10ª Edição Revista ARCA

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Palavra do Editor

Acontecimentos inegavelmente bons merecem ser registrados e, por fazerem jus a tanto, eles estão apontados nesta 10ª edição da Revista ARCA. Imagine uma Academia de Letras oferecendo três Concursos em um único semestre! Sim, isso aconteceu! Concursos que envolveram poetas, prosadores e estudantes do mundo, do Brasil e de São João da Boa Vista, estão nas páginas desta ARCA. Outro acontecimento cultural importante para a cidade está aqui registrado em forma de entrevista, na seção Letras em Retrato, pela acadêmica Maria Cândida de Oliveira Costa: a obtenção do 1º lugar, pela TV UniFae, no prêmio internacional Nuevas Miradas en la Televisión, um dos maiores prêmios de produção universitária da América Latina, com o filme Orides, onde ninguém mais. Em LuzGrafia o destaque é a escritora Clarice Lispector, pela comemoração de seu centenário. Igualmente, na seção Dicas de Livros, a autora é mais uma vez citada pela acadêmica Maria José Gargantini Moreira. Quer saber o que mais poderá ser lido nas seções da 10ª edição da ARCA? Muitos textos de acadêmicos, em prosa e poesia; histórias de São João pelos confrades e reitores dos Centros Universitários UniFae e UniFeob; na seção Academia em Revista, um breve relato memorialístico dos últimos trinta anos da instituição, vividos por Beatriz Castilho Pinto; crítica literária, por Lauro Borges; o fenômeno dos neologismos e mudanças linguísticas, por Nívea Poli Barbosa; uma apetitosa Sopa de Letras, por João Batista Gregório e, ainda, um passeio turístico e cultural em Por Onde Andei, de Neusa Menezes.

EDIÇÃO 10| ANO 07| FEVEREIRO 2020

01 Palavra do Editor 02 Bastidores 04 Letras em Retrato 10 Por onde Andei... 12 Crítica Literária 14 São João à Vista 18 Academia em Revista 20 LuzGrafia 22 Arcadianas 46 LuzGrafia 48 Aqui Aconteço... 60 Sopa de Letras 62 Afiando a Língua 64 Livros ARCA | 3


Bastidos

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Caríssimo leitor,

A 10ª edição da Revista ARCA chega às suas mãos um pouco atrasada; normalmente o periódico estaria disponível para leitura em dezembro, mas já não importa a pós-data: a publicação está maravilhosa. Cheia de boas informações, recheada de prosa e poesia, com uma excelente entrevista, dicas de português, uma quase humorística crítica literária, a ARCA ainda traz o resgate da história de São João da Boa Vista da qual nos orgulha fazer parte, assim como um período da história da Academia de Letras, através de uma acadêmica. Todos os eventos realizados no segundo semestre estão aqui registrados, inclusive e novamente a entrevista sobre a Estação das Artes, como errata da edição de junho de 2019. Acho justa a ênfase dada à escritora Clarice Lispector em LuzGrafia e em dica de livros, pelo seu centenário, e faz-me ditosa mostrar a você as fotos de bastidores, para que entenda melhor o trabalho da instituição pela cultura de nossa cidade e para que conheça muitos dos amigos colaboradores da Academia de Letras. Não posso deixar de agradecer aos patrocinadores e apoiadores da Arcádia nos projetos do segundo semestre de 2019: Sequóia Urbanismo, UniFeob, UniFae, Faça a Festa, Escola Estadual Cel. Joaquim José, TV União, Jornal O Município, Diretoria de Ensino Estadual, Departamento de Educação Municipal e Prefeitura Municipal, através do Departamento de Cultura. Desejo, leitor, como sempre, que a revista ARCA lhe proporcione momentos de deleite literário! Lucelena Maia Presidente ARCA | 5


Letras em Retrato

ORIDES, ONDE NINGUÉM MAIS

SINOPSE Uma alma atormentada. Um espírito impetuoso. A obra literária de uma poeta única e reconhecida pela crítica e, ao mesmo tempo, uma ilustre desconhecida. Morreu só e abandonada. Não foi enterrada como indigente, graças a um livro de poesias. A história da sanjoanense Orides Fontela está contada no filme documentário, produzido pela UNIFAE.

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“Era uma vez...”. Senta, que lá vem história. Contar histórias é uma das mais fascinantes habilidades humanas. Das narrativas orais e escritas que provocam a imaginação, ao universo imagético e sonoro da comunicação digital, histórias são sempre histórias. Antes narradas por uns para poucos, hoje construídas de forma colaborativa e compartilhada na conectividade de muitos para muitos, as histórias vão além de relatos reais ou ficcionais. São, desde sempre, a essência das memórias individual e coletiva. A arte de criar, contar recriando e narrar a história exige de quem conta a capacidade de seduzir, encantar e, quando se trata de fatos acontecidos, um olhar atento e cuidadoso à forma e conteúdo do que se conta é tão importante quanto o respeito sobre quem se conta. É neste contexto desafiador que surge, em 2016, a proposta do jornalista, escritor e reitor da UNIFAE, Francisco Arten, de revelar a história de Orides Fontela, poeta nascida em São João da Boa Vista, por meio de um documentário a ser produzido pelo Laboratório de Comunicação, TV UNIFAE, Núcleo de Documentários e Filmes da instituição, dentro do Projeto História Viva. Projeto que já resgatou muitas histórias de personagens e fatos acontecidos na cidade e região.


A proposta do documentário era agregar ainda mais visibilidade à obra e vida da poeta, que já havia sido homenageada na montagem do Memorial Orides Fontela, numa ação em parceria com a Academia de Letras de São João da Boa Vista. Mais do que o espaço onde hoje estão as cinzas da escritora, o Memorial é uma referência para estudiosos do Brasil e do mundo que pesquisam sobre o conjunto daquela que é considerada, pelos críticos, uma das maiores expressões de nossa literatura. Mais de dois anos depois da ideia original, em 2 de novembro de 2018, “Orides, onde ninguém mais”, com direção de David Ribeiro, é lançado no lotado e centenário Theatro Municipal. No dia 8 de agosto de 2019, em Montevideo, o documentário recebe o troféu de 1º lugar no 7º prêmio Nuveas Miradas en La Televisión, como a melhor produção da TV Universitária na América Latina, promovido pela Universidade de Quilmes, Argentina. Esta “história” escrita para a ARCA reúne depoimentos dos principais envolvidos com o projeto, revelando os diferentes olhares que resultaram nesta premiação.

Para o reitor Francisco Arten, idealizador do projeto, o dia 5 de agosto de 2019, quando a UNIFAE foi oficialmente comunicada do grande prêmio que receberia no dia 8, passou a ser “um dia histórico para nós, porque é uma vitória conquistada disputando com grandes instituições produtoras de conteúdos reconhecidas em todo o mundo” Enfatizando e agradecendo o trabalho de toda equipe responsável pelo documentário, de forma especial ao diretor David Ribeiro e o corpo de atores, o reitor destacou que “agora, a nossa UNIFAE, também ganha o reconhecimento internacional. Motivo de muito orgulho”. Francisco Arten fez uma analogia entre a história de Orides com o Centro Universitário, para enfatizar que “apesar de pequena, situada numa cidade do interior de São Paulo, a UNIFAE pensa grande, tem coragem e determinação para superar desafios e manter seu compromisso com a qualidade em tudo o que faz. O fato de sermos pequenos e ganharmos um prêmio desta envergadura, mostra que podemos fazer coisas grandiosas, Pensar grande, sempre!”

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Um grande trabalho de equipe. Depoimen-

uma corujinha. Sempre usando roupas escuras

to de David Ribeiro, roteiro, direção e montagem.

com aquele “oclão”, arqueada... Fiquei com esta

Foram várias emoções no percurso. Uma

imagem na cabeça. E aí, durante meu trabalho de

das primeiras foi a de conhecer um pouco melhor

pesquisa em cima da obra dela, lendo e relendo

a obra e a vida da Orides. Eu tive contato com ela

vários poemas, um dia dei de cara com um poema

apenas uma vez, quando ela veio lançar o livro

chamado Coruja! Falei - olha que interessante...

Teia aqui. Há 23 anos eu era um “molecão” e não

E ela abre o poema dizendo assim: “voo onde nin-

entendia importância dela naquela época. Mas

guém mais”. E ai eu falei está aqui o título do fil-

nada foi comparado à alegria e o prazer de conhecer a fundo a história dela estar nos lugares aonde ela esteve, com que ela conheceu e viveu, conversar com estas pessoas. Mas emoção maior foi ver o filme pronto, montado e eu vi o filme que ele tinha se tornado, com o trabalho todo de equipe, de direção de elenco, de equipe de produção. Ver o resultado que ele chegou, enfim. Emocionado de ver a Ana Claudia interpretando ela, conseguindo chegar até aonde a gente queria. Foi um trabalho fantástico que ela fez de interpretação. A hora que a gente juntou tudo com trilha, com tudo que a gente assistiu e viu como tinha ficado eu tive certeza de que o trabalho tinha ficado, no mínimo, descente. Então fiquei muito feliz.

me: Orides, onde ninguém mais!

Valorizamos nossa história, nossa cultura,

nossa gente. Paschoal Neto, coordenador.

Da ideia original ao produto finalizado,

passando pelas muitas fases do roteiro desenvolvido pelo David, centenas de horas de pesquisa, direção, gravação, edição, finalização e criação das artes gráficas, foi um trabalho que reuniu o talento e compromisso de cada um e de toda a equipe e dos muitos colaboradores do projeto. O desafio sempre foi contar a história de uma alma complexa e de uma poeta única e sua obra. O equilíbrio entre a dramatização, os depoimentos e a narrativa estética, resultaram na obra que colocou

A Orides se faz mais necessária do que

“Orides, onde ninguém mais” no seleto grupo dos

nunca. Me sinto orgulhoso de ter podido participar

melhores documentários premiados da América

deste projeto que homenageia a nossa maior Poeta.

Latina. Quase 50 instituições de ensino do Brasil,

David Ribeiro, diretor.

Argentina, México, Peru, Colômbia, Chile e Uru-

O nome do filme foi um título que demo-

guai, concorreram ao 7º prêmio Nuevas Miradas

rou em sair, até então, só chamava Orides e aí de-

en la Televisión, promovido pela Universidade de

pois de pesquisar muitas imagens da Orides e já

Quilmes, Argentina, vencido pela UNIFAE. O prê-

ter conversado com algumas pessoas próximas a

mio é parte de um longo e contínuo processo de

ela, muita gente fazia um comparativo de silhue-

valorização de nossa história, da nossa cultura, de

ta,

nossa gente por meio das produções audiovisuais.

de forma e que a Orides lembrava muito

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Paschoal Neto, David Ribeiro e Francisco Arten

Entrei uma e sai outra depois de interpre-

trei uma, nesse trabalho, sai outra. Mais mulher,

tar Orides. Ana Cláudia Zanetti, atriz, intérprete

mais consciente. Mas, acima de tudo, grata. Por

de Orides adulta.

ter tido contato, além dimensões com essa mulher,

Fui convidada pelo diretor David Ribeiro,

difícil, é verdade. Mas necessária, em um mundo

para fazer o papel de Orides, no docudrama “Ori-

de máscaras e apertos de mãos frouxos. Com ela

des, Onde Ninguém Mais.” Admito que conhecia

era tudo. Ou nada!

pouco Dona Orides e sua obra. Quando entrei em contato com seus poemas, fiquei impactada. Pala-

vras vigorosas, meticulosas, com alto teor intelec-

Luana Beatriz da Costa, atriz, intérprete de Orides

tual, mas sem pedantismos. Essa era Dona Orides:

menina.

direta e afiada em suas colocações. Me apaixonei

por ela. Uma mulher arguta e sem rodeios. Mer-

nhecer a história dela que é incrível, e quando

gulhei no processo, com uma ponta de receio. Não

fiquei sabendo que eu iria fazer ela jovem eu já

sabia se daria conta de tamanha demanda, tama-

sabia que eu teria que expressar muito meus sen-

nha densidade. As filmagens foram precisas, com

timentos porque ela era uma garota que a cada

o diretor passando uma confiança e clareza que,

momento estava de um jeito, mas foi realmente

por fim, foram minha base para esse trabalho. En-

incrível fazer parte desse filme.

Sabia que eu teria que me expressar muito.

Fazer Orides foi um prazer enorme. Co-

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É uma honra para nós um prêmio como

Assinar como diretor de fotografia em um

este. Diego Fracari, ator, intérprete de Álvaro Fon-

filme dessa imensidão foi uma responsabilidade

tela, pai de Orides.

que eu ainda não havia assumido na minha car-

O ator Diego Fracari interpreta o pai de

reira Ao mesmo tempo foi bastante prazeroso re-

Orides, Álvaro Fontela, figura essencial na vida

alizar esta tarefa junto a essa equipe e também

real da poeta e que é personagem central também

um grande aprendizado profissional. Fazer cinema

no enredo do filme que retratou a conturba vida

numa cidade pequena como a nossa é um grande

de menina de Orides, em São João da Boa Vista.

desafio, entretanto me ensinou a lidar melhor com

Numa entrevista para a TV UNIFAE, logo após a

as inúmeras tarefas e contratempos que surgiam

conquista do primeiro lugar que colocou o docu-

no caminho. Pessoalmente é uma alegria ver o

mentário entre os melhores da América Latina,

trabalho feito com tanto carinho resultar em uma

Diego afirmou. “É uma alegria imensa para a gen-

obra de arte tão bonita como nosso filme. Foi a rea-

te estar recebendo este prêmio, da projeção que

lização de um sonho trabalhar com cinema, o que

ele acarreta. A gente concorreu com pessoas que

almejo desde que ingressei na faculdade.

a gente admira, com outras universidades que a gente conhece o trabalho que fazem e que sempre

Sensação de contribuir para a história da

foram referência para nós. Então é, realmente, é

minha cidade. Marcelo Gonçalves, finalização.

um honra um prêmio como este”.

