher com água e sal. Juntar o fermento. Mexer com a mão. Amassar e dobrar a massa (palhada).» Como fermento usa-se massa preparada anteriormente e deixada a levedar durante 12 h. Diz a lenda que «a água ou orvalho de S. Pedro quando usada para fazer o fermento não deixa o pão azedar». Pronta a massa, esta é colocada a levedar, durante 4 h, coberta com um lençol de linho e uma manta de lã, fazendo-se a seguinte reza: «S. Vicente te acrescente — S. Mamede te levede —

Imaculada Conceição faça de ti bom pão.» Enquanto o pão leveda, aquece-se o forno comunal usando-se em especial a lenha de urze. Quando o forno está bem quente, retiram-se as brasas e com estas na pá fazem-se cruzes O Padre M. A. Bernardo Pintor refere que D. Sancho 1 concedeu

dizendo: «Cresça o pão no forno — O Bem de Deus pelo mundo todo — P'rás feiticeiras um corno — e p'rá

foral a Castro Laboreiro «... quando fosse a Castro Laboreiro, o

parranheira do forno», e atiram-se as brasas para o chão. Finalmente, tendem-se os pães que se colocam no forno.

Rei recebia de cada casa 2 pães...». Maria Lamas refere «... o

Tradicionalmente a porta do forno era selada com estrume de bovino para evitar as perdas de calor. O tempo de

mesmo pão negro e grande como a roda de um carro, cozido no

cozedura é de 2 h, após o que o pão é armazenado na «camboeira».

forno comum, uma vez por mês, e conservado fora do alcance dos

Texto e foto : Produtos Tradicionais Portugueses, Lisboa, DGDR, 2001

ratos nas prateleiras da "camboeira", suspenso do teto, a um lado da cozinha». NONA ARTE | MARÇO 2021 - 16


Descrição: Pão feito à base de farinha de trigo e de centeio, com sal e fermento de padeiro. O seu aspeto interior é seco e poroso. Tem cerca de 40 a 50 cm de diâmetro e 1 kg de peso. É um pão de forma circular e convexa com uma côdea relativamente estaladiça e gretada. Apresenta cor branco-pérola na parte interna e cor castanho-clara na parte externa. Como alimento, sobretudo de índole regional, pois deve ser consumido antes de decorridas 48 h após o seu fabrico. História: É um produto regional, típico da zona, pois mesmo as pessoas mais velhas da região se recordam de sempre terem consumido Pão de Escalhão. Saber fazer: Misturam-se as farinhas com o sal e o fermento desfeito e amassam-se com água até se obter

uma pasta mais ou menos homogénea. A homogeneidade da massa depende do grau de moenda da farinha de centeio. A sala onde se amassa deve estar mais ou menos aquecida. Tapa-se a amassadeira com panos brancos e mantas para a massa levedar. Tendem-se bolas que se colocam num tabuleiro a descansar um pouco e vão a cozer em forno de lenha. A temperatura do forno deve estar compreendida entre 160 e 170 ºC, pois tem influência no aspeto final do produto. Texto e foto: Produtos Tradicionais Portugueses, Lisboa, DGDR, 2001

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Pão de Escalhão


NONA ARTE | DEZEMBRO 2020


O CICLO DO PÃO ALENTEJANO Confraria Gastronómica do Alentejo

É nosso dever passar para os vindouros o testemunho dos saberes e dos sabores da história ancestral de uma região que

A Gastronomia Alentejana e os ciclos produtivos endógenos,

ocupa cerca de 1/3 do território nacional, que é o Alentejo.

