Surpreendido pela Escrituras

Page 1



s u r p r epelase n d i d o

Escrituras



N. T. Wright

s u r p r epelase n d i d o

Escrituras

questões atuais desafiadoras

Tradução Valéria Lamim Delgado Fernandes


SURPREENDIDO PELAS ESCRITURAS Categoria: Bíblia / Teologia / Vida cristã

Copyright © N. T. Wright, 2014 Publicado originalmente por HarperCollins, Nova York, Estados Unidos. Título original em inglês: Surprised by Scripture Primeira edição: Agosto de 2015 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Tradução: Valéria Lamim Delgado Fernandes Preparação e revisão: Raquel Bastos Diagramação: Bruno Menezes Capa: Ale Gustavo Exceto quando outra versão é mencionada, as citações bíblicas do Antigo Testamento são da versão Almeida Revista e Atualizada, e as do Novo Testamento são tradução do próprio autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Wright, N. T., 1948-

.

Surpreendido pelas escrituras : questões atuais desafiadoras / N. T. Wright ; tradução Valéria Lamim Delgado Fernandes. — Viçosa, MG : Ultimato, 2015. Título original: Surprised by scripture ISBN 978-85-7779-131-6 1. Cristianismo e cultura 2. Teologia I. Título.

15-05249

CDD-261

Índices para catálogo sistemático: 1. Cristianismo e cultura : Teologia social

261

Publicado no Brasil com autorização e com todos os direitos reservados Editora Ultimato Ltda Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 Fax: 31 3891-1557 www.ultimato.com.br

A marca FSC é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.


Para Francis Collins



Sumário

Prefácio

1 . Curando a divisão entre ciência e religião 2. Precisamos de um Adão histórico? 3. Um cientista pode acreditar na ressurreição? 4. O argumento bíblico a favor da ordenação de mulheres 5. Jesus está voltando: plante uma árvore! 6. O 11 de setembro, os tsunâmis e o novo problema do mal 7. Como a Bíblia interpreta o mundo moderno 8. Idolatria 2.0 9. Nossa política é muito pequena 10. Como engajar o mundo de amanhã 11. Apocalipse e a beleza de Deus 12. Tornando-se pessoas com esperança

9 13

49 71 89

111 129

147 161

1 77 19 1

Agradecimentos Índice de referências bíblicas

35

201 21 1

213



Prefácio

Vários destes ensaios foram surpreendentes para o autor tanto quanto talvez sejam para os leitores. Passei grande parte da minha vida tentando entender o Novo Testamento em seu próprio contexto e, por isso, muitas vezes tive de postergar minha atenção a outros assuntos, por mais fascinantes que fossem. No entanto, desde que também tenho o compromisso de estabelecer uma relação entre a Bíblia e os nossos dias, alguns desses outros assuntos, de vez em quando, exigem minha atenção. Como resultado, aí está a presente coletânea de artigos. Ofereço-os pelo valor que possam ter, não como opiniões dogmáticas, mas como análises de temas vastos e interessantes. Em quase todos os casos, a iniciativa de escrever sobre esses temas não foi minha. Eu estava respondendo, da melhor maneira possível, às perguntas de outros e ao frequente convite de examinar questões atuais por uma perspectiva bíblica. Sou grato por esses pedidos e pelas muitas discussões interessantes às quais eles me levaram.