Contribui com a edição e finalização do

filme. O filme, depois de finalizado, precisava faTive a oportunidade de conhecer mais so-

zer a pós-finalização, o acabamento das imagens e

bre esta poeta sanjoanense incrível. Amanda Boni-

das cenas. Este trabalho dá a estética do filme, é

ni da Cruz, atriz.

o processo de ajustar e colorir as imagens. Outro

Foi muito gratificante participar do filme

trabalho foi a pós-produção do áudio, ajustando e

“Orides, onde ninguém mais”, pois tive a oportu-

mixando as vozes, trilhas e efeitos, assim dando

nidade de conhecer mais sobre esta poeta sanjoanense incrível, uma das principais poetas do século XX, e trabalhar com uma equipe maravilhosa.

Fiz o papel de Renata Curzel, uma de suas

melhores amigas. Dava conselhos nos momentos mais difíceis da vida dela. Foi chamada para reconhecer seu corpo em Campos do Jordão.

Sonho realizado de trabalhar com cinema.

Rafael Brunelli, diretor de fotografia. ARCA | 10


o acabamento da produção. A UNIFAE me deu a

gia elétrica, foi preciso improvisar e aproveitar

oportunidade de participar produção e contribuir

ao máximo a luz natural. Foi uma experiência

em audiovisual com a história da cidade que eu

incrível e muito enriquecedora. Acredito que a

nasci.

grande repercussão deste documentário seja a recompensa pelo esforço e dedicação de todos os

Trabalho apaixonante. Hugo Maciel, pro-

envolvidos neste trabalho apaixonante.

dução, o “faz tudo”.

A minha participação foi como assistente

de áudio, câmera e uma espécie de “faz tudo”, Todo este envolvimento fez com que eu aprendesse muito sobre a vida de Orides e fosse me encantando com cada nova descoberta. As cenas lúdicas e de dramatização foram gravadas em um casarão abandonado, no qual tivemos a companhia de aranhas, cobras e outros pequenos animais. Deu um trabalhão para limpar! Como não tinha ener-

Maria Cândida de Oliveira Costa Cadeira 4 Patronesse Jaçanã Altair

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Por onde andei... Conhecer Bruges é uma festa para os sentidos. Caminhar por suas ruas floridas e alegres é um prazer imenso. É uma cidadezinha medieval no nordeste da Bélgica, província de Flandres. O centro histórico é, desde 2000, patrimônio da humanidade, por ser um “excelente exemplo de assentamento medieval”, tendo mantido sua característica ao longo da história. Foi centro comercial e industrial já no século XIII. Distingue-se pelos canais, pelas ruas de paralelepípedos e pelas construções medievais. É também chamada de “Veneza do Norte”. Diversos passeios de barco são propostos aos turistas, alguns dos quais permitem chegar às cidades vizinhas. A cidade apresenta ainda as ruínas de uma fortaleza, bem como moinhos às margens dos canais.

Neusa Maria Soares de Menezes Cadeira 30 Patrono Euclides da Cunha

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Crítica Literária

O LIVRO DE JÔ: UMA AUTOBIOGRAFIA DESAUTORIZADA (volume 1) Em 2002, o colunista Larry Rother, do icônico New York Times, carimbou em Jô Sores o rótulo de “Renaissance man”. Disse, ainda, o jornalista norte-americano que, se Jô tivesse disposição e investisse numa carreira nos EUA, faria tanto sucesso em Hollywood quanto fez no Brasil. Fã que sou do multifacetado José Eugenio Soares, concordo com as assertivas de Larry Rother e me arrisco a complementar: o humorista, escritor, entrevistador, ator e dramaturgo Jô Soares é, pela versatilidade e qualidade, o maior nome da arte brasileira em todos os tempos. E foi com esse espírito de admirador incondicional que eu mergulhei no volume 1 da sua “autobiografia desautorizada”, escrita em parceria com o competente Matinas Suzuki Júnior. Esse primeiro livro interrompe a narrativa no ano de 1969, quando Jô entrou para a TV Globo. São quase quinhentas páginas de uma deliciosa prosa, ilustradas com fotos que contam a trajetória das primeiras três décadas de vida do gordo exibido, filho de Garoupa e Mêcha, apelidos de Orlando Heitor Soares e Mercedes Leal Soares.

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A quantidade de pessoas influentes e interessantes que Jô conheceu nesse período — a família Soares morou muitos anos no Copacabana Palace — e os múltiplos lugares do mundo que ele conheceu, incluindo a época em que estudou na Suíça, foram fundamentais no caldo de cultura que forjou o artista.

pensava, era grande contadora de histórias, soltava palavrões e… fumava. Esse vício seria a causa de uma grave doença vascular, que obrigou-a passar por uma cirurgia que lhe amputou um dedo de cada mão. Ao voltar do hospital, ela não perdeu a piada dizendo que exigiria um desconto de 20% da sua manicure”.

Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de São Paulo em 2017, grafou numa resenha do livro: “pela quantidade de episódios e pela expressão dos envolvidos, são três décadas que valem por algumas vidas”.

O eletrizante Jô Soares repete nessa autobiografia seus infindáveis talentos de escrever ficção, de entrevistar, de criar personagens e de ser engraçado. Repete a capacidade de seduzir e hipnotizar a plateia. No caso, o leitor.

É impensável dissociar o humor da vida de Jô Soares. Ele é impresso em praticamente todas as passagens de sua biografia, como se sua vida fosse uma sucessão de esquetes de comédia. Sobre o espírito libertário do humor, essencial para um trabalho criativo e sem amarras, Jô credita essa influência à sua mãe, uma mulher à frente do seu tempo. Diz Jô sobre Mêcha: “Ela falava o que

(O livro de Jô: uma autobiografia desautorizada. Vol.

1. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 480 páginas).

Lauro Augusto Bittencourt Borges Cadeira 20 Patrono Castro Alves

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São João à Vista Chegue a minha petição à tua presença, em campo de boninas. Julga-me, Senhor, pela minha fé e pelas minhas obras. Gerei três filhas de minha carne e sangue; três outras gerei por minha mente e trabalho.

Acima, um trecho de “Um Salmo de Octávio”, publicado pelo jornal “O Município” em abril de 1985, um mês após seu falecimento. Pernambucano e recifense, Octávio Bastos, autor do salmo acima, aportou nestas terras no meio do século passado, motivado por uma combinação de inesperados acontecimentos cuja narrativa ocuparia todo este livro. Terra natal de sua esposa Margarida (também nome de uma flor cujo sinônimo é bonina), São João da Boa Vista o acolheu calorosa, intensa e generosamente, e foi lugar onde escolheu para viver e criar suas três citadas filhas de carne e sangue: Celina, Laura e Margarida. Tornou-se um empresário bem-sucedido e, convidado, foi candidato a vice-prefeito na chapa vitoriosa junto com José Ruy de Lima Azevedo. No mandato seguinte tornou-se prefeito. Nesta época, em 1961, gera a primeira filha de seu ARCA | 16

trabalho, a Faculdade de Ciências Econômicas, atual UNIFAE. A gratidão com a cidade e seu povo só fazia crescer e tinha a clara convicção de que o desenvolvimento de um povo passa, necessariamente, pelo seu perfil educacional e cultural. Assim, Octávio Bastos exercendo sua liderança nata, cativou e mobilizou seus companheiros e amigos leais e, em 1965, gerou sua segunda filha do trabalho, a Fundação Sanjoanense de Ensino, hoje UNIFEOB. Alguns anos depois, inspirado pelo amigo Milton Segurado, deu à luz sua terceira filha do trabalho, a Academia de Letras de São João da Boa Vista, cuja primeira reunião se deu em 1971.

Dr. Octávio Bastos - Fundador da UNIFeob, da UNIFae e Academia de Letras


Governador Franco Montoro com Dr. Octávio Bastos - Fundador da UNIFEOB

Octávio Bastos plantou suas sementes em solo fértil e cuidou para que florescessem e dessem frutos e nesta jardinagem contou com a ajuda e cumplicidade de muitos que cuidam de seu legado, como jardineiros fiéis. A partir de suas ações, milhares de pessoas tiveram a oportunidade de ingressar no ensino superior, fato impensável para maioria das pessoas àquela época. Mudou o perfil da cidade para sempre, colaborando fortemente para dar a ela a sua norma cultural e padrão educacional que tantos frutos seguimos colhendo. São João da Boa Vista atualmente abriga quatro instituições de ensino superior — Federal, Estadual, Municipal e Comunitária —, um privilégio e uma raridade em cidades deste porte. Muito outros líderes e colaboradores anônimos, igualmente capazes, vieram a seguir colaborando para que o perfil da cidade se consolidasse.

Neste resgate da história, o que mais chama a atenção é o sentimento que impeliu o Dr. Octávio em sua jornada: a GRATIDÃO. Sempre dizia que São João o havia acolhido, que o povo o conquistara e, como retribuição, dedicou sua vida ao seu propósito. Mas a história não termina aqui, grandes homens que transformam sonhos em realidades, mudam vidas de pessoas e cidades, deixam um legado, um sonho de grandezas possíveis e, desta forma, o passado e futuro se complementam nas lembranças vivas e no horizonte de novas perspectivas.

João Otávio Bastos Junqueira Cadeira 19 Patrono Paulo Freire

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A REPÚBLICA EM SÃO JOÃO

A notícia da Proclamação da República

chegou a São João da Boa Vista dois dias depois. Veio por telegrama e provocou alvoroço e entusiasmo. A cidade, que vivia da produção do café, já era republicana havia algum tempo. Os cafeicultores desistiram da monarquia ao longo dos últimos anos por motivos diversos. A abolição dos escravos decepcionou os mais radicais, embora tenha causado relativo impacto. Muitos fazendeiros, por conta própria, já haviam libertado seus negros. Custava menos do que sustentá-los com a comi-

Câmara Municipal e Cadeia

da até o final de suas vidas, quando já não eram

zendeiros, como o Coronel Joaquim José. Contou

úteis como na juventude. Outros também abriram

ainda com o apoio da Igreja Católica, através do

mão de seus escravos, não por interesse econômi-

Padre José Valeriano, e do Cel. João Osório, que

co simplesmente, mas por convicções ideológicas

virou nome de uma das principais avenidas da ci-

e religiosas. A cidade tinha um grupo de abolicio-

dade.

nista atuante, liderados pelos Irmãos Rehder.

O que importunava mais os cafeiculto-

ma dando conta do fim da Monarquia, João Osório

res eram os impostos e as leis da monarquia,

de Andrade Oliveira, que liderava a Câmara, con-

que dificultavam, na visão deles, a exportação do

vocou seus pares para uma sessão extraordinária,

produto.

marcada para as 17h daquele mesmo dia. O mes-

mo telegrama também informava a mudança no

Aos poucos os monarquistas foram so-

Ao tomar conhecimento do teor do telegra-

frendo derrotas e diminuindo seus apoiadores na

Governo de São Paulo.

Câmara Municipal. Quando da proclamação da

República, já não havia nenhum vereador monar-

atual SENAC. Ao longo do dia a notícia foi se es-

quista em São João.

palhando. Na hora marcada, o auditório da Câ-

mara ficou lotado rapidamente e uma multidão se

O partido republicano fora implantado na

cidade através dos principais cafeicultores e faARCA | 18

A Câmara funcionava na Rua São João,

acumulou em frente ao Prédio.


Manifestação popular na rua Saldanha Marinho

O Coronel João Osório comunicou o fim da

monarquia e quis definir com seus pares quais as

de que novos e bons tempos se iniciariam com o novo regime.

providências que a cidade deveria adotar diante do novo regime. Todas as pessoas importantes da cidade estavam lá.

Os vereadores foram consultados se que-

riam aderiam ao novo governo e houve

una-

nimidade no apoio. Lavrou-se então a ata, assinada por 168 sanjoanenses, entusiasmados e certos

Francisco de Assis Carvalho Arten Cadeira 10 Patrono Darcy Ribeiro

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Academia em Revista MEUS TRINTA ANOS DE ACADEMIA

Em meados dos anos 1990, na condição de professora de Literatura em uma escola particular, conheci a acadêmica Aparecidinha Mangeon de Oliveira. Nossos primeiros contatos foram absolutamente técnicos: ocupando à época o cargo de Diretora de Cultura do município, ela frequentemente me convidava como julgadora dos concursos que realizava. Nasceria daí uma grande afinidade intelectual e, sobretudo, uma grande afeição e admiração por sua “joie de vivre”, expressão que ela gostava de usar para exprimir sua alegria de viver. Nasceria, especialmente, o convite para frequentar as reuniões da Academia. Pouco a pouco fui-me entrosando com os acadêmicos e vencendo a inibição inicial que sentia naquele ambiente repleto de notáveis. Fui-me sentindo acolhida por pessoas que até então eu mal conhecia, ou nem conhecia: Maria Célia (então presidente), Barbin, Clineida (que desde aquela época já quebrava o protocolo), Prof. João Scanapiecco, Wildes, Dr. Rosa, além de tantos outros ARCA | 20

que não mais estão conosco. Era frequentadora assídua, até que, em 1998, aceitei me candidatar a membro da Academia. Nossa posse foi memorável: uma noite de gala no Centro Recreativo, com cinco neoacadêmicos: Maria José, Vedionil, Iola Azevedo, João Ruiz e eu. O salão social do Centro Recreativo – o clube mais elegante da cidade à época, hoje desativado – foi-nos emprestado, tal como ocorria em todos os eventos da Academia, que migrava para onde conseguisse espaço: Centro Cultural Pagu, FAE (hoje Unifae), FEOB (hoje UNIFEOB) ou algum auditório cedido. No ano 2000, passamos a ocupar uma sala cedida pela Prefeitura na antiga Estação Ferroviária. As cadeiras, conseguimo-las por doação de acadêmicos e amigos da Academia. E, se em 2019 podemos nos orgulhar do espaço de que dispomos na Estação das Artes, precisamos também nos orgulhar desse passado que, repleto de precariedades materiais, foi ferrenhamente construído por nossos predecessores em parceria com a sociedade sanjoanense.