que lhe estão subjacentes, têm de e devem ser preservados e

Ainda que as folhas de cereais de sequeiro, principalmente do

divulgados enquanto fatores identitários e diferenciadores dos

trigo (Triticum spp), sejam hoje, quase inexistentes na

costumes e tradições ancestrais do Alentejo. Quanto mais se

paisagem alentejana e ainda que o forte desgaste dos solos

globalizam as nações e a sociedade em geral, em nosso

originado por esta culturas, e principalmente pelas práticas de

entender, mais se justifica esta perspetiva de reforço

mobilização adotadas ao longos dos anos, o Alentejo

identitário. E esse é também um dos propósitos da Confraria

beneficiou de um legado histórico, que importa salvaguardar,

Gastronómica do Alentejo

associado ao ciclo do pão, em toda a sua evolução técnica,

Falar do ciclo do pão alentejano, é necessariamente falar do

social e cultural, que se iniciava na “arroteia” dos terrenos

trigo, não fora essa a terminologia que os nossos antepassados

virgens e demais operações de lavoura, com vista à preparação

sempre usaram, como diz um fado, “… ao trigo chama-se

das camas para receber a semente, passando pelas diversas

pão”…, mas, é também falar de todo um ciclo agro industrial

práticas agronómicas de cuidados culturais, pelos hábeis e

complexo que lhe está adstrito. A divulgação de cada uma

engenhosos processos de separação da casca do endosperma

destas fases reflete por si só a riqueza dos hábitos

do cereal, aproveitando as energias renováveis, com vista à

antropológicos, costumes e tradições de convivência social,

obtenção de farinha…até à multiplicidade de maneiras como o

gastronómicos e mesmo do cante alentejano, que sempre lhe

Alentejano tem utilizado o pão, como sustento e elemento

estive subjacente.

indispensável da sua gastronomia.

NONA ARTE | MARÇO 2021 - 19


A divulgação de cada uma destas fases reflete por si só a riqueza dos hábitos antropológicos, costumes e tradições de convivência social, gastronómicos e mesmo do cante alentejano, que sempre lhe estive subjacente. É nosso dever passar para os vindouros o testemunho dos saberes e dos sabores da história ancestral de uma região que ocupa cerca de 1/3 do território nacional, que é o

Alentejo. Ainda que as folhas de cereais de sequeiro, principalmente do trigo (Triticum spp), sejam hoje, quase inexistentes na paisagem alentejana e ainda que o forte desgaste dos solos originado por esta culturas, e principalmente pelas práticas de mobilização adotadas ao longos dos anos, o Alentejo beneficiou de um legado histórico, que importa salvaguardar, associado ao ciclo do pão, em toda a sua evolução técnica, social e cultural, que se iniciava na “arroteia” dos terrenos virgens e demais operações de lavoura, com vista à preparação das camas para receber a semente, passando pelas diversas práticas agronómicas de cuidados culturais, pelos hábeis e engenhosos processos de separação da casca do endosperma do cereal, aproveitando as energias renováveis, com vista à obtenção de farinha…até à multiplicidade de maneiras como o Alentejano tem utilizado o pão, como sustento e elemento indispensável da sua gastronomia.

ARTESANATO ALENTEJANO “A CEIFEIRA” foto de Maria da Luz Caeiro NONA ARTE | DEZEMBRO 2020


O Trigo

O ciclo do trigo tal como era cultivado anteriormente e não há muitos anos atrás numa mistura de saber empírico, de trabalho braçal, motricidade animal e num passado mais recente a mecânica, iniciava-se com o “alqueivar” das“folhas” das searas, até ao fabrico e á cozedura do saboroso e estaladiço pão Alentejano. O “alqueive” era efetuado no verão e só em outubro, após as primeiras chuvas as terras eram “embelgadas” e realizada a “sementeira”, seguida de um conjunto de práticas e técnicas agrícolas ancestrais, cuja memória devemos preservar pelo seu grande interesse histórico, cultural, antropológico e mesmo etnográfico, tais como as “mondas”, as “ceifas”, o “carrego”, o “frascal” e a “debulha”, sempre acompanhadas pelas “cocarias”, que alimentavam os ranchos de trabalhadores e pelos demais rituais gastronómicos e sociológicos que as envolviam. Desde que começou a ser cultivado pelo homem, à cerca de 6.000 anos, o trigo

Pintura de Fernando Ikoma

sempre foi motivo de controvérsia, de tumultos e mesmo de guerras, tal a sua importância estratégica em termos alimentares, económicos e políticos, mas também em termos agronómicos e

Este fator antecede mesmo a célebre “campanha cerealífera”, face às “arroteias” intensas

mesmo do seu custo/benefício em termos ecológicos, na medida em que esta cultura, enquanto

que foram sendo realizadas, mas que também gerou benefícios e muitos: O crescimento

cultura intensiva também foi em parte responsável pela degradação de solos e ecossistemas e

populacional; a conquista de novos campos de cultivo arroteados à preponderância da

consequentes processos de desertificação, das terras alentejanas.

charneca alentejana; o desenvolvimento de técnicas agronómicas e o desenvolvimento científico sobre as culturas cerealíferas.

