Antologia do XXIX Concurso Literário de Poesia e Prosa

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XXIX CONCURSO LITERÁRIO DE POESIA E PROSA

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FICHA TÉCNICA

DIAGRAMAÇÃO Neusa Maria Soares de Menezes

ARTE DA CAPA Vanessa Poli Hoffmann Matheus Alves

REVISÃO TEXTUAL Beatriz Virgínia Camarinha Castilho Pinto Maria José Gargantini Moreira da Silva

COORDENAÇÃO GERAL Nívea Poli Barbosa

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PALAVRA DA PRESIDENTE

Publicar a Antologia do XXIX Concurso Literário de Poesia e

Prosa e lançá-la em uma cerimônia de premiação – mesmo que em formato virtual – é motivo de júbilo para esta Diretoria.

Júbilo por ter a inspiração literária se sobreposto ao abati-

mento moral que, em maior ou menor escala, a todos nos afeta nestes tristes tempos de pandemia. Júbilo, especialmente, por terem os participantes do Concurso se desprendido das coisas comezinhas do cotidiano e, em seus textos, esboçarem um mundo melhor e mais pleno.

A vocês, participantes do XXIX Concurso Literário, cum-

primento-os por, no isolamento presente, abrirem-se em palavras a seus leitores, com eles compartilhando suas vivências, seus mais íntimos sentimentos e seus melhores sonhos. Ouso dizer que, em suas vozes, a literatura se mostra como uma forma de resistência.

Neste ano em que a Academia completa cinquenta anos de

existência – e o Concurso Literário, vinte e nove edições ininterruptas – nós, acadêmicos atuais, sentimo-nos realizados por terem os ideais literários nossos e dos nossos predecessores resistido ao tempo. Foi de forma tímida que o Concurso nasceu, em 1993, quando a Academia tinha já vinte e um anos de existência. A ideia fora gestada por longo tempo, mas esbarrava em dificuldades práticas. Passados vinte e nove anos, o Concurso Literário de Poesia e Prosa da Academia de Letras de São João da Boa Vista é um evento consolidado. Sobretudo, orgulha-nos saber que, entre aqueles jovens vencedores dos nossos concursos, vários hoje se aventuram -5-


na arte da palavra: são poetas, cronistas, romancistas (vários deles com livros publicados), livreiros, produtores culturais, jornalistas, profissionais do teatro e da comunicação. Alguns deles, para nosso orgulho, tornaram-se nossos pares: são hoje acadêmicos nesta Casa de Letras.

É uma honra que este XXIX Concurso Literário tenha como

patrono o acadêmico João Batista Rozon, exímio poeta e prosador. Ele é um dos decanos desta Casa de Letras, onde ingressou em 1994 como titular da cadeira 5, tendo como patrono Visconde de Taunay.

Finalizado o Concurso, obra de muitas mãos, é hora de agra-

decer. Agradeço aos inscritos por prestigiarem nossa instituição e nela confiarem, bem como aos pais e professores que estimularam os jovens concorrentes. Especial menção merecem os dezenove acadêmicos que participaram como julgadores e revisores, emprestando seus conhecimentos a esse cuidadoso trabalho. De forma especial, agradeço à confreira Neusa Menezes, incansável parceira na montagem e diagramação desta e de tantas outras Antologias e Certificados, e a Vanessa Poli Hoffmann, responsável pela arte estampada na capa desta Antologia, no convite e em demais materiais. Toda minha deferência à confreira Nívea Poli Barbosa, pela impecável condução de mais este Concurso, desde a elaboração do Edital até a cerimônia de premiação.

Cumprimento os poetas e prosadores – inclusive aqueles

não premiados – pela alta qualidade de seus trabalhos e os incentivo a continuar a escrever e a se aprimorar na arte da escrita. Aos classificados, parabéns e êxito na caminhada! Seus nomes já estão gravados nesta Arcádia. Beatriz Castilho Pinto Cadeira n° 31 Patrono: Paulo Setúbal Presidente da ALSJBV -6-


PALAVRA DO PATRONO

Muito honrado pelo convite de ser o patrono do XXIX Concurso Literário de Poesia e Prosa - Edição 2021 de nossa querida Academia de Letras de São João da Boa Vista, apresento algumas palavras sobre o início de minha experiência no mundo da literatura e sobre a importância do Concurso. Ainda no primário, hoje ensino fundamental, comecei a escrever os primeiros versos. Não era concurso, eram redações a partir de uma figura ou um tema. Assim, timidamente, ao invés de verbalizar, preferia também entregar por escrito versos com palavras de conforto a minha saudosa mãe, com base nas cenas do dia a dia. Não sabia, muitos anos depois me disseram que eram poesias. Podemos ver o valor do incentivo à literatura já nos primeiros anos escolares. Parabenizo a Academia de Letras de São João da Boa Vista pela realização do Concurso Literário de Poesia e Prosa, e louvo sua importância, promovendo a criatividade, o conhecimento e a oportunidade de todos participarem com seus textos, de forma livre, em poesia e prosa. A literatura que transforma, toca os sentimentos e leva a mundos tanto imaginários como reais, revela sonhos, constrói sempre o novo. A arte de escrever deve sempre ser promovida, incentivada, seja em forma de Concurso, Antologia ou publicação de livros pelas editoras ou através de incentivo à cultura. Já dizia Monteiro Lobato: “Um país se faz com homens e livros.” -7-


Parabéns a todos, classificados e participantes do Concurso; continuem escrevendo, criando, dando vida aos sentimentos. Foi maravilhoso participar e ler centenas de textos, conhecendo um pedacinho de cada um.

João Batista Rozon Cadeira nº 5 Patrono:Visconde de Taunay

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Palavra da Coordenadora

Com esta Antologia, encerramos mais um Concurso Literário de Poesia e Prosa da Academia de Letras de São João da Boa Vista. Infelizmente, 2021 continua um ano atípico, uma vez que, ainda estamos passando pelas tribulações de uma pandemia que levou tantas vidas, deixando dor e tristeza. Mas nosso Concurso não arrefeceu e, com determinação, manteve seu objetivo maior, que é buscar talentos na literatura da nossa tão apreciada língua portuguesa. E eu, como Coordenadora do XXIX Concurso Literário, também acreditei e trabalhei para que nada interferisse no sucesso desta nobre missão que é levar oportunidades a todos que têm a sensibilidade das letras nas mãos e na alma. A resposta ao nosso Concurso foi como esperávamos, textos em prosa e poesia vindos de vários lugares do Brasil e de outros países como Portugal, Itália, Romênia, Japão, Canadá e Argentina. Tivemos 640 (seiscentas e quarenta) inscrições. Assim, esta Arcádia, novamente, se sentiu venturosa por receber tantos trabalhos de escritores(as) que abrilhantaram o Concurso. Agradeço ao confrade João Batista Rozon que, gentilmente, aceitou o nosso convite para ser o Patrono deste Concurso Literário. -9-


Às confreiras Beatriz V. C. Castilho Pinto e Maria José G. Moreira Silva, meu muito obrigada, por estarem sempre disponíveis para a revisão textual das obras premiadas. Obrigada, confreira Neusa Maria Soares de Menezes pela sua dedicação na diagramação da nossa Antologia. Mais uma vez, agradeço a minha filha, Vanessa Poli Hoffmann, que há três anos vem nos ajudando na arte da capa da Antologia. Meu sincero agradecimento aos colegas acadêmicos que, voluntariamente, se dispuseram a colaborar como julgadores das obras a nós encaminhadas. A todos os participantes, em especial aos vencedores deste conceituado Concurso Literário de Poesia e Prosa, parabéns! “Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima, à autenticidade de um verso.” (Cora Coralina) A Academia de Letras de São João da Boa Vista sente-se honrada pela participação e confiança que vocês depositaram no nosso trabalho! Até o próximo ano.

Nívea Poli Barbosa Cadeira nº 35 Patrono: Casimiro de Abreu Coordenadora do XXIX Concurso Literário de Poesia e Prosa

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POESIA Prêmio Emílio Lansac Toha

Emílio Lansac Toha (1897-1984), um dos fundadores da

Academia de Letras de São João da Boa Vista, era exímio sonetista e, como tal, empresta seu nome ao Prêmio Literário promovido pela instituição na modalidade de Poesia.

Natural de São Simão/SP, Emílio Lansac formou-se em

Contabilidade e em Direito. Fundou o Instituto Comercial e atuou como professor titular de Direito Comercial na Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas (atual Unifae) e na Faculdade de Direito (atual Unifeob) de São João da Vista. Foi diretor dos jornais A Cidade de São João e O Constitucionalista, bem como redator dos jornais O Município e A Evolução. Em São Paulo, fundou o jornal literário O Colibri. Foi diretor e redator-chefe da revista Crepúsculo e da Revista de Contabilidade. Colaborou em todos os jornais, tendo-se destacado no período da Revolução Constitucionalista de 1932. Foi membro correspondente de academias e instituições culturais de todo o país.

Publicou os livros Entardecer (sonetos), Mensagem, Reman-

so, Vigília de ternura, Todos cantam sua terra, Cântaro vazio, Antologia poética e Verbena. Quando faleceu, estava com outros dois livros prontos para publicação: Aclive e Música ao longe, este último com sonetos originais.

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Prêmio Especial Octávio Pereira Leite para autores com idade superior a 60 anos

Octávio Pereira Leite (1902-1989) foi um dos fundadores e

principais organizadores da Academia de Letras de São João da Boa Vista. Foi seu presidente por três gestões consecutivas, de 1981 até sua morte. Escritor inspirado, teve seu nome atribuído ao Prêmio Literário destinado aos maiores de sessenta anos de idade, seja em prosa ou poesia.

Pereira Leite nasceu em Bananal/SP. Exercendo a atividade

de cartorário, residiu em Mogi Mirim, onde também colaborava em jornais, e em São José do Rio Pardo, cidade em que chegou a prefeito. Mudou-se para São João da Boa Vista, onde atuou como tabelião, redator do jornal A Cidade de São João e vereador. Foi ainda cofundador da Sociedade Cultural de Debates e do Serviço de Assistência Social, além de presidente do Rotary Clube, tendo recebido o título de cidadão honorário sanjoanense em 1967.

É autor dos livros Sob os céus da Europa, Velhas

páginas, O Nordeste e a Amazônia e Minhas memórias, além de obras técnicas.

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COMISSÃO JULGADORA DE POESIA

Antônio “Nino” Barbin Beatriz Virgínia Camarinha Castilho Pinto Carmen Lia Batista Botelho Romano João Batista Rozon Luiz Fernando Dezena da Silva Maria Cândida de Oliveira Costa Maria Cecilia Azevedo Malheiro Silvia Tereza Ferrante Marcos de Lima Vedionil do Império

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POESIA: TEXTOS VENCEDORES Prêmio Emílio Lansac Toha Até 12 anos 1º lugar - “Criação” - Bruna Castro Malta - Rio de Janeiro - RJ 2º lugar - “Seja você mesmo” - Bianca Gabrielli Chagas - Mococa - SP 3º lugar - “Nossos valores mudaram”-Gabriela Bachiega Orestes - Mococa - SP De 13 a 18 anos 1º lugar - “A revolução” - Rafaela dos Santos - Promissão - SP 2º lugar - “És grande demais” - Fernando Machado dos Santos - São Paulo - SP 3º lugar - “A lucidez do sonhar” - Camila Costa Parma - Mococa - SP De 19 a 39 anos 1º lugar - “Céu corpo flamejante” - Andrey Jandison da Silva - Altamira PA 2º lugar - “Estrangeiro” - Cristino Ferreira do Amaral Júnior - São Domingos do Capim - Pará 3º lugar - “Âncora” - João Vitor Ramos Guimarães - Cariacica - ES De 40 a 59 anos 1º lugar - “Saudade de casa” - Simone Consentino Jús - São João da Boa Vista - SP 2º lugar - “A Bolsa e o bolso” - Tchello d’ Barros - Rio de Janeiro - RJ 3º lugar - “Lenda de desamor” - Odailta Alves da Silva - Recife - PE

Prêmio Especial Octávio Pereira Leite 60+ 1º lugar - “Lembranças de minha infância” - Evaristo Souza Soares Mucuri - BA 2º lugar - “E se...” - Alice Gervason Marco Fernandes - Juiz de Fora - MG 3º lugar - “Tio Messias” - Hélio Guedes de Oliveira - Petrópolis - RJ - 14 -


1º Lugar Poesia até 12 anos

Criação Adoro criar, Adoro inventar, Esse é o meu jeito de me expressar. Com um lápis na mão, Chamo a multidão. O escrever é minha paixão. Na redação Presto atenção, tentando criar com imaginação. Com uma folha E uma caneta, Escrevo um texto que encanta o planeta. Várias estórias eu quero escrever, Sobre o céu, a terra e a luz a nascer. Deitada na rede escrevendo um livro, Penso no sol e coloco o título. E minha vida assim vai Se fazendo em capítulos.

Bruna Castro Malta Rio de Janeiro - RJ

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2º Lugar Poesia até 12 anos

Seja você mesmo

No mundo afora Vão querer você encaixar, Naqueles padrões Que muitos adoram criar. Quando rotulam você E fazem acreditar Que você não presta E que tem que mudar, Olhe pra mim. Prometa nunca se curvar Aos moldes de quem Deseja tanto limitar A sua essência Que ninguém pode tirar.

