Nona Arte | dezembro 2021

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NONA ARTE

Revista da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas | nº 61 | Edição de Dezembro de 2021 | ISSN 1646 - 7787

Natal pelo Mundo Real Confraria da Cabra Velha


Propriedade e edição: FPCG Rua Dr. Armando Gonçalves, nº11 3140-574 Tentúgal e-mail: fpcg.geral@gmail.com site: http://fpcggeral.wix.com/fpcg Diretora: Olga Cavaleiro Depósito Legal 261621/07 ISSN: 1646-7787

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EDITORIAL

Não sei se é das noites frias e de céu estrelado, se do cheiro a lareira que sai de cada uma das chaminés, se da ansiedade em rever quem está longe, Dezembro cheira a Natal e o Natal sabe a mesa farta de sabores, de gargalhadas, de estórias que se recordam pela noite dentro, a uma alegria que ainda que seja tristeza disfarçada de sorriso é obrigatória numa noite que tem de ser FELIZ. Nem sempre vivido por todos da mesma maneira, o Natal por todos é sentido, mesmo por aqueles que dizem não gostar do Natal. E seria o Natal o mesmo se nada tivéssemos sobre a mesa? Seria a mesma euforia, a mesma alegria, a mesma satisfação se não tivéssemos o bacalhau com as couves bem regadas do azeite novo, as azeitonas já preparadas desde a última colheita, a broa de milho, os bolos de bacalhau, o polvo, os coscorões, as rabanadas, as filhós, os beilhós, os sonhos, o arroz doce, o leite de creme, as broinhas de abóbora, as lampreias de ovos, o vinho do Porto ou a geropiga a acompanhar as conversas que se prolongam numa noite que não queremos que tenha fim? Podemos saborear tudo isto fora da época natalícia, mas não é a mesma coisa. Saberia o Natal ao mesmo se não tivéssemos a azáfama de uma cozinha que cheira a mãe, a avó, a tia, às matriarcas que coordenam os trabalhos da cozinha e que nos deixam rapar o tacho do arroz doce ou que nos deixam roubar um beilhós antecipando, assim, um pouco o sabor de uma noite especial? Quem pode negar o amor que está nessa tarde de preparação da mesa de Natal? O Natal é um todo de sabores. Do doce ao salgado. Do doce das lágrimas de alegria, pois doce é a presença de quem nos acompanha. Do salgado das lágrimas que ardem na boca pela ausência de quem não está connosco. Natal é a mistura do doce e do salgado na nossa boca e no nosso coração dando azo à descoberta de novas atitudes perante a vida. Entre o deve e o haver, o Natal transporta-nos para a dádiva da vida, para a gratidão da família, para a beleza dos laços que, por vezes, são mais fortes que os de sangue. Com lágrimas doces ou salgadas presas na garganta, todos sentimos o Natal na abundância. Do simples bacalhau cozido com as couves às requintadas sobremesas de Natal, não esquecemos nunca que a abundância não está só na mesa, mas mora sobretudo no nosso coração.

Feliz Natal para todos!!!

Olga Cavaleiro

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Conteúdos

Editorial………….……………………..…………………. 3

Real Confraria da Cabra Velha ………………………….. 10-17 Capítulos ………………………………………………... ..18

Natal pelo Mundo ………………………………………... 5-7 Iniciativas Confrarias……………………………………….19 Bolo-Rei ………………………………………………….. 8-9

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Próximos Eventos…………………………………………. 20


Natal pelo mundo… Apesar de Portugal ser um país pequeno, as tradições de Natal podem variar bastante entre regiões. É tradicional o presépio, a árvore de Natal, ou ambos, a Missa do Galo e as Fogueiras para aquecer o Menino Jesus.

A ceia de Natal em Portugal também varia geograficamente: entre o bacalhau cozido com batatas e couves, o polvo. Os doces são os clássicos, como rabanadas, sonhos, filhós, pastéis de gila, a aletria ou os bolinhos de jerimu. Algumas famílias ainda assistem à Missa do Galo, à meia-noite na véspera de Natal, outras passam a noite com a família. A

troca de presentes acontece à meia-noite no dia 24, mas há ainda quem prefira uma visita noturna do Pai Natal ou do Menino Jesus, e abra os presentes no dia 25 de manhã, como mandava a tradição mais antiga. O dia de Natal em si é dia de “roupa velha” feita com as sobras do bacalhau da consoada, mas também encontramos sobre as mesas os pratos de festa como o Galo assado, a chanfana, e tantos outras iguarias extraordinárias. Em Portugal como no mundo, o Natal é dedicado à família e aos amigos.