NONA ARTE | MARÇO 2021 - 21


A Moagem Para que os grãos de trigo “façam farinha” é necessária uma operação algo complexa, através da utilização de hábeis e engenhosos processos para separar a “casca” do endosperma, com vista à obtenção da farinha. Basicamente o processo de moagem consiste em retirar o interior do grão (albúmen), do invólucro fibroso que constitui a parte exterior da cariopse, com o objetivo de os separar, procurando-se a obter o máximo de quantidade de farinha (branca / flor) com o mínimo de casca (sêmea), misturada, com o necessário equilíbrio entre a qualidade técnico-legal e a rentabilidade económica da operação. Noutros tempos e enquanto os moinhos foram o meio preferencial de produção da farinha necessária ao fabrico do pão, que era então a base da dieta alimentar, os Moleiros, quais artesões especializados no

Ceifeira Foto: Arquivo Municipal de Évora

perspicaz aproveitamento da força motriz dos elementos renováveis (água e vento), na capacidade de esmerilar e picar as mós

de pedra e na arte de condução do integral funcionamento moinho, (Azenha, ou de Vento) tiveram ao longo de muitas décadas uma acentuada relevância social, não só pelas seu “engenho” técnico, mas sobretudo devido ao “engenho” da rentabilidade que

Limpeza e Humidificação do cereal; Moenda ou trituração

conseguiam geralmente retirar do seu ofício fruto da cobrança das maquias (*), nas quais baseavam a economia da sua

progressiva (até se atingir a granulometria micrométrica

atividade. (*) Porção da farinha que o moleiro retirava, quando moía trigo de outrem, como compensação do seu trabalho.

pretendida) e peneiração, com o objetivo de separar gradual e

Também nesta matéria se verificou uma forte evolução tecnológica e profissional. Os moinhos artesanais deram lugar a

sucessivamente a casca (farelo / sêmea) do albúmen (farinha).

complexos moageiros controlados informaticamente. As mós de pedra, são agora robustos cilindros metálicos,” estriados ou

Conforme as caraterísticas físico - químicas da farinha pretendida

lisos” com temperatura controlada (de modo a preservar todas as características organoléticas dos produtos) e a arte e o

e do tipo de pão que se pretende fabricar com a mesma, assim é

engenho do moleiro são agora substituídos pela técnica de condução de complexos “diagramas” de fabrico. Eventualmente “complicou-se” inevitavelmente o que era simples em nome da evolução, da produtividade, da massificação e da globalização, porque em suma o processo de moagem continua sinteticamente assentar em 3 fases sucessivas e complementares:

a forma de condução do processo de moagem e o tipo de mistura de variedades do grão, ou das variedades de farinha, quando a moenda é feita a “singelo”(*)- (*)moagem de uma única

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variedade de trigo.


Foto Diário de Noticias

O Pão “…. e o pão… o pão nosso de cada dia”.

Talvez um dos alimentos mais adequados às exigências do metabolismo do organismo humano, venerado por religiões e alimento capaz de mitigar a fome,(…a pão e água) também ele tem sido capaz de gerar controvérsias políticas, sociais e nutricionais, mas é um facto que tem sido ele a base fundamental da interligação dos muitos produtos endógenos utilizados na arte culinária da gastronomia, que preserva os nossos saberes e sabores alentejanos, das sopas, açordas (tharid) e ensopados. O Pão, enquanto alimento, coexiste praticamente com a história do trigo e por isso é-lhe atribuída a mesma origem geográfica da Mesopotâmia, quando praticamente o homem passou de um estádio de nómada para a sedentarização. O uso do pão branco, de massa fermentada é atribuído em primeiro lugar, aos egípcios, 20 a 30 séculos A.C. e rapidamente a sua utilização se disseminou por todo o mundo. Naturalmente que foram evoluindo as técnicas de fabrico, os seus constituintes e até mesmo a forma de apresentação física.

Segundo a lei n. º75/2009, artigo 2º, alínea a): «Pão» o produto obtido da amassadura, fermentação e cozedura, em condições adequadas, das farinhas de trigo, centeio, triticale ou milho, estremes ou em mistura, de acordo com os tipos legalmente estabelecidos, água potável e fermento ou levedura, sendo ainda possível a utilização de sal e de outros ingredientes, incluindo aditivos, bem como auxiliares tecnológicos, nas condições legalmente fixadas.»

