Antologia 3

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Academia de Letras

Antologia III

São João da Boa Vista - SP

Diagramação: Neusa Maria Soares de Menezes Revisão: Antônio “Nino” Barbin Capa: Eduardo S. P. Menezes

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APRESENTAÇÃO É com a publicação desta Antologia que se encerra o mandato da Diretoria - biênio 2011/12. Foram dois anos de prodigiosas atividades e avanços. Ao final do mandato sentimo-nos (presidente e diretores) com a sensação de dever cumprido e com o desejo de prestar contas do que foi feito. Iniciamos a gestão procurando cumprir o item maior, exposto na eleição, de conseguir a sede própria da Academia de Letras, marco das comemorações dos 40 anos da Instituição. Após várias reuniões e contatos, esta diretoria conseguiu a doação da casa histórica, localizada na Rua Campos Salles, esquina com a Rio Branco. Para a restauração do prédio havia recursos financeiros de verbas de parlamentares. No entanto, era preciso a aceitação dos acadêmicos em Assembleia – como reza o estatuto - para recebermos aquele patrimônio em doação. Mas a ideia de aceitação foi rejeitada. Iniciou-se então a tentativa de reforma e ampliação do local onde hoje está instalada a sede da Academia. Novamente dispusemos grande parte de nossa energia nessa empreitada, até conseguirmos o projeto de restauro, a aprovação do Condephic e a obtenção de recursos para a reforma, o que demorou mais tempo do que prevíamos. Ainda assim e, quase de última hora, a sede foi ampliada, o telhado restaurado, instalados nele manta térmica e forro. Fez-se, também, melhoria na parte elétrica e pintou-se o prédio. A inauguração da nova sede acontecerá juntamente com o lançamento desta antologia e a confraternização entre os acadêmicos, no último mês de gestão desta diretoria. Durante este período – todo o biênio - a Academia continuou com suas atividades normais e vários eventos e lançamentos aconteceram. A Academia foi propulsora do lançamento do projeto Memorial da Imagem e do Som de São João da Boa Vista, a pedido da Prefeitura Municipal. A coordenação desse projeto está sob a responsabilidade do jornalista Paschoal Neto, que foi convidado a proferir palestra na Academia de Letras sobre tema inerente, que aconteceu no auditório da Associação Comercial e Empresarial. No ano de 2011, no mês de julho, no Theatro Municipal, a Academia de Letras lançou o Álbum de Figurinhas “Linha do Tempo”, com tiragem de 6 (seis) mil exemplares. Contou-se a história de São João da Boa Vista de forma lúdica, atingindo toda a cidade com esse lançamento. Um - -


agradecimento e reconhecimento ao trabalho das acadêmicas Lucelena Maia e Neusa Menezes e de vários outros acadêmicos que participaram do referido lançamento. Ainda em julho, em parceria com a UNIFAE, realizou-se reunião na sede da Academia, quando foi lançado o vídeo documentário: “Maria, Mulher Soldado” e assistiu-se à palestra de José Osório Azevedo Júnior. Ele falou sobre a Revolução de 1932 em São João da Boa Vista. O evento foi coordenado pela Acadêmica Neusa Menezes. Iniciamos assim as comemorações dos 80 anos desse movimento. Durante 2011, a Academia de Letras promoveu o 3º Concurso “Redação na Escola – Tema: Planeta Terra, Nossa Casa”, com premiação dos alunos classificados na sede da Sociedade Esportiva Sanjoanense – SES. O concurso contou com patrocinadora única, a empresa Elfusa. Também foi realizado, nesse ano, o tradicional Concurso Literário de Poesia e Prosa, com coordenação da Acadêmica Ana Lúcia S. Silveira Finazzi. A novidade introduzida pela atual diretoria foi a publicação dos trabalhos premiados em Antologia, distribuída gratuitamente aos participantes e à comunidade. O patrono homenageado foi o Acadêmico Nege Além. Em novembro, comemoram-se os quarenta anos da Academia de Letras com palestra do escritor e crítico literário professor Dr. Davi Arrigucci Júnior, em uma noite memorável, que aconteceu no auditório do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia. No final do ano, realizou-se a confraternização dos acadêmicos. Em 2012, a Academia de Letras de São João da Boa Vista cuidou de comemorar os 80 anos da Revolução Constitucionalista, em parceria com a Prefeitura Municipal, com o Tiro de Guerra, com a Polícia Militar e com o Movimento MMDC. Em reunião realizada na Praça Joaquim José, foram condecorados com o mérito Constitucionalista os descendentes dos que atuaram nesse movimento, assim como aqueles que colaboram para a preservação da memória desse movimento. Ainda em comemoração aos 80 anos da Revolução Constitucionalista, a Academia de Letras lançou o livro “1932 em São João da Boa Vista”, pesquisado, escrito e produzido por Neusa Menezes, Lucelena Maia e pelo Presidente da Academia. Neste ano, aconteceram a eleição e posse dos acadêmicos, Carmen Lia Batista Botelho Romano e Lincoln Amaral, em 31 de agosto, no auditório do Instituo Federal de Educação Ciência e Tecnologia. Além disso, em 2012 realizaram-se os seguintes eventos: - -


Dia 31 de outubro - quarta-feira - às 20 horas na Sociedade Esportiva Sanjoanense aconteceu premiação do 4º Concurso “Redação na Escola” – Tema “ECA – Direitos e Deveres”, com noite de autógrafos pelos alunos. Contou-se neste concurso com a participação de 92% das escolas de São João da Boa Vista. Registre-se que neste ano foi acrescentada ao evento a realização de palestras que aconteceram no Fórum Plínio Barreto, envolvendo juízes, promotores e demais autoridades ligadas à segurança pública. O concurso teve a Sequóia Empreendimentos Imobiliários como patrocinadora única. Durante o evento de premiação, mais uma vez ficou confirmado o patrocínio da empresa ao projeto, para o ano de 2013. A coordenção foi da Acadêmica Lucelena Maia. Aconteceu em novembro, no auditório da Unifae, o lançamento da Antologia do XX Concurso de Poesia e Prosa, que teve como coordenadora a Acadêmica Ana Lúcia S. Silveira Finazzi. O patrono deste ano foi o Acadêmico, Prof. João Baptista Scannapieco e, pela segunda vez, dada a importância do projeto, publicou-se Antologia com os textos dos premiados. Faz-se importante destacar o recebimento de quase o triplo de inscrições neste ano, e isto, provavelmente, se deve às facilidades oferecidas pela Academia de Letras no recebimento das inscrições por correio eletrônico. As inscrições vieram de escritores de todos os estados brasileiros, com exceção apenas do Tocantins. Também muitas inscrições do exterior. A quantidade de escolas brasileiras que inscreveram seus alunos foi espetacular. Tudo isso, para ter-se ideia da dimensão que esse concurso vem alcançando. O encerramento das atividades desta diretoria acontece com almoço de confraternização e lançamento da Antologia III de nosso Sodalício. Agradecemos a colaboração dos acadêmicos, a confiança depositada e esperamos que a Academia de Letras continue ativa e vibrante.

Francisco de Assis Carvalho Arten Presidente e sua Diretoria Biênio 2011/2012 - -


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Acadêmicos na atualidade Ana Lúcia Sguassábia Silveira Finazzi

José Osório de Azevedo Júnior

Antônio “Nino” Barbin

José Rosa Costa

Antônio Carlos Rodrigues Lorette

Lauro Augusto Bittencourt Borges

Antônio de Pádua Barros

Lincoln Amaral

Beatriz Virgínia C. Castilho Pinto

Lucelena Maia

Carmen Lúcia Balestrin

Luiz Antonio Spada

Carmen Lia Batista Botelho Romano

Maria Cândida de Oliveira Costa

Celina Maria Bastos Varzim

Maria Cecília Azevedo Malheiro

Clineida de Andrade Junqueira Jacomini

Maria Célia de Campos Marcondes

Décio Teixeira Noronha

Maria José Gargantini Moreira Silva

Donizete Tavares Moraes Oliveira

Nege Além

Ernani de Almeida Paiva

Neusa Maria Soares de Menezes

Francisco de Assis Carvalho Arten

Plínio de Arruda Sampaio

Gilberto Brandão Marcon

Rodrigo Alexandre Rossi Falconi

Gilda Magalhães Nardoto

Ronaldo Frigini

João Baptista Scannapieco

Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira

João Batista Rozon

Silvia Tereza Ferrante Marcos De Lima

João Otávio Bastos Junqueira

Sonia Maria Silva Quintaneiro

João Sérgio Januzelli de Souza

Teófilo Ribeiro de Andrade Filho

Jorge Gutemberg Splettstoser

Vânia Gonçalves Noronha

José Benedito Almeida David

Vedionil do Império

José Carlos Sibila Barbosa

Wildes Antônio Bruscato

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O PERIGO DO DUPLO SENTIDO Teófilo Ribeiro de Andrade Filho

Embora modestamente e sem pretensões outras que não satisfazer minha própria curiosidade, eu sempre gostei de estudar a origem das palavras, o seu sentido, a sua utilização habitual, sobretudo pelos mestres da língua, a nossa “última flor do Lacio, inculta e bela”. Bem por isso, sempre me vali dos dicionários de diversos tipos: os comuns, - Laudelino Freire, Caldas Aulete, Aurélio e, agora, o Houaiss, - como os etimológicos, de Antenor Nascentes e Adolpho Coelho, e, especialmente, os analógicos, como os de Carlos Spitzer e de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, aquele bem mais antigo, este mais recente. Há outros, de sinônimos e antônimos, de verbos e regimes, e até de outras modalidades, que, todavia, nunca me satisfizeram. Aqueles, sim, me ajudaram, e muito, sobretudo na esfera profissional. Na advocacia, na política, atividades que obrigam a muito escrever, sempre utilizei os dicionários analógicos. Também quando dei aulas de Teoria Geral do Estado, na Faculdade de Direito, eu sempre recomendava aos alunos uma visita aos dicionários analógicos, para não ficar repetindo sempre, nas provas, a palavra “governo”. Conforme a circunstância, caberia, também, a palavra “poder”, ou “autoridade”, ou “administração”, e assim por diante... Citei, por ora, apenas as obras relativas à língua portuguesa, mas é claro que os dicionários de tradução ou versão para outras línguas são igualmente importantes. Mas, a que vem esta pequena digressão? É que algumas palavras têm sentido próprio, mas por vezes diversificado, e até antagônico, podendo o seu emprego ter consequências sérias e diversas das intenções de quem as empregou. Já me referi, em crônica anterior, ao conto de Monteiro Lobato “O colocador de pronomes” em que o protagonista - -


nasce, vive e morre por força de más colocações pronominais. Já mencionei, também, em outro trabalho, o gigantesco embate linguístico travado entre Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro (de quem fora aluno na Bahia) a propósito do anteprojeto do Código Civil, redigido por Clóvis Bevilaqua, em curso no Senado Federal, no início do século passado, em que Rui atacava até a linguagem adotada para “obrigação privada” que – dizia ele – “cheirava mal”... Aqui vou-me referir a uma surpresa pessoal que experimentei, ao ler a biografia de Mauá escrita pelo acadêmico paulista Jorge Caldeira, publicada em fins do século passado. Para isso devo me reportar ao ambiente político de São Paulo e do Brasil, na década de 50. Jânio Quadros iniciava a ascensão política que o levaria até a presidência da República. Nos discursos inflamados que proferia (foi um grande orador) atacava, sobretudo, a figura de Adhemar de Barros, que, a seu ver, encarnaria a corrupção que reinava sobretudo em São Paulo. Os partidários de Adhemar, que fora governador e continuava líder de seu partido, contrapunham as grandes obras de Adhemar, como Via Anchieta, Hospital das Clínicas, etc. Era o “rouba mas faz”, que entrou pelo vocabulário político paulista e brasileiro. Acontece que, em março de 1956, Adhemar de Barros foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado a dois anos de reclusão. O acórdão da condenação utilizou-se da expressão latina “improbus administrator” para designar o acusado. Tanto bastou para que essa expressão, no latim, como no original, ou no seu correspondente português “ímprobo administrador”, passasse a ser igualmente utilizada por outros juízos e tribunais em casos similares e também pela imprensa contrária a Adhemar. O “O Estado de São Paulo”, o “Estadão” como geralmente é chamado, referia-se quase diariamente a esse ferrete, acrescentando apenas a inicial do acusado, assim: A. de Barros, qualificando, antes ou depois, o apodo (só depois da morte de Adhemar, em março de 1969, o jornal voltou a utilizar o nome completo do político “faleceu, em Paris, o Sr. Adhemar de Barros...”). - 10 -


Conhecido o resultado do julgamento, Adhemar fugiu para a Bolívia, e lá permaneceu enquanto seus advogados impetravam pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, ainda no Rio de Janeiro, concedido já no mês de maio seguinte. Retornando ao Brasil, Adhemar foi candidato a prefeito da Capital em 1957, ganhou a eleição e comandou a Prefeitura da Capital entre 1957 e 1961! Acredito que, como eu próprio, quase todo mundo aceitou - sem entrar no mérito - aquela designação “improbus” como significativa tão somente de “desonesto”, haja vista a repetição, a reiteração, a reutilização do vocábulo, sem qualquer reparo. Daí a surpresa que tive ao ler a obra de Jorge Caldeira “Mauá”, biografia do primeiro grande empresário brasileiro. Excelente trabalho do ilustre acadêmico paulista, com diversas ilustrações, entre elas a do escudo do Visconde (p. 298 da 2ª reimpressão) com o lema “LABOR IMPROBUS OMNIA VINCIT” (“O trabalho ímprobo tudo vence”). Surpresa! E descoberta: então o vocábulo tem dois significados opostos: o primeiro, desonesto, moralmente negativo, o segundo, arrojado, difícil, moralmente positivo. Tivessem os ademaristas consultado os dicionários, na época, provavelmente teriam um elemento de defesa do acusado, utilizando-se do segundo sentido da palavra “improbus”. Nem precisariam recorrer ao latim, bastaria ater-se aos de língua portuguesa, como os citados no início deste escorço, sobretudo os analógicos. O que se conclui destas considerações é que escrever é sempre um risco ao qual, aqui e agora, igualmente estou sujeito...

Teófilo Ribeiro de Andrade Filho Cadeira 14 Patrono: Affonso d’Escragnolle Taunay - 11 -


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POEMA DA AMIZADE João Batista Rozon

Eu quero um poema quadrado Onde eu possa encostar para pensar.

Eu quero um poema redondo Onde eu possa me centralizar.

Eu quero um poema aberto Onde eu possa sair e poder voar...

...E voando chegar ao paraíso, Descobrir o segredo, Da vida e da morte.

E então, só morrer Quando não tiver mais amigos.

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Flores, Flores, Flores João Batista Rozon

Eu Flores Tu Flores Ele Flores Árvores, Árvores, Árvores. Nós Árvores Vós Árvores Eles Árvores Ar, Ar, Ar Eu Ar Tu Ar Ele Ar Águas, Águas, Águas Nós Águas Vós Águas Eles Águas Semente, Semente, Semente Eu Semente Tu Semente Ele Semente Animais, Animais, Animais Nós Animais Vós Animais Eles Animais Universo, Universo, Universo - 15 -


Eu Universo Tu Universo Ele Universo Átomos, Átomos, Átomos Nós Átomos Vós Átomos Eles Átomos Quando morre Uma flor, morre o fruto. Quando morre Uma árvore, morre a semente. Quanto morre Uma fonte, seca a água. Quanto morre Um animal, ou vegetal... Morre - uma parte de mim Uma parte de você – uma parte do todo E o Universo se transforma Num futuro de morte. Eu, Tu, Ele Nós, Vós, Eles Somos as flores, as árvores, As águas, os animais, o ar. O Universo está dentro de nós E nós dentro do universo. Viva e deixe tudo viver. E o Todo VIVERÁ.

João Batista Rozon Cadeira 05 Patrono Visconde de Taunay - 16 -


Ao meu amado Neto (à José PAULO Paes)

Maria José Gargantini Moreira

Que rebento é este Tão frágil Tão forte Que mal aguenta o peso De tamanho nome? É Paulo Roberto, meu neto!

Que bebê é este Por nove meses Protegido Ungido No aconchego Do ventre de mãe-mulher? É Paulo Roberto, vindo de minha filha!

Que filho é este Tão meigo Tão sereno Por tantos esperado E no amor concretizado ? É Paulo Roberto, filho de meu genro! - 17 -


Que criança é esta Desde sempre amada Esperada Isenta de qualquer maldade Criança abençoada? É Paulo Roberto, filho do Senhor!

Que menino é este? Com nome de apóstolo Anunciador Evangelizador? É Paulo Roberto, filho de Deus! Que rapaz é este Tão capaz Tão sagaz Que faz jus ao nome E sobrenome? É Paulo Roberto, Neto!

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Poema de amor à minha neta Maitê Maria José Gargantini Moreira

MAITÊ Mágica palavra Bebê bordado Coroado! Nascida menina Maitê batizada Abençoada! Pele morena Herança materna Flor de pequena! Olhos espertos Que nada perdem Herança paterna! E a sapequice? Ah! Essa vem da irmã Que das artes e das travessuras Sabe muito bem ser ! - 19 -


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Serra da Paulista (à Orides Fontela)

Maria José Gargantini Moreira

Verde ventre Vigília lírica Do sol Da lua Nascente. Vultoso Contorno Majestoso Da terra Da alma Sanjoanense.

(Prefácio para livro de Fotojornalismo da UNIFAE) - 21 -


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MINI CONTO

Maria José Gargantini Moreira

O ipês amarelos voltaram a florir.

Será que no próximo ano voltarei a sorrir?

Maria José Gargantini Moreira Cadeira 39 Patrona: Clarice Lispector - 23 -


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Art Macaubeau

Lauro Augusto Bittencourt Borges

A “intelligentsia” macaúbica quis beber os testemunhos dos des-

taques da nova corrente cultural que espocam nos segundos cadernos dos grandes jornais. Num Centro Recreativo repaginado, os canapés da Dona Salma foram aperitivos para os depoimentos. A “troupe culturette” estava em peso: Castilho e a patota da arte dramática, Silvia Ferrante e cantantes, a turma do CLAC, Zé Marcondes e outros pincéis de Sanja, Lorette, Chico da Papyrus, entre outros. Até o Nassif, o Davizinho Arrigucci e o Walther Castelli circularam por lá.

Arquiteto

A contemporaneidade permeia a minha obra, não há como ne-

gar. Mas me aflige deveras esta premência contemporânea. Chega a ser dramática a injeção de oito dígitos de reais em edifícios que berram um visual arrojado. Espigões isolados, arrogantes nas suas fachadas envidraçadas, brilham mais que o suportável, agridem a harmonia da urbe.

O conceito “art macaubeau” vem para lufar sensatez nesta assi-

metria sufocante. A arquitetura do século 21 começa a ganhar corpo. E é um corpo coerente com seu entorno. Um corpo de suaves linhas mantiqueiras, de reflexos crepusculares. Um corpo moderno, mas que respeita a mais beloca das tradições.

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Artista plástico

Minha pintura está saturada de elementos assíduos. A repetição

em determinadas fases é importante para consolidação de um estilo. Mas cansa. Não quero celebrar estes traços teimosos pelo resto da minha existência. Estou num momento de buscar o novo, de pincelar ineditismos.

E esta aquarela jovem, que retrata maneirismos crepusculares, é

inerente ao vezo “art macaubeau”. Meu guru nesta incursão é o Ronaldo Marcondes, cujos pincéis gertrudianos fazem nascer telas muito inspiradas, que mesclam largas e modernas avenidas mantiqueiras com bucólicas paisagens rurais regadas com as águas do Jaguari. Aquele quadro que mostra o Padre David no volante de uma Toyota Hilux é um marco na História da Arte.

Compositor

Minha reles existência, de fato, se deu a partir do meu encon-

tro com a música. Uma coisa, assim, lúdica. Um nascer melódico. Com o perdão do clichê: a música corre nas minhas veias. Mas nunca consegui captar direito a dimensão exata da minha trajetória no “show business”. A música me levava e eu nunca sabia exatamente pra onde. Eu ia. Surfava nos tons, navegava nos acordes. Estourei nas paradas sem saber o porquê.

Agora, até concebo não fazer o sucesso de antanho, mas não con-

sigo enxergar um caminho artístico que não seja o “art macaubeau”. O “art macaubeau” trouxe norte para um trilheiro errante. Estava no Carne- 26 -


gie Hall em Nova York e ouvi o Pistelli cantar num arranjo jazzístico “Sanja Way”. Por Deus! Era divino! A música deixava transparecer a alma do “homo crepuscularys”. A música ainda me leva. Mas agora sei exatamente pra onde eu vou. Sim, claro, é pra lá que eu vou: Sorveteria Macaúba na Dom Pedro 2°.

Poeta

Os movimentos vanguardistas sempre cumpriram uma missão de

civilizar. Eles derrubaram dogmas da existência da propriedade cultural, do isolamento. Eles abriram janelas para o mundo. Foram importantes em determinado período histórico. Augusto e Haroldo, os concretistas irmãos Campos, foram grandes expoentes desta vanguarda que veio, cumpriu seu papel e se foi.

Eu diria que a poesia passa, hoje, por uma segunda e mais intensa

onda civilizatória: a “art macaubeau”.

Os poemas art macaubeau são provocantes. Cutucam. Interro-

gam. Fazem refletir. O interessante, supra-sumo macaúbico, é que essa vocação polêmica vem numa embalagem lírica. E a controvérsia típica deste estilo converge sempre para opções crepusculares, as dúvidas ficam confinadas na Praça Joaquim José: Pagu ou Orides Fontela?

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Protozoários em fúria Lauro Augusto Bittencourt Borges

O desalento é total. Carecendo de energia, o corpo padece e a

mente trabalha num ritmo vagaroso, quase parando. Esmorecido, peço ao jornal mais um dia no prazo para enviar o texto. Um texto que vai saindo aos trancos, difícil de parir e desprovido de conteúdo aproveitável. Brigando com o teclado e pescando idéias soltas, vou indo...vou indo... vou indo e levando comigo incautos leitores numa viagem melancólica que não chega a lugar nenhum.

Aos mais ocupados, aviso: parem agora, não percam seu tempo

com um escrito pobre, nascido durante uma chata convalescença. Sábado tem coisa muito melhor pra fazer do que ficar lendo palavrório de doente.

Semana dura. Dias de micróbios em fúria. Microrganismos teimo-

sos aliados ao frio mandando muita gente para a cama.

Mel, xarope, guaco, antialérgico, o escambau em químicas e pre-

parados à base de folhas. Tento de tudo para expulsar de mim uma tosse renitente. Uma tosse seca, irritante, que incomoda os que estão por perto.

Vírus e bactérias que, sem pedir licença, invadem nossos corpos

e nos tiram do combate cotidiano. Ficamos acamados, sem ânimo, num repouso forçado regado a drogas. Um repouso que não descansa. Uma indisposição física pra tudo e todos.

A casa fica cheirando hospital. Aquele odor de Vick Vaporub im-

pregnado no ambiente. Argh!!! Arre, sai fora porcaria de gripe-resfriadoalergia!!! Xô, xô, patologias indesejadas!!!

Ingênuo e desinformado, joguei dinheiro pelos ares tomando vaci- 29 -


na contra gripe. Não adiantou nada, muito pelo contrário, parece até que o vírus veio com mais força, anabolizado por não sei o quê. O antídoto renegou a razão de sua existência e, num golpe sujo e sórdido, vitaminou o que deveria ser eliminado.

Nem a mãe deste escriba foi poupada. Com uma bactéria alojada

em seu corpo, dona Ana Maria passou três dias na Santa Casa sob os cuidados de homens e mulheres de branco. Mãe e filho, numa humilhante derrota, sucumbiram ao arrastão dos protozoários.

Tossindo e andando pelos frios corredores do hospital, derrubado

pela moléstia e dopado pelos remédios tive uma certeza ainda maior da extrema fragilidade da condição humana.

p.s. Os puritanos do idioma diriam que esta crônica vazia é “colóquio pouco rígido para induzir os bovinos a um estado de repouso e consciência parcial”, ou seja, conversa mole pra boi dormir. Aos leitores que se aventuraram até aqui, minhas sinceras desculpas. - 30 -


Infância, Memórias e Viagens Lauro Augusto Bittencourt Borges

Dia destes, viajando a trabalho pela bela geografia montanhosa

do sul das Minas Gerais, fui tomado por um turbilhão de lembranças de viagens da minha infância. Boas recordações e muita saudade.

Cruzar a divisa entre SP e MG traz a figura da minha vó Fiuca que,

sempre nestas horas, entoava a tradicional cantiga: “Ó Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais...”, no que era seguida em coro por toda a família. Viajar com a vó Fiuca sempre foi recreio dos mais animados.

Dos meus primeiros cinco anos de idade emergem fragmentos de

memória de viagens ao litoral. Praia de Itararé em São Vicente era o nosso destino.

Lembro-me muito bem do imponente —na época era— Opala ver-

de-oliva do meu pai, descendo a serra abarrotado de malas e bugigangas, embalado pela trilha sonora do Rei: “Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar...”, berrava o então cabeludo Roberto Carlos no toca-fitas do potente Opalão.

Era lei nas férias litorâneas de verão ir ao espetacular Circo Thiany

que, sempre em janeiro, erguia sua lona e deixava maravilhados os turistas da Baixada Santista. Também não perdíamos o tradicional show de animais marinhos que acontecia num parque situado na divisa entre Santos e São Vicente. Ouço claramente, até hoje, o adestrador comandando em castelhano o casal de golfinhos: “Flipper, Caroline, salvando a bonequinha!”, para delírio da plateia infante que ali estava.

Alguns anos mais tarde, sem meu pai, nossas viagens ao litoral - 31 -


eram capitaneadas por meu primo, Zé Pedro Campana, que nos conduzia na superlotada Variant branca da minha mãe. Até hoje não entendo como cabia tanta gente e carga no velho carro. Zé Pedro ao volante, minha mãe, vó Fiuca, tia Amanda Lomonaco, eu, meus dois irmãos e o Zé Augusto, meu primo querido de Goiânia, além de toda a sorte de bagagem e quinquilharias do clã Buscapé. O bom astral de janeiro e a ânsia por areia e água salgada faziam com que relevássemos o desconforto da viagem.

Destes périplos beira-mar não me esqueço do sabor inigualável

do estrogonofe de camarão da minha vó, dos siris degustados no restaurante Boa Vista e, não sei por que, da música Bandolins de Oswaldo Montenegro. Coisas da memória que a gente não explica. Se, no verão, a praia era sagrada, nas férias de julho o destino era alternado. Ora Belo Horizonte, ora Goiânia.

Em Belo Horizonte ficava a casa de meu tio Ivan, um próspero em-

presário da capital mineira. Meu tio mandava um Alfa Romeo com motorista — o zeloso Vicente — particular buscar-me com meu irmão. Era a glória para duas crianças. Rumávamos até a capital das alterosas como príncipes caipiras esparramados no banco traseiro do luxuoso carro.

Meu tio tinha uma bela chácara nas cercanias de BH. Um verda-

deiro deleite essas férias, quando brincava muito com a Ana Paula, uma prima com quem eu tinha muita afinidade e verdadeira adoração.