Bianca Gabrielli Chagas Mococa - SP - 16 -


3º Lugar Poesia até 12 anos

Nossos valores mudaram Há mais de um ano Que tudo mudou Nossa vida está on-line Porque o coronavírus chegou Com aulas, chats e lives. Estamos mais conectados Porém sentimos falta do convívio diário Já que presencialmente estamos afastados. Nossa vida já não é a mesma Hoje usamos máscara para nossa proteção Porém aprendemos a valorizar mais A ciência e a educação. A vacina é a esperança De voltarmos à normalidade Já que sabemos que a doença avança E não escolhe idade. Acreditamos que tudo vai passar E, no futuro, poderemos dizer Que aprendemos a valorizar O fato de termos saúde para viver! Gabriela Bachiega Orestes Mococa - SP - 17 -


1º Lugar

Poesia de 13 a 18 anos

A revolução

Vamos todos levantem as mãos Toda minoria apareça e trema o chão Agora é hora de mostrar pelo que viemos A morte de um irmão é só o começo da luta de outros tempos Formem punhos e mostrem nosso sofrimento Lutem não por uma guerra trivial, mas pela glória e a honra de conseguir o que é nosso por direito Vamos irmãos, ergam as mãos e comecem a marchar Um, dois, três, quatro Um negro foi preso sem fatos Cinco, seis, sete, oito Um negro foi morto Nove, dez, onze, doze As raízes negras foram apagadas Treze, quatorze, quinze, dezesseis Isso não é brincadeira que dá em nada Dezessete, dezoito, dezenove, vinte É a realidade de um passado e um presente interligados Vinte e um, vinte e dois, vinte e três, vinte e quatro e vinte e cinco Esse preconceito já está atrasado... Rafaela dos Santos Promissão - SP - 18 -


2º Lugar

Poesia de 13 a 18 anos

És grande demais Por exaltação d’obra-prima Posto que tua distância acruela, Concreta pureza em tela para pintar-te os lábios em rima. A lira, com’ assim determina Entoaria tua grã formosura, Mas qual advento de própria censura Não consegue descrever tal menina. Os risares tal como alvorada se disfarçam entre as brisas leves, e confundem os sábios profetas que enganam o rir com suas preces. Como de céus para a terra inundo Enfrento tamanho dilema: És grande demais pra poema És breve demais para o mundo. Fernando Machado dos Santos São Paulo - SP - 19 -


3º Lugar Poesia de 13 a 18 anos

A lucidez do sonhar Acordei querendo ver algo diferente Para acalmar meu coração. Coisas que não se veem eventualmente E que os meus olhos surpreenderão. Sem saber o que fazer Decidi olhar ao redor. Quem sabe alguma lembrança Poderia me fazer melhor? Vi calmaria numa xícara de café Doce, forte, quente Dessas que eu poderia saborear Numa fria tarde, tranquilamente. Vi leveza numa garoa de domingo Que cai ao amanhecer Enquanto muitos ainda estão dormindo Ou apreciando a beleza de viver. Vi paz, principalmente Nas coisas bobas, insignificantes, Que passam despercebidas aos olhos da gente. - 20 -


Na beleza de um sorriso, Nas pétalas de uma bela flor. No conselho curto e conciso, Em uma carta de amor. No raio de sol na janela No fruto maduro no pomar. Eis a paz genuína e sincera Que finalmente pude enxergar. Percebi que minha inquietação era saudade Daquilo que há muito não vejo: A felicidade nas coisas singelas A encarnação de meu desejo.

Camila Costa Parma Mococa - SP

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1º Lugar Poesia de 19 a 39 anos

Céu Corpo Flamejante Havia no céu aberto um movimento Transitando em nado voo Entre uma liberdade aconchegante E uma perdição quase inebriante E um pássaro vermelho flamejante Trouxe notícias perdidas de antes Tudo chega, tudo cala E eu queimei noite adentro em vapor E veio um fogo cruzando o céu Com as chamas ardendo como música Tudo queima, tudo exala E eu chorei noite adentro em ardor E ouvi um violino sem corda de tom Sem norteamento acrílico de som Tudo perde, tudo estrala E eu virei noite adentro em calor Havia no céu do corpo uma silenciosa tessitura Uma distância distraída na íris do dia Um pássaro perdido na flama da noite

Andrey Jandison da Silva Altamira - PA - 22 -


2º Lugar Poesia de 19 a 39 anos

Estrangeiro

É preciso revisitar uns sem-número de silêncios Antes que a palavra chegue E rompa a fina casca do mundo. Talvez sejam em mim as mãos estrangeiras para o parto, Talvez minha voz torta, Dessa tortura em que mal consigo me equilibrar, No vasto dia que nos apaga. Minhas mãos não concebem tempo, São sempre insólitas diante da luz que tece cada manhã Cavam a terra, carregam a semente e a morte, À beira do ocaso, cultivam lares nas estrelas, Às vezes, Raramente, Fazem-se conchas, Para acolher a palavra Que se recolhe ao silêncio do ventre.

Cristino Ferreira do Amaral Júnior São Domingos do Capim - Pará

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3º Lugar Poesia de 19 a 39 anos

Âncora

O barco que naufraga seguindo o percurso liberto e sem peso Apenas seguindo o curso sem rastros de desprezo Ao sentir medo abraçou a dúvida mas não refez o enredo... enferrujou a vida.

João Vitor Ramos Guimarães Cariacica - ES

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1º Lugar Poesia de 40 a 59 anos

Saudade de Casa Se sou só matéria, como se explica essa saudade nostálgica de voltar para a luz diante de algo belo? Se só o que sou é matéria, por que posso sentir esse fio que me une aos outros seres fazendo com que sinta suas alegrias e dores? Se matéria é tudo que sou, qual sábio poderá me responder

sobre essa fome que me consome mesmo quando meu corpo está saciado? Se apenas matéria eu sou, explica-me esse frio interno que arrepia minha pele e embrulha meu estômago diante das injustiças? Sendo eu, só um elemento, por que esse desejo infinito de buscar a beleza e propagar o amor? Se só o que tenho é um corpo, será ilusão esse sentimento de união com algo maior e extraordinário que me enche de energia e força para continuar caminhando? Se a ilusão existe, não seria o corpo finito irreal e a alma eterna a realidade?

Simone Consentino Jús São João da Boa Vista - SP - 25 -


2º Lugar Poesia de 40 a 59 anos

A Bolsa e o bolso

Acontece que não vai fazer a menor diferença A depreciação do câmbio pelo superavit primário Nem a fuga de dólares com o boom das commodities Ou o investimento flutuante em derivativos de debêntures Para a catadora de sururu no mangue lamacento que amamenta sua criança quando baixa a maré Acontece que não vai fazer a menor diferença A orçamentação cambial dos ativos de alta liquidez Nem a alíquota dos lucros pelas tarifas alfandegárias Ou a insolvência da desvinculação na receita da união Para o cortador de cana que morre de exaustão Antes de completar seus trinta e cinco anos Acontece que não vai fazer a menor diferença A regulação de risco na desmobilização patrimonial Nem a matriz econômica pela desvalorização indexada Ou a rentabilidade da plutocracia com a balança comercial Para o garoto desmilinguido que não vai à aula E como flanelinha luta pelo pão de cada dia - 26 -


Acontece que não vai fazer a menor diferença A debacle dos organismos multilaterais sem renúncia fiscal Nem o colapso rentista via títulos pré-fixados Ou o imperativo da capitalização pelo swap cambial Para o velho coletador de materiais recicláveis Imerso nos monturos do depósito de lixo municipal Acontece que não vai fazer a menor diferença Esses cálculos atuariais e seu deficit insolvente Nem a revogação do pacto tributário na taxa Selic Ou o tripé macroeconômico no epicentro do capitalismo Para as meninas esfomeadas da periferia Que furtivamente colhem restos na xepa da feira Acontece que acontece que acontece...

Tchello d’ Barros Rio de Janeiro - RJ

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3º Lugar Poesia de 40 a 59 anos

Lenda de desamor Diz a Lenda com sua voz sedutora Não sei se acredito mas sem ter o que dizer baixinho aqui repito:

O Mundo era todo Noite Dia não existia mas isso triste não era namoros no escuro jantar à luz de vela a Lua, Rainha, o Sol, o “dono” dela

Escândalo celestial “Sol expulso do Céu!” Manchete de jornal! Comentários, descrenças, - 28 -


parecia brincadeira mas a Lua, tirando o véu gritou para a Noite inteira: “Eu não quero mais ter dono!”

Fez-se a partilha dos bens: o Sol ficou com a Luz para guiar seu abandono À Lua, coube a noite, cada vez mais enamorada com brilhantes roseiras deliciava-se com novas paixões tinha sentido o saboroso mel do beijo das Estrelas.

Odailta Alves da Silva Recife - PE

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1º Lugar Poesia 60+

Lembranças de minha infância Vejo crianças alegres brincando na rua Nos rostos os sorrisos são os estopins da felicidade Entre elas, a alegria e a confiança andam de mãos dadas Neste momento mágico, sinto a presença de Deus Há um corre-corre, um esconde-esconde e um pega-pega Brincam, se divertem, choram de tanto rir De repente, uma bola rola e não deixam a peteca cair Espalham bolinhas de gude no chão onde rodopia um pião Um filme em preto e branco passa em minha mente Viajo no tempo da inocência e da pureza de cada sorriso Vou dando linha às lembranças de minha infância E lágrimas teimosas insistem em cair em abundância Mesmo assim, sorrio com o rosto todo molhado São boas recordações de um passado bem distante Lembro-me de mim menino, calças curtas, suspensórios Bem cedinho, atravessando o campinho, indo ao Grupo Escolar O tempo passou como uma pipa solta no ar cuja linha arrebentou Coleções de figurinhas e gibis estão guardadas na consciência Na tela do pensamento estão pintados meus brinquedos e brincadeiras Os barcos e aviões feitos de papel, do correr descalço e o passar anel E as disputas nos jogos de botão, caixa de fósforo era goleiro E os jogadores ganhavam vida com nossa imaginação. Pular amarelinha com os escravos de Jó atirando o pau no gato; Com o telefone sem fio que ficamos sabendo que Samba Lelê tá doente.

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Eram tantas brincadeiras e cantigas, pular corda com as cinco Marias Brincar de batata quente no jogo da velha, na cama de gato era forca Rodar bambolê fazendo bolinhas de sabão, com mímica era morto-vivo Na dança das cadeiras a canoa virou por causa do pirulito que bate-bate. Quantas vezes fui ao Tororó beber água e não achei com meu ioiô Sempre alerta voltava pulando carniça no carrinho de mão Meu bilboquê o gato comeu enquanto a bruxa batia figurinhas Tango, tango maninha é de carrapicho vou botar a bruxa na lata do lixo Ah! Se essa rua fosse minha a serra-serra do serrador iria fazer uma estátua Somente iriam trafegar carrinhos de plásticos, de bebês e de rolimã Patinetes (saudades da Vila Jafet) de madeira, descendo a ladeira Uni, duni, tê, salamê, minguê, um sorvete colore, o escolhido foi você!

Haveria um campinho para jogar queimada e brincar de bobinho Acertar a lata na boca do forno e no agacha-agacha pular sela E o mestre mandou foguinho nas pernas de pau foi um arranca-rabo Cabo de guerra da cabra-cega na corrida do ovo duro ou mole é bafo Neste delírio lírico de emoções sou acordado por um menino que diz: - Vovô, por que o senhor está chorando? Eu lhe digo: - Não estou chorando, É minha alma cheia de saudade que está transbordando, e aí ouço crianças Começando a cantar: - Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...

E novamente, num estado de êxtase recomeço a chorar...

Evaristo Souza Soares Mucuri - BA

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2º Lugar Poesia 60+

E se... E se... O amor não fosse o melhor remédio O carinho não fizesse diferença Diálogo e união não existissem A gratidão fosse em vão? E se... As coisas que falamos não fossem ouvidas O que sentimos não fosse compartilhado O bem que julgamos fosse engano A ganância fosse ganho de fato? E se... A paz não fosse almejada A fé não tivesse crença O ter, absoluto poder E o ser ficasse apenas no querer? E se... A terra não fosse redonda Os dias não tivessem horas Os meses não fossem doze E as estações fossem embora? E se... O corpo não fosse matéria A alma por existir Pensamentos sem conexão E nada de perdão?

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E se... O Rio Doce que era doce Salgasse de verdade A vida daqueles Que acabaram com ele? E se... O espelho refletisse o interior Como seria a vida Dos que vivem à sombra Das camufladas máscaras? E se... Tudo fosse diferente Sem lhe dar opção Do que fazer, querer ou sentir Como seria então? Se... Tudo fosse diferente Você teria visão E saberia com certeza O “sê” da sua missão?

Alice Gervason Marco Fernandes Juiz de Fora - MG

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3º Lugar Poesia 60+

Tio Messias Em uma noite de lua nova Uma estrela cadente Engravidou uma mangueira. Ela não notou, pois nessa fase a lua fica escondida. (Foi tio Messias que me contou isso) Eu nasci em uma casa Que tinha uma pedra na frente. Pedra grande na beira de um rio, E, sentado na pedra, eu via a mangueira engravidada. (Às vezes tio Messias ficava comigo) Eu sabia que as manguinhas eram germinadas Em noite de lua nova, mas no sol da manhã Era que mãe-mangueira delas cuidava E deixava as frutinhas bem verdolengas na casca. (Isso tio Messias também me contou) E assim as frutinhas iam crescendo E em cada galho, em cada dia, Uma nova manguinha aparecia E, cada hora, ficavam mais adultas-manguinhas. - 34 -


(Sempre tio Messias falava disso) Até que em um dia, ficavam bem coloridas (Metade vermelhas, Metade amarelas, Vermelhas pelo lado do sol, amarelas pelo da lua) E era só subir na mãe-mangueira e colher as manguinhas no colo. (Quem fazia isso era tio Messias) Hoje, lembro da lua nova, da mãe-mangueira, Da pedra grande, do rio encostado na pedra E do tio Messias que agora mora lá na estrela cadente. Agora só descasco manga com saudade e meio triste.

Hélio Guedes de Oliveira Petrópolis - RJ

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PROSA

Prêmio Fábio de Carvalho Noronha

Fábio de Carvalho Noronha (1918-1991) foi prosador, poe-

ta, compositor e jornalista. Foi um dos fundadores da Academia de Letras de São João da Boa Vista. Como reconhecimento por seu trabalho, leva seu nome o Prêmio dedicado aos prosadores vencedores do Concurso Literário da instituição.

Nascido nessa cidade, foi um autodidata com extraordinária

cultura geral. Foi por muitos anos diretor da Câmara Municipal, além de radialista na Rádio Difusora de São João da Boa Vista e jornalista em várias publicações, como O Município, A Gazeta de São João, A Cidade de São João (onde foi redator), além de jornais e revistas da região. Exímio comunicador e orador, grande conhecedor da história da cidade, era também multi-instrumentista e compositor, sendo o autor da melodia do Hino Oficial da cidade – com letra da acadêmica Lucila Martarello Astolpho. Escreveu contos, crônicas e poemas, entre os quais sonetos e trovas, modalidade que ajudou a divulgar.