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O Pão Alentejano Foram provavelmente os romanos que introduziram técnicas de fabrico do pão, nomeadamente com o processo de fermentação ou levedura, que de algum modo podemos considerar como a génese do pão alentejano e ainda hoje as suas características e qualidades se diferenciam objetivamente dos demais pães das outras regiões. Farinha de trigo mole, mas onde necessária e frequentemente se adicionavam trigos rijos (caso do trigo preto amarelo), para melhorar a qualidade proteica e a consistência do miolo, agua morna e sal, misturados com pingas de suor do amassador e sempre a “madre”, o “isco”, a “massa velha” ou “massa mãe”, guardado da amassadura da semana anterior já ela abençoada, (As leveduras, mais concretamente os seus esporos alimentam-se dos açucares contidos nos amidos, transformando-os em glicólise e consequentemente em etanol e dióxido de carbono ) caraterizam a leveza, o ligeiro travo ácido e a textura esponjosa mas compacta do miolo. As sua tradicionais características de uma a côdea rija, baça, grossa e estaladiça, conferidas por uma cuidada cozedura em forno de lenha, previamente aquecido e testada a cozedura, não só pela mudança de coloração, como com o tradicional toque na base crocante, tornam o pão alentejano apreciado e consumido por todo o território nacional, como entrada, refeição, sobremesa, ou entre refeições, sendo expressão de uma inquestionável riqueza alimentar em termos de dieta mediterrânica. A certificação do Pão Alentejano é um dos grandes objetivos da Confraria Gastronómica do Alentejo, face à necessidade de manter a sua “tipicidade e notoriedade”, para além de todas as suas características intrínsecas, em termos de qualidade.

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Glossário Arroteia – Técnica de transformação de terreno de mato inculto de modo a poder ser futuramente cultivado; Alqueive – 1ª lavra de uma terra que é deixada em pousio até nova lavra; Folhas – Parcelas que dividiam as terras de cultivo nas herdades destinadas às searas e que eram em regime de rotação; Embelgamento – Separação do terreno em faixas para semear, através de regos; Mondas – Ato de arranque manual de ervas nocivas, feito por ranchos de mulheres; Ceifas – Ato de corte manual dos cereais, com a utilização de uma foice e dedeiras de cana para proteção dos dedos; Carrego – Transporte em carros de muares, dos molhos de trigo, do campo de cultivo para a eira; Frascal - Monte de molhos empilhados feitos juntos da eira para posterior de debulha do cereal; Debulha - Processo de separação dos colmos das espigas e subsequentemente separar os grãos das espigas; Cocaria: Confeção de comida em grupo, para ranchos de trabalhadores Bibliografia

Barboff, Mouette– “O pão em Portugal” editor: Scribe ; COELHO, TRINDADE (1904) – “Pão Nosso ou Leituras Complementares”. Aillaud, Lisboa.; KROPOTKINE, P. A. (1975) – “A Conquista do Pão”. Guimarães e Cª Editores, Lisboa. ;MOTA, A. (1994) – “À roda do Pão”. Prodep 93, Baião.; PICÃO (José da Silva).- ATRAVÉS DOS CAMPOS ( Usos e costumes agrícolas-alentejanos-Publicações), D. Quixote. 1983; Casas-Novas, José “O Papel da Multifuncionalidade da Agricultura no Desenvolvimento da Região Alentejo” - U.E. 2011

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Provérbios populares sobre o pão

Fraca é a padeira que diz mal do seu pão. Pão que sobre, carne que baste, vinho que falte.

Bom grão fará bom pão.

Pão de centeio, melhor no ventre que no seio.

Pão mexido é pão crescido.

Pão do vizinho tira o fastio.

O pão, pela cor; o vinho, pelo sabor. À falta de pão, até migalhas vão.

Pão de taberna não farta nem governa.

Quem não poupa o pão, com fome cai no chão.

Saboroso é o pão duro, quando não há mais nenhum.

Pão quente, muito na mão e pouco no ventre.

Vale mais pão duro que figo maduro.

Pão que sobre, carne que baste, vinho que farte. Bocado de mau pão, nem para ti, nem para o teu cão.

Caldo sem pão só no inferno o dão.

Pão de pobre cai sempre com a manteiga para baixo.

Vale mais um pão com Deus que dois com o diabo.

Mais vale pão com amor que galinha com dor.

