Saúde e Bem-Estar na Cidade do Porto

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31 de Julho de 2013

SAÚDE E BEM-ESTAR NA CIDADE DO PORTO INSTITUTO DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

INTERVENÇÃO DE MANUEL PIZARRO

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SAÚDE E BEM-ESTAR NA CIDADE DO PORTO O tema da saúde e do bem-estar numa cidade como o Porto, pode ser abordado de muitas maneiras. Podemos trata-lo à luz da visão holística, que inspira a conhecida proposta da Organização Mundial da Saúde, SAÚDE EM TODAS AS POLÍTICAS, e que nos obriga a reflectir sobre o papel das condições de habitação, da distribuição de água, do saneamento, do espaço público e, dentro deste, dos espaços ajardinados e dos instrumentos de mobilidade que são, entre muitos outros, elementos que contribuem de forma decisiva para a saúde das pessoas e da cidade. Numa outra perspectiva podemos debater o papel social e económico do sistema de saúde na cidade, numa urbe como o Porto. Fruto de circunstâncias históricas específicas, com destaque para a excelência da nossa Universidade, concentram-se aqui importantes equipamentos de saúde, que geram bem estar e segurança, mas que têm também um peso decisivo na economia local e um peso muito significativo no mercado de emprego. Às instituições de educação / formação e às organizações assistenciais juntam-se ainda os centros de investigação e um importante conjunto de pequenas e médias empresas, constituindo, aliás, o coração do Pólo de Competitividade da Saúde / Health Cluster Portugal. Este é um domínio muito relevante, a que a cidade deve prestar maior atenção, podendo uma intervenção municipal atenta contribuir para a fixação no Porto de novas organizações e empresas, de que tanto necessitamos para dinamizar a economia. Estas duas abordagens – a saúde no quadro das diferentes políticas municipais e a relação do município com o sistema de saúde – assumem enorme importância. Decidi, no entanto, construir a minha intervenção numa terceira dimensão, a de uma proposta de intervenção directa da administração local nas políticas de promoção da saúde. Equacionemos o problema. As últimas décadas permitiram à sociedade portuguesa alcançar resultados em saúde que são absolutamente notáveis, não comparáveis com nenhuma outra política pública. Os indicadores de comparação internacional mais communmente utiizados confirmam esta afirmação: estamos entre os melhores do Mundo na mortalidade infantil e a esperança média de vida à nascença aumentou cerca de 10 anos desde o 25 de Abril, situando-se agora na média dos países mais desenvolvidos. Há, no entanto, sérias ameaças que pendem sobre estes ganhos e sobre a possibilidade futura não apenas de progredir, mas até de manter os resultados alcançados. O nosso viver quotidiano ameaça a nossa saúde. 40% dos adultos sofrem de hipertensão arterial. 11% são diabéticos. Quase um terço das crianças têm excesso de peso ou mesmo obesi-


dade. Uma em cada cinco pessoas fuma e o hábito de fumar continua a crescer entre as jovens mulheres. O consumo exagerado de álcool generaliza-se entre os mais jovens. Se não formos capazes de inverter estes comportamentos, que resultam em larga medida da adopção generalizada de determinados estilos de vida, os riscos para os resultados em saúde da nossa população são imensos. A resposta parece simples: precisamos de generalizar programas de educação para a saúde, que possam prevenir a doença e promover estilos de vida saudáveis. Mas esta é uma simplicidade aparente: o investimento no conhecimento neste domínio tem sido relativamente escasso e faltam respostas cientificamente validadas. Atribuir ao sistema de saúde a responsabilidade por esses programas não tem permitido obter os resultados esperados e necessários. A enorme e constante evolução científica e tecnológica do nosso mundo obriga o sistema de saúde a um constante aperfeiçoamento e evolução e, de forma perversa mas porventura inevitável, transformou-o num sistema mais apto a lidar com a doença do que com a promoção da saúde. Ao mesmo tempo, o sistema está confrontado com enormes solicitações e exigências por parte dos cidadãos e submetido a constrangimentos financeiros cada vez mais apertados. Talvez o insucesso das políticas de promoção da saúde resulte, em parte, disto mesmo: é excessivo pedir ao sistema de saúde que se ocupe também deste domínio. Mas há outros elementos de complexidade. Há ainda um longo trabalho a fazer em matéria de definição de estratégias e de instrumentos de trabalho para a educação em saúde e para a promoção de estilos de vida indutores de saúde. A sociedade resiste à simplificação. Se hoje, as crianças fazem menos actividade física, isso não resulta de nenhuma mudança genética ou de uma qualquer falha moral. É o efeito conjugado de circunstâncias várias. Os novos instrumentos tecnológicos, entre os quais, os computadores, as consolas, a televisão, transformaram radicalmente o espaço lúdico. Não vale a pena imganiar a promoção de hábitos indutores em saúde se eles forem percebidos pelos mais jovens como menos apelativos, como uma espécie de obrigação desagradável. A mudança das nossas cidades contribuiu também, em muitos casos, para que as crianças usem menos o espaço público. (Hoje, na rua onde moro e onde sempre morei, já não se pode jogar à bola. Primeiro, porque passam muitos carros e, depois, porque não há crianças que cheguem para formar as equipas.) O problema está bem identificado. As principais ameaças à saúde resultam dos estilos de