Dentre as nossas antigas reuniões ordinárias, destacavam-se Dia das Mães, Dia dos Pais e Natal, sempre com alguma palestra e uma apresentação musical ou artística. Eram todas marcadas por momentos de grande emoção – tamanha emoção que, após perder meu pai, nunca mais consegui comparecer àquela festividade. Após as reuniões, era servido um lanche frugal para confraternização dos acadêmicos e convidados. Era tudo muito simples: os salgados, cortesia de algum supermercado, padaria ou empresário amigo; como garçonetes, as funcionárias que trabalhavam com o/a presidente e nós, acadêmicas – era até um pretexto para conversar com todos os presentes. Ah, havia também um médico, “habitué” das nossas reuniões, que fazia questão de servir os demais convidados, em contraponto ao nosso antigo garçom, que não perdia nenhuma das nossas festividades. Hoje, nossos eventos superaram esses arranjos caseiros, mas ainda procuram manter a tradição dos acepipes e bebericos, assim como da boa música associada à literatura. O Concurso Literário, iniciado em 1993, era divulgado boca a boca. Íamos às escolas convidar os alunos e lhes entregávamos uma cópia impressa do regulamento, estratégia hoje jurássica. Era, pois, um concurso restrito àqueles que conseguissem obter o regulamento – e muitos participantes nos procuravam, já atentos ao calendário. De outra parte, o candidato tinha que enviar, por correio, cinco cópias do seu texto, uma destinada a cada julgador. Após separados os trabalhos (o que nos demandava longas horas), levávamos os envelopes à casa de cada um dos julgadores e depois os coletávamos já avaliados. Lembro-me da Aparecidinha, sempre fina, entregando-nos o calhamaço junto com algumas espigas de milho que ela cultivava em um terreno vazio na Avenida Oscar Pirajá... Desde 2010 aproximadamente o Con-

Aparecidinha, Márcia, Elisabeth, Maria Célia, Beatriz, Clineida

curso ganhou novas dimensões, com a divulgação e a remessa dos textos feitas via internet. Todavia, lá naquela visita às escolas, lá naquele envelope pardo respingado de caldo de milho, lá estava a sementinha a dar sustentação ao Concurso, que tem atingido amplitude nacional e internacional, passando, dentre outras nações, por Portugal e Moçambique, por Estados Unidos e Japão. A partir dos anos 2010, novos projetos foram agregados, em parceria com empresas locais: a preservação da memória da poeta Orides Fontela; a Revista Arca, em substituição à extinta “Página literária” no jornal O Município; e o Concurso Redação na Escola, além da criação do site da Academia e da divulgação de suas atividades nas mídias sociais. Nesses trinta anos, vi a história da Academia ser escrita não só pelos acadêmicos, mas também pela comunidade – poder público e empresas, músicos e artistas, alunos e escritores, escolas e professores, frequentadores da Academia e cidadãos anônimos – que tanto tem prestigiado os nossos eventos, seja como parceira, seja como público participante. Beatriz V. C. Castilho Pinto Cadeira 31 Patrono Paulo Setúbal

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LuzGrafia

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra - entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente”.

Clarice Lispector (in: Água Viva)

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Arcadianas

A CASA DOS RELÓGIOS

Eles eram muitos!

mas com timbres diferentes e uma Ave Maria de

A maioria centenários

Fátima. Tocavam na sequência, nunca juntos. O

Todos sonoros.

senhor havia conseguido, depois de muito tempo

Na sala principal eram cinco, na de la-

de labuta, a sincronia perfeita.

reira dois, na de televisão três, no escritório três,

em cada quarto pelo menos dois e, na cozinha,

maior, mais antigo, imponente puxava o gorjeio,

um único e lindo onde, a cada hora, cantava um

depois vinha o Floresta Negra e por último o pe-

pássaro diferente.

queno com caixinha de música.

Como dizia a velha cantiga, “... na cozinha

Havia também os Cucos, eram três. O

O neto, pequena criança, ficava maravilha-

eu tenho um pé de bananeira, que é para alegrar

do. Parava tudo para ouvir os Cucos, a cada hora

o coração da cozinheira...”, naquela casa o que

batia palmas, seus olhinhos brilhavam.

alegrava o coração da cozinheira era o canto dos

pássaros, no relógio da parede – a senhorinha co-

forma solene as horas, tocavam quase juntos, era

nhecia cada um deles.

impossível definir que horas eram.

Quem puxava a cantoria, a cada hora, era

Os outros relógios, eram vários, batiam de

Havia um, que a cada hora tocava pequeno

o austero Junghamans, toque solene e pomposo;

trecho de alguma música clássica, este ficava no

na sequência vinham todos os outros, eram qua-

escritório, marcando o tempo do trabalho.

tro carrilhões entoando o toque de Westminster,

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E o tique-taque sem fim...


A senhorinha tinha três relógios de pulso

que usava como acessório, sempre combinando com os brincos, anel e colar.

O senhor, apenas um relógio de pulso, so-

adiantados, às vezes atrasados, a comida ficava pronta na hora do pássaro. Se fosse preciso saber as horas, era melhor olhar no celular...

mente usado nas viagens, mas em compensação tinha uma caixa com vários relógios antigos de bolso, todos acondicionados em compartimentos individuais. Um tinha sido do bisavô, outro do avô, do pai e até de um tio, que o primo lhe vendeu por um bom dinheiro. Mas na casa dos relógios ninguém nunca sabia, com certeza, as horas.... às vezes estavam

Carmen Lia Batista Botelho Romano Cadeira 36 Patronesse Patrícia Rehder Galvão

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Boas intenções

Todos os anos a mesma coisa, e a cena se repete: estamos cheios de resoluções, das mais fáceis e simples às mais complexas e difíceis, senão impossíveis de realizar. Mesmo assim as fazemos, resolutamente. Os últimos anos não foram dos melhores para muita gente; para mim, inclusive, que fiquei de repouso, eu, sempre tão ativa atrás de eventos musicais, festas e até para um “pouquinho” de trabalho. Mas... nada a lastimar, além das perdas de amigos e de outras coisas como reses, dinheiro, oportunidades... Estava então um pouco down, meio triste, coisa que, quem me conhece, sabe que não combina comigo. A época natalina é estranha: ficamos alegres com o que ainda temos; tristonhas com o passado que se foi e com tudo o que perdemos para a vida! Empatadas, se tanto! Então, recebi de uma aluna querida (quem diz que elas só aprendem e não ensinam?) um texto sobre um determinado Luiz (li Luz, que também combina com a ilustração). Ele trabalhava e era ótimo em seu serviço, tratava a todos com isonomia, delicadeza e amor. Nunca reclamava. E assim foi espalhando sonhos e felicidade por onde passava e onde vivia. Até que um dia levou um tiro de assaltantes. Foi operado e estava entre a vida e a morte. Quando o anestesista lhe perguntou se tinha alergia a alguma coisa, ele, fazendo blague, mesmo naquela situação penosa, disse: “Sim: ARCA | 26

a balas”. Isso pegou toda a equipe médica desprevenida e, onde havia dor, desânimo e certeza da morte, passou a ser uma motivação a mais para salvar aquele homem incrível que precisava tanto da ajuda dos médicos e de Deus. Ele se recusou a morrer e... viveu; sobreviveu, milagrosamente. A medicina já conseguiu provar que a fé e o otimismo, a atitude mental da alma fiel, consegue fazer milagres, garantindo a sobrevivência dos pacientes que assim vivem: com fé, esperança e força. E o tal Luiz dizia que o seu segredo era não esperar o que a vida lhe desse, fossem coisas boas ou ruins, e sim ter sempre uma atitude positiva, de alegria e amor. Em vez de rancor, perdão; de ódio, amor; de azedume, doçura; de tristeza, alegria... Isso é fácil? Não! Ninguém nunca fa-


lou que isso é fácil, mas é o ideal para um mundo melhor. Meio Pollyanna que agora virou novela do SBT. Esse é um jogo capaz de modificar relações, melhorar as pessoas e seus humores. Mas aí vem a modernidade do Whatsapp, do Facebook, do Instagram e outros sites de palpitaria, e a cada dia ficamos sempre chateados com alguma postagem que nos contraria. Sei que irão argumentar que devemos aceitar os contrários, respeitar a opinião alheia, mas, quando me vejo, já estou respondendo, curtindo o que me agrada ou refutando o que me contraria. Fazer o quê? Estamos em pleno século XXI e seus modernos aparelhos de comunicação à distância e com a rapidez impressionante que nos caracteriza: tudo instantâ-

neo, até nos amores e relacionamentos. Que lições tirar desse panorama visto da ponte moderna da tecnologia? Que precisamos ser bons! A cada dia, a cada passo, a cada digitação! Num livro sobre o passado, li isto: “A industrialização do mundo moderno acabou com a bondade. É verdade que esse sentimento muito tem vivido à força da retórica. Mas, é inegável que a bondade perdeu bastante do seu merecimento. E quanto mais próspero for o mundo, menos bondade existirá, porque ela é produto da pobreza. A bondade é piegas, sentimental. Vive da afirmação de que pratica o bem, quando na realidade apenas o proclama... O bonzinho nada resolve. Mas, consola.” De Nelson Palma Travassos, em “No meu tempo de mocinho”, escrito sobre a São João da década de 20. Imagine se ele vivesse agora? Morreria de novo – e de susto!!! Tenho abdicado de muita coisa... sem reclamar... muito! Mas eu ainda não abro mão dela, a bondade!

PARA SEMPRE sempre fica uma pergunta sem resposta Clineida Andrade Junqueira Jacomini um pedaço do caminho sem lembrança Cadeira 43

o apócrifo bilhete sobre a mesa Patrono Rubem Braga

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O Lugar e o Tempo

Muitas pessoas nascem, vivem e morrem no mesmo lugar. Outras são movidas pelas mais diversas circunstâncias a sair de sua terra natal. Karolina, minha filha, afirma que há anos dou vida a essa frase, em dias chuvosos. Agora, são também os netos a me dizerem isso. Com razão. Gosto de observar a chuva e senti-la lavar minha alma imigrante. Estou com noventa e seis anos. Os meus escritos! Oitenta outonos. Desemoldurei da memória para as páginas de volumoso caderno a passagem das épocas, a saudade da terra natal, as pessoas amadas, os hábitos da adolescência e a construção de vida fora do país, guardando os meus escritos com especial cuidado, porque neles registrei fatos históricos que ajudarão meus filhos, netos e, quiçá, bisnetos a entenderem a marcha dos imigrantes. Lendo-os saberão: sempre estive para Treze Tílias como a cidade está para a terra: germinada. Caminho em busca do caderno, na gaveta da cris

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Treze Tílias

taleira. No início, escrevia na única língua falada, o alemão; depois passei a escrever em português, ao dominar o idioma. Quando decidi finalizar as memórias, coloquei a palavra “fim”, voltei ao início das páginas e dei-lhe título: O Lugar e o Tempo. Quanto à rotina de ficar no telheiro a observar a intensidade da chuva e em sua companhia agasalhar os primeiros anos em terra estrangeira, faço isso sempre, pois que agora ela me traz a juventude de volta, torna as mãos fortes e a respiração menos cansada. Meu caminhar até o alpendre é lento. Recosto o corpo na cadeira de balanço e deixo os olhos encherem-se da cidade, com as mãos tomadas por uma história de vida em que sou espectadora e protagonista a encenar, em um único ato, o passado iniciado há oitenta anos. Foi quando eu, uma jovem austríaca de dezesseis anos, moradora do Estado do Tirol – de vales verdejantes, montanhas íngremes, enormes glaciais a harmonizarem-se com a natureza, e do vento fazendo bailar os pinheiros –, ouvi dizer do quinto maior país da terra a desenvolver acentuada política imigratória. Era início do século XX. Maria, minha neta, filha de Andreas, chegou tirando-me do devaneio. Sentou-se ao meu lado. Olhou minhas mãos tomadas por aqueles papéis e perguntou-me se eu tinha interesse em ver meus escritos transformados em livro. Lembrei-me da mãe dizendo do benefício para a cidade


se eu os publicasse. Fazia tanto tempo a conversa, quase quarenta anos. Eu os trouxe para próximo do peito, companheiros de oitenta anos. — Vovó, a decisão é sua — Maria era uma neta muito carinhosa, mas prática. Entreguei-lhe os escritos, em ato sofrido e com certa resistência interior. Os dias passavam. Certo dia, Maria chegou sorridente, dizendo-me que o livro estava pronto. Apresentou-o a mim. Eu o autografaria durante a festa de oitenta anos da cidade. Se quisesse!, disse-me. Senti uma estranha emoção ao tocar o livro. A essência era outra. Não saberia dizer se buscaria na memória o que nele estava escrito com a mesma facilidade do caderno, em que até as vírgulas estavam memorizadas. Faltava pouco mais de um mês para o even-

to. Eu olhei para Maria sem nada responder. Um mês era muito tempo para quem tinha noventa e seis anos. Voltei os olhos para o livro. Maria não insistiu. Anoiteceu. A voz de minha mãe rondou meu pensamento: “Livro pronto. Nada mais a escrever. Feche os olhos, Anna. Descanse.” Eu sempre obedecia a ela.

(Pequeno fragmento do romance O Lugar e o

Tempo, Lucelena Maia).

Lucelena Maia Cadeira 13 Patrono Humberto de Campos

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SIGNIFICADOS Ir a Portugal é uma volta no tempo; é ir em busca das raízes, da origem, da ancestralidade. País pequeno geograficamente, porém de histórias empolgantes, épicas e grandiosas. Berço de grandes nomes na literatura, navegação e descobrimentos. Andar por suas terras é entregar-se a um passado que também nos pertence. Nesse caminhar por Portugal, houve dois momentos, dois lugares que mais intensamente me tocaram, fascinaram-me! SAGRES Local que surpreende mais pela força, beleza e imensidão da natureza do que pela sua importante história. Sua paisagem extasia! Promontórios gigantes, altíssimos, com o mar a bater-lhes intensa, incansável e incessantemente. No horizonte, o mar termina em comunhão com o céu, num infinito infindável. Nesse cenário de natureza tão forte fica-se a pensar na história de que Sagres foi palco. A vegetação e o solo secos e áridos suplicam por água tão abundante em seu entorno. O vento sopra com grande velocidade e parece querer carregar-nos. Carregar-nos para que terras, para que mundos? ARCA | 30

Para qual momento de seu passado de glórias e derrotas na saga de seus eventos épicos? Ou apenas carregar-nos por essa imensidão em que o céu e mar são unidos, únicos e onipotentes? CATEDRAL DE ALCOBAÇA Estranhas e fortes sensações percorremme ao nela adentrar. Parece que tem algo a revelar. Olho ao derredor e penso: O que quer revelar esta igreja de dimensões tão grandiosas? O que simboliza o vazio de sua extensa nave e a altura descomunal de suas colunas? Por que tão despida de ornamentos, tão simples, em que grandiosa arquitetura?