Lágrimas com pão ligeiras são.

Um pão no mato dá para quatro. Pão comido, pão esquecido.

Quem dá o pão dá o pau.

Quem dá o pão, dá a educação.

Fidalgo sem pão é vilão.

Para a fome não há mau pão.

Quem quer o filho ladrão tira-lhe o pão.

No S. João, a sardinha pinga no pão. Nem mesa sem pão, nem exército sem capitão. Dinheiro compra pão, mas não compra gratidão.

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De mau grão, mau pão. Imagem: spartacus.schoolnet.co.uk

Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.


“AO SABOR DAS CONVERSAS SURGEM CONVERSAS COM SABOR”

Os folares merecem uma boa conversa. Os folares e os Pães Doces. Se olharmos bem, podemos viajar por Portugal ao cheiro e sabor dos muitos e diversos folares que temos. Para esta viagem, não podíamos ter melhor companhia.

Mário Rolando ou o mago do pão. Sentir a sua visão

revolucionária e a sua paixão faz-me sentir que o pão vai permanecer como o alimento primeiro e primordial, místico e sagrado, do nosso quotidiano. Uma belíssima conversa que decorreu no dia 29 de Março e com a qual todos aprendemos muito.

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Foto Mário Rolando


“AO SABOR DAS CONVERSAS SURGEM CONVERSAS COM SABOR” Conversa com a “Confraria Gastronómica das Saínhas” a propósito do seu Capítulo que se realizaria em Março. Somos resilientes, vamos continuar !!!

Conversa : “Os Comeres da Quaresma da privação à abundância” a Anabela Ramos dá o mote e, depois, segue a conversa sobre o jejum que, nem sempre era magro, às vezes era bem gordinho.

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“AO SABOR DAS CONVERSAS SURGEM CONVERSAS COM SABOR”

Conversa: “Comidas do Entrudo” com Virgílio Nogueiro Gomes

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“AO SABOR DAS CONVERSAS SURGEM CONVERSAS COM SABOR”

Estivemos à conversa sobre... feijões! Numa iniciativa aberta à comunidade, a Federação das Confrarias quis ouvir tudo sobre esta leguminosa que mudou a nossa vida. Com casca, sem casca, verde ou em seco, de mil formatos, cores e designações, descobrimos a que sabem os feijões…

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DIA DA MULHER E AS MULHERES DA GASTRONOMIA

Chefe Marlene Vieira pelas suas palavras: "Sou uma mulher do norte” num mundo onde aparenta ser de homens, mas acredito que sirvo de inspiração a outras mulheres. Quero fazer sempre boa cozinha e igualmente desafiar a sociedade ao mostrar que a cozinha profissional é também um mundo de mulheres, onde elas podem e sabem, liderar e criar, tão bem ou melhor que os homens!“ foto e texto de : https://www.marlenevieira.pt

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Escrita gastronómica, Fátima Moura, e o contributo que tem dado para o conhecimento da nossa gastronomia portuguesa.


DIA DA MULHER E AS MULHERES DA GASTRONOMIA Nascida no coração de Trás-os- Montes, Justa

Filipa Vacondeus

Nobre transportou alma e o sabor da cozinha Grande

entusiasta

da

gastronomia

portuguesa, autora de vários livros como "Petiscos da Filipa" ou "Viver mais e melhor".

tradicional portuguesa para a capital. Cedo se tornou chefe de cozinha e não demorou a inaugurar o seu próprio espaço, que desde então, se

tornou

uma

referência

da

Tinha as receitas económicas como imagem

portuguesa.

de marca e ficou também conhecida por ter

Texto e fotos: https://justanobre.pt

servido de inspiração para uma personagem de Herman José que utilizava a famosa expressão "imensa paprika".

Foto: Jorge Simão/matéria-prima edições no Público

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gastronomia


DIA DA MULHER E AS MULHERES DA GASTRONOMIA

Num dia dedicado à Mulher quisemos lembrar as grandes mulheres da gastronomia portuguesa. Maria de Lourdes Modesto resgatou muito do receituário da cozinha portuguesa, fixando-o no tempo, dando-nos a oportunidade de o conhecermos. Disponível em https://www.acpp.pt/maria-de-lourdes-modesto este acervo constitui um dos pilares da afirmação da Cozinha Regional Portuguesa.

