Nona Arte | março 2020

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NONA ARTE Revista da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas nº 54 | Edição março 2020 | ISSN 1646 - 7787

Especial Covid-9: Diário de Olga Cavaleiro # Palavras Férteis na Esperança NONA ARTE | MARÇO 2020


Propriedade e edição: FPCG Rua Dr. Armando Gonçalves, nº11 3140-574 Tentúgal e-mail: fpcg.geral@gmail.com site: http://fpcggeral.wix.com/fpcg Diretora: Olga Cavaleiro Depósito Legal 261621/07 ISSN: 1646-7787

NONA ARTE | MARÇO 2020


EDITORIAL

Na vida não contam apenas os momentos felizes, aqueles em que é fácil olhar a vida com alegria e partilhar o quotidiano nas certezas que nos dão segurança. Na vida contam, sobretudo, os momentos em que sentimos a dúvida e a instabilidade que nos fazem procurar os amigos. Nessa busca aprendemos sempre algo novo sobre os outros e sobre nós. Descobrimos o muito que queremos dar e o tanto que queremos receber. Ficamos mais pequeninos pela segurança que os outros nos dão, sendo certo que a reciprocidade nunca nos abandona. Nesta Páscoa tão sentida pelas incertezas que tomam os nossos dias e pelo afastamento visível que traz à luz do dia a amizade invisível a Direção da FPCG quer desejar a todos uma Feliz Páscoa. Seremos felizes, sempre, porque sabemos que os amigos estarão presentes na nossa vida em todos os momentos. E, em breve, saberemos brindar e celebrar à mesa toda a amizade e força que nos uniu. Feliz Páscoa para todos!

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CONTEÚDOS

Editorial

Especial Covid-19

As Janeiras

Diário de Olga Cavaleiro

Confrarias na EHT de Coimbra

# Palavras Férteis na Esperança

Sessão de Esclarecimentos: Portugal.PT

Notícias

Encontro de Confrarias no Algarve

Representações

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AS JANEIRAS A lembrar as Janeiras que do Natal até aos Reis são cantadas pelo nosso Portugal. A Federação desafiou as suas Associadas a enviarem as suas tradições deste tempo frio e, já agora, aproveitem para pedir: "Levante-se lá, senhora do seu banco de cortiça. Venha-nos dar as janeiras, ou morcela ou chouriça."

“Janeiras da Beira Baixa Levante-se lá, senhora do seu banco de cortiça. Venha-nos dar as janeiras, ou morcela ou chouriça. Levante-se lá, senhora, desse seu rico banquinho, Venha-nos dar as janeiras em louvor do Deus Menino. Levante-se lá, senhora, desse seu rico assento. Venha-nos dar as janeiras em louvor do Nascimento. Levante-se lá, senhora, desse seu banco de prata, Venha-nos dar as janeiras que está um frio que mata. (Se demoram a dar as Janeiras…) Levante-se lá, senhora dessa cadeirinha torta. Venha-nos dar as Janeiras se não batemos-lhe à porta. (Se dão as Janeiras, cantam a despedida.) Despedida, despedida, despedida quero dar. Os senhores desta casa bem nos podem desculpar.

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(Se não dão as janeiras) Esta casa não é alta, tem apenas um andar. Estes barbas de farelo nada têm p’ra nos dar. Esta casa é bem alta, forradinha de papel. O senhor que nela mora É um grande furriel. Esta casa é bem alta, forradinha a papelão. O senhor que nela mora é um grande forretão.”

Cantar das Janeiras na Beira Baixa "Boas festas, boas festas Nós aqui as vimos dar Às senhoras desta casa Se as quiserem aceitar. Ó minha rica senhora Não tenha vergonha não Ponha a mão na salgadeira Puxe lá um salpicão. Ficámos agradecidos Pela oferta recebida Que tenham muita saúde E muitos anos de vida."

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Hoje vimos cantar as Janeiras

Abram-nos a porta por favor

O nosso amigo Armindo Loureiro já começou

E vivam, pois, os que cá estão

a cantar as Janeiras e, pelo tom das rimas,

Desculpem nossas brincadeiras

acho que nos quer pedir qualquer coisa...

Mas a vós cantamos com paixão

“Venho cantar as Janeiras…

Somos gente boa podem crer

Ó da casa venha à porta

Somos membros duma Federação

E agora prás despedidas

Venha ver quem aqui está

Cantar as Janeiras é um prazer

Vai um, viva pra Maria

Quem seu presunto para nós corta

Aos que sabem como se comer

Com palavras tão sentidas

É gente do melhor que há

Há que respeitar a nossa opinião

Viva, pois, sua alegria

E vivam, pois, os que cá estão

Não nos podemos por aqui demorar

Também desejamos ao Manel

Desculpem nossas brincadeiras

Temos muito terreno a percorrer

Que tenha um dia completo

Mas a vós cantamos com paixão

Temos outras casas para visitar

Se tiver tosse tome um mel

Já que as Janeiras são de se amar

Que o curará bem decerto

Deixem entrar nossa alegria Ponham na mesa com amor O que resta do vosso labor Que é um feito com magia

Hoje vimos cantar as Janeiras

E há que a outras portas ir bater Armindo Loureiro

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Mas não me posso esquecer Somos das Janeiras cantadores

Da beleza dessas crianças

E respeitamos toda a gente

Mas hoje lhes vou prometer

Dos pedreiros aos doutores

Que em nós, em qualquer ser

Que são todos uns amores

Nunca faltarão as esperanças.”

Nós lhe cantamos de contente


boa noite meus senhores boa noite vimos dar nós somos do bairro norte e a todos vimos saudar somos poveirinhos da póvoa do mar e as boas festas nós vos vimos dar dar as boas festas alegres ditosas menino jesus nasceu entre as rosas esta casa alta alta Confraria dos Sabores Poveiros

viradinha p’ró nascente os senhores que moram nela

“Somos poveirinhos

são filhos de boa gente

somos poveirinhos da póvoa do mar

somos poveirinhos da póvoa do mar

e as boas festas nós vos vimos dar

e as boas festas nós vos vimos dar

dar as boas festas alegres ditosas

dar as boas festas alegres ditosas

menino jesus nasceu entre as rosas

menino jesus nasceu entre as rosas.”

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"Entrai, entrai pastorinhos

Encontro de Reis e Janeiras de Mortágua, uma organização conjunta do Município de Mortágua e Fundação Inatel.

Entrai, entrai pastorinhos

Ó meu menino Jesus

Por esse portal sagrado

Que é dos vossos sapatinhos

Vinde ver o deus menino

Deixei-os em santa clara

Numas palhinhas deitado

A deitar uns tacoezinhos

Refrão Corremos depressa

O menino da senhora

Nós, míseros mortais

Chora por uns sapatinhos

Cantar ao menino

Haja quem lhe dê as solas

Bendito sejais

Que eu lhe darei uns saltinhos

Vinde, vinde já ó almas

Cantar ao menino

José embala o menino

À lapinha de Belém

Não o embales com o pé

Vinde ver virgem Maria

Olha que o menino é filho É Jesus de Nazaré

Que divino filho tem

“De quem são as camisinhas

Refrão

Que estão ali a corar

O menino está dormindo

São do menino Jesus

Ó meu menino Jesus

Numas palhinhas deitado

Que nasceu p’ra nos salvar

Que é do vosso casaquinho

Os anjos estão cantando

Deixei-o em santa clara

A Jesus filho adorado"

A coser um buraquinho

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A virgem Maria é rosa O seu menino é cravo São José o jardineiro Daquele jardim sagrado.” Confraria da Lampantana


