O Que é Igreja Missional

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TIMÓTEO CARRIKER


O QUE É IGREJA MISSIONAL Categoria: Igreja / Missão / Vida cristã

Copyright © 2018, C. Timóteo Carriker Primeira edição: Agosto de 2018 Coordenação editorial: Bernadete Ribeiro Revisão: Raquel H. C. Bastos Diagramação: Bruno Menezes Capa: Rick Szuecs

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carriker, Timóteo O que é Igreja missional : modelo e vocação da igreja no Novo Testamento / Timóteo Carriker. — Viçosa, MG : Ultimato, 2018. ISBN 978-85-7779-180-4 1. Igreja - Aspectos sociais 2. Missões 3. Missionários 4. Palavra de Deus (Teologia) 5. Renovação da Igreja I. Título. 18-17982 Índices para catálogo sistemático: 1. Igreja : Missão : Eclesiologia : Cristianismo 2. Missão da Igreja : Eclesiologia 262

CDD-262 262

PUBLICADO NO BRASIL COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS POR: EDITORA ULTIMATO LTDA Rua A, no 4 - Caixa Postal 43 36570-000 Viçosa, MG Telefone: 31 3611-8500 www.ultimato.com.br


SUMÁRIO

Prefácio

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Introdução: Igreja missionária ou igreja missional?

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1 . Dois valores fundamentais

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2. A igreja missional de Antioquia

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3. A igreja missional para Roma

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4. A igreja missional de Filipos

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5. A igreja missional de Éfeso

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6. A igreja missional de Jerusalém

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7. A igreja missional da Galácia?

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Conclusão 105 Apêndice 113 Notas 119 Bibliografia 125


As citações bíblicas são da Nova Tradução na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação específica. Abreviatura: ARA - Almeida Revista e Atualizada


O Que é Igreja Missional é uma inspiradora e profunda reflexão sobre como iniciamos nossa caminhada de fé e quais os passos devemos seguir dois mil anos depois. O querido amigo e pastor Timóteo Carriker, ou, como carinhosamente o chamamos, Tim, tem conosco uma longa caminhada na Igreja de Florianópolis, que a muitos influencia a viver uma vida missional. Nicole Caldas de Farias Berndt Fabricio Fukahori Pastores na Igreja Presbiteriana Independente do Estreito, em Florianópolis



PREFÁCIO

Até as décadas de 70 e 80 as palavras “missão” e “missionário” eram associadas exclusivamente à identidade e à atividade de estrangeiros que serviam a igreja no Brasil. Com o fortalecimento do movimento missionário isso mudou – graças a Deus! Hoje, esses termos remetem à identidade de qualquer pessoa (incluindo muitos brasileiros) e ao seu serviço em outra cultura ou país. Há aproximadamente dez anos, uma nova palavra começou a circular no meio evangélico com uma conotação um pouco diferente. O adjetivo “missional” se instalou para se referir especialmente ao engajamento das comunidades locais em alcançar pessoas de fora da igreja, mas que tinham contato com seus membros. De certo modo, dizer que uma igreja é missional significa dizer simplesmente que ela exerce sua vocação missionária no contexto em que está inserida. No entanto, há muito mais que isso. Um dos propósitos deste livro é esclarecer o que é uma igreja missional e como ela exerce a sua vocação. Existem alguns bons livros1 em


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O QUE É IGREJA MISSIONAL

português que definem uma igreja missional, embora nem sempre concordem em suas definições. Todos são traduções do inglês e apresentam o contexto norte-americano, que é bem diferente do nosso. Ainda assim, não deixam de ser boas reflexões e um estímulo para as igrejas brasileiras. Trabalhar essas diferenças é outro objetivo deste livro.2 O terceiro propósito deste volume é aprofundar as bases e os exemplos bíblicos de igreja missional. Finalmente, meu último alvo com a presente obra é esclarecer a preocupação recorrente de que o interesse em ser “missional” pode diminuir o engajamento “missionário” de uma igreja. Dentre esses quatro propósitos, o que mais abordo aqui diz respeito às bases e aos modelos bíblicos para a igreja missional. As definições e os exemplos de uma igreja missional são variados e até mesmo conflitantes. Apesar de Michael Goheen preencher parcialmente essa lacuna, ele se preocupa mais com a identidade de uma igreja missional do que com sua função e suas características práticas. Assim, ele explora maravilhosamente a identidade do povo de Deus ao longo das Escrituras como colaborador no projeto divino para a renovação da criação e da humanidade. O autor se interessa mais pela narrativa maior das Escrituras em sua totalidade e também pelas imagens do povo de Deus que essa narrativa revela. Sua obra é o lugar perfeito para iniciar uma reflexão sobre a igreja missional. Não pretendo fazer o mesmo, pois já o fiz em livros anteriores a este, mesmo sem utilizar o termo “missional”.2 Nesta obra quero destacar os bons modelos de igrejas missionais que o Novo Testamento apresenta. Meu foco está nesta parte da Bíblia porque, apesar de nossa identidade começar com o povo da aliança, grandes mudanças aconteceram nas práticas do povo de Deus no Novo