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Japão As tradições de Natal no Japão serão de certeza das mais 'exóticas’ – é que não tendo o Japão uma tradição cristã, este dia nem sequer é um feriado nacional. Na verdade, a noite de 24 de dezembro é uma espécie de dia dos namorados. No entanto, nos últimos anos tem crescido a tradição das luzes de Natal, bem como os pinheiros enfeitados e até o PaiNatal. Os presentes, esses, são trocados entre namorados ou pretendentes, mas não entre as famílias, que se reúnem apenas na noite de passagem de ano.

Austrália No meio do verão australiano as ruas enchem-se de decorações natalícias e neve artificial. Os australianos, que no Natal comem maioritariamente refeições frias – como fiambre, peru assado,

mariscos e saladas – têm por hábito visitar amigos no dia 26 de dezembro, o Boxing Day, ou fazer churrascos na praia. Entre os doces encontramos as bolachas de gengibre, mince pies (empadinhas doces), christmas pudding (um bolo-pudim feito com frutos secos) ou a famosa pavlova.

E, apesar do calor, o eggnogg nunca falta!

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Brasil

Angola

As tradições de Natal no Brasil, não são diferentes do resto do mundo com a

O Natal em Angola é muito dedicado à família, que se reúne e faz uma grande festa com

exceção de que o Natal é durante o verão! Assim, e com a grande variedade de

uma ceia a condizer. Os pratos lembram um pouco os portugueses, como bacalhau, cabrito

frutas tropicais, os pratos natalícios brasileiros incluem muitas frutas. A ceia de

assado ou peru, mas incluem também influências angolanas – muitos vegetais, mandioca,

Natal, farta, inclui tender (uma espécie de fiambre), chester (um tipo de frango

arroz e galinha. As decorações incluem presépios, árvores decoradas com frutos, luzes

proveniente da Escócia), lombo, cordeiro, peru ou bacalhau, com arroz, farofa ou

coloridas, Pais-Natal e até neve a fingir! É costume trocar-se presentes ou pequenas

salada de batata a acompanhar. As sobremesas passam pelas rabanadas, pelo

lembranças entre familiares. Quanto a doces, há diversos bolos e pudins, mas o bolo-rei,

pudim, entre muitos outros doces deliciosos, e os brindes são feitos com

também não falta!

champanhe e ponche de frutas. Adaptado National Geografic: https://www.natgeo.pt/historia/2019/12/como-sao-tradicoes-denatal-nestes-paises NONA ARTE | DEZEMBRO 2021 - 7


BOLO-REI O nosso Bolo-Rei merece mais. Merece ser feito para além das massas pré-feitas, daquelas sempre fofas, de um amarelo que disfarça a gordura, de sabor sempre igual. Não me incomoda nada as novas versões de Bolo-Rei, o de chocolate, o de ovos, o escangalhado e por aí adiante. Incomoda-me sim

aqueles que vejo de um brilho balofo. De uma decoração berrante, abusiva apenas porque é preciso disfarçar o interior. Enfiado em caixas de plástico com o açúcar em pó a descair e a retirar-lhe a graça toda de fazer parecer neve. Sim, o Bolo-Rei anda pelas ruas da amargura, assim como toda a nossa pastelaria. E nós lá vamos andando fazendo cara estranha, mas não recusando. Falando do preço daqui e d’acolá

comparando o mimetismo de uma receita que tantos ataques tem sofrido. Mas, a verdade é que pouco há para discutir, poucas diferenças existem para uma indústria que oferece todas as soluções necessárias para um baixo custo de produção. Ano após ano, os catálogos vão engrossando pelas fórmulas atualizadas, pelas novidades que fazem lembrar o “tradicional” como se o “tradicional” estivesse à venda e ao desbarato. A verdade é que também já não temos recordação certa do sabor do Bolo-Rei. Nem reclamamos com o que nos vem ter à mão, talvez porque já não nos lembramos do sabor que tinha antes de a sua produção ter sido colonizada por uma indústria ambiciosa e sem princípios. Pois, falta a literacia alimentar de que tanto se fala nos últimos tempos. Falta educar o gosto. Mas, como se vê, a começar pelas cantinas das nossas escolas, talvez dos sítios onde se come pior neste país, o gosto e a qualidade do que comemos não é preocupação. Os mais novos nunca conheceram um Bolo-Rei digno do nome e os mais velhos tendem a esquecer. NONA ARTE | DEZEMBRO 2021 - 8