CONFRARIAS NA EHT DE COIMBRA

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O site https://tradicional.dgadr.gov.pt/pt/ fruto de uma parceria entre a FPCG e a DGADR tem vindo a receber inúmeras visitas de um alargado e diversificado conjunto de utilizadores. Desde estudantes, profissionais de cozinha e pastelaria, investigadores da área científica, responsáveis pelas vendas de produtos tradicionais, muitos têm sido os que procuram informação naquela plataforma de informação. Assim a FPCG consciente da importância de continuar a alimentar esta extraordinária fonte de informação sobre produtos e receitas decidiu desafiar as Confrarias para uma sessão de trabalho para a inventariação de informação. Esta sessão realizou-se no 8 de Fevereiro de 2020, e contou com a colaboração da nossa Associada da Confraria Enogastronómica Sabores do Botaréu, que proporcionou toda a logística necessária ao desenvolvimento dos trabalhos. Estiveram presentes as seguintes confrarias: Confraria Enogastronómica Sabores do Botaréu; Confraria das Almas Santas da Areosa e do Leitão; Confraria Gastronómica “As Saínhas” de Vagos; Confraria dos Sabores da Abóbora; Confraria do Queijo Serra da Estrela; Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões; Confraria da Pateira; Confraria da Gastronomia do Ribatejo; Confraria da Raça Arouquesa; Confraria Gastronómica da Gândara; Confraria do Presunto e da Cebola do Vale do Sousa; Confraria do Arinto de Bucelas.

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Sessão de trabalho:Tradicional.PT


ENCONTRO DE CONFRARIAS - ALGARVE A FPCG à semelhança de outros Encontros de Confrarias que organizou no Norte e nos Açores, organizou no dia 28 de fevereiro um encontro de Confrarias no Algarve. Pretendeu a direção da FPCG dar a conhecer a estrutura federativa e aumentar a proximidade entre as confrarias do território nacional. Tratou-se de um encontro de partilha de conhecimentos, estratégias e iniciativas entre todos os que puderam estar presentes. Um Encontro a repetir em outras geografias!

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ESPECIAL COVID-19

D i á r i o d e

Não coerente será falar como se tivéssemos certezas. As certezas são construídas dia-a-dia com o que vamos conhecendo. Portugal está a reagir, os portugueses estão a reagir. É preciso perceber o que se passa para além das redes sociais. Não podemos deixar que o medo nos imponha atitudes, nos ponha palavras na boca. Não podemos reagir como se esta pandemia fosse uma tendência de moda. Não podemos deixar que sirva os egos de alguns. O nosso inimigo é o vírus, não as pessoas, não as instituições. Estas terão que ser parceiras de qualquer decisão que se tome. Falar com todos é importante. Discutir soluções. Não gritar. Não

O l g a

precisamos gritar para que nos ouçam. As decisões não podem ser tomadas só porque pessoas, pseudo-grupos profissionais ou supostos lideres de opinião querem. As instituições ligadas à saúde e ao controlo de epidemias existem. Porque não ouvi-las? As instituições económicas existem e têm à sua frente especialistas, porque não ouvi-los? Queremos conter a pandemia. Mas se descredibilizarmos as instituições vamos ficar reféns de quem fala mais alto, provoca

Dia 1 “O país mantém-se a custo. Unidos na certeza de querer vencer a insegurança que o vírus Covid-19 nos trouxe, assistimos a movimentos desenfreados. Não se discute. Atira-se, dispara-se. É preciso agir no meio da tempestade, mas sem matar quem ousa pensar de forma diferente. Volto a dizer: o país mantém-se a custo. Cada um procurando concluir o que é necessário concluir de acordo com o todo que tem à sua volta. Cada um tentando fazer o seu melhor. NONA ARTE | MARÇO 2020 - 13

C a v a l e i r o

mais, de quem grita o que a multidão quer ouvir. E no final vamos ter a solução exigida e necessária? Ou vamos dar resposta que serve a exigência de quem fala sem saber tudo? A Revolução Francesa parecia ser a solução para a opressão e fome de muitos, mas no final foi uma boa maneira de fazer rolar cabeças onde a denúncia serviu interesses individuais. Pensar é preciso. Não diabolizando. Não substituindo os santos que preenchem os altares por outros que se olham como visionários e convictos das suas certezas. As instituições existem. A capacidade de resposta de cada um deve ser à medida do que cada um pode dar. Sejamos humanos na imperfeição que tal contempla e com a sempre eterna esperança na humanidade.”


Dia 2 “Nas minhas aulas de História e Cultura Gastronómica habituei-me a dizer aos meus alunos que cozinhar é uma atitude política, é uma forma de intervir na sociedade. Ser cozinheiro é ser ativista pelas escolhas que fazemos, pelo que decidimos colocar dentro da panela, pela forma como as cozinhamos, pelo modo como partilhamos. Essas são as palavras que marcam a primeira aula na certeza de que o tempo será passado entre o que são as nossas convicções e aquilo que aprendemos pela discussão de ideias. Pensar assim dá-me conforto. Não de mudar o mundo grande e distante, mas de mudar o pequeno mundo que nos rodeia, que está à nossa volta e que pensa, sente, mexe e estrebucha. Por isso, neste importante momento que estamos a viver quero sentir o consolo de que somos muitos, muitos mesmo contra a inquietude, a ausência de tranquilidade. E penso no poder que todos temos sempre de criar alternativas ao estado sítio em que o mundo de repente se tornou. E os cozinheiros ainda mais. Pelo respeito que todos têm aos homens e mulheres que fizeram da cozinha um lugar tão importante na nossa economia. Pela centralidade que trouxeram ao que pomos sobre a mesa. Escrevi em tempos que a um cozinheiro quase se pede que seja super-herói. Não daqueles com capa e com um superpoder como na banda desenhada, mas como homens e mulheres que estão ativos e pensam no princípio e fim de todo o processo alimentar. As circunstâncias de hoje dizem-nos que o desafio está muito para além das preocupações ambientais ou sociais. Neste momento, é preciso pensar no tempo em que será preciso começar de novo, arranjar fôlego, vencer as dificuldades que se tornaram emergentes. Aí sentimos a dúvida subir-nos pela espinha e fazer divergir o pensamento. Sobretudo pela incerteza de como tudo vai evoluir. As certezas são escassas e bem nebulosas. Pensar, refletir, analisar, criar espaço para soluções ativas, perceber até onde podemos e conseguimos ir. No entretanto, deixa-me feliz pensar que, hoje, ouvi de um cozinheiro que um idoso lhe pediu para todos os dias lhe levar a casa uma sopinha e uma sandes para assim não ter de sair à rua e enfrentar um vírus que lhe pode tirar a vida. Isso fez-me sorrir e mudou o meu dia. “

Diário de Olga Cavaleiro NONA ARTE | MARÇO 2020 - 14


“Nas minhas viagens em que, literalmente, rodopio pelo

Dia 3

Diário de Olga Cavaleiro

Pensei na noite, nos dias frios, nos dias de chuva, no Natal e nos

nosso país assusta-me, mais do que me escandaliza, o

dias de sempre. Quase chorei por aquela senhora ali tão

isolamento a que vejo votada as populações do interior.

sozinha. Hoje, lembrei-me dessa mesma presença humana quase

À noite quando estou em casa fico sempre a pensar

sem tempo. Hoje, ao pensar nos dias que vivemos, pensei como

naqueles com quem meti conversa à laia de pedir uma

o isolamento que marca como uma chaga as populações do

informação e que deixei para trás. Para meu sossego

nosso Interior é hoje salvaguarda da vida.