Prefácio

Testamento, fruto da transformação histórica que Jesus efetuou com sua vida, morte e ressurreição. Em termos hermenêuticos, não podemos superar a interpretação que os autores do Novo Testamento fizeram do povo do Antigo Testamento. Ou seja, se procuramos modelos, devemos começar no Novo Testamento e voltar ao Antigo Testamento para compreender os modelos encontrados no Novo. Porém, são os modelos do Novo Testamento que servem de paradigma para a igreja hoje. Logo na introdução, apresento um breve histórico do movimento em torno da igreja missional, destacando a contribuição de recentes estudos sociológicos e bíblicos para o assunto, que ainda não recebeu uma devida atenção. Depois, a partir da Carta aos Romanos, ilustro o que considero um processo hermenêutico missional. Tal processo começa com a análise do contexto social, passa à avaliação deste contexto por meio das grandes narrativas das Escrituras, redefine conceitos teológicos à luz do contexto atual e das narrativas bíblicas até que, finalmente, propõe novas estratégias de ministério para a igreja.

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Introdução

IGREJA MISSIONÁRIA OU IGREJA MISSIONAL?

A ETIMOLOGIA DAS DUAS PALAVRAS Começo com algumas observações gramaticais sobre os sufixos que diferenciam as duas palavras. Tanto “-al” como “-ário” tem origem no latim, embora o primeiro também venha do francês antigo. Ambos têm funções e significados bem parecidos. O primeiro é usado para formar adjetivos com a ideia de 1) “relacionado a” e “do tipo de” ou 2) “tendo a forma, o carácter ou a ação de”. Já o segundo aparece em adjetivos, substantivos pessoais ou substantivos denotando objetos com a ideia geral de “pertencente a, conectado a” e, às vezes, “contribuindo para” e “com o propósito de”. SEMÂNTICA E USO DAS DUAS PALAVRAS Neste caso, a palavra missional significa “relacionado à missão”, “do tipo da missão” ou “tendo o carácter ou a ação da missão” enquanto que missionário é “pertencente


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ou ligado à missão”, “contribuindo para a missão”. Assim, em termos estritamente semânticos as duas palavras possuem praticamente a mesma força e apontam para a mesma ideia, se não ideias muito parecidas. Logo, como ocorre em muitos outros casos linguísticos, é o uso dos termos que os distinguem. A literatura sobre a igreja missional usa essa palavra para se referir à identidade da igreja como instrumento de transformação do mundo, especialmente em seu círculo mais imediato. A mesma literatura usa a palavra missionário para se referir também à identidade da igreja como instrumento de Deus na transformação do mundo, mas em contextos mais distantes. A literatura mais popular sobre missões, mesmo que quase não use a nomenclatura missional, também usa missionário para se referir ao ministério mais distante, geográfica ou culturalmente. Como isso aconteceu? A LINHAGEM TEOLÓGICA DO TERMO MISSIONAL O debate em torno da palavra missional é relativamente linear, partindo do Karl Barth, na Europa continental, passando pelo bispo e missiólogo Lesslie Newbigin, no Reino Unido, e chegando aos professores Darrell Guder (Seminário Teológico de Princeton) e George Hunsberger (Seminário Teológico Ocidental). Os últimos dois tiveram acesso à questão especialmente por meio de Gospel and Our Culture Network in North America (Rede o Evangelho e Nossa Cultura na América do Norte). É notável observar que todos esses são teólogos reformados, e enfatizo ambos os qualificadores “teólogo” e “reformado”. Em uma avaliação recente dessa discussão, Craig Van Gelder e Dwight Zscheile1 fornecem uma lista mais ampla de autores e pessoas influentes, com suas mais diversas


Igreja missionária ou igreja missional?