Deixou um livro póstumo, Estórias do cotidiano, com contos

curtos, e o inédito Pérolas e plumas, de poemas.

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Prêmio Especial Octávio Pereira Leite para autores com idade superior a 60 anos

Octávio Pereira Leite (1902-1989) foi um dos fundadores e

principais organizadores da Academia de Letras de São João da Boa Vista. Foi seu presidente por três gestões consecutivas, de 1981 até sua morte. Escritor inspirado, teve seu nome atribuído ao Prêmio Literário destinado aos maiores de sessenta anos de idade, seja em prosa ou poesia.

Pereira Leite nasceu em Bananal/SP. Exercendo a ativida-

de de cartorário, residiu em Mogi Mirim, onde também colaborava em jornais, e em São José do Rio Pardo, cidade em que chegou a prefeito. Mudou-se para São João da Boa Vista, onde atuou como tabelião, redator do jornal A Cidade de São João e vereador. Foi ainda cofundador da Sociedade Cultural de Debates e do Serviço de Assistência Social, além de presidente do Rotary Clube, tendo recebido o título de cidadão honorário sanjoanense em 1967.

É autor dos livros Sob os céus da Europa, Velhas pági-

nas, O Nordeste e a Amazônia e Minhas memórias, além de obras técnicas.

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COMISSÃO JULGADORA DE PROSA

Clineida Andrade Junqueira Jacomini Jorge Gutemberg Splettstoser Lauro Augusto Bittencourt Borges Lucelena Maia Maria Célia de Campos Marcondes Maria Ignez D’Ávila Ribeiro Maria José Gargantini Moreira da Silva Marly Terezinha Estevam de Camargo Fadiga Raul de Oliveira Andrade Filho Vania Gonçalves Noronha

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PROSA : TEXTOS VENCEDORES Prêmio Fábio de Carvalho Noronha Até 12 anos 1º lugar - “Ser criança” - Beatriz Tavares Bonanome - São João da Boa Vista - SP 2º lugar - “O pequeno panda” - Giovana Zimbardi Maldonado - São João da Boa Vista - SP 3º lugar - “O aviso para continuar” - Laura Paione Grinfeld - São João da Boa Vista - SP De 13 a 18 anos 1º lugar - “O desabrochar do passado” - Gabrielle Tavares Nascimento Silva - São João da Boa Vista - SP 2º lugar - “A única união estável de uma menina de 16 anos” - Cecília Cordeiro de Azeredo Pereira Rosa - Rio de Janeiro - RJ 3º lugar - “Caça às bruxas” - Lívia Maria Zampim Peres - Espírito Santo do Pinhal - SP De 19 a 39 anos 1º lugar - “O jovem poeta e o pássaro” - José Eduardo Borges da Costa Monte Alto - SP 2º lugar - “Otelo” - André Felipe Nunes Klojda - Rio de Janeiro - RJ 3º lugar - “O professor” - Henrique Moric Vilela Mariano - São José dos Campos - SP De 40 a 59 anos 1º lugar - “Variáveis” - André Gonçalves Mellagi - São Paulo - SP 2º lugar - “Batom” - Renata Cristina Cabrera - São João da Boa Vista - SP 3º lugar - “O senhor das flores” - Alessandro Castro da Silva - Porto Alegre - RS

Prêmio Especial Octávio Pereira Leite 60+ 1º lugar - “Duelo sob o sol” - Celso Antonio Lopes da Silva - São Paulo SP 2º lugar - “Um dia, num sábado” - Evaristo Souza Soares - Mucuri - BA 3º lugar - “Tal filha, tal mãe!” - Soeli Tiegs - Curitiba - PR - 39 -


1º Lugar Prosa até 12 anos

Ser criança Ser criança é brincar na chuva, pular, divertir, correr na rua, sonhar, fazer bagunça e estudar! Comer guloseimas e se lambuzar com sorvete! Hummm, que gostoso ser criança! Descubra a criança que existe dentro de você, deixe seus pais, avós, esposas, maridos, filhos irritados com a bagunça! Sonhe como uma criança, veja o mundo como uma criança! Brinque na areia e finja que é uma sereia, e que chuveiro é uma cachoeira! Transforme seu mundo, seja verdadeiro como uma criança. Vovô, Vovó, Papai e Mamãe, todo mundo já foi criança, ninguém deixa de ser, é só encontrar dentro de você! Deixe o mundo com mais cor e amor, dance, sonhe, seja esperança. Brinque, corra e deixe o vento soprar os cabelos, aproveite a infância, seja criança, entre na dança e venha sonhar! Ser criança é ver o mundo lindo, assim rir bem alto e deixar a chuva molhar. A infância é curta e logo vai passar, mas dentro de nós o espírito de criança deve ficar!

Beatriz Tavares Bonanome São João da Boa Vista - SP

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2º Lugar Prosa até 12 anos

O pequeno panda

Em uma floresta da China, bem longe daqui, vivia uma grande família de pandas junto com seus amigos da mesma espécie. Certo dia, um dos filhotes se distraiu e acabou se perdendo dos outros que ali viviam. O medo tomou conta dele e o pequeno começou a chorar desesperadamente. Na tentativa de reencontrar seus familiares, o pequeno panda viveu muitas aventuras, principalmente algumas bem perigosas que o deixaram desesperado, pensando que nunca mais iria encontrar seu pai, sua mãe, seus irmãos e seus amigos. Muito tempo passou e o pequeno panda, já adulto, nunca desistiu de sua busca. Em uma determinada noite, enquanto dormia um pouco para, no dia seguinte, continuar sua jornada, o pequeno panda levou um enorme susto ao encontrar um tigre que se aproximou rapidamente dele. Com muito medo de ser devorado, o pobrezinho entrou em pânico comovendo o tigre, que resolveu perguntar o motivo do seu medo. O pequeno panda então começou a contar a sua história e o tigre ficou sensibilizado porque sua história era exatamente igual à dele. Por isso, o tigre resolveu seguir viagem junto para protegê-lo e ajudá-lo em sua busca. Muitas noites e dias se passaram, e os dois amigos seguiram viagem enfrentando juntos todos os problemas que apareciam. Encontraram muitos grupos de pandas, mas nenhum era de sua família ou amigos. Já cansado e começando a perder a esperança, o pequeno panda avistou outro grupo de sua espécie e se aproximou - 41 -


com o seu novo amigo, que nunca o abandonou. Para a sua surpresa e alegria, era exatamente esse grupo de animais que eles tanto procuravam. Seus pais já estavam velhinhos e seus irmãos tinham suas famílias. Todos, apesar do medo do tigre, ficaram muito felizes quando perceberam que aquele era o pequeno panda que tinha se perdido do grupo. O pequenino, então, contou a todos as suas aventuras e o quanto o tigre havia sido seu fiel amigo ajudando-o em sua busca. Desse dia em diante, o tigre, sempre que podia, encontrava seu amigo para matar a saudade. O pequeno panda acabou formando sua própria família e seguiu sua vida junto do seu grupo.

Giovana Zimbardi Maldonado São João da Boa Vista - SP

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3º Lugar Prosa até 12 anos

O aviso para continuar

Poof! Estava em uma festa com pessoas que eu nunca havia visto, e uma porta bateu. Parecia que finalmente tudo estava bem. Mas não. Era um sonho, como sempre. Acordo sozinha, ainda não está na hora de ir à escola. Parece um alívio, pois ainda posso viver uma realidade inexistente. Vivo em um apartamento, com minha mãe e meu pai. Tenho alguns amigos da escola, que às vezes vêm para casa estudar. Quando meu despertador toca, vou correndo me trocar, para não chegar atrasada. Meus pais sempre saem mais cedo, então pego o ônibus da escola. Costumo sentar sozinha, porque meus amigos vão a pé. Com minha cara impávida de sempre, pego meu lugar naquele assento desconfortável. Minha escola é bem longe de casa, então sempre consigo dormir um pouco no ônibus. Minhas aulas são rápidas, terminam às 12:30. Volto todos os dias da escola a pé, porque não gosto de ônibus cheio de adolescentes. Eles têm um grupo, como em toda escola; fazem festas em plenas segundas-feiras. As caminhadas são longas, por isso chego à minha casa cansada. — Oi, filha! Como foi a escola? — perguntou minha mãe, trabalhando. — Foi tudo bem — mas sempre é a mesma coisa. Piadas supérfluas, bolinhas de papel… Minha mãe diz que preciso aproveitar a vida, porém não sei como. Acho minha vida muito monótona, e tento mudar isso com livros e filmes. - 43 -


Meu pai nunca almoça em casa, mas me acostumei com isso. Depois do almoço, fui à casa de minha amiga. Era uma sexta-feira triste, com um tempo chuvoso e úmido. — Por que não saímos? — disse ela, entediada, no sofá do seu quarto. Somos amigas desde o quinto ano. — Para onde? Está chovendo. — Não ligo, vamos passear. Encontraremos algum lugar no caminho. Quando voltei para casa, estava com frio, por causa da chuva gelada. Fui tomar um banho quente e, quando fechei os olhos para me enxugar, tive uma impressão estranha. A água tinha acabado. Abri os olhos imediatamente, e tinha voltado ao normal. Percebi que precisava dormir. À noite, enquanto eu estava vendo um filme no meu quarto, escutei a porta batendo; era meu pai, que havia chegado cansado depois de um grande dia de trabalho. Fazia frio após a chuva. Meus olhos estavam ardendo, então, fui coçá-los. Senti que meu corpo foi transportado! Assustei-me. Então, abri-os rapidamente. Depois de um tempo, terminei o filme e minha mãe me chamou para jantar. Eu disse que não estava com fome. Estava muito confusa com o que havia acontecido com meus olhos. Tentei fechá-los novamente, por bastante tempo. Escutei vários barulhos, que não eram da minha casa. Percebi que, se os abrisse, tudo voltaria ao normal. Então, tentei tocar nas coisas ao redor. Foi complicado, porque não conseguia enxergar. Como isso era possível? Sabia que não estava em casa, mas como ocorreu? Tudo estava com um cheiro diferente, e meu corpo era diferente. Tentei tocá-lo com delicadeza. Estava muito assustada. Não sabia se era um sonho. Busquei tocar as coisas. Senti um soco nas minhas costas. Abri os olhos imediatamente. — Filha, por que você não me respondeu? — indagou minha mãe, brava. — Desculpe, não escutei — achava que estava delirando. - 44 -


Tentei pesquisar sobre o assunto, mas só achei bobagens. Como vou dormir se nem posso fechar meus olhos? Minhas costas não estavam doendo, o que me fez ficar impressionada. Como era uma sexta-feira à noite, decidi ficar acordada a noite inteira. Preferi não contar a ninguém, pois todos iriam caçoar de mim. Fechei os olhos novamente. Desta vez, o cheiro era diferente. Senti um cheiro de remédios e escutei pessoas chorando e gritando. Não sabia se as pessoas podiam me ver ou escutar. Se alguém me bateu, alguém conseguiu me ver. Tentei me sentar e, com meus outros quatro sentidos, observar a situação. — Você precisa ir à sala à sua direita, imediatamente — disse uma voz atordoada. Percebi que era uma enfermeira, e eu estava em um hospital. Abri meus olhos de novo. Fui ao banheiro do meu quarto. Estava desesperada. Eram 10:30 da noite. Fiquei com medo de chorar ou gritar, porque meus pais poderiam ficar preocupados. Permaneci de olhos fechados até sábado. Todas as experiências foram péssimas. Fui a um enterro e depois a uma casa com pessoas brigando intensamente. Não sei por que aquilo estava acontecendo. Se todas as situações foram ruins, achei que a culpa era minha. Nunca agradeci por estar viva, e mesmo que a minha realidade não seja a melhor, estou bem. Percebi que precisava realmente aproveitar minha vida. Depois disso, fiz todas minhas ações com um sorriso brilhante no rosto. Aqueles episódios nunca mais aconteceram. Eu me enturmei na escola, fui para festas, fiquei com minha família e voltei para casa de ônibus. Às vezes precisamos de um aviso para continuar. Laura Paione Grinfeld São João da Boa Vista - SP

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1º Lugar Prosa de 13 a 18 anos

O desabrochar do passado

— Acorde, querida! Bom dia! Adivinhe quem está fazendo treze aninhos hoje? Amo quando minha mãe me acorda assim. Amo abrir os olhos e ver seu maravilhoso sorriso. Hoje, em especial, acordei com um abraço apertado. É meu aniversário. — Bom dia, mãe! Pode me deixar dormir mais cinco minutinhos?… — Nada disso! Levante-se já! Ou então não vou lhe dar seu presente. — Presente?! Levantei-me apressada e a abracei bem forte. Estava tão ansiosa e feliz! Um presente. O que será? Descemos as velhas escadas para chegarmos à cozinha, onde um prato cheio de panquecas com cobertura me esperava. — Sente-se, aniversariante! Coma o quanto quiser, minha filha. Parabéns! Como minha menininha cresceu! — Obrigada, mãe. E… onde está meu presente? Ela riu, já sabendo que eu perguntaria por isso. — Está escondido. Você só pode pegá-lo depois. — Você esconde meus presentes muito mal. Vou pegar antes e aposto que está no meu quarto. Ela continuava rindo do meu atrevimento. — Vou cuidar do jardim, filha. Precisa vê-lo! As rosas estão tão bonitas! Jamais duvidaria de que o jardim da minha mãe estava - 46 -


deslumbrante, pois ela sempre está cuidando dele e de suas adoradas rosas, vermelhas como sangue e muito belas. A cada dia, causavam mais inveja às outras flores por sua beleza. Comi bem rápido, um desperdício por não apreciar aquelas panquecas deliciosas que só minha mãe faz. Mas queria muito ver o que era o meu presente. Subi as escadas e entrei no meu quarto, bagunçado como sempre. Procurei meu presente onde mamãe sempre os esconde. Enfiei as mãos embaixo da cama, procurando-o. Ela realmente tinha péssimos esconderijos. Puxei uma caixinha verde de lá, minha cor preferida, abri-a e dentro havia um delicado colar prateado, mas toda a atenção era voltada para o pingente em formato de coração, simples porém lindo. Não sabia que era possível abri-lo, mas parecia que sim. Tentei, e abriu. Dentro havia uma foto minha e da minha mãe, tão felizes. Era magnífico, todo nosso amor estava naquele presente. Não pude esperar e o coloquei. Brilhava em meu pescoço como uma luz que irradiava nosso amor. Então meu coração gelou. Ouvi um grito desesperado, era da minha mãe. Corri o máximo que pude até o jardim berrando por ela. Sem respostas. Lá estavam as flores, lindas como jamais estiveram. Porém minha mãe não estava lá. Não mais. As lembranças desse dia nunca se vão. Cinco anos se passaram e ainda permanecem. Não poderia dizer que quero esquecêlas, porque em momento nenhum desejo me esquecer dos sorrisos e do amor de minha mãe, e de seus olhos, que exalavam sonhos. O único amor que eu tinha, minha única família... que se foi. Ao menos tenho o colar, que continua a brilhar junto comigo, além de todas minhas preciosas memórias. Passei todo o tempo até aqui procurando por algo ou alguém que me explicasse por quê; o porquê disso tudo. Continuei procurando. Desistir não foi o que minha mãe me ensinou. Mas não é fácil. Sinto-me em um labirinto em que todas as saídas foram fechadas. E é nesses momentos que volto a visitar meu antigo lar, buscando por uma sensação familiar que conforte meu coração. - 47 -