mental afasto da memória o seu sorriso, o seu olhar. Se o

Pensei como, de um dia para o outro, o mundo ficou virado ao

faço é porque preciso não ficar de olhos abertos a olhar

contrário. Os que vivem isolados estão a salvo. Antes chaga,

a noite passar. Mas nunca me esqueço deles. Na semana

hoje salvação. Num salto, dei a volta ao mundo e pensei como

passada, perto de Padronelo, ali mesmo ao lado de

os países habitualmente migrantes fecham as fronteiras aos que,

Amarante, fui em busca de uma aldeia pequeninha, mas

de forma ufana e até arrogante, tantas vezes lhes fecharam a

maravilhosa, chamada de Ovelhinha que respira nas

porta. Pensei como o mundo nos surpreende e nos deixa

margens do Rio Carneiro, afluente do Ovelha. Dizem que foi naquela aldeia que nasceu o famoso Pão de Padronelo também chamado de Ovelhinha ou de Cantos. Deixei o carro longe já que a estrada estreita não me dava segurança. Sinceramente, não sabia se estava perto ou longe, mas sabia que o apelo para chegar ao epicentro daquele barulho de água a correr era tanto que fiquei ofegante mesmo antes de começar a caminhar.

despidos das nossas certezas. Perdemos muito pouco tempo a Cenário idílico com as levadas, as represas, as pontes, o moinho de água. Pelo caminho meti conversa com uma senhora que sentada sachava o canteiro. Falei com ela o tempo suficiente para saber que o tempo não morava ali. Estava ausente como as pessoas que há muito correram para a cidade. Depois de me ter sentido a pessoa mais feliz do mundo pelo recanto que tinha encontrado, fiquei triste.

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pensar em todos os que vivem grande parte da sua vida numa espécie de mundo ao contrário. Espécie de reflexo do lado errado que nos persegue. Mas nós, que nos julgamos no lado certo, nem pensamos muito nisso. Agora somos nós. E estamos assustados. Quase queria voltar a Ovelhinha só para falar com aquela senhora outra vez e perceber a sua certeza de se saber no lado certo do mundo. Tenho a certeza disso. Por isso, todos os dias precisamos aprender a viver. Razão tem quem canta: “a vida é p’ra ser vivida, sem manual de instruções”.


Dia 4 “Hoje, mais do que nunca, quero continuar a sorrir. Perante a agressividade do momento, quero manter o sorriso. Afinal, sabemos que entre mãos temos dúvidas constantes que vão sendo resolvidas hora a hora, diaa-dia. Mas ainda não é proibido sorrir. Ainda que o peito aperte. Ainda que o olhar, por vezes, seja vago e ausente, ainda não é proibido sorrir. Desde sexta-feira passada passei por um carrossel de emoções. Já vivi momentos de alerta absoluto para depois sentir a acalmia que vem com a tomada e a aceitação de decisões sendo que, no dia a seguir, voltamos à incerteza que exige novas decisões, novas tomadas de posição. No meio de tudo isto, são as pequenas conquistas que vem dos desafios do dia-a-dia que nos deixam felizes. Esquecemos até que vive-mos um pré “estado de emergência”, esquecemos que a nossa vida mudou de um dia para o outro. Diário de Olga Cavaleiro Conseguimos ter conforto porque as decisões são sempre tomadas com a certeza que o momento nos oferece e na reciprocidade dos que nos ajudam a decidir. Não sabemos o que nos espera. As notícias gelam-nos. Para além das dores relacionadas com os nossos negócios, são aterradoras as notícias sobre a perda de vidas. Mas, no entretanto, enquanto o sol se põe e nasce outra vez, vejam quantas soluções já surgiram, quantas ideias já brotaram. No negócio da restauração e da alimentação já surgem ideias para reinventar os modelos mostrando que nada está escrito na pedra e que há um mundo grande a descobrir. No meio do tumulto muitas serão janelas de oportunidade para fazermos diferente e que podem mudar o mundo, pelo menos aquele que conhecemos. Farão nascer novos protagonistas. Darão frutos maduros na economia nacional. Outros serão apenas fendas que vão deixar passar o sol. Mas não interessa. Não ficámos parados. Não deixámos de sorrir, ainda que sem o abraço. Fizemos o caminho, ainda que com as dores, sempre com um sorriso. E eu não vou deixar de sorrir e construir a minha solução dia-a-dia. Quero cantar: “puxa por mim, que eu puxo por ti, ninguém cai nesse despenhadeiro, deixa essa bagagem toda aqui, embora lá começar do zero, que me dizes? De ir atrás de um final feliz (…) todo o mundo é imperfeito, cada um tem o seu jeito, mas se cada um trouxer, o seu pedaço de céu, fazemos um paraíso. E sorrir sempre. “ NONA ARTE | MARÇO 2020 - 16


Dia 5 “Os dias são sensíveis às emoções. Aos gestos, às imagens, às mensagens. Na volta que damos a todos os pontos da nossa geografia imaginária através da leitura de jornais, redes sociais ou programas de televisão, várias são as vezes que ficamos com pele de galinha. Impossível, não ficar, seja pela empatia, seja pelo medo. O mundo é grande e cumprimos a distância social exigida, mas de repente até parece que ficou mais pequeno. Ficou comprimido com esta necessidade de sabermos a todo o instante como vai a loucura em cada um dos países a que nos habituámos a ver como seguros. Preocupa-nos o nosso Portugal, mas não ficamos imunes ao que se passa na vizinha Espanha, na martirizada Itália, nos desgovernados USA, no mundo todo, portanto. E não deixamos de imaginar qual será o resultado da entrada desta pandemia em África. Estaremos, porventura, a viver um dos maiores desafios das nossas vidas. Mas, sabem? Inspira-me a juventude. Eles têm a força, a calma, a lucidez, a esperança que às vezes nos falta. Poderemos pensar que é porque não têm encargos. Que se comportam assim porque estão tão ligados aos PC’s, às consolas, aos telemóveis, que nem conseguem ver o que se passa no mundo. Engana-se quem pensa assim. Estão conscientes e atentos. Sabem da gravidade da situação e querem ser parte da solução. Os meus alunos, jovens aprendizes de cozinheiros, padeiros e pasteleiros, têm sido uma inspiração grande nestes dias onde o sol apenas se sente através da janela. A participar em aulas virtuais, temos tido momentos extraordinários de aprendizagem comum, de partilha de preocupações, de procura de soluções para as dificuldades presentes. Fico tranquila, sinto que o futuro vai ser preenchido por esta força, pela frescura de ideias, pelo refazer de modelos, pela responsabilidade de quem sabe que, apesar do dever, o peso não nos pode quebrar as costas, não nos pode matar. Precisamos ficar a salvo para além dos problemas. A fome que têm de aprender e de saber dá-me a certeza de que serão melhores que nós. Discretos, mas muito atentos, veem a cozinha para além do estrela-to a que nos últimos tempos nos habituámos. E eu fico feliz, orgulhosa. Teremos cozinheiros e pasteleiros comprometidos com a humanidade, certos do seu papel. O sol sente-se através da janela e da minha janela vejo o mundo. Para lá do caos a que estou atenta mas que recuso, penso na juventude que me inspira e que me deixa com pele de galinha.” Diário de Olga Cavaleiro NONA ARTE | MARÇO 2020 - 17


Dia 6 Temos que olhar uns pelos outros. E os outros e nós,

Até parece que temos todo o tempo do mundo. Mas

todos seremos valentes. Pelo que vamos ter que mudar,

não temos. É necessário olhar o amanhã que é já no

pelo que vamos ter de sacrificar, pelo que vamos ter que

segundo a seguir. O mundo não vai mesmo ser o

deixar cair. Por isso, vai ser tão importante fazermos

mesmo depois disto. Crescemos e vencemos o défice e

acontecer a nossa economia, não a deixar parar.

todas as dificuldades também com a ajuda do turismo.