igrejas e tradições. Entretanto, vejo essas quatro pessoas como os principais líderes sobre o assunto. É importante reparar que eles e a maioria das pessoas na lista maior são teólogos – motivo pelo qual o tom dominante da conversa é teológico. Tudo começa a mudar um pouco com as vozes mais recentes, as quais são mais conhecidas no Brasil, como Tim Keller, Ed Stetzer e Darrin Patrick.2 Falarei mais sobre isso depois. Por enquanto, quero mencionar contribuições e contribuintes do debate que são negligenciados ou subestimados. Essa diversidade de contribuições ao debate sobre a igreja missional, maior do que o reconhecido, contribui para a confusão em torno dos diversos usos do termo “missional” hoje em dia. A primeira contribuição que menciono é o Movimento de Crescimento de Igreja que Gelder e Zsceile apontam. Contudo, suspeito que a importância deste movimento, com todas as suas controvérsias e, talvez, por causa delas, tenha sido subestimado.3 A perspectiva geral desse movimento foi principalmente pragmática em vez de teológica (com exceção dos trabalhos de Arthur Glasser, Charles Van Engen e Wilbert Shenk) e, especialmente nas décadas de 60 a 90, ele aplicou princípios missiológicos até então exclusivos do ministério estrangeiro e transcultural à vida, ao bem-estar e ao desenvolvimento de igrejas locais. Em outras palavras, missão passou a ser compreendida e exposta, cada vez mais, como característica da própria natureza da igreja, o princípio central do conceito de igreja missional. De modo semelhante, o movimento de igreja em células a partir dos anos 1970 contribuiu,4 mesmo que indiretamente, ao movimento da igreja missional. A sua liderança é variada. Além da influência de Ralph Neighbour na América do Norte, citamos as mega-igrejas da Coréia do Sul, que

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O QUE É IGREJA MISSIONAL

atribuem uma porção significativa do seu crescimento ao dinamismo e multiplicação de grupos pequenos. No Brasil o movimento se expressa por meio do Movimento de Igrejas em Células sob a liderança de Roberto Lay. Por meio desse movimento, a liderança da igreja foi radicalmente redefinida para incluir cada membro, e o discipulado passa a ser enfatizado como um elemento essencial da vida cristã e da organização institucional da igreja, características também centrais de uma igreja missional. Preciso mencionar também o impacto do filósofo, sociólogo e teólogo leigo francês Jacque Ellul. Seus 58 livros e suas múltiplas publicações durante mais que 50 anos (começando na década de 40) enfatizavam o impacto da tecnologia e de outras tendências na sociedade ocidental para a compreensão da fé cristã e da vida da igreja.5 As suas três fontes principais de inspiração foram Karl Marx, Søren Kierkegaard e Karl Barth. Como precursor do diálogo sobre a igreja missional, Ellul contribuiu para uma compreensão do testemunho público da igreja como elemento essencial da natureza e vocação da igreja – de novo, características centrais da igreja missional. Tendo dito isto, espero ilustrar tanto os pontos fortes quanto os fracos dos debates atuais sobre igreja missional. A literatura inicial (décadas de 1980 e 1990), do Gospel and Our Culture Network, reconhece sua dívida à influência teológica de Karl Barth e Lesslie Newbigin. As outras vozes mencionadas tendem a ter como seu ponto de partida o atual contexto social. Essas perspectivas não se excluem, pois dos dois lados há amplo reconhecimento que tanto a teologia quanto a avaliação social são ingredientes essenciais para o diálogo sobre igreja missional. A diferença é mais de ênfase e de ponto de partida. Na América Latina, teólogos


Igreja missionária ou igreja missional?

enfatizam, já há bastante tempo, a necessidade de uma avaliação social dos contextos locais, nacionais e globais. É o caso dos bem conhecidos teólogos de libertação e dos defensores evangélicos de uma teologia e um engajamento missionário integrais. Tais vozes influenciam diretamente a compreensão e prática de muitos pastores e líderes de igrejas locais. A minha própria perspectiva é a seguinte: Se a missão de Deus e de seu povo é a mãe da teologia6 – afirmação de amplo consenso entre os missiólogos –, as preocupações contextuais ou sociológicas (como a circuncisão no Novo Testamento) devem vir antes, mas não acima, da teologia. A teologia que surge das Escrituras originalmente era uma reflexão nova nas Escrituras (hermenêutica bíblica) à luz do contexto atual. Portanto, a sequência cronológica mais apropriada da avaliação missional é: primeiro, a análise social; segundo, a reflexão bíblica; terceiro, a teologia. Só que boa parte da conversa missional atual inverte essa ordem, apelando predominantemente à teologia, com pouca ou nenhuma reflexão sociológica. A ordem é essencial. Claro que em última análise a teologia deverá ter a palavra final, mas seu papel principal é responder às questões antes levantadas pela análise social e filtradas pela sua interação com as Escrituras. A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA E DA TEOLOGIA BÍBLICA Pode parecer muita ousadia sugerir que o pensamento missional deveria começar com o exame do contexto social em vez da teologia. Faço uma ressalva importante: o lugar principal no processo ainda pertence à teologia. Estou apenas sugerindo que ela não é de onde devemos começar. Para ilustrar, vamos considerar dois exemplos, um contemporâneo e outro dos escritos do apóstolo Paulo.

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