REVISTA LÁPIS DE COR

Page 1

NOVEMBRO/2012

Informativo da APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia

Reportagem

Orquestra Afro Sinfônica Os negros na política e na universidade O negro e a luta contra o preconceito no futebol


a APLB-Sindicato nas

redes sociais

APLB-Sindicato também esta nas Redes Sóciais. Siga, divulgue, curta e compartilhe as nossas propostas, lutas e conquistas por uma Educação de qualidade!

A

@aplbbasindicato facebook.com/aplbsindicato


Carta do

Editor

A

edição de Lápis de Cor que você tem em mãos é um trabalho que pretende levar ao público a história como ela aconteceu e acontece. Pretensão? Talvez, mas esse é o desafio que nos propomos. É um exercício interessante ler a reportagem sobre a Orquestra Afro Sinfônica, uma novidade – das boas! – na cultura brasileira. Conhecer de fato a história de Zumbi e o Quilombo dos Palmares. O negro se assumindo negro no Censo populacional. O negro enfrentando o preconceito e outros obstáculos para chegar à universidade. Lápis de Cor lhe dá a oportunidade, rara, de conhecer verdadeiramente a luta do negro no combate ao preconceito no futebol, a grande paixão nacional. Lápis de Cor lhe traz também artigos – todos eles interessantes – os quais revelam a dificuldade da inserção do negro em todos os segmentos da sociedade. Os artigos nos dão a ideia do quanto é árdua essa luta e do quanto é importante ressalvar as vitórias da negritude. Sem ressentimentos, o negro e a negra conquistam seus espaços, com inteligência e capacidade. Lápis de Cor está aí, trazendo o passado, mostrando o presente e prevendo um futuro tão interessante quanto desafiador para todos os que não abandonaram suas utopias. Tudo isso feito numa diagramação que pode ser traduzida como bela moldura para os textos.

Lápis de Cor está aí, trazendo o passado, mostrando o presente e prevendo um futuro tão interessante quanto desafiador para todos os que não abandonaram suas utopias.

José Bomfim www.aplbsindicato.org.br www.aplbsindicato.org.br

3


Sumário 26 CAPA

O regionalismo baiano e a música erudita da Orquestra Afro Sinfônica

10

POLÍTICA

Cresce a participação de negros no Congresso Nacional

37

40

16

ESPORTE

O negro no futebol brasileiro

SOCIEDADE

Pesquisa do Conanda aponta número de crianças em situação de rua

EDUCAÇÃO

Instituto Steve Biko

39 Steve Biko

PERFIL

6

PESQUISA

Censo - o negro assume sua cor?


14

EDUCAÇÃO

Estudantes negros são menos de 10% nas universidades federais brasileiras

Informativo da APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia Rua Francisco Ferraro, 45, Nazaré CEP 40040-465 Salvador - Bahia Telefone (71) 4009-8350 Fax: (71) 4009-8379 Site: www.aplbsindicato.org.br E-mail: aplbsind@gmail.com

Coordenador Geral: Rui Oliveira

Diretores de Imprensa:

34 16

ECONOMIA

Luciano de Souza Cerqueira Nivaldino Félix de Menezes Rose Assis Amorim Aleluia

HISTÓRIA

Zumbi e o Dia da Consciência Negra

Editor:

Jornalistas:

José Bomfim - Reg.1023 DRT-BA Leda Albernaz - Reg. 907 DRT-BA Rosana Calvalcanti - 2473 DRT-BA

53,5% dos negros brasileiros já estão na classe média

Textos:

Artigos 8 13 15 20 21 25

Bote a mão na consciência Vamos celebrar a Consciência Negra com mais educação Cotas: uma bandeira tática, não estratégica Retrato Social O papel da escola no combate ao racismo A aplicação das Leis 10639/2003 e 11645/2008 para além dos muros da escola

José Bomfim - Reg.1023 DRT-BA

32

A importância do currículo escolar na valorização e respeito à cultura negra

36 38

UNEGRO de luta e de história

49

O poder da Superação entre a raça e a etnia

A reafirmação da identidade racial do negro através da Música

Artigos:

Alexandre Braga Jornal Estado de São Paulo José Bomfim Rosana Calvalcanti Zero Hora

Alice Portugal Elza Melo Gercyjalda Rosa da Silva e Silva Jacilene Santos da Silva Lídice da Mata Marcelo Jorge de Almeida Araújo Marilene Betros Mônica Muniz Nivaldino Felix Olívia Santana Rui Oliveira

Projeto Gráfico e Diagramação: Eduardo Silva Jachson José dos Santos

Aux. de Produção:

Getúlio Lefundes Borba


6

LLรกpis Lรก รกpi pis de de C Cor orr o

heroturko


Censo

o negro assume sua cor?

A

o programa “Brasil em Pauta” de 17 de maio, o diretor-presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, avaliou que o Censo 2010 revela um processo cada vez maior de autoreconhecimento do brasileiro em relação à sua cor. Segundo ele, se compararmos o Censo de 2000 com o censo de 2010, houve um aumento da proporção da população que se declarou negra, assim como da que se declarou como indígena: 1,2 milhão não declarou a sua própria cor no Censo de 2000. Esse número caiu para apenas 60 mil pessoas em 2010. “Isso não quer dizer que a população desse grupo esteja crescendo mais que os demais, não. É simplesmente porque está havendo cada vez mais um autoreconhecimento de cada agrupamento específico, ou seja, cada qual se reconhecendo cada vez mais como um cidadão na própria sociedade”, disse Eduardo

Pereira Nunes. Os dados do Censo 2010, que começaram a ser divulgados no final do ano passado, revelam que houve uma mudança significativa na configuração da população brasileira ao longo do século. As transformações foram registradas em todas as regiões do país e em todos os grupos sociais e raciais, embora com diferentes velocidades. Uma delas, no entanto, chamou atenção no último levantamento apresentado: pela primeira vez na história do Censo, as pessoas que se declaram brancas são menos da metade da população. Pela classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 97 milhões de pessoas se dizem negras (pretas ou pardas) contra 91 milhões de pessoas brancas. Outras cerca de 2,5 milhões se consideram amarelos ou indígenas. Os brancos ainda são a maioria (47%) da população, mas a quantidade de pessoas que se declaram assim caiu em relação a 2000. Em números absolutos, foi também a única categoria que diminuiu de tamanho. www.aplbsindicato.org.br

Como resultado, a taxa de crescimento da população negra na última década foi de 2,5% ao ano e a da branca aproximou-se de zero. Segundo o estudo “Dinâmica Demográfica da População Negra Brasileira”, divulgado em 12 de maio de 2011, pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), dois fatores devem ter contribuído para essa reviravolta. Primeiro, nota-se um aumento do número de pessoas que agora se declaram pardas e que antes preferiam dizer que eram brancas. Segundo, apesar de uma queda geral na taxa de fecundidade das brasileiras, as mulheres negras ainda são as que mais têm filhos. “A cada Censo, observamos um número maior de pessoas se declarando pardas. Há um enegrecimento da população brasileira por causa de uma maior valorização das suas condições raciais e étnicas”, ressaltou Ana Amélia Camarano, autora do estudo. “A valorização dos negros se deve não apenas a políticas do governo, mas também a ações do movimento negro que datam de décadas e que ganharam corpo nos últimos anos”, completou. “O grande aumento da população brasileira nos últimos dez anos foi devido ao aumento da população negra”, disse Mário Theodoro, secretário-executivo da Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdade Racial. “Isso mostra em uma parte crescimento democráfico maior e por outro o maior reconhecimento dos negros como tais, como cidadãos pretos ou pardos. A população está se sentindo mais pertencente a esse grupo”, afirmou. Fontes: Blog do Planalto e UOL

7


ARTIGO

Bote a mão na consciência

N Rui Oliveira*

asci filho de uma família pobre que conviveu com (8) oito irmãos no bairro da Saúde, mas fui educado de forma correta, com muito amor e dedicação por seus pais. Comecei a trabalhar desde criança para ajudar a família. Meu primeiro emprego formal foi quando tinha 14 anos, como mensageiro, hoje office boy, da Secretaria Estadual de Educação, lembro-me disso com muito orgulho. Meus dois colegas na SEC, assim como eu, com muita vontade e galgando obstáculos, estudamos, e muito. Fizemos exame de admissão naquele espaço. Estudamos em escolas públicas. Eu no Colégio Severino Vieira. Passamos no vestibular da UFBA e fomos galgando outras promoções. Conseguimos nesse percurso das escolas públicas, bolsa de estudos para estudar Francês, na Casa da França, Inglês, na Associação Cultural Brasil Estados Unidos (ACBEU), na Vitória, e Alemão, no ICBA – Instituto Cultural Brasil Alemanha. Consegui ter duas graduações, uma especialização e formei-me Mestre em Química Analítica Ambiental, em 2003. Ocupei diversas funções no movimento Cone Sul da APLB-Sindicato, secretário Sindical da CNTE, conselheiro Estadual da Alimentação, conselheiro Estadual do Fundeb, coordenador do Plano Estadual de Educação, conselheiro Federal da Fundeb, Conselheiro Estadual de Educação. E dentre outras atividades consultor de Educação e Meio Ambiente, além de ter representado o Brasil na área da Educação

8

em alguns países como a Índia, Grécia, Nicarágua, Canadá, Argentina e outros. Esse negro, de família pobre, que nasceu no bairro da Saúde em Salvador, graças a Deus e a abnegação de meus pais, todos (eu e meus irmãos) nos graduamos e ocupamos cargos de destaque na sociedade Só que nós, negros, de origem humilde fomos premiados. É como se nós fôssemos algumas agulhas no palheiro, pois a realidade da negritude é outra realidade. O Brasil é um país racista, a Bahia é racista, Salvador é racista, mas com muita luta e orga-

Esse negro, de família pobre, que nasceu no bairro da Saúde em Salvador, graças a Deus e a abnegação de meus pais, todos (eu e meus irmãos) nos graduamos e ocupamos cargos de destaque na sociedade nização o movimento negro, através de suas legítimas representações, tem conseguido diminuir o fosso de desigualdade e os negros estão assumindo papéis de destaque em todos os segmentos. Por isso lute, estude, não importa os sacrifícios, pois, mais adiante, nós vamos valorizar os sacrifícios, quando realizarmos os nossos sonhos. Viva Zumbi Viva Maria Felipa Viva 20 de Novembro

*Professor Rui Oliveira Coordenador-geral da APLB-Sindicato Secretário de Política Sindical da CNTE Conselheiro Estadual de Educação Mestre Química Analitica Ambiental na UFBA

Lápis de Cor


Epiderme

A

negra

epiderme negra acusa o sangue que invade os canais sanguíneos e consangüíneos de, sem pedir licença, emparedar e impedir os glóbulos também negros de fazerem seu movimento subversivo dentro deste corpo Severino A epiderme negra recusa o sangue que tenta descolorar infame o tecido antigo, amigo e intuitivo que se abrigou em outro corpo misturando-se com dor, cantos e gemidos A negra epiderme aceita o gingado poético dos embalos de cada nação conduzidos pelas mãos que alisam o couro saudando a casa e os amigos também negros A negra epiderme não se dá por vencida pode até estar adormecida, condicionada, ou oprimida, mas quando o toque do tambor ecoa dentro da alma o corpo sente, reage e pede a cada célula também negra que pule e berre dentro de cada órgão ainda negro

Marcelo Jorge de Almeida Araújo Poeta Professor de Língua Portuguesa Especialista em Educação de Jovens e Adultos Mestrando em Educação

http://www.heroturko.org


Cresce a participação de

negros

no

A

Congresso Nacional

pesar do modesto crescimento de 3% da bancada negra ou afrodescendente – que pulou de 5% para 8,5% em 2011 –, com 43 deputados eleitos, a Frente Parlamentar da Igualdade Racial pode chegar a 220 deputados, número que mostra uma relativa força política do Movimento Negro para votar matérias de interesse da comunidade negra. O primeiro parlamentar federal negro eleito foi Eduardo Gonçalves Ribeiro, maranhense e filho de escrava. Anteriormente, já havia sido o primeiro afrodescendente a assumir um governo de província, a do Amazonas, de 1892 até 1896. Logo em seguida, é eleito senador, mas não toma posse. Em 1897, foi eleito deputado federal, exercendo o mandato até sua morte em 1900. De lá para

10

cá, o voto étnico negro produziu interessantes situações de sucesso eleitoral, como Alceu Collares, no Rio Grande do Sul, Albuíno Azeredo, em Vitória, em 1991, ambos do PDT, Benedita da Silva, do PT, em 1989, Celso Pitta, do extinto PPB, em 1996, e o caso clássico de Leonel Brizola com seu “Socialismo Moreno”, mas que não conseguiu tirar a massa negra do processo de alijamento eleitoral, haja vista a pouca representatividade própria dos negros que se sagraram vitoriosos nas eleições de 2006 e 2008. No entanto, cresceu em 3% a participação dos negros na política brasileira, que era de apenas 5% na última eleição de 2008. Em 2010, o Congresso Nacional elegeu 43 deputados e deputadas negros, chegando ao índice de 8,5% de negros no Parlamento brasileiro. O PT continua sendo o partido que mais elege negros no país: nas eleições de 2010, elegeu quase a metade dos 14 parlamentares autodeclaLápis de Cor


rados afros. Em seguida vem o PMDB e PRB, partido do ex-vice-presidente José Alencar, com seis eleitos. Já o PCdoB, quatro; e PR, PSC, DEM, PSB e PTB elegeram apenas um deputado cada. Merece destaque no apontamento (Balanço eleitoral do voto étnico negro) feito pela Unegro – União de Negros Pela Igualdade – o fato de no PRB estar despontando uma geração de lideranças políticas negras oriundas de importantes grupos evangélicos, muitas delas, inclusive, ocupantes de cargos da alta cúpula das principais igrejas, como Igreja Universal do Reino de Deus e