Precisamos comprar ao vizinho, falar do negócio do

Fizemos campanhas fantásticas, preparámos as nossas

amigo, espalhar a fama dos nossos produtos, reavivar o

infraestruturas, formámos profissionais, puxámos para

gosto por aquele vinho, queijo ou enchido, levarmos

nós várias distinções revelando o trabalho bem feito.

clientes às pessoas que estão no bairro, na aldeia ou vila

Levámos Portugal para o centro do mundo e fizemos com que o mundo se apaixonasse por Portugal. Belo, solarengo, por descobrir, genuíno e tão acolhedor, tão hospitaleiro. E agora? Tudo vai mudar. Não sei se nos próximos meses alguém vai querer sair da sua casa, do seu país, da fronteira que criou à sua volta. É preciso ser realista. Não serão tempos fáceis para os hotéis, empresas de alojamento local, agências de animação turística, restaurantes e para todos aqueles que em nome individual viviam do turismo. NONA ARTE | MARÇO 2020 - 18

do interior, às bancas de peixe ou de fruta no mercado Precisamos de soluções que não podem passar apenas pela

da nossa cidade. Podemos fazer muita coisa. Por isso,

criatividade de cada um. É fácil falar de ser criativo e

seremos heróis pois sabemos que as novas soluções não

reinventar, mas sem rede não dá para o fazer.

irão acontecer sem dor. Mesmo assim, #resistir será

Portugal tem que estar cá para os portugueses. A Europa

sempre a nossa máxima. Fizemos com que os outros se

tem de estar presente para todos. Ninguém poderá andar

apaixonassem por Portugal, nós agora vamos ter que

em frente sem essa força financeira.

mostrar amor, muito amor ao nosso país e a todos

Mas neste embate com a realidade precisamos que os

portugueses.

portugueses sejam solidários, não se contraiam no

No tempo que não temos, aproveitemos cada segundo.

consumo ao ponto de o fazer explodir. Diário de Olga Cavaleiro


Diário de Olga Cavaleiro Dia 7 “Precisamos de dias felizes, de poder respirar e cheirar a Primavera. Precisamos de uma folga. Sabemos que não está para breve, mas ajudava. Os nervos andam à flor da pele e dava jeito termos espaço. Ao mesmo tempo que o tempo cresceu nas nossas vidas, escasseia nas nossas opções. Queremos andar devagar, mas temos pressa todos os dias. Vivemos numa espécie de presente entalado. No entretanto penso numa frase que ouvi esta semana: “com o sucesso do meu negócio não comprei iates, investi ainda mais”. Isto levou-me a pensar nas razões que nos levam ao negócio da restauração e da pastelaria. Não será obrigação, afinal opções não faltam. Decerto, não será porque não aprendemos a fazer outra coisa. Num tempo em que a formação se multiplica poderíamos sempre fazer outras escolhas. Será paixão? Acredito que sim. De outro modo, quem escolheria passar mais de 12 horas (ou ainda mais), a trabalhar consecutivamente tendo que assegurar ao mesmo tempo, a gestão e a execução? Num desgaste grande entre o fazer acontecer e o pensar fazer, quem está nestes negócios sabe como é preciso não parar. De grande proximidade com o público onde cada pormenor faz a diferença, é fundamental que cada um esteja sempre à frente do seu tempo. Para trás, muitas vezes, fica a família, o lazer, a descontração para olhar o horizonte sem ser a pensar no que ainda está por fazer. E quase sempre, do sucesso nasce a ideia para outro investimento. Nova correria, novo fôlego, novo entusiasmo pelos novos investimentos que quase parecem filhos. Vivemos as dores e as alegrias de cada um sem conseguir o distanciamento. Por isso, doí tanto tudo o que está a acontecer. Não custar é que seria estranho. Mas vamos acreditar, mais do que nunca, que tudo vai passar. Além do mais, convém não esquecer que o mais importante é perceber que estamos cá. Acordar todos os dias e perceber que estamos bem e que os nossos estão connosco. A tempestade há-de passar e havemos de sentir a Primavera como se tivéssemos nascido agora e não conhecêssemos o amarelo inocente das margaridas, o verde fresco dos rebentos das árvores, o desafiante vermelho das papoilas tingidas de sedução e o branco, o lindo branco dos novelinhos e dos cachos das glicínias selvagens. Havemos de cheirar a Primavera como se fosse a primeira vez. O mundo não vai ser o mesmo, mas nós também não e precisamos da mudança. Já não é uma escolha, é uma necessidade. Havemos de cheirar a Primavera com toda a paixão do mundo.”

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Dia 8 “Os diários também são feitos das palavras dos outros. Não porque não tenhamos nada para dizer, mas porque os outros dizem as palavras perfeitas como perfeito é o azul que dá cor ao céu. Dizem que é inútil regressar ao sítio onde fomos felizes, como se um momento de felicidade não se repetisse só porque sim. Mas o que é certo é que nas palavras de Sophia consigo sempre ser feliz. Repouso nelas o rosto cansado e encontro sempre a inspiração, a força, o sorriso. O regresso nunca é feito de nostalgia ou de lamento, mas sempre de esperança. Com a alma feita de espuma de mar e a necessitar tanto de sentir o sal a queimar a pele mais do que o sol, regresso a um poema feito de palavras lindas. Apesar da distância, senti o cheiro a maresia, as conchas soltas na areia, o fresco da brisa, a luz encantadora da manhã e a magia do crepúsculo, hora de todos os desejos. A noite foi feita de um azul escuro a deixar apenas escutar o bater das ondas na areia. Regressei ao meu pensamento ainda com o cheiro a mar.Viajar na poesia fez deste domingo um dia cheio de luz. “ Diário de Olga Cavaleiro

Mar, Sophia de Mello Breyner Andresen “Mar, metade da minha alma é feita de maresia Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, Que há no vasto clamor da maré cheia, Que nunca nenhum bem me satisfez. E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia Mais fortes se levantam outra vez Que após cada queda caminho para a vida, Por uma nova ilusão entontecida. E se vou dizendo aos astros o meu mal É porque também tu revoltado e teatral Fazes soar a tua dor pelas alturas. E se antes de tudo odeio e fujo O que é impuro, profano e sujo, É só porque as tuas ondas são puras.”

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Dia 9

Até porque são as pessoas que fazem o país. São elas que pagam impostos, que ajudaram o país a sair da crise com o seu esforço, são

“Queria não me sentir um ponto tão pequeninho. No

elas que vivem e precisam de cuidados de saúde, de educação, de

desafio, na (in)certeza, na procura. Queria ser maior para ser

mobilidade, de justiça social.

útil. Do salto do mundo para o nosso país, encontrar

Uma sociedade que se mede pelo sucesso individual mais tarde ou mais

soluções. Por isso, cultivo o poder dos movimentos sociais.

cedo sente as consequências da fragmentação social. Por isso, importa

Confio na palavra que se passa ao outro, a urgência da ação.

que nos serviços ligados ao turismo onde se incluem os restaurantes,

Acredito na capacidade de cada um em fazer mais pelos que

pastelarias e outros ligados à alimentação se sinta o reforço de uma

nos rodeiam e na força que o voluntariado social nos dá.

voz comum para além das vozes que soam. Importa, ainda, que quando

Talvez por isso, para além dos números e dos cenários que

passar este momento de aflição não se parem os movimentos a favor

teremos que enfrentar, quero pensar em como tudo isto

da produção nacional, dos mercados locais, do turismo nacional.

está a mostrar a força de todos e de cada um de nós. Este

Aproveitar tudo isto para se reforçarem as redes de produção e de

#resistir é disso prova. Andávamos demasiado distraídos,

comercialização vai fazer-nos mais fortes. As redes dão-nos rede,

enxotávamos as questões políticas e sociais como se fossem

suporte, amparo. Mas para isso é fundamental o ativismo pelo

um feudo dos que nos governam. Demasiados divididos

consenso, pela sensatez, sem cargas ideológicas por detrás. Às vezes

contávamos as conquistas individuais sem pensar na soma

sinto-me um ponto muito pequeninho. Mas logo a seguir desvio o olhar

necessária do coletivo. A verdade é que a situação atual veio mostrar as suas fragilidades. Percebemos que as tais questões económicas, políticas, sociais ou ambientais são da nossa conta, sim. Temos uma palavra a dizer.