Em Goiânia também gozei férias inesquecíveis. No cerrado tinha

o monumental tobogã do parque Mutirama, um conjunto aquático fabuloso no clube Jaó e baciadas do delicioso pão de queijo da tia Mariana. No final dos anos 70 e começo dos anos 80, pão de queijo era uma iguaria rara por estas bandas do interior paulista. Comíamos até não poder - 32 -


mais.

Numa dessas férias na capital de Goiás, esticamos até Brasília. No

portão do Palácio da Alvorada vimos o então presidente Ernesto Geisel passar num Galaxy preto com persianas no vidro traseiro. Foi a primeira e única vez que aplaudi um ditador.

Bons tempos de uma época em que Hélio, meu pai, era um fun-

cionário com carreira promissora no Banespa, Ana Maria, minha mãe, era professora estadual numa escola rural, Dona Fiuca, minha vó, era “o nome” em alta costura nesta cidade e o autor deste texto, além de adorar viajar com a família, era um devorador dos gibis do Cebolinha.

Hoje, um acidente automobilístico fez com que meu pai não este-

ja mais entre nós, minha mãe está aposentada e perdeu o pique de viajar, vó Fiuca costura para os anjos na eternidade e este escriba luta com a vida e contra seu espírito perdulário para juntar uns trocados e continuar viajando.

Lauro Augusto Bittencourt Borges Cadeira 20 Patrono Castro Alves - 33 -


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O VELHO PESCADOR Nege Além

Chovera quase toda a semana. O Sr. Moura ardia por uma beira de rio, expediente a que sempre procurava recorrer para afugentar a solidão que, em seus longos anos de aposentado, teimava em fazer-lhe companhia. Viúvo, os filhos moravam em distantes cidades e só o visitavam de longe em longe. Preso em casa durante dias, já não suportava o rádio, a televisão, a melhor leitura. Os antigos companheiros de pescaria, ele os foi perdendo com o avançar dos anos. Difícil a reunião com os poucos remanescentes. Sempre havia empecilhos, eram doenças, ausências, outros motivos impeditivos. — Antes, tantos amigos! Agora, os filhos longe, não tenho mais com quem pescar! — lamentava. Seu neto Osmã passava uns dias com ele. — Se o tempo continuar melhorando, Osmã, quer pescar comigo amanhã? — Boa, vô! Quero, sim! Pode chamar eu bem cedinho! À noite, insone, passou o Sr. Moura horas à janela do quarto a contar as estrelas que apareciam no céu e torcia pelo amanhecer de um dia sem chuva nem vento. De manhã, era sábado, correu à janela, abriua, esfregou as mãos uma à outra, muito contente. Enquanto coava o café e preparava duas marmitas de comida, dirigiu-se ao quarto do neto e encontrou-o acordado e já quase pronto. — Como é, tudo bem, pequetito? Tá pra nós! Dia ensolarado, sem chuva e nenhum ventinho para atrapalhar. Hoje vamos encher o samburá até à boca! – disse, entusiasmado. — Tudo pronto, vô! Só que eu não sou mais pequetito, já tenho dez anos! No caminho, o senhor conta um caso de assombração? — De dia não tem graça. — Tem, sim! Quero uma história de arrepiar os cabelos. — Tá bem, eu conto. - 35 -


A pescaria sempre foi uma irresistível tentação para quem um dia se deixou envolver em seus feitiços. O Sr. Moura, caniços nos ombros, levava a sacola com as marmitas e o estojo de petrechos de pesca; o neto, a latinha de minhocas presa à calça. Ambos caminhavam conversando e rindo pela longa estrada, em demanda do rio onde o Sr. Moura costumava pescar. Impaciente, Osmã pediu ao avô que começasse logo a contar o caso de assombração prometido. Não tendo de pronto o que narrar, o Sr. Moura inventava histórias, sem pés nem cabeça, entrelaçadas das mais absurdas aventuras, e sem saber como terminá-las. De olhos arregalados, o neto bebia cada palavra, chegava a assustar-se com os gestos e expressões faciais do avô, os quais tornavam os transes mais carregados de terror e suspense. Chegados ao rio, irrequieto como criança e esquecido da idade, o Sr. Moura corria de um lado a outro. Embora sem a agilidade da juventude, subia e descia barrancos, na tentativa de localizar o paraíso dos cardumes. Deteve-se diante de um remanso. Entendido em pescarias, sabia que nesses locais costumam reunir-se peixes a mancheias. — É aqui mesmo que vamos ficar! Fez ao neto mil recomendações, que não se afastasse dali, o poço era fundo e perigoso. Espalhou na água um punhado de milho. — Agora, é só esperar que o cardume chegue. O fundo das águas oculta maravilhoso espetáculo de misteriosas surpresas que nem mesmo o mais hábil pescador consegue visionar. O Sr. Moura atirou o anzol na água. Esperou. Esperou. Ligeiro movimento na linha. Um beliscão na isca foi o primeiro aceno da esperança de farta pescaria. Suspendeu a linha, examinou a chumbada e o anzol, iscou-o de novo e ei-lo novamente de olhos fixos na ponta da vara. Nem se mexia, nem piscava. De repente, sentiu a linha arrastada para o fundo, a vara vergou como arco. — Ferrei um dos grandes! – gritou ele. — Tô vendo ele saltar, vô! Que beleza de peixe! Amarelinho! — É um dourado e bem crescido! Calma, devagar! -- recomendava a si mesmo o Sr. Moura. Este bichão tá no papo e vai direto para o samburá! Trouxe o peixe até ao barranco, até às mãos. Ao retirá-lo do anzol, - 36 -


apesar dos cuidados de experiente pescador, deixou-o escorregar. O dourado corcoveou no ar e caiu na água. O Sr. Moura, desesperado, entrou a dar varadas no barranco. Ia a gritar os palavrões do clássico vocabulário de pescadores irritados, mas conteve-se a tempo, receoso de vexar o neto. — Mas que azar! Perdi um grande dourado! Você não viu mesmo, Osmã? Estava no papo! É para levar até um santo a cometer pecados, e eu nunca fui santo! — Vi, sim, vô! Era um bitelão deste tamanho! — Não faz mal! A amostra foi boa. Agora, é ter paciência. Daqui a pouco, a família toda vem comer neste poço. Vou jogar mais um punhado de quirera para cevar o poço ainda mais. E, virando-se para o neto: — Não é hora de você comer alguma coisa, Osmã? — Não tô com fome, vô! Quero também pescar um amarelinho que nem o do senhor. Um dia todo ao sol quente, à mercê das mutucas e pernilongos, sede e até fome, que à beira do rio o pescador nunca desperdiça um tempinho, nem mesmo para alimentar-se, tamanha a obsessão da pesca. Os peixes não chegaram como supunha o Sr. Moura. Embora de olhos grudados à ponta da vara, fazia tempo que estava desligado do mundo. Tão absorto em excogitações, pouco se lhe dava se algum peixe se emaranhasse ou não no anzol. A memória, esta sim, ia fisgando lá do passado as mais gratas recordações de tantas e divertidas pescarias com os amigos e os filhos. Ajudadas da imaginação, as águas como que pareciam espelhar as figuras de saudosos pescadores com ele empoleirados nas barrancas marginais de diferentes rios e lugares, ora rindo, ora gritando, ora xingando. O Tião Ferraz, o Neca, o Tambelini, o Betão, o Benê, todos, cumpridas suas missões, haviam deixado cá na terra os petrechos de pesca e partido para sempre em demanda de outros rios, de outros peixes. O Sr. Moura estava triste, muito triste. Quando deu acordo de si, era quase noite. Disfarçadamente, enxugou lágrimas dos olhos e disse ao neto: — É hora de voltar, Osmã! — Puxa vida, vô! Já? Sem um peixe?! - 37 -


— Sem um peixe, Osmã! A caminho de casa, cruzaram-se com vários pescadores que iam passar a noite à beira do rio. Felizes, bebiam, cantavam. O Sr. Moura cumprimentou-os e desejou-lhes boa sorte. — Eles chegam ao rio entusiasmados! Eu volto do rio desiludido! A pescaria costuma imitar a vida das pessoas -- umas são bem-sucedidas, outras... – observou o Sr. Moura, em voz alta. — O que disse o vô? Não entendi. — Nada. Nada importante para um menino da sua idade. A balancear a própria vida, não sabia o Sr. Moura o que restou de seus tantos anos de lutas, com vitórias e fracassos, nem conhecia o saldo, se positivo ou negativo, do que fez, ou tentou fazer, ou não fez. Apenas tinha a certeza de que com sua avançada idade a eterna noite não tardaria a chegar e temia que seu viver tivesse sido em vão, tal qual o samburá vazio no fim da estafante pescaria, sem ao menos a consolação de ter pescado um lambari, um único lambarizinho.

Nege Além Cadeira 35 Patrono: Casimiro de Abreu - 38 -


JUVENTUDE? QUEM SOIS? Maria Cândida de Oliveira Costa

[...] Futuro? Só mudando tudo. A juventude tem condições de mudar, mas quem leva nos comandos são adultos. Os jovens podem fazer mais força, mais quantia, mais número de pessoas, mas quem manda é meia dúzia que tem dinheiro, o que o jovem não tem.[...] (RENK, 2000:65)

A fala de um jovem militante do MST, retirada do livro Sociodicéia às avessas (RENK, 2000), reflete o pensamento e a realidade de um jovem que se percebe como agente promotor de mudanças, mas que não se sente reconhecido e valorizado pelos “adultos”. Como mudar esse paradigma? Conduzir os jovens e sua participação protagonista em espaços de definição e elaboração de políticas públicas, num cenário em que há um forte processo estrutural de exclusão social da juventude como sujeitos portadores de direitos, é uma façanha difícil no mundo atual. Mas quem faz parte dessa categoria da juventude? Delimitar seu tempo de duração passou a ser importante, após a ascensão da burguesia ao poder e com o aparecimento da divisão da formação escolar, ou seja, após a mudança de estrutura escolar em primária e secundária. Hoje, alguns órgãos delimitam a juventude pela faixa etária, como, por exemplo, a Organização Internacional da Juventude (UNESCO) e a Organização Ibero-Americana de Juventude (OIJ), que consideram jovens, indivíduos entre 15 e 20 anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sob a ótica da abordagem demográfica, classifica como “grupo jovem” os que estão entre 15 e 24 anos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 15/07/1990), o adolescente - 39 -


encontra-se na faixa de 12 a 18 anos. Contrariando tais crenças, a Sociologia afirma que a delimitação de juventude por faixa etária é arbitrária. Devemos, portanto, ser cuidadosos ao recortarmos a categoria por faixa etária; pois, antes de mais nada, faz-se necessário conhecer como os limites são construídos, como são as condições socioeconômicas e culturais e quais os parâmetros utilizados para transformar, em critério definidor de papéis sociais específicos, o pertencimento a um grupo de idade. Philippe Ariès, importante estudioso do tema da criança e da juventude, se respalda na história para mostrar a constituição da juventude enquanto categoria social diferenciada das demais - infância, maturidade e velhice. Para Bourdieu, tanto a juventude como a velhice são construídas socialmente, permeando muitas relações complexas. Nas sociedades antigas e medievais, pode-se obervar a inexistência da distinção dos indivíduos por grupos de idades. Não havia a compreensão de evolução individual em que se desnudaria uma identidade ou vontade particular, mas a construção de uma sociedade tribal ou uma sociedade política na qual as relações de parentesco, castas, estamentos, corporações etc. reclamavam ante os grupos etários heterogêneos. De acordo com o próprio Ariès, a criança e, mais tarde, a juventude, enquanto categoria social nasceu ao longo de um processo histórico. Vemos, portanto, que termo juventude alavanca um grupo de relações sociais vividas pelos elementos considerados jovens de uma determinada sociedade. Mannheim, um dos autores clássicos da sociologia, explica que devemos pensar juventude e sociedade em termos de reciprocidade total; pois, em grande parte, durante a formação da juventude, os jovens participam das construções sociais e históricas por eles vividas. Na juventude, por ser a fase em que a formação psíquica, social, política e cultural do ser humano acontece em maior profundidade, por oposição à condição adulta, o indivíduo se encontra aberto às novas configurações. Bourdieu, ao analisar a juventude, deduz que a vivência geracio- 40 -


nal é construída a partir de aspirações sucessivas de pais e filhos, constituídas em relação a estados diferentes das estruturas da distribuição de bens. A vivência geracional estaria interligada às diferenças nos acessos culturais e de formação, sofrendo influência das mudanças no sistema de ensino, que desvalorizaram os títulos que representam cada ciclo desse processo e ao mesmo tempo ampliaram o acesso à educação. Para Bourdieu, a noção de geração seria construída relacionadamente, por oposição, mais do que aproximação. Para o sociólogo francês, a juventude é apenas uma palavra, pois na realidade existem pelo menos duas juventudes, a burguesa e a das classes populares, que têm entre si diferenças cruciais em todos os domínios da existência. Bourdieu afirma que a caracterização dá à juventude a condição apenas de ser uma palavra, daquelas cuja definição se presta a todo tipo de manipulação, entre outras coisas. Isto porque é uma categoria que está propensa a ser observada e definida biologicamente, ignorando-se que as divisões entre as idades são arbitrárias e objeto de disputa em todas as sociedades. Caminhando muito além do aspecto biológico, a juventude e seus atributos seria uma categoria socialmente construída e dependente de condição de classe. Para Bourdieu, a classificação da juventude por idade é limitante, quando se observa o conflito de gerações, pois produz uma noção de ordem ou de relação social estruturada com base em lugares predeterminados às pessoas. Contrapondo-se a Bourdieu, Margulis afirma que “la juventud es más que una palabra”, ao classificá-la como de vanguarda portadora de transformações evidentes ou imperceptíveis nos códigos culturais, incorporando com naturalidade as mudanças, os costumes e os significados que se configuraram como propostas de luta para a geração anterior. Ianni afirma que, com a presença do regime capitalista que vem transformando as condições de vida dos grupos humanos de maneira tão drástica, a história do advento político da juventude se torna rapidamente um elemento decisivo dos movimentos sociais e, em especial, das correntes políticas de direita e de esquerda, tendo em vista que seu - 41 -


processo de integração à sociedade não é automático nem espontâneo. Mannhein, ao concordar com Ianni, acrescenta que, por estar aberta às novas aventuras e por resistir ao enquadramento no status quo social, a juventude é uma “reserva vital” da sociedade. Entretanto, ressalta que aqueles que acreditam que a juventude é revolucionária por natureza caem numa armadilha. Salientamos que a noção de juventude impõe-se como categoria histórica e social no momento em que se afirma como produto histórico, isto é, como movimento de juventude – uma categoria social sobre a qual reflete de modo particular, a crise do sistema. A sociedade passa a ser, objetivamente, o ponto de contestação. É nessa fase de vida em que ocorre o ápice da contradição entre o potencial criativo e os bloqueios impostos pela sociedade capitalista, se expressando para além da sua relação com a produção, na família, na política e na sociedade como um todo. Finalizando, podemos observar que a juventude, vista como categoria social, vem para atender às demandas racionalizadoras da modernidade que pressupõem esferas sociais (a política, a economia, a arte, a religião, etc.) orientadas por valores autônomos entre si e universais, ou seja, livres de quaisquer tradicionalismos e particularismos que caracterizavam as sociedades pré-modernas.

Maria Cândida de Oliveira Costa Cadeira 04 Patrona Jaçanã Altair - 42 -


O AMIGO DO ZÉ DAS MOÇAS José Carlos Sibila Barbosa

Eu não podia dizer que era o meu amigo Zé das Moças quem eu

estava vendo ali. Mas que era ele, ah isso lá era. Mas que eu podia dizer que era ele, ah isso lá eu não podia.

Fiquei na dúvida. Se eu digo que era, a cidade inteira vai dizer que

eu estou ficando louco, porque eu não posso ter visto quem não pode ser visto. Se eu digo que não era, quem vai achar que eu estou ficando louco sou eu mesmo, pois eu tenho certeza que eu vi quem não pode ser visto.

O fantasma, que quando vivo era conhecido por Zé das Moças e

era tido como o biruta do lugar, conversou comigo e até me falou do seu maior amigo, um canivete, que um dia ele ganhou da mulher mais bela do mundo. E o seu mundo era apenas aquele lugar onde nasceu, cresceu endoidou e morreu.

Nem um único pé para fora dos limites do local o Zé das Moças

jamais andou.

O que esse defunto biruta me falou, vou deixar para ele mesmo

contar, pois se eu mesmo conto, vão dizer que o biruta sou eu. Na verdade o que eu queria saber do morto que não posso dizer que vi, mas não posso negar ter visto, eu fui logo perguntando:

- Ô Zé, por que em vida você nunca largou o seu canivete amigo?

A resposta me causou mais espanto que a visão do morto, pois que era pura poesia. Poesia que ele não tinha na palavra da vida, mas tinha na vida de morto:

-Este é o meu amigo mais útil - Falou-me o fantasma, abrindo as - 43 -


muitas lâminas do seu amigo canivete - Com ele eu divido minhas angústias, vivo momentos de paz. É o companheiro da minha solidão. Um amigo útil. Na verdade a minha primeira intenção foi de explorar esse meu amigão. Então era ele quem dava às primeiras lambidas na laranja azeda a beira do caminho... Frente ao aço duro da tampa da cerveja gelada, era ele que se esforçava no trabalho de liberar o loiro líquido da minha paixão...E se a cana se anuncia bruta, seu Chico, são os seus dentes e não os meus que mais do que depressa a executam...Ah! E se mais valia esse canivete não tem, ainda lhe sobra aquela que vale mais vintém, pois quando eu vejo a bela donzela, é ele que desinibe a minha timidez ao oferecer à cortejada os serviços afiados da tesoura de unhas...Ah! Como era útil esse meu grande amigo... Ele continua funcionando e bem, mas agora não é mais um amigo útil. É apenas amigo.

Dito isso o Zé das Moças desapareceu. Não o vi mais. Nem ele,

nem o seu canivete...Mas, se contar esse estranho encontro não posso, e negar que vi seria uma mentira, vou pelo menos imitar o Zé e comprar também um canivete e contarei tudo para ele, chupando laranja azeda à beira do caminho, tomando uma geladinha ou mordendo uma cana. Quem sabe assim eu também encontre a minha donzela para contar minhas estórias.

José Carlos Sibila Barbosa Cadeira 26 Patrono Gregório de Mattos - 44 -


ESCONDERIJO Silvia Ferrante

Como assim, Onde é que me escondo? Quando quero E, se preciso, Escondo-me em mim.

Existe lugar melhor? Haverá outra escolha? Nós somos os melhores esconderijos de nós mesmos. Quantas vezes Nem nós mesmos Encontramo-nos em nós?

Somos perfeitos, Somos o esconderijo perfeito de nós...

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CLARA Silvia Ferrante

Ela era uma figura impressionante! Eu a via passar todos os dias em sua bicicleta branca com uma cestinha que, quase sempre, voltava com flores. Sua aparência era um tanto extravagante para nossos costumes. Usava chapéus dos mais variados modelos, sempre enfeitados com fitas, flores, conchinhas ou qualquer outra coisa que ela encontrasse. Sim, descobri algum tempo depois que era ela quem fazia todas as suas coisas. Seus vestidos sempre coloridos tinham estampas minúsculas e alegres que lhes davam um romantismo incomum, uma aura de sonho. Nos pés, sempre uma daquelas alpargatas coloridas, com sola de corda, que os hippies usaram muito nos anos setenta, adornadas, sempre combinando com o resto do conjunto. Quando estava muito calor, usava dessas sandálias rasteiras. Porém, o que mais me impressionava, o que tocava fundo meu coração, era seu rosto, seu sorriso. Possuía uma paz, uma leveza, que eu sempre acreditei não existir mais. Seu nome era Clara, coisa que também só descobri mais tarde e era exatamente isso que transmitia em tudo: clareza. Outra descoberta que fiz foi de que ela morava sozinha naquela casa pré-fabricada que ficava no final da praia. Passei muitas vezes lá em frente durante minhas caminhadas, tinha muita curiosidade em saber tudo que dizia respeito à sua dona. A casa era pequenina, cheia de flores e cortininhas alegres que retratavam todo bom astral de sua dona. Todos, naquele lugarejo onde vivíamos, a achávamos encantadora. Ela tratava a todos com carinho, respeito e simpatia, porém, preservava sua solidão, que todos respeitavam, apesar das especulações. Devia - 47 -


ter algo entre 40 e 45 anos, porém seus olhos transmitiam muita juventude. Eu estava naquele lugar havia vários meses, precisava de reclusão para terminar um trabalho. Nesse tempo todo, eu a observava em seus passeios. Um dia, porém, ela não apareceu. Fiquei preocupado, pois já havia me acostumado com aquela presença tão doce nos meus dias. Também não apareceu no dia seguinte, nem no outro, nem no outro... Apesar de aflito, que direito tinha eu de querer saber algo? Ela nem sabia da minha existência, nunca havíamos conversado. Depois de uma semana, não resisti mais. Fui até a casinha do final da praia. Andei em volta, tudo em silêncio, nem um sinal de vida. Fiquei muito inquieto, resolvi bater na porta. Loucura, pensei. Eu não tinha nada a ver com isso. Mesmo assim, fui em frente. Bati várias vezes e não obtive resposta. Olhei através da janela e vi que havia alguém no sofá. Só poderia ser Clara. Forcei a porta e entrei, pedindo licença e desculpas ao mesmo tempo. Quando me aproximei, não pude acreditar no que eu vi. Naquele sofá, deitada e encolhida, estava uma mulher muito idosa e debilitada. Usava um vestido de Clara, mas, com certeza, não era Clara. Muito sem jeito, falei pra ela: - Olá, sou Thomas, estou procurando por Clara, ela não está? Quando aquela velha senhora olhou para mim, foram os olhos de Clara que eu vi. Estavam tristes e cansados, mas eram os olhos de Clara. Fiquei muito intrigado, porém, voltei a perguntar por Clara. Ainda olhando fixamente para mim, ela respondeu: - Parece que não o conheço... -Desculpe a invasão, realmente nem a senhora, nem Clara me conhecem. Moro no vilarejo apenas há alguns meses e via Clara passar todos os dias. Porém, há vários dias ela não aparece. Onde ela está, aconteceu alguma coisa com ela? - 48 -


A velha senhora sorriu, era como se escondesse algo. Ela perguntou: - Por que você veio, se você mesmo disse que não a conhece? Sentei-me numa banqueta ao lado do sofá e respondi que não sabia, tinha vindo parar ali num impulso, pois havia ficado preocupado com o desaparecimento daquela figura tão linda que eu via passar todos os dias e que enchia minha vida de alento. - É interessante, ela falou. O que você me descreve parece coisa de tanto tempo. Agora sou eu quem não está entendendo. - Por que a senhora diz isso? O que é que faz tanto tempo? Eu não compreendo o que está tentando me dizer. E foi aí, nesse instante, que ela me deu aquele sorriso de Clara e disse: - Meu filho, Clara sou eu!

Silvia Tereza Ferrante Marcos De Lima Cadeira 09 Patrono Raul de Leoni - 49 -


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Revolução de 1932 Clineida Andrade Junqueira Jacomini

“A vida se renova; e a História se completa”. Sobre esse importante movimento de teimosos, cívicos e idealistas brasileiros de São Paulo ouvi na rádio local, dia 9 de julho de 2012 p.p.: “Perdemos a guerra, mas ganhamos um feriado!” Esse tom jocoso ainda que verdadeiro não condiz com todo o triste episódio que marcou toda a nossa região. Escrevi há tempos (e saiu num jornal chamado Revolução 1932, editado pelo também idealista Francisco Varanda) esta crônica que, por ser histórica e verdadeira, tomo a liberdade de transcrevê-la nessa antologia, porquanto tudo o que sabemos verdadeiro, deve ser registrado, assinado e assumido. Vários livros, de diversos autores têm difundido o que aconteceu em nossa região nos idos de julho de 1932; também tenho a minha parcela e fiz questão de imortalizá-la aqui, imortais que somos chamados. Tenho que escrever sobre a revolução de 1932, tema predileto de Francisco Varanda. Porque minha mãe viveu essa epopéia e quer que eu a retrate; pelo que conheço de ouvir falar; especialmente por esse feriado tão atípico porquanto é só nosso, dos paulistas. Nasci em 45, mas sempre ouvia histórias, pitorescas umas; tristes, outras, sobre a insurreição dos paulistas que queriam porque queriam uma Constituição, vendo desrespeitados seus direitos de cidadãos livres. Em maio, dia 23, morreram na Praça da República 4 jovens: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, MMDC que reivindicaram isso. Deflagrada a Revolução, a Fazenda Bela Vista, de minha avó, ficou bem no meio do fogo cruzado entre paulistas e mineiros. Com medo, justificado, minha avó largou tudo para trás e foi se refugiar em sua outra propriedade, Fazenda Santa Teresa, na hoje famosa - 51 -