Em 2010, o Congresso Nacional elegeu 43 deputados e deputadas negros, chegando ao índice de 8,5% de negros no Parlamento Evangelho Quadrangular. Quanto ao mapa geopolítico, a Bahia, além de ter a maior população negra, também tem a dianteira no quesito de representação parlamentar, elegendo a maioria dos negros aos cargos de deputado federal, num total de sete, mesma quantidade de Maranhão e Rio de Janeiro. Na segunda colocação ficou Minas Gerais, com cinco membros para a 54ª Legislatura da Câmara dos Deputados. Para as

Assembleias Estaduais, foram eleitos 39 deputados estaduais ou distritais, a maioria filiada ao PT, 14; PTB, quatro; PSB e PRB, com três deputados cada, quase todos com domicílio eleitoral na Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, estados que mais elegem deputados estaduais negros do Brasil. Apesar do modesto crescimento de 3% da bancada negra ou afrodescendente – que puhttp://www.qqesse.com.br

www.aplbsindicato.org.br

11


Negros no Congresso Nacional lou de 5% para 8,5% em 2011 –, com 43 deputados eleitos, a Frente Parlamentar da Igualdade Racial pode chegar a 220 deputados, número que mostra uma relativa força política do Movimento Negro para votar matérias de interesse da comunidade negra. De acordo com os pesquisadores Amaury de Souza e Nelson do Valle, os negros têm comportamento eleitoral diferente dos brancos. Por exemplo, em 1960 os negros votaram mais em Jango, o que comprova a vocação em votar em candidatos do campo trabalhista e populista. Outros exemplos são as eleições de Brizola e de Benedita da Silva para o governo do Rio de Janeiro. Essa guinada deu-se acentuadamente a partir da Constituição de 1988 ao permitir o voto dos analfabetos, com o qual milhões de cidadãos negros foram alçados ao eleitorado. Contudo, o sociólogo Antonio Sergio Guimarães, autor do livro Classes, Raças e Democracia, ressalta que o voto étnico não é uma exclusividade da comunidade negra, pois já é utilizado pelos italianos, sírio-li-

baneses e portugueses. Porém, os 43 deputados federais de origem afrodescendente empossados em 1º de fevereiro comprovam que ainda é forte a segregação racial quanto à representação política brasileira, pois de todo o Congresso Nacional apenas 8,5% são compostos por negros, e há somente dois senadores da República de etnia negra. Já a Frente Negra do Congresso Nacional, criada em maio de 2007, tem uma composição bem melhor e até certo ponto expressiva, 220 deputados e quatro senadores, sendo o PT o partido que mais possui membros, com 70 deputados, seguido pelo PMDB, com 44, o DEM com 12 e o PSB com 11. Os senadores dessa frente são oriundos do Bloco PT/PCdoB. No entanto, somente nove partidos políticos, dos 27 legalmente constituídos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm secretarias dedicadas aos negros ou de setorial afro. São eles: PHS, PT, PMDB, PDT, PTB, PRB, PSTU, PCO e PSDB, com o seu Tucanafro. *Alexandre Braga é articulista, coordenador de Comunicação da Unegro (União de Negros Pela Igualdade) e tesoureiro do Fomene (Fórum Mineiro de Entidades Negras).

comunicriar.wordpress.com

112 2

LLápis Lá áp piis de de C Cor orr o


ARTIGO

Vamos celebrar a Consciência Negra com mais educação

T

Alice Portugal

emos muito o que comemorar nesse mês que marca as lutas e reflexões sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. Um “Novembro da Consciência Negra” que chega com grandes notícias, entre elas o apoio da OAB à constitucionalidade das cotas raciais para acesso às universidades públicas. Entre os conselheiros federais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) destaca-se um grande nome, Luiz Viana Queiroz, da Bahia, relator do parecer aprovado por unanimidade pela Ordem sobre a necessidade de “garantir igualdade de condições de acesso à universidade em uma sociedade extremamente desigual”. A OAB aponta a necessidade de se assegurar medidas capazes de diminuir tal discriminação e cita as cotas sociais como um dos importantes instrumentos para a conquista desse fim. O posicionamento da OAB é uma vitória do movimento negro e de suas entidades, como a UNEGRO, que há anos travam batalhas contra o preconceito e em favor da adoção de políticas públicas de inclusão e de reparação pelos anos de discriminação racial que o Brasil viveu. Significa ainda um balde de água fria na pretensão de forças retrógadas e oligárquicas como o DEM que, em 2009, ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal contra a adoção de cotas raciais nas universidades públicas. Outra ótima notícia para o movimento negro e para os que combatem todo o tipo de discriminação foi o fato de o Bra-

sil ter se tornado país referência na promoção da igualdade racial. Nossa ministra Luiza Bairros, secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, esteve nos EUA para atividades de avaliação dos últimos 10 anos de políticas referenciais nas questões raciais de todo o mundo, realizada pela ONU. Lá a ministra destacou os avanços brasileiros, principalmente na educação, a política de cotas que tem inserido milhares de afrodescendentes nas universidades públicas e, por meio do ProUni, na rede privada. Também reafirmou o compromisso da presidenta Dilma Rousseff em

contra o preconceito racial e lutar ao lado do movimento negro em defesa da adoção de políticas de inclusão e de reparação por parte do Estado.

Outra ótima notícia para o movimento negro e para os que combatem todo o tipo de discriminação foi o fato de o Brasil ter se tornado país referência na promoção da igualdade racial manter e ampliar nossas conquistas. A política de cotas raciais é uma das principais medidas afirmativas utilizadas na defesa da população afrobrasileira. Contudo, não é o suficiente para dirimir séculos de exclusão e discriminação. Não podemos esquecer que no Brasil já existiu até mesmo leis que proibiam o acesso dos negros e negras à educação. Ao comemorarmos o Dia da Consciência Negra, é preciso não apenas saudar os avanços que nosso país registrou, mas também reafirmar nossa vigilância para impedir a prevalência de qualquer tipo de discriminação, de qualquer tipo de preconceito, notadamente na Bahia, um estado onde a diversidade cultural, racial e religiosa tem sido instrumento de avanços e conquistas. Vamos juntos nos rebelar www.aplbsindicato.org.br

*Alice Portugal Deputada Federal pelo PCdoB Titular da Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Deputados

13


Menos de 10% nas universidades federais brasileiras são

ESTUDANTES NEGROS Mesmo pequena, participação dos negros nas federais cresceu em relação à pesquisa de 2003

A

pesar de políticas afirmativas direcionadas para a população negra, esse público ainda é minoria nas universidade federais. Estudo feito – lanuniversidades iní çado no início de agosto de 2011 - pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior so (Andifes) sobre o perfil dos estudantes graduaçã mostra que 8,72% deles são de graduação negros. Os brancos são 53,9%, os pardos in 32% e os indígenas menos de 1%. Ainda qque a participação dos negros nas federais seja pequena, houve u crescimento em relação à um pesquisa anterior produzida pela Andifes em 2003, quando menos de 6% dos alunos eram negros. Isso significa um aumento de 47,7% na participação dessa população em universidades federais. Para o presidente da associação, João Luiz Martins, a evolução é “tímida”. Ele defend que as políticas afirmativas de p precisam ser mais agressivas p para garantir a inclusão. “A u universidade tem uma dívida en enorme em relação a isso (inclusão de negros). Há necessidade a de ampliar essas ações porque o atend atendimento ainda é muito baixo”, avalia.

1144

Fonte: Zero Hora – 03/08/2011

Lápis LLá áp piis d de eC Cor orr o

http://www.heroturko.org


ARTIGO

Cotas: uma bandeira tática, não estratégica

O

Nivaldino Felix*

debate sobre cotas continua em evidência na sociedade brasileira. É muito importante porque conduz a luta sobre educação para a raça negra. A meu ver é uma bandeira tática e não estratégica conduzida pelos os movimentos que defendem a causa negra no Brasil. Historicamente os negros sempre foram excluídos do processo educacional neste país. Este movimento busca alerta para esta questão, daí surgiu a proposta das cotas inspirado na luta dos negros americanos nos anos 60, por direito social, tendo como algo fundamental o acesso dos negros às universidades. Hoje, no Brasil, essa reivindicação tem gerado grandes debates no campo acadêmicos assim como nos bairros distantes onde se concentra a maioria dos negros e afrodescendentes, principalmente aqui na Bahia.

Como já abordei, esta é uma bandeira tática e não estratégica para solucionar os problemas da educação no Brasil. Se reivindicamos uma cota de 20% de negros nas universidades, os 80% se conformarão em ficar de fora da universidade. O que precisa mesmo é uma parceria entre os movimentos negros o os sindicatos dos trabalhadores em

Historicamente os negros sempre foram excluídos do processo educacional neste país

educação que juntos devem levantar a bandeira dos 10% do produto interno bruto (PIB) para a educação esta é uma possibilidade de gerar um ensino público de qualidade, o que pode ser um parâmetro que pode gerar desequilíbrio entre escola publica e privada em nossa pátria. Entendo que a solução para os problemas da educação não está no âmbito do sistema capitalista. Só mesmo

www.aplbsindicato.org.br

com o advento de um regime socialista isto será possível. Daí, enquanto o paradigma socialista não chegar, a ação das cotas é um passo adiante para o acesso dos negros ao ensino superior. O que não podemos pensar é que a luta por cota, para que os negros tenham acesso às universidades, vai resolver a desigualdades entre ensino publico e privados e suprir o analfabetismo assim como a discriminação contra o negro no mercado de trabalho. Por isso que achamos que a luta por cotas é uma bandeira tática do movimento negro do que uma bandeira estratégica.

*Nivaldino Felix Educador, escritor e poeta Diretor da APLB-Sindicato

15


Pesquisa do Conanda aponta número de

crianças

de

em situação

rua

theurbn.com

16

Lápis de Cor


O

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA), por meio de parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idest), realizaram pesquisa censitária nacional para nortear a construção da Política Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Plano Decenal. A pesquisa foi realizada em 75 cidades do país, abrangendo capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes. O levantamento identificou 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua nestes municípios. Dessas, 59,1% dormem na casa de sua família (pais, parentes ou amigos) e trabalham na rua; 23,2% dormem em locais de rua (calçadas, viadutos, praças, rodoviárias, etc.), 2,9% dormem temporariamente em instituições de acolhimento e 14,8% circulam entre esses espaços. Nas ruas crianças e adolescentes do sexo masculino são predominantes (71,8%). A faixa etária mais frequente é entre 12 e 15 anos (45,13%). Quase metade das crianças e dos adolescentes em situação de rua (49,2%) se declarou parda ou morena e se declararam negros 23,6%, totalizando 72,8%, proporção muito superior à observada no conjunto da população. A maior parte das crianças e dos adolescentes em situação de rua dorme em residências com suas respectivas famílias e, mesmo entre aqueles que pernoitam nas ruas, 60,5% mantém vínculos familiares. Mais da metade das crianças e adolescentes em situação de www.aplbsindicato.org.br

rua (55,5%) avaliou como bom ou muito bom o relacionamento que mantêm com seus pais, ao passo que 21,8% considerou este relacionamento ruim ou péssimo. A relação com os pais é melhor, em maior proporção, no caso de meninos e meninas que moram com suas famílias, mas mesmo entre aqueles que costumam dormir na rua, 22,4% consideraram bom ou muito bom o relacionamento com seus pais. As crianças e os adolescentes que dormem na casa de suas famílias apresentaram melhores condições de vida, alimentação, escolaridade e saúde. Isto demonstra a importância da convivência familiar e comunitária para a proteção de crianças e adolescentes e a necessidade de políticas públicas que apóiem as famílias em sua função de cuidado e proteção de seus filhos e filhas. http://www.bestadsontv.com/ad/31640/Vote-for-Kids-T-Shirts

17


Crianças em situação de rua http://www.salvemascriancas.org/wp/?p=1187

Privação dos direitos fundamentais Embora avanços tenham sido conquistados nos quase 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), direitos fundamentais como alimentação, saúde, educação e higiene pessoal ainda não foram efetivados para o público entrevistado. Entre os principais motivos declarados pelas crianças e adolescentes que dormem na rua para explicar a saída de casa se brigas verbais com pais e irmãos Isso mostra a importância de invesdestacou a violência no ambien- (32,2%); violência física (30,6%); timentos em ações de prevenção, te doméstico, com cerca de 70%: violência e abuso sexual (8,8%). divulgação e sensibilização para a garantia dos direitos da criança e do adolescente sem violência. Não se alimentam todos os dias 13,8% do universo total das crianQuase metade das crianças e dos ças e dos adolescentes em situação adolescentes em situação de rua (49,2%) se de rua, sendo que esta situação declarou parda ou morena e se declararam alcança 28,4% no grupo de criannegros 23,6%, totalizando 72,8% ças e adolescentes que dormem na rua, demonstrando a gravidade das http://comunidade.jangadeiroonline.com.br/tag/nao-de-esmola-a-crianca-em-situacao-de-rua/ violações relativas ao direito à alimentação. Mais de 65% das crianças e adolescentes exercem algum tipo de atividade remunerada. Entre as mais recorrentes destacaram-se a venda de produtos de pequeno valor - balas, chocolates, frutas, refrigerantes, sorvetes - (39,4%); o cuidado de automóveis como “flanelinha”, a lavagem de veículos ou limpeza de vidros dos carros em semáforos (19,7%); a separação no lixo de material reciclável (16,6%); e a atividade de engraxate (4,1%). Esses dados demonstram que as crianças e adolescentes em situação de rua, na sua maioria, trabalham para sobreviver.