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para o horizonte e canto: “se perguntarem por mim, diz-lhes que eu Diário de Olga Cavaleiro

tenho estado, à frente do meu tempo e atrás da felicidade”. Ainda que o tempo corra como se não houvesse amanhã, não daremos tréguas na procura da felicidade. “


Dia 10 “Resistir. Sempre. Neste diário cada vez mais são as frases curtas que fazem sentido. A urgência do tempo e a velocidade das imagens não dão margem para grandes testamentos. Como as notícias. Cada vez mais, relâmpagos, ultrapassados por outros logo a seguir. Dos factos frios saltamos numa sobrevivência feliz para os bons exemplos que percebemos acontecer todos os dias. A solidariedade inspira-nos. Mas é importante que no ato de resistir não se perca a noção da realidade. Aquela que vamos ter que enfrentar. Talvez seja importante olhar que para além daqueles que estão em teletrabalho e sabem da garantia de um ordenado ao final do mês, outros estão verdadeiramente assustados pela forma como se vai solucionar um problema simples que não precisa de grande equação: porta fechada, zero receitas, desequilíbrio financeiro ao final do mês. A solução é tudo menos simples, sobretudo porque se

insiste em colocar todo o peso (como sempre) em cima do proprietário ou empregador. Não podemos ficar a dizer que vai correr tudo bem

quando o sorriso é amarelo e o que se recebe é um presente envenenado. Se o discurso é positivo, já quando procuramos enquadrar as nossas necessidades nas medidas publicadas percebemos o desnorte e como é o empregador que tem de assumir o embate adiantando recursos, algumas vezes aqueles que não tem. Nem falo das linhas de crédito. Ora, convém ter presente que foram também estes homens e mulheres que seguraram Portugal na enorme crise recente. É preciso lembrar que o peso dos impostos desgastou de tal forma os negócios impedindo o aforro e a salvaguarda para dias piores. Há que lembrar que os empresários vivem os seus negócios sem rede. E no resto, muitos deles encontram a feroz concorrência. Sinceramente, julgava que na base da economia estavam as pessoas. Isso foi o que eu aprendi na faculdade. Acredito na recuperação, na explosão do consumo que vai acontecer, tenho a certeza. As pessoas precisam disso e vão provocar essa recuperação. Mas precisamos provocar uma inflexão na forma como está a ser pensado o apoio às empresas. Bora, bora lá que #resistir também se faz de reagir e esta não é uma espécie de pausa na vida. É a vida a acontecer e a gritar para a ouvirmos.”

Diário de Olga Cavaleiro

NONA ARTE | MARÇO 2020 - 22


Diário de Olga Cavaleiro

Dia 11 “Hoje dei comigo a sorrir. Nem eu reparei que estava a sorrir. Só depois de sorrir reparei que o tinha feito. E quando percebi o porquê ainda me ri mais. Pensava na maravilhosa frase que, no filme “E Tudo o Vento Levou”, Scarlett O’Hara diz no meio de todo o tumulto que estava a sua vida: “tomorow is another day”. Confesso que, várias são as vezes, que quando me vejo atropelada pelos acontecimentos e quero resolver tudo ao mesmo tempo sem conseguir, faço ressoar essa frase e penso como, inevitavelmente, no dia seguinte o sol vai nascer outra vez cumprindo o inexorável destino do tempo. Tal pensamento parece conselho sábio que ajuda a traçar escolhas ponderadas. Hoje lembrei-me que agora ainda mais. Afinal, o cenário muda todos os dias. Vertigem que pode derivar em tranquilidade. Pode parecer que estamos sempre atrasados na decisão. Pode parecer que já toda a gente viu a verdade menos nós. Pois não sei. Não sei se a esgotante procura da verdade nos deixa mais lúcidos ou mais loucos. E também não sei se temos de decidir e contra-decidir ou se devemos esperar. Para quem sabe que tem a urgência da decisão pode ser útil respirar. Sei que sim, que pensava eu quando isto começou que tudo parecia uma fábula pelo descanso ilusório dos imensos cancelamentos na agenda. Que alívio, pensava eu. Logo, logo fiz planos há muito prometidos a mim mesma e aos amigos, projetos que iriam ser concluídos. Errada. Tão errada. A pausa foi só um engano. o tempo não sobra, ainda que pareça que sim. E, entretanto, no rol das decisões do certo ao errado parece ir um caminho curto, demasiado curto para se decidir à pressa. E hoje a decisão tomada é correta, na semana seguinte a que lhe era oposta pode ser a necessária. Vaivém de realidades, de fatos, de decisões. No meio de tudo até acho que a nossa sorte é lembrar as palavras de Scarlett: amanhã, teremos um novo dia.”

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Dia 12 Hoje, enquanto admirava o quarto crescente de lua, vi um avião. Até achei que estava a ver mal. Depois dei por mim a pensar que há muito que não via um avião no céu. Claro, disse para mim. Parou o intenso tráfego aéreo que tínhamos. De repente voltei à realidade. À realidade. À que deixámos há quinze dias. À de hoje. À daqui a seis meses. Nos planos que tinha, nos que tive que arranjar e nos que gostava de ter quando tudo isto terminar. Segui em frente que o passeio ainda estava a meio e para todos os efeitos a vida ainda não está em suspenso. Parece, mas não está. De todo. Este amarelo intermitente em que nos encontramos não é uma pausa descansada. “Reconhecemos que a certeza adquirida obstruía uma grande parte do possível que vemos agora puro como o céu lavado pela chuva. Da lassidão nasce a disponibilidade”. Sim, sei que Camus tinha razão, que quando estamos disponíveis procuramos de novo e estamos a procurar de novo. Mas o problema é que estamos ainda demasiado agarrados às nossas certezas. Mas, vamos. Disponibilidade. Hoje até me apeteceu comprar uma camisola. Uma camisola azul, de um azul vivo, transparente e quase líquido, quase marinho. Talvez para me fazer lembrar e sentir o mar, não sei. Voltamos aos planos. Na verdade, eles vão acontecer. Não aqueles que idealizámos, mas aqueles que sentimos dentro de nós no momento em que estiverem para se concretizar. Tenho a certeza que serão diferentes daquilo que nós imaginámos, mas serão reais e serão os certos. A vida não está em suspenso e agora vamos aproveitar o que está à nossa frente, os desafios que impomos a nós próprios. Era muito mais fácil continuar a rotina mas os filmes só têm um final feliz, porque têm um final. Se continuasse a história para além da cena final lá iriam aparecer problemas e o final feliz rapidamente se transformava em pesadelo. E a vida, ao contrário dos filmes, continua todos os dias. Essa é a nossa sorte. E todos os dias somos surpreendidos pelo que não estava nos planos. E isso significa que estamos a viver. Pelo meio vamos sorrir e perceber que é possível ser feliz para além das circunstâncias.

Diário de Olga Cavaleiro

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Palavras férteis na esperança

"Muito havia a dizer hoje sobre estes tempos, que estão e que se avizinham...