Vazio... nada... e seus significados perpassam minha imaginação e não soube se ali havia um vazio ou apenas nada. Após percorrer toda extensão de sua nave, uma outra surpresa aguardava: Os túmulos de D. Pedro e Inês de Castro, em mármore, ricos e artisticamente esculpidos. Finalmente juntos e por toda a eternidade, juntos! Catedral de Alcobaça, você é apenas você, em sua imponência, em suas enormes dimensões. Talvez queira revelar-nos, assim como Sagres, a pequenez humana diante da imensidão do Universo.

Curvo-me perante vocês e minha alma alcança píncaros.

Permita que eu volte meu rosto para um céu

maior que este mundo e aprenda a ser dócil no sonho, como as estrelas no seu rumo. Cecília Meireles.

Maria Célia de Campos Marcondes Cadeira 11 Patrono Machado de Assis

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VILLA-LOBOS, O NACIONALISTA

Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha

leiras (da segunda, faz parte o famoso Trenzinho

música deixo cantar os rios e os mares deste

do Caipira).

grande Brasil. Eu não ponho mordaça na exu-

berância tropical de nossas florestas e dos nos-

pelo Brasil, incluindo a Amazônia, o que marcou

sos céus, que transporto instintivamente para

profundamente sua obra. Absorveu culturas regio-

tudo que escrevo. Villa-Lobos.

Há exatos sessenta anos, morria o maestro

Heitor Villa-Lobos.

Considerado ainda em vida o maior com-

positor das Américas, escreveu cerca de mil obras, tornando-se o maior expoente do nacionalismo musical brasileiro. Foi também através de VillaLobos que a música brasileira tornou-se mundialmente conhecida.

Nasceu no Rio de Janeiro no dia 5 de maio

de 1887. A partir dos seis anos de idade, começou a aprender com o pai a tocar violoncelo, viola (erudita) e clarinete. Futuramente, aprenderia piano e se tornaria um multi-instrumentista. Apaixonouse pela obra de Johan Sebastian Bach, compositor que o inspirou na criação de um de seus mais importantes ciclos, o das nove Bachianas BrasiARCA | 32

Ainda jovem, iniciou um ciclo de viagens

nais e conheceu músicas folclóricas de todas as partes do país. Passou a compor diversos gêneros musicais para todos os instrumentos.

Em 1922, convidado por Graça Aranha,

participou da Semana de Arte Moderna, apresentando suas obras em três espetáculos; recebeu duras críticas e foi vaiado. Porém, por intermédio de Tarsila do Amaral e outros artistas plásticos brasileiros, viajou no ano seguinte para Paris, iniciando a sua carreira internacional, que se consolidou nos anos posteriores, quando participou de recitais e regeu orquestras nas principais capitais europeias.

Foi Villa-Lobos quem introduziu o ensino

da música e do canto coral nas escolas. Criou em 1942 o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, que tinha como um dos objetivos a formação


de professores de canto orfeônico para as escolas

da soprano Bidu Sayão, o repertório traz, entre

primárias e secundárias.

outras preciosidades, a primeira gravação de “Me-

Em 1944 participou de turnês pelos Es-

lodia Sentimental’. É o último trabalho de Villa-

tados Unidos e posteriormente pela Europa. Em

Lobos, que viria a falecer no dia 17 de novembro,

1955, em Paris, gravou algumas de suas obras

no Rio de Janeiro, aos 72 anos.

mais importantes, regendo a Orquestra da Rádio Teledifusão Francesa, com mais de sete horas de músicas. Estas foram remasterizadas na década de 1990 e atualmente estão disponíveis em CD.

Em 1959, foi lançado nos Estados Unidos

o LP “Forest of The Amazon’, composto por VillaLobos para o filme “Green Mansions”. Com solos

Vania Gonçalves Noronha Cadeira 24 Patrono Vinicius de Moraes

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SARAH SALOMÃO

UMA MULHER MODERNA E ATUANTE

Neste relato para o projeto “Memórias

Sanjoanenses”, Sarah Salomão nos contou um pouco de sua vida, dedicada à educação, e também sua participação nas atividades culturais e sociais da cidade de São João da Boa Vista. Foi diretora e proprietária do Externato Santo Agostinho, cofundadora da AMARTE (Associação de Arte e Cultura), cofundadora da ASPA (Associação de Apoio aos Aidéticos), diretora do Instituto de Educação, vereadora e primeira mulher a pilotar avião na cidade. Uma vida extremamente ativa em prol da sociedade sanjoanense, entre os anos 1940 e 2000.

Nascida na década de 20, não teve filhos

naturais, mas teve sim uma imensidão de filhos afetivos – seus alunos – e os educou com todo amor com que uma mãe poderia educar seus rebentos. Foram cinco gerações de sanjoanenses confiados a ela. Dedicou-lhes o melhor que podia em afeto e carinho. Todos os seus ex-alunos lembram-se dela com gratidão, respeito e saudade. Esta mestra foi enérgica e sob sua orientação “ninguém brincava em serviço”. Levou muito a sério a carreira que escolheu.

Leia abaixo a entrevista que ela nos conce-

due por volta de 2005. ARCA | 34

EXTERNATO SANTO AGOSTINHO

“Nunca fui religiosa, mas gostava das fes-

tas da igreja. No Externato Santo Agostinho eu incentivava as crianças a participarem das festas religiosas e, uma vez por ano, a visitarem o Asilo e a Casa das Crianças. No Asilo, levávamos comida, pinga, cigarro e bala. As irmãs brigavam comigo, mas eu dizia que na idade deles não iam viciar e era bom pra eles. Na Casa das Crianças também levávamos comida e bolo, e os alunos brincavam


com as crianças de lá. Para mim, crianças e idosos

Assis Chateubriand veio a São João e nos deu um

é que são importantes na vida.

avião de presente. Sobrevoei o aeroclube e depois

A escola fazia o bolo para o aniversário do

fiz o discurso de agradecimento. Eu voava baixi-

Pe. David. Todas as autoridades eclesiásticas ga-

nho sobre minha casa e meu pai falava: Quem

nhavam bolo da escola. Gostava também dos Espí-

será esse louco que está voando assim? Um dia

ritas. Ajudava a todos.

contaram para ele que o louco era eu. Gostava de ver a cidade lá de cima. Parecia um presépio.

IRMANDADE DA SANTA CASA

Sempre colaborei com a educação e saú-

VEREADORA

de. Fui a primeira mulher da Irmandade da Santa

Casa na época do Provedor Sebastião de Almeida.

64. Os fazendeiros é que mandavam aqui na ci-

A Santa Casa nessa época precisava de muitas coi-

dade. Mas, para mim, certo é certo, e errado é er-

sas. A cozinha precisava, praticamente, de tudo.

rado. Depois que saí da Câmara, alguns amigos e

O Dr. Alex fornecia o leite, mas não tinha panela

eu criamos uma câmara paralela chamada Socie-

para fervê-lo e o fogão estava arrebentado. Saí pela

dade Amigos da Cidade. Havia reuniões todos os

cidade pedindo e ganhei tudo que precisava. A

sábados no Centro Recreativo. Éramos vigilantes

carne vinha sem corte – meio boi – e as cozinhei-

da cidade. Ficávamos de olho em tudo o que era

ras não tinham nem facas afiadas para cortá-las.

discutido na reunião da Câmara.

Fui vereadora na época da Revolução de

Acabavam desperdiçando. Exigi que cortassem no açougue, antes da entrega. Nos banheiros, as pri-

AMIZADE

vadas não tinham tampa e as consegui através de

doação. Cheguei a vender verdura da horta. Isso

amigos desde o Instituto de Educação, vinham

foi na década de 80.

todas as quartas-feiras tomar café conosco, Zezé

O Durval Nicolau e o Oliveira Neto, meus

Lopes e eu. Quando a Celisa, esposa do Oliveira A PRIMEIRA PILOTO DE AVIAÇÃO

Neto, morreu de um infarto fulminante, ele pe-

diu para o Jota, filho dele, me chamar. Realmente,

Também fui a primeira mulher a ter bre-

vê de piloto. Na época, década de 40, não exis-

esse foi um grande amigo!

tia Campo de Aviação e ajudei a construir a pista, trabalhando com um trator. Nosso piloto instrutor

ORIDES FONTELA

era gaúcho. Quando eu voava, todos ficavam ob-

servando e diziam que eu era ‘perfeita’. No dia do

era uma pessoa diferente, tinha letra horrível. A

voo solo me jogaram num tanque com água e óleo.

Zezé Lopes é quem sofria para corrigir os traba-

Orides Fontela era minha parente, mas

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lhos dela. Eram muito bons, mas a letra... indecifrável. Muito difícil de ler.

reuniões. Trouxemos a Cecília Meireles para uma palestra.

GUIOMAR NOVAES Quando a Guiomar Novaes veio em 1971 foi saudada pela Maria Leonor Alvarez. Mandei vir de São Paulo uma ‘corbeille’ de orquídeas. Ela ficou hospedada no Hotel Federal, onde hoje é o Banco Itaú. Ela me agradeceu dizendo: Andei o mundo todo e nunca recebi uma ‘corbeille’ tão bonita! Tiramos uma foto linda com ela me agradecendo.

AMARTE Na década de 80 fundamos a AMARTE, em São João. O João Batista Merlin, muito meu amigo, é quem estava à frente de tudo. Um dia ele confundiu o Dia das Crianças com o Dia dos Professores e trouxe flores – para mim e a Zezé Lopes – bem no Dia das Crianças. Adoramos. À noite, íamos com ele procurar oratórios nas cidades vizinhas, pois ele queria criar o Museu de Arte Sacra, que hoje é uma realidade, uma beleza! João gostava de festas, e as flores ele colhia aqui, na chácara. Senti demais sua morte. Era uma pessoa muito querida. A AMARTE foi uma maravilha. A Aparecidinha (Mangeon de Oliveira) foi presidente. Essa é uma pessoa de quem eu também senti muito a morte, pois era muito boa e caridosa. Fez muito pela cidade. Hoje a AMARTE está parada. Acho que quem devia tomar conta é a Maria Célia Marcondes, que é muito competente e anda fazendo muitas coisas boas pela cidade.

MARIA SGUASSÁBIA E A REVOLUÇÃO DE 32 Tive com a Maria Sguassábia um problema sério. Ela era inspetora de alunos no Instituto de Educação. Houve, então, um concurso para escolher a moça mais bonita do ano. Era daqueles concursos em que as pessoas compravam o voto. A filha dela, Maria José, ‘Zilu’, também se candidatou. Só que outra moça, chamada Araci, ganhou o concurso. A Maria ficou com raiva de mim e se afastou. A filha dela foi vice, e ela não gostou. Participei da Revolução de 32 como enfermeira da Cruz Vermelha. O Dr. Anor deu o curso de enfermagem, e eu fiz o curso completo. Nossa sede era no Centro Recreativo. Eu era ademarista, gostava do Ademar de Barros. Sempre gostei de todos os prefeitos. Claro, eram meus ex-alunos. GRÊMIO AUGUSTO DE FREITAS Na década de 50, eu fundei o Grêmio Augusto de Freitas, onde hoje é a Nossa Caixa (em frente à Prefeitura). Havia ali um bar e, nos fundos, uma salinha onde eram realizadas nossas ARCA | 36

ASPA Na década de 90 eu criei a ASPA. Na época, muitos acharam exagerado. Hoje está uma beleza. Temos cursos, palestras. Quando começou a ficar sério o problema de contágio da AIDS em São João, a Dra. Luísa Milan foi quem começou a dar palestras sobre o assunto. Eu fui a uma dessas reuniões e foi decidido criar uma Diretoria Provisória. Fui votada para ser a 1ª presidente. Precisaram eleger uma diretoria efetiva, e eu continuei como presidente. Trabalhei bastante lá na casa da Rua Saldanha Marinho. O prefeito, na época, era


Zezé Lopes, Gilda Nardoto e Sarah Salomão

o Dr. Joaquim Simião e ele pagava o aluguel da casa para nós. Também nos deu um terreno para a construção da sede atual. Novamente saí pela cidade pedindo material de construção. Pedi cimento, tijolo e outros materiais. Ganhamos tudo. Construímos uma casa de 600m². Hoje já está pequena para a demanda. Ganhei os móveis de um sobrinho paulistano. Ficou a instituição mais bem montada de São João. Um amigo, diretor do Banco Itaú, nos mandou os computadores. Todos os prefeitos são meus amigos. Pena que muitos jovens de hoje estejam nas drogas, inclusive as moças. Mudou muito a juventude, e a AIDS está aí. Tudo é um malefício para eles. Gostaria que todos os jovens praticassem esporte. O esportista se apaixona pelo esporte es-

colhido. Os jovens deveriam pensar mais na saúde e nos cuidados com o corpo. O sexo domina a juventude, e as doenças estão piores. Sexo é bom quando feito com amor e responsabilidade, não do jeito como está. Hoje, só não trabalho mais porque não posso. Estou doente e impossibilitada de andar.”. O lema de Sarah Salomão sempre foi “EDUCAÇÃO E SAÚDE”. Nunca abriu mão de seus ideais. Nos últimos anos de sua vida morou em uma clínica de repouso para idosos, na cidade de Mococa-SP. Faleceu em 2014, aos 95 anos. Em sua homenagem foi criada pela Prefeitura Municipal a EMEB Sarah Salomão. Neusa Maria Soares de Menezes Cadeira 30 Patrono Euclides da Cunha