18

Lápis de Cor


Sobrevivência Aproximadamente um terço (29,5%) das crianças e adolescentes costumam pedir dinheiro ou alimentos para sobrevivência. Uma das razões que colocam o Brasil na vanguarda pela promoção, garantia e defesa dos direitos infanto-juvenis é o fato de a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 atribuírem a responsabilidade pelo desenvolvimento saudável de meninos e meninas ao Estado, à sociedade e à família. No entanto, ainda se fazem necessárias políticas públicas

que contemplem este público nas suas demandas específicas e uma mudança de cultura da sociedade como um todo que conceba crianças e adolescente como sujeitos de direitos. Os dados da pesquisa indicaram a existência de preconceitos e discriminações em relação a crianças e adolescentes na rua. De acordo com os resultados, 36,8% das crianças e adolescentes entrevistados já foram impedidos de entrar em algum estabelecimento comercial; 31,3% de entrar em transporte coletivo; 27,4% de entrar em bancos; 20,1% de entrar em algum órgão público; 12,9% de receber atendimento na rede de saúde; e 6,5% já foram impedidos de emitir documentos. Ao todo,

as situações descritas afetaram metade (50%) dos entrevistados. Com a pesquisa concluída, inicia-se agora um processo de discussão sobre o significado dos dados coletados e dos desafios a serem enfrentados. Serão realizados cinco seminários nas regiões do país nos meses de julho a novembro.

Pesquisa divulgada em 07 de Abril de 2011 Fontes: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda: (61)2025-3525 conanda@sdh.gov.br Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente - SNPDCA: (61)2025 -3225 spdca@sdh.gov.br Fonte geral: site www.andi.org.br

http://magru.wordpress.com/

www.aplbsindicato.org.br

19


ARTIGO

Retrato Social

P

Gercyjalda Rosa da Silva e Silva*

ara falar de violência basta abrir os jornais, assistir aos noticiários e os programas sensacionalistas da televisão brasileira nos finais de semanas. Juntando tudo isso e espremendo, das mãos escorrem sangue por entre os dedos, pois, com os crescentes assassinatos de jovens negros nos bairros periféricos e a prisão de outros tantos que são enjaulados sem nenhuma esperança de mudança, onde dentro dos presídios não tem um projeto político significativo visando à educação destes, para sua inclusão na sociedade, assim, dando-lhes oportunidade de trabalho, cultura e lazer, para a elevação de sua autoestima de maneira que ao termino de suas penas não os levem a reincidência. Em um país que os seus governantes respeitam o povo, a educação de qualidade não é só promessa de campanha eleitoral, mais sim, o meio pelo qual haja transformação social. Agindo assim eles favorecem o progresso e o desenvolvimento dos cidadãos, promovendo em suas políticas de governo a melhoria da sociedade. A falta de compromisso com a democracia dos nossos governantes eleitos pelo povo é intencional, pois, na realidade estes não querem uma sociedade pensante composta de intelectuais, principalmente, tratando-se da população negra. Eles, para manter os seus privilégios utilizam-se de projetos medíocres que elevam cada vez mais o índice de desemprego, preconceito, violência e miséria social. Oportunizando assim o crescimento do trafico de drogas e o enriquecimento dos traficantes.

20

Esta vem sendo a fotografia da realidade da política atual praticada por muitos governantes, cuja população mais penalizada neste sentido está nos bairros periféricos, que são constituídos na sua maioria por afrodescendentes. O governante que encara a educação como gasta não cumpre o papel para o qual foi eleito. Educação é o maior investimento que um gestor público pode fazer para garantir o desenvolvimento e o progresso de uma nação. Com essa atitude desencadeia-se um processo de elevação da cidadania e fortalece o tecido social. Portanto é preciso repensar as prá-

respondendo a um problema histórico da nossa afra-descendência. Sem um projeto definido que mude este quadro e estabeleça um comportamento comprometido com o tecido social o prejuízo será muito alto para todos nós e a violência entrará em seu estado crônico irreversível.

A falta de compromisso com a democracia dos nossos governantes eleitos pelo povo é intencional, pois, na realidade estes não querem uma sociedade pensante composta de intelectuais, principalmente, tratando-se da população negra ticas dos governantes eleitos, de seus projetos de campanha, da sua atuação, das políticas que defendem e apresentam no cenário nacional nas varias estância de poder, das regiões em que atuam e do seu comprometimento social. Assim, acreditamos que para vencer a violência é preciso o envolvimento de todos e o fortalecimento dos direitos cidadãos, principalmente da educação e da saúde. O Estado deveria fazer um esforço no sentido de prover políticas que atendam aos asseios sociais e recupere o tempo perdido, pois, não nos restam muitas opções, caso algo não seja feito de imediato, para subsidiar as demandas apresentadas na sociedade, nas áreas acima referidas, atendendo aos marginalizados, dando-lhes dignidade, Lápis de Cor

*Professora Gercyjalda Rosa da Silva e Silva Diretora Social da APLB-Sindicato


ARTIGO

O papel da escola no combate ao racismo

N

Lídice da Mata*

o dia 9 de janeiro de 2003, num dos primeiros atos de seu primeiro governo, o então presidente Luís Ignácio Lula da Silva instituiu a Lei 10.639, que prevê a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar. Incluir o estudo de História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica, política e cultural pertinentes à História do Brasil, como prenuncia o artigo 1º da lei, significa o reconhecimento oficial do Estado da condição de igualdade em importância da matriz africana para a formação da civilização brasileira em relação às matrizes européia e indígena, esta última contemplada mais recentemente pela Lei 11.645/2008. Enquanto prefeita, tive a oportunidade de implantar em Salvador, uma série de ações reparatórias e afirmativas que vinham ao encontro das reivindicações das entidades representativas do Movimento Negro. Nossa administração trabalhou com empenho na preservação do Parque São Bartolomeu, cercando a área e protegendo seu verde, suas pedras e cachoeiras sagradas. No coração da Liberdade, o busto de Nelson Mandela foi restaurado e protegido. Regulamentamos a posse das terras do Terreiro da Casa Branca e ajardinamos a Praça de Oxum. Uma década antes da Lei 10.639, no ano de 1993, sancionamos a Lei 4.741, que instituía a Pedagogia Interétnica em todas as unidades escolares do município. Tendo como principal formulador o sociólogo

Manoel de Almeida Cruz, a PI apregoava a adoção de medidas que enfrentassem as discriminações existentes sobre os afrodescendentes no espaço das escolas e combatesse o sentimento de baixa auto-estima do aluno negro. Em consonância com estes fundamentos, introduzimos na rede municipal de ensino os Cadernos Pedagógicos, enaltecendo o valor poético e literário das músicas do Ilê Aiyê, Olodum e Muzenza. O projeto piloto foi implantado na Escola Municipal Alexandrina dos Santos Pita, no bairro de Pirajá. Ali foram realizadas visitas periódicas de personalidades negras – como a deputada fede-

Introduzimos na rede municipal de ensino os Cadernos Pedagógicos, enaltecendo o valor poético e literário das músicas do Ilê Aiyê, Olodum e Muzenza ral Benedita da Silva – para relatar suas experiências de vida, falar do que é ser negro, de sua luta pessoal contra o racismo, dos obstáculos que enfrentaram para alcançar o sucesso profissional e a aceitação social. Esta experiência, que inspirou a abordagem sobre diversidade nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que chegou a ser implantada em escolas de Belo Horizonte e disseminada em Aracaju, foi abandonada em Salvador, cidade com a maior população negra fora da África. Assim como estão abandonados o Projeto Cidade Mãe, o Parque São Bartolomeu e tantas outras políticas e espaços voltadas para o combate à desigualdade. A descontinuidade administrativa, por um lado, e a falta de comprometimento dos gestores públicos, de outro, têm sido os maiores responsáveis por relegar as efetivas aplicações da PI em Salvador www.aplbsindicato.org.br

e da Lei 10.639 no Brasil a iniciativas pontuais de uma pequena parcela de educadores abnegados, caso da pedagoga Geruza Bispo dos Santos, que coordenou a implantação da PI na rede de Salvador, através da Escola Criativa Olodum, e hoje reedita este importante trabalho em Jequié, na Escola Estadual Milton Santos, situada na comunidade quilombola do Barro Preto. A despeito dos esforços da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secad) na disponibilização de material pedagógico adequado para este fim, o combate ao racismo nas escolas ainda enfrenta problemas que vão desde a falta de capacitação adequada até à resistência de gestores e educadores em abordar a temática afrobrasileira em sala de aula. Como titular da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, defendo uma ampla articulação nacional entre poder público e a sociedade civil para tirar a Lei 10.639 do papel, debate este que levarei à tribuna do Senado durante a realização da sessão solene em homenagem ao Dia da Consciência Negra, a ser realizado no próximo dia 21 de novembro.

*Lídice da Mata Primeira prefeita de Salvador, é senadora da República pelo PSB

21


53,5% dos negros brasileiros já estão na classe média

Pesquisa do economista da FGV Marcelo Neri também mostra que 47,3% dos mestiços pertenciam às classes A, B e C em 2008

22

Lápis de Cor

http://www.heroturko.org


M

ais da metade dos negros brasileiros, e pouco menos da metade dos mestiços (pardos), pertencem hoje à classe média, incluindo a classe C, a nova classe média popular. Segundo recente levantamento do economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais (CPS), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 53,5% dos negros e 47,3% dos mestiços no Brasil pertenciam às classes A, B e C em 2008. Entre negros e mestiços juntos, 48% são de classe média, e 52% estão nas classes D e E, mais características da pobreza. Os porcentuais incluem também os muito ricos, mas que são estatisticamente pouco significantes. Esses números, tirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), mostram uma grande evolução nos últimos 15 anos. Em 1993, menos de um quarto dos negros (23,8%) e pouco mais de um quinto dos mestiços (21,7%) pertenciam às classes A, B e C. Tomados em conjunto, apenas 22% dos negros e mestiços estavam na classe média, com quase 80% nas classes D e E. Os números de Neri revelam que, desde 1993, a proporção de negros e mestiços nas classes A, B e C cresceu cerca de 110%, enquanto a dos brancos expandiu-se em 42%. “Há uma melhora diferenciada dos negros e pardos nas classes ABC, já que a proporção deles aumentou mais do que

http://www.heroturko.org

a dos brancos”, observa Neri. André Urani, sócio do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), e diretor do Instituto Natura, tem dados que mostram que a pro-

“Há uma melhora diferenciada dos negros e pardos nas classes ABC, já que a proporção deles aumentou mais do que a dos brancos”

porção de negros e mestiços, nos últimos 15 anos, cresceu bem mais entre os mais ricos do que entre os mais pobres. Assim, houve um salto de 74%, de 1993 a 2008, na proporção de chefes de família negros e mestiços entre o 1% mais rico do www.aplbsindicato.org.br

Brasil, e hoje ela atinge 15%. Entre os 10% mais ricos, um em cada quatro chefes de família já é negro ou mestiço. Para Urani, essa melhora relativa de renda de negros e mestiços se deu antes que a política de cotas pudesse fazer efeito. “Se, de fato, como parece, isso não se deve à política de cotas, então está aberto um campo gigantesco para se investigar as determinantes dessa trajetória e ter políticas públicas que a incentivem.” Mesmo com o avanço de negros e mestiços, a sociedade brasileira ainda está muito longe de ser igualitária em grupos raciais. Os chefes de família negros e mestiços ainda correspondem a mais de 70% entre os pobres e indigentes, segundo a classificação de linhas de pobreza de Urani.