Serra da Paulista (minha eterna dúvida: tem esse “da” ou não?). Ela sofreu muito com medo dos soldados que tinham fama de arruaceiros, baixos e ruins. Então, olhando uma cruz que ali havia, coberta pelas flores roxas de São Miguel, lembrou-se de Cristo, foi se acalmando, mas no começo não saía do quarto de tanto pavor. Quando voltou para a Prata, passado o conflito, não achou uma coberta, das centenas que tinha, feitas no tear, com lã pura. Meu pai ficou sem uma troca de roupa. Teve que comprar às pressas tudo de novo. Galinhas, porcos, jóias, enfeites, louças, talheres... Tudo foi levado. Meu pai contava, rindo muito, que os mineiros, gente simples da roça, dos fundões das Gerais, nunca tinham visto privada. Ao depararem com aquela providencial “pia”, com cordinha para puxar, lavavam o rosto e até bebiam daquela água limpinha. Quando era menina, logo que chegava na Bela Vista ia ver uma bala que ficara encravada no guarda-comida de minha avó. Agora só ficou o buraco, mas ele ainda ali está. Uns soldados ficavam aquartelados no Sertãozinho, (altos da Prata); os outros, na estaçãozinha aqui em frente de casa, a fazenda Santa Maria, no Tajá e a Bela Vista no meio! Minha outra avó, Elisa, morava em Cascavel, hoje Aguaí. Não quis sair dali, mas, zelosa, mandou suas filhas moças para o sítio dos Nazários. Dizia sempre que tinha sido muito bem tratada pelos soldados que lhe deram bolachas, doces etc. Sua filha mais velha, já casada, minha esperta e eficiente tia Augusta, morando na fazenda São João de Cima, entre Grama e Poços, também se viu envolvida entre as duas forças. Destemida e obstinada em não perder o que tinha sido tão difícil de ganhar, guardou tudo, mas tudo mesmo, debaixo do assoalho. Retirou as tábuas e foi pondo roupas, louças, calçados, mantimentos, cobertores... Os porcos, aves, vacas, bezerros... amoitou-os todos, no fundo do mangueiro, num lugar de difícil acesso. Ela mesma, seu marido Neca, filhos, parentes e vizinhos, por lá se esconderam também, até que o pior passasse. Quando os soldados chegaram, não encontraram nada e por isso também não levaram nada do que era dela. Uma parenta, vizinha de fazenda, já idosa e gorda não conseguia ultrapassar a cerca que ali havia; então minha despachada tia pediu licença, com toda a urgência que a situação exigia, passou a mão no traseiro da velha e praticamente jogou-a do lado de lá. Toda sua - 52 -


família ficou agradecida e nunca se esqueceu da salvação da matriarca. Meu outro tio, Samuel, que servia o exército à época, contava que entre Grama e Sapecado, hoje Divinolândia, se travaram diversas batalhas e a artimanha usada pelos paulistas, a pé de munição, tendo somente ânimo e coragem, era a de usar matracas, dessas que eram usadas na igreja, uma tabuinha com ferrinhos que, virada, fazia o som de uma metralhadora, para fingir que tinham esse tipo de arma. Isso funcionou várias vezes. Anos mais tarde, quando os combatentes, já velhos, tiveram seus feitos reconhecidos pelo governo e receberam sua merecida pensão, meu tio se recusou a pleitear o que lhe era devido dizendo que ele não fizera nada mais que sua obrigação, porquanto não foi voluntário e sim um servidor do exército. E não recebeu nada, nunca! Já outro parente, o Dr. Chernoviz Bandeira, no alto de sua fazenda, do lado de Águas da Prata, querendo ajudar, vendo a situação precária, de poucos homens, pouca munição e minoria (em todos os sentidos) dos paulistas, pegou seu cavalo e corria de um lado para o outro, batendo a já referida matraca para mostrar, mesmo que enganosamente, que havia muitos homens ali aquartelados; de vez em quando dava um tiro esporádico de cada canto; conseguiu com isso segurar as tropas inimigas por um bom e precioso tempo. Nesta semana em que escrevo, minha cunhada me contou que seus pais moravam na Fazenda Refúgio, também nas proximidades da Prata, palco, como é sabido de tantas batalhas. Seu pai, Amadeu, viu chegar, de caminhão, uma tropa de soldados famintos, rotos, sedentos, entristecidos por tantos reveses e lutas inglórias. Sua esposa, Duzulina, tinha acabado de tirar pães assados no forno a lenha; soube ele que os soldados só tinham sardinha para comer; tomou sua filhinha pela mão, embrulhou alguns dos pães, senão todos, num pano, e levou a menininha até perto de onde eles estavam, cansados, deitados à sombra das árvores. A surpresa tão agradável foi tanta que eles, agradecidos, mandaram de volta um monte de peixes no mesmo pano que lhes trouxera os deliciosos pães... e para a criança foi um momento tão marcante que nunca mais foi esquecido! Fica aqui e agora a dúvida que ninguém pode mais esclarecer: seriam esses soldados mineiros ou paulistas? Uns e outros - 53 -


lutaram bravamente por um erro dos maiorais; é sempre assim: quem faz desencadear as guerras são os chefes; quem luta e morre são os simples e obedientes soldados. Uma anedota, real, que meu pai sempre contava era a de um matuto, bem simples e pobre que, vendo tudo (aliás, muito pouco) que os soldados traziam, sempre aparecia no acampamento e vivia a pedir as coisas: - Que garfo bonito! Me dá um? O chefe lhe dava. - Me dá uma bota? O oficial lhe dava; e assim foi indo: casaco, prato de lata, faca...... até chegar a uma capa toda estilosa. Então o soldado se encheu com tanta “pidoncheira”, ficou bravo e estourou; disse que não iria dar mais nada!! O simplório pedinte aí virou-se para ele e resmungou:- Então Deus me livre!!!! Alguém sempre teve um ponto de ligação com esse desastroso levante paulista; terá sempre algo a recordar, a contar, a se orgulhar... Para tudo há uma explicação, um propósito, uma razão. Desse movimento idealista, mesmo que frustrado à primeira visão, porquanto São Paulo saiu derrotado depois de menos de 3 meses de luta, restaram-nos grandes nomes como Romão Gomes, Herbert Levy, Maria Sguassábia, Dito Foca, Benedito Araújo, Mário Meira, Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida, Ibrahim Nobre... Minha mãe sempre dizia desse grande orador que emocionava a todos que o ouviam pelas ondas do rádio de então... E como ele motivou a todos!!! Também a marcha Paris Belfort (será que não tínhamos nada como Mococa, Caconde?) que nos contagia e emociona até hoje foi um elemento de ligação entre os paulistas. Quem não conhece e canta: Noove de julho é a luz da pátria......, e recita a Bandeira das treze listas; são treze lanças de guerra... E não se lembra dos olhos daquele homem bravo que arregimentava os jovens chamando-os à luta? Minha família, sempre com os pés na roça, gerações e gerações cafeeiras até hoje, não gostava nem de ver o caudilho Getúlio Vargas; para nós da agricultura ele nunca governou; já de Washington Luiz, o chamado “paulista de Macaé”, todos eram admiradores; condoeram-se muito com seu exílio, e minha avó paterna, mesmo sendo católica fervorosa e sincera, não se conformava com a atitude do arcebispo do Rio de Janeiro da época que, contemporizando, para evitar derramamento de sangue, - 54 -


convenceu-o a se exilar. Isso para ela foi uma crueldade. Ela tinha um pratinho, meu agora, com a efígie do presidente amado pelo qual tinha o maior cuidado e carinho. Anos depois, conversando com uma prima que desde mocinha trabalhava nas tecelagens da região de Itu e Sorocaba, comecei a mudar de idéia e ter um novo conceito sobre a gestão de Vargas. Para os operários ele foi realmente o grande pai e padrinho, senão o grande deus que lhes deu leis mais justas, amparando-os na velhice etc. A vida é mesmo assim: vários ângulos de uma mesma situação. Irracional e ignorante quem não se rende a isso e não aceita outras idéias que não sejam as suas. As incoerências e enganos, para não dizer mentiras, estão por toda parte e integram até a nossa mais moderna fonte de informação que é o Dr. Google; nada mais de Larousse, Barsa... Pesquisando esse verbete para saber se nosso ex presidente exilado era de Magé ou Macaé, eis o que li estarrecida: um site dava que ele era filho de um abastado fazendeiro; noutro, linhas abaixo, dizia que seus pais, sendo pobres tiveram que tirar os outros filhos da escola para que ele, WL, pudesse estudar... Qual está correto? E daqui a alguns anos, quem estará certo? Qual atitude se mostrará mais acertada? Já vimos esse caso com Calabar que, de traidor virou herói; do príncipe Mauricio de Nassau que poderia ter sido bem melhor para nós, brasileiros, que o expulsamos; do próprio Collor, tão execrado à sua época e gestão e depois, com tantas falcatruas, roubos e escândalos por aí, pode ser considerado um santo! Por que escrevo tudo isto? Para contar às novas gerações o que foi o passado, mesmo que não tenha vivido nessa época; para mostrar que há atitudes e atitudes; que uma ação gera uma reação; que os pontos de vista diferem uns dos outros e que tudo é válido para se tirar lições de vida para a vida.

Clineida Andrade Junqueira Jacomini Cadeira 43 Patrono Rubem Braga - 55 -


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O Ateu e o Cristão Histórias do Nicolino

Vedionil do Império Ofereço este conto ao amigo Dr. Jano Carvalho (Avaré)

Lá estava ele, faminto, fedido, pobre, preto, abandonado, sem

ninguém com quem contar o mendigo.

Às quartas, sábados e domingos, passavam por aquele local um

cidadão bem trajado, barba feita, cabelo impecável, gravata italiana, perfume francês, sapatos de cromo alemão, terno de tropical inglês, figurino refinadíssimo, o protótipo do cristão bem aventurado, com seus dois filhos e sua esposa igualmente elegantes.

Seguiam com sua pureza rumo à Igreja, sobraçando a Bíblia sagra-

da para prestar culto ao Salvador.

Um dos filhos inquiriu-lhe certa feita: - Papai, por que ninguém se

importa com o mendigo? – Porque ele é pecador, e, segundo Calvino, é a manifestação de Deus contra o pecado, oferecendo-lhe abandono, amargura, tristeza, miséria. Os escolhidos, como nós, temos a graça da riqueza, pujança, privilégios sociais, saúde e felicidade! Não se apiede dele, pois ele é o retrato do Satanás! Sigamos nosso caminho de fé, garantia da Salvação!

O mesmo itinerário era feito por aquele médico avarento que co- 57 -


brava consulta até de sua faxineira pobre, sem dó nem piedade! E tudo em nome de Deus! Ao mendigo, uma cuspida de nojo!

Muitas pessoas pode haver na face da Terra que parece merece-

rem honrar este rol de pessoas, entretanto, à guisa de síntese, citemos apenas alguns exemplos, como o caso de alguns vizinhos (vizinho é coisa do Capeta). A vizinha de cima, pobre e arrogante, pendura trapos respingando sujeira na escada ao lado. A vizinha de baixo, com seus filhos maleducados que não respeitam o silêncio. Ambas não perdem uma missa! E têm asco do mendigo.

Todavia, o mendigo preto, sujo e fedido não estava totalmente

abandonado. Diariamente, um Ateu ia até ele e lhe dava de comer e um copo de pinga para beber, além de horas de bate-papo. O mendigo tinha sapiência incomum. Dominava vários idiomas, profundo conhecedor de História, Filosofia e sabia tudo da natureza humana. O Ateu oferecia pouco comparado com muito que aprendia com execrado mendigo. Algumas putas e vagabundos e muitos outros banidos da Sociedade começaram a frequentar o mendigo, em visível manifestação de solidariedade. Uma vez presenciei o Ateu salvar uma mosca que nadava aflita numa poça d’água.

–Por que fazer isso?- Perguntei. Respondeu-me:- Ela também tem

direito à vida!

Final de 2012! Big-Pun! Tudo se acabara! Das catacumbas os mor-

tos se erguiam e, em fila, eram julgados por um Juiz Barbudo, Cabeludo, que com uma placidez ímpar, determinava: - Vocês, religiosos frios, mé- 58 -


dico avarento, vizinhos do capeta, políticos juízes, ministros corruptos, assassinos maldosos, empresários sugadores do suor do trabalhador, caloteiros, pessoas arrogantes, e pessoas desse jaez, todos em fila da Barca. Era a Barca do Inferno! Todos arderão eternamente! Vocês, pessoas maltratadas na Terra, abandonadas pela sorte, mendigos, pseudos ateus, falsas prostitutas, velhos esquecidos pela família, entrem e gozem as delicias eternas do Paraíso.

Eu privilegiado espectador, registrei, humildemente, esses acon-

tecimentos, saboreando um gostoso bauru e o melhor chope da região à mesa do badalado Tekinfin; aproveitava e contemplava, fascinado, as belíssimas mulheres que por ali passavam (e tem “homem que não gosta).

Ainda num facho, presenciei a ordem final do Juiz Eterno!

- Gil Vicente, meu barqueiro predileto, dirigia a Barca do Inferno

com esses pecadores arrogantes para as profundezas do inferno, onde arderão eternamente.

Como zombando do Juiz Eterno, os facínoras, em uníssono, canta-

vam: -“Je vous salue, Marie, pleine de grâces, le Seiqneur est avec vous, et vous êtes bénie entre toutes les femmes et Jésus, le fruit de vos entrailles, est béni. Sainte Marie, Mère de Dieu, priez pour nous pauvres pecheurs, maintenant et à l’heure de notre mort. Ainsi soit-il”.

Fariseus, hipócritas! E a Barca do Inferno, com este código

DILLU13EOUBANPT, seguia seu caminho.

Nesse ínterim, uma grande luminosidade atingiu a face do Juiz

Eterno. Era Jesus, o Mendigo. - 59 -


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PALESTRA NO ROTARY Vedionil do Império AMIGO Exmo. Sr. Presidente, demais componentes da mesa, senhoras e senhores. Sentimo-nos lisonjeado com falar-lhes esta noite. Não poderíamos declinar do convite feito pelo amigo e confrade da Academia de Letras, Dr. Plamyro. Foi-nos proposto o tema AMIGO. Inicialmente no perguntamos: “o que”, “como” e “a quem”, elucidou-nos Dr. Palmyro: trata-se de ouvintes cultos, “como” é consequência. Falta-nos o “o que” falar. Compulsamos o dicionário: “amigo que é ligado a outrem por laços de amizade. Amizade sentimento fiel de afeição, simpatia ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual”. Pesquisamos as opiniões de personalidades ilustres e consagradas a respeito do assunto, e lhes oferecemos nesta oportunidade: Frase de Ênio citada por Cícero: Amicus certus in incerta cenitur (O amigo certo se reconhece numa situação incerta). Francis Bacon: Amici fures temporum (Os amigos são ladrões do tempo). Ovídio: Enquanto fores feliz, contarás muitos amigos; se os tempos estiverem nublados, estarás só (Donec eris felix, multos numerabis amicos; tempora si fuerint nubila, solus eris). Fedro: O nome de amigo é comum, mas a sua fidelidade é rara, (Vulgare amici nomen, sed rara est fides). Semelhante idéia encontramos em La Fontaine: Chacun se dit ami; mais fou qui s’y repose/ Rien n’est plus rare que la chose (Cada um se diz amigo; mas é tolo quem nisso confia/ Nada é mais comum que esse nome/ Nada é mais raro que a coisa). - 61 -


Ora, dialetos ouvintes, os exemplos que execram o significado da palavra amigo se multiplicam. Nada obstante, permitindo-nos discordar de referidas opiniões, especialmente se considerarmos que elas não condizem com a acepção registrada nos dicionários e com os conceitos e reflexões de ordem filosófica ética e moral. A palavra amiga deve ser despojada de adjetivação, porquanto é inerente a ela a idéia de bondade, lealdade, fidelidade e outras rimas pobres que caracterizam a riqueza do significado desse vocábulo. Havemos mister, no entanto, não confundir conhecidos e colegas com amigos. Não raras vezes, quando exercemos funções importantes na sociedade, somos rodeados por bajuladores que insinuam nossos amigos. Extinta nossa atividade, essas pessoas se distanciam pouco a pouco. A propósito, esta passagem de Sêneca: “O maior infortúnio da pessoa que tem altos cargos e muitas posses é ter como amigos aqueles de quem ele não o é, imaginando que os favores que lhes dispensa tenham bastante eficácia para granjear-lhe a amizade, quando é certo que existem pessoas que, quanto mais obrigação devem, menos estima nutrem pelo benfeitor”. Hodiernamente, mercê dos meios de comunicação, da competitividade, do materialismo e do consumismo, nosso estilo de vida tem-se transformado sobremaneira. Cada um de nós busca o isolamento para, obstinadamente, lutar por objetivos preestabelecidos. Interessam-nos tão somente os fins. Caminhamos pela aridez da vida sem gozar as delícias das margens do caminho. O homem moderno é fundamentalmente pragmático. E esse caráter puramente finalístico com que moldamos nossas vidas está matando a essência humana. O homem sociável transforma-se, melancolicamente, no ser individual. E desse caminhar solitário, advém a angústia, a ansiedade, a desesperança, a infelicidade, diante do aterrorizador silêncio do espaço infinito. O homem está só, em sua sala de visita, peça de museu. Urge ressuscitar o amigo. Esse processo de reavivamento do amigo há mister dois ingre- 62 -


dientes: A empatia e a idiossincrasia. A empatia, para que nos coloquemos no lugar do outro; a idiossincrasia, para que respeitemos a maneira peculiar do ser, de sentir, de agir do outro, e aceitemos suas imperfeições, porque imperfeitos também somos nós. Perfeição é apanágio de Deus. Havia oito anos, quando nos mudávamos para esta cidade, sentíamos o vazio causado pela ausência de amigos. Paulatinamente, entretanto, fomos cultivando amizades de pessoas extraordinárias, hajam vista os amigos José Pedro Campana, José Carlos Colabardini, Dr. Palmyro, Sérgio Ayrton, Jorge, Bernadinho, alunos do Curso de Português, turma do Teatro de Tábuas, confrades e confreiras da Academia de Letras, e duas mulheres fantásticas: Aparecidinha, e a rainha das cronistas, a querida Clineida. Diletos ouvintes, pessoas desse jaez dignificam o ser humano e nos dão a esperança e a fé e a crença na existência da centelha divina em nós. Eu tenho usado esses amigos, porque amigos devem ser usados para que não enferrujem. Amigo não é enfeite. Eu quero um amigo para dividir com ele as minhas lágrimas e as suas comigo, porque lágrimas partilhadas minoram o sofrimento. Eu quero um amigo para dividir com ele a minha alegria, porque a alegria dividida se multiplica. Eu quero um amigo porque, “ao pé do leito derradeiro”, grite: ADEUS, AMIGO! . Ofereço esta palestra aos queridos irmãos: Arely, Tereza, Erci, Nílson, Gédison, Theóphilo (in memoriam) e ao adorado Juquinha.

Vedionil do Império Cadeira 41 Patrono Lima Barreto - 63 -


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Páginas Virgens Lucelena Maia

(Um quase resumo do livro de Arthur Schnitzler – Breve Romance de Sonho, não ousasse Lucelena Maia criar um conto em que a leitora mistura seus sentimentos à leitura do livro, com angustioso e solitário desabafo, enquanto busca pelo desenrolar da história das personagens. O autor austríaco, certamente, já vivendo em outro plano, saberá perdoar este atrevimento.)

Eu folheava um clássico da literatura desejando entrar no enredo da história que, em tudo, se parecia com os acontecimentos súbitos, mágicos e até mesmo inocentes da minha vida. Perscrutadas respostas eu buscava, como as personagens do livro, escavando o ciúme em conversas que, de cristalino, tinham apenas a transparência do sentimento negando perigosas suspeitas nas falas, arrastadas por silentes confissões, perdidas em abstração. Pairava no ar uma estranha traição e, em devaneio, eu esqueciame, havia dias, nas páginas do livro, tentando penetrar a personagem, até então impenetrável, cujo desfecho das buscas seria flagrado, linha após linha, pela solicitude do meu desejo, sem que a enigmática necessidade do autor que, a mim se inspirara, mesmo sem saber, nos suspiros latentes da minha alma, as transcrevesse anunciando-me. Havia jogo de palavras e eu as devorava faminta na tentativa de entender as suspeitas de infidelidade sem a ação do corpo, sem o ato que levaria à condenação. Somente o inconsciente traía, impossibilitando punição. Como conhecer o interior devasso? Como desnudar os desejos ocultos do pensamento? Como saber das fantasias não ditas? A personagem sofria e eu me questionava até onde o autor me sacrificaria com tais relatos. E daria ele, quando, paz à consciência da personagem? - 65 -


Uma fraca luz de lamparina iluminava o caminho que meus olhos

percorriam. Enlouquecida, encerrei a leitura olhando para o ambiente que me aconchegava. A lamparina era parte do enredo, não da minha sala! Depositei o livro sobre a mesa sem que nele houvesse páginas virgens para grafar a onda de calor que a leitura me causava.

Cansada, como se eu tivesse caminhado léguas, verti-me sobre o

sofá, buscando aconchego e servidão, enquanto confessava a mim mesma que, por vezes, havia pecado ao dizer-me pura, quando sonhara acordada com fantasias eróticas. Sim! Eu arrebatara por mais de uma vez o viço, ao deparar com a perfeição masculina cortejando-me com seus olhares. Viajei pelo universo da sensualidade, entreguei-me ao engenho da sedução, ao toque das mãos, ao conceber da ação, ao gemido da vaidade, à exploração do desconhecido e deles recuei em seguida, sem qualquer marca no corpo, mantendo-me limpa em dignidade.

Como entender dois seres solfejando amor, um ao ouvido do ou-

tro, ao mesmo tempo em que guardam íntimos segredos dentro do âmago, trancados, os quais jamais devem ser explorados?

A curiosidade não me largava. Qual o desfecho que o autor pode-

ria ter dado à história de seus personagens?

Recoloquei-me sentada e, com o livro às mãos, corri os dedos so-

bre a linha onde eu havia parado. Fridolin e Albertini tinham vida naquelas páginas. Eu tinha também uma história que estava à deles entrecruzada. Mais uma vez, meus olhos se jogaram esquecidos nas linhas do livro, sacrificando a madrugada de sonhos que, o tic-tac do relógio insistia lembrar-me, iriam me aquietar.

Eu vivia um romance de sonho e outro de realidade. Um tinha-me

nos braços e me possuía, o outro me possuía sem ter-me nos braços.

Assim também era com as personagens do livro. E com o meu

amado.

Eu roía-me de ciúme por sabê-lo segredar só para si uma infinida-

de de pensamentos e era provável que eu despertasse nele fúria quando - 66 -


contava os meus sonhos, não os acordados, mas os que me faziam remexer na cama, em pleno gozo, de fato. Esse contar quase tudo fazia nossa relação vulnerável, melhor seria o tudo bem-contado, mas como saber se ao final de tantas confidências o destino nos tornaria incólumes às aventuras sonhadas? Naquele momento eu lia a última página do livro, os personagens se enfrentavam, olhos nos olhos, expondo conflitos repletos de ira, desencantos com o jogo dúbio inconsciente, cuja traição maior tinha sido não trair, ainda que um vagasse suas fantasias em sonhos e o outro as buscasse na rua, deixando a morte quase perpetuar ao ciúme. As últimas linhas do livro davam ao casal a possibilidade de reflexão sobre “suspeita tanto quanto certeza de que a realidade de uma noite ou mesmo de toda uma vida não significava sua verdade íntima”. Juntos, aninhados um ao braço do outro, não ousaram pensar no futuro. Fechei o livro. Os olhos estavam cansados. Conseguira saber sobre Fridolin e Albertini, só não conseguia saber de mim... Segui pelo corredor a furta-passo. Já no quarto, coloquei-me a observar aquele corpo abrandado. Por um fio não o toquei. Mordi os lábios, freando a espontaneidade. Recuei como vinha fazendo nos últimos dias, mas desta vez desejando afastar qualquer resquício de incerteza. Eu o amava e ele a mim, independente do ruidoso interior que nos habitava. Talvez tivesse chegado o momento de derrubar a máscara do ciúme pelo desconhecido. Talvez tivesse chegado o momento de desnudar angústias veladas. Dei o primeiro passo. O livro, eu o depositei na cabeceira de cama, mas não do meu lado.

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Silêncio que seiva Lucelena Maia

Se o vento sopra pr’o horizonte, Levando consigo um som de encanto, Pelas colinas e atrás dos montes, Escuta. É a poesia chamando-te. Se o sibilar dos lábios da natureza, Em prolongado som, vindo com o vento, Desabafar dores por entre as veredas, Escuta. É a poesia reconhecendo-te. Se os passarinhos felizes pousarem, Em galhos de uma árvore qualquer, E com a natureza, em coro, cantarem, Escuta. É a poesia a beijar-te os pés. Se entregues a este belo cenário, Arrefecidos olhos avivarem pra vida, Escuta. É a voz da tua alma A dizer-te: teu corpo agora é poesia.

Lucelena Maia Cadeira 13 Patrono Humberto de Campos - 69 -


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HOMENS Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira

O homem nasce, fica bobo e morre, é o que diz o dito popular. Decerto, quem disse era algum homem feliz por ter nascido com penduricalho, como um medo danado de morrer, rindo à toa do que faz e do que deixa de fazer. Já sai ladeira abaixo no carrinho de rolimã e não tem meleca no nariz que o afaste da bola de mais ou da de gude. Só toma banho pra tomar sorvete com a Maricota e levanta poeira de medo de assombração. Da infância querida, que os anos não trazem mais, vai para o sítio do Pica Pau Amarelo roubar um beijo da Capitu. Sai do anzol de pescar lambari e vai para a internet plugar o mundo virtual. Assiste a gol da seleção e se empolga com as curvas do Sena. Não vê a hora da barba crescer para usar a navalha do avô e pede um corte de cabelo que aparente desleixo, mas que se põe no ponto com gomalina. Mete-se numa calça colada e faz pose no espelho. Afinal querer bem tem hora e já é tempo de namorar. Ensaia o olhar de galã para emudecer perante a menina moça. A boca seca e o coração dispara. É conquistado pela primeira namorada que jamais esquecerá. Faz das tripas coração, para aprender a tocar guitarra. Se esfola de estudar as leis da física e as alquimias da química. Repete as fórmulas da matemática e relembra os afluentes do São Francisco. Dente um frio na cervical toda vez que ouve a palavra vestibular, mas sua a camisa e queima a pestana para lhe rasparem a cabeça que exibirá como troféu. Publica na sua testa a marca da sua carreira. E faz tudo e de tudo para o primeiro emprego para poder comprar a caranga do gosto. Depois, casar com a moça que tinha trança e corpo de modelo. Não vê a hora de vê-la parir seu fruto, nem mede sacrifício para - 71 -


ninar sua independência. Cotovela na lateral, divide com garra, acalenta o sonho do topo do mundo. Mas no meio do caminho havia uma pedra e uma pedra estava no meio do caminho. Chora e lamenta, desiste e retorna, perde e ganha. E, se tudo isso é ser bobo, de bobo não fica nada, amando a mulher amada, levando o filho ao futebol, secando as lágrimas da filha aos primeiros tremores. Só aí tem histórias para contar o picadeiro. Depois de feto, de filho, do primeiro patinete, de jogar sinuca, de pilotar autorama, de vencer videogame, sem pão na mesa ou farto de caviar, luta pela liberdade e condena a desigualdade. É filho e será pai. Depois de dar com uma mão e apedrejar com a outra, finta a adversidade, se enrola nos lençóis de seda ou de chita, embebeda-se na luxúria dos malabarismos de alcova e sai para a vida com unhas e dentes, dá murro em ponta de faca, leva rabo de arraia, comemora promoção, se enche de soberba e escorrega em casca de banana. Tudo, para, no final, sentar com os netos e contar lorota, na placidez dos cabelos brancos, com a sabedoria por patrimônio, limpando o rosto com a água da fonte e se embriagando de vinho na mesa rodeada pela beleza da prole e do dever cumprido. Foi filho e é pai. Se isso é bobagem, o que não será? De bobo o homem não tem nada. O resto .... ora o resto é cerveja, violão e mulher.