Andar pelas ruas vazias até lá parece fazer o tempo parar, para que eu sofra um pouco mais com minha própria angústia. Parada na calçada, eu olho a casa novamente, e admiro a saudade se tornar mais presente ao observar o jardim, que um dia fora lindo e amado por alguém, destruído, tomado pela mata intrusa e flores rebeldes que insistem em florescer em um local, agora, amargurado; nunca serão tão belas quanto as de minha mãe. A tintura azul-clara da casa descascava, perdera o brilho que se igualava ao céu. Aproximo-me e ouço os rangidos da porta enferrujada ao abri-la. Seguro fortemente meu colar; é incontrolável. Tremo adentrando a cozinha onde tive minhas melhores refeições, repletas de carinho materno. Hoje eu ganharia panquecas com cobertura, um abraço bem apertado e vários beijinhos no rosto, como em todos os meus aniversários. Adolescentes de 18 anos, como eu, buscariam por liberdade, sair das asas dos pais e voar livremente; eu não. Eu busco por ela. Sou incapaz de ter minha mãe novamente em meus braços ou ao meu lado, pedindo para que eu seja forte, dizendo como sua garotinha cresceu, que seu amor por aquela criança aventureira e brincalhona não se dissipou. Isso era um sonho doce, como o sorriso dela. Penso não saber como as envelhecidas escadas continuam inteiras enquanto as subo. E meu quarto está a mesma bagunça, nunca mais o arrumei. A cama continua aconchegante e quentinha; sempre que ia até ali, não resistia a deitar e me lembrar das histórias que ouvia antes de dormir da minha mãe e de seu beijo em minha testa, como uma promessa de que ficaria bem, de que a noite e o sono não trariam nada de ruim. Essa vez não é diferente. O bom sentimento de deitar ali me revigorou e, não muito adiante, adormeci. Incrível. É a única palavra que sai da minha boca. Essa floresta de rosas vermelhas e gigantes não se definiria melhor. Admirálas é maravilhoso. Ando por entre seus caminhos purpúreos, posso me perder, mas não me importo, estou muito deslumbrada para pensar nisso. - 48 -


O sentimento de intimidade e amor me preenche. Olho para meus pés descalços em contato com a grama verde cheia de vida e de pequenas flores das cores mais variadas. Um sorriso alegre adorna meu rosto ainda encarando o chão, que muda enquanto caminho. Estou em casa agora, em meu lar. Ouço um grito, o mesmo grito. O desespero volta, a felicidade me deixa. Corro para o jardim. Porém ela não está lá. Não fui capaz de protegê-la, de novo. Lágrimas escorrem de meus olhos e vejo nascer uma flor onde minha mãe deveria estar. Um botão rubro. Talvez uma esperança.

Gabrielle Tavares Nascimento Silva São João da Boa Vista - SP

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2º Lugar Prosa de 13 a 18 anos

A única união estável de uma menina de dezesseis anos

Desde a minha nidação, já era possível prever que nunca

estaria só. Isso por dois motivos: a genética é a única previsão que realmente funciona e uma sinusite prevista por esta nunca te abandonará. Não lembro exatamente da cena, mas era a protagonista de um consultório médico no momento em que meus genes vieram à tona. Ainda era uma recém-mundana, quando a pediatra falou que eu precisaria entrar na natação. O motivo não era de ficção científica; não era uma sereia, mas deveria me tornar uma espécie de anti-heroína contemporânea, sofredora de rinite e sinusite. Desde então, o nariz de palhaço e a crise de espirros vêm me acompanhando a cada primavera. Recentemente, essa parceria completou dezesseis anos e foi um dos aniversários mais loucos que já tive. Em meio à pandemia que desmascara as patologias brasileiras, decidi voltar a nadar e retomar a parte aquática que habita o meu genoma, minha versão da Barbie sereia.

Mesmo assim, as minhas vinte e quatro horas de protagonis-

mo foram um misto dos modelos mais que pandêmicos com outros nem tanto assim. Comecei o dia na aula on-line, filha caçula do distanciamento social, em um misto de ‘a porta do ônibus abre e fecha’, onde a porta representa o click que nos tira de uma reunião assim como nos coloca nela, em que as iniciais são as fotos de perfil.

Durante o dia, recebi mensagens extremamente originais - 50 -


(e outras no estilo ‘copia e cola’) tanto presencialmente como pelo celular. Mas é aí que mora o problema, conversas sem o tal ‘olho no olho’ despertam uma coragem absurda em certas pessoas, especialmente nas tias. Porém, não há algo que a ciência não explique, nem mesmo as tias que por seleção natural, já não apresentam o senso de vergonha em seus DNAs. O telefone tocou e a minha dignidade já estava de mochila nas costas, prestes a ir embora, rumo a um ‘mochilão’ na Europa. Depois dos usuais parabéns e um posterior agradecimento, veio à tona a tal pergunta do demérito: “E os paquerinhas?”

Confesso que, de início, levei na brincadeira, mas o subcons-

ciente nem um pouco. O questionamento nem sequer ficou guardado a sete chaves, no máximo, umas duas. Foi questão de alguns dias para que a dúvida voltasse à minha mente. Em uma conversa entre amigas, fiz uma piada autodepreciativa sobre ‘estar na fossa’ desde a famosa nidação e a preocupação tomou a minha mente: “Meu Deus, e os tais paquerinhas que a tia tanto enfatizou?”

Nessa hora, um anjinho, estudante da escola ‘Yoko Ono’,

surgiu dos livros de Rousseau e sentou sobre meu ombro, enquanto me convencia de que a situação era totalmente normal: “Ser iluminado, você ainda é muito jovem, tem apenas dezesseis anos.”

E, de fato, o universitário utopista parecia ter resolvido a

minha situação, tanto que até já sentia a dignidade retornando. Em meio a duas inspirações profundas, apresentou-se um marombeiro coach, participante da sociedade ‘burpees’, que atirou o mini John Lennon para muito longe e deitou-se em meu ombro. Enquanto ouvia um ‘audiobook’ sobre ‘mindset’, o bombado de regata apresentou sua antítese, ao apontar uma enorme incongruência: “Acorda, se é tão jovem assim para o tal paquera, o que houve com tal lógica, quando se uniu a sinusite e a rinite com apenas um ano de idade?” - 51 -


Pois bem, toda vez que o assunto surge, o anjo sonhador e o

coach maromba voltam de seus respectivos períodos sabáticos, de suas aposentadorias provisórias e entram em ação novamente. Imagino a cena de voltar a ser protagonista de um consultório, mas agora psiquiátrico e compartilhar esse meu fluxo de pensamentos. Isso, sim, geraria uma boa ficção científica, uma anti-heroína mais que contemporânea, livre dos estigmas em torno das doenças mentais. Mas, enquanto continuo nessa dimensão terráquea, continuarei ao lado daquela que forma minha única união estável: a sinusite.

Cecília Cordeiro de Azeredo Pereira Rosa Rio de Janeiro - RJ

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3º Lugar Prosa de 13 a 18 anos

Caça às bruxas

Incompreensível aos olhos de Laysla... incompreensível como a sociedade era tão doente emocionalmente, como olhava para as mulheres, como as matava, mutilava-as e abusava delas. Era simplesmente perturbador como os noticiários eram considerados comuns. A justificativa de tal acontecimento ainda era imperceptível aos jovens olhos, que, para fugir da realidade, perdiam-se nos livros de amor ideal, nas páginas que eram o sonho de qualquer um com um mínimo de imaginação. Já era rotineiro para a adolescente adormecer entre diversos livros de amores medievais; era seu melhor passatempo iludir-se com a imagem perfeita daquela época. Entretanto, adormecer é apenas uma capacidade biológica do ser humano, e o que aconteceu nos segundos após a pálpebra pesada se fechar foi, por explicação lógica, um sonho realista – mas a regressão é lógica. Normalmente acordava com o som do despertador de celular, porém acordou com passos, pesados e diversos; o que era impossível, já que morava apenas com a mãe e dificilmente tinham convidados em casa. Outra diferença estava em sua cama; ao observá-la, não notou seu colchão confortável, mas sim uma pilha de palhas, amassadas e com pequenas penas espalhadas entre elas, como um ninho. A vestimenta, que antes era short e camisa, agora puxava sua frágil estrutura para baixo devido ao peso de diversos tecidos que, embora possuíssem colorações diversas de marrom, estavam cheios de rasgos e sujeiras e emitiam um odor diferente do que Laysla estava acostumada. Beliscou-se algumas vezes na in- 53 -


tenção de acordar, porém permaneceu ali, encarando uma porta de madeira com buracos que às vezes emitiam luzes quando pessoas passavam na frente, gerando sombras. Tinha diversas perguntas e ninguém para as responder. Então, tomou uma atitude e saiu do “seguro” ambiente; começou a seguir as pessoas e, enquanto observava, sua vista maravilhava-se: um enorme castelo, que abocanhava o súdito pela enorme entrada com o portão aberto. Rodopiou em torno de seu próprio corpo para poder observar todos os ângulos possíveis e apenas teve atenção fixa quando escutou uma voz grossa, dizendo que o fim das bruxas estava próximo. Bruxas? Já tinha lido sobre elas, normalmente definidas como vilãs na maioria das histórias. Portanto, qual o problema em acabar com elas? - considerando que o acabar era prendê-las, como uma punição civilizada em outros tempos. Virou o rosto e deparouse com uma mulher, presa, em estado de desespero, amarrada com cordas tão fortes quanto a presença dos dois padres que seguravam a cruz, como um símbolo de extermínio. A feição da julgada era de pura dor, e Laysla sentiu, no exato momento, a dor alheia. Em seus pés havia lenhas, pedaços de madeiras bem posicionados contra as canelas machucadas, que tentavam chutar a lenha para não piorar o ferimento, embora fosse em vão. Um dos padres continuava a falar, e sua frase terminou com a punição: – Fogo na bruxa! Que Deus tenha piedade de você! – E então, a pobre mulher começou a arder em fogo, sem nenhuma misericórdia. Centenas de pessoas assistindo, e ninguém tomando atitude para salvar a condenada, que não conseguia mais gritar devido às tosses causadas pela fumaça do seu próprio corpo em chamas. Laysla deveria tomar uma atitude e iria tomá-la, mas foi interrompida por três mulheres, que apenas a puxaram da multidão, implorando para que ficasse em silêncio. Três mulheres, três fases: Diana, uma jovem, que aparentemente possuía a mesma idade que Laysla; Ceres, uma mulher adulta, que carregava consigo um colar, com um pingente de uma criança, indicando ser mãe; e Prosérpina, uma mulher de idade, a anciã dentre as outras. No momento - 54 -


em que foi puxada por elas, sentiu-se totalmente acolhida e, então, disseram seu nome, como se a já conhecessem, o que a fez ficar em conforto ao segui-las. Entraram em um caminho aberto dentro de uma floresta e, depois de caminharem – além de ficar encantada com todo caminho, devido à beleza natural –, pararam em frente a uma muralha (na verdade, um antigo castelo que havia caído em ruínas). Ao passar por desconstruções iniciais, Laysla parou junto com as demais, em volta de uma mesa enorme, também constituída por pedregulhos. Apoiou-se, cansada e, finalmente, conseguiu indagar: “Onde estamos? Quem são vocês? Por que queimaram aquela mulher?”. Embora a voz estivesse fraca devido à respiração ofegante, não conseguia parar de perguntar, até finalmente ser interrompida por uma voz baixa, calma e levemente rouquenha, que até então tentou acalmá-la: – Lay... – aparentemente era seu apelido, que a jovem desconhecia – devemos ir, ou seremos as próximas. Era uma notícia devastadora, mas a seriedade com que fora dita fez com que sua gravidade fosse amenizada. Entretanto, não deram minutos de seu anúncio, e pôde-se ouvir o relinchar de cavalos, juntamente com sons pesados de metais batendo contra as paredes. Eram eles: os guardas reais prontos para pegar qualquer um que aparecesse em sua frente. – Ela nos traiu. A pergunta de quem era ela nunca foi respondida para Laysla. Mas era a quarta fase, a união de todas em uma mulher que não soube permanecer calada quando as cordas torturantes se apegaram à derme esbranquiçada. Foram descobertas antes mesmo de serem revolucionárias e não havia mais nada a fazer, além de deixarem-se ser brutalmente capturadas. As mãos foram unidas, mas desta vez por correntes que apertavam; foram unidas contra suas vontades, mas, mesmo assim, não as soltariam, nem que fossem obrigadas. Puxadas como lixo, foram novamente levadas ao pátio do castelo. Entretanto, a estadia ali foi pior. Jogaram-nas em um calabouço e - 55 -


lá as deixaram por algumas horas. Tinham medo do que poderia acontecer. Mas tinham uma a outra. Ficaram exatamente cinco dias presas e, em cada um desses dias, houve um acontecimento terrível: no primeiro dia, foram obrigadas a comer um pão mofado, com a justificativa de que ele havia sido benzido, e Deus as faria tomar as atitudes certas; no segundo dia, cortaram seus cabelos à força, pois acreditavam que, quanto maior o cabelo de uma bruxa, mais força ela teria; no terceiro dia, foram marcadas com ferro quente, a marca das bruxas, que tinha o significado de vergonha social; no quarto dia, houve tortura física, foram colocadas em uma máquina conhecida como “despertador”, que agia no sistema nervoso, fazendo-as sofrer dores em todo corpo; no quinto e último dia, o julgamento final. Foram levadas até o centro do castelo, na praça, assim como a primeira mulher vista; iriam ter a mesma difamação vergonhosa se não fosse por Laysla. – Vocês nos matam, nos torturam, nos fazem ficar caladas... somos tratadas como inferiores, quando na verdade, somos todos iguais... isso não deve existir! Sua negação em aceitar que seria morta por ser mulher apenas a fez escutar mais uma vez: “Queimem as bruxas! Que Deus tenha piedade de vocês”. Ver o fogo ateado em suas pernas foi sua última visão do lugar, já que acordara novamente em um ambiente diferente, entretanto, familiar. Estava novamente em seu quarto, entre seus livros, que agora eram simplesmente relatos mentirosos de uma época sofrida. Levantou-se com medo e, então, encarou o seu reflexo no espelho, vendo, por breves segundos, como ela era na antiga vida, como a bruxa Laysla era. – A caçada nunca parou, né? – perguntou para si mesma, dessa vez vendo sua aparência atual, com o cabelo curto nos ombros, os óculos e cada detalhe. – Apenas mudaram a forma de nos matar. Lívia Maria Zampim Peres Espírito Santo do Pinhal - SP - 56 -