10

surpreendido pelas escrituras

Aprimorei um pouco o formato da palestra original, mas não tentei transformar esses artigos, originalmente independentes, em uma única exposição. Para que cada artigo tenha seu próprio mérito, muitas vezes tive de reformular certos pontos básicos, comuns a vários temas. Portanto, o leitor que estudá-los, um por um, encontrará certa repetição, pela qual peço desculpas. Imagino, então, que muitos irão surpreender-se com os resultados. Há um pressuposto largamente difundido de que a Bíblia oferece uma determinada visão sobre temas como ciência e religião, ordenação de mulheres e envolvimento do cristão na vida política – mas, em cada um desses casos, a visão em questão não foi aquela à qual os textos me levaram. A surpresa no título, portanto, refere-se tanto ao fato de que muitas pessoas não esperam que a Bíblia tenha algo a dizer sobre esses temas como também ao fato de que, quando fala sobre eles, ela talvez não diga o que se imagina. Quando me distancio para analisar estes ensaios, vários padrões e temas emergem. Primeiro, abordo com frequência um contexto norte-americano, mesmo esperando que minhas palavras sejam relevantes de um modo mais amplo (principalmente, é claro, por causa da forte influência da cultura norte-americana no resto do mundo). A razão para esse foco é clara: sou frequentemente convidado a lecionar nos Estados Unidos e grande parte destes artigos foi, originalmente, publicada lá. Estou bem ciente dos perigos de tentar avaliar uma cultura diferente da minha com base em pouco conhecimento. No entanto, uma vez que tive o privilégio de viver nos Estados Unidos por dois períodos longos e de fazer um grande número de visitas mais rápidas, espero não ter cometido muitos erros. Há momentos em que é bom “ver a nós mesmos como os outros nos veem”, e espero que estas reflexões de um estrangeiro amigável possam ser úteis. Segundo, uma das características do mundo ocidental contemporâneo para a qual chamo atenção repetidamente neste livro é a enorme influência, muitas vezes não reconhecida, da filosofia que associamos ao Iluminismo do século 18. Cheguei à opinião de que, a menos que vislumbremos as raízes daquilo que hoje é considerado normal em nosso mundo, não entenderemos por que vemos os problemas de uma determinada maneira e não reconheceremos o que a Bíblia pode dizer sobre eles. Ao pensar em “viver no mundo moderno”, o que as pessoas muitas vezes fazem é aceitar uma


prefácio

filosofia antiga (epicurismo) com uma aparência moderna. Como observou C. S. Lewis, o esnobismo cronológico da era moderna (ou seja, a suposição de que tudo o que vem depois de 1750 é, de certo modo, superior ao que aconteceu antes) precisa ser confrontado em vários níveis. Terceiro, uma vez que o livro recorre a várias partes da Bíblia para tratar de questões atuais, é inevitável que parte do material coincida à exegese bíblica que apresentei em outros lugares como, por exemplo, em minha série de pequenos comentários (Matthew for Everyone [Mateus para todos] e assim por diante, publicados pela SPCK, em Londres, e pela Westminster John Knox, em Louisville) e em livros como Surpreendido pela Esperança e O Mal e a Justiça de Deus (ambos publicados pela Editora Ultimato). Aqueles que estão familiarizados com estes livros reconhecerão parte do material. Espero que outras pessoas sejam levadas a essas discussões mais amplas por meio destes ensaios. O contexto original de cada artigo é apresentado no epílogo. Sou extremamente grato às muitas organizações e pessoas que me incentivaram a falar sobre esses assuntos e cujos desafios, acolhida, amizade e (principalmente) dúvidas foram importantes em vários níveis. Um de meus amigos foi uma inspiração em particular, e dedico este livro a ele. O professor Francis Collins desempenhou um papel importante e corajoso em transpor uma das grandes divisões na cultura norte-americana contemporânea: a que existe entre ciência e fé. O amor à música que compartilhamos criou um terceiro elemento agradável em nossa amizade: a possível percepção de que algumas das questões mais importantes da vida precisam ser discutidas por diversos ângulos ao mesmo tempo. Meus sinceros agradecimentos a ele e a todos aqueles cujo incentivo me estimulou a escrever, a publicar e a apresentar estes artigos, agora em um novo formato. Tom Wright St. Mary’s College St. Andrews, Escócia Ano-Novo, 2014

11



capítulo 1

Curando a divisão entre ciência e religião

Quando eu trabalhava na abadia de Westminster, uma das perguntas mais frequentes que faziam os visitantes, especialmente os norte-americanos, era: “É verdade que Charles Darwin foi enterrado aqui?”. Em uma ocasião, observando o trajeto que uma visitante tinha acabado de fazer ao percorrer a abadia após a oração vespertina, disse-lhe: “Eu acho que a senhora acabou de pisar nele”. “Oh! Que maravilha!” – respondeu ela de forma enfática, revelando-me algo sobre si mesma. Em outra ocasião, ao passar pelo túmulo de Darwin, notei uma pequena pilha de flores e cartões. Claro, eram de crianças em idade escolar, e o teor geral da mensagem era: “Sr. Darwin, nós o amamos”. Muitas vezes, eu me perguntava o que era ensinado a elas. É realmente possível que os professores contem a história da cultura ocidental como trevas, superstição e preconceito pré-darwinianos aliados à mão morta da religião, com o próprio Darwin inaugurando uma nova era de felicidade, de libertação e de conhecimento aliados ao leite da bondade humana? Se