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Memórias gastronómicas em Lafões : Confraria homenageia Chefe Silva em livro Texto e fotos: Aníbal Seraphim Há histórias que só têm um final feliz. Mas esta história tem um início e final feliz, e com um “milagre” de Natal pelo meio. A Confraria de Gastrónomos da Região de Lafões teve o ensejo de homenagear o saudoso Chefe Silva através de um livro que contivesse várias áreas de interesse e divulgação, tendo o destino se encarregado de conectar algumas efemérides. Por vezes o etéreo resolve ajudar e como vivemos há um ano com vários constrangimentos, poderia este projeto não ter atingido os objetivos propostos. Mas, com esforço e dedicação tudo se consegue. Vejamos a cronologia: A primeira sessão fotográfica e confeção dos pratos ao almoço e jantar foi possível realizar-se a 14 de outubro de 2020, pela conjugação de agendas dos vários intervenientes. Coincidentemente na data do 5º aniversário do falecimento do Chefe Silva. Chegada dos livros à Confraria: Sábado, 19 de dezembro de 2020. Fim de semana do 24º aniversário da Confraria, comemorada a 20 de dezembro. Dadas as contingências das incertezas que vivemos, o objetivo da previsão da chegada antes do Natal poderia ficar em causa por motivos alheios, mas inerentes, no entanto prevaleceu o pensamento positivo e como recompensa os mil exemplares chegaram à Confraria em plena época natalícia. Assim, o livro do Chefe Silva “Memórias gastronómicas (em Lafões)”, junta-se ao espólio de livros já editados pela Confraria: “Carta Gastronómica da Região de Lafões” e “Aromas da Terra - Ervas aromáticas do Vale de Lafões”, deixando assim um enorme legado para o futuro e promoção de toda uma região de rara beleza que merece ser visitada e apelativa dos sentidos através da gastronomia.

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Dissecando sobre o livro Comecemos pela capa. Fundo branco, que dá vida ao Mestre, pois apesar da sua partida será para sempre eterno, tal como a sua obra. Um belo contraste com a fotografia da capa e que condiz com a cor da sua bata e chapéu de Chef. Nome do Chefe Silva a preto complementado com “Memórias gastronómicas (em Lafões)” a dourado, ficando assim bem patente o brilhantismo da sua obra. Sobressaí ainda do fundo branco as dez miniaturas de fotografias de alguns dos pratos confecionados que compõe o livro.

Costuma dizer-se “não julgues o livro pela capa”. Neste caso essa frase encaixa na perfeição. O livro de capa dura contendo 142 páginas apresenta-se muito bem paginado e ilustrado com fotografias de excelente qualidade, tendo os pratos confecionados sido fotografados pelo experiente Paulo Choupeiro. As receitas estão igualmente percetíveis e apelativas a que se corra para a cozinha partindo à aventura para preparar as iguarias. O índice foi bem elaborado e cada item no devido lugar, dando assim uma sequência lógica ao livro, tal como o receituário, também com índice, escalonado por regiões: Região de Lafões, Amares e Caldelas, e receituário da Campoaves. O livro não se restringe apenas ao receituário, contém algumas páginas dedicadas a homenagens escritas de forma sentida e poéticas por parte dos confrades Carlos Almeida e Joaquim Cardoso, contendo mensagens dos Presidentes dos três Municípios de Lafões e do Edil de Amares. Complementado com memórias por parte da Direção da Confraria, da Campoaves, e dois sentidos textos do confrade Carlos Rodrigues. Igualmente tocadas pelo sentimento são as palavras do filho e da neta do Chefe Silva. O livro contém uma série de artigos da comunicação social. Para abrir o apetite para que desfrutem deste livro, inclui uma curiosa entrevista imperdível em que o Chef afirma:“A minha mulher não me queria na cozinha”. NONA ARTE | MARÇO 2021 - 35