1º Lugar Prosa de 19 a 39 anos

O jovem poeta e o pássaro

– Carlos, deixe de ser gauche na vida! Chute as pedras do seu caminho e vá ao encontro dos seus sonhos – disse a minha mãe ao me ver rasgando as folhas que compunham horas de trabalho para combinar as palavras de um poema. Eu já estava desesperado. Pensava em ir embora por não encontrar o meu eu lírico. Desejava ir para Pasárgada, pois lá eu também poderia ficar amigo do rei e esquecer essa coisa de poesia. Minha mãe insistia para eu não desistir. Mas as pessoas não se interessam por poesia – eu sempre dizia isso a ela. Pura bobagem. Foi-se o tempo do romantismo, das serestas e declarações de amor – eu continuava a menosprezar minha criação literária. Este mundo está louco. Dizem que Pasárgada é diferente. Lá a existência é uma aventura. Mas será que serei bem recebido numa terra onde tem de tudo? Lá tem mulheres bonitas para namorar. Minha mãe não ia gostar se eu me envolvesse com estas mulheres. Sou apenas um adolescente apaixonado por poesia. E se de repente eu ficar triste? Não posso me matar. Por mais que eu seja amigo do rei, prefiro viver. Também não quero mulheres para me alegrar. Já me contento com a poesia. Mas será que dá para viver assim, sonhando em ser um poeta? Há tantas pedras no caminho que realmente não me esquecerei destes acontecimentos que não saem das minhas retinas fatigadas. Já estou cansado de tudo isso. Poesia para quê, se ela só interessa aos poetas? Foi nesta minha reflexão um tanto solitária que me surgiu uma resposta: um pássaro. Pousou sobre um tronco de uma árvore - 57 -


desfalecida bem próximo de onde eu estava sentado. Enquanto eu questionava a minha criação poética, ele me olhava, curvando a cabeça de um lado para o outro. Acompanhei-o. Ele sorriu. Estranho! Mais estranho foi ouvir do seu bico um exalar de poesia: – Todos esses que aí estão atravancando o teu caminho, eles passarão; tu, passarinho! Não me assustei com a afirmação do pequeno pássaro. E se de repente ele quisesse me ajudar? Sem hesitar, respondi-lhe: – Quem atravanca o meu caminho? Para onde devo ir? – A negatividade quer atrapalhar o teu caminho para Pasárgada – disse o pequeno. – Pasárgada? – Sim! Lá eu sou amigo do Rei! Sou o poeta das suas manhãs. – Sei! Um pássaro poeta! – respondi-lhe com ironia. – Sim! Os poemas são pássaros que chegam. Não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Fiquei reparando no lirismo daquele pequeno bicho de penas e bico. A poesia exalava. Eu queria aprender onde ele encontrara tanto lirismo para a sua poesia emanar. – Como você faz? – perguntei. – O que, meu jovem? – Como você faz para poetar? – Ora, meu caro, se as coisas são inatingíveis, não é motivo para não querê-las... – Sinto que às vezes o eu lírico é algo inatingível dentro de mim. Não consigo encontrá-lo – concluí. – Quem faz um poema abre uma janela. Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela – disse o pássaro. Não entendi por que ele queria me mostrar à negatividade dos meus pensamentos. Talvez porque era um excelente poeta que transformava suas decepções em poesia. Uma forma de aliviar suas dores, digressões e sofrimentos. Será que eu deveria fazer o mesmo? Levantei-me e cheguei mais perto. Queria saber mais da sua - 58 -


poesia e o processo de criação. Quando me aproximei e me aconcheguei próximo a ele, seu olhar pendia de um lado para o outro. Analisou-me de cima a baixo. Disse: – Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? – Sou um menino, não uma menina! – Teu corpo, sim, mas tua alma... nunca se sabe! Não entendi o que ele quis dizer. Respondi-lhe: – Meu nome é Carlos! – Nome de poeta – concluiu o pássaro. Comecei a perceber que aquele estranho bicho consumia o meu tempo. Não me dava as respostas de que eu precisava. Eu necessitava expelir vocábulos para a minha satisfação pessoal. – E então, como faz o seu poetar? – insisti na pergunta de outrora. – A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas. – E qual é o erro da minha pergunta? – Não te irrites, por mais que te fizerem. Estuda, a frio, o coração alheio. – Não acredito ser a poesia um objeto de estudo. Porém entendo o que quer me dizer. Estudar é preciso para se alcançar o lirismo, mesmo que seja com frieza. E como eu concluo, através da poesia, os meus estudos? – No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro de poemas, o cheiro que tinha um dia o próprio vento. – Entendo. Conclui-se que a poesia é tudo aquilo que enxergamos com sensibilidade. É quando o pouco se torna muito e belo; é quando o simples e singelo faz nossas lágrimas derramarem. É quando se aceita mais o natural do que o artificial. A poesia está em todo lugar. Depois de alguns minutos proseando sobre poesia, percebi que o pequeno pássaro estava prestes a levantar o seu voo. Eu passaria o resto do dia adquirindo mais conhecimento para a minha - 59 -


criação poética. Aquele pequeno de penas e bico fez o meu eu lírico entrar em ebulição. Resolvi perguntar mais sobre ele antes que alçasse o seu voo: – Quem é você? O que o faz conhecedor da poética? – Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver! – Você é louco? – Não, sou poeta. – Todo poeta tem um nome. Qual é o seu? Onde mora? – Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. – Mas... e Pasárgada? – Vou-me embora para Pasárgada, lá sou amigo do rei e poeta das suas manhãs, apenas eu poderia ser o poeta das minhas manhãs. Sim, eu posso! Deixa Pasárgada para os pássaros poetas. Eles que são amigos do rei. Insisti: – Se você mora, significa que existe. Se existe, significa que tem um nome. Qual é? – Pode me chamar de Quintana. E lá foi ele. Bateu suas asas em harmonia e alcançou os céus com melodia. Fez erigir o que há tempos eu não tinha: a doce vontade de escrever minha poesia.

José Eduardo Borges da Costa Monte Alto - SP

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2º Lugar Prosa de 19 a 39 anos

Otelo 1 O sol da manhã de primavera derramava a sombra oblíqua da copa da árvore no rosto iluminado da moça. Ela sorriu – aliás, seu semblante era um sorriso inapagável nesse dia fresco. Aprumou o vestidinho florido, que ia só até o meio das coxas grossas, e caminhou dando pulinhos pelo parque. Ela admirou o entorno, e, aos seus olhos, todos pareciam pessoas felizes num dia feliz. Em sua mente, passavam, como num filme água com açúcar, os momentos da noite anterior. Beijos, abraços, um prato de massa e um bom vinho. Às vezes, repreendia-se pela euforia sentida – se a sentisse demais, poderia gastá-la toda muito rapidamente... Enquanto passeava sem rumo pela praça, apenas sorvendo os pequenos prazeres à sua volta e em seus pensamentos, viu um rapaz que destoava do dia alegre, como uma quebra de padrão num tecido bem trabalhado. Sentado num banco, ele chorava. Em uma das mãos, segurava folhas de papel – uma carta de despedida de um amor perdido? Por mais que seu coração tenha sentido pena desse jovem, a moça não conseguiu se concentrar nele por muito tempo. Para ela, a vida era uniforme naquele momento: era só alegria. Alegria, alegria! 2 O pipoqueiro não tinha mais a paciência de antes. Anos atrás, vibrava com a hora da saída das crianças do colégio: as pequenas corriam até ele com os trocados que, orgulhosamente, tinham juntado para comprar uma pipoca média com leite condensado. Nada de usar pegadorezinhos ou luvinhas, coisas que estavam entrando na moda por aí – a criançada queria mesmo era se lambuzar. - 61 -


Agora, por mais que não gostasse de admitir, ele não se importava em levar menos dinheiro para casa, desde que não houvesse gritaria e corre-corre. Estava cansado: eram anos, muitos, no calor acachapante da praça, que não dava trégua sequer em manhãs de primavera como aquela. Os olhos outrora vibrantes, grandes, agora estavam sempre semicerrados; em vez de encararem cada cliente com jovialidade, apenas miravam ao longe, repousando em lugar nenhum. O homem de estatura mediana, bigode e sempre de camisa com os três primeiros botões abertos, encontrava-se naquilo a que chamavam crise de meia-idade. Ou talvez isso fosse apenas um nome arbitrário para algo que acomete qualquer um de nós a qualquer tempo... Seus olhos perdidos foram fisgados pela moça que passava saltitante, sorrindo para o dia e para o mundo inteiro – sorriu também para ele, o pipoqueiro, que, por um momento, sentiu-se aliviado do fardo da melancolia. A alegria da moça tinha esse poder. Infelizmente, ela era rápida, leve, quase flutuava, e logo sumiu entre as pessoas e as árvores. Buscando outro local qualquer onde se fixarem, os olhos do pipoqueiro encontraram o rapaz chorando no banco da praça, cabeça afundada nas mãos. Sentiu pena daquele jovem triste, jovem como a moça feliz – mas o pipoqueiro não pôde esconder, no íntimo, o prazer de enxergar alguém que parecia ainda mais desolado do que ele. Talvez a justiça da vida esteja, exatamente, no fato de ser injusta. Ou não era nada disso? O pipoqueiro queria mesmo era entender Deus. 3 A senhora estava na rua sozinha pela primeira vez desde que vencera a doença terrível, cujo nome sequer pronunciava. Por que prender-se ao que já estava superado? A vida é agora!, ela pensava a cada inspiração do mais delicioso ar da estação. As árvores cheias, as flores desabrochadas – ela - 62 -


era como uma flor, cheia de vigor e beleza. Nem mesmo a moça radiante, lindíssima, que andava a pulinhos com toda a sua juventude causava-lhe qualquer inveja. Não sentia saudades da alegria pueril das meninas. Hoje, ela permitia-se ser mais do que jamais fora: sua felicidade de mulher madura era inegociável. Dirigia-se à escola do outro lado da praça, para buscar a neta. Passariam a tarde juntas, fazendo o que a pequena quisesse. Começariam com um lanche divertido, quem sabe? Acenou para o pipoqueiro ao passar por ele, que não retribuiu, sequer pareceu enxergá-la – e tudo bem, não se amolaria por isso. Naquele fim de manhã, a única coisa que a tirou de seu prumo, por alguns instantes, foi o jovem tristonho no banco da praça. Como chorava com vontade! As costas arqueadas sobre os joelhos subiam e desciam, e quando ela chegou mais perto escutou os soluços. Tinha idade para ser um neto seu – teria sido uma avó jovem, nesse caso, mas ainda assim... Baixinho, a senhora disse algumas palavras de conforto, que, se não chegassem aos ouvidos do rapaz, quem sabe chegariam ao seu coração – eu acredito nessas coisas, ela repetia consigo mesma. Olhou para o relógio e apertou o passo, para não se atrasar para pegar a netinha. 4 O rapaz tamborilava com os dedos da mão esquerda no banco da praça. Ansioso, não levantava o olhar – movia-o apenas entre os papéis meio amassados na mão direita e o chão. Chegara o seu momento. Naquela noite, estrearia a peça, seu primeiro protagonista, e ele tinha um medo: não conseguir chorar na hora certa. Não era, porém, um medo paralisante, e sim um que o estimulava, fazia com que quisesse ser o melhor Otelo que a cidade já vira. Mas, para isso, precisaria chorar – o diretor, em suas próprias palavras, fazia questão de que seu Otelo derramasse “as mais doloridas lágrimas da história do teatro” sobre o corpo de Desdêmona. E onde seria - 63 -


melhor para praticar isso do que naquele banco de praça, naquela manhã de sol, sob a pressão dos olhares de um público desavisado? De cabeça baixa, concentrado, começou a soluçar. Logo, rolaram as lágrimas, que molharam o papel; sua face transfigurou-se na mais triste das expressões – e ele vibrava por dentro. Chorando copiosamente, com a boca retorcida num esgar de amargor, sentia-se radiante. Seria um sucesso.