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PÁTRIA AMADA Pátria amada Idolatrada Pátria minha Pátria tua Pátria nua em nuances perpetua a miséria pelas ruas pelas ruas minhas e tuas Pátria amada estás manchada de tão aberta esta chaga pela dor que não se apaga Pátria amada por teu filho que chora no poema e cala e do canto desta sala canta a dor que não consola Luiz Fernando Dezena da Silva Cadeira 42 Patrono Pedro Nava

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POR QUE A GUERRA? A história escrita do mundo é, em grande medida, uma história de guerras, porque os Estados em que vivemos nasceram de conquistas, guerras civis ou lutas pela Independência. Além disso, os grandes estadistas da história foram em geral homens de violência, pois ainda que não fossem guerreiros compreendiam o uso da violência e não hesitavam em colocá-la em prática para atingir os seus fins. Segundo Maquiavel, “deve um príncipe não ter outro objetivo, nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda”. A história nos faz acreditar que a guerra faz parte da natureza humana, mas por que a guerra? Um amigo contemporâneo de estudos quis ver a guerra de perto. Enviado ao Vietnã como repórter de uma revista, foi à linha de frente, viu toda crueldade das batalhas. Pelas experiências dramáticas que viveu, mais do que dizer que viu a guerra, ele afirmou: “eu estive na guerra”. Em uma reportagem para a revista, relata sua experiência, cujo objetivo principal era fotografar. Foi para a zona de combate ao norte do país, infiltrada de inimigos. O terreno estava mina-

do. A sensação de perigo estava no ar. De repente, numa pequena distância, explode uma mina. Nosso repórter corre para fotografar e, em seguida, há outra explosão. Esta o atinge. A pequena mina arrancou parte da sua perna esquerda abaixo do joelho. Estava mutilado. Em seguida a dor, a morfina. Foi removido de helicóptero-ambulância para o Hospital Militar. Segundo seu relato, passou por diversas cirurgias e terminou seu tratamento nos Estados Unidos incluindo uma perna mecânica. A pergunta volta: mas, por que a guerra? Palavras de nosso repórter: “Para mim esta guerra acabou. Uma coisa, entretanto, não me sai da cabeça: por que o pequeno Van Thanh não pode parar de chorar? Por que os americanos que têm medo e os sem medo, não podem voltar para casa? Por que os vietcongs não retornam aos arrozais?

Maria Ignez dos Santos D’Ávilla Ribeiro Cadeira 07 Patrono Coelho Neto

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VISITA ILUSTRE

No dia 22 de setembro, no Teatro Estação

Católico atuante, desde jovem se identifi-

das Artes, realizou-se uma palestra com o Dr. José

cou com o trabalho da Comissão de Justiça e Paz

Gregori sobre “Direitos Humanos no Brasil”. O

ligada à Arquidiocese de São Paulo, que seguia a

evento que constou da programação oficial da “Se-

orientação humanista e ecumênica do papa Paulo

mana Guiomar Novaes” teve a parceria da Acade-

VI e os princípios estabelecidos pela Declaração

mia de Letras de São João da Boa Vista.

Universal dos Direitos Humanos aprovada pela

ONU - Organização das Nações Unidas em 1948.

O palestrante é detentor de uma extensa

e produtiva carreira profissional e política, tendo

Deixou uma obra robusta de realizações e

ocupado cargos de relevância no cenário nacional,

feitos, reconhecida e admirada de grande contri-

como: Secretário Estadual de Descentralização e

buição humanitária visando respeito e dignidade

Participação, Deputado Estadual, Secretário Na-

de vulneráveis e injustiçados,

cional de Direitos Humanos, Ministro da Justiça e

Embaixador do Brasil em Portugal.

na elegância da gentileza e na atenção ao público

Nesta trajetória de vida, tornou-se im-

interlocutor, iniciou sua palestra de forma tran-

portante líder na luta pelos Direitos Humanos e

quila e serena, no estilo “resgate histórico” de um

proposição do dialogo.

sobrevivente vitorioso das grandes intempéries

Orador traquejado, polido no tom de voz,

políticas do Brasil a partir de meados do século passado.

Contou resumidamente sua intensa par-

ticipação na vida pública, os principais acontecimentos vivenciados e a respectiva contextualização histórica, bem como a participação ativa no caminho para a democracia. Paralelamente, abordou também a luta na defesa dos princípios que nortearam a sua vida na defesa dos Direitos Humanos, que teve seu ápice em 1998, quando recebeu da ONU o prêmio “Direitos Humanos” ARCA | 40

por sua exemplar atuação nessa área, em sessão


comemorativa do cinquentenário da promulgação

da Declaração dos Direitos do Homem.

Letras, fez questão de conhecer nossas instala-

Mas o palestrante teve ainda outras razões

ções, sendo recepcionado pela presidente Lucele-

pontuais e afetivas para vir a São João. Como con-

na Maia e demais membros presentes na ocasião.

selheiro da APAA — Associação Paulista dos Ami-

gos da Arte —, parabenizou a cidade pela perseve-

Arcádia, numa proveitosa confraternização acadê-

rança na realização da Semana Guiomar Novaes e

mica, foi concluído com sucesso mais um evento

pela constante efervescência cultural.

promovido pela Academia de Letras.

Como acadêmico da Academia Paulista de

E assim, no ambiente acolhedor da nossa

Contou da sua admiração pela cidade que

conhecia há muitos anos e testemunhou um fato desconhecido para a maioria dos presentes: na década de 80, a cidade foi escolhida para sediar o lançamento da Campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso ao Senado, justamente por sua identidade democrática e pelo conceituado espírito público dos políticos locais da época. O pleito foi vencido com ampla vantagem por Franco Montoro, mas este fato ficou registrado de forma indelével na memória do orador.

Raul de Oliveira Andrade Filho Cadeira 44 Patronesse Cecília Meireles

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es. Por uma destas casualidades do destino, o ocorrido se deu quando o cofre da Prefeitura estava vazio. Por aqueles dias tínhamos planejado construir uma ponte que seria de grande serventia para cidade:ia encurtar o caminho para minha fazen Godofredo tinha medo de olhar defuntos, da e as terras dos compadres Peixoto e Godofredo. não conseguia dormir de noite. Porém, depois que Mas não tinha jeito. A ponte teria que esperar por espiou de rabo de olho, não tirou mais a vista. Deu outra ocasião. até um grito de surpresa: Os ciganos fizeram tanto barulho, velando seu −Minha Nossa Senhora, o que é isso? morto, que o povopara de Bananeiras Cutuquei que ele se começou acalmassea eficar fui tiririca e logo foi bater nas portas da Prefeitura, logo dizendo: pedindo providências. −É costume dessa gente. Quando morre o Junto com o Delegado fui até o fortuna velório. chefe, enterram com eleFrosino, sua riqueza. Esta Lá chegando, fomosadar uma espiada no defunto. dava para construir ponte... Levamos Euum jurosusto. que não disse e de nada Só se vianada o rosto demais Dionísio, eu Os compadres junto do defunto, comsei. aquele narigão queficaram carregou em vida. O resto cochichando. Eu saí rapidinho, pois tinha mais o do caixão estava coberto com joias, anéis, colares, que fazer. pedras, enfim, uma fortuna de doer os olhos. MandeiNão tenho ideia quemPeixoto foi que, após os chamar os compadres e Godofreciganos terem enterrado o Dionísio e levantado do. Eles chegaram rapidinho e levamos um dedo acampamento, esteve de madrugada no cemitério, de prosa, ao pé do defunto, bem baixinho para ninabriu a sepultura e levou o que ali estava. guém ouvir. Sumiu o ouro, as correntes e tudo mais. −Bote reparo, compadre, quanto ouro tem o deSó ficou o defunto porque penso que não tinha funto. serventia. Godofredo medo de quando olhar defuntos, nãoabriu con No tinha dia seguinte, o coveiro seguia dormirfez deum noite. Porém, depois que o cemitério, escândalo danado! Aoespiou ver a de rabo deaberta, olho, não tirou mais apela vista.cidade Deu até um sepultura saiu gritando o que grito de surpresa: Ferveu de curioso no cemitério. tinha acontecido. −MinhaArrepiavam-se e se benziam Nossa Senhora, o que é isso?ao verem o Dionísio lá,para esticadão, Cutuquei que elena se sepultura. acalmasse Daí e fuicomeçou logo dio chechechê. zendo: −É costume Lidar com povo carece certa arte.oNunca dessao gente. Quando morre chefe, se sabe a reação da arraia-miúda. Não é que fienterram com ele sua riqueza. Esta fortuna dava caram revoltados com o ocorrido? Viviam falando para construir a ponte... mal dos ciganos e agora estavam indignados!

O ENTERRO DO CIGANO Não sei se o amigo já presenciou enterro de cigano. É curioso de se ver. Eles choram e gritam. Velam o corpo do falecido bebendo sem parar. Muitos ficam bêbados como um gambá. Vem cigano de todo canto. Sabe-se lá como ficam sabendo. Logo a cidade ficou cheia deles. Por uma destas casualidades do destino, o ocorrido se deu quando o cofre da Prefeitura estava vazio. Por aqueles dias tínhamos planejado construir uma ponte que seria de grande serventia para cidade:ia encurtar o caminho para minha fazenda e as terras dos compadres Peixoto e Godofredo. Mas não tinha jeito. A ponte teria que esperar por outra ocasião. Os ciganos fizeram tanto barulho, velando seu morto, que o povo de Bananeiras começou a ficar tiririca e logo foi bater nas portas da Prefeitura, pedindo providências. Junto com o Delegado Frosino, fui até o velório. Lá chegando, fomos dar uma espiada no defunto. Levamos um susto. Só se via o rosto de Dionísio, com aquele narigão que carregou em vida. O resto do caixão estava coberto com joias, anéis, colares, pedras, enfim, uma fortuna de doer os olhos. Mandei chamar os compadres Peixoto e Godofredo. Eles chegaram rapidinho e levamos um dedo de prosa, ao pé do defunto, bem baixinho para ninguém ouvir. −Bote reparo, compadre, quanto ouro tem o defunto. ARCA | 42


juro−Onde Eu que nãojádisse se viu nada desrespeitar e de maisum nada defunto? eu sei. Nem os mortos têm mais sossego! Os compadres ficaram junto do defunto, cochi chando.OEu comentário do povo parava. saí rapidinho, poisnão tinha mais oPadre que Antão era o mais revoltado de todos. Foi ele quem fazer. comandou que, como sempre aconNão tenho uma ideiacomitiva quem foi que, após os ciganos tece, bater nasoportas da Prefeitura, se o teremvai enterrado Dionísio e levantadocomo acampaprefeito pudesse resolver todos os quiproquós que mento, esteve de madrugada no cemitério, abriu a acontecem. Padre Antão abriu a ladainha: sepultura e levou o que ali estava. −É preciso tomar providências enérgicas. Sumiu o ouro, as correntes e tudo mais. Só ficou o Fica muito feio para nossa cidade que isso tenha defunto pensojáque tinha serventia. ocorrido.porque Até o bispo estánão sabendo e quer inforNo dia seguinte, quando o coveiro abriu o cemitémações sobre a profanação. rio, umum escândalo danado!danado. Ao ver aOsepultura fez Foi disse-que-disse povo não aberta, saiu gritando pela cidade o que tinha se conformava. Quando vi a coisa preta deiaconuma tecido. Ferveu de curioso noocemitério. de migué. Mandei chamar Delegado Frosino e Arrepiavam-se mais Macaia. e se benziam ao verem o Dionísio lá, esticadão, na sepultura. Daí começou o chechechê. Lidar com o povo carece certa arte. Nunca se sabe a reação da arraia-miúda. Não é que ficaram revoltados com o ocorrido? Viviam falando mal dos ciganos e agora estavam indignados! −Onde já se viu desrespeitar um defunto? Nem os mortos têm mais sossego! O comentário do povo não parava. Padre Antão era o mais revoltado de todos. Foi ele quem comandou uma comitiva que, como sempre acontece, vai bater nas portas da Prefeitura, como se o prefeito pudesse resolver todos os quiproquós que acontecem. Padre Antão abriu a ladainha: −É preciso tomar providências enérgicas. Fica muito feio para nossa cidade que isso tenha ocorrido. Até o bispo já está sabendo e quer informações sobre a profanação. Foi um disse-que-disse danado. O povo não se conformava. Quando vi a coisa preta dei uma de

migué. −Senhor Mandei chamar delegado, o Delegado fui dizendo, Frosinoaproveie mais tando a assistência e já começando um discurso. Macaia. Eu não admito que um dessesaproveitando ocorra na mi−Senhor delegado, fui fato dizendo, a nha cidade. Quero uma investigação para descoassistência e já começando um discurso. Eu não brir quem estefato profanador miserável. admito queé um desses ocorra na minha cida de. Quero Deolinda puxou os aplausos. O populacho uma investigação para descobrir quem deu vivas. Falei bravo e para valer, com a Macaia é este profanador miserável. de testemunha, para no outro dia pôr no jornal, Deolinda puxou os aplausos. O populacho deu em letras bem grandes, que é para o povo ler: vivas. Falei bravo e para valer, com a Macaia de “Prefeito está revoltado com o furto no cemitério. testemunha, para no dia pôr no jornal, em Quer que o ladrão sejaoutro preso”. letras bem quedesconfiado é para o povo “Prefei Se ograndes, amigo está de ler: algum malto está revoltado com o furto no cemitério. Quer feito, só por conta daquele dedo de prosa ao pé do que o ladrão preso”. defunto, poisseja revire os arquivos da Trombeta e vai Se o amigo está desconfiado de algum malfeito, só comprovar, em várias edições. por conta “Prefeito sede conforma e quer o caso daquelenão dedo prosa ao pé do defunto, apurado”, a Macaia no outroe dia. Não dei pois revirenoticiou os arquivos da Trombeta vai comprotrégua, var, em não. várias edições. “Prefeito Coincidiu de aparecer dinheiro a ponnão se conforma e quer o casopara apurado”, te logo depois do ocorrido. que Não Peixoto Godonoticiou a Macaia no outroÉ dia. dei etrégua, fredo fizeram a doação do dinheiro. Estavam de não. coração mole naqueles dias, tanto é que ajudaram Coincidiu de aparecer dinheiro para a ponte logo também os pobres da Donana. Aqueles que ela depois do ocorrido. É que Peixoto e Godofredo fitem marcadinhos no caderno, que é para conferir zeram a doação do dinheiro. Estavam de coração se votam na gente. mole naqueles dias, tanto é que oajudaram também Sendo assim, não fique amigo imaginanos da Deixe Donana. Aqueles que ela tem marcado pobres besteiras. o Delegado Frosino terminar as dinhos no caderno, que é para conferir se votam investigações e o juiz Alfredinho julgar a questão na gente. se for preciso, para depois tirar suas conclusões. Sendo assim, não fique amigo imaginando Não admito que odesconfiem de gentebesde teiras. Deixe o Delegado Frosino terminar as inrespeito. vestigações e o juiz Alfredinho julgar a questão se for para tirar suas conclusões. Trecho do depois romance O Prefeito e o Capeta. preciso, Não admito que desconfiem de gente de respeito Francisco de Assis Carvalho Arten