vida. Eles podem ser modificados, mas uma acção bem sucedida exige conhecimento, continuidade e avaliação. O Porto tem todas as condições para se transformar numa cidade modelo para esta intervenção em saúde. Com a liderança activa do município, há que envolver as Universidades, em especial as escolas que formam os diferentes profissionais de saúde, e os centros de investigação. Desenvolver um grande programa de educação para a saúde nas escolas, a começar no pré-escolar e no primeiro ciclo do ensino básico, estendendo-se progressivamente até ao terceiro ciclo e ao secundário. Definir com clareza as grandes áreas de intervenção: - nutrição; - actividade física e desporto; - saúde oral; - comportamentos aditivos (tabaco, álcool e drogas ilícitas); - sexualidade; - suporte básico de vida. Definir em cada área objectivos e meios de intervenção claros, sustentados na melhor evidência científica, mobilizando a Universidade, apoiando o desenvolvimento de projectos empresariais e a intervenção de organizações sem fins lucrativos. Ser criativo. Ousar. Melhorar radicalmente as cantinas e bares escolares envolvendo as crianças, as suas famílias e a comunidade. Desenvolver a criação de hortas comunitárias e o hábito de consumir fruta e hortícolas. Facilitar o consumo de água, primeiro nas escolas e, depois, nos diferentes espaços públicos. (difundir bebedouros e associar a criação artística) Ter, em cada escola, um programa efectivo de actividade física com forte componente lúdica, que estimule o convívio dos alunos e dos pais. Valorizar o desporto escolar e conferir-lhe honras de cidade. Tratar a saúde oral de todos os alunos, ensinando a prevenir a cárie dentária e, por exemplo, permitindo que todos possam escovar os dentes na escola. Rentabilizar o programa cheque-dentista, envolvendo os profissionais. Traçar uma meta ambiciosa: Porto sem cárie dentária em 2020. Isto é, chegar a esse ano fazendo com que não exista cárie dentária nas crianças com 6 anos e, depois, prosseguir esse trabalho.


Ilustrei, com apenas alguns exemplos, o que significaria este programa de educação e promoção da saúde nas escolas. Não pretendo ser exaustivo. Para além das crianças há ainda dois grupos que, claramente, devem ser alvo de programas próprios neste domínio: os mais idosos e os socialmente excluídos. No Porto vivem mais de 55 mil pessoas com mais de 65 anos e 60% delas vivem sózinhas. Um programa social e de saúde para essas pessoas pode melhorar muito a sua vida e mudar muito a nossa comunidade. Mas este seria tema para uma nova conferência. Permitam-me realçar ainda outro aspecto. Uma parte do orçamento do programa será reservado para a avaliação – externa, rigorosa, auditável – e ainda para a investigação sobre o programa e os seus resultados, procurando amplifica-los internacionalmente. Abrindo as portas à exportação do “modelo do Porto”, educação ao serviço da cidade saudável. Este esforço será também articulado com organizações já existentes, ajudando a potenciar a sua actividade, como é o caso do magnífico trabalho que o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto vem fazendo com a “coorte do Porto”. Este é o exemplo do que entendo constituirem as “políticas de nova geração”, que devem inspirar a acção dos agentes públicos nos próximos anos. É imperioso mudar as prioridades. A questão fundamental dos nossos dias já não é das infra-estruturas. O cerne da política autárquica tem que estar nas pessoas e na forma de utilizar recursos públicos escassos – e que assim continuarão no futuro próximo – em favor da sua qualidade de vida. Trata-se de dar conteúdo às acções no domínio imaterial e fazer com que os cidadãos sintam a suas vantagens. Estaremos a investir no futuro do Porto. O que gastarmos hoje nestes programas será largamente compensado. Pessoas mais saudáveis são mais felizes e mais produtivas. Custarão menos no futuro ao sistema de saúde. Este é um programa ambicioso mas que, estou certo, poderá envolver toda a sociedade portuense. As crianças e as suas famílias, as universidades e o politécnico, as instituições de saúde, as empresas. Ajudará a criar emprego qualificado. A desenvolver novos produtos. A criar uma nova marca para a nossa cidade. Porto: cidade saudável


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