André Felipe Nunes Klojda Rio de Janeiro - RJ

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3º Lugar Prosa de 19 a 39 anos

O Professor “Salve a poesia”, ele dizia. Dizia antes mesmo de ser preso. Antes do tempo negro e da temperatura sufocante. Antes de ser professor. Antes de saber ler. Antes mesmo de ser poeta. Claro, antes de ser reconhecido como poeta. Porque, em seu coração, desde menino, só habitava poesia. Desde pequeno, fazia os números rimarem, desenhava os versos de história e recitava as redondilhas da geografia. Seu olhar apaixonado via o mundo ao seu redor como quem vê as cores vivas da primavera em uma pintura impressionista. Aprendia as coisas com o encanto de criança, mesmo quando a idade o alcançou e os anos cobraram seu peso. Seu corpo não era suficiente para seu espírito moleque, sua alma viva e cheia de paixão. Quando amava, era o espírito dos românticos que o possuía – da terceira geração, porque era intenso e vigoroso, mas não melancólico como os da segunda. Quando o coração despedaçava, eram agora os trágicos românticos que o acompanhavam, com toda sua dor e sofrimento. Mas foram os modernistas os que mais tocaram seu coração e o guiaram à cátedra. O poeta maior e o menor; a rosa, a lagartixa e a maçã; o Abaporu e o antropofagismo; os sentimentos do mundo e de Pasárgada. “Salve a poesia” é o que ele dizia ao longo de todas as suas vidas. Era dessa forma que terminava todos os livros que escreveu. E era com essas palavras que terminava todas as suas aulas, ainda que elas nada tivessem a ver com poemas ou com línguas – ao menos, diretamente.

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“Salve a poesia”, dizia, com o brilho de quem consegue achar beleza em tudo, até nos momentos mais sombrios que se avizinhavam. “Salve a poesia”, dizia, como uma ordem, um imperativo, uma necessidade, uma exigência de estar vivo. “Salve a poesia”, dizia, como luta, como esperança, como beleza, como resistência, como essencialidade. “Salve a poesia”, dizia, mesmo quando o carro negro de vidros negros o sugou para a noite negra. A família à porta de casa, a mulher e as três crianças, assistiram-no ir embora com a dor e a paixão. A menor criança ainda não conseguia entender o que seu pai dizia, mas, a bem da verdade, nenhuma delas conseguia ainda compreender verdadeiramente seu significado. “Salve a poesia”, ele dizia, todos os dias, na cadeia. Recitava para nós todos os poemas de que conseguia se lembrar, incluindo os seus. Drummond era seu poeta preferido – e, claro, passou a ser o nosso também. Bem, depois dele próprio, claro. “Salve a poesia”, ele dizia, enquanto o jogavam sozinho no camburão e fechavam as portas para sempre. Seu rosto era marcado pela dor, pela fome, pelo sofrimento. Mas a sombra de um sorriso ainda brincava com seus lábios finos. E, mesmo com toda a dor, seus olhos brilhavam, um brilho que nunca ninguém conseguiria apagar. Ele nunca mais foi visto, de forma que não sou capaz de saber quais foram suas últimas palavras. Mas eu gosto de acreditar que, mesmo no zênite de seu sofrimento físico, ele disse, com seu olhar apaixonado e seu sorriso brilhante, “salve a poesia”.

Henrique Moric Vilela Mariano São José dos Campos - SP

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1º Lugar Prosa de 40 a 59 anos

Variáveis

Até quando isso ainda iria durar? Os gatos do telhado vi-

zinho numa algazarra obscena enquanto corrijo provas quando já deveria estar dormindo. Camila não se importa. Dorme o sono dos justos, como se o barulho dos gatos não a atingisse, não causasse a menor perturbação no ronronar de seu sonho. Uma noite mal dormida decretada pelo despertador que logo silencio para não acordar Camila. Ela se vira, levando a imensa barriga para o outro lado da cama. Tateio minhas roupas no quarto escuro e levo tudo ao banheiro para me vestir. Faço o café, deixo a manteiga para fora da geladeira e a mesa feita para Camila quando ela acordar. Evito entrar novamente no quarto e invadir a luz da manhã que já penetra os aposentos. Tinha deixado minha agenda lá dentro. Deixa estar, sei que a quarta-feira será a mesma da semana passada.

Na faculdade, outros professores me cumprimentam que-

rendo saber o último boletim da gravidez. Como houvesse algo de diferente entre a trigésima primeira e a trigésima segunda semana de gestação, a próxima consulta com obstetra só mês que vem, o ultrassom não mudou. Ainda não decidiram o nome? Judite com th ou com e? E Camila, como ela está? Se sente horrível, com os pés inchados e o umbigo parece uma azeitona querendo pular para fora. Mas ela sorri o tempo todo. E você, como está?

Pego outro café e o plano de aulas para o dia. Biologia Mo-

lecular II, Supervisão de estágio, orientação a mestrandos. Na sala de aula, os alunos aos poucos entram quando já fazia a introdu- 67 -


ção aos mecanismos de transferência genética. Repetir os conceitos. Ilustrar com os mesmos exemplos. Projetar o slide de dois anos atrás. Viviana pediu bibliografia para o trabalho semestral e Carlos quer saber o que vai cair na prova. Alunos diferentes, perguntas de sempre.

Na hora do almoço, a feijoada infalível de quarta. Pego o

suficiente para me alimentar e me deixar acordado para a tarde, o resto completo com mais café. Ligo para Camila, ela está pintando o quarto do bebê. Por que não me esperou para eu te ajudar? Não aguentei, odeio ficar aqui sem fazer nada, as latas de tinta aqui paradas, quis logo ver como ficaria a parede. Tá, mas não vá subir em escada, por favor! Pode deixar, depois você vem e completa a parte de cima. Desligo o telefone. Sei que ela vai pintar tudo. Nem pensar, deixar tudo feio assim, rapidinho passei a fita crepe no teto, encaixei o rolo de tinta no extensor e fiz o resto, imagino ela me explicando. Camila, indiferente aos cabelos brancos que desgrenham ao longo dos meses sem tintura, o rosto borrifado de tinta rosa, Camila acariciando a barriga. Entro na minha sala e os orientandos mostram seus relatórios, os capítulos, as tabelas, os gráficos. Aponto inconsistências, alerto prazos, recomendo autores, voltem à leitura das referências, as minhas referências, os postulados imortais, não esqueçam da sempiterna metodologia empírica. Espero que Judite ou Judith não queira ser professora.

Aproveito o término da orientação para pesquisar preço de

berço. Um tem dispositivo antirrefluxo, outro que se transforma em uma mini cama, berço com rodinha ou com balanço, berço que se acopla na cama do casal. Achava que era tudo igual desde quando vi minha irmã e futura tia nascer, cama é um conceito único cuja função era acomodar um corpo adormecido. Percebo que minha concepção de lugar-para-dormir era insuficiente para outras possibilidades dos bebês, ainda que eles carregassem as mesmas necessidades e padrões de sono ao longo de milênios de legado humano. - 68 -


Passo ao longo das imagens de berços de cores e formatos diversos, tentando encontrar um consolo teórico referente às exigências culturais ou mercadológicas que pudessem aquietar meu espanto relativo a modelos de berço, até que batem na minha porta e fecho o computador irritado sem me decidir por nada. Um grupo de alunos vem me perguntar se haveria o grupo de estudos hoje. Merda. Tinha me esquecido completamente. Trinta minutos de atraso e o lembrete havia ficado na agenda que deixei no quarto para não acordar Camila.

Preciso me organizar melhor com essa história de gravidez

antes que bagunce toda minha rotina. Peço a eles que remarquem para a semana que vem e me desculpo com a preparação a alguma banca de defesa que me solicitaram de última hora. Antes um professor pós-doutor mentindo uma urgência acadêmica do que confessando sua inépcia em relação a berços.

Pego meus materiais e saio da faculdade. Ao chegar em casa,

Camila está no quarto da bebê tomando um iogurte e antecipando onde iria pendurar móbiles, acomodar almofadas, guardar kit de remédios, colar adesivos na parede já pintada. Senta-se na poltrona para amamentar uma criança que ainda estava em seu ventre. Incapaz de adentrar em sua imaginação, pergunto se ela quer que eu faça o jantar. Ela responde que sim, se levanta, acaricia a barriga e volta a encher o armário vazio com roupas e fraldas que ainda não ganhou.

Antes de chegar na cozinha, Camila grita meu nome. Volto

correndo assustado. Teria ela caído ou dolorida com contrações? Camila está sentada na poltrona olhando para a barriga. Sem levantar a cabeça ela segura minha mão e a leva até a bebê. Está sentindo? Olha! Ela está chutando! Judite com te ou th rola para fora de Camila e engatinha pelo quarto. Segura na porta e levanta e sorri. Chora quando cai. O apartamento é um mundo a ser explorado e meus livros se ajuntam assustados na sala. Acordo com sua tosse - 69 -


e durmo sem me importar que os gatos invadam o apartamento. Cuidado com as quinas da mesa e da vida. A parede rosa que é rabiscada de todas as cores. O berço que tem que ser substituído por uma cama, pesquiso vários modelos, qual você quer? Não coma isso! Vou te explicar o que é uma bactéria. Quer saber o que eu faço, Ju? Também sou professor, sabia? Hoje não vou para a faculdade, minha filha está doente. Marque tudo para sexta, não poderei viajar para o simpósio. Já viram a foto dela?

André Gonçalves Mellagi São Paulo - SP

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2º Lugar Prosa de 40 a 59 anos

Batom Ela morava na choça de chão batido, num cômodo que poderia ser um depósito, um poleiro. Era a sua casa. Um cômodo: talha d’água, bancada de madeira torta apoiada na parede tosca, farpada, marrom-sujo, a cama, não poderia chamá-la assim, mais parecia um amontoado de palha sob um lençol velho, quarado. As poucas panelas areadas, o fogão, a lenha, o telhado preto de fuligem. Dois vizinhos mais próximos. Poucas palavras, pamonhas, pinhão cozido, querosene pro lampião, uns litros de jabuticaba quando temporada e aviso de morte nos arredores. A vida já se passara dos trinta. Os filhos - os dois moleques o marido, a casa. O casamento faz parte da vida, nascer, comer, trabalhar na roça, tirar sustento, casar, casar os filhos. No dia do casamento, o marido falou que a amava. Teve viola, cantoria, vestido branco, véu, e se viu no espelho da vizinha. Vestido branco. O amor é romã, alguém falou. Sempre pensava a mesma coisa, a mesma coisa, mas não entendia o por que isso vinha de tempos em tempos à cabeça, aquela era fruta feia, que trincava com o sol, e só valia pra fazer chá pra mulher quando as regras deixavam de vir - no final da vida - pra amornar o calor do corpo. Romã. Quando friagem, passava banha de porco pra amaciar a mão, o cotovelo. E tinha um pedaço de espelho quebrado escorado no vão do pau-a-pique, escondido do marido que falava que espelho quebrado dá azar. Azar... eu tenho o quê? Deus sabe... - 71 -


As crianças brincavam com as galinhas no terreiro, o mais novo veio correndo em fôlego avisar de gente desconhecida perto da mangueira. Ela sentiu medo, mas queria ver o que era, talvez aviso de morte, talvez uma mão de milho... um dedo de prosa... Mulher de unha feita, comprida. Embornal bonito. Vizinha nova. Além de tudo, um naco de bolo de fubá embrulhado em panos, cheiro de delícia. “Dia!” ... “dia”. Ela matutava qual querência trazia a mulher na choça, mas nada vinha. Lembrou do dia do seu casamento, olhou a foto antiga, oval, pendurada ao lado da imagem de João Paulo II, as duas levemente tortas na parede esburacada. Lembrou do rádio que ganhara de um tio e que nunca fora ligado por falta de luz na roça. Ainda esperava que chegasse a luz. Tanto tempo. Mataram novilho, trouxeram regional, a cantoria passou da meia noite. Lembrou da noite escura, de ver a lua brilhando pela janela aberta, o pano de chita não parava de balançar. O marido. A descoberta. Não há mais nada além de servir, cuidar dos filhos. Dizem que na cidade a vida é mais fácil, não precisa matar galinha, nem trabalhar no monjolo. Queria oferecer café. Fez. Água rala, xixi de padre, a mãe falava. A mulher tomava e falava coisa sem coisa. Nada que fizesse interesse. Ela balbuciava, grugulejava... nem sabia que palavra saía da boca que tremia... o que essa moça quer.... Já estava em gasturas, queria agradecer o bolo que agora pipocava migalhas no chão junto das crianças e galinhas a gritar de alegria no terreiro... por um tempo olhava aquela balbúrdia e se esquecia da vida... a última vez que comera bolo feito por alguém... foi na noite de São João, na fazenda dos Cocais... noite boa... Até que a moça das unhas mostrou as figuras. Nas páginas, regalos de moças, anéis, brincos, pulseiras e pintura de rosto, uma mais brilhosa que a outra. Não era de precisão aquilo tudo, mas era tão bonito! - 72 -


Era preciso avisar a mulher que parasse de falar tanto, pois que não carecia de comprar, a farinha fazia falta, o marido ralhava! Ela via a mulher como um nada acontecendo ao seu lado, não adiantava falar, ela insistia e falava, falava. Depois de hora, levantou. Era em tempo de ir embora e tudo voltar ao seu posto. As crianças, os cachorros, a casa. Na porta com pé no terreiro, fez que voltou, parou, olhou pra dentro, viu os quadros na parede. Pôs a mão no embornal, tirou rápido, estendeu a mão para ela e completou: – Esse é de brinde, o próximo a senhora compra. Nem teve tempo de olhar, fechou a mão com tanta força que achava que nunca mais ia abrir. Seus beiços tremeram no momento de sorriso. Os olhos umedeceram. Calou. Viu a mulher cruzar o terreiro, sandália de couro, saia ao joelho. Sumiu. As crianças voltaram a levantar poeira, trepar nas árvores. Agora a mão abria como que não quisesse, e seu coração vinha pra garganta, pulava. Era mesmo... O batom. O marido chegou cansado, botina embosteada, mão calejada, agarrando criança, ralhando e admirando ao mesmo tempo. Queria falar que sentia bem em voltar, mas não achava meio. Olhou de soslaio pra mulher, tirou o sapatão e entrou... ela já esquentava a água do banho. Prato quente de feijão, farinha e mandioca. Mão suja de comida. Depois, pito na porta, olhando as galinhas no alto das árvores, a criação quieta, a criançada empoleirada. Havia de achar ganhar mais sustento, fazer proveito da terra, chegar luz. O pensamento voava. O pito acabava, era hora de dormir pra acordar com o sol. E ela. O batom. O espelho quebrado. O beiço tremia. Pedia a Deus que a mulher não voltasse mais. Nunca mais. Noite escura. Todos no sono. Ela tinha os olhos estalados, - 73 -


não vinha o sono. O batom. Esperando o dia raiar, o marido pegar marmita e sumir. Esperava o momento de se olhar no espelho. A pele grossa, a ruga que já vinha tão cedo, cabelo queimado. A mão nunca que ia ver esmalte, acha!? Nem no dia do casamento.... Dorme! Dorme! O chacoalhar das palhas avisou que o marido já acordara. Café, broa, matula, galo chamando pro dia. Botina no pé. Enxada na mão. Pé na estrada. Um gesto de despedida sem palavra. Ela ficou na porta, sentou, café na mão. Olho no longe... o tempo é estranho... quando a gente vê... O coração pulou no peito. O espelho... Batom. As crianças ainda empoleiradas. Era a hora! Tomou fôlego. Pegou. Abriu. Cheiro de moça. O coração veio à goela... já tinha tomado decisão. Passou. Tremia tanto que a boca parecia um rabisco vermelho. Mas tinha cor...era a boca... parecia uma mulher. Parecia feliz. Ela era mulher! Pegou o espelho e foi pra janela. À luz era melhor de ver. Meu Deus... é bonito! O batom. O galo cantou. Ela estava na janela com o espelho. Passou a mão com força no beiço e tirou tudo. Esfregou com força. E depois uma mão na outra, tirava toda a cor. Botou o espelho no buraco. Virou as costas e foi em direção à porta, tinha que ir no monjolo. Ia aproveitar e jogar no rio. Parou... a mão apertada, fechada. Voltou. Pegou o espelho do buraco e lá no fundinho guardou o batom. Guardou. Enquanto voltava o espelho no lugar, lembrou da boca vermelha, do cheiro. Era caso de outro dia, quem sabe, passar de novo. O coração voltou a bater forte no peito. Tão forte, mas era bom. Ela sentia o coração bater. O coração. O batom.