23


Os dados de Urani e Neri mostram, porém, que, apesar de a situação ainda permanecer ruim, é inegável a tendência de redução da desigualdade de renda de base racial na última década e meia. Hoje, o País já possui uma grande classe média não branca, com 45 milhões de pessoas. Os dados da série da Pnad revelam que também houve, independentemente da renda, um expressivo aumento na proporção de negros e mestiços no total da população brasileira de 1993 a 2008, de 45% para 50,1% do total. As possíveis explicações para essa mudança são uma maior disposição das pessoas se identificarem como não brancas (pretos e pardos, na terminologia oficial) nos questionários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e um avanço real demográfico de negros e mestiços relativamente aos brancos. Especialistas em estudos raciais, como o economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acreditam que a causa pode ser uma combinação desses dois fatores. Em todas as faixas de renda houve aumento da participação de negros e mestiços, já que eles cresceram bastante na população como um todo. Porém, quando se examina as mudanças na distribuição de negros e mestiços entre as faixas de renda, de 1993 a 2008, fica claro que aquele aumento foi proporcionalmente maior nas camadas mais ricas da população do que nas mais pobres. Assim, em 1993, os chefes de família negros e mestiços representavam 68% do total abaixo da linha de indigência definida por

Urani, o que subiu para 73% em 2008. O crescimento da fatia, de 8,3%, porém, foi bem menor do que o aumento na proporção total de chefes de família negros e mestiços naquele período, que foi de 23%. Já entre os riquíssimos (1% mais rico da população), a parcela de chefes de família negros e mestiços saiu de 8,8% para 15,3%, o que significa uma expansão de 74%. Publicado em Economia&Negócios do jornal Estado de São Paulo Em 27 de março de 2010

http://www.heroturko.org

24

Lápis de Cor


ARTIGO

A aplicação das Leis 10639/2003 e 11645/2008 para além dos muros da escola

A

Marilene Betros*

formação do povo brasileiro conta com a rica contribuição em um primeiro momento do índio que vivia na região e dos brancos colonizadores de onde surgiu o mestiço, e mais adiante, movidos por interesses econômicos, uma grande leva de africanos são trazidos de diversas regiões da África, para, expropriados de suas terras, viverem na condição de escravos. Essa miscigenação nos legou a grande diversidade cultural que influencia as inúmeras manifestações culturais, costumes, culinárias entre outros aspectos. Com base nos trabalhos desenvolvidos com o tema, a Doutora em educação Petronilha Beatriz G. e Silva afirma que “As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali”. Portanto, contar essa história, é levar o conhecimento de nossa origem aos estudantes brasileiros para que, desde cedo, possam romper as barreiras que conduzem ao preconceito e à discriminação, resgatando a nossa identidade, superando o racismo e nos levando a uma relação maior com o povo africano. Nessa perspectiva, em 9 de janeiro de 2003 foi aprovada a Lei 10639/2003 alterada pela Lei 11645/2008 aprovada em 10 de março de 2008 que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e

Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Infelizmente, o que é considerado uma importante conquista dos movimentos negros, ainda não se transformou em realidade efetiva, pois sua implantação não aconteceu. O que vemos é a aplicação de forma isolada por alguns/as professores/as e umas poucas escolas, quando deveria ter sido aplicada de forma sistemática, envolvendo todos e todas e não ficar na boa vontade dessa ou daquela escola. Não podemos deixar de abordar outras duas questões que afetam a implantação da lei que são os poucos materiais existentes sobre o tema para estudo e pesqui-

“Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro...” Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala

sa e o preconceito velado de algumas instituições. Aplicar a lei vai além de desenvolver esporadicamente um projeto ou seminário sobre questões étnico raciais, ou da comemoração de datas alusivas à questão, é preciso que seja compreendida como política de estado e como tal, deve ser implantada pelos gestores com condições reais para a sua efetivação. Cumprir e institucionalizar a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena, bem como, construir, com os sistemas de ensino, instituições, conselhos de educação, coordenações pedagógicas, gestores educacionais, professores e demais segmentos afins, políticas públicas e processos pedagówww.aplbsindicato.org.br

gicos para a implementação das Leis e fomentar o desenvolvimento de pesquisas e produção de materiais didáticos e paradidáticos que valorizem, nacional e regionalmente, a cultura afro-brasileira e indígena podem se constituir em ações afirmativas para aplicação da lei. Outra medida de igual importância é a fomentação de uma política de formação com a inclusão da temática nos currículos dos cursos de formação de professores/as para que estes sintam-se qualificados/ as para ministrar o ensino da cultura africana e indígena, pois, como podem os/as professores/as ensinar se não foram qualificados, dessa forma o caminho é o improviso ou o faz de contas. É importante para a implementação das Leis que os temas façam parte do currículo da formação inicial dos/as professores/as em nosso país. Continuaremos na luta para que a lei, conquista histórica dos movimentos sociais, seja concretizada e sua aplicação possa contribuir para que a sociedade brasileira seja menos racista e excludente e que o reconhecimento da contribuição desses povos para a formação dessa pluralidade seja um elo de aproximação do negro do Brasil com a África.

*Marilene Betros Professora da Rede Pública do Estado da Bahia Especialista em Educação Inclusiva Mestranda em Ciências da Educação Diretora Executiva da CTB - Nacional Vice-Coordenadora da APLB-Sindicato

25


A 26

Lรกpis de Cor


O A

rquestra fro Sinf么nica

www.aplbsindicato.org.br

27


Ravel, que lhe teria feito a seguinte pergunta: “Por que ser um Ravel de segunda classe se você pode ser um Gershwin de primeira?”. Ravel parecia querer preservar o estilo próprio de Gershwin, bastante influenciado pelo jazz de Nova Orleans que, na época, passava a ser conhecido por todos. Mais de oitenta anos depois do sucesso de uma das obras mais conhecidas de Gershwin, Rhapsody in Blue, a pergunta atribuída a

O

regionalismo baiano e a música erudita da Orquestra Afro Sinfônica Por Rosana Cavalcanti

E

m biografias sobre o compositor norte-americano George Gershwin, consta que em uma viagem sua à França, para estudar composição com mestres da música erudita, ele teve o seu pedido por algumas lições recusado pelo compositor e pianista francês Maurice

28

Lápis de Cor

Ravel poderia ser adaptada e direcionada a grande parte dos compositores brasileiros de música erudita que insistem em criar com base nos barrocos, classicistas e românticos que marcaram a história da música. Na contramão dessa repetição musical, surgiu em Salvador, Bahia, um conjunto de músicos


se reconheçam nas músicas. Nelas há referências claras às feiras das Sete Portas e de São Joaquim. “Acredito que esse seja o grande ‘achado’ da orquestra. Claro que a abstração é maravilhosa, mas a palavra tem força”, diz o maestro. Ubiratan Marques queria montar uma instrumentação capaz de representar a cidade de Salvador. A partir de uma avaliação contextualizada com a história, a cultura e as tradições de povos distintos, Ricardo Prado ele decidiu trazer para as composições da orquestra “o que há de mais próximo da nossa realidade” e a forte ligação que a Bahia tem com a África. Sem abrir mão da estrutura de uma banda sinfônica tradicional, com seus naipes de cordas (contrabaixos), madeiras (flautas, clarinetes, saxofones), metais (trompetes, trompa, trombones, tuba) e percussão (vibrafone), além do teclado, acrescentou a voz, instrumentos percussivos populares (atabaque, agogôs, xequerê) e conseguiu criar uma orquestra sinfônica dona de composições autênticas. A autenticidade da Orquestra Afro Sinfônica nada tem a ver com purismo. Ela é o retrato legítimo da cultura da capital baiana ao unir as influências africana, nordestina, do afrodescendente americano (através do jazz) e até mesmo da world music. “A Afro Sinfônica tem um pouco de cada coisa. Não so“Eu sempre questionei a escola de co está no uso da percussão e da voz, mos tão puristas para podermos música e essa educação de traba- utilizada como um instrumento sin- criar uma coisa completamente lhar heranças que não são nossas”. fônico. Três vozes femininas integram nova”, explica Bira Marques. O que Maestro Bira, como também é co- o grupo e o diferenciam das orques- ele não nega – e nem poderia – é nhecido, é firme em sua opinião. tras tradicionais, já que não utilizam o caráter revolucionário da orEnquanto Piotr Ilyich Tchaikovsky voz. Cantos em iorubá e em dialetos questra, ainda que tente minimizar fazia música russa – “Eu sou rus- africanos combinam-se a melodias o seu impacto no meio musical. so, russo, russo até a medula dos simples e letras que falam de feiras “Tem um pouquinho de revolucioossos”, teria dito – Ludwig Van e barcos, permitindo que as pessoas nário”, admite. que buscam representar, resgatar e valorizar a cultura brasileira, em especial a baiana: a Orquestra Afro Sinfônica. “A cultura precisa ser cultivada. Como vamos cultivar alguma coisa se nós sempre regamos os jardins alheios?”. O questionamento é do idealizador da Orquestra Afro Sinfônica, o maestro baiano Ubiratan Marques, que fala sem titubear do que considera uma falha da educação de música no Brasil.

Beethoven, peças alemãs, e Gershwin americanas, o maestro Ubiratan Marques ocupa-se da música local baiana, abrasileirada e africanizada. Fundada em 2009, a Afro Sinfônica pode causar estranheza inicial aos apreciadores da música erudita produzida há trezentos, quatrocentos anos. Mas para quem nunca assistiu a uma orquestra ou nunca compreendeu o significado daqueles sons, o maestro garante que a identificação é imediata. A aproximação com o públi-

www.aplbsindicato.org.br

29


Erudição

sintetizar a capital paulista, Ubiratan Marques chegou a uma conclusão. A ideia de uma obra sinfônica Não havia nada na Bahia que a sintegenuinamente baiana acompanhou tizasse. o maestro Bira durante muito Desde os bancos acadêmicos na tempo. A graduação em filosofia universidade, Ubiratan estava convenajudou o músico a indagar-se so- cido de que a música nacional merebre o que estava sendo produzi- cia maior atenção da Academia. Com do na Bahia. Quando morava em tantos artistas talentosos no país, São Paulo – onde viveu por 12 era difícil aceitar a predominância de anos – trabalhou na Jazz Sinfônica, composições européias e sua suposta orquestra paulistana cujo traba- superioridade. Na opinião do maeslho acredita estar bem próximo tro, 70% dos estudos deveriam abarà realidade de São Paulo. Diante car compositores do Brasil. “Mozart, de tantas iniciativas que buscavam Tchaikovsky, Beethoven, Gershwin Ricardo Prado

faziam música baseados no que viviam, no que era a realidade deles. Por que temos que fazer a música que eles fazem? Eu sou brasileiro”, afirma. Essa convicção o levou, quando aluno, a ser expulso de salas de aula e, mais tarde, de uma orquestra. A erudição, para ele, não está atrelada apenas às sinfonias européias de séculos passados. “A palavra erudito vem de profundo. O que é tão profundo quanto Luiz Gonzaga? Para mim, Luiz Gonzaga é muito mais profundo do que Beethoven. Para mim e para você, ele vai dizer muito mais”, analisa. O que fazer, então, para que a população de modo geral aprecie uma orquestra sinfônica? O melhor caminho para que ela deixe de ser um extraterrestre na frente do espectador, segundo o maestro Bira, é possibilitar o diálogo. E é isso o que a Orquestra Afro Sinfônica tem feito, sob aplausos do público ao final das apresentações.

Trabalho social Composta por músicos formados e estudantes, a Orquestra Afro Sinfônica conta com número variável de integrantes – de 25 a 27 pessoas – em seus concertos. A maioria passou pelo curso técnico do Núcleo Moderno de Música, um centro de estudos implantado em 2008 por Ubiratan Marques e o regente substituto da Afro Sinfônica, Gilberto Santiago, também músico percussionista da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba). O centro lhes possibilitou desenvolver a ideia pensada para a orquestra com alunos e músicos que incentivaram a sua criação. No núcleo, localizado no bairro

30

Lápis de Cor


Eduardo Silva

do Pelourinho, são realizados os ensaios. O maestro revela que 70% dos músicos que a compõem vieram do interior do estado, onde tocavam em filarmônicas ou grupos de gêneros musicais distintos. Outros não eram músicos e estavam à procura de trabalho na capital. A Orquestra Afro Sinfônica os acolheu e lhes deu mais do que uma formação musical técnica. Ajudou na “formação de caráter” dos seus membros, como afirma Ubiratan. O curso ofertado pelo Núcleo Moderno de Música tem duração de três anos com aulas duas vezes por semana, por cerca de 3 horas, que incluem as disciplinas Instrumento, Harmonia, Música e Mercado, Filosofia, dentre outras. Atualmente, a abertura de novas turmas está paralisada temporariamente, devido ao trabalho realizado pelos seus diretores, Ubiratan Marques e Gilberto Santiago, e demais músicos com 3 mil crianças no município de

Camaçari. O projeto “Orquestra Sinfônica Popular Brasileira”, que se aproxima do jazz, tem deixado pouco tempo de sobra para as atividades do núcleo.