( Trecho do Livro: O Prefeito Cadeira e o Capeta) 10 Patrono Darcy Ribeiro

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SEGUNDA CHANCE Acabei de assistir a um filme, do qual não sei o nome, pois quando liguei a TV já havia começado, onde uma menina de treze anos, insatisfeita da vida, pede, no dia do seu aniversário, que gostaria de ter trinta anos e ser bem sucedia. Ela acorda com o pedido realizado! É uma bela moça de trinta anos, com a cabeça de uma adolescente de treze. A menina passa o filme descobrindo coisas horríveis que fez durante esse tempo de vida que ela, literalmente, “pulou” e, ao se dar conta da pessoa medíocre em que havia se tornado, das coisas todas que havia perdido entre elas, o contato com os pais e com seu melhor amigo, por causa de futilidades que ela julgava serem necessárias para sua vida. A menina/moça usava golpes sujos no trabalho para se beneficiar, tornouse uma pessoa odiada. Porém, aos poucos, ela se redescobre e tenta virar o jogo. Consegue coisas fantásticas e, no fim, aprende a lição. Por que estou comentando isso? Talvez porque tenha me vindo à cabeça imediatamente ARCA | 44

após o filme, que nós não temos essa chance. A vida real cobra cada passo em falso que damos e, na maioria das vezes, o preço é muito alto. Por isso temos a obrigação de prestar mais atenção nas coisas que realizamos, nos amigos que temos, em nossos parentes queridos, no mundo em que vivemos, em como estamos tratando nosso corpo, às pessoas à nossa volta e à natureza que nos cerca. Nossa vida, não é feita de um roteiro cinematográfico, aqui a “coisa é mais embaixo” e ai de quem falhar... Muitas vezes é um caminho sem volta. Não podemos ter certeza se fazemos as coisas certas o tempo todo, ninguém tem. Mas a tentativa já é um começo, a vontade de acertar, de tratar os outros como gostaríamos de ser tratados e coisas simples assim, ou nem tão simples... Geralmente as coisas são mais tranquilas do que imaginamos, porém, temos o dom de deixá-las complicadas e aborrecidas. Aliás, o ser humano tem o dom de complicar tudo.


Hoje falo sobre isso porque ainda precisarei repetir muitas e muitas vezes para mim mesma, essa vontade de fazer o certo, de realizar coisas proveitosas nessa vida única, onde não terei a segunda chance para me redimir de meus erros. Esse grande mistério que é a vida, ainda tem muita coisa a me ensinar. E eu sei que vou tropeçar inúmeras vezes, meus joelhos vão sangrar, mas não restará alternativa a não ser levantar, lavar os ferimentos e seguir adiante. Sei que não vou acordar, de repente, e me ver com oitenta anos descobrindo o que fiz e não fiz da vida. Vou estar aqui e agora, dona do meu pensamento e das minhas ações, e isso é muito sério.

Que eu possa fazer o melhor dentro das minhas limitações, aliás, que todos possam realizar coisas boas para nossas vidas e a dos outros a quem amamos. A vida é uma joia rara e é única! E é isso!

Silvia T. Ferrante Marcos de Lima Cadeira 9 Patrono Raul de Leoni

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GREVE Economia ladeira abaixo. Crise política cada vez mais agravada pelos dramáticos desdobramentos no Judiciário, no Legislativo e no Executivo. A nação se arrastando, por tudo isso e pela leseira que nos causam essas temperaturas diabólicas. Greves, protestos, motins e revoltas pipocam em todos os segmentos relevantes do país. O conhecimento da realidade obriga o cidadão a fazer um pequeno tour informativo por aí. Ouçamos atentamente algumas vozes do descontentamento. Maçarico
 Esse tal de leitão é muito arrogante. O suíno é gostoso, mas é muito marrento. Vá lá que a carne dele seja saborosa. E é. No entanto, caramba!, não custaria nada ele dividir os holofotes à mesa e me dar os créditos crocantes da pele. Só volto a prestar o fogoso acabamento pururucante depois do devido reconhecimento público do meu valor.

Borbulha
 Sem graça e sem atrativo nenhum. Sem sal e sem açúcar. Ela só ganha um ARCA | 46


gingado quando eu entro com meus dotes efervescentes. A “patente” gasosa é por minha causa. Ingrato líquido H2O! Só retorno à garrafa se receber a merecida condecoração borbulhante.

Queijo
 Sou o contraste pungente à melosidade excessiva da Julieta. Com meu branco láctico, trago também equilíbrio cromático à nossa dupla. Nada quero além do meu papel. Não sou estrela, mas também não aceito ser coadjuvante. Estou no mesmo nível dela e é assim que quero ser apresentado. Goiabada, a partir de agora, somente ao meu lado. Em cima, jamais. Estarei fora do prato se ela exigir o protagonismo. Azeitona
 Quem confere autenticidade a uma receita de empada? [gritando] Sou eu, porra! No boteco ou no buffet grã-fino, ela só impõe respeito se me tem no recheio. Juro que não comparecerei à próxima fornada se o mérito azeitonístico não for cantado em prosa e verso. Empadinhas, cansei! Manteiga
 Percebo o atrevimento de requeijões e geleias rodando bolsinhas por aí. Sei que o francês é volúvel e sucumbe ao desejo do miolo. Foda! Vou deixar bem claro que a virtude da untuosidade é minha. A gorda cremosidade que umidifica baguetes e afins é a razão d’eu existir. Me terás deliciosa no

café da manhã se me for dada a exclusividade lubrificante das bengalas. E não peço perdão pelo duplo sentido, pois muito me orgulho das minhas outras utilidades. Aquele filme do Marlon Brando prova que não minto ao falar desta amanteigada versatilidade. Couve
 Não quero mais estar escondida no “completa” da feijoada. Ou melhor, não queremos. Vou pra essa briga com o apoio dos meus companheiros também ignorados: vinagrete, farofa e laranja. Sabemos do nosso status acessório. Respeitamos essa classificação, mas recusamos com veemência o limbo da não menção. Aceitamos o abrigo numa tipologia menor, mas exigimos nossa nominação expressa em cardápios, lousas, letreiros etc. Pizza
 Cariocada herege! Malemolência desgraçada a desse povo. Minhas napolitanas origens são reiteradamente vilipendiadas por essa turba praiana que me consome submersa em ketchup. Puta mau gosto! Azeite, sim, sempre. Só ele. Não serei mais assada no Rio se não houver pena de morte pra quem ousar me esfregar naquela assustadora pasta atomatada.

Lauro Augusto Bittencourt Borges Cadeira 20 Patrono Castro Alves

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LuzGrafia “Meu tema é o instante? Meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos – só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim”.

Clarice Lispector (in: Água Viva)

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Aqui Aconteço 9ª Revista ARCA e Palestra

Realizados na tarde-noite do dia 15 de ju-

nho de 2019, o lançamento da 9ª edição da Revista ARCA e a palestra “Tecnologia: cinco verdades sobre cinco mentiras”, proferida pela acadêmica Wilges Bruscato e por Leandro Modesto. Na ARCA, além dos habituais textos e poesias dos acadêmicos, os diretores municipais de Cultura, Beto Simões (anterior) e Helinho Fonseca (atual) foram entrevistados para falar desse fantástico espaço de arte e cultura que é a Estação das Artes, justamente nominada João Roberto (Beto) Simões.

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XXVII CONCURSO LITERÁRIO DE POESIA E PROSA

A solenidade de premiação do XXVII Con-

curso Literário de Poesia e Prosa aconteceu no dia 31 de agosto, acompanhada pela apresentação do Coral Infanto-Juvenil Vozes de São João, regida pelo Maestro Estevão, ao som do teclado de Sara Ramos. A noite contou com honrosas presenças de premiados vindos dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, num notável momento literário na sede da Academia de Letras. A acadêmica Nívea Poli Barbosa foi a coordenadora do Concurso, que teve como patrono o acadêmico José Rosa Costa.

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42ª SEMANA GUIOMAR NOVAES

Nesse importante evento do calendário

cultural da cidade, a Academia de Letras de São João da Boa Vista e a Prefeitura Municipal, através do Departamento de Cultura e da APAA (Associação Paulista dos Amigos da Arte), promoveram a palestra “Atualidade dos Direitos Humanos”, proferida pelo ex-ministro da Justiça José Gregori. O palestrante, que também foi Secretário Nacional dos Direitos Humanos, é autor da autobiografia “José Gregori – os sonhos que alimentam a vida” (2009).

Na sequência, o quinteto de choro Boa

Praça, representante da EMESP Tom Jobim, apresentou-se para encerrar as atividades.

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CONCURSO “ORIDES: POESIA, RAÍZES E CAMINHOS”

A Academia de Letras de São João da

Boa Vista, em parceria com a UNIFAE, realizou o Concurso “Orides: poesia, raízes e caminhos”, envolvendo jovens estudantes em diversas manifestações artísticas, que proporcionaram pesquisas e mais conhecimento sobre vida e obra desta que é uma das maiores poetas brasileiras em todos os tempos. Em 19 de setembro, houve apresentação dos trabalhos e, no dia 21 de outubro, a premiação.

As escolas premiadas no Concurso “Ori-

des: poesia, raízes e caminhos” foram: 1º lugar - E.E. Cel. Cristiano Osório de Oliveira e E.E. Dr. Teófilo de Andrade; 2º lugar - E.E. Domingos Theodoro de Oliveira Azevedo; 3º lugar - Profª Isaura Teixeira de Vasconcellos. Comissão julgadora: Anna Cláudia Zanetti Antonio Carlos Rodrigues Lorette David Ribeiro ARCA | 56


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9º CONCURSO REDAÇÃO NA ESCOLA

Escrever faz bem à alma. Escrever é um

exercício de reflexão. Escrever é uma prática necessária e salutar de autoconhecimento. Escrever proporciona organização de ideias. Escrever é prazer. Escrever é emoção!

É com o intuito de motivar a leitura e a es-

crita que a Academia de Letras de São João da Boa Vista realiza, há nove anos, o Concurso Redação na Escola. Neste ano, em 25 de outubro, a noite de premiação e autógrafos da 9ª edição do Concurso Redação na Escola teve lugar no Theatro Municipal de São João da Boa Vista, homenageando trinta e cinco alunos, do ensino fundamental ao médio. Uma festa das letras congregando estudantes, acadêmicos, familiares, professores, coordenadores e diretores, representando todas as escolas, públicas e particulares da cidade. Um êxito absoluto! Coordenadora do Concurso: Vania Noronha Patrocínio cultural: Sequóia Urbanismo Apoiadores: Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista, AMITE (Associação dos Amigos do Theatro), Faça Festa, Diretoria Regional de Ensino e Departamento Municipal de Educação. ARCA | 58

Projeto Jovem Escritor


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CONFRATERNIZAÇÃO DE FIM DE ANO

O ano de trabalho terminou, literalmente e

prazerosamente, em pizza na Academia de Letras de São João da Boa Vista.

Na lendária plataforma da Estação das

Artes, acadêmicos, familiares e convidados foram regalados com os deliciosos discos napolitanos da Pizza Bella e com a música da talentosa Lu Guimarães acompanhada de Bruno Passos.

Noite redonda, em todos os sentidos, com

visual aprimorado pelos belíssimos arranjos florais de Josiane Borges.