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Casamento Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira

Querida Sylvia, querido Carlos Henrique. Hoje é um dia especial para vocês dois. É especial, não porque é um dia de festa, de comemoração. É especial porque é um dia de celebração. É também um dia especial para mim, para a Rita, para a Nenê, para todos os seus amigos e parentes que estão neste templo. Hoje vocês celebram um pacto, selam um acordo, fixam uma parceria, reafirmam a cumplicidade, estabelecem novos caminhos, juram solidariedade e prometem generosidade. Tudo como já veem realizando e vivenciando. Nesta oca tribal, como na acrópole, nas mesquitas, nas sinagogas ou nas catedrais, Deus, seja lá o nome que lhe atribuem, está para abençoar o encontro destas duas almas que se encontraram e se abraçaram e se beijaram, com a firme resolução de construir, em conjunto e em bloco, uma nova família, com já o fizemos eu e a Rita, Paulo Roberto e Nenê. É fácil, mas nem sempre será. É difícil, mas nem sempre será. Vistam o culote, afivelem a gibeira, selem os melhores potros, firmem as rédeas e galopem com o peito ao vento todas as sendas, veredas e caminhos. Pela estrada encontrarão o sal e o mel. No fim do arco íris estará o pote de ouro. A Rita me deu duas frutas. Saborosas e suculentas. Cada uma de uma cor. Cada uma com um paladar. Ambas têm a mesma polpa. Se fiz alguma coisa de bom na vida foi descascá-las e entregá-las à ceia da vida. Dei-lhes todo o meu amor, meu afeto, minha atenção, meu zelo, minhas horas. Sabia que pertenciam a si mesmas e o mundo não lhes escondi. - 73 -


Só não consegui, mas também não fiz nenhum esforço, protegêlas das emoções, com seus encantos e desencantos. Acho que venci. Cada uma delas está fazendo seu próprio destino. Sylvia e Carlos Henrique, a hora e a vez é de vocês dois. Caminhem de mãos dadas, encarangados no abraço, atarracados nos sonhos, olhos fixos no horizonte, coração na boca. Mantenham o afeto, a solidariedade, a tolerância e, especialmente a cumplicidade. Meu velho Ayrton sempre me dizia que era preferível ser cabeça de mosquito a rabo de leão, quando queria exortar a dignidade, a personalidade, a independência e a liberdade. Rogo a ele na estrela onde estiver que não os deixe abater quando uma dessas qualidades for posta em confronto. São pessoais e irrenunciáveis. Quando um dos dois entregar alguma delas ao outro o pacto estará rompido. O casal só é forte enquanto formado por duas individualidades. Cada uma com sua força, com seu fundamento, com seu valor. Assim serão honrados, reverenciados e respeitados. Carlos Henrique, hoje que o conheço posso dizer que conheço o Paulo Roberto, com quem não dei um dedo de prosa, pela herança de caráter que deixou em você. Com você sinto a falta dele na emoção que estamos vivendo. Peço a bênção da minha mãe, a Dona Alice, que me deu a base para viver este momento. Invoco a Andica e o Settimo para ungir esta união. Enfim, Carlos Henrique Fortes Dezena, entrego-lhe minha filha Sylvia Bonci de Oliveira e o recebo como meu filho. Que Deus os abençoe.

Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira Cadeira 22 Patrono: Mário Palmério - 74 -


Caminhos e Veredas Neusa Maria Soares de Menezes

Caminho bem devagar por essas ruas centrais, no momento em que o sol fenece e deixa no horizonte um rastro alaranjado, fazendo-me recordar um poema de Roberto Jr, que deslumbrado pelo pôr do sol nestas terras banhadas pelas águas mansas do Jaguary, escreveu algo assim: “Esse entardecer é como um tacho de uma doceira cozinhando abóboras ao fogo”. Olho à minha esquerda e vejo a antiga Rua São João, hoje Getúlio Vargas, onde ali, bem pertinho, em 1910, nasceu Pagu – Patrícia Rehder Galvão – musa do modernismo, ativista política, escritora e jornalista. À minha frente, a igreja construída por Pe. Ramalho, no século XIX, em homenagem a São João Batista, santo padroeiro; hoje, é a nossa Catedral. Quantas festas e procissões aconteceram em seu entorno! Lembro-me do cachorro “Amigo”, que velava os mortos dentro da igreja e acompanhava os cortejos fúnebres até o cemitério. E vejo, em minha lembrança, a Corte do Divino. Lá iam o Imperador e a Imperatriz reinando absolutos, levando a sua corte. Uma beleza! Caminho um pouco mais e estou em frente ao Theatro Municipal. Construído em 1914, foi palco de muitas celebrações. Em seu palco, tocou Villa-Lobos, Guiomar Novaes, nossa pianista de renome internacional, que nasceu em 1894, ali pertinho, na Rua Jorge Tibiriçá, hoje Teófilo de Andrade. Dentro desse teatro, em 1932, a Coluna Romão Gomes comemorou sua vitória na Revolução, por não ter perdido nenhuma batalha. Nessa comemoração encontrava-se Maria Sguassábia, nossa heroína, a única mulher a ir para as trincheiras durante o conflito armado. Olho para a direita e vejo o edifício da Prefeitura Municipal, que - 75 -


foi construído para ser residência e que passou ao Poder Público para abrigar a sede do governo. Durante a Revolução Constitucionalista, a cidade perdeu seu prefeito para os ditatoriais, quando foi invadida pelas tropas ditatoriais do governo de Getúlio Vargas. Ainda olhando para o Theatro Municipal, lembro-me de nossa poeta maior, Orides Fontela, que costumava frequentá-lo com seu pai, na década de 60, para assistir às sessões de cinema durante o tempo em que o local foi usado para expressar a arte cinematográfica. Está anoitecendo e com a noite vão-se as lembranças de tantos momentos importantes vividos por esta cidade. Olho em direção às montanhas e não consigo vislumbrar a exuberância da Serra da Mantiqueira, que se escondeu à espera do amanhecer. Quantas lembranças a cada olhar. Quantas recordações de importantes momentos vividos nesta cidade que escolhi para morar e me apaixonei por sua história! Com o cair da tarde, as lembranças tornam-se fortes e sinto a presença de cada personalidade, cada momento vivido de maneira intensa, e procuro acolher a todos com carinho nas profundezas de minha mente... São João da Boa Vista, terra de muitas histórias, onde muitas personalidades interessantes nasceram ou viveram. Estarão para sempre presentes em nossas memórias.

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A vida e suas opções de escolha Neusa Maria Soares de Menezes

São 7 horas. Do lado direito da rua, para quem sobe, alguns homens acordam incomodados com o frio da madrugada. Esbravejam algumas palavras de baixo calão e recebem o café da manhã. Pão já frio e meio endurecido com margarina e café com leite morno. Estão mal humorados, pois queriam ter conforto para dormir em paz, mas isso é impossível, já que no espaço exíguo do cubículo chamado cela, onde deveriam dormir quatro pessoas, já estão dez... Impossível dormir tranqüilo. Dali a pouco deixarão as fétidas celas e tomarão um banho de sol. Quem sabe haverá um joguinho de futebol? As horas passam lentamente, não há muito o que fazer. A televisão pega mal e cada um quer assistir a um programa diferente. Ler seria um passatempo interessante, mas ninguém tem um bom livro. O que lá existe já foi lido e relido várias vezes. Jornal é raro aparecer por ali. O que mais se ouve é palavrão, pois falta diálogo, ninguém tem interesse em conviver com o companheiro mais próximo, mas é obrigado a suportá-lo dias a fio, até que se cumpra o prazo para abandonar aquele local. As paredes estão pichadas, feias. Tudo é sujo! A comida é a mesma todos os dias. Recebem uma quentinha e o sabor não muda. Goste ou não, é a única comida disponível. E as doenças? Um perigo real de contágio, pois vivendo de maneira insalubre, tudo pode acontecer. Tuberculose, AIDS, hepatite C, e tantas outras pragas que estão à espreita... O jeito é esperar pelos dias de visitas quando algum parente ou amigo pode aparecer e levar alguma coisa diferente para comer ou vestir. - 77 -


Se a mãe puder aparecer, com certeza, vai trazer comida boa e roupas limpas. Algum remédio que precisar... Os amigos trazem cigarro. Na parede, um calendário marca os dias que faltam para abandonar aquele local...para sempre! Ali passaram-se dias, meses, anos de imensa tristeza! Um pouco adiante, não mais que cinqüenta metros, algumas mulheres acordam exatamente às 4:45 horas. É uma rotina sagrada de acordar e rezar. Às 6:30 horas reúnem-se na capela interna, separada da externa por uma grade e aguardam o sacerdote que irá celebrar a missa do dia. Após a missa, tomam o café da manhã: pão com manteiga e queijo feitos por elas, geléia e café com leite. Agradecem a Deus pelo alimento que estão recebendo. A disciplina é rígida e o silêncio impera. O que importa é aprender na solidão o convívio com a alma. Durante duas horas pela manhã e duas horas à tarde, dedicam-se a atender, num locutório separado por grades, todos aqueles que estão aflitos e querem ouvir uma palavra de consolo. Trabalham bastante com artesanato e outras atividades, buscando ganhar o próprio sustento. Cada uma tem apenas três trocas de roupas. Apenas o necessário para sobreviver. Não precisam de luxo. Fizeram votos de pobreza e sentem-se bem vivendo assim. Quando crianças, tinham uma vida igual a todas as crianças. Corriam, brincavam, estudavam. Foram descobrindo, através do tempo, a vocação para uma vida de clausura. A família reluta em aceitar que suas filhas deixem o lar para nunca mais voltar. Quando completam dezoito anos e com o curso colegial completo, são aceitas para um período de experiência. São as postulantes. Se gostarem da disciplina rígida e da rotina silenciosa daquele ambiente, farão os primeiros votos. Depois de cinco anos e já decididas a enfrentar para sempre a nova vida, fazem os votos perpétuos. Dali não sairão nem depois de mortas, pois o sepultamento é no jardim interno. Para quem ouve falar, parece uma tortura uma vida tão rígida e regrada, mas não é verdade para elas que optaram por viver dessa maneira. Grades as separam do mundo externo, para onde vão apenas em - 78 -


casos de doença ou para votar nas eleições. Não são dispensadas e cumprem com alegria seu dever cívico. Todas elas têm um semblante sereno de quem vive a vida em plenitude. Amam cuidar dos jardins internos e têm uma relação amorosa com a natureza. Dormem em quartos chamados de celas, sem nenhum luxo. Não comem carne diariamente, apenas em dias de festa. Não é nenhuma proibição, mas sim, um sacrifício. Os doces também são regrados. Só comem à vontade em dias de grandes comemorações. Duas realidades, dois momentos importantes. Os homens odeiam o lugar onde estão por estarem cumprindo pena por delitos cometidos aqui fora. Vivem atrás das grades de maneira compulsória. As mulheres amam o lugar onde escolheram por suas próprias convicções a passarem toda sua vida. Vivem atrás das grades por livre escolha. Elas têm tanto o que fazer que o dia é curto e quase não sobra tempo para fazer tudo o que planejaram. Duas formas de vida. Escolhas das próprias criaturas. Destinos muito diferentes. O amor e o ódio a cinquenta metros de distância...

Neusa Maria Soares de Menezes Cadeira 30 Patrono Euclides da Cunha - 79 -


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CICATRIZ BOVINA Lincoln Amaral

Cai a chuva fina na cidade de Rio Branco e os pássaros molhados emudecem em debandada. Ambulantes recolhem barracas, mascates e comerciantes calculam a féria do dia. Ônibus circulares espalham labaredas de fumaças nas esquinas, o lusco-fusco da calçada rebrilha com o pisca-pisca dos letreiros de lâmpadas neon, as portas de alguns estabelecimentos são fechadas, outras começam a se abrir. O cachorro sarnento remexe o lixo e abocanha a salsicha velha do sanduíche, a tarde se retira para a chegada da noite. Mulheres de vestidos longos se recolhem, enquanto moças de saias curtas saem agitadas e felizes, como colibris em busca de flores. Na sede da associação ruralista de Rio Branco, Damasceno parece preocupado. Ele mantém o corpo retesado e pigarreia uma, duas, três vezes, depois espuma a baba grossa e levanta com o lábio o charuto cubano recurvado no canto da boca. Com as mãos cruzadas nas costas, balança a calva da testa larga que reflete o foco de luz artificial, enquanto caminha circunspecto, de lado a lado, no pequeno percurso que separa as extremidades do escritório. Entre passadas vigorosas, o empresário fala como se pensasse alto: - Não estou gostando nada desse padre, Timóteo. Eles começam assim, aos poucos, são como peixes inofensivos que vem chegando devagar e congregam outros, silenciosos, num cardume de revoltosos. Já tem seringueiros que querem organizar sindicatos, você sabia? Eles podem ser mais perigosos do que parecem. Se a gente não cortar rápido suas rédeas e botar estribo, se transformam em lobos ferozes... – Diz Damasceno, presidente da associação ruralista, ao delegado Timóteo que dá de ombros e despreza o comentário. Rio Branco está em ebulição neste início da década de 1970. Novos modelos de produção são propostos para a Amazônia, a questão é discutida nos gabinetes, bares, escritórios, bordéis, cafés, casas, igrejas e praças. O povo aguarda com expectativa as consequências práticas que as mudanças pretendem estabelecer. - O vasto território ao léu, despovoado, bravio, renegado por nações que se omitiram ao desafio de ocupá-lo. Assim foi o Acre por séculos, habitado por índios, pelo homem livre, desprovido da canga das cercas, do lucro, da lógica da produção desenfreada, absurda. Depois vieram os seringueiros, escravizaram os índios, tomaram suas terras. Hoje eles tam- 81 -


bém são perseguidos, como animais, as estradas dos seringais devoradas pelo fogo criminoso, querem transformá-los em peões, em jagunços da grilagem. – Fala mansamente o Reverendo Lorenzo, do púlpito da igreja, aos fiéis que ouvem com espanto a pregação heterodoxa. Ouvem-se discretos rumores na igreja, a reação é contida, mas evidente. Dois homens atravessam os bancos e se posicionam no centro do corredor, eles encaram o padre por alguns segundos. Depois saem e proferem sonoros palavrões. Outras pessoas da assistência têm comportamento oposto, alguns aplaudem as palavras do religioso, como demonstração de repúdio àquele desrespeito. O governo militar se preocupa em patrulhar a vasta extensão fronteiriça que a Amazônia brasileira compartilha com os países sul-americanos vizinhos. A política de segurança nacional ganha adeptos no regime, que pretende militarizar as fronteiras e criar projetos de ocupação da floresta. Correm boatos de que o Acre, para atender aos anseios de Brasília, pretende importar alternativas de desenvolvimento que vigoram em outros estados do país. - Fique calmo, Damasceno, a lista é grande, homem. Temos em nosso bolso a imprensa, os políticos, os juristas, a polícia, os banqueiros e o bispado. O que mais você quer? Preocupar-se com esse padreco insignificante? Com dois ou três capiaus mortos de fome do interior, metidos a mártires? O que é isso, rapaz? Relaxe. Diminua a ansiedade, tome uma dose de scotch, está tudo sob controle. – Responde Timóteo, para tranquilizar Damasceno, que continua tenso e permanece caminhando sem parar entre as extremidades do escritório. De forma espontânea, como o germe estranho que toma aos poucos o tecido social, começam a se esboçar discretos focos de contestação contra o recente centro de poder que se cristaliza no Acre. A lenta canalização das opiniões dissonantes, a tentativa de mobilização de correntes minoritárias, como a representada pelo Reverendo Lorenzo, oferecem o risco de esgarçar interesses opostos, a ponto de acender o barril de pólvora, com a fagulha inesperada de quem se contrapõe à explosão. O Reverendo Lorenzo prossegue a liturgia: - Com o tempo, o verde da floresta representou a acumulação do verde da fortuna. Muitos vieram pra cá, viver no eldorado, ávidos por suas riquezas, com a pressa e a fome dos exploradores. Apesar da natureza selvagem, da geografia impenetrável, dos rios caudalosos, dos igapós e igarapés insondáveis da Amazônia; a nova oligarquia acreana sente-se dona dos destinos da floresta e do povo. Precisamos vigiá-la, criar a massa crítica de pensamento e da vigilância cristã... E resistir. Não há - 82 -


comunhão possível na usura, na exploração desumana dos irmãos mais fracos. – Conclui o Reverendo Lorenzo a sua profissão de fé. O índio Txoki o observa com lágrimas nos olhos, enquanto três famílias abandonam a missa, indignadas com as palavras heréticas deste “padre comunista”. Já há algum tempo, burocratas e políticos, no conforto do palácio, tramavam estratégias para o “desenvolvimento” do estado. A “nova oligarquia”, a que o Reverendo se referiu na pregação, sonhava com a modernização, projetava a “nova visão” de progresso, detalhava planos para impô-la a sociedade e obter os dividendos resultantes da empreita. “O Acre é o Nordeste sem seca e o Sul sem geada. Venha produzir no Acre, investir no Acre e exportar pelo Pacífico.” – Finalizamos o bordão, Governador, ficou a contento? Se aprovado, vamos divulgá-lo na imprensa do centro-sul do país. – Disse o Secretário da Agricultura em tom triunfal. O Governador o aprovou imediatamente, seus olhos cintilaram com a certeza de quem enxerga longe e sabe exatamente aonde quer chegar. - Essa política vai emplacar, é só uma questão de tempo. Nossos contatos em Brasília garantiram que o crédito aos seringalistas está por um fio. Pois é, a fonte vai secar. Logo, logo eles vão à falência, a terra vai ficar barata e atrativa para os investidores do sul. – Confidenciou eufórico o Governador ao Secretário da Agricultura. A sorte estava lançada, a nova linha de progresso traçada, mesmo que para se impor tivesse que levar de roldão milhares de pessoas que viviam havia séculos, de forma tradicional no extrativismo, que pressupunha a preservação da floresta. Nazário era um rude patriarca campestre do sul do Brasil. Primogênito, impunha rígida liderança sobre os outros dois irmãos, que o obedeciam com a subserviência dos soldados rasos ao general. Eles plantavam arroz numa pequena propriedade e também criavam algumas cabeças de gado, que originaram os problemas de Nazário com a justiça. Problemas relacionados a definições de barreiras limítrofes com as fazendas vizinhas, cujos traçados, Nazário insistia avançar sobre terras adjacentes. Também era acusado de furtar reses e aumentar furtivamente seu rebanho à custa de pilhagem da cria alheia. Certo dia, Nazário se desentendeu com um sitiante com o qual se mantinha em litígio. Dias depois, o cadáver do desafeto foi encontrado nas cercanias. Pela ausência de alternativas, Nazário migrara para a região do Alto Purus, atraído pela propaganda do governo acreano. A partida foi providencial para evitar o agravamento de seus problemas judiciais. Ele vendeu rapidamente a propriedade familiar sulina e os irmãos não discutiram a decisão. - 83 -


Nazário adquiriu três mil hectares de terras legais no Acre, como ele gostava de dizer a “preço de banana”, onde se localizava o antigo seringal: “Manga Rosa”. Nos primeiros tempos quando ele chegou, instalou-se com a família na casa do ex-coronel de barranco. Plantou o pequeno terçado de subsistência com feijão, macaxeira e milho. Ateou fogo na mataria e contratou alguns peões para deitar o madeirame pesado em poucas léguas de mata. Nesta área semeou capim colonião, e, depois de formado o pasto, iniciou a criação ainda modesta de gado. Mas o dinheiro para os fazendeiros era farto e subsidiado no Acre, garantido pelo governo, que o facilitava como política de estado. Nazário se animou com as condições excelentes dos empréstimos bancários e os tomou. Comprou máquinas e armas modernas, arregimentou um pequeno exército de homens hábeis com as ferramentas e as pistolas. Para exercer o domínio efetivo de suas terras, Nazário ficou obcecado com a missão que elegeu como prioritária. Ele contratou um agrimensor de Rio Branco e investiu em mourões e arame farpado. O “Padim”, como era chamado pelos irmãos e empregados, tratou de medir o terreno ocupado pela propriedade. Determinou então que o mesmo fosse cercado na extensão completa de seu perímetro. De manhã, Nazário saía seguido pela tropa de homens fortemente armados. No caminho, às vezes eles passavam na choupana de um seringueiro. O diálogo era ríspido e objetivo: - Sou o novo dono dessas terra. Em breve tudo aqui vai virá pasto, se tu quisé, podes trabalhá de peão pra mim. Se não, pega tuas tralha e partes pra outras banda. Não haverá segundo aviso, no meu chão, vagabundo não tira leite de árvore de graça, tchê. – Dizia Nazário, ameaçadoramente, com a mão no coldre e o revólver engatilhado, os jagunços a sua volta sorriam. Quando, por ventura, o caminho de Nazário se cruzava novamente com o do pobre cativo infeliz, e este era pego na reincidência de manter o sustento da família na lida da extração da borracha, tinha a casa incendiada, a mulher estuprada, além de o “criminoso” ser espancado até a morte. A obra demorou meses para chegar a termo. A cerca deveria ser erguida no meio da mata virgem, trabalho penoso, em condições muito precárias para realizar as medições. Mas nenhum obstáculo demovia Nazário dessa “tarefa emergencial”. Os homens abriam a difícil picada no traçado definido pelo agrimensor e depois “limpavam” o terreno com fogo. Antes de esticarem os fios de arame farpado, cada mourão era assentado e pintado de vermelho, segundo Nazário havia uma lógica para a escolha da cor: - 84 -


- Eles logo ficarão sabendo, espalhem pra todos. Vermelho é a cor do Padim, vermelho de sangue! Quem invadir o limite dessas cercas será recebido a bala. A “caravana desbravadora” incumbida de cercar a fazenda, assim Padim a batizou. Tinha ordens expressas de abater qualquer índio encontrado na propriedade, sem fazer distinção alguma entre eles, fossem homens, mulheres ou crianças. Segundo Nazário: - Essa raça é pior que saúva, tché, estraga a terra. Eles têm o péssimo costume de não trabalhar, só querem saber de festa, pica fumo, droga, sacanagem. Contaminam a peãozada, com eles é na faca. Não quero essa gente nas minha terra. Sem renegar os vícios do passado, Nazário certificou-se de que o agrimensor da caravana desbravadora fizesse uma medição discutível, que expandiu os limites da fazenda nos quatro pontos cardeais. Afinal quem seria louco de discutir com ele “nesse fim de mundo”? De forma rápida, ele se tornara a lei daquele rincão, o senhor da vida e da morte, o Rei Salomão da selva, capaz de decidir sem hesitar, qualquer contenda. A atitude escandalizou os índios e seringueiros da região, homens acostumados às caminhadas livres, que eram barradas unicamente por acidentes naturais. A cerca imposta por Nazário obstaculizou estradas dos seringais, interrompeu varadouros, invadiu igarapés, quedou postos de cevas de peixes, atravessou roçados, transpôs trilhas de caça. O cercado feriu a mata e criou nos homens que ali viviam profunda cicatriz, prenunciou dias piores, confirmou o receio da perseguição e da luta feroz que se avizinhava. Havia na fazenda Manga Rosa uma pequena tribo kaxinawá, parente próxima da aldeia de Txoki, localizada ao norte daquela região. Não demorou muito para que a caravana desbravadora viesse a localizá-la. O ataque não foi imediato, rastreadores de Nazário ficaram em campana e avaliaram o poderio indígena. Nada demais, constataram, apenas cerca de vinte índios em condições de combate, a maioria deles ainda meninos, que portavam somente arco e flecha. Nazário contratou pistoleiros dos povoados próximos para reforçar seu arsenal de guerreiros, o contingente totalizou trinta homens, com rifles de repetição, munição farta e milhares de cartuchos, dinamite e pistolas semiautomáticas. Ao cair da tarde, caçadores indígenas voltaram à aldeia com caças abatidas dependuradas pelas pernas amarradas sobre caibros sustentados aos seus ombros, mulheres preparavam a boia, crianças brincavam nas choças e o Mukaya (pagé) acendeu o cachimbo para invocar os yuxin (espíritos). Alguns índios sentaram-se ao redor do Mukaya, fumaram tabaco, - 85 -


riram e compartilharam as histórias do dia. A lufada de ar soprou a brisa fresca da tarde e o primeiro tiro atingiu o coração do pajé, cujo corpo sem vida foi arremessado ao centro da fogueira. O tiroteio tornou-se indiferenciado, chuva instantânea de chumbo, que fumegou a aldeia cercada de pistoleiros. O sangue das aĩbu (mulheres) misturou-se à comida, miolos de crianças abatidas esparramaram-se ao chão. A fuzilaria não cessou, disparos foram cravados às dezenas nos cadáveres, os destroçaram, as vísceras esmigalhadas extravasaram dos corpos dilacerados. Não houve sobreviventes, feridos agonizantes foram queimados com os restos dos despojos da tribo. O cheiro de carne humana carbonizada contaminou o ar, os jagunços se foram de cabeça baixa, apenas Nazário sorriu em regozijo pela vitória. Antes da partida, lançaram bananas de dinamite nas choupanas e todas vieram abaixo. A aldeia converteu-se em um clarão sinistro de poeira e fumaça no meio da selva. Depois, quando veio a chuva, formouse uma estranha cicatriz na mata, avistada da serra próxima à tribo. Lá de cima, os seringueiros viram a estranha figura desenhada pelo desmate, semelhante a um cone afilado, parecida a chifre de boi, que para eles passou a ser à “cicatriz do progresso”. O progresso que veio para exterminá-los, para destruir seu modo de vida, aquela figura macabra aludia a esse terrível aviso. O progresso era um monstro faminto devorador de homens e de árvores, insaciável, com apetite descomunal. Ele alimentar-se-ia dos rios, das plantas, dos animais, da tradição milenar daquele povo, de qualquer obstáculo que ousasse atravessar o seu caminho. Com o progresso não há diálogo, ele não ouve nossos deuses, súplicas, nossas razões julgadas menores. O progresso se basta a si mesmo, ele pode pelo poder de quem não escuta, de quem não enxerga o outro, do que esmaga o dissonante. O progresso cheira carne queimada e repele a interação. Arrogante, olha de cima e arrota descaso, quando gesticula, vomita opressão. Assim o sentiam aqueles homens espezinhados, sem outra opção, dispostos a fugir ou a lutar.