Programação A intenção é expandir e divulgar ainda mais a atuação da Afro Sinfônica. Em dezembro, no dia 19, chega ao fim a terceira edição do projeto Orquestra Afro Sinfônica Convida, sob a direção musical de Mateus Aleluia – que assina algumas composições junto a Ubiratan Marques – em cartaz desde outubro de 2011, no Espaço Cultural da Barroquinha, com duas apresentações ao mês (8 e 22/8, 12 e 26/9, 10 e 24/10, 7 e 21/11, 5 e 19/12). No concerto do dia 22 de outubro, uma orquestra formada por alunos da Juilliard School, uma das mais renomadas escolas de música e artes cênicas do mundo, apresentou-se com a Orquestra Afro Sinfônica. Em sua visita à Bahia, os estudantes aproveitaram para fazer um inter-

www.aplbsindicato.org.br

câmbio com os músicos da sinfônica através de um workshop no Núcleo Moderno. Outros encontros musicais, com artistas baianos como Xangai, Mariella Santiago, Gerônimo e o maestro Letieres Leite, criador da Orkestra Rumpilezz (percussão e sopro), fizeram parte da programação. Nesta temporada de 2012, com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, foram previstos dez espetáculos combinados a workshops (cinco em Salvador e cinco em cidades do interior baiano). A gravação de um disco, que deve ficar pronto até dezembro, também está agendada. A manutenção da Orquestra Afro Sinfônica depende de todos os seus músicos, que ajudam no pagamento das despesas. “Um trabalho como esse já poderia ter feito qualquer um desistir dele. É difícil fazer esse tipo de música na Bahia, pois falta apoio”, declara Bira Marques. A Orquestra Afro Sinfônica é, no melhor sentido, sinônimo de resistência.

31


ARTIGO

A importância do currículo escolar na valorização e respeito à cultura negra Jacilene Santos da Silva*

A (re) tomada de valores ético-estéticos dos vários povos que foram mantidos fora do currículo, ao longo desse perverso processo colonialista homogeinizante e globalizante, é fundamental. Ela constitui o centro basilar da nova consciência e postura política na qual toda uma herança sócio-cultural seja revivida, reverenciada e concebida enquanto matriz formadora dos mais variados grupos étnicos espalhados no mundo. Mas, é mister que sejam considerados os referenciais culturais ancestrais em seu devir, seu modus vivendi e suas interações interétnicas”. (Ataíde, Yara Dulce B. de; 2003; Revista da FAEBA; p. 83) Existem na atualidade, diversas abordagens feitas por vários estudiosos sobre o que é currículo, que, seguindo diferentes perspectivas, mostram a sua efetivação como campo de pesquisa e estudo de forma especializada e prof issional. Isto confere ao currículo identidade própria, sob o ponto de vista teórico, permitindo discussões e questionamentos sobre o que ensinar e para quem, de acordo com os interesses sociais, econômicos e culturais e os seus efeitos na sociedade. O currículo como forma de organização do conhecimento escolar, tem em seu conteúdo a intencionalidade, e por isso deve estar aberto às interações e criatividades dos agentes e atores internos e externos ao ambiente escolar. Sendo o currículo uma organização/instituição, que expressa os inte-

32

resses do grupo que o escolheu, é preciso compreender no processo de ensino-aprendizagem, assuntos que fomentem diálogos que tenham nexos com a realidade social do sujeito aprendiz. No que se refere ao currículo oculto, devem ser levadas em consideração as práticas cotidianas das pessoas que compõem a instituição – os professores, diretores e coordenadores pedagógicos que trazem seus valores e atributos morais, atitudes estéticas e diferentes linguagens, que ref letem o mundo externo ao ambiente escolar, e que

O conteúdo programático da educação básica tem mantido uma visão monocultural e eurocêntrica, deixando de fora as muitas culturas existentes na sociedade brasileira, se concretizam dentro dele. Muitas vezes, nessas práticas há institucionalização do preconceito e da discriminação racial. O movimento negro vem ao longo dos anos, reivindicando a revisão do currículo escolar nos diversos níveis de ensino formal. Essa reivindicação tornou-se lei e foi delineada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Raciais e para o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana. Entretanto está na lei, mas não está nos costumes. Construir uma prática pedagógica que destaque o negro como sujeito ativo na construção de nossa sociedade é um dos grandes desaf ios que se tem enfrentado. As nossas escolas ainda pautam Lápis de Cor

todo seu ensino em uma tradição européia, que valoriza a erudição, uma cultura livresca e pouco condizente com a nossa realidade. O conteúdo programático da educação básica tem mantido uma visão monocultural e eurocêntrica, deixando de fora as muitas culturas existentes na sociedade brasileira, principalmente a cultura de tradição oral. Os conhecimentos adquiridos (leitura, cálculos, datas históricas) são considerados sempre como mais importantes que os conhecimentos sentidos (músicas, danças, histórias, contos, lendas e parlendas). É urgente, portanto a tomada de consciência sobre os valores sócio-culturais trazidos pelas (os) educandas (os) e instituir um currículo que seja capaz de recriar suas histórias, incorporando-as ao saber acadêmico e dessa forma, interagir na formação de cidadãos conscientes e capazes de enfrentar as desigualdades, romper as armadilhas dos preconceitos, garantir o espaço participativo e a conquista de direitos no combate à exclusão. Como tornar tudo isso possível em escolas que negam esses valores? Como nossas crianças negras podem se identif icar com uma escola que a nega em toda sua estrutura? Como legitimar no currículo escolar, a pujança civilizatória da África e sua presença na formação social brasileira? A escola deve cumprir a parte que lhe toca nos compromissos de Estado assumidos pelo Brasil, enquanto signatário de tratados internacionais, de construir uma


ARTIGO

democracia em que as pessoas usufruam em sua plenitude a condição de cidadãos, independente de raça, etnia, cor, posição e papel social, religião e gênero. A instituição escolar tem de criar mecanismos e instrumentos de uso permanente, via projeto político-pedagógico e currículo, para intervir na realidade que exclui o negro (pretos e pardos) e indígenas do acesso aos direitos fundamentais. Tal formação tornou-se um desaf io para a educação brasileira, em face do proposto pela Lei 10.639/03 que alterou a L.D.B. nº 9394/96, determinando a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, visando desenvolver políticas de reparações com ações af irmati-

URP

vas para as populações negras. No entanto, há várias indagações no âmbito escolar quando se trata da cultura negra e a implantação da lei não vem transcorrendo em águas tranqüilas. Nesse momento especial de luta pelos direitos sociais, medidas devem ser tomadas para a reversão dessa situação no âmbito educacional, se, de fato, a escola quiser construir-se democrática. Simultaneamente às denuncias feitas ao contexto escolar, um novo tempo se delineia. Uma nova cultura contra a exclusão e o insucesso escolar da criança negra vem sendo tecida de forma mais objetiva. O pensar crítico sobre o etnocentrismo do currículo, a formação do professor sobre questões essenciais relativas ao conhecimento, valorização e respeito à cultura ne-

NÃO A TERCEIRIZAÇÃO

EXCEDENTE

URV

RECLASSIFICAÇÃO

*Jacilene Santos da Silva Diretora Educacional da APLB-Sindicato

CONCURSO PÚBLICO PLANO DE SAÚDE

URV

SEGURANÇA

ENQUADRAMENTO

URV

PISO NACIONAL

PNE

gra e a viabilização de projetos pedagógicos, propostas alternativas e produção de material didático e paradidático, contemplando os afro-brasileiros, são algumas das estratégias que têm sido empreendidas.

ENQUADRAMENTO

FUNPREV

FIM DO REDA

PNE

www.aplbsindicato.org.br

33


Zumbi e o Dia da Consciência Negra

Z

umbi foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares. A palavra Zumbi, ou Zambi, vem do termo “nzumbe”, do idioma africano quimbundo, e significa: a força do espírito presente. O Quilombo dos Palmares (localizado na atual região de União dos Palmares, Alagoas) era uma comunidade auto-sustentável, um reino (ou república na visão de alguns) formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Ele ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal e situava-se onde era o interior da

34

Lápis de Cor

tado ta do d o Bahia, hoje estado aquuel ele de Alagoas. Naquele opu pullaamomento sua po populaor vvo olltta ção alcançava ppo por volta ess sso oaass.. de trinta mil pessoas. ceeu u em em Palmares, Palm Pa Palm mar ares es, Zumbi nasceu no aano no d 11655, 1655 65555, Alagoas, livre, no dee 16 raad do e en do eentregue ntreg tregue tr eguee a eg mas foi capturado o pportuguês orrtugu o guês guê ês qquanuanua num missionário oxim ox maad daam meen nttee sseis eis ei is do tinha aproximadamente o ‘‘Francisco’, F anc Fr anci an ciscco o’’, Z Zu umbi mb bi anos. Batizado Zumbi accra rame men ennttos os, aap os, prreen-pre recebeu os sacramentos, aprenattiim, m, e aajudajuda ju d deu português e la latim, cele ele lebbrraava diariamentee nnaa ce celebraA pes esar ção da missa. Ap Apesar ivvaas de de dessas tentativas


aaculturá-lo, ac cultu ulttu ul urá rá--llo o,, Z Zumbi uum m escapou em 1670 116 670 670 0 ee,, co com om 115 5 aanos, retornou ao se eu lo occaal de de o rriiggee Zumbi se torseu local origem. nnou no ou cco onnhheeccid do ppela sua destreza conhecido e astúcia aasstú úcciiiaa na na luta luutta e já era um esttrategista tr rat ateegggis issta ista ta m ililiittar ar respeitável aos militar ano nos. s. s. 200 anos. Qu Q uililo lo om m dos Palmares O Quilombo eex xis istiiu por por um período de existiu quaasse cem qu ceem anos, entre 1600 quase 11669955. No N Quilombo de e 1695. Palm Pa llm mar ares es (o ( maior em exPalmares tens te nsãão o viviam cerca tensão), de vinte v de mil habitanteess.. Nos engenhos tes. e senzalas, Palmares era tido como a re res Teerr T rr Prometida, e Terra Zuum Z Zumbi, o eterno e im mo orr imortal, reconhecido como co mo um protetor como leal e corajoso. Zumbi le lea leal eerra um um extraordinário era ttaale le e talentoso dirigente

militar. Explorava com inteligência as peculiaridades da região. No Quilombo de Palmares plantavam-se frutas, milho, mandioca, feijão, cana, legumes, batatas. Em meados do século XVII, calculavam-se cerca de onze povoados. A capital era Macaco, na Serra da Barriga. Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, a Domingos Jorge Velho, um bandeirante paulista, de triste lembrança da História do Brasil, foi atribuído a tarefa de destruir Palmares. Para o domínio colonial, aniquilar Palmares era mais que um imperativo atribuído, era uma questão de honra. Em 1694, com uma legião de 9.000 homens, armados com canhões, Domingos Jorge Velho começou a empreitada que levaria à derrota de Macaco, principal povoado de Palmares. Segundo Paiva de Oliveira, Zumbi foi localizado no dia 20 de novembro de 1695, vítima da traição de Antônio So-

ares. “O corpo perfurado por balas e punhaladas foi levado a Porto Calvo. A sua cabeça foi decepada e remetida para Recife onde, foi coberta por sal fino e espetada em um poste até ser consumida pelo tempo”. O governador Melo e Castro, de Pernambuco, mandou expor a cabeça em praça pública, visando desmentir a crença da população sobre a lenda da imortalidade de Zumbi. Em 14 de março de 1696 o governador Caetano de Melo e Castro escreveu ao Rei: “Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares.”

Resistência à escravidão O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A semana dentro da qual está esse dia recebe o nome de Semana da Consciência Negra. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. O Dia da Consciência Negra procura ser uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte de africanos para o solo brasileiro (1594). A lei 10.639, de 9

de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar, data em que comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra. A mesma lei também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Nas escolas as aulas sobre os temas: História da África e dos africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra bra-

www.aplbsindicato.org.br lb i di b

sileira e o negro na formação da sociedade nacional, propiciarão o resgate das contribuições dos povos negros nas áreas social, econômica e política ao longo da história do país.