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Sopa de Letras DONA OLGA

Dona Olga “Peituda” ficou viúva muito cedo e não teve filho algum. Parecia ser bem idosa, mas na verdade, pelo tanto que viveu, deveria ter, então, menos que cinquenta anos. Naquela época, mulheres com essa idade eram consideradas velhas. Hoje em dia, graças às cirurgias plásticas, aos cosméticos milagrosos e aos bailões da vida, podemos ver coroas quarentonas, cinquentonas e até sessentonas bem atraentes. Porém, Dona Olga era feia e a única coisa que chamava a atenção de nossos olhos, eram seus peitos, enormes e empinados. Era difícil conversar com ela sem dar uma espiada naqueles gigantescos melões. Seios que nunca amamentaram ficam assim: firmes e desafiantes! Benzedeira das boas, com suas rezas e infusões miraculosas, prometia curar uma gama de enfermidades: desde a tosse comprida até a impotência sexual, passando pelas enxaquecas e bichas alvoroçadas (lombrigas e solitárias). Tinha uma cadelinha, raça pequinês, chamada Menina que era sua coqueluche. A bichinha, sempre perfumada, com os pelos escovados e brilhantes, servia-se como uma espécie de captadora das energias negativas dos clientes. ARCA | 62

Durante as sessões de rezas e benzimentos, a Menina ficava aconchegada naqueles enormes seios. Dona Olga costumava fazer os passes sobre a cabeça e ombros das pessoas e, em seguida, com os olhos fechados, deslizava as mãos sobre os pelos da cachorra. Neste exato momento, Menina dava um ganido de dor e corria, latindo, para os fundos do quintal. − Pronto! Agora o encosto saiu... A cachorrinha era virgem, condição essencial para o poder de limpeza espiritual. Dona Olga vestia-a com uma calcinha de plástico, presa com elásticos e mantinha o portãozinho do jardim sempre trancado, para que nenhum cachorro sem dono profanasse a pureza de sua Menina. Certo tarde, porém, dois acontecimentos simultâneos contribuíram para o descrédito da benzedeira e foi bem assim que aconteceu. Minha prima Aurora, sentindo-se deprimida, foi até a casa da benzedeira, em busca de energias. Esqueceu-se de encostar o portãozinho e alguns cães entraram pelo jardim, procurando Menina, pelo faro. Lá no colo da dona, a cachorra, pressentindo a presença de machos no pedaço, ficou in-


quieta e na hora de descarregar o encosto, deu a maior mordida na mão da dona. Foi daí que algo pulou das mãos de Dona Olga, indo parar no colo de minha prima: Era um pedaço fininho de bambu com uma agulha fixada na ponta. Aurora percebeu na hora qual o ardil usado pela mulher para fazer a cadelinha gritar, mas nem teve tempo de falar nada, pois chegou até seus ouvidos, a algazarra que os cães aprontavam, lá no jardim. Tinha uns três ou quatro em cima da Menina e um deles, bem maior que os demais, encontrou uma folga no elástico da calcinha de plástico e conseguiu engatar-se na donzela. Dona Olga, tentou desenroscar a coitadinha, mas quanto mais batia no canzarrão, mais firme ficava o engate. Minha prima aconselhou: − Joga um balde de água pra esfriar a coisa! Quando o animal recebeu o jato de água fria, pulou o muro para a rua, arrastando a Menina consigo. Dona Olga ainda gritou, com as mãos nos peitos; − Ele levou minha Menina no reboque! Somente à noite a cadelinha voltou para casa: toda arranhada, sem as calcinhas, mas com um olhar brilhante, irradiando felicidade! Já que falei tanto em peitos, a receita para esta crônica será:

PEITO DE FRANGO RECHEADO: Abra o peito em forma de uma bolsa. Tempere-o com sal, pimenta, alho, cheiro verde, cebola e vinagre (bata o tempero no liquidificador). Recheie-o com fatias de linguiça calabresa e bacon em fatias, dourados no azeite de oliva. Frite o peito recheado na margarina sem sal e um pouco de azeite. Reserve-o. Na mesma frigideira, coloque um copo de suco de laranjas e deixe engrossar (mexer com uma colher de pau para desgrudar e escurecer). Acrescente uma colher (de sobremesa) de mostarda. Cubra o peito com esse molho e sirva-o com arroz e batata palha. João Batista Gregório Cadeira 37 Patrono Menotti Del Picchia

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Afiando a Língua PORTUGUÊS, UMA LÍNGUA VIVA E DINÂMICA

Como a língua é funcional e viva, assume transformações que vão surgindo ao longo do tempo, influenciada pelo meio social e cultural dos usuários. Esse processo de modificação da língua e de incorporação de outros idiomas permite que a comunicação ocorra de forma dinâmica, não só para expressar pensamentos, mas também como forma de interação entre os seres humanos. Dentro desse contexto, o neologismo é um processo linguístico que cria palavras ou expressões novas ou atribui novos significados a palavras já existentes. Os gramáticos classificam três tipos de neologismo. O mais perceptível a nossos olhos é o “neologismo lexical”, que ocorre quando criamos uma nova palavra. Exs.: Vou escanear esse documento. Houve panelaço em protesto contra o governo. Fala-se ainda em “neologismo semântico” quando se dá um novo significado a uma palavra já existente. Ex.: Você fez um papelão na festa! A palavra papelão não está empregada no seu sentido convencional (papel grosso), mas indicando uma conduta vergonhosa. Por fim, fala-se em “neologisARCA | 64

mo sintático” quando se cria um novo vocábulo a partir de outros já existentes, e estes, combinados, passam a ter um novo significado. Ex. Vou dar a volta por cima (superar). Assim, vamos enriquecendo o nosso vocabulário, na fala do dia a dia, na música e na literatura, como fez o grande poeta Manuel Bandeira no poema “Neologismo”: Beijo pouco, falo menos ainda. Mas invento palavras que traduzem a ternura mais funda e mais cotidiana. Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. Intransitivo Teadoro, Teodora. Ainda, nesse processo de criação de novas palavras, temos o “empréstimo linguístico”, fenômeno decorrente de influências recebidas de línguas estrangeiras que acabam se incorporando à nossa. Quando isso ocorre, muitas vezes, as


palavras estrangeiras são aportuguesadas tanto no aspecto fonético quanto na grafia, como ocorreu com as palavras futebol (do inglês football), abajur (do francês abat-jour) e espaguete (do italiano spaghetti). Como essas, temos várias outras palavras de tal forma incorporadas ao nosso vocabulário, que nem nos damos conta de que pertencem a outras línguas. De outro lado, existem palavras estrangeiras que usamos sem alterar sua grafia e pronúncia. Esse “estrangeirismo”, nos últimos anos, tem tido grande influência da língua inglesa. Algumas palavras já usamos há tempo, como shopping center, hot dog, diet, entre tantas outras. Com a chegada da tecnologia ocorreu uma sobrecarga de palavras inglesas no nosso vocabulário, como notebook, windows, internet, e-mail, website e muitas outras que, devido à rapidez do avanço tecnológico, se aglomeram no mundo da informática e

consequentemente no nosso dia a dia, pois, hoje, estamos mais próximos e participativos dos acontecimentos do mundo, nesta era da “comunicação global”. Esse é um tema bastante extenso e polêmico, mas por ora fico por aqui, com este poema de minha autoria: Às vezes, me vejo como freelancer da língua portuguesa, outras vezes, sou nocauteada pela sua grafia e expressões. Mas nada me faz deletar meu apreço a essa pop star, que brilha no meu outdoor pessoal!

Nívea Poli Barbosa Cadeira 35 Patrono Casimiro de Abreu

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Livros

A literatura brasileira, em 2020, está

Toda tentativa de falar sobre Clarice Lis-

engalanada!

pector e suas obras é algo instigante, fascinante e

Teremos o centenário de dois grandes es-

além de tudo, inesgotável! De Clarice não se fala:

critores! Um, por quem me encantei, tardiamente,

Clarice se sente; Clarice tem- se que ler com as

confesso, após mergulhar em sua poesia! E outra,

linhas do coração, da alma! Quem diz que ela é

que me encantou desde sempre, em cuja cadeira

uma autora difícil de se ler, é porque não adentrou

tenho a humilde tarefa de me sentar.

os “mistérios” de Clarice! Para entendê-la temos

que nos unir a ela numa comunhão de sensações

Refiro-me a João Cabral de Melo Neto e

Clarice Lispector. João Cabral completaria cem

e emoções!

anos em janeiro e Clarice, em dezembro. Assim,

teremos motivos mais que suficientes para home-

tor confere-se que os mistérios de Clarice estão

nageá-los!

presentes de corpo inteiro em suas obras. Não dá

Há pouco, tive a felicidade de me aprofun-

para falar pouco de Clarice Lispector; ela é den-

dar na poesia de João Cabral, pós-Andaluzia. Uma

sa, é profunda, é enigma! Enigma esse, nada mais

surpresa mais que agradável! Quanto à Clarice

do que uma intensa e dramática identidade en-

Lispector, não foi à toa que a escolhi como minha

tre pessoa e obra, entre autor e personagem. Ler

patrona, paixão desde o primeiro contato com seus

Clarice é adentrar nos recônditos da alma huma-

textos!

na; é descobrir a emoção que se revela em cada

Nesta seção, dedicar-me-ei a despertá-los

para a fruição de ler Clarice Lispector. ARCA | 66

Ao se estudar a biografia de Clarice Lispec-

linha de seus textos! É tocar na ferida que está escondida no mais recôndito de nosso ser! É um naufrágio rumo à introspecção!


Apreender em sua amplitude e profundi-

LAÇOS DE FAMÍLIA - Seguindo

dade o sentido e significado dos textos clariceanos

a linhagem dos grandes contistas,

tem desembocado, no termo/conceito de epifania.

neste livro, de 1960, Clarice Lis-

Epifania, como revelação através da escritura de

pector exibe o domínio absoluto

algo essencial que, inesperadamente, se fixa e se

dessa forma breve de narrativa.

torna visível através da palavra.

Reunindo um total de 13 contos, alguns dos quais escritos e publi-

Aventurem-se nos mistérios de Clari-

cados anteriormente na imprensa e no formato de

ce! Vale a pena a aprendizagem ou o prazer de

coletânea, Laços de Família garantiu à escritora o

mergulhar nesta água viva de sensações, nesse

Prêmio Jabuti de literatura, no ano de 1961.

coração selvagem de emoções, no universo sitia-

do do inexpressivo, onde a felicidade clandestina

so da poesia”, espécie de “caracol da linguagem”,

se faz presente nesta descoberta do mundo de

segundo Julio Cortázar, Clarice sequestra o leitor

Clarice Lispector!

e, sem trégua, invade-o com um acúmulo de sen-

Ciente de que o conto é o “irmão misterio-

timentos e entrevisões que, aglutinados, se abrem para realidades mais vastas. Como um ímã, ela o SUGESTÃO DE LIVROS

arrasta para o interior de cotidianos urbanos e domésticos a partir dos quais surgem, como sempre acontece em sua literatura, a natureza íntima das

Sugerir leitura de livros é algo, ao menos

pessoas e das coisas, a nervura dos seres, seus in-

complicado, ainda mais em se tratando de uma

finitos e domínios mais insuspeitos. Tudo isso, se-

autora cujos estigmas de “difícil, hermética de-

gundo ela mesma, “cosendo por dentro” o círculo

mais, incompreensível” são pechas que só quem

imaginário onde se situam suas personagens e sua

não conhece seus livros acredita.

lógica organizadora.

Pela própria estrutura, a leitura de seus

dois livros de contos, Laços de Família e Felicidade

FELICIDADE CLANDESTINA -

Clandestina, são sugestões para aqueles que que-

Lançado inicialmente em 1971, Fe-

rem ter o primeiro contato com a autora. Quanto

licidade Clandestina reúne diver-

aos romances a escolha deu-se devido ao interesse

sos textos de Clarice Lispector que

despertado por eles em críticos e leitores .

foram escritos em diversas fases da vida da autora. Ao todo, o livro reúne 25 textos que tratam de teARCA | 67


mas diversos, tais como a infância, a adolescência,

reorienta os caminhos da escrita ficcional ao inau-

a família, o amor e questões da alma. Através da

gurar uma linguagem que captura e se apropria do

recordação de fatos do seu passado, Clarice Lis-

que parece mínimo, banal ou mesmo óbvio, para

pector busca nos contos fazer uma investigação

constelar um diálogo surpreendente com o mun-

psicológica de autoanálise.

do. Joana, personagem a partir do qual se ergue o

Uma das técnicas mais empregadas nesses

enredo, revela-se pouco a pouco uma figura de ex-

contos é a da narrativa em fluxo de consciência,

ceção pela percepção invulgar de tudo que a cerca.

que é uma tentativa de representação dos proces-

Em Perto do Coração Selvagem assistimos ao nas-

sos mentais das personagens. Esse tipo de narrati-

cimento de uma nova perspectiva no quadro da

va não possui uma estrutura sequencial, uma vez

prosa brasileira, ao realinhamento de sua tradição,

que o pensamento não se expressa de uma forma

porque Clarice, no trabalho com a língua, investe

ordenada. Dessa forma, seria como se o autor não

na narração, e não na matéria narrada. Em outras

tivesse controle sobre a personagem e a deixasse

palavras, pouco importam os acontecimentos, pois

entregue

são as impressões e as digressões que sustentam a

a seus

próprios

pensamentos e

divagações.

narrativa e a subordinam ao personagem. PERTO DO CORAÇÃO SELVA-

A PAIXÃO SEGUNDO G.H - Nas

GEM-“Um romance que faltava!”

linhas que antecedem a abertura

Assim foi que o crítico Antonio

deste romance, Clarice Lispector

Candido se referiu ao romance de

dirige-se a seus “possíveis leitores”

estreia da jovem Clarice em 1943.

dizendo que aquele livro é “como

A unanimidade dos críticos que re-

um livro qualquer”, mas que fica-

conheceram a força e a singulari-

ria “contente se fosse lido apenas

dade do processo criador e o quanto sua técnica

por pessoas de alma já formada”. Se considerás-

e sua temática se distanciavam de tudo o que já

semos apenas o fio do enredo e somente ele, A

havia sido escrito, fez com que ela fosse agraciada

Paixão Segundo G.H. talvez fosse mesmo um livro

com o Prêmio Graça Aranha, seu primeiro roman-

qualquer. Mas, um passo para dentro do romance,

ce quando tinha apenas 23 anos. Concentrado na

e encontramos uma narração em primeira pessoa,

experiência interior e na introspecção, o romance

G.H, em absoluto estado de concentração e dila-

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tação interior, após a travessia do que se tornaria

crueldade humana e a brutal desigualdade social

para ela uma experiência limite. Depois de despe-

no Brasil. O narrador Rodrigo S.M., máscara fic-

dir a empregada, GH inicia uma faxina no quarto

cional de Clarice Lispector, se vê como intruso ao

de serviço. Mal começa a limpeza, vê uma barata.

traduzir ficcionalmente o “sentimento de perdição

Enojada do inseto, ela decide esmagá-lo contra a

no rosto de uma moça nordestina. A adaptação da

porta do armário. O momento decisivo do enredo

obra para o cinema, de 1985, com direção de Su-

e do discurso culmina quando GH devora a mas-

sana Amaral e protagonizada por Marcela Cartaxo,

sa pastosa e branca da barata morta. Esse gesto

obteve prêmios nacionais e internacionais.

desencadeia a desmontagem humana da personagem e lhe impõe uma (in)compreensão súbita dessa “construção difícil que é viver”. A HORA DA ESTRELA - Publicada, postumamente, em 1977 é escrita na forma de contraponto. De um lado, a história da ingênua Macabéa, migrante nordestina pobre em luta pela sobrevivência na cidade grande; de outro, o drama do escritor e seu processo de criação ao retratar uma pessoa distante de seu universo socioeconômico. A moça alagoana, sem recursos para lidar com os códigos urbanos numa cidade do porte do Rio de Janeiro, despreparada para enfrentar a competição capitalista, sem atributos que lhe garantam sucesso no mercado do amor e do trabalho, enfrenta a hipocrisia de pessoas próximas. O percurso de Macabéa, de corpo sem atrativos e sem preparo profissional, desmascara a