14

surpreendido pelas escrituras

isso não for uma história extremamente seletiva e simplista, não sei o que é. Além do mais, a abadia de Westminster reúne milhares de visitantes de todas as partes do mundo; como, ao que parece, a maioria que se interessa em Darwin é de norte-americanos e que estes instantaneamente tomam partido em uma suposta batalha em que o próprio nome dele é um grito de guerra? Faço esta pequena ressalva. Tenho consciência de que sou britânico (não norte-americano) e teólogo (não cientista) e de que sou, portanto, alguém que está de fora desta discussão. Contudo, espero poder mostrar três particularidades que, como tal, talvez eu possa ver com mais clareza do que quem está por dentro. Primeiro, eu gostaria de salientar que a forma como acontece e é visto o debate entre ciência e religião nos Estados Unidos é significativamente diferente das formas com que acontecem e são vistos os debates análogos em outros lugares. Segundo, quero sugerir que isso acontece, pelo menos em parte, por causa dos fundamentos essencial e explicitamente epicuristas da autocompreensão social dos Estados Unidos desde o final do século 18, e que o impasse entre ciência e religião nesse país é, portanto, análogo e profundamente ligado ao impasse entre igreja e Estado – ou religião e política, ou como você quiser chamá-lo – de modo que não é possível discutir um desses tópicos sem discutir implicitamente o outro. Terceiro, gostaria de propor que nós precisamos de uma reformulação das visões de mundo fundamentais que abordamos muito mais radical do que concluímos normalmente em nossas discussões sobre ciência e religião. Esse, espero, é o ponto em que a contribuição mais profunda de um teólogo bíblico pode ser útil.

O debate acirrado nos Estados Unidos Nós, no Reino Unido, nunca tivemos um julgamento de Scopes.* Tivemos, de fato, o notório debate público em Oxford, em junho de 1860, entre Samuel Wilberforce, bispo de Oxford, e o cientista T. H. Huxley. No tempo de uma geração, a história desse debate tornou-se notória e foi moldada * Episódio da história norte-americana em que o professor Scopes foi acusado de ensinar o evolucionismo na escola. Marcou a divisão entre criacionistas e evolucionistas. (N.E.)


curando a divisão entre ciência e religião

por uma tradição tão forte que passou a ser aceita como verdade, embora pesquisas mais recentes indiquem que as questões não estavam, de forma alguma, tão claras quanto sugeria a narrativa aceita. De acordo com a tradição, Wilberforce, em um determinado momento, perguntou a Huxley se ele afirmava descender dos macacos por parte do avô ou da avó. Este respondeu, mais ou menos, que preferia ser descendente de um macaco do que de alguém que abusava tanto de seus talentos intelectuais. Isso, no entanto, é material para a lenda. O filósofo John Lucas mostrou há algum tempo (e isto foi usado por Stephen Jay Gould) que a história na qual o agnóstico Huxley apoiou fortemente sua libertação do dogma eclesiástico criou raízes e se espalhou em um momento em que as classes médias inglesas, ainda ansiosas por obter uma posição política contra a aristocracia, tinham um interesse particular na visão de que a linhagem de uma pessoa era irrelevante para o valor moral dela.* Além disso, quase no final do século, o mundo da ciência mudou significativamente, passando de uma esfera da qual todos podiam participar (desde que tivessem condições) para uma aliança de caráter muito mais profissional. A imagem da ciência livre triunfando sobre a igreja perplexa enquadra-se muito melhor na atmosfera cada vez mais independente de cientistas da década de 1890 (quando alguns dos textos fundamentais sobre o incidente Wilberforce-Huxley foram escritos) do que na da década mais autônoma de 1860. Entretanto, no final da era vitoriana, a questão cessou; a maioria das pessoas na Grã-Bretanha de hoje tem simplesmente uma vaga ideia de que a igreja está inclinada ao obscurantismo e de que a ciência nos libertou dos grilhões de seu dogma e de sua ética. O horror de duas guerras mundiais, com a Grande Depressão entre elas, deu às pessoas muito mais motivo de preocupação e razões muito mais fortes para questionar as raízes de sua fé tradicional. Então, repetindo meu ponto anterior, o que percebo hoje é que poucas pessoas na Grã-Bretanha abandonam a fé por causa do que a ciência pode dizer, embora algumas que a abandonaram (ou nunca a tiveram) por outras razões julguem conveniente recontar as histórias de Wilberforce e Huxley, de Copérnico, de Galileu e dos demais de muito tempo atrás. * J. R. Lucas, “Wilberforce and Huxley: A Legendary Encounter”. http://users.ox.ac.uk/~jrlucas/legend.html.

15



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.