Foto: Visit Lafoes


Iguarias preparadas para a composição do livro A confeção dos pratos e registo fotográfico decorreu em vários locais de Lafões, fazendo assim um périplo regional, que terminou com chave de ouro. No dia 14 de outubro de 2020, o almoço foi em Oliveira de Frades, no Restaurante O Solar, com os seguintes pratos, sopas e sobremesas: Arroz de Frango à moda de Lafões, Frango do campo com massa à Lafões, Capão assado com laranja, Empadinhas de Frango do campo à Alentejana, Frango de cabidela, Bifinhos de Frango do campo à Chefe, Bifinhos de Peru com cogumelos e camarões, Sopa de Frango com feijão e Tigelinhas à moda de Lafões. Ao jantar, no Restaurante Eira dos Sabores, em Vouzela, as receitas foram: Sopa de cebola à moda de Lafões, Arroz à pedra da broa, Vitela à moda de Lafões,Vitela de Lafões, Delícias de café e Mexidos do convento. A 22 de Outubro foi a vez de S. Pedro do Sul ser ponto de passagem desta iniciativa e no Restaurante Laranjeira foram confecionados e fotografados os seguintes pratos: Arroz de feira de S. Pedro do Sul, Vitela à moda de Lafões, Creme queimado da Gralheira e Pudim de pão de S. Pedro do Sul. Mas o leque da variedade do legado do Chefe Silva ainda é maior, muito maior, que os pratos registados fotograficamente para o livro nos três concelhos. Assim, a 27 de outubro de 2020 e com a ajuda de alguns confrades na confeção dos pratos, realizou-se a última sessão fotográfica, incrementando mais receitas para o livro e dessa vez com degustação dos seguintes pratos: Chouriço em vinho tinto, Bacalhau à Lafões, Bacalhau à moda de Lafões, Rancho à pedra da broa e Carne da padela. Para sobremesa: Aletria de Lafões e Colchão de Vouzela. Para terminar este périplo com chave de ouro, não poderíamos deixar falar do local onde se realizou: Casa Museu, um ex-libris de Vouzela. Uma casa de beleza rara e carregada de história: Erigida nos princípios do Sec. XVII, com um brasão em pedra Ançã no seu interior, representando as quatro famílias: Almeida, Brandão, Torres e Cardoso. O charme e a atenção ao pequeno detalhe estão por todo o lado e o requinte da decoração é brilhante. Edifício de património arquitetónico incalculável e de notável herança histórica e familiar, com uma admirável exposição de arte sacra no hall de entrada e o simbolismo da traça em pedra, tudo num enquadramento familiar. O local ideal para encerrar este percurso. NONA ARTE | MARÇO 2021 - 36


Sobre o Chefe António Silva António da Silva, sobejamente conhecido por Chefe Silva, nasceu em Caldelas, Amares, e foi um dos mais conceituados e famosos Chefs de Cozinha Tradicional Portuguesa. Ao longo da sua vida foi Chef de cozinha dos mais conceituados restaurantes portugueses, inspirado pelos dotes culinários que herdou da sua mãe. Iniciou o seu percurso aos 18 anos de idade em Lisboa ao serviço do Turim Suísso Atlântico Hotel, nos Restauradores, e no Hotel do Império. Aos 24 anos rumou a África, para a antiga Lourenço Marques, atual Maputo, Moçambique, assumindo o comando de chefe de cozinha do Hotel Girassol, do Hotel Xai-Xai e do restaurante do aeroporto local. Regressa ao continente para trabalhar no Hotel Avenida Palace e terminar o curso na Escola de Hotelaria de Lisboa, tendo passado com distinção. Foi chefe do Grill do Hotel Altis e diretor de Produção da Eurest Portugal. Anos mais tarde abre o restaurante Super Chefe, em Lisboa. Mas a notoriedade e reconhecimento são também as suas aparições na televisão e… Quem não se lembra da revista TeleCulinária? Pois, foi durante 30 anos diretor técnico da revista. Membro honorário da Academia do Bacalhau em Nova Jérsia, nos Estados Unidos, e de várias confrarias nacionais e internacionais, deixou um enorme legado de receitas na região de Lafões, ao ser membro fundador da Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões.

Pela sua conectividade com a região, consideravam-no um “filho da terra”.

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Foto: JN


Créditos das fotos: Foto capa: Pixabay p. 3 – foto em: Moutte Barboffhttps://www.facebook.com/Mouette-Barboff-755046071346630/photos p. 6 – foto em: Paulo Amado EG https://www.facebook.com/photo?fbid=10218097933734316&set=a.1868323222269 Outros créditos referenciados na respetiva página da publicação

FEDERAÇÃO PORTUGUESA DAS CONFRARIAS GASTRONÓMICAS

NONA ARTE | MARÇO 2021 - 38


FEDERAÇÃO PORTUGUESA DAS CONFRARIAS GASTRONÓMICAS

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