Fontes: Amélia Hamze, professora da FEB/CETEC/ISEB/FISO-Barretos e Wikipédia

35


ARTIGO

UNEGRO de luta e de história

O

Olívia Santana*

IV Congresso Nacional da UNEGRO, que se realiza neste mês de novembro, é mais um sinal de fortalecimento e crescimento da entidade. Cerca de mil delegados se reúnem em Brasília, movidos pelo desejo de pensar sobre os rumos do movimento negro e o desafio de transformar o poder e incorporar nas estruturas decisórias homens e mulheres que vivenciam a problemática do racismo. Desde o seu nascimento em 1988, durante as fortes mobilizações que nos levaram à conquista da criminalização do racismo, na Constituição Federal, a UNEGRO vem-se expandindo pelo Brasil. Esse ano foi também marcado pelo caloroso debate sobre o centenário da abolição da escravatura e a insuficiência da Lei Áurea, para a reparação das profundas chagas abertas por mais de três séculos de escravidão, tão bem descritas em Navio Negreiro, de Castro Alves. Mas por que criar mais uma entidade no movimento negro? A resposta a esta pergunta passa pelo reconhecimento de que as diferenças de concepção política é parte de todos os movimentos sociais. Diferente de muitas organizações, o referencial ideológico da UNEGRO não empresta valor absoluto à raça e não é avesso ao reconhecimento das desigualdades de classes como um dos principais fatores de produção das desigualdades. Ao contrário, a entidade concebe a luta contra o racismo entendendo-a articulada com a luta pela emancipação das mulheres e com a construção de uma sociedade capaz de superar o capitalismo e promover e elevar o sentido da vida, do bem-

36

-estar e da solidariedade entre as pessoas. O desafio é transformar o mundo para além de “terra,trabalho e pão”, lembrando o querido poeta negro José Carlos Capinam. Valorosos militantes se abrigaram no escudo da União de Negros pela Igualdade, mas a luta pela erradicação do racismo e pela transformação estrutural do Brasil precisa ser de milhões. Por isso há que se ter persistência na ação cotidiana, argumentos para conscientizar nossos irmãos e irmãs, negros e negras, que ainda sejam vítimas do desconhecimento das causas da sua exclusão social, e uma plataforma de bandeiras

Mas por que criar mais uma entidade no movimento negro? A resposta a esta pergunta passa pelo reconhecimento de que as diferenças de concepção política é parte de todos os movimentos sociais políticas que possa transformar a nação e as vidas de milhões de brasileiros. Há que se desatarem os nós da opressão tecidos pelo racismo e o sexismo. Muitas lideranças se formaram nesta trajetória de 23 anos de existência da UNEGRO e dão suas colaborações em cada trincheira de luta. Fatos marcantes da vida do país e nas quadras mundiais contaram com a marca da UNEGRO, a exemplo das marchas nacionais da consciência negra, especialmente os 300 anos de Zumbi dos Palmares, o Encontro Continental dos Povos Negros das Américas, a III Conferência Mundial Contra o Racismo, todas as edições do Fórum Social Mundial e a recente luta pelo Estatuto da Igualdade Racial. Considerando que estamos vivendo o Ano Internacional Afrodescendente, torna-se ainda mais especial a reLápis de Cor

alização desse Congresso. Unir as grandes reivindicações nacionais às demandas da população negra da África, da América Latina e do Caribe. Lutar firmemente pelo protagonismo da população negra no projeto político conduzido pela presidente Dilma, visando a avanços mais significativos na política de promoção da igualdade racial, capaz de incorporar os negros às estruturas de poder e, mais que isso, produzir uma nova qualidade de poder político, efetivamente representativo da diversidade da nação. A ampliação de oportunidades de emprego com real possibilidade de mobilidade social, educação de qualidade e valorização do capital cultural afrodescendente, acesso às novas tecnologias, titulação de terras quilombolas e fortalecimento da agricultura familiar, enfrentamento à intolerância religiosa, superação dos altos índices de mortalidade de jovens negros e afirmação da vida em segurança são sonhos e causas pelos quais lutamos nos 23 anos de existência e história da União de Negros pela Igualdade. Zumbi permanece vivo em todos nós!

*Olívia Santana Vereadora do PCdoB e Ouvidora-Geral da Câmara Municipal de Salvador


Perfil

Steve Biko

S

teve Bantu Biko (18 de dezembro de 1946 - 12 de setembro de 1977) foi um ativista do movimento anti-apartheid na África do Sul, durante a década de 1960. Insatisfeito com a União Nacional de Estudantes Sul-africanos (National Union of South African Students), da qual era membro, participou da fundação, em 1968, da Organização dos Estudantes Sul-africanos (South African Students’ Organisation). Em 1972, tornou-se presidente honorário da Convenção dos Negros (Black People’s Convention). Em março de 1973, no ápice do regime de segregação racial (Apartheid), foi “banido”, o que significava que Biko estava proibido de comunicar-se com mais de uma pessoa por vez e, portanto, de realizar discursos. Também foi proibida a citação a qualquer de suas declarações anteriores, tivessem sido feitas em discursos ou mesmo em simples conversas pessoais. Em 6 de setembro de 1977 foi preso em bloqueio rodoviário organizado pela polícia. Levado sob custódia, foi acorrentado às grades de uma janela da penitenciária duran-

te um dia inteiro e sofreu grave traumatismo craniano. Em 11 de setembro, foi embarcado em veículo policial para transporte para outra prisão. Biko mortrr aj a j eett o e a polícia ppo o líí ci cia cia reu durante o trajeto o rte or r te t e ssee de deve e ve v e rraa a alegou que a m morte devera ggreve r ev e e de d e ffome o m e eem om m“prolongada gr eme lo l o pprisioneiro”. r i si ri s on o nei n ei eiro i ro ro”. ”. ”. preendida pelo o u tu t u bbrr o de tubr d 22003, 003, 00 3 3, Em 7 de ou outubro do o M i is in i ttéé autoridades d Ministéu ll-- aaff rrii ccaa rio Público Sul-africaa m qqu ue no anunciaram que o lic ol l ic i c iaa is is os cinco policiais nno o envolvidos de assassinato de Biko não se-riam processados, devido a falta de pro-am vas. Alegaram também quee a aassacusação dee as ã o se s sassinato nnã não p o r nnã po ão sustentaria por não m un u hhaa s d do os haver testemunhas dos m e nt me n te t e come co o me meatos supostamente comeiikko. k o. o . LLevou-se e vou ev v ou o u -s -se tidos contra B Biko. a çã ç ão ã o a ppo o ss s ib b il i l ii em consideração possibiliaarr o n volv v o lv vo lvid v id d os os dade de acusar oss een envolvidos o rpor rpp or oral r al sseguida e g ui eg u i da da por lesão corporal a s co om mo o o ade morte, mas como oss ffa faa m em 11977, 9977 7, 7 , ttal aall tos ocorreram pprescrito r eess cr res c it ito t o ((n n ão o crime teria pr (não aass ssíí vvee l de d pprorro oseria mais passível aall ) se ssegundo e gund g u nd gu n d o aass cesso criminal) leis do país. www.aplbsindicato.org.br

37


ARTIGO

A reafirmação da identidade racial do negro através da Música

A

Elza Souza Melo*

partir dos achados arqueológicos, pesquisadores estimam que já havia alguma atividade entre os ancestrais humanos, mesmo num período onde a oralidade era muito rudimentar. Para além do que se possa supor que tenha sido a finalidade da utilização da música na prática, por seres cuja preocupação primordial era a sobrevivência física. Não podemos negar que esta poderosa forma de linguagem ainda cumpre este papel de contribuir, de forma paradoxal, para a sobrevivência ou destruição da cultura de grupos humanos. Essa produção simbólica humana expressa as formas e sentir de um povo, mas também como ela pode ser utilizada como poderoso recurso de representações sociais de ideologias que suscitam posturas em conformidade com normas que são contrárias a sobrevivência de grandes parcelas da sociedade. O Brasil, país tão desigual socialmente quanto diverso culturalmente, tem do povo negro marcas importantes na constituição da sua identidade cultural. Em que pese os negros escravizados tenham sido formalmente libertos há mais de três séculos, seus descendentes ainda hoje não estão libertos das representações negativas, fruto de abjetas teses racistas que destinavam um lugar da inferioridade a quem se distanciava dos padrões europeus. Contrariando, contudo, o ideário dos dominadores, o povo negro resistiu de muitas formas, desde os quilombos, passando pelos movimentos organizados, até os atuais blocos afros que desfilam no carnaval, que sustentam trabalhos sociais importantes nos meios

38

onde predomina a população de afrodescendentes. O grito de liberdade está forçando a adoção de políticas de ações afirmativas, em busca do lugar de dignidade do negro, lugar que a história oficial lhe negou. Dentre as inúmeras formas de se exprimir de um povo, estão as linguagens, em especial a música e a corporal, através da dança. Ao se revisar a história da Música popular Brasileira, desde os seus primeiros passos, salta aos nossos olhos e ouvidos a marca singular do negro, na sonoridade e nas letras das canções, assim como na dança que a acompanha. A musicalidade africana, a

O grito de liberdade está forçando a adoção de políticas de ações afirmativas, em busca do lugar de dignidade do negro, lugar que a história oficial lhe negou. diversidade de ritmos, com destaque para o samba, ajudou a construir a veia da música popular brasileira, presente no nosso cotidiano, presente na nossa vida. Observe-se, porém, que o preconceito está tão arraigado e o ideal do embranquecimento tão propalado, tornando-se elementos constitutivos tão poderosos das atitudes sociais, que até os afrodescendentes trazem historicamente estes elementos nas suas músicas. É imprescindível propiciar a formação de homens e mulheres conscientes de como os elementos simbólicos de uma cultura como a música – onde repetição de simples refrões de canções aparentemente despretensiosas marca profundamente a alma de um povo – pode condenar à auto-rejeição e à negação da sua identidade ou ao orgulho de pertencer a uma totalidade onde as formas de ser e de fazer são diferentes, porém, jamais inferior. Isso exige Lápis de Cor

que a luta por mudanças se estenda para muito além dos segmentos de agremiações ou movimentos organizados de negros. Urge que toda a sociedade esteja envolvida na construção de uma nova história para as populações de afrodescendentes. Um passo de grande relevância foi dado quando foi sancionada a Lei 10639/2003 tornando obrigatório o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas escolas brasileira. Uma conquista significativa que coloca importante espaço da sala de aula, lugar fundamental para a construção de identidades, a tarefa de fazer com que até os que se pensam brancos reconheçam os genes africanos na sua forma de ser brasileiro. E a música é um recurso importante a ser utilizado nesse trabalho como veiculo sócio-educativo desenvolvendo o senso crítico, assim como buscando a afirmação da identidade dos afrodescendentes na sociedade brasileira.Um trabalho que deverá, necessariamente, redundar em mudanças nas atitudes sociais. Que possibilite a cada brasileiro passar a enxergar com profundo respeito à diferença: para que se quebre o espelho onde cada um só vê a si mesmo como a imagem do idêntico.

*Professora Elza Melo Diretora da APLB-Sindicato


Instituto

O

Steve Biko

Instituto Cultural Beneficente Steve Biko é uma organização sem fins lucrativos localizada na cidade de Salvador, na Bahia que tem como uns dos objetivos promover a ascensão da comunidade negra pela inclusão educacional. O nome Steve Biko, foi escolhido pela ONG dando homenagem ao líder afro-descendente sul-africano Bantu Stephen Biko (Steve Biko), um dos maiores idealizadores do movimento de Consciência Negra, que morreu em 12 de setembro de 1978 por consequência das torturas sofridas nas prisões do estado racista do Apartheid na África do Sul. Foi criado no mês de julho de 1992, por iniciativas de educadores e estudantes afro-brasileiros, com um objetivo principal fortalecer a luta contra as várias maneiras de discriminação racial. Construir o Centro Cultural e Educacional Steve Biko, e torná-lo reconhecido como um instituto de referência nacional de estudos, assistência e

http://www.heroturko.org

capacitação da comunidade afrodescendente, desenvolvendo diversas atividades de qualidade no campo da educação, cultura, arte e outros serviços, respeitando a diversidade e buscando o bem-estar social. Para auxiliar nesse processo, o instituto vem desenvolvendo atividades em busca da reconstrução da identidade étnica, da autoestima e cidadania dos afrobrasileiros em um contexto de formação política e educacional. Trata-se de uma proposta autônoma e independente, não tendo vínculo orgânico ou político com nenhuwww.aplbsindicato.org.br

ma outra entidade; aliando-se ideologicamente, no entanto, com todas as organizações ou pessoas que trabalham pela eliminação das desigualdades étnico-sociais. Os educandos da instituição são chamados pelo apelido de “bikudos” (fazendo referencia a sobrenome Biko de “Steve Biko”). O instituto está localizado na Rua do Paço, número 4, no bairro Santo Antônio Além do Carmo, mais detalhes no (http://www.wix.com/sitesayeolafela/biko).

39


O negro

no futebol brasileiro

A retrospectiva histórica da discriminação e inserção dos jogadores de origem negra no futebol brasileiro

E

(Una retrospectiva histórica de la discriminación e inclusión de los jugadores de origen negro en el fútbol brasileño)

sse estudo é uma revisão de literatura sobre a trajetória de segregação dos jogadores de origem negra no futebol brasileiro. O objetivo foi descrever sobre a origem e os fatos que marcaram esta trajetória de discriminação, para entender

40

porque estas atitudes ainda persistem no meio no futebol atual. A inserção do negro no futebol é relatada a partir da década de vinte com movimentos de “branqueamento” dos jogadores mulatos, através de artifícios como o pó de arroz, para adentrarem ao meio do futebol, este dominado pela a aristocracia da época. A atiLápis de Cor

tude do Clube de Regatas Vasco da Gama, primeiro clube a admitir negros em sua equipe, foi fato marcante, para aceitação dos jogadores negros. O surgimento para o mundo do futebol de Leônidas da Silva em São Paulo e a transição do amadorismo para o profissionalismo na década de trinta ratifi-


http://www.pele-sports.com.au

caram a trajetória de inclusão dos atletas negros nos clubes de elite no Brasil. Desde os primeiros relatos da introdução do negro, vários foram os momentos de forte discriminação racial, com destaque para a década de 20 e as Copas de 1950/54/98. A segregação da classe dominante do período

é descrita a partir dos episódios, da não aceitação dos clubes de elite, em colocar jogadores de origem negra em suas equipes, chegando aos casos de discriminação como as do goleiro Barbosa e do atacante Ronaldo Nazário. O estudo também discorre na relação de disparidade entre os atletas negros e brancos em seus clubes, www.aplbsindicato.org.br

nos contextos salários, prestígio e exposição na mídia. Apesar de diversos exemplos da importância do jogador de origem negra para o futebol brasileiro e mundial, persiste a problemática racista principalmente na inserção de negros em cargos de direção no futebol.