Lincoln Amaral Cadeira 03 Patrono Alphonsus de Guimaraens - 86 -


UM CONTO Maria Célia de Campos Marcondes

Todavia, José Ariovaldo jurava não ser herege! Talvez alguém venha a considerá-lo, mas a heresia amedrontava-o. Vinham-lhe lembranças dos bancos escolares: pecado, fogueira, inquisição, tortura, suplício, morte! Cruz Credo! Com certeza, seu caso não era de heresia. Talvez fosse sincretismo religioso, relativismo cultural, palavras da moda, politicamente corretas, que não carregavam consigo tantos ranços históricos. Percebeu ainda que os acontecimentos deram-se de maneira muito natural, seguiram um caminho lógico, uma linha reta, como se outras trilhas não fossem possíveis... Era fim de verão, início de outono, duas estações e um encontro. Ou um desencontro? Tempo ainda de quaresma e foi aí que o drama de José Ariovaldo aconteceu. Como costume, de longos anos, foi presenteado, logo na quartafeira de cinzas, com uma espécie de “torrada”, mistura muito fina de farinha e água, feita na Terra Santa e supervisionada por religiosos. Era um presente prenhe de significados, referentes aos quarenta anos de travessia no Sinai, e, segundo a tradição, ingere-se um pedaço por dia, durante a quaresma. Sua formação católica, sua cultura judaica-cristã faziam com que houvesse sincronia entre os significados e, dessa maneira, quase que num ritual e, com muita reverência, servia-se diariamente de um pedaço em que participavam todos os membros da família. No entanto, isso já acontecia havia muitos anos. O inusitado foi a série de acontecimentos que se sucederam, após um sábado, em que se serviu desse alimento espiritual. Logo no domingo, iria a um culto, pois um amigo do tempo de - 87 -


universidade, pastor protestante, intelectual, poliglota, tradutor de livros religiosos vinha pregar na cidade e convidou-o para ouvi-lo. José Ariovaldo levou a esposa. Foi, não só por delicadeza ao amigo, com quem havia anos não se encontrava, mas também para apreciar a fala de quem possuía muito saber e erudição, além de ser doutor nos estudos e vivência bíblica. Era, pois, um convite que lhe propiciava imenso prazer. Terminada a fala, o orador convidou a todos que se sentissem preparados espiritualmente, inclusive os convidados, para participarem da comunhão do “pão e vinho”. Sua formação cristã encontrou sincronia entre os credos e, dessa maneira, comungou com respeito e reverência. Conversou com o amigo, as esposas foram apresentadas, recordaram fatos e colegas de tempo pretérito e, com grande paz, dormiu, naquela noite. Segunda-Feira, dezenove de março, dia de São José, seu padroeiro, protetor de seu lar. Era, de acordo com tradição de longos anos, dia de Missa a que comparecia toda família. Com a fé que lhe era habitual, participou dessa liturgia, inclusive da comunhão. Porém, ir a ofícios religiosos da Igreja Católica era seu hábito, seu costume. Foi essa sua formação, vinha de família católica e estudou sempre em escolas de padre. Dessa maneira, participar de missa, comungar, acompanhar procissões, rezar para santos, fazer promessas, novenas, tríduos, via-sacra, tudo isso fazia parte de sua vida e dava-lhe as respostas e significados necessários para que não caísse no vazio existencial. Na mocidade havia inclusive participado de congregação religiosa, com direito a fita no pescoço. Era, pois, um Católico Apostólico Romano, em paz e satisfeito com sua religião. Não se deve omitir, no entanto, que a certa altura da vida, José Ariovaldo viveu tempos de confronto entre a razão e a fé. Passou a cognominar-se agnóstico e afastou-se da Igreja. Porém, esse período já havia passado, não tivera grande duração. Com o aparecimento dos primeiros cabelos brancos e o aproximar-se da velhice, voltaram-lhe as indagações existenciais e a racionalidade não deu - 88 -


conta de respondê-las. Viver é buscar, pelas frestas dos dias e das horas, o sentido da vida, é rever e arrumar o caminho, e foi na fé, na Igreja Católica que buscou refugio e encontrou as respostas. Voltou, pois, José Ariovaldo às suas origens e o espírito da paz desceu como uma nuvem dos céus. Venerável e calmo sentia seus temores seguramente trancafiados. Na sequência deste relato, chegamos na terça-feira e é preciso antes salientar que ele possuía um amigo, um vizinho muito estimado, que era espírita kardecista e um dia convidou-o para participar, às terçasfeiras, de afazeres voluntários na Casa Espírita: arrecadação e separação de alimentos para a cesta básica, ajuda na preparação e distribuição da sopa, pequenos trabalhos em consertos da casa-abrigo dos velhos, além de assistência a eles. Já aposentado, aceitou o convite, a atividade tornou-se uma lida semanal, que lhe propiciava grande satisfação e fazia-o sentir-se útil. Encerrados os trabalhos da tarde, constituía-se costume do grupo alguns momentos de meditação baseados no Evangelho Segundo o Espiritismo, logo após era dado o passe, que ele, respeitosamente, recebia. Quarta-Feira, dia de yoga, José Ariovaldo levantava mais cedo, colocava sua roupa de ginástica e ia para a Academia: saudação ao sol, relaxamento, meditação, esvaziar a mente, fixar a atenção apenas na respiração, não deixar solto o pensamento, mas domar este cavalo selvagem, controlar a respiração, perceber os significados dos exercícios, consciência corporal, abrir os chacras! Sentia-se tranquilo após cada aula e os infinitos e infindáveis sentidos do yoga banhavam de beleza suas horas. Namastê! - “A divindade que há em mim saúda a divindade que há em você” Já na quinta-feira, pegou o carro e foi à casa de seu filho ver o neto de dois anos. Sua nora pediu-lhe que o levasse até a benzedeira, pois o menino não estava dormindo bem e parecia assustado. Como recusar? Esta possibilidade nem lhe passou pela cabeça. Levou-o, entrou na casa, colocou o neto no colo e foi também “benzido”! Na verdade, é no ócio, no início dos sonhos, que a realidade sub- 89 -


mersa vem à tona. Foi, pois, num momento de solidão em sua cama, que José Ariovaldo filosofou e teve, num lapso, consciência do sincretismo religioso que havia praticado naqueles dias e, mais ainda, em que vivia. Pensou que talvez até pudesse ser heresia, o que praticava. Vasculhou sua vida na tentativa de descobrir o porquê disto estar acontecendo. Buscou por respostas. Tentou ajeitar seus pensamentos a alguma lógica, que justificasse este sincretismo. Sabia ele que viver é uma eterna busca de sentidos, é rever, arrumar e reparar o caminho, no entanto a idade havia dado-lhe serenidade e seus atos não eram mais realizados à rubra luz da emoção e nem à procura da branca luz da verdade. Sabia não estar mais em busca de métodos para orientar suas indagações, não procurava mais vencer as perplexidades até alcançar a resposta, tal qual a ovelha alcança seu aprisco. Naquele momento de sua vida não mais questionava o universo, nem procurava forças misteriosas que estariam por trás das decisões humanas. Não estava em busca do óleo essencial da verdade, não pensava mais em encontrar suas sementes enterradas, talvez, na angústia existencial. Na posse de suas faculdades e sem se violentar concluiu que a vida é um insondável e perene enigma. Todavia, José Ariovaldo jurava não ser herege!

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DIAMANTINA/MG Maria Célia de Campos Marcondes

Pelas ruas de Diamantina, os séculos correm. Corre a história, corre o diamante. Em Diamantina, peregrino eu, em busca do tempo pretérito. Busco sua história, em cada janela, em cada portal. Nas pedras de suas ruas, no íngreme de suas ladeiras, nas serestas das noites frias. Procuro o passado na arquitetura de suas igrejas, nas talhas dos altares barrocos, no mercado dos tropeiros, na aridez do Espinhaço, no Passadiço da Glória, no muxarabi de suas sacadas. - 91 -


Em cada desvão, alcova, cozinha ou quintal presencio histórias anônimas de anônimos e silenciosos habitantes. Em cada canto, sinto, pressinto e “ouço” seus célebres personagens cantarem seus feitos, narrarem suas imorredouras glórias. Percorrendo suas ruas sinuosas, entro em comunhão com um espaço que se chamou “Tijuco Preto”. Com um mundo que persiste e resiste ao tempo. Onde, quiçá, reside o próprio tempo.

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A ESPERANÇA UTÓPICA DAS MULTIDÕES FUGIDIAS Maria Célia de Campos Marcondes

Temos visto, nos últimos anos, multidões saindo de seus lugares

de origem numa intensa e desesperadora fuga ao horror da perseguição. Move-os a esperança utópica de encontrarem paragens serenas aos conflitos sociais, ideológicos, étnicos, políticos, quiçá religiosos, que os empurram freneticamente para longe de seus referenciais e de suas identidades.

Vítimas indefesas de situações caóticas engendradas pelo ho-

mem, as multidões fugidias são, na verdade, a resposta aos desencontros de uma época que não aprendeu o sentido de humanismo e de partilha. É um acontecimento, entre outros, que mostra o grau de perversidade a que o ser humano é capaz de chegar.

Quantas vezes, ao vê-las, refletia sobre minhas próprias verdades

e conceitos. Num sentimento de empatia, sem resultados objetivos, sofria suas dores, sentia seus problemas, chorava suas perdas. Almejava enxugar suas lágrimas, dar-lhes alento.

No entanto, neste amálgama confuso de sentimentos, o que me

doía mais profundamente, e de maneira mais secreta, a menos épica, mas, com certeza, a mais sentida, era a visão de suas bagagens. Elas me pareciam patéticas, intrigavam-me, sem que conseguisse atentar para a lógica que existe na necessidade antropológica das tralhas.

No meio de toda essa miscelânea e balbúrdia de idéias surgiu o

texto: - 93 -


MULTIDÃO FUGIDIA

O que mais me impressiona

Não é a multidão.

É o que carregam.

É o significado de suas bagagens.

O peso que levam, além do peso da própria vida.

Esse peso extra que transcende sua situação.

Espoliados, perseguidos, marginalizados, párias do mundo.

O que ainda podem necessitar

Se até a dignidade lhes foi negada?

O que carregam?

Fogem do nada para o nada

Do medo para o medo.

Mas... Além de sua própria situação,

O que mais intriga

Dói, machuca

É a bagagem.

É a necessidade dessa tralha.

É a fragilidade humana.

A premência do ter,

Contida nessa matula.

Os animais nada necessitam carregar.

“Bastam-se.”

Maria Célia de Campos Marcondes Cadeira 11 Patrono Machado de Assis - 94 -


1932 - Uma crônica familiar José Osório de Azevedo Jr.

1. O meu testemunho sobre a revolução de 1932 é por tabela, já que nasci em 1933. E ainda há, para mim, a agravante de nunca ter sido historiador nem cronista. No entanto, eu a vivi nos relatos de meus pais e tios- eles sim apaixonados pela história e testemunhas vivas dessa fase da vida de São Paulo. Para compreender minimamente o ambiente de 1932 é preciso lembrar, sem análises científicas, o clima vivido no Estado de São Paulo na década de 20. Havia uma calmaria aparente. A vida política era ditada pela união dos conservadores filiados aos partidos republicanos - paulista e mineiro (PRP e PRM). Havia oposição, na Imprensa e dentro dos partidos, mas ela nada conseguia. As acusações de fraude eleitoral, sempre que havia eleição, ganhavam força. O inconformismo manifestava-se, principalmente, em jornalistas e em militares de baixa patente. O movimento tenentista não conseguiu produzir resultados imediatos na estrutura política do país, mas conseguiu manter viva a revolta contra o poder das oligarquias, representada na Política do café com leite. Tinha conteúdo ideológico, mas não ganhava expressão popular. A Revolta Paulista de 1924, também chamada de ‘Revolução Esquecida’, “Revolução do Isidoro”, “Revolução de 1924” foi a segunda revolta tenentista. Foi o maior conflito bélico já ocorrido na cidade de São Paulo. Comandada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes, a revolta teve a participação de numerosos tenentes, entre eles Juarez Távora, Miguel Costa, Eduardo Gomes, Índio do Brasil e João Cabanas. Deflagrada na capital paulista, em 5 de julho de 1924 (2º aniversá- 95 -


rio da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, primeira revolta tenentista), a cidade de São Paulo é invadida pelas forças de um dos líderes do tenentismo – Isidoro Dias Lopes, que bombardeou e dominou a cidade por 23 dias. A pequena São Paulo de então contou o incrível número de mais de 800 mortos. O objetivo político era derrubar o Presidente da República, o mineiro Artur Bernardes, que teve de enfrentar várias revoltas. As forças revolucionárias se retiraram da cidade após acerto com o Governo Estadual e com os representantes das chamadas classes produtoras. Os revolucionários auferiram um expressivo butim e partiram com suas estripulias para outras cidades do interior do Estado. São João chegou a ser importunada pelas aventuras dos Tenentes. O Dr. José Osório dá notícia da presença em São João de ambas as partes conflitantes. Oitocentos soldados legalistas, em defesa do governo, chegaram a São João, vindos de Minas, dirigindo-se para São Paulo para combater a revolução. Os sanjoanenses os receberam e os acomodaram. Havia a ameaça do endiabrado e famoso tenente revolucionário João Cabanas pondo em polvorosa a ordeira população interiorana na zona em que operavam suas tropas: Amparo, Itapira, Mogi Mirim, Pinhal. Os soldados legalistas mudaram de rumo e os sanjoanenses que os haviam auxiliado ficaram em perigo com a chegada da tropa de Cabanas. Prefeito e pessoas gradas tiveram de se refugiar aflitivamente em fazendas. Convém reler as saborosas descrições do Dr. JO, p. 743 e seguintes da sua História administrativa e política de SJBV. Foram presos o Presidente da Câmara, Antônio Cândido de Oliveira Filho e o ex-Prefeito de Vargem Grande, Manuel Rodrigues Camargo Regato, depois abandonados em Mogi Mirim. O Tenente Cabanas logo deixou a nossa região, dirigiu-se ao Paraná, daí ao Paraguai e Mato Grosso, onde teve início a Coluna Prestes. Conheci, em mesa de restaurante em São Paulo, um sobrinho do Gal. Isidoro Dias Lopes. Esse sobrinho, homem fino, gastrônomo, culto, jornalista especializado, ficou feliz de ouvir um paulista tocar no nome de - 96 -


seu tio. Falou bastante, fez questão de contar que seu tio não ficou pessoalmente com um tostão do que recebera, tendo entregue tudo para o tenente Luís Carlos Prestes que dava início à Coluna Prestes a quem ele não seguiu posteriormente. Não tenho dúvida de que o fato é verdadeiro, pois Isidoro morreu com poucos recursos. O melhor do almoço foi eu ficar sabendo onde foi parar o dinheiro dos paulistas, auferido na cidade de São Paulo O Dr. JO conta interessante episódio aqui ocorrido ligado à Revolução de 1924. Estava morando em São João ilustre engenheiro agrônomo e militar reformado – Coronel Antonio Mendes Teixeira, que se entrosou rapidamente na sociedade sanjoanense. No livro de visitas do Centro Recreativo deixou uma mensagem que é verdadeira declaração de amor a São João e sua sociedade. Mendes Teixeira assim foi descrito: alto, corpulento, de fisionomia angulosa,, tez morena, tipo imponente mas de trato ameno; culto, inteligente, idealista; era realmente cativante. O Dr. JO sabia que sua carreira militar fora ligada à corrente tenentista, tendo participado da revolta anterior, o famoso Levante do Forte de Copacabana, de 1922. No segundo ou terceiro dia da Revolução, um grupo, no Centro Recreativo, conversava animadamente sobre o assunto. Mendes Teixeira só ouvia. Ao se despedir, o Dr. JO brincou com ele: Com esta (Revolução) o amigo nada tem, não é? Mendes nada respondeu, mas partiu naquela mesma noite para São Paulo e apresentou-se ao General Isidoro, sendo no mesmo dia nomeado Chefe do Estado Maior do Exército Revolucionário. O intelectual e historiador Paulo Duarte faz menções a Mendes Teixeira, que, graças ao seu porte imponente, era considerado, muitas vezes, como o próprio General, já que Isidoro tinha baixa estatura. Mendes Teixeira seguiu com os revolucionários que formaram duas colunas, uma seguiu com Prestes, outra dispersou-se. Nesta estava Mendes, que foi para o Uruguai, onde tinha parentes. Foi anistiado pelos - 97 -


vencedores da Revolução de 1930. Uma das duas filhas de Mendes, casou-se em São João com Benedito de Oliveira Noronha. Mendes Teixeira é avô materno do nosso confrade Décio Teixeira Noronha. 2. Quando da fuga de sanjoanenses, diante da ameaça de prisão pelas tropas do Tenente Cabanas, em noite gelada no sopé do Pico do Gavião, um companheiro – José Amaro da Cruz – dizia: A minha esperança é que governo é sempre governo. José Amaro apenas refletia a história das rebeliões na República Velha: o governo sempre vencia, como venceu dessa vez. E, prossegue o Dr. JO, serenados os ânimos São João voltou à sua pacatez habitual... até o advento da Revolução de 1930. Nesta não mais prevaleceu o confiante rifão de José Amaro de que governo é sempre governo... Nesta revolução, que foi a mais importante do século XX em nosso país, o governo perdeu e, a partir de então, tudo mudou no Brasil. A causa remota dessa revolução encontra-se na estratificação política ocorrida dentro dos partidos dominantes. Depois de tantos anos no poder, recusavam as novas e necessárias atualizações democráticas. A crítica maior que se fazia era a respeito das habituais fraudes eleitorais. Essas fraudes não eram as comuns, fruto do poderio econômico dos candidatos, o que ocorre até hoje. Eram fraudes grosseiras consistentes em alterações das atas de votação dando vitória a quem perdia. Ressalte-se que em São João isso nunca ocorreu. Pelo menos, eu nunca ouvi notícia de tais fatos. Ouvi, sim, a propósito de eleição em Município mineiro nosso confrontante. Disse-me o Dr. JO que, passando em frente ao Hotel Central, ouviu de conhecido político daquele Município: Foi num quarto desse hotel que ganhamos a eleição. Isto é, foi num quarto desse hotel que redigiram as atas falsas da eleição. A verdade é que havia uma insatisfação nacional, mesmo dentro - 98 -


do PRP, inclusive no de São João, com o sistema eleitoral vigente. Mas o partido, por sua maioria, era refratário às idéias renovadoras. A causa próxima da Revolução de 30 foi um erro político clamoroso do Presidente Washington Luís. Ele tinha enorme prestígio em todo país mas, com sua personalidade autoritária, impôs novo candidato paulista quando o natural, na época, era a vez do mineiro. Mesmo assim, o escolhido, Júlio Prestes, teve a indicação de 18 governadores. Só Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba ficaram contra. Foi candidato e teve vitória maciça. Em São Paulo, obteve 91% dos votos. O candidato derrotado foi o gaúcho Getúlio Vargas. Houve acusação de fraude nessa eleição, a meu ver improcedente diante da votação esmagadora dos vencedores. Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba não aceitaram o resultado e partiram para o golpe militar. Getúlio Vargas era governador do RGS, Estado que sempre teve o maior contingente militar do país. Partiu para a tomada do poder, a impedir a posse do candidato eleito. Contava também com o apoio ideológico e militar dos Tenentes, além do apoio do grupo paulista dissidente, que lhe deu apenas 9% dos votos em São Paulo. Esse grupo (Partido Democrático), embora com idéias renovadoras, era ainda mais elitista do que o velho PRP. A classe dominante, portanto, estava rachada. Tinha havido cisão no PRP, com a formação do Partido Democrático, com idéias renovadoras, o qual, com seu prestigioso jornal O Estado de São Paulo, apoiou a revolução. A vitória foi rápida. Golpe militar no Rio de Janeiro destituiu Washington Luís. Washington e Júlio Prestes foram deportados. Júlio Prestes foi o único Presidente eleito, em eleição direta, que não pôde tomar posse. Getúlio Vargas, então, assumiu poderes ditatórias. Fechou o Con- 99 -


gresso, Assembleias Estaduais e até Câmaras Municipais, como a de São João. Destituiu Governadores e nomeou interventores. Para São Paulo, veio um Tenente de má fama quanto à honestidade, João Alberto. Os aliados paulistas de Getúlio Vargas (o Partido Democrático) não conseguiram sequer nomear o interventor. Logo abandonaram Getúlio. Mas já era tarde... São Paulo não suportou o tratamento que lhe foi dispensado pela ditadura. Houve enormes manifestações populares, inclusive um comício com 200.000 pessoas na Praça da Sé. Em 23 de maio, quatro estudantes foram mortos pela polícia getulista, gerando o movimento que levou as iniciais deles MMDC, iniciais dos nomes dos 4 estudantes.. Em 09 de julho, deflagrou-se a luta armada. O objetivo principal era a redemocratização, com a votação de nova Constituição, daí a denominação de Revolução Constitucionalista. A mobilização foi fantástica, com romantismo, generosidade e eficiência atingindo toda a sociedade paulista ativa. A luta deixou oficialmente 900 mortos; extra-oficialmente teriam sido cerca de 1.900 mortos. Em São João não foi diferente, com adesão total à causa constitucionalista. Em 03 de outubro, a necessária rendição. A luta armada estava fadada ao fracasso. São Paulo não encontrou apoio nos outros Estados, salvo no frágil Mato Grosso. Foram 35.000 soldados paulistas, na maioria civis, contra 100.000 soldados do Exército. É verdade que o povo humilde e inculto não participou ativamente da Revolução. O motivo é simples: o povo não era ainda ator político na sociedade brasileira, o que só veio a ocorrer após firmar-se o período da industrialização. Politicamente só agiu, com força própria, a partir de 1945. Daí a velha crônica de Cornélio Pires contando a história do cabo- 100 -


clo que tomou duas sovas, tanto de paulistas como de mineiros, porque não conseguia distinguir as duas facções... Após a revolução, teriam surgido idéias separatistas? Claro que sim, mas não vingaram. Minha mãe preocupou-se quando minha irmã de quatro anos perguntou: Mamãe, que bandeira é aquela que está perto da paulista? Era a bandeira brasileira... Minha mãe percebeu que alguma coisa estava errada. Os tolerantes e colaboracionistas eram severamente criticados. A partir de 1930, já surgiam frases emblemáticas. O Prof. Alcântara Machado, da Faculdade de Direito, foi acoimado de não ser paulista. Ao ingressar na Academia Brasileira de Letras, deu a sua resposta à acusação: Paulista sou há quatrocentos anos. O termo quatrocentão entrou definitivamente no vernáculo, inclusive em título de um dos hinos do IV Centenário da cidade de São Paulo. Também: São Paulo não esquece, não transige, não perdoa. Creio que o passar do tempo mostrou que São Paulo soube esquecer. A mudança vertiginosa ocorrida em nossa sociedade a partir de 1932 deixa claro que São Paulo nem teve tempo para gastar com ressentimentos. Passado o primeiro impacto da derrota, o paulista pôde reconhecer suas próprias virtudes. Ao lembrar da generosidade de suas mulheres despojando-se de suas joias para o bem de São Paulo; ao lembrar da bravura de seus soldados; ao lembrar do extraordinário poder de mobilização, do competente e criativo esforço industrial na área da alimentação, distribuição e de armamentos, sucessos esses que até hoje chamam a atenção dos estudiosos, creio que o paulista saiu fortalecido da derrota. Estes são os fatos que jamais devem ser esquecidos. A derrota militar não impediu São Paulo de continuar com seu progresso, o que lhe permitiu, nas décadas seguintes, acolher e mesclarse com milhões de compatriotas que aqui chegaram em busca de melhor sorte. O objetivo principal da Revolução foi alcançado em 1934 com elei- 101 -


ções e promulgação da nova e boa Constituição, embora com Getúlio no poder. Nesse período, GV transigiu: afastou-se da maioria dos Tenentes, que eram contra a constitucionalização do país e defendiam abertamente a manutenção da ditadura; passou a nomear paulistas para interventor, com o que a vida política foi-se descontraindo. Mas, como todos sabem, os tempos bons foram curtos. Em 1937, respirando ares fascistas, Getúlio Vargas rasgou a Constituição e deu início a uma outra fase negra de sua história. Há que se reconhecer que Getúlio, com suas tergiversações e inegável capacidade para seduzir pobres e ricos, conseguiu manter a unidade nacional em período tão conturbado. Esse mérito e outros ligados à outorga futura de direitos sociais não lhe podem ser negados. Mas, no que diz respeito à prática da vida democrática, só críticas merece. Foi um caudilho.

José Osório de Azevedo Jr. Cadeira 15 Patrono: Mário de Andrade - 102 -


O PROFESSOR DE MÚSICA Antonio “Nino” Barbin

As alcoviteiras do “Beco da Amizade”, naquela pequena cidade do interior, tinham agora mais um alvo para as suas fofocas e maledicências. É que acabara de instalar-se na pensão de dona Luíza o novo professor de música do ginásio, um tipo excêntrico, vindo da capital do estado. O professor era um homem ainda jovem, de descendência alemã, devia andar pelos trinta anos. Tinha um porte imponente: alta estatura, espadaúdo, fartos cabelos fulvos, suíças bem aparadas, pele rosada, olhos azuis. Dona Luíza, havia muitos anos, era proprietária da pensão do Beco, para “rapazes de fino trato”, e, realmente, se preocupava em manter o bom nível de sua hospedaria. Afinal, tinha um nome e uma filha solteira a zelar. - Sou Gustav Franz Gunter, natural de Blumenau, filho de alemães da Baviera, formado pela Escola Superior de Música de Curitiba (onde nasci há poucas décadas), formado também em Filosofia Pura e Teologia. Tenho aqui todos os meus documentos, fotografias e diplomas. Pode examinar. Assim se apresentara o expansivo professor, que, após aceito, recebeu inúmeras recomendações da proprietária e instalou-se num dos quartos do segundo pavimento da estalagem, com seus poucos pertences: duas malas pequenas, alguns livros, métodos de música, objetos de uso pessoal e o seu violino, herança do avô paterno. Na bagagem da alma, trazia a sua resignação em ter de lecionar e viver - sabia-se lá por quanto tempo - naqueles cafundós. Ossos do ofício. Com o passar dos dias, o professor Gustav foi angariando a simpatia de todos: na pensão, na escola, na cidade. Apenas as já citadas alcoviteiras, que se compraziam em bisbilhotar a vida alheia, torciam o nariz - 103 -


quando ele passava, alegre e comunicativo:

- Não sei, não. Esse homem não me inspira confiança. Alguma coi-

sa me diz que nos vai trazer encrencas, cochichava dona Escolástica às outras, que se olhavam desconfiadas e concordes.

- Guten tag, Frau Luíza!

Já de manhã, ele se mostrava bem humorado, de banho tomado,

cheiroso, melenas penteadas, cantarolando seus solfejos, ao compasso da mão espalmada. Trajava-se de modo simples, mas tinha um charme especial, uma elegância espontânea.

Tomava o rotineiro desjejum com apetite voraz e gostava de co-

mentar em voz alta o que houvera lido na noite anterior:

- Frau Luíza, eu sempre achei difícil comparar Wagner a Verdi.

Apesar de contemporâneos e muito amigos, eram dois estilos bem diferentes: Wagner mais impositivo; Verdi mais sentimental. E prosseguia sua falação, misturando música com literatura, política internacional com filosofia.

O curioso é que ele não levava em conta o fato de os circunstantes

não tomarem parte da conversa. Limitavam-se apenas a ouvir, contritos e humilhados, os seus comentários de homem culto. Por vezes, dona Luíza, sem que o professor visse, apontava o dedo indicador contra a própria cabeça, fazendo com ele círculos no ar, naquele gesto traduzível como: “Pra mim, esse sujeito não bate bem!...”

Numa certa manhã, aquelas vizinhas fofoqueiras, já aludidas, vie-

ram à pensão reclamar à dona Luíza; não aguentavam mais os barulhos noturnos do professor, quer com suas declamações em voz alta, quer com suas audições de violino até tarde da noite. Conseguiam distinguir também risinhos femininos...

A dona da pensão recolhia-se de hábito muito cedo, cansada da

faina diária, e desconhecia totalmente esse problema, mesmo porque seu quarto ficava numa ala mais distante. Mas prometeu pôr a situação a limpo. - 104 -


Naquela mesma noite, permaneceu acordada, aguardando os acontecimentos. Lá pelas tantas, cabeceando de sono, começou a distinguir um som de violino, numa sonata melancólica, que sua quase nenhuma cultura musical não permitia identificar. Dirigiu-se de pronto ao quarto do professor e bateu na porta, duas, três, quatro vezes. Como a música não cessasse e a porta não se abrisse, a senhora recorreu ao expediente - diga-se de passagem condenável, mas sempre excitante - de olhar pelo buraco da fechadura. Qual não foi o seu espanto, ao divisar o corpulento alemão, de pé, completamente nu, muito compenetrado na execução da misteriosa peça musical! Em sua cama, sentada de costas, representou-lhe divisar uma silhueta de mulher... A recatada senhora não reuniu forças para ver mais nada. Em sua condição de viúva há tantos anos, fazia muito tempo que não via um homem nu. Não voltou a bater na porta. E se ele a viesse atender pelado?!... Retirou-se escandalizada, mais que nunca segura da insanidade mental de Herr Gustav. Onde já se viu, em sua pensão, um lugar de respeito, perturbação do sossego público, nudez e libidinagem?! Na manhã seguinte, comentou o fato com a filha, que se limitou a sorrir, com a mão aberta sobre o rosto. Mas, à hora do café, assim que o alemão adentrou o recinto, loquaz e comunicativo como sempre, dona Luíza, esforçando-se para não perder o controle, informou ao hóspede extravagante, sem mais aquelas, que iria precisar de seu quarto. Ele que procurasse outra hospedaria. Humildemente, acresceu: - Por favor, não me obrigue a entrar em detalhes... Fez-se um breve silêncio constrangedor e o inesperado da história foi que Herr Gustav não pediu nenhuma explicação. - Frau Luíza tem toda razão. Não sei se poderei ser perdoado, assentiu, simplesmente, com a consciência a pesar-lhe. Na tarde daquele mesmo dia, deixava a pensão, e alguns dias de- 105 -


pois, partia da cidade, sem se despedir de ninguém. O diretor do ginásio tentou dissuadi-lo, em vão. Todos - até as velhas alcoviteiras - estranharam muito a atitude do professor. Ninguém entendeu o porquê de sua repentina partida. Menos a filha de dona Luíza, que após algum tempo da partida do alemão, entrou a sentir náuseas e vontades estranhas, até o dia do parto, quando deu à luz um robusto menino, loiro como uma espiga de milho, de olhos extraordinariamente azuis...