“Muitas foram as vezes em que levantámos os estandartes para celebrar a gastronomia e o Portugal que lhe dá colo. Hoje,

Como profissional de saúde, só vos peço que tenhamos a

é tempo de levantarmos os estandartes para lembrar que o futuro existe, para celebrar a entreajuda nos momentos

serenidade necessária porque a força já vive connosco. Calma,

difíceis, para agradecer os que se esforçam por nós. Precisamos de palavras que sejam férteis na esperança. Dê-nos as

foco e fé. Juntos seremos mais fortes!!!“

suas. Hoje, mais do que nunca, quero manter o meu sorriso, quero acreditar e sentir o ânimo de que seremos capazes de

Luís Filipe Brás,

fazer o melhor por todos e por cada um de nós. Não sabemos o que nos espera, cada dia será uma aprendizagem, mas

Confraria do Anho Assado com Arroz de Forno

teremos sempre a certeza de nos termos uns aos outros. Essa é a nossa maior força perante a agressiva situação que vivemos. Somos confrarias, somos gastronomia, somos PORTUGAL, somos pessoas e vamos acreditar sempre.” Olga Cavaleiro, Presidente da FPCG "Vivemos atualmente num estado de guerra sem balas nem canhões. O nosso adversário, de “Nestes dias de incerteza e angústia, o sentimento

de

esperança

ganha

outra

intensidade. Que saibamos ser ativos, solidários e crentes e assim alimentar energia positiva que nos faça continuar a acreditar. No final deste período difícil, vamos todos sair mais fortes e confiantes.” João Figueiredo, Confraria dos Carolos e Papas de Milho

forma silenciosa e galopante tem vindo a vergar-nos numa luta desigual, vencendo muitas das batalhas. Para defendermos o património mais valioso que herdamos dos nossos pais, a VIDA, cabe a cada um de nós assumir a nossa parte. Protejamo-nos a nós e aos nossos. Um abraço apertado ao Luís Brás e a todos os profissionais de saúde por tudo e por tanto que fazem no dia a dia.“ Manuel Ribeiro, Confraria do Presunto e da

NONA ARTE | MARÇO 2020 - 25

Cebola do Tâmega e Sousa


“Na alegria de viver, resisto a todas as dificuldades.” Filomena Grave – Confraria As Saínhas de Vagos

“A palavra chave neste momento deve ser PREVENIR. Nunca estivemos numa situação destas, Estamos perante uma realidade que nunca pensamos viver, para a qual não estamos preparados, cujas medidas estão a ser tomadas dia a dia, hora a hora, à medida que a situação vai evoluindo. Mais do que criticar, Devemos colaborar, cumprir o que nos é recomendado (ou imposto), fazer a nossa parte. Se seguirmos o isolamento, se colaborarmos e respeitarmos as recomendações feitas pelos serviços competentes, estamos a contribuir para que a evolução desta pandemia se faça de um modo menos acelerado e, assim sendo, a resposta do Serviço Nacional de Saúde poderá ser mais eficaz e eficiente. Se, como eu, confiais nos Portugueses e em todos os que vivem em Portugal, na competência, resiliência e espírito de sacrifício dos nossos profissionais de Saúde, na responsabilidade e empenho de fazer o melhor dos nossos Governantes, Acreditai que o melhor está a ser feito, para o bem de todos. Tenhamos ESPERANÇA, melhores dias virão, ainda vamos ter muito tempo para viver e conviver, para sermos felizes. Mantenhamos a boa disposição, a ALEGRIA, o OTIMISMO … assim o isolamento custará menos… tenhamos atitudes “estúpidas”, vamos bater os tachos para a porta ou para a varanda, cantar ou simplesmente “berrar”… mandemos, diariamente, um bom dia virtual aos nossos amigos … vamos manter-nos vivos e com saúde mental. Se assim fizermos, mais rapidamente voltaremos à normalidade e ao nosso convívio confrádico. Até já a todos/as.” Rosa Maria Rocha, Confraria do Pão, da Regueifa e do Biscoito de Valongo NONA ARTE | MARÇO 2020 - 26

“Vivemos um momento para o qual ninguém estava preparado. Este “maldito” vírus não selecionou países, credos ou raças, atingindo-nos a todos de forma aleatória e sem exceções. A única vacina conhecida é o cumprimento das regras que estabelecidas pelas entidades responsáveis. Por vós e pelos vossos, por todos nós, POR FAVOR FIQUEM EM CASA. Ninguém estava preparado para esta pandemia, mas estou certo de que a nossa Presidente, Dra. Olga Cavaleiro, tudo fará, no que está ao seu alcance, para minimizar os efeitos negativos causados no nosso movimento confrádico e que são já vastos. O Primeiro-Ministro afirmou que o nosso renascer será em Junho mas, com a colaboração de todos, eu acredito que a 30 e 31 de Maio, em Santarém, iremos festejar uma dupla vitória: a despedida do vírus e a comemoração do Dia Nacional da Gastronomia. Por último, deixo uma palavra amiga e sentida a todas as Confrarias e confrades. Cuidem-se. Cumpram e façam cumprir as regras, o recolhimento agora necessário, mantenham-se vigilantes, ajudem os que precisarem, nomeadamente os mais dependentes, e mantenham a esperança de que no dia 31 de Maio iremos gritar bem alto: “SOMOS CONFRARIAS, SOMOS GASTRONOMIA, SOMOS PORTUGAL”. Abraço amigo, Manuel Firmino, Confraria da Broa de Avanca


“Nunca pensei que decorridos 20 meses após ter sido atingido por uma

"Estamos a viver uma situação nova para muitos de nós, habituados a ter todas as

tempestade que deixou muitos estragos, estaria agora e com esta idade, metido

comodidades e facilidades de repente temos de ficar em casa e gerir o nosso dia a

numa outra tempestade que é uma autêntica guerra, para a qual nada contribuí e

dia de uma maneira muito diferente....e não sabemos! Hoje e daqui para a frente

desencadeada por um inimigo muito forte equipado com armas altamente

vamos ter de ser o que nós somos mesmo: ser Portugueses!

mortíferas e invisível e traiçoeiro. Todos somos alvos a abater, a situação é muito

E esse papel também é o nosso, o papel das Confrarias. É uma oportunidade para

grave e está instalada, não há que ignorar, o inimigo espreita-nos e tenta cercar-

renascer, procurar a nossa essência que é onde está a nossa força! Fiquem todos

nos. Neste planalto de Santarém acerco-me dos seus mirantes que abarcam a

seguros pois todos vamos ser precisos! Juntos iremos ultrapassar isto, porque

paisagem que vai das Serras de Aire e Candeeiros até ao Castelo de Palmela e

somos Confrarias, porque somos Portugal!“

não consigo vislumbrar qualquer movimento deste feroz inimigo. Perante tal

Ricardo Cruz, Real Confraria Gastronómica das Cebolas, Castêlo da Maia

gravidade somos todos fisicamente demasiado fracos para enfrentar esta guerra desigual mas cada um de nós tem dentro de si duas peças fundamentais chamadas “coração” e “cérebro” sendo a primeira a que produz energia sem limites capaz de derrubar montanhas e a segunda a que tem a seu cargo saber utilizar essa mesma energia, com muita serenidade e em doses moderadas para

É pois momento de cerrar fileiras, carregar as nossas baterias e não desbaratar energias, antes pelo contrário

podermos ir encontrando soluções para os problemas que nos surjam. Se a

é necessário poupa-las procurando entre os que nos rodeiam, aqueles que sejam capazes de, com toda a

maioria da população tiver uma postura serena, unidos venceremos. É imperioso

franqueza e lealdade, construir uma cadeia muito forte que faça face a esta tormenta.

“vencer” porque depois de ultrapassados os maiores embates desta tempestade

Passado que seja o turbilhão maior voltará a acalmia que nos trará o sossego que necessitamos para

outras questões irão surgir com as operações de rescaldo porque tudo nunca

verificarmos se aprendemos algo com tudo isto, fazermos um balanço do mau tempo passado para que em

mais voltará a ser como era antes. Quando o rescaldo chegar, porque vivemos

breve possamos voltar dar as mãos e a abraçar-nos sem receios.

num Mundo Cão, os predadores irão surgir também. Não se trata de

Aqui fica uma palavra de muita esperança e para todos os nossos Confrades do Minho aos Açores aquele

pessimismo, é a realidade que nos cerca, para a qual devemos estar atentos.

abraço. Até breve.” Cruz Marques, Confraria da Gastronomia do Ribatejo

NONA ARTE | MARÇO 2020 - 27


Caros Amigos,

"Não, você não é o único a desesperar e a acreditar que está louco

Estamos a viver um momento único e nunca imaginável! A palavra de ordem é FIQUE EM CASA !