41


O negro no futebol brasileiro Introdução

brasileiro também é uma passagem muito importante na inserção do neSe o Brasil é o país do futebol gro no futebol (IMBIRIBA, 2003). A e grande parte da população é de partir dos anos 50, segundo Mario Fiorigem negra, e o futebol brasi- lho (2003), foi à década onde tivemos leiro é conhecido no mundo es- momentos tensos na relação socieportivo como o “futebol arte” dade x negros no futebol, com os capela influência dos negros, por sos das Copas do Mundo de futebol que acompanhamos em diversos em 50 e 54, pois os jogadores de oriprogramas de televisão e rádio, gem negra foram responsabilizados, notícias de discriminação e segre- por torcedores e imprensa, pelos gação do negro no futebol? Para fracassos da seleção brasileira. Para explicar esta questão o presente o autor, o caso mais grave aconteceu estudo pretende verificar na his- com o goleiro Barbosa na Copa do tória como aconteceram os fatos Mundo de 1950. Mesmo com a globaque influenciaram, na inserção e lização, para Vieira (2001) ainda acondiscriminação do negro no fute- tece muita diferença no tratamento dado aos jogadores negros, em detribol brasileiro. O primeiro aspecto a conside- mento dos brancos pela elite (branrar foi à inserção dos jogadores ca) dominante no futebol. de origem negra no futebol braMoacir Barbosa sileiro. Neste sentido Guterman goleiro da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950 (2009), descreve sobre a retrospectiva histórica do ingresso do negro no futebol brasileiro, passando pela década de 20, com A retrospectiva histórica destaque para o time do Vasco da discriminação racial da Gama que se notabilizou, por no Brasil ser o primeiro time de elite do Para realizar essa imersão no confutebol brasileiro a incluir negros na sua equipe. Na década de 30, o texto específico da pesquisa se faz neautor destaca a influência do jo- cessário resgatar alguns elementos do gador Leônidas da Silva na Copa debate sobre raça e discriminação. A discussão sobre a questão racial surdo Mundo de 1938. A transição do amadorismo ge no Brasil com mais fervor, no final para o profissionalismo no futebol do século XIX, tendo como referência http://reliquiasdofutebol.blogspot.com/ às teorias raciais do continente europeu. O Brasil se tornou alvo da curiosidade dos naturalistas estrangeiros, que buscavam exemplares únicos da flora e da fauna local. Nosso Leônidas da Silva Jogador do São Paulo e da Seleção

42

Lápis de Cor

país virou uma espécie de laboratório humano vivo. Um fenômeno chamava atenção dos cientistas, “o espetáculo da miscigenação”, que se constituía da mistura das raças heterogêneas (SCHARWARCZ, 1993). Dentro das teorias raciais destacaram – se duas: a primeira segundo os “evolucionistas sociais”, todos os homens seriam “desiguais entre si”, hierarquicamente desiguais em seu desenvolvimento global, com uma visão unitária da humanidade, http://compasur.blogspot.com

adeptos do monogeísmo. A segunda corrente a dos “darwinistas sociais”, onde a humanidade é marcada pela diferença entre as raças, os homens estariam divididos em espécies essencialmente diversas, adeptos do poligeísmo (VIOTTI DA COSTA, 1999). No Brasil do final do século XIX, o tema racial esteve muito presente, nas faculdades de Direito e Medicina, estas trouxeram para si, a tarefa de discutir e interpretar os conceitos, que levavam ao destino do progresso da nação brasileira. Conforme Scharwarcz (1993), não foram só as teorias sociais que diferenciavam o negro do branco. As teorias médicas como a de Nina Rodrigues, que afirmava a inferioridade da raça negra, sem nenhuma dúvida cientifica, considerando impossível e desprezível a ideia de que representantes das raças infe-


http://globoesporte.globo.com/

no Brasil. Este mito foi usado como um expediente pelas classes dominantes brancas (da qual Gilberto Freire e outros intelectuais de sua geração foram porta vozes) para mascarar a opressiva realidade das relações raciais (VIOTTI DA COSTA, 1999). Conforme Pereira e White (2001) é preciso levar em conta o fato de que a sociedade brasileira reformula continuamente ideias, que contribuem para dar novas dinâmicas ao processo de discriminação. Segundo os autores a orientação ideológica dos “Abeces dos negros” (tradição popular) indica uma visão de mundo (desde a époA atitude do Clube de Regatas Vasco da Gama, ca da colonização) que sustentam a supremacia do grupo dominante primeiro clube a admitir negros em sua de brancos com apoio da Igreja equipe, foi fato marcante, para aceitação dos e do estado, sobre os negros. Os jogadores negros. “Abeces” não são chistes inocenriores pudessem atingir, através da (PEREIRA E WHITE, 2001). Estes diver- tes, eles criam significados psicointeligência, o elevado grau a que sos tipos de discriminação permeiam lógicos e sociológicos com intuito chegaram as raças superiores. Para a cultura brasileira refletindo também, de desqualificar o outro e criar um a autora, estas teorias também co- no futebol. Desde a chegada dos pri- discurso de dominação. Para os laboraram para afirmar este estig- meiros negros ao Brasil para trabalhar escritores os “Abeces” mais atuma. nas lavouras de cana de açúcar, que es- ais ainda continuam a estabelecer O termo “raça” antes de apa- tes homens foram vistos como seres um racismo baseado em aspectos recer como um conceito fechado, inferiores, trazidos para o trabalho es- morais e intelectuais negativos. Isto fixo e natural, é entendido como cravo, tinham muitos deveres nenhum significa que as sociedades em seu um objeto de conhecimento cujo direito, e eram totalmente submissos cotidiano, ainda mantêm uma predisposição desfavorável no tocante significado estava sendo constan- ao homem branco. temente renegociado e experiSegundo Pereira e White (2001), aos negros. E o futebol sendo uma mentado neste contexto histórico apesar da disseminação da ideologia da “instituição” em nosso país, não específico (SCHARWARCZ, 1993). “democracia racial”, (tese que aborda- poderia escapar destas agruras. Desta forma o conceito de “raça” va através da distância social no Brasil, escapa de uma visão apenas bio- o problema das diferenças de classe, lógica e adentra em questões de bem mais do que os preconceitos de O ingresso do negro no cunho político cultural (VIOTTI cor e raça) esta tese revela, os esfor- futebol brasileiro DA COSTA, 1999). ços das elites para ampliar sua influênCom a chegada do futebol no A discriminação racial com os cia e a exclusão de outros segmentos negros brasileiros, independente da sociedade brasileira. Para os autores final do século XIX, através de da origem regional, está implanta- a afirmação favorece o estabelecimen- Charles Miller, o esporte era prada na sociedade através dos meios to de uma sociedade tensa, que prega ticado pela elite branca da cidade de comunicação do país, desde os um discurso democrático e pratica os de São Paulo. Nesta mesma época, primórdios, mostrando situações mais diferentes tipos de discriminação. a escravidão fora extinta há pouambivalentes, ora denunciando O “mito da democracia racial” foi uma cos anos, e os negros não eram formas de violência, outras vezes distorção – deliberada ou involuntária aceitos pelos clubes sociais para a reforçando processos de exclusão – do real padrão das relações raciais prática do futebol (GUTERMAN, www.aplbsindicato.org.br

43


O negro no futebol brasileiro http://vejasp.abril.com.br/

2009). Desta forma, o futebol manifestava um dos problemas cruciais da transição do Império para República, isto é, a integração do negro na sociedade de classes, como denominou Florestan Fernandes (1978). Segundo o autor, o fim da escravidão, do Império, e a generalização das relações de trabalho livre, não superaram os vícios aristocráticos da sociedade brasileira. A abolição, sem a reforma agrária, privou os negros recém-libertos e seus descendentes de uma base material mínima sobre a qual pudessem iniciar uma nova vida. Os inúmeros preconceitos bloquearam a incorporação dos negros na indústria nascente e no setor de serviços. Estes fatos também repercutiram no futebol. A história social do futebol brasileiro, segundo Jesus: “... traz em si processos dramáticos e representativos de problemáticas centrais da sociedade. Inicialmente reduto exclusivo das elites, tal esporte rapidamente rompeu os círculos aristocráticos para ganhar as ruas e tornar-se entretenimento popular de largo alcance”. (1998, p. 1). Nesse processo de democratização da prática do futebol, um dos momentos mais tensos foi à inserção do negro nos grandes clubes e principais campeonatos do futebol brasileiro (MARIO FILHO, 2003). Dentro da sociedade de classes, o racismo também se faz presente no futebol, desporto que mesmo assim, se transformou numa paixão nacional (DAMO, 2005). Segundo Imbiriba (2003), as primeiras evidências de racismo no esporte estiveram presentes numa fase muito importante

44

Domingos da Guia Destaque da Seleção brasileira na Copa de 1938

equipe formada por negros, mestiços e brancos pobres, uma vez que, ao derrotar esse time, estava sendo ratificada a preponderância de classe e de cor (MARIO FILHO, 2003). Existem algumas histórias populares conforme relata o trabalho de doutorado de de sua história: a passagem do ama- Soares (1998), que foi nesses condorismo para o profissionalismo. Ao frontos de times brancos contra mesmo tempo essa transição no fute- times negros que surgiram os dribol foi marcada pelo ingresso de atle- bles no futebol. Conforme Soares: tas pertencentes às classes populares Quando começaram a jogar menos abastadas formando equipes especialmente de negros e mestiços. futebol por aqui, os negros não Para o autor, existem na história do podiam derrubar, empurrar, ou futebol incontáveis momentos em mesmo esbarrar nos adversários que é feita a apologia do racismo, mas brancos, sob pena de severa puvários movimentos foram contrários nição: os outros jogadores e até os policiais podiam bater no infraa estes costumes. A presença de jogadores negros e tor. Os brancos, no máximo, eram mestiços nos clubes pequenos era expulsos de campo. Esta redução tolerada pela aristocracia, desde que dos espaços dentro das “quatro não incomodasse o poder dos gran- linhas”, subproduto de uma situades clubes. Para as classes dominan- ção social obrigou os negros a jotes, era até bom jogar contra uma garem com mais ginga, com mais http://www.tricolormania.com.br habilidade, evitando o contato físico e reinventando os espaços. Sim, porque o drible não é outra coisa que a criação de espaço, onde o espaço não existe. Indubitavelmente, foi o jogador negro que imprimiu no futebol brasileiro um estilo próprio de magia e arte, diferente das formas arcaicas do jogo de bola, bem como da sua descendência inglesa imediata. (1998, p.170). Friedenreich Usava pó de arroz alisava o cabelo para poder jogar

Lápis de Cor


Não podemos desconsiderar que os árbitros eram brancos na ocasião, e a grande maioria dos jogadores, e do público que assistiam aos jogos, eram de predominância branca. Justificando a afirmação anterior, Mario Filho (2003) relata que foi importante a atitude de um clube que lutou para acabar com a segregação dos jogadores de origem popular: o Vasco da Gama. Foi na década de 20 conforme Máximo (1999), que o Vasco e alguns clubes do subúrbio carioca, como Bangu e América, passaram a admitir negros e mestiços em seus quadros. Conforme o autor, o Vasco estava preparando uma equipe para desestabilizar a hegemonia dos clubes de elite, representada pelas classes dominantes. De acordo com Guterman (2009), os negros para poderem jogar nos clubes de elite do futebol deveriam se submeter a situações como usar toucas para esconder o cabelo crespo e se maquiar com “pó de arroz” para clarear a pele, e parecerem como os jogadores brancos. Nesta época complementa o autor, o futebol era um esporte de classe, só os bens nascidos tinham acesso a ele, era “coisa de inglês”. Negros e mestiços só conseguiram ocupar seus espaços graças aos embranquecimentos artificiais. Foi o pó de arroz o mais usado pelos jogadores mulatos, como Carlos Alberto, Robson e o lendário Friedenreich, que além de usar

pó de arroz alisava o cabelo. Para Máximo (1999) o investimento feito pelo Vasco em jogadores negros, e a conquista do seu primeiro título do campeonato carioca de 1923, fez com que os clubes aristocráticos passassem a criar barreiras para a sua permanência na Liga dos Clubes Amadores e, assim, excluí-lo do camhttp://www.museudofutebol.org.br/

A era Pelé e a denominação dada pelo mundo do futebol de “futebol arte” para a seleção de 58/62/ e 70 foram marcantes para o processo de inclusão e reconhecimento do negro no futebol brasileiro peonato de 1924, alegando que os jogadores vascaínos eram profissionais e não amadores, como os jogadores das equipes oponentes. Segundo Helal (1997), com a saída do Vasco da Gama do campeonato de 1924, o público diminuiu muito, pois preferiu assistir a liga extraoficial, na www.aplbsindicato.org.br

qual o Vasco se fazia presente. O baixo público fez com que os clubes de elite convidassem o Vasco a participar da liga oficial de 1925, mas com muitas recomendações. Para o autor, apesar de todas estas exigências da aristocracia, o time mestiço do Vasco da Gama de 1923, revolucionou o futebol da época. Conforme Máximo (1999) os destaques de atletas negros como Domingos da Guia e de Leônidas da Silva pela seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1938 na Itália, foi outro fator relevante no processo de desmistificação do negro no futebol. Pois estes jogadores transformaram-se em exemplos de jogadores oriundos do futebol brasileiro. Segundo Mario Filho (2003), a era Pelé e a denominação dada pelo mundo do futebol de “futebol arte” para a seleção de 58/62/ e 70 foram marcantes para o processo de inclusão e reconhecimento do negro no futebol brasileiro. A entrada dos negros e dos populares em geral nos clubes de elite – até então freqüentados e comandados pela elite – não ocorreu sem que tivesse sido criada uma fronteira demarcando o status entre associados e atletas, recaindo sobre os mais prestigiados, entre os primeiros, a gestão política e administrativa dos clubes (GASTALDO 2006). Há aceitação dos negros no futebol brasileiro para Damo (2003), têm uma mistura de três fatores: o primeiro fator econômico, onde os clubes grandes e seus

45


O negro no futebol brasileiro dirigentes perceberam quanto era importante, à presença dos negros em suas equipes, para os estádios ficarem lotados, e com isso, mais renda para os cofres de seus clubes. O segundo fator foi à habilidade técnica dos negros em relação aos brancos, e os resultados que as equipes brasileiras conquistaram com suas presenças. O terceiro fator é a paixão por este esporte, este não tendo uma explicação científica, pois o futebol

Grafite Foi alvo de racismo em clubes e na seleção

46 446 6

faz parte da alma do povo, tornando – se quase uma religião.