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O RELÓGIO DO NONO Antônio “Nino” Barbin

Na casa de meu avô-paterno, o querido e saudoso Nono Victório, havia um grande relógio de parede, de cujas origens eu não sei bem. Parece-me que fora adquirido, juntamente a um mobiliário de sala, no começo do século passado, de uma família de italianos que se mudara de Tambaú. Devido ao meu fascínio pelo tempo (esse algoz peregrino!), ou quem sabe por ser um objeto vistoso (era em madeira envernizada e possuía um mostrador ovalado bem grande), o fato é que eu tinha um carinho especial por aquele relógio. Olhava-o com ternura e, um dia, não me contive: Nono, deixa-me dar corda nele? Foi então que meu avô, cuja fineza de trato pelos familiares o peso dos anos cristalizou, me permitiu subir a uma cadeira - pequeno que eu era - e girar pela primeira vez, com a chave que me entregou, a corda daquele incansável marcador do tempo. Completada a tão desejada operação, eu fiquei admirado e feliz, ouvindo o cadenciado tique-taque e o deslocar do comprido ponteiro dos minutos, em sua circular marcha vagarosa. Nas próximas vinte e quatro horas, ele haverá de trabalhar graças à minha colaboração, pensei eu, gratificado. E, desde então, fiquei nomeado pelo Nono como o responsável pela corda do relógio. A casa de meu avô era uma espécie de quartel-general da família, como acontecia com as casas dos patriarcas italianos daqueles idos. Estava sempre cheia de gente: muitos parentes e amigos, num ambiente alegre, onde se comia bem, se bebia vinho puro feito em casa, se conversava muito, se ouvia música ao vivo (eram muitos os músicos na família), ou no avoengo gramofone. O antigo relógio, dominando uma das paredes da sala de visitas, mostrava a todos - especialmente a mim - os horários a que os anfitriões obedeciam com rigor. Daí a minha responsabilidade e o meu orgulho, ao me considerar o mantenedor daquela peça fundamental aos costumes da família. Mas, numa manhã, quando cheguei para a minha conquistada tarefa, encontrei o velho cronômetro misteriosamente parado. Baldados foram os movimentos que fiz com seu - 107 -


pêndulo, as voltas que dei em sua corda, as leves pancadas que apliquei em sua caixa. Era como se tentasse, desesperadamente, massagear um coração que sofrera uma síncope: o coração da casa! Desesperado, chamei pelo Nono: - O relógio parou! - Já mandei chamar o relojoeiro, anunciou-me o avô, intrigado com a situação insólita, pois, segundo disse, em cinquenta anos de atividade, era a primeira vez que o relógio se recusava a trabalhar. Senti-me o último dos meninos, só em admitir um possível mau-trato meu àquela relíquia familiar. Afinal, eu era o seu mantenedor! Meu sofrimento foi ainda maior, quando o relojoeiro chegou e deliberou levá-lo para seu estabelecimento, para examiná-lo melhor. A casa toda me pareceu mergulhar num silêncio profundo, e um medo surdo invadiu minha alma: e agora, como faríamos para saber as horas?! Todos os outros possíveis relógios me pareceram pequenos e insignificantes; inúteis e inconfiáveis. No dia seguinte, o relojoeiro explicou ao meu avô que era necessário trocar uma peça importante do relógio, que custava caro e não havia na praça; só em São Paulo, Campinas ou Ribeirão Preto. Em resumo: o velho relógio não mais funcionou. Nono achou que não compensava consertá-lo, pois, com o custo do material, do frete e da mão-de-obra, poderia comprar um relógio novo. Que acabou não comprando. Quase ninguém na família se importou com o caso. Muitos nem notaram a falta do relógio. Bondosamente, Nono Victorio notando minha tristeza, confortou-me, explicando-me a transitoriedade das coisas e dos homens: todos nós um dia também deixaremos de trabalhar... Porém, no meu coração de menino, ficou uma dúvida magoada: eu estragara o relógio, calara seu sonoro tique-taque. A grande sala de visitas da casa de meu avô nunca mais foi a mesma. Comia-se, bebia-se, conversava-se, ouvia-se música. Mas só eu sabia sentir o silêncio pesado do velho relógio que nunca mais haveria de marcar o meu tempo...

Antonio “Nino” Barbin Cadeira 27 Patrono Érico Veríssimo - 108 -


Costumes e tradições do Bairro do Rosário João Baptista Scannapieco

Cada cidade tem suas “estórias” de assombrações, maldições e

“causos” para contar e que espalhavam o medo. As maiores vítimas são as crianças!

Encontrei entre os textos do Arquivo Municipal um que se referia

à Quaresma, Fantasmas e Assombrações. Por ele, podemos perceber que São João da Boa Vista já foi rica de assombrações, que percorriam a cidade, em especial durante o tempo quaresmal.

Desde os tempos da fundação da cidade, já existiam as assom-

brações. Elas se localizavam, principalmente, no Bairro do Rosário, nas proximidades da igreja e do Tiro de Guerra. Ali foi o nosso primeiro cemitério, transferido, depois, para perto da Catedral, onde hoje está a praça Cel. Joaquim José. Por muito tempo, o Bairro do Rosário foi chamado de “Bairro do Cemitério”. Só isto, já dava para assustar os moradores!

Depois de muito tempo e já com o terceiro cemitério, o atual,

permaneceram, no entanto, as lembranças do antigo . Durante anos, nos campos ao redor da igreja do Rosário, era comum achar uma cruz, restos de sepulturas, ossos humanos, quando faziam escavações e os alicerces das casas novas.

Consegui ouvir muitas histórias de “seu” Dito, já falecido, porém,

sua casa, defronte ao Tiro de Guerra, ainda está em pé, embora modificada. No passado, a imaginação corria fértil e as histórias eram contadas no final da tarde, nas calçadas ou nas cadeiras improvisadas ou mesmo - 109 -


sentados no chão e, entre uma conversa e outra, esperavam o anoitecer. As histórias contadas no Rosário eram assustadoras! Fantasmas percorriam as ruas do bairro e, em cada esquina, um deles gritava, reclamando a volta do antigo cemitério e de sua sepultura.

Durante a quaresma, as conversas de calçada desapareciam. As

famílias fechavam as portas mais cedo e se recolhiam. Visitar amigos nem pensar! Os cavaleiros, que cruzavam as ruas solitárias, de madrugada, esporeavam os cavalos, fechavam os olhos e morriam de medo e de susto, temendo avistar um desses fantasmas! Atravessavam o Rosário num galope só! Nestes tempos de quaresma, os sinos não repicavam, a banda não tocava, festas nem pensar! Alguns homens nem faziam a barba! Algumas mães de família escondiam o baralho, para que os homens respeitassem a quaresma, não jogando e nem se reunindo nas tardes dos domingos para o “carteado”. Um fantasma, que apavorou toda a cidade, por gerações, foi o “Corpo Seco,” que vinha lá pelas bandas de Águas da Prata. Vou pesquisar um pouco mais e, se possível, contar mais uma destas histórias de assombrações, já de nosso folclore! As antigas famílias do Rosário conhecem outras e precisamos registrar estas tradições populares, isto não pode se perder! É a nossa história local. Uma coisa ficou. Cada comandante do Tiro de Guerra, que aqui chega, a princípio, não percebe porque os atiradores relutam em montar guarda, de noite, nas guaritas daquela unidade militar. Só depois de algum tempo, fica sabendo das “estórias” do Rosário. Lembro-me aqui do sargento Mazzi, meu amigo, que, dando uma “dura” nos guardas da noite, disse uma verdade: - “Devemos ter medo dos vivos e não dos mortos”!

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À margem da História (Revolução Paulista de 9 de julho de 1932)

João Baptista Scannapieco Todo fato histórico tem, à sua margem, acontecimentos interessantes e curiosos que, muitas vezes, são os que o aluno nunca esquece. Lembro-me agora de que, em uma aula sobre “As origens de Portugal,” falando de: reis, rainhas, herdeiros, batalhas e tratados, encerrei o assunto ao ouvir o sinal convencional de uma sineta. Passados quase 40 anos, eis que me encontro com um aluno, que estava naquela turma e naquela aula. Ele, abraçando-me, disse: - Não me esqueço daquela aula, quando o senhor disse que a rainha de Portugal se chamava Dona Urraca! Eu ri e completei: - É isto mesmo, ela era irmã de Dona Tereja. Rimos muito! Depois pensei comigo:- Será que do principal da aula ele ainda se lembra? Isto me serviu de alerta, pois os alunos sempre gostam da parte curiosa única, cômica ou irreverente da História. Com a Revolução Paulista de 1932, o mesmo acontece. Ao lado dos ideais nobres dos líderes e combatentes da mobilização superlativa de São Paulo, que resultou em um “Grande Terremoto de Civismo,” há curiosidades, as quais se repetem até hoje! Os alunos vibram, quando o professor descreve a resistência paulista, enfrentando a força do exército da ditadura Getulista, sem armamento suficiente, improvisando com inteligência e simplicidade. Cito sempre a famosa “matraca de madeira” que, ao ser acionada pelas tropas paulistas, simulavam o disparo de uma metralhadora e os federalistas corriam, gritando: -“Eles têm armamento!...” Ficavam admirados, quando eu contava sobre o famoso “trem blindado,” que era o seguinte: o canhão que está no forte, protegendo a entrada do porto de Santos, foi retirado, estrategicamente, pelos alunos da Escola Politécnica Paulista. Em seu lugar, colocaram uma tora de - 111 -


eucalipto do mesmo calibre do canhão que, pintada de preto, de longe, parecia o próprio artefato bélico. Assim, por binóculos, os federalistas enganados, pensavam que, entrando por Santos, era impossível invadir São Paulo, pois o canhão estava lá... Esta peça de artilharia pesada foi adaptada sobre um vagão da Estrada de Ferro Sorocabana. O trem corria, ora aqui, ora ali, de noite, bombardeando pesadamente em lugares diferentes, os que queriam violar as fronteiras paulistas. Os federalistas pensavam: “Como eles podem ter artilharia pesada assim!” São Paulo sozinho resistiu por longo tempo, assustando o poder central. Como um Estado, com 35.000 soldados, muitos improvisados e idosos, podia enfrentar um exército de 100.000 praças fortes e bem armados? Nós, paulistas, somos brasileiros, em primeiro lugar. Temos, porém, orgulho desta “Epopéia Federalista,” vivida por São Paulo em 1932. Outro fato curioso é que, mesmo após a Revolução de 1932, era ostensiva e evidente a rejeição dos paulistas ao ditador Getúlio Vargas, que foi constante. Aconteceu, mais perto de nós, uma demonstração disso, fato ocorrido em Poços de Caldas. Sabemos que Getúlio Vargas gostava de vir a essa cidade mineira, nossa vizinha, tendo até uma “suíte” especial no “Pálace Hotel”. Acontece que algumas famílias sanjoanenses possuíam palacetes e casas em Poços de Caldas. As senhoras daqui e de lá costumavam frequentar o famoso e charmoso chá das quatro nos salões do “Pálace”. Em uma dessas ocasiões, quando dona Darcy Vargas, que várias vezes acompanhou seu esposo na estada de Poços, adentrou o salão para o chá, as senhoras sanjoanenses se levantaram e se retiraram ,como sinal de protesto! Não participariam de uma reunião social, onde estivesse a esposa do Ditador, que fez morrer nas trincheiras muitos jovens paulistas. Em nome das mães paulistas, que perderam seus filhos, se recusaram a ficar no salão. O constrangimento foi total! As senhoras poços caldenses não sabiam como explicar... Ficou isso na história daquela e desta cidade! - 112 -


Até hoje, muitos, que não compreenderam o significado do levante de São Paulo contra Vargas, provocam os paulistas, como aconteceu comigo há pouco. Estava fazendo um exame médico sofisticado, em uma clínica de medicina nuclear, em Poços de Caldas, quando, no decorrer dos procedimentos médicos, onde eu estava sendo atendido por dois deles, um perguntou de onde eu era. Logo me identifiquei, dizendo que eu era de São João da Boa Vista. Mal sabia ele que era historiador e, continuando a conversa, ele disse que era de Itajubá (MG) O pior da conversa foi o momento em que eu, deitado, recebendo o contraste para o tal exame, ouvi dele o seguinte: “- Pois é, o único Estado que comemora uma derrota é São Paulo. Perdeu a revolução de 32 e ainda decreta feriado no 9 de julho! Gozado não?” Eu, com toda calma, respondi: - Tem coisas na História, amigo, que são mesmo um contra senso! Veja você, tem um Estado do Brasil, que não me lembro agora qual é, que tem como bandeira uma idealizada por um cara, que foi enforcado em 21 de abril, porque se rebelou contra o rei. Perdeu feio, tanto ele como seus comparsas. Sabe que esse dia também é feriado? Foi pior do que São Paulo.” O outro médico riu, colocou o dedo nos lábios, convidando o doutor mineiro provocador a se calar... A aula em minutos estava ministrada, mesmo em uma situação como aquela! Dar aulas é para mim um prazer e fonte de vida, principalmente quando você vê o brilho nos olhos dos alunos! Principalmente, também, quando você para e conta fatos como estes, que não devem e nem podem ficar à margem da sua aula de História!

João Baptista Scannapieco Cadeira 17 Patrono Francisco Paschoal - 113 -


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MESMO NÃO SENDO ACADÊMICO UM NOBEL Gilda Magalhães Nardoto

Saramago é o nome de uma planta rasteira, comestível, que nasce sem cultura. Saramago, por alcunha, eram seus pais, camponeses de uma pequena aldeia do interior de Portugal. Neste lugar, Azinhaga, nasceu José, em novembro de 1922. Conta ele sobre o homem mais sábio que conheceu em toda a sua vida: não sabia ler nem escrever. Era seu avô materno, que vivia com sua mulher, de uma pequena criação de porcos. O pequeno José ajudou por muitas vezes o avô em suas andanças de pastor, cavou a terra do quintal anexo à casa, cortou lenha para o lume, tirou e carregou água do poço, caminhou com a avó pela madrugada, munido de ancinho, a recolher a palha solta para a cama do gado. Com este avô, dormiu por várias noites embaixo da grande figueira que ladeava a casa, contemplando as estrelas e, enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com histórias e os casos que o velho lhe contava: lendas, aparições, assombros, antigas mortes... Assim viveu nosso garoto seus primeiros tempos, entre gente que amava a vida, a natureza, só pelo prazer de amar. Sua árvore genealógica: um avô pastor de porcos, um outro avô berbere vindo da África, uma avó que não queria ir-se da vida só porque o mundo era bonito, uns pais graves e formosos. Da casa pobre do Ribatejo foi, ainda pequeno,para Lisboa, onde passou a residir. Cumpriu a instrução primária e iniciou seu trabalho como serralheiro. Depois: mecânico de automóveis, desenhista, funcionário público, editor, tradutor, jornalista. Autodidata, apenas concluiu seus estudos secundários, dadas às dificuldades econômicas da família. Com 22 anos casa-se com a pintora Ilda Reis, pondo no mundo, - 115 -


em l 947, sua única filha, Violante. Nesse mesmo ano, nasceu também sua primeira obra: “Terra do Pecado”. Permaneceu casado por 26 anos, divorciando-se então. Ficou sozinho até seus 66 anos. Encontrou, um dia, a mulher com a qual convive até agora: Pillar Del Rio, espanhola de Castril, Granada. Há uma união feliz e uma grande afeição entre ambos. Pillar, além de esposa é a revisora de suas obras. O amor pelas letras era grande e resolveu dedicar-se à criação de seus próprios livros. Seu modo de escrever difere dos demais escritores. É uma subversão na escrita. Mostra novo ritmo, criando uma leitura contínua, em suspensão quase de alma. Aos meus ouvidos a leitura de Saramago soa como um fado, sempre como poesia, tal seu modo tão sensível de escrever, mesmo quando fala de acontecimentos cruéis e dolorosos. Começou a semear e a colheita foi deslumbrante. Sua obra literária é imensa . Produziu peças teatrais: “ A Noite”, “Que farei com este livro?”, “A segunda vida de Francisco de Assis”, “In nomine Dei”... Contos: “O conto da ilha desconhecida”, “Objeto quase”, “Poética dos cinco sentidos”. . . Romances: “Manual de Pintura e Caligrafia”, “Levantado do chão”. “Memorial do Convento”, “O ano da morte de Ricardo Reis”, “A jangada de pedra”, “História do cerco de Lisboa”,” O Evangelho segundo Jesus Cristo”, “Todos os nomes”, “A caverna”, “O homem duplicado”, “Ensaio sobre a cegueira” e muito mais. Este último já se tornou filme e logo o veremos nas telas brasileiras. Citei algumas obras mas não todas. A sensibilidade imensa que lhe é natural, produziu muito mais. Em todo seu trabalho literário mostra notável criatividade, faz com que o leitor “veja” através de suas descrições. Seu leitor também vibra com as emoções que encontra em cada pensamento, sonha viajando e se embalando nas situações magistralmente elaboradas. Tem mostrado em seus livros toda sua inquietação pelos direitos humanos, pela liberdade, pela multiplicação das desigualdades, pelo - 116 -


agravamento da ignorância e da miséria que se alastra. Diz ele: “A mesma esquizofrênica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição de suas rochas, assiste, indiferente, à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante”. Em seu currículo há conferências, condecorações, entrevistas, prêmios. Como reconhecimento por esse grande talento, existe um NOBEL. Foi o primeiro escritor de Língua Portuguesa a ganhar o PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA. Isto em 1988. Este prêmio é o único de âmbito mundial. É oferecido anualmente por um fundo estabelecido em testamento do cientista e industrial sueco Alfred Nobel. Os primeiros prêmios datam de 1901, sendo outorgados pela Academia Sueca. Cada contemplado recebe uma medalha de ouro e uma considerável quantia em dinheiro. Saramago ri ao contar: “Creio que é o único caso na História da humanidade, em que o filho deu o nome ao pai.” , pois foi o funcionário do Registro Civil que juntou Saramago a José de Souza, erro que fez com que, anos mais tarde, o pai sentisse necessidade de adotar o mesmo apelido que o filho. Atualmente, em uma ressequida ilha vulcânica espanhola, onde não corre um ribeirão sequer e toda a água tem que ser tirada do mar, numa casa branca , na cidade de Tias, mora com sua esposa Pillar, aquele senhor alto, sobrancelhudo, com óculos grandes demais para o seu rosto, cabelos grisalhos que se lhe escasseiam no alto e abundam , um tanto alvoroçados , na parte de trás da cabeça. È o nosso homem, é José de Souza Saramago, de aspecto frágil e de um bom humor constante. A ilha é Lanzarote, a mais oriental das sete Canárias com 805 quilômetros quadrados de superfície. Três localidades marcam a geografia de sua vida: Azinhaga, onde nasceu, Castril, onde nasceu Pillar e Tias, Lanzarote, onde habita atualmente. - 117 -


Visitam sempre a terra que lhe serviu de berço. O povo de Azinhaga o adora e aí ele criou sua Fundação. Há duas ruas que fazem esquina nessa pequena cidade. Seus nomes? O dele e o dela. José e Pillar são caminhos que se cruzam também na nomenclatura de trajetos. Na placa que porta o nome de esposa, ele pediu que se escrevesse; “À Pillar que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar.” Resumidamente, esta é a história de alguém que se fez com seu próprio esforço. José Saramago, que se encontra entre meus escritores preferidos, tem mérito extraordinário na literatura mundial. Mesmo não sendo acadêmico é um NOBEL!

Gilda Magalhães Nardoto Cadeira 37 Patrono Paulo Menotti dei Picchia - 118 -


SERÁ QUE VALEU A PENA? Antônio de Pádua Barros

Os saudosistas sempre são criticados, quando falam ou escrevem

sobre o passado deles, afirmando que “naquele tempo” tudo era bem melhor. Quando alguém, em uma reunião social com pessoas de várias idades, inicia sua opinião usando a expressão “no meu tempo”, começam as críticas dos ouvintes: “Ih! Lá vem o garçom da Santa Ceia...” ou, se for mulher, “Ih! Lá vem a aeromoça do XIV Bis...” Pois, mesmo assim, vou escrever algo sobre as diferenças entre o “naquele tempo” e o “hoje em dia”.

“Naquele tempo” o fogão era a lenha. A comida era feita bem

devagar, e ficava uma delícia! A família se reunia inteira para o almoço e para o jantar: o pai (na cabeceira), a mãe e todos os filhos (regra geral, eram muitos filhos). A casa era limpa com vassoura. Se o piso era encerado, o brilho era dado com escovão em cima de um pedaço de flanela. A água quente do chuveiro vinha da “serpentina” (encanamento que passava entre as chamas do fogão). Geladeira, era coisa de rico, poucas casas tinham. Telefone (de manivela) também era coisa de rico, às vezes só havia um ou dois em cada quarteirão.

Só o pai trabalhava fora. O dinheiro que ele ganhava dava para

cobrir todas as necessidades da família. A mãe ficava em casa, o dia todo, dedicando-se a cuidar dos filhos e da casa. À noitinha, as crianças brincavam na rua, na frente da casa, jogando bola, pulando corda ou brincando “de pique”, sem nenhum perigo de assalto ou atropelamento. Quase não havia automóveis! Lá pelas oito horas da noite, as crianças entravam, tomavam banho e ficavam conversando com os pais, que lhes ensinavam - 119 -


coisas como ética, respeito, moral, religião, até que ficassem com sono e fossem para cama. E tudo acontecia com calma e disciplina. Depois, os pais ouviam um pouco de rádio, isso quando o rádio estava “pegando bem”, e iam dormir. No máximo entre as dez e dez e meia da noite, a casa era um só ressonar. Mas, o melhor de tudo era que todos viviam alegres, sempre dispostos e entusiasmados.

“Hoje em dia” existem fogão a gás (ou elétrico), chuveiro elétrico

(ou aquecimento central), geladeira, aspirador de pó, máquinas de lavar roupa, louças, secadora de roupa, televisão (duas ou três em cada casa), DVD, “Blu-ray”, imagem HD, notebooks, Internet de não sei quantos megabytes, telefone convencional (uma extensão em cada cômodo), um celular (cada semana sai um modelo novo) para cada membro da família.

Mas, apesar de todas essas facilidades, as famílias não se reúnem

mais para o almoço, pois cada um faz a refeição fora de casa, nos tais “fast-food”, ou no trabalho ou escola. A mãe, “hoje em dia”, trabalha fora o dia todo, pois o dinheiro, ganho pelo pai, não dá mais para suprir todos os desejos da família. Reunião no jantar, nem se fala. As conversas da noite, com a família reunida, acabaram. O pai, no seu televisor, vê os noticiários; a mãe, em outro televisor, vê suas novelas (cujo enredo, prega a derrocada da família); os filhos ficam na Internet, navegando no Facebook, Orkut, blogs, jogos (muitos deles violentos) e vai por aí afora. Os filhos adolescentes saem de casa para as “baladas” depois das onze da noite. E o pior é que todos vivem estressados, com os nervos à flor da pele, prontos para uma agressão verbal a qualquer momento.

Interessante: no tempo em que não havia toda essa tecnologia

avançada, as pessoas eram mais tranquilas, mais calmas, menos cansadas, havia mais união entre os membros da família, mais conversas, mais diálogos, mais entendimentos, mais paz. Os casamentos duravam a vida toda. Quando acontecia um “desquite” (ainda não havia divórcio) era um - 120 -


choque para a cidade inteira! Hoje em dia, ao contrário, quando um casal comemora dez anos de vida conjugal, chama a atenção da comunidade e passa a ser citado como modelo ideal. Se um casal chega às Bodas de Ouro ( 50 anos!), vira “atração turística”!

Não sei se o leitor vai concordar, mas não é um contra-senso? A

tecnologia foi desenvolvida para trazer mais facilidade à vida do homem sobre a terra, para que as pessoas tivessem mais oportunidade de levarem uma vida mais sossegada, para que tivessem mais tempo, enfim, para que fossem mais felizes.

Contudo, pelo que observo, aconteceu o contrário: quanto mais

tecnologia, mais correria, mais falta de tempo, mais cansaço, mais estresse, mais desentendimentos, mais divórcios... Então, às vezes, pensando em todo esse progresso criado pela tecnologia, eu me pergunto: Será que valeu a pena?