... Não é com certeza o único, a pensar que não está a dar conta

O inimigo é invisível e silencioso por isso todo o cuidado é pouco e a única forma de o

do recado, como deveria Que não se sente capaz ... Como acha

combatermos é com a higiene e afastamento social.

que todos os outros estão? Estamos todos no mesmo barco!

Como é do vosso conhecimento cancelamos a realização do nosso VIII Capítulo, que teria lugar

E se servir de consolo a alguém, todos nos debatemos com as

no passado dia 14 de Março... Apressamo-nos a garantir uma nova data para a sua realização, a fim

mesmas dúvidas, as mesmas questões ...E temos dúvidas ...E

de não gorar as expetativas, mas também porque há compromissos assumidos que teremos de

estamos cansados ...E nervosos ...E mal dispostos ...

honrar. Vejamos se a nova data já adiantada será viável pois no presente e em face do Estado de

Mas vamos tentar, nos dias que nos parecem todos iguais,

Emergência decretado pelo Governo tudo é uma incógnita!

aproveitar um pouco do positivo que esta situação nos trás ...O

A hora é de luta, não podemos baixar os braços e mais do que nunca temos de ser solidários e,

estar com a família ...O fazer coisas em conjunto que, de outra

ser solidário, é também ter espírito cívico e cumprir com as determinações impostas para bem de

forma, nunca faríamos ...

TODOS NÓS ! Acreditamos que tudo isto não passa de um sonho mau e em breve estaremos

A disponibilidade mental para viajar no tempo, quer seja o "tempo

todos juntos a pugnar por aquilo que nos une e move, pela promoção do bem maior do nosso

passado" ou o "tempo futuro"! Fazer planos ... Viajar num livro ou

Portugal – A NOSSA GASTRONOMIA ...

viver outra vida num filme ...

No entanto sentimos que a realização do Dia Nacional da Gastronomia Portuguesa, agendado

Aproveitar o sol que bate na janela ou sentir a chuva e o frio, que

para 30 e 31 de Maio próximo está prejudicada, pois não vemos Confrarias e Confrades a aderir e

faz lá fora, junto a uma lareira acesa ... Aproveitar os sentimentos e

participar com o ânimo que é desejado. Assim, sugerimos à FPCG que desde já pense na marcação

sensações que, de outra forma, nos fugiriam por entre o tempo,

de outra data pois a relevância da realização de tal evento merece que toda a atenção. Serão

que não teríamos!

tempos difíceis, mas estamos certos que com determinação voltaremos ao caminho certo para

Sejamos Portugueses na sua totalidade ... a reclamar do que temos

bem te todos os atores envolvidos: criadores, produtores, restauradores...

mas sempre otimistas, até ao fim, com a força e determinação

Haja esperança, coragem e muita Fé! Vamos conseguir ultrapassar tudo isto e... TUDO VAI FICAR

necessárias, para ultrapassar esta fase diferente!"

BEM!

Sílvia Santos

CHANCELARIA da Confraria Enogastronómica dos Sabores do Botaréu

Confraria As Sainhas NONA ARTE | MARÇO 2020- 28


“Se alguém me dissesse que viveríamos o que estamos a viver, confesso

"Esta pandemia mundial é uma realidade, temos que agir em

que não acreditaria de maneira nenhuma. Mais, quem nos diria a nós, que

consciência, responsabilidade e determinação. O rigor, o

algo tão distante provocaria tal impacto nas nossas vidas. Mas está cá,

respeito e o empenho de todos é essencial para a combater.

este Corona Vírus de mau nome, que nos atormenta e nos

Cabe a cada um de nós proteger a vida de todos.

“aquarentena”. Espere que passe rápido, a Gastronomia tem muito para

Um sentimento de gratidão a todos os profissionais de saúde,

fazer e dar e a minha querida Confraria do Atum quer continuar a

bem como a todas as pessoas que de uma forma menos visível,

colaborar com todas as suas congéneres e com a Federação Portuguesa

combatem este flagelo que é o corona vírus .

de Confrarias Gastronómicas.

À Federação, a todas as confrarias e amigos

Sem alarmismos desnecessário s que é disso que se trata em

De momento a melhor colaboração é respeitar o que nos pedem,

Em primeiro espero que todas que fazem

termos de saúde e economia, esta é a hora de darmos as mãos,

quanto à prudência a ter e sobre a forma de proceder, mas façamo-lo

parte deste movimento confrádico, e seus

mesmo que por razões higiênicas não as possamos juntar.

com a esperança de que outros tempos virão. Tal como já soubemos ultrapassar outras crises – eu, em particular, com os meus 60 “anitos”, já vivi várias, esta também será derrotada e sempre com a certeza que é com as dificuldades que se ganha forças para ir mais além e para avançar com toda a energia do mundo.

familiares se encontrem bem de saúde. Dada a situação que estamos a passar, temos de acreditar, ter fé e não podemos perder a esperança. Temos todos que seguir as

Termino com um voto de esperança no futuro e no retomar pronto das

recomendações da DGS para que tudo isto

nossas atividades confrádicas.

passe o mais rápido possível e termine da

Um grande bem-haja a todos.”

melhor forma.

António Cabrita Arrais da Confraria do Atum VRSA Manta Rota, 23.03.2020

Fátima Rito, em nome da confraria dos sabores da Abóbora enviamos um forte abraço para todos. Confraria dos Sabores da Abóbora

NONA ARTE | MARÇO 2020 - 29

Podemos sempre fazer uma simples vênia! É um desafio à nossa capacidade de sermos humanos e solidários nos momentos mais difíceis.“ Celeste Carvalho, Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões


Tinha que fazer alguma coisa”, recorda Manuel Moura. A

CONFRARIAS

partir desse dia, antes do jantar, é o próprio Sr Moura

A solidariedade em tempos de pandemia – Manuel Moura Confraria Gastronómica das Tripas à moda do Porto As Confrarias são feitas de laços de fraternidade de solidariedade

entre

confrades

mas

também

das

Confrarias para com a sociedade, em tempos duros de isolamento e de luta contra um inimigo invisível, sobressai o melhor da humanidade. O nosso Sr. Moura, o nosso estimado Grão-Mestre da Confraria das Tripas à moda do Porto é exemplo disto mobilizado pela urgência do momento e claro movido pelo seu espírito solidário entrega diariamente entre 60 a 70 refeições diárias ao pessoal médico do Hospital de São João. Tudo começou com o pedido de entrega de uma sandes de vitela a clientes habituais do restaurante Líder, entre enfermeiros e médicos a trabalharem no serviço de urgência do Hospital de São João, no Porto. “Nessa altura, apercebime da exaustão deles. NONA ARTE | MARÇO 2020 - 30

quem tem andado a entregar pessoalmente 60 a 70 refeições

quentes,

em

embalagens

ou

tabuleiros

devidamente higienizados, à porta daquela unidade de saúde. “Só descanso ao domingo. Mas saio de lá consolado”. A preparação da ceia acontece depois de servir alguns pedidos de take away na hora de almoço, o que acontece desde a declaração de emergência que o levou a fechar o restaurante.