Renata Cristina Cabrera São João da Boa Vista - SP - 74 -


3º Lugar Prosa de 40 a 59 anos

O senhor das flores “Trago-te flores – restos arrancados Da terra que nos viu passar unidos E ora mortos nos deixa e separados” (A Carolina, Machado de Assis)

Em pleno dia dos namorados e eu aqui, solteiro, sem ninguém, de novo! Não tem cabimento, nesta altura da vida, como consigo isso? Quando vou aprender a lidar comigo? A lidar com elas? Será que é tão difícil? Não parece ser para todos. Ali adiante, como que me provocando, vai um senhor bem resolvido. Está de gravata, lustrosos e ondulantes cabelos grisalhos, aparentando idade avançada, bem sentadinho em seu assento, sobraçado em um belo ramalhete de flores. Certamente é para uma namorada nova. Quem sabe para a esposa. Afinal, ele pode ser daqueles que ainda mandam flores. E fazem melhor, não mandam, entregam pessoalmente! Mesmo que seja de ônibus... Não é fácil, faz tempo que me esforço para complicar minha vida, desde que me conheço por gente. Estou aqui, sozinho, indo para uma partida de futebol, com amigos. Está certo que futebol tem seu valor, ainda mais com amigos. Ainda os há, sempre haverá, pois não sou o único sozinho neste dia dos namorados, é claro. Mas, sinceramente, estou pensando em meu problema neste dia, que já está assumindo um tom cinzento, como lá fora. Por que é tão difícil ficar com alguém? Por que complico tanto? Como que consigo espantar tanto assim aqueles que gostam de mim? E olha, que nem sou das piores pessoas que conheço: trabalho, estudo, não sou dos mais feios. O que me falta para conseguir a estabilidade amorosa? Será que é culpa dessa minha geração que prefere “ficar” que namorar? - 75 -


O pior é que parece não estar assim tão difícil para todo mundo. O senhor das flores, por exemplo: cabelo engomado pelo tempo, branco como um nevoeiro, todo lambido para trás. O terno é de 1900 e antigamente. Até colete ele está usando! E aquele monte de flores ali, cuidadosamente postadas em seu colo. Também já as entreguei. Sei do quanto um agrado deste nível ajuda na conquista de um novo amor. Uma flor, roubada que seja de uma praça no caminho para a casa da amada, já faz um estrago em um coração carente. O problema vem depois, quando surge a pior inimiga da relação: a rotina. Esta maldita faz com que a gente esqueça de manter estes pequenos mimos. Também, por que as mulheres têm de ser tão exigentes? Será que não enxergam que somos uns enrolados? Damos atenção ao conjunto, não aos detalhes? Somos excelentes caçadores, mas péssimos cultivadores. Acho que os primeiros homens, os que viviam somente da caça se deram muito mal. Quem fez o mundo moderno foram os que sentaram terreno e cultivaram a terra. Quem sabe eu aprenda algo com os livros de história? O senhor grisalho parece que já aprendeu bastante. Olha o brilho do seu sapato bicolor! Muita sola já deve ter gasto conduzindo sua dama, braço esticado, corpo ereto pelos salões de baile da cidade. Onde, provavelmente, irá esta noite com a destinatária do ramalhete de flores. E eu, que me julgo o esperto, o moderno, etc., nunca aprendi a dançar. Travamento, imagino eu, dificuldade de soltar a dureza corporal. Um amigo meu, todo metido a literato, diria que não consigo destravar a dureza da alma. Poético demais para encarar a realidade. Até que na infância brincava de dar uns passos, imitando o Michael, mas nada que passou da fase moonwalker ou do rosto colado nos bailecos de garagem do tempo do colégio. A adolescência tímida acabou por sepultar o dançarino dentro de mim. E olha que tentei, juro, agradar uma ex-namorada. Ia com ela nas festas, bebia um tanto, tentava dançar, mas era um horror. Convencido por ela, fizemos curso de dança de salão. Não teve jeito. Meu cérebro não matemático sofria com as regras de dois para lá, dois para cá, todo - 76 -


atrapalhado! Sentir a música, dizia ela. Quem disse que ouvir a música fazia o corpo se mexer para o lado certo? Não deu certo a dança, não deu certo a relação... E ali vai o senhor com aquelas flores, abraçado a elas como se a sua dama fosse. Dia dos Namorados é um dia especial, concordo, mas não deve ser o primeiro dia dos namorados deste casal antigão. E, com o passar do tempo, se perde o ímpeto de levar flores, de querer agradar. Que eu saiba, não aconteceu apenas comigo. A maioria dos meus amigos diz o mesmo. Já com este senhor, que deve ter mais de setenta anos, não. Aparentemente, ele não tem muita grana, pela idade das suas roupas, que devem ser mais velhas que eu. Mas que está bem ajeitado, isto está. Quantas vezes deve ter levado flores a esta mulher? E para quantas outras? Ou este senhor é daqueles que casou cedo e ficou sempre com a mesma? Provavelmente deve ser namorador, galanteador. Senão acordaria ao lado da mulher, depois de ter roncado a noite inteira, com aquela barriguinha de chope que todo homem adquire com a idade. Talvez levasse um café na cama, isto se fosse romântico de verdade. Se fosse casado, certamente ficaria atirado até tarde em um domingo destes. Para estar a esta hora da manhã na rua, levando flores, certamente tem uma namorada nova. E eu, nem isto, eu estou indo para um futebol. Quem mandou eu ser tão metido a independente? Não aceitar cobranças? Dias atrás, quando disse que ia no jogo do meu time e ela disse que queria ficar comigo, por que não cedi? Porque que tenho que ter a última palavra! Não posso ceder, sou o homem da relação! Por que estas e outras bobagens que não me levaram adiante em nenhuma relação estão tão encruadas em meu cérebro? Mas acho que teimosia já faz parte do meu ser. Até no trabalho está difícil. Promoção? Por quê? foi a pergunta de meu chefe mês passado, quando tentei, novamente sem sucesso, progredir no escritório. Tudo bem que me atraso às vezes, tive que sair um pouco mais cedo naquela decisão de campeonato, me disperso um tanto falando de futebol com os colegas. Mas, de qualquer maneira, tento ser objeti- 77 -


vo e produzir. Frase dele: “a mulher de César não só tem que ser honesta, tem de parecer honesta”. Nem sei se é bem isto que falaram da mulher do César, mas frase de efeito para me xingar? E a lentidão toma conta deste ônibus! Pelo visto, eu e o senhor das flores estamos ansiosos por chegarmos aos nossos destinos. Eu para extravasar no futebol, ele para realizar-se namorando. Cada qual com suas conquistas. Pelo leve sorriso e a movimentação, ele deve descer na próxima. Abraçado cuidadosamente em suas flores, as flores que entregará a ela. Ele se levanta, confere a rua e o luminoso que avisa o local da parada, dando um longo suspiro, daqueles que não saem do pulmão, mas da alma. E, então, só então, o idiota aqui, o burro que fica imaginando coisas, que ficou conjecturando mil aventuras amorosas para este senhor septuagenário, que não aprendeu até hoje o valor de uma relação estável, que não sabe o valor de conquistar uma mesma mulher todos os dias, somente neste momento eu consegui entender a situação. O senhor, aquele homem idoso, grisalho, vestido com galhardia, apesar da idade das roupas, que não descuidou um minuto do ramalhete que carregava consigo para sua amada, este velho e belo senhor das flores está descendo na parada do cemitério..

Alessandro Castro da Silva Porto Alegre - RS

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1º Lugar Prosa 60+

Duelo sob o sol O grito pra gente acudir o Divino lá no terreiro da Casa Grande chegou ainda com o solzinho da manhã. “Diacho de homenzarrão”, pois não devia ele de estar lá no corte da cana com os outros?...Que diabos o gigante fora fazer lá no terreirão da fazenda? Pra todos ali no batente do corte, o Divino era tal qual um gigante, entretanto, naquele dia, eu com os meus doze anos, fiz a comparação dele com a Santa Joana D’Arc!... Era tamanha a coragem do gigante que, devagarinho, surgiram-me na memória as palavras do Seo Marianinho, da catequese: A Santa Joana D’Arc tinha uma “Fé Inquebrantável!...”. Pra nós, do catecismo, essas palavras, quando ditas, causaram um rebuliço na imaginação. “Fé Inquebrantável”... E Seo Marianinho usava essa força mágica pra nos orientar, dizendo sempre que a Santa Joana D’Arc era movida pela fé, e fora com fé que aquela menina-mulher, nascida em Domrémy, na França, no ano de 1412, liderara o exército francês contra os ingleses. Do Divino, que todos ali conheciam, diziam que lá pelos treze anos, cismara de ouvir uma voz, tal qual a que a Santa ouvira. Voz de quem, Divino? De quem? Ao que ele se entretinha a dizer que estava ouvindo, estava escutando, mas não sabia soletrar. Não entendia aquela voz estranha. Quando isso acontecia, assim ficava o Divino: meio que jogado num canto até que o “surto” passasse. Digo “surto” porque o Divino era medicado com o tal do Gardenal, remédio indicado pra quem “sofria dos nervos” – diziam. Por isso, em se tratando do gigante, apenas dizíamos: “Ah! é o Divino, de novo!... Deixa ele, logo passa!”. E o Divino era assim: o que tinha de estranho, e de grandalhão, tinha de bom, a bondade em pessoa. Ajudava - 79 -


sempre a quem precisasse. Um dia veio lá o Divino com aquele seu vozeirão de trovoada recitando um palavrório desconexo. Da sua boca saia aquela sonoridade impulsiva e estranha: “as palavras são obras de Deus... mas são também obras de um demo; não vê lá quando eu digo “iscumungado”... E “iscumungado” não tem uma parte com o coisa-ruim? Ora, se tem!... E não é “iscumungado” quem me aprepara a degola?!(*). Instantes depois, aquietava-se o Divino. Quietinho como um cordeirinho de Deus a sentir na própria pele o deslize cometido. E assim, em instantes, retornava com o facão ágil e forte de volta à lida. Naquele dia, sem que se soubesse o porquê, Divino largara o corte ainda bem cedinho e escapulira rumo à Casa Grande. Alguns juravam que ouviram da boca do Divino, “que hoje era um dia de Libertação”. Mas, ninguém ali botava fé nesse atarantado. E nós, ainda crianças, meninos, a gente trucidava: Nem te ligo, gigante! Nem te ligo!... No entanto, fosse o dia da voz de Deus ou de um grito rouco do Diabo, o certo é que o Divino, como uma ovelha desgarrada à procura de outros campos verdejantes, preparou-nos todas as letras daquela manhã com as tintas vermelhas de sangue. Ao aviso, corremos todos pro terreirão!... Já era possível ver o Divino lá no alto da Colheitadeira de grãos, aquele maquinário imenso e estranho que acabara de chegar na fazenda havia três dias. Era um maquinário moderno e novo por ali, e por isso ainda causava estranheza naqueles campos de cultivo... Lá em cima, sob o sol escaldante, víamos nas mãos do Divino, alguma coisa que muito bem não se via. Uma arma? Uma foice? Um facão? O Divino parecia fazer uns passos de ataque e defesa, subindo, pulando, avançando e recuando, e de tempo em tempo, insistindo nos gestos de bater forte sem dó nem piedade! ... E bater em quem? No invisível?... Divino arriscava passadas longas e a gente enxergava o Divino cada vez mais alto... Ele, o gigante, pé por pé, apoiando-se no contorno das ferragens, procurando alcançar o topo como quem subisse às nuvens para alcançar o céu. Da sua boca ouvíamos aquela conhecida sonoridade grave, tonitroante: “O que farão sem os montes de - 80 -


ferros?!...Terei fim, mas o espaço, não!... A luta, não! A sorte está jogada, mas jogada por mim!...” (*). Quem há de saber, se ouvíamos aquilo ou se inventávamos? Nenhum de nós confiava tanto no que se passava ali no terreirão. O Divino, lá no alto, parecia ganhar uns jeitos outros, assim espevitado, assim como um guerreiro sanguinário.... ou a gente via, via? Nas mãos do Divino, o que antes um facão, a foice, agora mais parecia um aríete potente, impiedoso, não fosse apenas um cabo de enxada aparado. Forte. Feito à mão, liso!... E Divino, o gigante, um porta-estandarte rodopiando em pleno ato, tendo nas mãos uma longa espada de prata a trespassar a carapaça dura daquela sua montaria – a Colhedeira, a Colheitadeira. Ele, Divino, o enviado dos deuses, com a sua fé inquebrantável, subira aos céus pra combater o inferno na terra: a Colheitadeira, a Colhedeira de grãos!... Em silêncio, entreolhávamo-nos, todos. Dona Felicidade, a mais velha da turma, de terço na mão, ensaiava uma Salve-Rainha Mãe da Misericórdia... Divino, lá no alto, os braços abertos em cruz, a nos indicar o alvo com a sonoridade potente de um grito: “Se houvesse inferno, haveria de ser para reis e poderosos que se sustentam do trabalho alheio” (*). O vozerio profético do Divino ecoava com endereço certo, pois todos ali, os boias-frias, temiam que o maquinário lhes arrancasse o emprego e o pão nosso de cada dia. Então, como numa guerra, um duelo de vida e morte, Divino arvorou-se contra o demônio, contra o descomunal, contra o portentoso. Na sua mão, o punhal, o cabo da enxada, o aríete, o varapau, prontos a atingir e a deitar por terra, quem por ventura lhe roubasse o ganha-pão, o salário, o brio, o orgulho, a honra e o sustento da própria vida. Nossos olhares, como fossem um só, rodearam imobilizados a Colheitadeira. Lá em cima, banhado pela luz do sol, Divino expunha-nos as suas chagas vivas. O maquinário gigante, o lobo vencedor, bravamente, resistira aos ataques insanos de fúria. Divino, ao alto, curvado sobre uma abóbada de ferros, preso às pontas das ferragens, atingia uma angulação dolorida em nossos olhos. Ali, a gente toda sabia quem era o boia-fria Divino em seus delírios. No entanto, lá em cima, trespassado pelos ferros da Colhedeira, de - 81 -


onde respingavam incessantes gotas de sangue, aprendíamos a ver e a olhar o astuto lobo metálico, de onde os homens do canavial, a duras penas, tentavam alcançar o Divino, para retirá-lo das farpas traiçoeiras e pontiagudas que o perfuraram até a morte.