Antonio de Pádua Barros Cadeira 29 Patrono Raimundo Corrêa - 121 -


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REFLEXÕES FILOSÓFICAS A PARTIR DA POÉTICA Gilberto Brandão Marcon

Introdução: O objetivo deste trabalho é explorar o momento da criação poética, em especial a interação entre o triângulo percepção dos sentidos, reflexão racional e inspiração da imaginação. Não se buscará aqui identificar este ou aquele caminho na construção do conhecimento, mas constatar-se a ação de um plano sensível empírico, racional especulativo e pragmático e emotivo imaginário. A subjetividade aqui é entendida como construtora de significações. Trata-se de texto especulativo, e talvez antes provocativo do que atrelado a produzir este ou aquele conceito, mas interessa a dinâmica real incapaz de ser totalmente absorvida na linguagem escrita, porém, nem por isto negada como subsídio necessário para as reflexões aqui propostas. Então, que seja o ponto de partida uma provocação a respeito de identificar o que poderia, mesmo que de modo relativo, aproximar-se de significar em relação a criar. E diria que criar é descobrir a criatura que é a interação do “sopro de vida” (uma metáfora que tenta dar identidade a uma força original incriada) com a experiência que esta produziu em si, é o objetivar que retorna à subjetividade, onde se acaba por ter um particular, um detalhe, um algo que se destaca do todo, fazendo-se específico, e nisto que é aparentemente minúsculo, que poderia para muitos ser perto de nada, é a impressão da qual resulta o impulso poético, em meio à inquietação do sentir, pensar e emocionar-se, numa relação que guarda uma primeira hipótese; criador e criatura, onde sabemos muito mais a respeito do último e bem pouco do primeiro. Assim, a criação é ato solitário, embora congregado ao todo. - 123 -


O Vazio da Solidão O número zero, uma situação de completa neutralidade. A ausência de posição, não adota-se a direção positiva ou a negativa. Um ponto perdido no infinito; de tão pequeno, é praticamente nada. Uma quase insignificância, de tão ínfimo, que denota ali existir apenas vácuo. Um incômodo e pesado vazio, na contradição de existir, embora invisível. Crescendo na sua invisibilidade, sendo gerado mesmo que a contragosto. Numa evolução contínua, num desenvolvimento obstinado, insistindo em surgir. Criando um nó na garganta, cravando aguda dor a dilacerar as fibras do coração. Nascendo finalmente como que um feto de um sentimento machucado. Existindo, mas contrariando a própria existência, numa negação total de si. Tentando encontrar consolo no inverso da vida, na idealização heróica da morte. Buscando na razão o senso lógico, fazendo comparações, descobrindo iguais e diferentes. Sentindo o poderoso choque existente entre o vasto infinito e o espaço delimitado. Curvando-se à pressão da sensação de sufocante e imobilizante clausura. Querendo fugir como que fera aprisionada em astuta armadilha. Perdendo o olhar na profundidade dos abismos, e na altitude dos picos. Reconhecendo haver um confronto entre o que existe de mais alto com o profundo. Não conseguindo nisto manter os sentimentos, - 124 -


percebendo-se como que algo oco. Uma casca sem conteúdo, um recipiente vazio, desestimulando – se consigo. Não reconhecendo –se dentre tantos outros, desejando ser comodamente ninguém. Desprezando a si, mas também a todos demais . Mergulhando na solidão do ego. E na solidão, sentindo a presença de um alguém oculto, brincando de esconder. Jogando com o acaso, criando muitas possibilidades, gerando expectativas. Culminando num processo de ansiedade por respostas às dúvidas ocultas. Num estranho jogo onde tudo pode ser. Talvez um “sim”, talvez um “não”. A Criação Conforme proposto, o objetivo aqui não é identificar um processo, mas constatá-lo, ou seja, o que interessa é que existe a interação trina entre sentido, razão e emoção, onde um sujeito reflete em torno de um objeto. Neste sentido é possível construir esta experiência de criação poética. Neste caso, a partir do sentido do sujeito que identifica o objeto e passa a resignificá-lo por livres associações. Tudo poderia se reduzido a uma relação dual, entretanto, não seria meramente de polarização, mas de contínua movimentação dicotômica. Neste caso, partindo deste particular por vertigem poética, ou indução poética, tenta-se atingir o universal, onde a abstração da razão encontra-se em contínuas interações como a imaginação do sujeito. O Ser e as Bolas Uma bolinha de gude a rolar entre os dedos, aguçando as células táteis, inquietando os pensamentos. - 125 -


Sensibilizando o cérebro, desenvolvendo muitas imagens. Rola pequena bolinha de vidro, com seu brilho falso de pedra preciosa, com sua superfície lisa tocando o acidentado relevo da geografia mental. Rola como que rolo compressor, como força viva cheia da própria onipotência. Rola singela e pura, como que os dogmas indigestos pelas gargantas dos retraídos, invadindo o passivo e pobre esôfago, indefeso ante a força ativa do reles cotidiano. Rola cheia de astúcia, imitando o mito do “Cavalo de Tróia”, penetrando o interior, explodindo em muitos pedaços, fingindo-se de presente enquanto rouba a saúde. Fazendo-se mãe de outras tantas minúsculas bolinhas, incômodas e ínfimas esferas, a bolinar a cabeça daquele que pensa-se poeta, criando conclusões geniais ou obtusas. Levando a crer que quem nasce bola será sempre bola, confundindo e intrigando, gerando um enigma tão discreto que é indecifrável, uma redundante redundância. Mas em meio ao caos, um ponto fixo, a bola das pupilas dos imensos olhos, com suas belas e suaves curvas, trazendo a lembrança do contorno das montanhas, despertando para a inspiração das mágicas e artísticas curvas do perfil feminino. Fazendo, assim, o sentimento ser o feroz feitor da razão, escravo das doces sensações. Debelando a criação que desejava ser filosofia, transformando-a em pretensa poesia. E a poesia transformando o poeta em pintor, - 126 -


tendo a visão de um quadro de muitas bolas. Um vivo e constante mesclar de muitas cores, uma impulsiva atração entre as tantas tintas. Perdendo-se assim do dia a dia, perdendo o olhar na visão do céu e seu fervilhar de estrelas. Vendo a imagem da bola planetária a girar perdida em meio a tantas outras bolas. Sentindo que os pés fogem do chão, pensando ganhar asas que efetivamente não tem. Ficando obstinado pela importância tão essencial que está oculta nessas tantas bolas, naquilo que elas têm de ínfimo a contrapor-se à sua impalpável alma mergulhada no infinito. A Constatação O impulso da criatura para o criador, ou do particular para o universal, ou específico para o todo, uma força gregária determinista em favor do agregar sistêmico, mesmo que momentâneo, dado que em estágio posterior os níveis mais complexos de sistema determinam a abertura dos sistemas menores em favor dos maiores, ou seja, a desagregação atua como dinâmica em favor do movimento de agregar. Novamente não são meras dicotomias, mas mutação contínua, construindo-se ou desconstruindo-se. O ser humano, o sujeito, que já é um sistema bastante complexo, parece ansiar por agregar-se em sistemas, que denominaríamos de etapas sociais, ou seja, o sozinho não quer ser só. Poeta, Alma de Náufrago Ainda que náufrago, Jogaria garrafas com mensagens ao oceano. Ainda que sem garrafas e sem papel, Haveria de imaginar que existissem, Pois que entre o delírio e a realidade que matam, Viveria a ilusão da esperança que acalenta. - 127 -


Sentiria o consolo do afeto que anseio estar perdido, Pois que não o conquistei, Nem meu coração foi por ele conquistado, Antes, vive o abandono; não dos outros, Mas de mim mesmo, pois que é enfadonho ser, Pois que é triste existir, e ainda assim, existo. Pensando haver passividade Quando tudo em mim é profunda rebelião. Não amaria com distância, pois só sei amar com paixão. E, tendo paixão, teria vergonha de mim. Sentir-me-ia fraco ante a minha humanidade, Pois que ainda que inexistente, minha alma é orgulhosa, Irritantemente orgulhosa. E isso não me traz proveito algum, Apenas a força que o tempo há sempre de subjugar. Nisto havendo um saber da natureza, Pois que para o bem coletivo, Todo ego tem que ter limite, Ou a paz seria impossível E o caos nasceria da constância dos confrontos. Não sei por que insisto. Talvez haja a sombra de um náufrago, Um fantasma insepulto que insiste em existir. Que não vai embora, mas não deseja ficar, Que almeja pouco, e isto há de ser tanto... Pois perdido em idéias, enganado em emoções, Haverá um dia de encontrar um olhar, Que quem sabe já habite minha vida, Mas que, inquieto, não desvendo o silêncio. E o silêncio diz tanto... E minha surdez não o escuta. - 128 -


Conclusão Na interação trina de onde nasce a poesia, num instante onde na subjetividade entre razão e imaginação se produz reflexão em torno da significação do captado, estão a olhar para um mesmo objeto captado pela sensibilidade do sujeito. Se a reflexão, entretanto, quer encontrar os limites afirmativos da razão lógica, a poesia vai em sentido inverso: quer a liberdade da negação caótica, num instante de plenitude onde o particular realiza-se no todo, e o todo no particular; o específico no universal e o universal no específico, nela o conceito tem a inexatidão do movimento, enquanto, na filosofia harmonizou em momentâneo equilíbrio. Eis, então, que o criar é um anseio de dizer o que não é dizível, que só que consegue ser aparentemente dito por conta da linguagem, que nos ilude fazendo com que suponhamos ser real aquilo que é apenas momentânea significação. A linguagem faz a ilusão originária tomar forma de realidade ao nominá-la. O Poema e o Poeta Brindo com o copo vazio, O conteúdo está em mim. Não troco sorrisos, nem lágrimas, Mas brinco de esculpir palavras. Finjo que são aladas, que voam. Que têm a liberdade que não tenho. Não o conceito de liberdade, Pois que esta não tem graça, Mas aquela que é utópica, Que é tão distante, Que não se alcança. Que vale mais pelo anseio, Pelo desejo que querer, Do que pelo prazer de ter. Não ocupa os sonhos, - 129 -


Nem mesmo ilusões, É caos absoluto. São cores mesclando-se Na gênese da criação. E isto, pouco importa o que é, Pois o saber é limite, Enquanto o poema É rei mendigo, Andante de tantos caminhos, De trilhas distantes. E qual graça existe nisto? É toda graça desconhecida, É divina, pois que se perde. Não é encontro, pois é fuga. Momento eterno Em meio ao passageiro. Beija-flor de luz, Anjo guerreiro, Arco dourado, Espada solar. No espinho de uma rosa Feri-me, vi o sangue preguiçoso, Vi-me vivo, e assustei.

Gilberto Brandão Marcon Cadeira 06 Patrono Mário Quintana - 130 -


LINDA COMO A FLOR Wildes Antônio Bruscato

Calçada servindo de passaréla (sic) livre, dando passagem para éla (sic) linda, em todo seu esplendor do jardim . a mais linda flor

Andando pela rua, éla (sic) chama atenção Do hómem (sic), faz bater forte o coração Seu corpo, é uma verdadeira formosura na medida cérta (sic) é a sua cintura

O tempo passa, éla (sic) não muda nada Sempre alegre, sorrindo bem humorada Seu nome é lindo, fácil de pronunciar Com ésta (sic) poesia, quéro (sic) a Margarete homenagear - 131 -


SONETO DE AGRADECIMENTO Wildes Antônio Bruscato

Agradeço muito ao ilustre poeta a ode enviada a minha esposa; porém, entendo-a meio careta por não ser, a consorte, mariposa

andeja dessa passarela ou calçada onde entendeste-a a exibir esplendor. De fato, ela nunca muda nada e, realmente, é muito mais que uma flor

fazendo bater forte, corações com seu corpo, ó divina formosura! Mas, lembra-te, meu caro poeta

que dentro de todas as suas opções, ela me escolheu com lhana compostura livrando-se logo de qualquer pateta.

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TUA VIAGEM Wildes Antônio Bruscato

Não posso, sequer, ficar triste. É a tua felicidade! Vais olhar o que nunca viste: de teus ancestrais, a cidade.

Dirigindo de volta à casa e imaginando-te voando, dotei-me, na mente, de asa e contigo fui flutuando

até chegarmos a Lisboa, cidade de todos os fados. Dei-me conta, então, numa boa,

que a imaginação, aos bocados, levou-me a acompanhá-la à toa, pois mesmo longe, somos grudados.

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GIULIA Wildes Antônio Bruscato

Bem quietinha você veio, o nosso mundo encantar e uma vez em nosso meio, mais amor veio espalhar.

A solidão que já vinha batendo à porta dos avós, que a enxergavam bem vizinha, tornou-se você, dela, algoz.

Você movimenta a casa e nos deixa atarantados c’os trejeitos de bebê.

A experiência nos embasa para orarmos, agraciados, por Deus nos ter dado você. - 134 -


MEU GOSTO Wildes Antônio Bruscato

Eu jamais amei alguém do meu gosto, tão do meu gosto que não me causa desgosto. Assim, sempre que vejo teu rosto, sinto no rosto o rubor do suposto amor que até então só me dá gosto. Só hoje que não estás no teu posto sinto grande, forte, o desgosto de não ter-te aqui. Que mau gosto sinto, assim, como sendo imposto um sacrifício que me tinge o rosto com cores da cor do mosto, eis que sozinho no leito posto cheio de gosto, amor e... desgosto.

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ISTO É SAUDADE Wildes Antônio Bruscato

Eu quero ver os teus olhos, pois deles estou saudoso. Minha saudade é tanta que chego a ficar raivoso. Há muito que não contemplo teu semblante. Oh! Quanto tempo! Já quase esqueci o templo no qual oro há tanto tempo. Já perdi a conta dos anos que ajoelho aos pés desse altar no qual, os anjos, ufanos, me ajudam sempre a rezar. Tenho feito ouvido mouco pra hora de te ver, chegar. Hora em que um milênio é pouco pra que eu possa, então, te amar.

Wildes Antônio Bruscatto Cadeira 02 Patrono Ruy Barbosa - 136 -


MORTE E VIDA: SÃO JOÃO DA BOA VISTA ou “A História do Centro da Cidade”, ou ainda: “Quatro Mortes, uma Praça e algumas Ruas” Francisco de Assis Carvalho Arten

Nha Mina

Nhá Mina morreu em sua enorme casa, que ficava onde hoje está o Theatro Municipal de São João da Boa Vista, cercada por seus muitos empregados, com velas acesas por toda a casa e lamento de seus parentes. Embora cercada por muita gente, morreu com a sensação de estar só. Morreu levando consigo uma grande mágoa. Não perdoaria, nem ali, no leito da morte os malditos republicanos da cidade. Passou grande parte de sua vida amaldiçoando a todos eles, humilhada pela derrota pública que impuseram a ela. Ousaram desafiá-la, logo ela, viúva de Misael Tavares Coimbra, um dos fundadores da cidade. Nem isso levaram em consideração. Mais do que desafiá-la expuseram seu nome publicamente, mobilizaram o povo que até abaixo assinado fez contra ela. Passou, desde então, a ser vista com olhares de censura, como alguém que não queria o bem da cidade. Que ironia, pois ninguém mais do que sua família havia feito tantas coisas por São João da Boa Vista. E depois da grande derrota então, sentia, nos olhos da gente da sua cidade, um certo olhar de desafio, deboche, como que dizendo que ela havia sido derrotada e eles vencidos. Ingratos, todos ingratos, é o que considerava Nhá Mina, com uma certa razão. Manoel Tavares e seu sobrinho José Tavares foram personagens importantes na época da fundação da cidade. Manoel era riquíssimo: banqueiro. Construiu uma bela casa, onde hoje está o Theatro Municipal. O quintal ocupava grande parte da atual Praça Joaquim José. Uma grande chácara que terminava bem no meio de onde hoje está a praça, e fazia divisa com o cemitério do pequeno vilarejo, que ocupava o restante da praça atual. Era amigo pessoal do Monsenhor Ramalho, o fundador da cidade, que se hospedava ali, quando vinha para a região e, dali, avistando as - 137 -


montanhas da serra da Mantiqueira é que decidiu construir a igreja de São João Batista, a Igreja Catedral. Decidiu também dar o nome de São João da Boa Vista ao lugarejo, desenhou o traçado das primeiras ruas e distribuiu os terrenos do centro para os amigos, vindos de Mogi Mirim, construírem suas casas e darem início a uma nova cidade. Ramalho havia praticamente sido expulso de Mogi Mirim e seu plano era construir uma cidade tão poderosa como aquela que havia deixado. Havia acabado de ser nomeado senador do Império e não tinha mais um curral eleitoral que lhe desse apoio. Era preciso estabelecer um novo Já a casa do sobrinho José Tavares ficava onde hoje está localizado o prédio do antigo Centro Recreativo Sanjoanense. Casa que recebia os principais líderes da cidade que nascia, para confabulações políticas. O banqueiro era um homem ocupado, viajava muito para Santos e São Paulo, de modo que os assuntos da cidade ficava a cargo do seu sobrinho. A ligação entre os dois parentes era muito forte. Manoel, tinha três filhas e José, cinco filhos homens e uma filha. As três filhas de Manoel acabaram se casando com três filhos de José, formando uma só família. José foi o primeiro Presidente da Câmara de São João, cargo que exerceu por muito anos, até sua morte. Administrou a cidade por muitos anos. Foi também o primeiro Juiz de Paz e curador de órfãos, a quem cabia zelar e cuidar das crianças sem pais. A paixão pela política e o ânimo para trabalhar pelo povoado parece ter contagiado toda a família. Todos os filhos: Jacó, José, Antônio, João e Misael, o capitão Teco, foram vereadores na época. A filha: Francisca Helena também tinha espírito público. Ela e o marido doaram dois alqueires de suas terras para fundar um novo bairro: o São Lázaro. Tudo isso ocorreu na época do Império. Veio a República, os Tavares já haviam deixado a vida pública. Os pioneiros da família já haviam todos morrido. A enorme casa pertencia agora ao filho Misael e foi descrita assim pelo historiador José Osório de Oliveira Azevedo: “Era uma mansão, com muita largueza e muitas acomodações.” Anos mais tarde a casa foi transformada em colégio interno. Em seguida abrigou a primeira Santa Casa de São João, e foi demolida para dar lugar ao Theatro. O quintal era imenso e fazia divisa com o antigo cemitério, ocupando, portanto, grande parte da atual Praça Joaquim José. Em 15 de janeiro de 1902, a Câmara Municipal aprovou uma lei dando origem à principal praça da cidade, a Praça Joaquim José. A maior parte da nova praça foi construída sobre o antigo cemitério e o restante seria construído no terreno de Dona Firmina Castorina de Andrade Tavares, a Nhá Mina, viúva de MIsael Tavares Coimbra. - 138 -


A viúva de Mizael não ficou nada contente com a desapropriação do seu terreno. Tinha implicância com a Câmara de vereadores por ser republicana e considerou a iniciativa como uma provocação, já que os Tavares eram homens da época do Império, conservadores, ligados ao português Monsenhor Ramalho. Naquela Câmara, estavam adversários de seu falecido marido, cunhados e sogro. Daí que Firmina resolve medir força com os vereadores e nega vender seu terreno para construção da Praça Joaquim José. Inicia-se então um longo processo e debates calorosos na Câmara Municipal. Os vereadores estavam divididos entre desapropriar ou não o quintal da casa de Dona Firmina. O vereador Dr. Júlio de Freitas foi um dos principais defensores da desapropriação: “ É de absoluta necessidade para o embelezamento da cidade. Se a Câmara for esperar oportunidade, nunca realizará esse melhoramento.” O povo participou da discussão, encaminhando à Câmara um abaixo-assinado pedindo a desapropriação. O impasse só foi resolvido no dia 5 de maio de 1904, quando, em sessão extraordinária. A votação foi apertada, três votos apenas a favor da desapropriação e uma abstenção. Definitivamente os Tavares já não tinham mais absoluta influência na cidade. Foi assim, em meio à polêmica que nasceu a principal Praça de São João da Boa Vista. Uma vitória entre outros do doutor Julio de Freitas.

Dr. Júlio

A morte do médico Julio Pedreira de Freitas, no dia 21 de julho de 1904, causou grande consternação na cidade. Embora tenham-lhe sido prestadas várias honrarias fúnebres, com um longo cortejo formado por alunos das escolas públicas, pelas quais tanto lutara, Julio Pedreira de Freitas não estava feliz. Afinal era um sonhador e sonhava alto quando o assunto era sua cidade. Imaginava todas as crianças tendo acesso à educação, todos tendo direito a saúde, uma cidade limpa, sem doenças e infecções. Pensou em vários projetos, fez vários planos, lutou muito por eles mas quase todos foram rejeitados. A cidade que sonhou ficou na sua imaginação e esta era a frustração do médico, razão para não estar feliz na hora de sua morte. Júlio de Freitas morreu novo ainda, menos de 40 anos de idade, no momento que estava no auge de uma meteórica carreira política: ocupava o cargo de Intendente Municipal, o mais importante cargo da cidade, o Prefeito de então. Apesar de médico e político morreu pobre. Deixou a viúva Josefina em difícil situação financeira. Não fosse ela uma lutadora não teria tido condições de educar seus filhos. Após a morte do - 139 -


marido, mudou-se para São Paulo, onde enfrentou a vida e venceu. Júlio de Freitas era um sujeito alto, magro, um médico humanitário e benquisto pelo povo. Nasceu no Rio de Janeiro e casou-se com Josefina Ribeiro Arantes, tendo-se transferido para São João. Havia-se tornado muito popular na luta em favor da desapropriação do quintal de Dona Firmina Castorina de Andrade Tavares, a Nhá Mina, para ali ser construída a bela praça do centro de São João da Boa Vista. Foi uma de suas poucas vitórias na Câmara Municipal de então. As outras derrotas foram para ele muito amargas. Júlio de Freitas foi eleito vereador em 1902. Seu discurso foi simples e objetivo: prometeu trabalhar pela higiene e instrução do povo. Tentou fazê-lo. Chegou ao cargo de intendente após a renúncia de Otaviano Carlos de Azevedo, que pensava como ele em vários aspectos. Tanto que Julio de Freitas lutou para que uma das leis de seu antecessor fosse cumprida. Para garantir maior higiene e melhorar o aspecto da cidade elaboraram uma lei determinando que “as casas e muros da área urbana e suburbana da cidade de São João da Boa Vista serão pintadas e caiadas de dois em dois anos, durante os meses de abril, maio e junho, aplicando essas disposições para as portas, janelas e grades que deitam a rua. As casas e muros cujos proprietários sejam reconhecidamente pobres serão caiadas à custa da Câmara”. A morte prematura do Intendente e a rejeição do povo fez com que a lei não fosse cumprida. Também preocupava o Intendente a higiene dos quintais. Aproveitou-se de outra lei de seu antecessor para melhorar este aspecto da cidade. A lei mandava que os quintais permanecessem limpos e, para isso, era preciso rarear a arborização, que prejudicasse a higiene das habitações. A remoção seria por conta dos proprietários. Tentativa inútil, os quintais continuaram sujos por muito tempo. Mas a grande derrota de Julio de Freitas foi seu projeto voltado para a educação das crianças: pupila dos seus olhos. Julio de Freitas era muito querido nas escolas, pois tinha o hábito de visitálas com frequência. Percorria cada uma delas, mesmo as mais distantes, querendo saber como as crianças estavam sendo educadas. Porém, eram poucas as escolas e muitas as crianças. Também eram poucos os recursos da cidade. Julio de Freitas mandou fazer um levantamento e concluiu que havia mais de mil crianças que precisavam ser alfabetizadas. Não havia dinheiro para tanto e, por isso, no dia 30 de dezembro de 1903, propôs que fosse criado um novo imposto, de mil réis para cada pessoa que vivia no município, maior de 18 anos, a ser pago anualmente: imposto a ser pago por cabeça e que, por isso, passou a ser chamado de capitação. Uma - 140 -


ninharia para cada um, mas suficiente para garantir escola para todas as crianças da cidade. Júlio de Freitas havia demonstrado grande habilidade para conseguir a aprovação da desapropriação do terreno de Nha Mina para a construção da praça. Foi ele quem mobilizou a população, responsável por um extenso abaixo-assinado em favor da idéia. Foi preciso muita pressão nos vereadores, já que Nhá Mina era uma matrona ainda poderosa, tendo em vista a enorme influência de sua família na política da cidade. A muito custo conseguiram desapropriar o terreno, construir ali uma bela praça que ía dar nas portas do cemitério do vilarejo. Para que a cidade ficasse ainda mais bonita restava agora mudar o cemitério dali para local mais distante e dar continuidade à praça, construindo o restante no espaço onde estava o cemitério. Porém, a habilidade demonstrada por Júlio de Freitas no episódio da desapropriação do terreno de Nhá Mina não foi suficiente para a aprovação do seu projeto para a educação das crianças. A proposta mereceu uma interminável discussão entre os vereadores. Cada qual apresentava uma emenda, fazia uma sugestão e a discussão se prolongava infinitamente. Na verdade, poucos apoiavam a ideia que acabou sendo rejeitada e as crianças continuaram sem escolas e com a sina de permanecerem miseráveis.

Antônio Dias Paschoal

O professor Antônio Dias Paschoal, o Tunhão, morreu com uma grande frustração. Queria publicar um livro, com crônicas, que contassem a história de São João da Boa Vista. Escreveu várias delas. Publicou em jornais da época, mas o livro “com caricaturas e fotografias no texto”, como ele desejava, não chegou a ver. Certa feita, perguntou ao amigo jornalista Walter Lühmann: “Conseguirei o meu intento ou será isso um “sonho dourado?” Muitas de suas crônicas foram salvas graças ao esforço de Walter Lühmann, que reconhecendo o valor daqueles textos, passou a publicá-los no jornal do qual era o proprietário, a partir de 1949. Cinquenta e três anos depois, o sonho do professor se realizou e suas crônicas saíram em forma de livro, como ele queria. “São João da minha infância”, foi publicada pela Papyrus Livraria por iniciativa de Francisco de Assis Martins Bezerra. Uma pena que o professor, que amava tanto a sua cidade e escreveu tanto sobre ela, jamais tenha visto seu livro publicado.

Através de crônicas de Antônio Dias Paschoal, é possível perceber - 141 -


o impacto que a mudança do cemitério do centro da cidade para local mais distante, no alto da Vila Conrado, provocou. “ A demolição do muro, deu ao cemitério aspecto desagradável. À noite então era impressionante! As sepulturas e túmulos, com as cruzes e as estátuas altas e brancas, sob o céu limpo e estrelado, destacavam-se na escuridão e punham n’alma estremeções de medo e de pavor. Muita gente começou a ver fantasmas, noite alta, no cemitério: -- O vulto era todo branco, com longas roupagens que lhe cobriam o rosto e os pés... Movia-se por sobre os túmulos, levatando, ora um, ora outro braço... À certa hora, vi-o encostar-se a uma grande cruz de madeira. Logo depois, porém, começou a dançar sobre o mármore frio, movendo os dois braços ao mesmo tempo.. Meus cabelos se eriçavam: tive forças para correr com quantas pernas tenho. Nunca mais passarei por ali! O caso é sério. E ninguém mais tinha coragem de passar por ali às horas mortas da noite. Moradores da Avenida Dona Gertrudes ou da Vila Conrado davam a volta pela rua Prudente de Morais ou Floriano Peixoto, estugando sempre o passo, sem olhar para trás.. Através das velhas crônicas, é possível ter um retrato da cidade na época. Ninguém saía à noite sem ter em mãos uma lanterna e um porrete. “A lanterna servia para clarear o caminho, na volta. O porrete era para espantar as cobras, bezerros ou vacas deitadas pelas ruas e calçadas.” São João não tinha iluminação elétrica. Havia um e outro lampião de querosene, um bem longe do outro, com sua luz fraca e tênue, “ que atraia multidões de besouros e mariposinhas”. Os lampiões acendiam-se ao escurecer e apagavam-se poucas horas depois. O funileiro Roberto Santamaria era responsável pelo serviço. Ele próprio é quem fabricava os lampiões. Na época da mudança do cemitério, as pessoas, como nunca, viviam atemorizadas pelos fantasmas e reclamavam a ele pedindo mais iluminação. Sem ter condições de atender à demanda, o funileiro concluía a conversa, dizendo: -- Não adianta. Os fantasmas, depois da meia-noite, vêm mesmo perseguir os que não se recolhem cedo. A mudança do cemitério do centro da cidade para local mais distante foi discutida durante muitos anos. Em 1892, a Câmara Municipal já mostrava as estatísticas apontando para a necessidade da mudança. Em 12 de janeiro daquele ano, foi oferecido um terreno para servir de cemitério, mediante desapropriação. O terreno ficava na margem direita do Córrego São João, próxima ao bairro São Lázaro. O local não foi aceito por - 142 -


não ter boas condições a que se destinava. Os vereadores tiveram que procurar uma nova área e o local escolhido ainda hoje abriga o cemitério da cidade. Porém, para aquisição do terreno, foram necessários quatro anos de muita conversa e negociações. O terreno escolhido pertencia a José Cabral de Vasconcelos e Gabriel Rabelo Guimarães. Gabriel entregou sua parte, sem maiores dificuldades. José Cabral, no entanto, incentivado pelo vereador e advogado Luiz Gambeta Sobrinho, travou uma longa discussão com os vereadores por vários detalhes. Um deles é que desejava que vinte metros do futuro cemitério fossem destinados a sua família. Os vereadores concordaram em ceder apenas dez metros. Discussões assim consumiram quatro anos e só em 1896 é que ficou definido o local para onde seria transferido o cemitério de São João da Boa Vista.