E no meio da correria dos dias, dos anos, dos Natais feitos de vermelho e branco e muitas luzes, perdeu-se a graça de fazer um dos bolos mais icónicos do calendário alimentar. Esqueceu-se a receita séria, demorada, trabalhada e cheia de ingredientes. Perdeu-se o ritual. Da qualidade dos ingredientes à forma como eles são envolvidos, tudo é uma graça que se faz com as mãos e com o espírito. E, depois de levedado e ir ao forno, é tempo de novo momento de conversa séria com um Bolo que se transforma com a decoração que se vai fazendo. Houve tempo em que ser pasteleiro era ter a alma nas mãos e olhar com ternura os ingredientes fazendo destes sabor sempre querido. Hoje, é saber ler o manual de instruções de uma receita feita em laboratório. Houve tempo em que ser pasteleiro era ganhar a perfeição pela repetição convicta de uma receita. Hoje, é usar os pós mágicos que fazem que os bolos saiam sempre iguais numa falsa perfeição. Não faço este ato de crítica de forma gratuita, apenas porque sim. Faço-o com a consciência de que é possível resgatar a nossa pastelaria a este embaraço. Faço-o porque acredito que mais do que nos queixarmos de que “antigamente é que era bom” podemos começar por escolher. Faz parte da cultura gastronómica saber provar, identificar o gosto, perceber a receita. Isso, ou então continuarmos a arregalar os olhos para os Bolos Reis que aparecem brilhantes e carregados de cor.

Sugiro um teste simples e eficaz. Cortem uma fatia e apertem-na entre os dedos. Se ela ficar esborrachada, tal dirá muito sobre a qualidade da massa do exemplar em causa. Depois fechem os olhos e mastiguem absorvendo os sabores que encontram. Engulam e esperem 5 minutos. No final, qual foi o sabor que ficou na boca? É aí que está o busílis da questão. Aí e na digestão, pois que a qualidade da pastelaria vê-se no imediato da prova e na digestão. Alerta que o Bolo-Rei precisa de nós! Boas provas e, já agora, Feliz Natal! NONA ARTE | DEZEMBRO 2020


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Real Confraria da Cabra Velha Os pratos gastronómicos defendidos pela Real Confraria da Cabra Velha incluem-se numa herança etnográfica que não surge por acaso, nem de um dia para o outro. Há uma lógica inerente ao seu aparecimento e à sua perpetuação no tempo, nem sempre fácil de deslindar nos difíceis rumos da História. À justificação de base histórica, etnográfica e cultural tendente a justificar porque apareceram tais pratos no nosso concelho e região, poderíamos chamar, fundamentadamente “o ciclo da carne de cabra”, isto é, o aproveitamento quase integral de um produto, valioso em to- dos os tempos, mais ainda em épocas de crise, por uma população que sempre viveu com grandes dificuldades, mas que soube tirar partido daquilo que a Natureza colocou à sua disposição. Segundo apontam alguns elementos históricos e etnográficos, a Chanfana teria, eventualmente, surgido no Mosteiro de Semide, instituição religiosa pertencente atualmente à nossa freguesia de Semide, generalizando-se o seu consumo após a 3a Invasão Francesa, apoiada numa região com tradição na produção vinícola e com uma indústria de transformação de barro ancestral.

Até finais do séc. XIX, todos os agricultores e rendeiros eram obrigados ao pagamento dos foros. Assim, o Mosteiro recebia dos moradores do seu couto, os foros a que estavam obrigados. Galinhas, vinho, azeite, dias de trabalho, cabras e ovelhas, eram formas de pagamento. Durante o mês de Agosto e até ao dia de S. Mateus, as freiras de Semide recebiam as suas «rendas».