Casos de discriminação de jogadores negros na Seleção Brasileira Os casos de discriminação de jogadores negros no ffutebol brasileiro são relata relatados ao longo da trajetória do esporte neste país. Se Segundo Máximo (1999), ppelos ép anos 20, nesta época, o presidente da República EpiPe tácio Pessoa re c o m e n d o u que não incluíssem mulatos na sele seleção brasil brasileira que foi a Buenos A Aires, para disputar o Campe Campeonato Sul-Americano, pois para o presidente era impor importante projetar outra ima imagem do povo brasileiro no exabsolutam terior, era absolutamente imperioso que o país fossee representado pela sua “melhor sociedade”. Outro caso interess interessante aconteceu com a prim primeira realizad no Copa do Mundo, realizada Uruguai em 1930. A sele seleção canarinho foi composta ap apenas por jogadores de um comb combinado de times cariocas, excluindo exclu os paulistas, e a grande maioria dos atletas era de origem branca ((GUTERMAN, 2009). Na Copa de 11938, na França, cita Mario Filho (20 (2003), nossa seleção chegou às semifinais contra a Itália e, nosso melhor jogador, Leônidas da Silva, de origem ori

http://globoesporte.globo.com/

LLápis Lá áp piis d de eC Cor orr o

negra, “foi poupado” desse jogo para jogar a final. Resultado desta segregação: o Brasil perde o jogo para a Itália, com um pênalti cometido por Domingos da Guia. Domingos por ter cometido o pênalti leva a culpa pela eliminação da seleção brasileira. Mais uma situação de críticas aos negros, esta de grande repercussão sócio cultural, segundo Da Matta (1982), foram às perdas dos títulos mundiais nas Copas de 1950 e 1954, para o Uruguai e a Hungria. Essas perdas foram atribuídas aos negros e mestiços que atuavam pela equipe brasileira, sendo o racismo justificado por um suposto desequilíbrio emocional dos atletas que apresentavam cor escura, ao longo dos jogos decisivos. Para Imbiriba (2003), um dos casos mais sérios de transferência de responsabilidades aconteceu na Copa de 1950, realizada no Brasil em que à Seleção Brasileira era favorita ao título. Mas a equipe foi pega de surpresa pelo Uruguai e a derrota foi atribuída ao goleiro, o já falecido Moacir Barbosa (negro), que serviu para criar um estigma em relação aos goleiros negros, que passaram a ser preteridos em relação aos goleiros brancos na seleção. Casos muito curiosos conforme Imbiriba (2003) aconteceram ao longo dos anos. Segundo o autor a seleção de 1982, tida pela maioria da população brasileira e jornalistas esportivos como uma das melhores equipes já formadas, era constituída em grande parte por jogadores brancos, universitários e oriundos da classe média. Atletas negros ou mestiços estavam reduzidos a quatro: Luisinho, Toninho Cerezo, Júnior e Serginho.


Ronaldo Nazário Maior artilheiro em Copas do Mundo

Brasil. Na mesma linha para Imbiriba (2003), o preconceito em relação aos goleiros aumentou e permanece vivo muito depois do episódio vivido por Barbosa, e quanto aos técnicos, cuja cor da pele denuncia, no mínimo, ancestrais trabalhadores, apenas dois Getty Images foram admitidos no comando da As críticas que surgiram em 1982 NOTTI, 2002). Conforme pesquisa seleção: Gentil Cardoso, em 1957, foram sobre os atletas mestiços realizada pelo sociólogo Vieira (2001) e Wanderley Luxemburgo, se é como Toninho Cerezo, Luizinho com 327 jogadores de 17 clubes do que este se considera negro ou e Serginho. Outros problemas Rio de Janeiro, mostra que, enquanto “pardo”. Outro fato pouco comentado de racismo na seleção brasilei- 26,6% dos atletas brancos ganham um ra, mais evidentes, só voltaram a salário mínimo, entre os negros essa pela imprensa brasileira refere-se acontecer na Copa de 1998, rea- proporção é de 48,1%, quase o do- à falta de dirigentes negros, que lizada na França. bro. No alto da pirâmide salarial estão comandam as equipes de ponta do Na ocasião, foi à vez do ata- os brancos, com 24,8% de atletas ga- futebol brasileiro. Para Gastaldo cante Ronaldo Nazário carregar nhando mais de 20 salários mínimos, (2006) os jogadores negros são a cruz (IMBIRIBA, 2003). A cada já somente 17,1% dos negros rece- mal pagos em relação a seus méritos e permanecerão sem usufruir Copa que se aproxima e depois bem mais de 20 salários. termina com a derrota do futeO presente estudo também de- outras fontes de renda, como em bol brasileiro, surgem novos fatos monstrou que os salários dos negros trabalhos de relações públicas e para tentar explicar o fracasso costumam atrasar mais que o dos contratos de publicidade. O autor brasileiro. Não foi diferente na brancos, além de receberem menos enfatiza a diferença, ao escrever Copa do Mundo de 2006 (Rober- convites para aparecerem ao lado dos que com a adoção do profissionato Carlos, Ronaldo, Ronaldinho e dirigentes dos clubes, chegando até há lismo, a segregação social e racial Adriano) e 2010 (Felipe Melo e ser tratados com desprezo pelos car- foi amainada, mas os salários desGilberto Silva). A curiosidade é tolas. Para o autor, outra segregação ses profissionais ficaram abaixo que os fatores da derrota, nor- está no tratamento: macaco, crioulo, das expectativas, à exceção, dos malmente recaem sobre os om- gorila. Muitos nem consideram os “pop stars”. No Brasil de Pelé e Ronaldo bros dos jogadores mestiços e apelidos discriminatórios. Ou seja, o negros. racismo às vezes é tão velado, que http://www.futebolecialtda.com.br/ não é identificado nem pelas próprias vítimas. A diferença de O estudo de Vieira ainda confirma tratamento entre a rara presença de goleiros (exceção Dida 2006) e técnicos negros na sejogadores negros e brancos em seus clubes leção brasileira, correspondendo em proporcionalidade à ascensão sócioAs diferenças sociais, culturais, -econômica de negros e mulatos no físicas estão institucionalizadas, Gentil Cardoso não só no Brasil, mas em vários Primeiro treinador negro a comandar a seleção países do Ocidente (GIULIAwww.aplbsindicato.org.br

47


Nazário (pentacampeão mundial de futebol), o jogador negro ou mulato continua a enfrentar o racismo, em geral, recebendo contratos e pagamentos inferiores aos dos brancos e não tendo no esporte uma garantia de ascensão social (DAMO, 2005).

Considerações finais O futebol e as primeiras ligas foram criados para atender as elites sociais, formadas por cidadãos de origem branca, ficando para as classes economicamente menos privilegiadas, em sua maioria composta por cidadãos de origem negra, o direito de jogar em ligas clandestinas. Os fatos de segregação se perpetuam ao longo dos anos, por motivos sociais, biológicos, culturais, produzidos pelas elites para, continuar no poder e afirmar a superioridade racial. Outro aspecto importante foi que o negro só ganhou espaço no futebol, reconhecimento da sociedade e profissionalização, através do seu talento individual, demonstrado quando do seu ingresso no Clube de Regatas Vasco da Gama nos anos 20, dos jogadores que se destacaram na seleção nacional e do “futebol arte”. Ainda permanece uma grande diferença de tratamento dado pela elite que comanda o futebol, a jogadores brancos em detrimento dos negros. Através desde estudo pode-se observar muitos casos de descriminação racial que aconteceram e continuam acontecendo no futebol brasileiro, bem como, a dificuldade do cidadão de origem negra ocupar cargos de comando no futebol.

48

O famoso gesto de comemoração de gol de Pelé http://maringa.odiario.com/

Referências COSTA, Emília Viotti. O mito da democracia racial no Brasil. Palestra proferida na reunião anual da Southern Historical Association, Washington, D.C., em 14 de novembro de 1975. Traduzido do inglês por Marco Aurélio Nogueira. 1975. DA MATTA, Roberto. Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982. DAMO, Arlei. Do dom à profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade Federal rio Grande do Sul, Porto alegre, 2005. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade brasileira. São Paulo: Ática, 1978. GASTALDO, Édison. Noções em campo: Copa do Mundo e identidade nacional. - Niterói: Intertexto, 2006. GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do futebol: Dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. – São Paulo: Nova Alexandria, 2002. GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. – São Paulo: Contexto, 2009. HELAL, Ronaldo. Passes e Impasses: futebol e cultura de massa no Brasil. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

Lápis de Cor

IMBIRIBA, Luis. O futebol e a atualidade do racismo. Site: www.anovademocracia.com.br. 2003. Acesso 22/05/2010. MARIO FILHO, Rodrigues. O negro no futebol brasileiro. - 4º ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. MÁXIMO, João. Memórias do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Estudos Avançados, Relume-Dumará, 1999. PEREIRA, Edimilson de Almeida e WHITE, Steven F. Brasil: Panorama de interações e conflitos numa sociedade multicultural. Rio de Janeiro, Afro-Ásia, 2001. p. 257-280. SOARES, Antônio Jorge. Futebol, raça e nacionalidade no Brasil: releitura da história oficial. Rio de Janeiro, UFG, PPGEF. tese de doutorado.1998. VIEIRA, José Jairo. Paixão nacional e Mito Social: A participação do Negro no Futebol e Ascensão Social. UERJ - tese de doutorado. 2001. *Mestre *Graduando NEPEC/IEFES - Universidade Federal do Ceará (UFC) (Brasil) Otávio Nogueira Balzano; Daniel Maia Nogueira de Oliveira; José Mário Pereira Filho http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/


ARTIGO

O poder da Superação entre a raça e a etnia

T

*Mônica Muniz

anto são os nossos desafios diários em superar estes conceitos raça e etnia e sendo uma dos debates mais constantes na sociedade contemporânea não podemos nos furtar de discutir sobre o tema. Sobretudo porque este questão está no cerne dos conflitos que o mundo vem atravessando, sejam por causa das guerras entre os povos, os constantes conflitos étnicos, por exemplo, no oriente médio, seja por causa da exclusão social pela qual alguns grupos raciais passam em diversos países, aqui no Brasil, negros e índios, nos EUA os latinos dentre outros. Mas devemos nos apropriar deste conceito a fim de superá-los: raça e etnia são dois conceitos relativos a âmbitos distintos. Raça refere-se ao âmbito biológi-

co; referindo se a seres humanos é um termo que foi utilizado historicamente para identificar categorias humanas socialmente definidas. As diferenças mais comuns referem-se à cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e genética. Portanto, a

Etnia refere-se ao âmbito cultural; um grupo étnico é uma comunidade humana definida por afinidades lingüísticas, culturais e semelhanças genéticas cor da pele, amplamente utilizada como característica racial constitui apenas uma das características que compõem uma raça. Etnia refere-se ao âmbito cultural; um grupo étnico é uma comunidade humana definida por afinidades lingüísticas,

www.aplbsindicato.org.br

culturais e semelhanças genéticas. Portanto temos que ter como fonte de superação o poder de discutir e desmitificar esses conceitos e ter como pilar central que, mesmo negros e negras que somos, mais que cor e características culturais, somos seres humanos filhos de um único Deus, Olorum, que em sua essência nos vê como filhos iguais sem distinção.

*Professora Mônica Muniz Diretora de Planejamento da APLB-Sindicato

49


Quer informação e conteúdo?

Acesse: www.aplbsindicato.org.br


Sabe o que o educador quer ver em

2013?


A 10ª edição da

APLB-Expõe

Dança Teatro Música e Artes Visuais


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.