Maria José Gargantini Moreira da Silva Cadeira 39 Patronesse Clarice Lispector

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Estação das Artes de São João da Boa Vista João Roberto (Beto) Simões ARCA entrevista Beto Simões e Helinho Fonseca Diretores municipais de cultura nas duas gestões do prefeito Vanderlei Borges de Carvalho, João Roberto Simões, 79, e Hélio Correa da Fonseca Filho, 60, foram essenciais para a concretização do novíssimo espaço cultural da cidade. Beto Simões e Helinho Fonseca, assim conhecidos, trabalharam arduamente para que São João da Boa Vista fosse presenteada com a Estação das Artes, um complexo destinado à arte e cultura, instalado no prédio da antiga Estação Ferroviária. Com recursos do governo estadual, e projeto arquitetônico feito por profissionais da própria Prefeitura Municipal, a edificação histórica foi totalmente repaginada com o devido respeito à preservação do patrimônio. Na belíssima construção, há dependências para departamentos municipais, um moderno teatro que comporta 160 espectadores, espaço para exposições, escola de música e a sede da Academia de Letras de São João da Boa Vista. ARCA convidou Beto Simões, que deu a largada com ideia e projeto, no primeiro mandato do prefeito Vanderlei, e Helinho Fonseca, que comandou a execução e finalização da obra no mandato atual, bem como a ocupação do lugar, para que ambos falassem de suas experiências no cargo e das tratativas para viabilização deste que é um dos centros culturais mais charmosos e funcionais do Estado de São Paulo. ARCA | 70

Como nasceu o projeto para restaurar a Estação Ferroviária? Beto: Em 2014 o sonho começou a tomar corpo. Várias vezes fiquei desenhando e esboçando a velha Estação como um espaço que abrigasse o Departamento de Cultura, o Departamento de Turismo (já naquela época achávamos que eles deveriam ser desmembrados), a Academia de Letras, o Espaço Cultural Fernando Arrigucci, salas de ensaios de teatro, dança e coral e o sonho maior, a adaptação de um espaço para ser o Teatro das Artes – um teatro pequeno, totalmente equipado, que atendesse principalmente à produção artística local, desonerando assim o Theatro Municipal, que receberia os espetáculos maiores, tanto locais como de outras cidades. Um dia, em uma reunião com Vanderlei e seu Chefe de Gabinete à época, João Gabriel Bruno, ficamos sabendo por este que o FID, Fundo de Investimentos Diversos, estava atendendo a projetos variados. Já existia, na época, o Projeto CEAGESP, que era a transformação dos antigos galpões (que antes tinham pertencido ao grupo empresarial Matarazzo) e seu entorno em um Parque Urbano voltado para atividades diversas, como teatro, cinema, dança, atividades esportivas, além de área gastronômica e até um anfiteatro. Imediatamente, o Vanderlei me perguntou: “como está o teu sonho maior?”. De pronto, respondi: “posso aprontar no tempo necessário”. E aí começamos.


E depois desse começo, como fluiu o projeto? Beto: Liguei para a Ana Laura Zenun, à época no Departamento de Engenharia, marcamos uma reunião para a qual levei os desenhos que tinha feito e, a partir deles, fomos chegando ao que eu queria. Passava noites sonhando e, quando eu sonhava demais, ela dizia que aquilo não podia. Em outros momentos, ela falava: “por que não fazemos assim?”. Quando vimos, eu, uma pessoa que já tinha acompanhado a construção de dois teatros em São Paulo (o Teatro Paiol e o Teatro Frei Caneca), e ela, que já tinha acompanhado a restauração do nosso Theatro Municipal, tínhamos em mãos, feita pelo Departamento Municipal de Engenharia, uma planta completa da reforma da Estação com os respectivos memoriais descritivos, incluindo mobiliário. Enfim, um projeto pronto para ser enviado. Com a ajuda da Amélia Queiroz e da Sybele Badran, reformulamos o projeto do Parque Urbano, que também ficou pronto dentro do prazo previsto. Enquanto isso, Vanderlei agilizava toda a parte política necessária, inclusive com viagens e reuniões exaustivas. No final, para alegria e orgulho de todos os envolvidos, os dois projetos enviados pelo Departamento Municipal de Cultura e Turismo foram aprovados, juntamente com o projeto “São João Mais Verde”, elaborado pelo Departamento do Meio Ambiente. Quando você tomou posse, Helinho, qual era a fase do projeto Estação das Artes e o que faltava definir para sua finalização? Helinho: No início de 2017, o projeto estava praticamente concluído, idealizado pelo Beto Simões e pela arquiteta Ana Laura Zenun, aprovado pelo prefeito Vanderlei e por todas as instâncias necessárias. Apenas aguardava a liberação dos recursos do FID da Secretaria de Estado de Justiça e Cida-

dania. E, tão logo liberados, iniciaram-se as obras, que se prolongaram até o final de 2018. Foram várias etapas de execução, todas previstas dentro do cronograma elaborado, com pequenas modificações feitas no decorrer do andamento das obras necessárias em cada etapa. Num projeto dessa grandeza, você encontrou oposição à sua concretização? Beto: Muito pelo contrário. Recebi total apoio do Vanderlei, de vários vereadores que foram me visitar (não vou dar nomes com receio de esquecer algum, mas me lembro de que os mais entusiasmados eram o Claudinho e a Patrícia), do Arten, do Paschoal, que tinha acabado de chegar a São João (quem sabe o prédio do Museu da Imagem e do Som sai um dia, né, Paschoal?), da Lucelena (que só tinha dúvidas com relação à sede da Academia). Na época, como já se pensava em separar os Departamentos de Cultura e Turismo, a sala à direita de quem entra, a cozinha e os banheiros ficariam com a Academia. Mas, com a resolução de que o Departamento de Cultura iria para a CEAGESP, o ARCA | 71


Helinho e o Vanderlei resolveram ceder mais uma sala para a Academia. Achei que foi uma ótima solução, pois como a sala da direita de quem entra foi diminuída um pouco, não atrapalhou em nada o ótimo espaço que sobrou para uma grande sala de ensaios de corais. Helinho: Foi uma alegria muito grande acompanhar de perto o andamento dessa obra, do início ao fim. Sempre recebia apoio, incentivo e elogios do prefeito Vanderlei, pela ideia de transformar a Estação Ferroviária abandonada num centro de artes que iria, no futuro, beneficiar toda a população sanjoanense. Nunca enfrentei opinião contrária ou de oposição, tendo sido gratificante, repito, acompanhar todo o seu andamento. São João é verdadeiramente uma cidade vocacionada para a cultura e arte, ou isso é somente mais um desejo dos que amam a cidade? Beto: Olha, Lauro, a Semana Guiomar Novaes existe há quase 50 anos; a cidade era referência antigamente em apresentações de espetáculos teatrais que viajavam por todo o Estado de São Paulo; a Semana Fica-Fica veio para ficar, atingindo uma outra faixa de público; as apresentações em igrejas e praças sempre acontecem com sucesso; os Festivais de teatro estudantil e amador Atílio Gallo Lopes e Leilah Assumpção são referências regionais; o Monofest, idem; a Semana Assad, idem; os concursos literários organizados pela Academia são sempre um ponto alto; os novos chás literários, que, espero, tenham voltado para sempre, já fazem parte da vida cultural da cidade. Nomes como Orides Fontela, Pagu, Geraldo Filme, Guiomar Novaes, Davi Arrigucci, Fernando Furlanetto, fazem parte do cenário cultural nacional e internacional. Se conseguirmos implantar as medidas necessárias no Theatro Municipal – instaARCA | 72

lação de som, luz, varas de cenário e luz elétrica; contratação de um operador de som e um de luz; teatro aberto diariamente para visitação pública e escolar; respeito à arquitetura do edifício; postos de divulgação de espetáculos nas principais praças públicas, tanto para o Municipal quanto para o Estação das Artes; melhor utilização do espaço, com uso da Sala de Espera e da Sala sob o palco, para exposições de Artes Plásticas e Oficinas; e um devaneio lúdico, a volta do Bar Theatro – teremos uma movimentação mais intensa, com muitos sanjoanenses seguindo os passos de Suia Legaspe, Alex Gruli, Marli Marques e de muitos grupos de teatro amador. Helinho: Tenho certeza de que São João é vocacionada para a cultura e a arte; veja a quantidade de expoentes culturais que nasceram aqui: Pagu, Orides Fontela, Geraldo Filme, Guiomar Novaes, Badi Assad, Davi Arrigucci Junior, Suia Legaspe,


Alex Gruli, Giovanna Lancelotti, Luiza Nagib Eluf, o jornalista Fernando Rodrigues, Claudio Richerme, Martha Jacinto, Fernando Furlanetto, Isabela Dragão, o jornalista esportivo Luís Roberto De Mucio, o cinegrafista e fotógrafo Marcelo dos Santos, todos eles fazendo com que São João ganhe projeção nacional e até internacional. Mas, ao lado disso, é preciso reconhecer e aplaudir o número de pessoas envolvidas e ativas hoje, nos mais diferentes segmentos de cultura e arte, que fazem com que, a cada dia, nossa cidade tenha uma vida cultural mais ativa, dinâmica e de alto nível. Você já vivenciou exemplos reais da arte como transformadora da sociedade? Beto: O Projeto Guri é um exemplo transformador da sociedade. Helinho: No dia a dia, é muito bom ver os jovens de nossa cidade que, com muito esforço e dedicação, alcançam destaque na cultura e na arte; por isso a importância do poder público manter, sempre que possível, escolas de iniciação artística, que são a porta de entrada para uma possível carreira na área escolhida. Qual peça você sonha ver encenada no novíssimo Teatro Estação das Artes? Beto: A nova versão de “Romeu e Julieta”, com Renato Borghi e Miriam Mehler. No entanto, não devemos esquecer que a finalidade do Teatro Estação das Artes é principalmente atender a produção artística local, mas não de forma gratuita. Infelizmente, o que não custa nada normalmente é considerado sem valor. Acho que uma lei municipal precisa ser feita para que se possa cobrar ingresso. Isso é urgente! Não podemos esquecer que o teatro está sendo oferecido totalmente equipado, e um percentual de bilheteria deve ser definido com um mínimo garantido por espetáculo. O dinheiro arrecadado iria para um fundo que só poderia ser

utilizado para benfeitorias no Teatro Estação das Artes, tais como manutenção de refletores, parte elétrica, som e ar condicionado, bem como instalação de telefone para informações sobre eventos, além de contratação de segurança nos dias de espetáculos e outros gastos que serão necessários. Helinho: A semente está lançada. Esse novo complexo cultural que São João acaba de ganhar será um legado inesquecível a ser deixado pelo prefeito Vanderlei Borges de Carvalho, ao lado da futura Cidade das Artes, em implantação nos antigos galpões da CEAGESP no bairro do São Benedito. Artistas, talentos, promessas de novos talentos, nós temos e têm surgido no dia a dia de nossa cidade, e caberá a eles ocupar esses dois novos palcos, projetando assim a cultura e o nome de São João da Boa Vista. Antes de encerrarmos o bate-papo, Helinho Fonseca pediu a palavra e, comovido, concluiu: Helinho: Gostaria de manifestar minha alegria e satisfação em ter podido colaborar para que a Academia de Letras pudesse ter a sua sede própria dentro da Estação das Artes de São João da Boa Vista João Roberto (Beto) Simões. Consigo lembrar-me claramente do dia 15 de novembro de 1971, quando eu, com 12 anos de idade, acompanhei meu pai na sua posse como membro titular da Academia de Letras, em sessão solene realizada na Sociedade Esportiva Sanjoanense. Hoje, 47 anos depois, acompanhei de perto, sempre com o apoio do prefeito Vanderlei, a entrega da sede própria de nossa Academia, que merecia um local digno para desenvolver suas atividades culturais.

Lauro Augusto Bittencourt Borges Cadeira 20 Patrono Castro Alves

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Jornalista Responsável: Francisco de Assis Carvalho Arten Projeto Gráfico: Fernanda Buga Edição: Neusa Menezes Gerência Administrativa e Financeira: Lucelena Maia Distribuição: Academia de Letras de São João da Boa Vista Revisão: Beatriz V. C. Castilho Pinto Maria José Gargantini Moreira

Academia de Letras de São João da Boa Vista Presidente Lucelena Maia Vice Presidente Vania Gonçalves Noronha Secretária Nívea Poli Barbosa 1º Tesoureiro Lauro Augusto Bittencourt Borges 2ª Tesoureira Beatriz V. C. Castilho Pinto Conselho Fiscal Donisete Tavares Moraes Oliveira João Otávio Bastos Junqueira Wilges Ariana Bruscato

FOTOS:

Labcom/Unifae pág. 3, 4, 5, 7, 8, 9, 54, 55 Lauro Borges pág: 2, 23, 25, 44, 57, 61, 63, 69, 70 Maria Célia Marcondes pág. 28, 29 Lucelena Maia pág. 2, 26, 37 Davis Carvalho pág. 2, 3, 38, 39, 48, 49, 50,51, 58, 59 Valéria Teixeira pág. 56, 57 Rogério Santos pág. 52, 53 Silvia Ferrante pág. 43 Internet pág. 12, 13, 20, 31, 36, 41, 46, 65, 66, 67 Acervo João Otávio Bastos Junqueira pág. 14, 15 Acervo Neusa Menezes pág. 10, 16, 17 Acervo Academia de Letras pág. 19, 32, 35

Contato Praça Rui Barbosa, 41 - Estação das Artes 13870-269 - São João da Boa Vista-SP academiadeletras@alsjbv.art.br www.alsjbv.art.br Instagram: @alsjbv Facebook: facebook.com/alsjbv YouTube: Academia de Letras SJBV Fevereiro de 2020 ARCA | 74

fotografia de capa Lauro A. B. Borges


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