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Imagem: https://visitregiaodecoimbra.pt/


Diretamente na dependência do Mosteiro e explorado nas suas rendas e abluções pelas monjas beneditinas estava, lá mais ao alto, coroando a serra, o Santuário do Divino Senhor da Serra, de que resta documentação pelo menos desde o séc. XVII. Muitos dos moradores, porque eram pastores, pagavam com cabras e ovelhas. Os foreiros, compreensivelmente, libertavam-se dos animais mais velhos que já não lhes davam o precioso leite, nem se reproduziam, originando novas crias. Ora, como as freiras não tinham disponibilidade nem meios para manter tão grande rebanho, descobriram uma fórmula para cozinhar e conservar a respetiva carne, aproveitando o vinho que lhes era entregue pelos rendeiros, o louro que tinham na sua quinta, bem como os alhos e demais ingredientes. Surge, assim, a Chanfana que era religiosamente guardada, ao longo do ano, nas caves frescas do mosteiro. A carne assada no vinho mantinha-se no molho gorduroso solidificado, durante largos meses. Assim a receita poderá ter sido, primariamente, um processo de conservação de alimentos. É inegável, em termos históricos, a contribuição

das ordens religiosas no aparecimento de muita da nossa gastronomia. Basta lembrarmo-nos da doçaria conventual.

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O vinho tinto utilizado era de grande qualidade, pois só assim a carne ficaria mais tenra. Não se pode deixar de associar a utilização deste líquido ao facto do concelho de Miranda do Corvo, nomeadamente a freguesia de Lamas, onde o Mosteiro possuía inúmeros coutos, ser conhecida pela qualidade do seu vinho tinto “carrascão”, ainda hoje produzido em abundância. O vinho tinto é produzido segundo castas seleciona das, naturalmente, desde há vários séculos. Durante a terceira Invasão Francesa, as freiras terão divulga do esta fórmula gastronómica, devido a necessidades imperiosas da própria conjuntura histórica, concretamente, para evitar que os soldados franceses roubassem as cabras e as ovelhas da região. São por demais conhecidos para os estudiosos da História, os depoimentos deixados pelos nossos antepassados mirandenses que viveram tal período. O concelho de Miranda do Corvo e o então concelho de Semide não escaparam aos atos bárbaros então praticados: incêndios, mortes, violações, roubos. Diz-se, de uma forma lendária, que quando as tropas francesas circularam pela região de Miranda do Corvo, a população envenenou as águas para matar os franceses. Mas, como era necessário cozinhar a carne habitualmente consumida e, como a água estava envenenada, utilizou-se o vinho da região.

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A Chanfana é um prato típico do concelho de Miranda do Corvo, de onde cremos ser originária, que se expandiu praticamente por toda a região centro onde adquiriu várias nuances. É muito apreciada e servida em bastantes restaurantes do nosso concelho. De salientar que constitui o prato «obrigatório» quando decorrem as festas religiosas anuais em Miranda do Corvo, nomeadamente pelo S. Sebastião, em Janeiro, e é ainda hoje imprescindível na ementa dos casamentos, sendo como tal também chamada “Carne de Casamento”. Numa época em que as dificuldades económicas prevaleciam na maior parte da população, tudo tinha de ser minuciosamente aproveitado. Assim, com a carne temos a Chanfana com o molho e as sobras, a Sopa de Casamento; com as peles (depois de limpas e secas ao sol) faziam-se os “foles” para levar os cereais aos moinhos e o azeite às feiras. Consta que também os Negalhos remontem a esse difícil período da época da terceira Invasão Francesa, em que as necessidades de sobrevivência e de miséria se acentuaram ainda mais. Estando a rarear

a carne, porque os invasores franceses roubavam os rebanhos, a população teve de aproveitar tudo, inclusivamente as tripas dos animais cuja carne – preciosa e agora rara - utilizava na sua alimentação.

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Experimentaram, então, cozinhar as tripas segundo a receita da Chanfana e terá dado resultado. Ainda hoje se

confecionam os Negalhos nas casas particulares de Miranda do Corvo e são servidos em alguns restaurantes locais. É um prato típico bastante apreciado. Há um fator extremamente importante para o sucesso destes pratos, que se prende com as condições de cozedura. Tanto a Chanfana como os Negalhos, são cozinhados em caçoilas de barro tapadas com folhas de couve. Neste concelho desenvolveu-se uma indústria artesanal de olaria de

barro vermelho de que há notícias, pelo menos, desde o séc. XVI. O forno de lenha, elemento fundamental na cozedura da broa, é previamente aquecido e, depois de fechada a boca, deve ser vedado com barro. Como estes pratos apenas são consumidos no dia seguinte, devem ser mantidos no forno até à hora de serem servidos. Nessa

altura o barro é picado para abrir a porta e a caçoila é retirada e colocada sobre as trempes junto à lareira para aquecer lentamente. Comia-se carne apenas em épocas especiais – festas, casamentos - e os legumes plantados em pequenas hortas, a par do pão, foram, desde sempre, os alimentos de maior consumo pela população portuguesa.