Olha para os ingredientes que ainda tem na despensa do restaurante, verifica os legumes que sobram, telefona a fornecedores habituais à procura de “uma boa alma” que queira contribuir com alguma coisa. “Peço carne a alguns talhos, fruta às mercearias, pão à padaria, alguns bolos… Tenho duas pastelarias que me têm ajudado [a Já Fumega3 e a Oporto]. Não paro de pedir. Para mim, não peço nada”, conta. “Ainda ontem fui comprar um quilo de queijo e de fiambre do meu bolso. Gasto arroz, gás, luz, gasolina por andar de carro a recolher os produtos. Mas faço tudo isto com imenso gosto”, afirma o sr. Moura. Pouco depois das 19.30 estaciona junto ao Hospital de S. João coloca as máscaras e as luvas e entrega as refeições em local definido. Minutos depois, volta a entrar no carro, tira as luvas e a máscara e segue para casa. Aí os cuidados repetem-se: “Tenho os chinelos à porta. Descalço-me, dispo a roupa para lavar, ponho o casaco numa cruzeta a arejar na varanda. Vou tomar banho e só depois me junto à minha mulher e à minha filha para jantar”, descreve. “Fico com o coração cheio. Até durmo melhor.” O Sr. Moura sabe que os próximos tempos não serão fáceis, mas enquanto tiver ingredientes na despensa continuará a ser solidário quanto ao futuro sabe que será difícil: “Mas haveremos de conseguir, se Deus quiser. Haja saúde!” E acrescenta: “O mundo nunca mais será o que era [depois da pandemia]. As pessoas vão ficar mais humanas e perceber que vale a pena olhar para o vizinho do lado.”

Confraria do Bolo Podre e da Gastronomia de Montemuro Solidários também os nossos Confrades da Confraria do Podre e da Gastronomia de Montemuro que desejaram uma Feliz Páscoa às IPSS de Castro de Aire procedendo à entrega de Bolo Podre, um miminho que terá arrancado muitos sorrisos em quem mais precisa. Bem-Hajam pelo Vosso gesto solidário.

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Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões promoveu “Rojoada do porco” Tradição revivida no Condado de Beirós

“Rojoada do porco”

Texto de: Aníbal Seraphim Portugal é um país rico em tradições populares que Há tradições que não se apagam no tempo. Umas

preenchem o ano inteiro: O mês de Fevereiro assume

continuam enraizadas na cultura popular e mantêm a

alguma relevância sendo oportuno reviver a tradição

sua genuinidade e outras vão sendo moldadas e

muito familiar na região de Lafões: A “Rojoada do

adaptadas às formas de viver em sociedade, obedecendo

porco”. Para melhor perceber esta matéria, os

às regras legislativas em vigor, não só pelo acto em si,

Confrades promoveram um acontecimento no dia 15 de

mas também atendendo às normas de higiene, caso se

Fevereiro: uma oficina da desmancha do porco, com

trate do manuseamento de bens alimentares.

confecção e provas das suas iguarias, em que saltou à

Estando em pleno Sec. XXI e de certa forma havendo a

vista a adaptação da tradição aos tempos modernos, em

necessidade que não se percam no tempo os rituais da

que o abate do animal não foi no local do evento, mas

ancestralidade, pois sem conhecermos o passado não

num local próprio para o efeito, no entanto os

poderemos avançar com passo certo em direção ao

preparativos finais foram efectuados como manda a

futuro, há que manter vivas essas tradições, mas que

tradição: “chamuscado” e lavado à moda antiga.

impere sempre a harmonia salutar com o presente. Esse equilíbrio pode ser alcançado havendo para isso bom senso e maturidade das maneiras de estar em sociedade. NONA ARTE | MARÇO 2020 - 32


Este evento foi promovido pela Confraria dos Gastrónomos da Região de Lafões no Solar do Condado de Beirós, em S. Pedro do Sul. No aprazível local ajardinado do seu exterior, foi explanada a metodologia do corte e os distintos sabores de cada parte do animal. Seguiram-se as provas, em que foi apreciada a degustação de rojões das tripas, fígado, chouriça, morcela, ossos de suã, fevras grelhadas, sopas, caldos e papas. Acompanhando os novos tempos, e nem só de vinho vive o homem, para “empurrar” as iguarias havia água, sumos e refrigerantes. Mas o precioso néctar de Lafões estava bem representado pelo Lafões DOP Branco de 2018 da Quinta da Moitinha, Vinho Biológico Branco de 2018 Comenda de Ansemil e pelo vinho tinto de 2018 Encostas de Mosteirinho. Após estas provas e momento de convívio entre os Confrades, familiares, amigos e convidados de outras Confrarias, foi servido um almoço composto por rojões com batata cozida com a pele, grelos e enchidos. Para sobremesa a tradicional aletria e leite creme, Folar de Vouzela, Pão de Ló de Milho húmido com molho de limão e fruta .

Condado de Beirós, um local a visitar Não se poderia deixar de referir o acolhimento e papel preponderante que o proprietário do Condado de Beirós teve neste evento, denotando ser uma pessoa que se preza por saber receber bem e pela estima que tem sobre o património edificado sampedrense, pois o solar construído no Sec. XVIII chegou a um estado de enorme degradação, e o notável esforço de valorização do solar e sua envolvência deve-se sobretudo à forma empreendedora que Celso Rodrigues imprimiu no seu restauro. Um local de encanto com um rico recheio ornamental à época e em que mantém a sua traça original bem vincada, que segundo a sua visita guiada a alguns espaços, com um brilho no seu olhar, realçou o serviço prestado ao turismo da região e o gosto em receber visitas. Como não poderia deixar de ser, o evento terminou com o cantar do emotivo Hino de Lafões.

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O papel das Confrarias na preservação cultural Uma das missões desta Confraria é promover e divulgar o rico património, e fez deste evento um momento de preservação e continuidade das tradições, mas de uma forma que o convívio fosse um momento cultural com boas surpresas. Foi tudo muito bem conseguido e enriquecido com as restantes actividades. O Confrade Carlos Rodrigues e Carlos Almeida evocaram na palestra os estudos que ambos fizeram individualmente sobre “a matança do porco na Literatura e na Tradição”. Coincidentemente ambos se complementaram e com a riqueza de textos de Fernando Pessoa, Aquilino Ribeiro, Ronaltt Muniz, um poema de Nuno Júdice e uma curiosa e engraçada sinopse de um adagiário Português sobre o porco, enunciando dezenas de frases em que o animal é usado de forma metafórica e intemporal. Na companhia dos Confrades da Castanha de Sernancelhe e da Lampreia de Penacova, os momentos culturais sucederam-se, com a Grã-Mestre Celeste Carvalho a realçar a importância das tradições. A boa disposição manteve-se com a prestação poética de João Carlos Lages a gerar umas boas risadas dado o contexto alusivo ao porco e a surpreendente parte musical de Fados de Coimbra cantados por Manuel Almeida, que mesmo sem acompanhamento instrumental encheu o salão com a sempre emotiva temática deste género musical.

NONA ARTE | MARÇO 2020 - 34


REPRESENTAÇÕES

NONA ARTE | MARÇO 2020 - 35


Créditos das fotos: Foto capa: Pixabay As Janeiras: foto da pp. 7 Diamantino Gonçalves, fotos pp. 8-9 Confrarias, foto pp. 10 Município de Mortágua Confrarias na EHT de Coimbra : Fotos Confrarias Sessão de Esclarecimentos: foto de Olga Cavaleiro Encontro de Confrarias: Fotos de Confrarias Especial Covid-19: Diário de Olga Cavaleiro fotos de Olga Cavaleiro Palavras férteis na esperança: fotos das Confrarias Notícias: Fotos: Manuel Moura; Confraria do Bolo Podre e da Gastronomia de Montemuro; Confraria dos Gastrónomos da região de Lafões Representações: Fotos das Confrarias

FEDERAÇÃO PORTUGUESA DAS CONFRARIAS GASTRONÓMICAS

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FEDERAÇÃO PORTUGUESA DAS CONFRARIAS GASTRONÓMICAS

NONA ARTE | MARÇO 2020- 37


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