Celso Antonio Lopes da Silva São Paulo - SP

(*) Referência incidental: A canção da nossa gente – Eduardo Galeano – Ed. Paz e Terra. - 82 -


2º Lugar Prosa 60+

Um dia, num sábado

Dorival Caymmi tinha jeito de cantor; fala mansa, dengoso e um vozeirão;

e Malvadeza tanto insistia para ele cantar que, às vezes, ele cantava. Namorador por excelência, namorou com: Dora, Doralice, Marina, Rosa Morena (um morenaço de fechar o galpão), Anália, Tia Nastácia, Gabriela, A preta do Acarajé, A vizinha do lado, a Morena do Mar, Adalgisa, Francisca Santos das Flores, Das Rosas, a Alegre Menina, Teresa Batista, Maricotinha; só não conseguiu namorar a Amélia, aquela que era mulher de verdade, pois a mesma já estava comprometida com Mário Lago. Num Dois de Fevereiro aceitou um Desafio de João Valentão, Na Cancela da Baixa do Sapateiro para ver um Velório e uma Festa de Rua num Temporal; chegando lá aconteceu um Milagre, às tantas Horas, Santa Clara Clareou O Vento, ele todo arrepiado fez uma Promessa de Pescador, visitar Trezentas e Sessenta e Cinco Igrejas e dizer a Oração da Mãe Menininha.

Uma vez, num Sábado em Copacabana ele contou História pro Si-

nhozinho, falou da Lenda do Abaeté, da Vida de Negro, do Navio Negreiro, da Rainha do Mar e, de repente, disse pro sinhozinho Eu Não Tenho Onde Morar, estou Tão Só, que Saudade, Saudade da Bahia, Saudade de Itapoã, saudade da Roda Pião, bloco Afoxê e dos Retirantes de São Salvador que falavam dos Versos escritos N’água do Sargaço Mar; e num Acalanto cantou bem baixinho – o Samba da Minha Terra.

O jovem sentiu-se enternecido ao ouvir aquela música e perguntou: - De

Onde Vens? Há quanto tempo estás aqui? Dorival lhe respondeu: - Desde Ontem, Peguei um Ita no Norte, numa Noite de Temporal depois do Adeus da Esposa a quem dei Um Vestido de Bolero e ela me disse: Você não sabe amar e cantou Cantiga da Noiva. Fui para a Balada do Rei das Sereias. Fiz Uma Viagem e Nunca Mais verei o Coqueiro de Itapuã, pois A Jangada Voltou Só. Êta Sodade Matadeira! Eu só queria conhecer Maracangalha, fazer uma Pescaria e ver O Dengo Que a Nega Tem. O rapazinho entristecido voltou a falar e perguntar: - Só Louco prá fazer o que fez, você não tem medo d’O Mar? Não? Nem Eu! Colocando a mão no ombro do adolescente, Dorival disse: Acontece Que Sou Baiano, Severo do Pão já dizia: É Doce Morrer no Mar. - 83 -


Tu precisas saber que Quem vem pra beira do mar fica conhecendo os Caminhos do Mar e O Bem do Mar, e pode dizer: Eu Cheguei Lá! - Lá Vem a Baiana, vamos comer um Vatapá e um Acaçá No Tabuleiro da Baiana? Depois de comerem, O Cantador cantou Canção da Partida e num aperto de mão, disse-lhe Adeus e foi para o albergue Suite de Pescador. Acompanhando Dorival ele pediu: Vamos Falar de Teresa Na Ribeira Desse Rio? Dorival lhe disse: - Não Tem Solução, o Desenredo é eu ir para Aruanda e brincando falou: - Menino, Requebre Que eu Dou um Doce, e de cabeça baixa entrou no albergue. Nesta despedida o moçoilo Pixinguinha, reverentemente e carinhosamente, chorou.

Evaristo Souza Soares Mucuri - BA

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3º Lugar Prosa 60+

Tal filha, tal mãe!

Não sei o que me emocionou mais: ver e sentir a brisa do mar, com seu gosto salgado, aquela imensidão translúcida, que feria meus olhos, ou assistir a um filme, projetado em um cinema de verdade, com tela colorida e tudo! Isto aos dezessete! Ou a primeira vez em que entrei no Teatro Guaíra, com duas mil poltronas de veludo vermelho à minha disposição? Quando o gerente falou que eu havia sido aprovada para o cargo de “lanterninha”, quase tive uma síncope. Ou teria sido quando eu própria, anos depois, subi ao palco e encenei Dostoiévski? Ou na Alemanha, onde me arrepiei inteira ao perceber que o pessoal de lá entendia meu alemão caipira, e ao subir as encostas da Floresta Negra, com uma chuva fina e Bolero de Ravel ao fundo, chorava baixinho olhando para fora da janela do ônibus, para ninguém perceber.... Embasbacada fiquei também quando me deparei com o David, de Michelangelo! Eu ficava ouvindo o guia maravilhada, de boca aberta, literalmente. Ou teria sido o musical “Les Misérables”, de três horas de duração, que me transportou para outra esfera, em Londres? Se bem que caminhar sozinha por entre os deslumbrantes arranha-céus de Nova Iorque, e depois vê-la toda iluminada à noite, me deixou maravilhada! Mas nenhum destes foi o dia mais feliz da minha vida. O dia que jamais esquecerei foi o dia em que minha mãe disse “sim”. Isto aconteceu há quarenta e três anos, mas lembro dos detalhes como se fosse hoje. Estremeço como naquela tarde, e agora ao escrever sobre aquele dia, é como se o estivesse vivendo novamente - as emoções afloram, e meu choro de ontem se apresenta real, e sou ao mesmo tempo, mulher e menina, descendo o potreiro em - 85 -


disparada, correndo atrás e por entre as vacas e terneiros, gesticulando e dando cambalhotas, subindo na árvore de plátano e saltando dela. E minha mãe ainda estática, com a foice e pasto de aveia nas mãos, o suor escorrendo no seu rosto, por debaixo do enorme chapéu de palha, receosa, e creio que estupefata, com a resposta que me dera. O quanto aquele “sim” trêmulo lhe custou, não pude avaliar na época. Sou do tempo em que se contava as horas através do sol, a lua e as estrelas me guiavam à noite. Ainda hoje, na enorme casa de madeira, de tábuas largas, esculpidas por meu avô, não se vê nada além de árvores, paiol, chiqueiro, estrebaria, e o vizinho mais próximo fica a dois quilômetros. Posteriormente, mudamos para o centro de Alto Bela Vista/SC (não tem hoje quinhentos habitantes), e aos seis anos fui para a escola aprender português (até ali só falava alemão). Ginásio só tinha em outro distrito, assim, eu ainda nem tinha terminado a quarta série e já começava a atormentar minha mãe para estudar em Volta Grande. Teria de andar seis quilômetros a pé (doze ida e volta), com enormes morros e atrito de pedregulho que só vendo. Por fim, meus pais permitiram, só que com a seguinte condição: teria de continuar ordenhando as vacas, e se não passasse de ano - roça!!! Imaginem, passava com dez em tudo! Na biblioteca fiquei encantada com os contos dos irmãos Grimm, e eu carregava aqueles enormes volumes de capa dura durante todo o percurso, chegava em casa com a língua de fora. Aí sempre algum desastre acontecia: eu deixava o livro aberto debaixo da coberta, fazia um pouco das minhas atividades e voltava correndo. Então, ou o feijão ficava cru, pois eu esquecia de colocar lenha no fogo, ou a carne queimava. Lá se foram mais quatro anos e eu já pensava no que iria fazer depois. Meus pais diziam não ter condições financeiras e eu dizia que trabalharia, que faria qualquer coisa. De tanto me ver triste pelos cantos da casa, minha mãe colocou a melhor roupa e fomos para a cidade, batendo de porta em porta aleatoriamente, perguntando se não precisavam de alguém para limpar a casa, lavar, - 86 -


cozinhar. Ninguém queria saber de mim, por eu ser muito raquítica (tinha quatorze, mas todos me davam dez). Entretanto, Deus ouviu as minhas preces. Nossa geladeira pifou e veio um técnico de Concórdia consertá-la. A esposa veio junto e, conversa vem, conversa vai, a mãe dela estava precisando de uma empregada... A adaptação a essa nova família não foi fácil. Italianos, os hábitos eram totalmente opostos, principalmente na alimentação. E eu podia ir para casa só a cada quinze dias, pois ganhava somente para a pensão e não havia dinheiro para o ônibus. No primeiro ano minhas notas foram muito baixas, quase reprovei, mas consegui me recuperar e no final do terceiro, os professores me incentivavam a fazer vestibular. Era a primeira a terminar os exercícios de taquigrafia, então, a professora gentilmente me ensinava inglês... Meus esforços não foram em vão. Uma filha desta família morava em Curitiba, iria ter mais um bebê e me convidou para trabalhar com ela. Quando ouvi aquilo, vi uma luz no final do túnel. Isso foi numa terça-feira e eu teria de esperar até sábado para ir para casa. Passei todas as noites em claro, e os trinta e cinco quilômetros de estrada de chão que me separavam de meus pais pareciam intermináveis... A condução mal parou e eu voei para casa esbaforida procurando por minha mãe. Atravessei o mato, a cana-de-açúcar, meus gritos ecoavam e eu não via nada na minha frente. De súbito me deparo com ela: “Mãe, deixa eu ir estudar em Curitiba, deixa, deixa. Se eu não passar, eu volto, eu juro que volto!”. Minha mãe ficou em estado de choque. E eu falando que, além da pensão, ainda por cima ganharia cinquenta reais, e que poderia vir vê-los duas vezes por ano (na Páscoa e no Natal), e que escreveria, e... E se eu não passasse de ano, roça! E ela então disse “sim”! E eu tenho certeza de que soube aproveitar muito bem esse sim, e que minha mãe é muito feliz por ter tido coragem de dizer “sim” e deixado a única filha mulher sair lá do fim do mundo para encarar o mundo! Soeli Tiegs Curitiba - PR - 87 -


Diretoria Atual Diretoria Biênio 2021-22 Presidente: Beatriz Virgínia Camarinha Castilho Pinto Vice-Presidente: Lucelena Maia 1ª Secretária: Nívea Poli Barbosa 2ª Secretária: Maria José Gargantini Moreira da Silva 1° Tesoureiro: Lauro Bittencourt Borges 2ª Tesoureira: Vania Gonçalves Noronha Conselho Fiscal: Donisete Tavares Moraes Oliveira João Otávio Bastos Junqueira Wilges Ariana Bruscato

ACADEMIA DE LETRAS DE SJBV NA INTERNET: www.alsjbv.art.br secretaria@alsjbv.art.br facebook.com/alsjbv instagram: @alsjbv www.youtube.com/c/academiadeletrasdesaojoaodaboavista

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Acadêmicos na atualidade

Antônio “Nino” Barbin

Luiz Fernando Dezena da Silva

Antonio Carlos Rodrigues Lorette

Luiza Nagib Eluf

Beatriz V. Camarinha Castilho Pinto

Marcos César Pavani Parolin

Carmen Lia Batista Botelho Romano

Maria Cândida de Oliveira Costa

Celina Maria Bastos Varzim

Maria Cecilia Azevedo Malheiro

Clineida Andrade Junqueira Jacomini

Maria Célia de Campos Marcondes

Cyro Gilberto Nogueira Sanseverino

Maria Ignez dos Santos D’Ávila Ribeiro

Donisete Tavares Moraes Oliveira

Maria José Gargantini Moreira da Silva

Francisco de Assis Carvalho Arten

Marly T. Estevam de Camargo Fadiga

Hélio Correa da Fonseca Filho

Neusa Maria Soares de Menezes

João Baptista Scannapieco

Nívea Poli Barbosa

João Batista Gregório

Pe. Claudemir Aparecido Canela

João Batista Rozon

Raul de Oliveira Andrade Filho

João Otávio Bastos Junqueira

Ronaldo Frigini

Jorge Gutemberg Splettstoser

Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira

José Benedito Almeida David

Silvia Tereza Ferrante Marcos de Lima

José Ricardo Bittencourt Noronha

Sonia Maria Silva Quintaneiro

José Rosa Costa

Susana de Vasconcelos Dias

Lauro Augusto Bittencourt Borges

Vania Gonçalves Noronha

Lincoln Amaral

Vedionil do Império

Lucelena Maia

Wildes Antônio Bruscato

Luiz Antonio Spada

Wilges Ariana Bruscato

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