Como tal o aproveitamento de um produto tão precioso como a carne e o molho tinha que ser total, evitando todo e qualquer desperdício. Assim, comida a Chanfana, com o molho faz-se a “Sopa do Casamento”.

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Alguma investigação feita no «terreno» prova a validade da nossa tese. Assim, interrogando algumas pessoas, já de provecta idade, a maioria já a ultrapassar os setenta, estes sublinham que estes pratos eram já conhecidos, pelo menos desde os seus avós. A Sra. Maria das Souravas questionada – de forma indireta para não condicionar a resposta – sobre como eram os casamentos no tempo dos seus pais, responde a dado passo: “O almoço era constituído por sopa de grão-de-bico ou canja, CHANFANA e arroz doce.” A Dona Emília de Semide é mais taxativa referindo: “Na ementa da boda só era utilizada carne de cabra: canja, sopa de casamento, arroz de fressura das cabras, massa guisada com carne, chanfana e negalhos.” Era tradição dar aos convidados o almoço no dia seguinte ao casamento, e como já não havia carne suficiente, com o molho fazia-se a dita sopa e enfeitava-se com os restantes pedaços de carne. Trata-se de um aproveitamento ótimo do molho da chanfana, que nunca é totalmente consumido. Como é muito saboroso e rico, não só em gordura mas também nos sucos de carne, seria uma pena desperdiçá-lo. Tal como a Chanfana, este prato é cozinhado em recipiente de barro para depois ir ao forno apurar. A sopa acaba por ser o fechar do ciclo de aproveitamento da cabra. Em nenhum outro concelho se assiste a um aproveitamento total de um produto, como a cabra, traduzido em diferentes receitas gastronómicas, como aqui no concelho de Miranda do Corvo. Da cabra, começa-se por aproveitar o leite, rentabilizando-se igualmente o nascimento das suas crias. Quando esta envelhece, com a sua carne faz-se a Chanfana; com as suas tripas e bucho confecionam-se os Negalhos, que evoluíram para petisco apreciado; com as sobras da Chanfana e o molho desta dá-se ainda lugar à confeção da Sopa do Casamento. Engenho e arte de um concelho, quase milenar, que soube fazer das dificuldades de vida, vantagens; que soube, com a sua sabedoria tirar partido do que lhe era oferecido. O Património de uma região, seja ele de que categoria for, deve ser sempre preservado, de forma a assegurar a sua existência. Desta forma, o património gastronómico deve continuar a existir à nossa mesa, fazendo-nos recordar os seus sabores, ligando o presente ao passado e cuidando sempre para que tal herança, legada pelos nossos antepassados, nunca se perca no futuro, nem seja desvirtuada.

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Traje: Reinterpretação do traje beneditino da ordem que professou no Mosteiro de Semide, sendo no entanto a cor alterada para um tom castanho imitando o da Chanfana e generalidade dos pratos, após a sua confeção. Trata-se de uma peça única, aberta à frente, cobrindo a totalidade do tronco e dos membros e, nas costas, com um capuz característico. Ao nível do peito, no seu lado esquerdo, encontra-se representado o logótipo

da Confraria, a fundo branco. A medalha com as insígnias da Real Confraria da Cabra Velha pende de uma fita de cor vermelha a simbolizar a cor do vinho que envolve os pratos à base de carne de cabra quando são cozinhados.

Juramento dos Confrades: “Juro em consciência e honra defender, promover e divulgar a Carne de Cabra Velha e os pratos

que lhe estão associados Sopa de Casamento, Chanfana, Negalhos e Chispe - como característicos de Miranda do Corvo e seus pratos de eleição, respeitando, na íntegra, a confeção própria do Concelho.” NONA ARTE | DEZEMBRO 2021 - 17


Capítulos

Confraria do Queijo S. Jorge

Confraria da Caldeirada e do Camarão de Espinho

Confraria Queirosiana Confraria dos Gastrónomos do Algarve NONA ARTE | DEZEMBRO 2021 - 18


Atividades das Confrarias

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Próximo Eventos:

FEVEREIRO 2021 - Dia 26 - 8º capítulo da Confraria do Atum de Vila Real de Santo António. - Dia 26 - XI Capítulo de Entronização da Confraria do Butelo e da Casula – Bragança

MARÇO 2021 - Dia 12 - XII Capítulo da Confraria Gastronómica "As Sainhas" de Vagos

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Créditos das fotos: Foto de capa e fotos pp. 5,6 e 7: Pixabay

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Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas

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