Gertrudes

Conrado Marcondes de Albuquerque faleceu em 1919, longe de São João da Boa Vista, na cidade de Taquaritinga. Embora tenha sido tão importante para a cidade, morreu esquecido pelos sanjoanenses. Foi vereador e intendente responsável por muitas obras, entre elas a abertura da Avenida Dona Gertrudes, a principal avenida da cidade, a mais central. Gertrudes era o nome de sua esposa, razão da homenagem. Mas tão esquecido ficou Conrado que durante anos a cidade discutia quem teria sido Gertrudes. Chegaram a atribuir a outra Gertrudes a honraria e até tentaram mudar o nome da avenida, na década de 20, já que ninguém sabia ao certo quem teria sido essa mulher. Não fossem as pesquisas de Theóphilo Ribeiro de Andrade e José Osório de Oliveira Azevedo, muito provavelmente não se saberia das obras notáveis de Conrado Marcondes de Albuquerque. A Avenida Dona Gertrudes nem tinha este nome ainda. Era, a Avenida, chamada de Francisco Glicério, em homenagem a um dos primeiros ministros do governo republicano. Também não era extensa como hoje. Parava logo depois da Praça Cel. Joaquim José. O nome Dona Gertrudes foi dado em homenagem a Gertrudes da Silva Franco, esposa de Conrado Marcondes de Albuquerque. Ele é descrito assim por José Osorio de Oliveira Azevedo: “Ativo, empreendedor e enérgico, tornou-se o pioneiro dos loteadores de terras em São João. Doou parte de sua fazenda contígua à cidade; nela abriu várias ruas e demarcou as quadras, dividindo em lotes os terrenos. Ofereceu as ruas - 143 -


ao município e doou terreno para a construção da Santa Casa de Misericórdia.” O fato é que Conrado chegou a ser eleito vereador de São João da Boa Vista entre 1896 e 1898 e por dois anos exerceu a Intendência do Município, o que corresponderia hoje a ser Prefeito. Fez vários planos para a cidade que nascia. Entre eles o de fornecer água potável abundante à cidade. Fundou uma vila que hoje leva o seu nome, Vila Conrado. No alto desta vila foi construído o novo cemitério da cidade. Conrado era da cidade de Amparo. Comprou uma fazenda na cidade, que se estendia dos limites do município até o Rio Jaguari. Na sua propriedade havia sido construído um lindo chalé, que hoje se tornou o Palmeiras Futebol Clube. Comprou este chalé de Arthur de Castro e, antes de se tornar clube, após Conrado, nele morou o Coronel João Osório e depois o Capitão Vitor Manoel de Andrade Dias. Ficou abandonado durante alguns anos até que o fazendeiro João Batista Bernardes adquiriu o imóvel para ali instalar o Palmeiras Futebol Clube. Ao promover o loteamento da Vila que leva seu nome, Conrado pensou em dar ao novo bairro acesso mais rápido ao centro. Daí doou os terrenos que eram de sua propriedade abrindo a avenida e pedindo à Câmara, como retribuição, que fosse feita homenagem a sua esposa, a Dona Gertrudes. Fez outra exigência: de que a Avenida passasse em frente ao seu chalé, seguindo em frente até dar entrada na sua Vila. E assim ficou: logo após a Praça Joaquim José, onde antes havia sido o cemitério, abriu-se uma nova avenida, com uma curva bem acentuada para que pudesse passar em frente ao chalé do doador. E a Avenida parou aí, não dando acesso a nenhuma saída da cidade. Naquela época só havia dois caminhos para se entrar em São João da Boa Vista. Pela estrada de ferro ou pela Rua General Osório. Da Praça Joaquim José, seguindo pela Praça Roque Fiori, descia a rua General Osório, passando pelo bairro Cubatão, onde hoje está o prédio Central da Unifeob e em seguida subia aquele imenso morro até chegar à estrada. Tudo era conhecido por estrada do Bairro Alegre, inclusive o morro. Este tinha outro nome bem típico, dado pelo povo. Ficou conhecido por todos, até a década de 1970, aproximadamente, por Morro da Canjica. Vez por outra ainda encontra-se, tantos anos depois, alguém, de mais idade, que assim se refere ao falar do final da Rua General Osório. A subida era tão íngreme e na época de chuva tão difícil de transitar, que era preciso comer muita canjica para ganhar força. - 144 -


Ampliada a avenida central da cidade, dado-lhe o nome de Dona Gertrudes, quiseram os moradores que a cidade tivesse outra opção de acesso até a estrada. Um meio de cortar caminho, sem ter que atravessar o famoso Morro da Canjica. Procuravam uma solução, quando um espanhol, proprietário de uma chácara localizada no final da Avenida, se propôs a doar parte de sua propriedade, deixar que o acesso a atravessasse, ligando a Dona Gertrudes até o caminho em direção a estrada. Talvez inspirado no gesto de Conrado Albuquerque, fez a doação com a condição de que a nova rua homenageasse sua esposa: Olaia. Daí o nome da rua, que cruza com a Dona Gertrudes. A rua Victor Dias, bem estreita, ao lado do antigo chalé e hoje clube Palmeiras foi aberta anos depois. Conrado já havia mudado de São João da Boa Vista, vendido o chalé, que nesta época pertencia ao capitão Victor Dias, então um importante cafeicultor da região. Era ainda uma imensa chácara , que se estendia até a rua Olaia e de fundos ocupava uma enorme área. Mas veio a crise de 29 e Victor Dias sofreu dificuldades financeiras. Tendo que vender parte de sua propriedade para levantar recursos, ele loteou o fundo de sua chácara em vários terrenos. E como era uma propriedade particular, abriu uma estreita rua para dar acesso aos compradores dos seus lotes. E assim o tempo passa em São João da Boa Vista e as coisas alegres e tristes acontecem sem que, na maioria das vezes, na grande maioria das vezes, delas se tenha controle. Planta-se e colhe-se, erguem-se construções e outras são demolidas. A vida passa, as pessoas vão e vêm, sorriem e choram, nascem, envelhecem e morrem, para que outras recomecem.

Francisco de Assis Carvalho Arten Cadeira 10 Patrono Darcy Ribeiro - 145 -


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ACADÊMICOS DESDE A FUNDAÇÃO DA ALSJBV EM 1971

CADEIRA 01 01- Dom Tomás Vaquero – posse em 15/11/1971 Patrono: Beato José de Anchieta 02- Dom Dadeus Grings – posse em 16/12/1993 Patrono: Beato José de Anchieta 03- Ronaldo Frigini – posse em 17/02/2001 Patrono: Graciliano Ramos CADEIRA 02 04- Octávio da Silva Bastos – posse em 15/11/1971 Patrono: Ruy Barbosa 05- Wildes Antônio Bruscato - posse em 20/09/1985 Patrono: Rui Barbosa CADEIRA 03 06- Francisco Roberto de Almeida Júnior – “Roberto Jr.” posse em 15/11/1971 Patrono: Alphonsus de Guimaraens 07- Munir Moukarzel – posse em 19/10/1974 Patrono: Alphonsus de Guimaraens 08- Eurico Andrade Azevedo – posse em 13/03/2004 Patrono: Alphonsus de Guimaraens 09- Lincoln Amaral – posse em 31/08/2012 Patrono: Alphonsus de Guimaraens CADEIRA 04 10- Octávio Pereira Leite – posse em 15/11/1971 Patrono: José de Alencar 11- Maria Aparecida Pimentel Mangeon Oliveira – posse em 21/09/1991 Patrono: José de Alencar 12- Maria Cândida de Oliveira Costa – posse em 08/03/2008 Patrona: Jaçanã Altair CADEIRA 05 13- Abelardo Moreira da Silva - posse em 15/11/1971 Patrono: Visconde de Taunay 14- João Batista Rozon – posse em 19/03/1994 Patrono: Visconde de Taunay - 147 -


CADEIRA 06 15- Palmyro Ferranti – posse em 15/11/1971 Patrono: José de Souza Lima 16- Gilberto Brandão Marcon - posse em 21/08/2010 Patrono: Mário Quintana CADEIRA 07 17- Reverendo José Rodrigues Cordeiro -posse em 15/11/1971 Patrono: Coelho Neto 18- Ana Lúcia Sguassábia Silveira Finazzi - posse em 13/03/1999 Patrono: Coelho Neto CADEIRA 08 19- Joaquim José de Oliveira Neto – posse em 15/11/1971 Patrono: Oswaldo Cruz 20- Roberto Melaragno Filho - posse em 22/08/1992 Patrono: Oswaldo Cruz 21- Reverendo Augusto César Pinheiro - posse em 13/03/1999 Patrono: Oswaldo Cruz 22- Sônia Maria Silva Quintaneiro - posse em 10/01/2001 Patrono: José Lins do Rego CADEIRA 09 23- Emílio Lansac Thôa – posse 15/11/1971 Patrono: Raul de Leoni 24- João Batista Sguassábia – posse em 21/12/1984 Patrono: Raul de Leoni 25- Silvia Tereza Ferrante Marcos - posse em 14/02/2009 Patrono: Raul de Leoni CADEIRA 10 26- Lícinio Vita da Silva – posse em 15/11/1971 Patrono: Washington Luis Pereira de Souza 27- Benedicto Bernal Costa – posse em 19/03/1994 Patrono: Washington Luis Pereira de Souza 28- Francisco de Assis Carvalho Arten – posse em 13/03/1999 Patrono: Darcy Ribeiro CADEIRA 11 29- Ademaro Prézia – posse em 15/11/1971 Patrono: Machado de Assis 30- Maria Célia de Campos Marcondes – posse em 21/09/1991 Patrono: Machado de Assis

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CADEIRA 12 31- Dom Luiz Gonzaga Bergonzini – posse em 15/11/1971 Patrono: Dom Aquino Corrêa 32- Antonio Marcelino de Oliveira - posse em 22/08/1992 Patrono: Dom Aquino Corrêa 33- Dirce da Silva Fernandes Ortolani – posse em 2002 Patrono: Carlos Drummond de Andrade 34- Luiza Dezena Torres Silva - posse em 23/06/2007 Patrono: Carlos Drummond de Andrade 35- Décio Teixeira Noronha - posse em 21/08/2010 Patrono: Carlos Drummond de Andrade CADEIRA 13 36- Hélio Corrêa Fonseca – posse em 15/11/1971 Patrono: Humberto de Campos 37- Adélia Jorge Adib Nagib - posse em 11/12/1982 Patrono: Humberto de Campos 38- Lucelena Maia - posse em 24/10/2009 Patrono: Humberto de Campos CADEIRA 14 39- José Osório de Oliveira Azevedo – posse em 15/11/1971 Patrono: Afonso D’ Escragnolle Taunay 40- Teófilo Ribeiro de Andrade Filho - posse em 25/09/1976 Patrono: Afonso D’ Escragnolle Taunay CADEIRA 15 41- Odila de Oliveira Godoy – posse em 15/11/1971 Patrono: Casimiro de Abreu 42- José Osório de Azevedo Júnior - posse em 18/01/2008 Patrono: Mário de Andrade CADEIRA 16 43- Jordano Paulo da Silveira – posse em 15/11/1971 Patrono: Olavo Bilac 44- Heitor Fenício - posse em 05/08/1978 Patrono: Olavo Bilac 45- José Rosa Costa - posse em 12/12/1987 Patrono: Olavo Bilac CADEIRA 17 46- Fábio de Carvalho Noronha – posse em 15/11/1971 Patrono: Francisco Dias Paschoal 47- José Carlos Magalhães Teixeira - posse 12/04/1980 - 149 -


Patrono: Francisco Dias Paschoal 48- João Baptista Scannapieco – posse em 26/10/1996 Patrono: Francisco Paschoal CADEIRA 18 49- Milton Duarte Segurado – posse em 15/11/1971 Patrono: Euclides da Cunha 50- Jonathas Mattos Júnior “Jotinha”– posse em 21/09/1991 Patrono: Euclides da Cunha 51- Plínio de Arruda Sampaio – posse em 18/12/2007 Patrono: João Cabral de Mello Neto CADEIRA 19 52- Maria Leonor Alvarez Silva – posse em 15/11/1971 Patrona: Jaçanã Altair 53- José Simoni – posse em 13/11/1987 Patrono: Mário de Andrade 54- Reverendo Décio Madruga – posse em 10/01/2001 Patrono: Nelson Omegna 55- João Otávio Bastos Junqueira - posse em 15/08/2007 Patrono: Paulo Freire CADEIRA 20 56- Benedito José Barreto Fonseca – posse em 15/11/1971 Patrono: Castro Alves 57- Christino Cardoso de Pádua - posse em 21/09/1991 Patrono: Castro Alves 58- Lauro Augusto Bittencourt Borges - posse em 28/07/2007 Patrono: Castro Alves CADEIRA 21 59- Monsenhor Antonio David – posse em 15/11/1971 Patrono: Dom Duarte Leopoldo e Silva 60- Padre José Benedito de Almeida David – posse em 21/12/1984 Patrono: Dom Duarte Leopoldo e Silva CADEIRA 22 61- Almir Paula Lima – posse em 15/11/1971 Patrono: Firmino da Costa 62- Reverendo Isaias Henriques Cortez - posse em 27/03/1982 Patrono: Firmino da Costa 63- Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira - posse em 13/03/1999 Patrono: Mário Palmério

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CADEIRA 23 64- Hercílio Ângelo – posse em 15/11/1971 Patrono: João Guimarães Rosa 65- Celina Maria Bastos Varzin – posse em 27/03/1982 Patrono: João Guimarães Rosa CADEIRA 24 66- Antonio Ferraz Monteiro – posse em 15/11/1971 Patrono: Manuel Carlos de Figueiredo Ferraz 67- Maria José Aranha de Rezende - posse em 09/08/1975 Patrono: Manuel Carlos de Figueiredo Ferraz 68- Esmeralda Peregrino de Moura - posse em 19/08/1995 Patrono: Manuel Carlos de Figueiredo Ferraz 69- Vânia Gonçalves Noronha - posse em 08/03/2008 Patrono: Vinicius de Moraes CADEIRA 25 70- Eunice Veiga – posse em 15/11/1971 Patrono: Manuel Bandeira 71- João Sérgio Januzelli de Souza – posse em 18/11/2006 Patrono: Manuel Bandeira CADEIRA 26 72- Jurandir Ferreira – posse em 15/11/1971 Patrono: Vicente de Carvalho 73- Francisco Cozzupoli – posse em 05/05/1986 Patrono: Vicente de Carvalho 74- Thiago Menezes - posse em 17/02/2001 Patrono: Gregório de Mattos 75- José Carlos Sibila Barbosa – posse em 18/11/2006 Patrono: Gregório de Mattos CADEIRA 27 76- Geraldo Majela Furlani – posse em 15/11/1971 Patrono: Gastão Gruls 77- João Batista Pereira Bastos - posse em 24/09/1982 Patrono: Gastão Gruls 78- Antônio “Nino” Barbin – posse em 21/09/1991 Patrono: Érico Veríssimo CADEIRA 28 79- Reverendo Júlio Andrade Ferreira – posse em 15/11/1971 Patrono: Erasmo Braga 80- Luiz Antonio Spada – posse em 19/08/1995 Patrono: Guilherme de Almeida - 151 -


CADEIRA 29 81 - João Cabete – posse em 15/11/1971 Patrona: Carmen Cinira 82- José Geraldo Brito Filomeno – posse em 18/03/1988 Patrono: Raimundo Corrêa 83- Antonio de Pádua Barros – posse em 19/08/1995 Patrono: Raimundo Correa CADEIRA 30 84- Plínio Silva – posse em 15/11/1971 Patrono: Affonso Schmidt 85- Oswaldo de Oliveira Silveira – posse em 22/08/1981 Patrono: Affonso Schmidt 86- Salomão Vieira – posse em 17/02//2001 Patrono: João Cabral de Melo Neto 87- Neusa Maria Soares de Menezes – posse em 08/03/2008 Patrono: Euclydes da Cunha CADEIRA 31 88- Juversino Garcia de Oliveira – posse em 15/11/1971 Patrono: Paulo Setúbal 89- Beatriz Virginia Camarinha Castilho Pinto - posse em 20/06/1998 Patrono: Paulo Setúbal CADEIRA 32 90- Nise Martins Laurindo – posse em 15/11/10971 Patrono: Francisco Antonio Martins Júnior 91- Iolanda Gabriela Oliveira Azevedo “Iola” - posse em 20/06/1998 Patrono: Carlos Drummond de Andrade 92- Francisco de Assis Martins Bezerra – posse em 21/09/2002 Patrona: Orides Fontela 93- Antônio Carlos Rodrigues Lorette - posse em 29/07/2007 Patrona: Orides Fontela CADEIRA 33 94- Fábio Rodrigues Mendes – posse em 15/11/1971 Patrono: Gonçalves Dias 95- Neyde de Lima Santos Corbelli – posse em 27/03/1982 Patrono: Gonçalves Dias 96- Carmen Lúcia Balestrin – posse em 19/03/2005 Patrona: Cora Coralina CADEIRA 34 97- Oscar Burgos Possolo – posse em 15/11/1971 - 152 -


Patrono: Joaquim José da Silva Xavier – “Tiradentes” 98- Marcello Godoy – posse em 27/03/1982 Patrono: Joaquim José da Silva Xavier – “Tiradentes” 99- Jorge Gutemberg Splettstoser – posse em 21/09/2002 Patrono: José de Alencar CADEIRA 35 100- Leão de Salles Machado – posse em 15/11/1971 Patrono: Amadeu de Queiroz 101- Paulo Mangabeira Albernaz – posse em 06/08/1977 Patrono: Amadeu de Queiroz 102- Nege Além – posse em 24/09/1982 Patrono: Casimiro de Abreu CADEIRA 36 103- José Magalhães Navarro – posse em 15/11/1971 Patrono: Barão do Rio Branco 104- João Ruiz Silva - posse em 20/06/1998 Patrono: Rubem Braga 105- Maria Inês Araújo Prado – posse em 18/11/2006 Patrona: Patrícia Redher Galvão “Pagu” 106 – Carmen Lia Batista Botelho Romano – posse em 31/08/2012 Patrona: Patrícia Redher Galvão “Pagu” CADEIRA 37 107- José Assis Canoas – posse em 15/11/1971 Patrono: Álvares de Azevedo 108- Percival Bacci – posse em 22/08/1992 Patrono: Álvares de Azevedo 109- Gilda Magalhães Nardoto - posse em 13/03/2004 Patrono: Menotti Del Picchia 110- João Batista Gregório - posse em agosto de 2013 Patrono: Menotti Del Picchia CADEIRA 38 111- Hélio Carvalho Teixeira – posse em 15/11/1971 Patrono: David Antunes 112- Reverendo Edwald Vallin - posse em 05/11/1993 Patrono: David Antunes 113- Donisete Tavares Moraes Oliveira - posse em 06/02/2010 Patrono: Gonçalves Dias CADEIRA 39 114- Acácio Ribeiro Vallim – posse em 15/11/1971 Patrono: Alexandre de Gusmão - 153 -


115- Francisco Maríngolo - posse em 27/03/1982 Patrono: Alexandre de Gusmão 116- Maria José Gargantini Moreira da Silva - posse em 20/06/1998 Patrona: Clarice Lispector CADEIRA 40 117- Nelson Palma Travassos – posse em 15/11/1971 Patrono: Monteiro Lobato 118- Carino Gama Correia Filho - posse em 23/08/1985 Patrono: Monteiro Lobato 119- Maria Cecília Azevedo Malheiro – posse em 17/02/2001 Patrono: Monteiro Lobato CADEIRA 41 120- José Paranhos de Siqueira - posse em 17/06/1978 Patrono: Pedro Saturnino 121- José Edgard Simon Alonso - posse em 17/12/1988 Patrono: Pedro Saturnino 122- Vedionil do Império - posse em 20/06/1998 Patrono: Lima Barreto CADEIRA 42 123- Mário Ferreira Balbão - posse em 24/09/1977 Patrono: Mário de Andrade 124- Ademir Barbosa de Oliveira – posse em 21/09/1991 Patrono: Mário de Andrade 125- Rodrigo Alexandre Rossi Falconi – posse em 18/11/2006 Patrono: Pedro Nava CADEIRA 43 126- Maria Luiza Barcellos do Amaral - posse em 15/11/1977 Patrono: Cândido Portinari 127- Clineida Andrade Junqueira Jacomini - posse em 19/03/1994 Patrono: Rubem Braga CADEIRA 44 128 - Lucila Martarello Astolpho - posse em 15/11/1977 Patrona: Cecília Meirelles 129- Clóvis Vieira – posse em 23/06/2007 Patrona: Cecília Meirelles CADEIRA 45 130- Arlindo Morandini – posse em 02/12/1978 Patrono: Barão de Mauá 131- Ernani De Almeida Paiva - posse em 27/03/1982 Patrono: Pe. Antonio Vieira - 154 -


MEMBROS CORRESPONDENTES

Antonio Gabriel Matão - posse em 15/10/1980 Artur Garibaldi Pereira Braga - posse em 06/03/1982 Cyro Armando Catta Preta – posse em 14/11/1981 João Chiarini – posse em 15/11/1980 Marcos Vinicius de Moraes - posse em 15/11/1980 Maria Conceição Arruda Toledo – posse em 05/05/1984 Noemio Spada - posse em 19/10/84 Sylvio Richard – posse em 24/09/1981

MEMBROS HONORÁRIOS

Almino Monteiro Álvares Affonso – posse em 28/04/2004 Antônio Cândido de Mello e Souza - posse em 30/09/1998 Edivina Noronha Andrade – posse em 15/11/1975 Lavínia de Abreu Moreira da Silva - posse em 21/03/1981 Lourdes de Jesus - posse em 13/11/1987 Lygia Fagundes Telles – posse em 26/06/1993 Miriam Pipano – posse em 22/11/2010 Welson Barbosa – posse em 14/11/1981 - 155 -


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Presidentes da Academia de Letras dos dias atuais até sua fundação em 1971

Lucelena Maia Francisco de Assis Carvalho Arten Maria Célia de Campos Marcondes Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira Maria Aparecida Pimentel Mangeon Oliveira - três gestões Maria Célia de Campos Marcondes José Edgard Simon Alonso Wildes Antônio Bruscato Octávio Pereira Leite - três gestões Dom Tomás Vaquero - três gestões Biênio 2013/2014 PRESIDENTE: Lucelena Maia 1º VICE-PRESIDENTE: Antonio Carlos Rodrigues Lorette 2º VICE-PRESIDENTE: João Sérgio Januzelli de Souza 1ª SECRETÁRIA: Silvia Tereza Ferrante Marcos De Lima 2ª SECRETÁRIA: Maria Cândida de Oliveira Costa 1º TESOUREIRO: Lauro Augusto Bittencourt Borges 2ª TESOUREIRA: Vânia Gonçalves Noronha 1ª BIBLIOTECÁRIA: Maria Célia de Campos Marcondes 2º BIBLIOTECÁRIO: Antônio “Nino” Barbin CONSELHO FISCAL: Luiz Antônio Spada Donisete Tavares Oliveira Ronaldo Frigini Biênio 2011/12 PRESIDENTE: Francisco de Assis Carvalho Arten 1º VICE PRESIDENTE: Vedionil do Império 2º VICE PRESIDENTE: Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira 1º SECRETÁRIO: Gilberto Brandão Marcon 2ª SECRETÁRIA: Sílvia Tereza Ferrante Marcos De Lima 1º TESOUREIRO: Lauro Augusto Bittencourt Borges 2ª TESOUREIRA: Sônia Maria Silva Quintaneiro 1ª BIBLIOTECÁRIA: Maria Célia de Campos Marcondes 2ª BIBLIOTECÁRIA: Gilda Magalhães Nardoto CONSELHO FISCAL: Donisete Tavares Moraes Oliveira José Rosa Costa Luiz Antônio Spada - 157 -


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INDÍCE Apresentação..........................................................................................03 Acadêmicos na Atualidade......................................................................07 Teófilo Ribeiro de Andrade Filho O Perigo do Duplo Sentido..........................................09 João Batista Rozon Poema da Amizade.....................................................13 Flores, Flores, Flores...................................................15 Maria José Gargantini Moreira Ao Meu Amado Neto..................................................17 Poema de Amor à minha Neta Maitê..........................19 Serra da Paulista..........................................................21 Mini Conto...................................................................23 Lauro Augusto Bittencourt Borges Art Macaubeau...........................................................25 Protozoários em Fúria................................................29 Infância, Memórias e Viagens.....................................31 Nege Além O Velho Pescador.........................................................35 Maria Cândida de Oliveira Costa Juventude? Quem sois?..............................................39 José Carlos Sibila Barbosa O Amigo do Zé da Moças.............................................43 - 159 -


Silvia Tereza Ferrante Marcos De Lima Esconderijo..................................................................45 Clara.............................................................................47 Clineida Andrade Junqueira Jacomini Revolução de 1932......................................................51 Vedionil do Império O Ateu e o Cristão.......................................................57 Palestra no Rotary.......................................................61 Lucelena Maia Páginas Virgens..........................................................65 Silêncio que Seiva.......................................................69 Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira Homens.......................................................................71 Casamento...................................................................73 Neusa Maria Soares de Menezes Caminhos e Veredas....................................................75 A Vida e suas Opções de Escolha................................77 Lincoln Amaral Cicatriz Bovina.............................................................81 Maria Célia de Campos Marcondes Um Conto....................................................................87 Dimamantina/MG.......................................................91 A Esperança Utópica das Multidões Fugidias..............93 José Osório de Azevedo Jr. 1932 - Uma Crônica Familiar.......................................95

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Antônio “Nino” Barbin O Professor de Música...............................................103 O Relógio do Nono....................................................107 João Baptista Scannapieco Costumes e Tradições do Bairro do Rosário..............109 À Margem da História................................................111 Gilda Magalhães Nardoto Mesmo não sendo um Acadêmico um Nobel...........115 Antônio de Pádua Barros Será que Valeu a Pena?.............................................119 Gilberto Brandão Marcon Reflexões Filosóficas a Partir da Poética...................123 Wildes Antônio Bruscato Linda como a Flor......................................................131 Soneto de Agradecimento.........................................132 Tua Viagem................................................................133 Giulia..........................................................................134 Meu Gosto.................................................................135 Isto é Saudável...........................................................136 Francisco de Assis Carvalho Arten Morte e Vida: São João da Boa Vista.........................137 Acadêmicos...........................................................................................147 Membros Correspondentes e Honorários.............................................155 Presidentes e Diretoria Biênio 2011/12................................................157 - 161 -


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