Revista Cristianismo Hoje 52

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S. ESCOBAR: UMA IGREJA FIEL VIVE O EVANGELHO SOLIDÁRIO R. PADILLA: INDIVIDUALISMO DO CRISTÃO EXCLUI A VONTADE DE DEUS J. HOUSTON: O CRISTIANISMO PRECISA DESISTITUCIONALIZAR A FÉ V. FIGUEREDO: O QUE SIGNIFICA FELICIDADE INTERNA BRUTA? EDIÇÃO 52 / ANO 9

R$ 12,90

Deputados evangélicos votaram em nome de Deus?

ISSN 1982-3614

Edição 52 - Ano 9 - 2016 CRISTIANISMOHOJE.COM.BR

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Cristãos devem obedecer às autoridades quando elas desrespeitam a Lei de Deus?

Pesquisadora fala da relação entre o tráfico e a igreja nas favelas


Capa

O Evangelho todo, para todo homem, para o homem todo Movimento da missão integral desperta ações da Igreja e se fortalece no país diante do agravamento da crise econômica e social 34

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REPRODUÇÃO

Detalhe da obra Parable of the good Samaritan, obra feita em 1670 por Jan Wijnants: segundo Cristo, fazer a vontade de Deus é alcançar o necessitado


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ense um pouco sobre o que Jesus Cristo fez há dois mil anos, enquanto exercia o ministério que seria consumado na cruz. Foram cerca de três anos de andanças pela região da Galileia e da Judeia; um período de intensa atividade, no qual o Messias falou do Reino de Deus que estava para vir. Sempre cercado por multidões, tanto na vida quanto na morte,

Cristo anunciou o Evangelho, a mensagem da salvação e da remissão dos pecados. Ele veio, portanto, para livrar o homem do pecado e conduzi-lo à vida eterna. Ao mesmo tempo, o Mestre curou doentes, alimentou multidões, restaurou a dignidade de pessoas abandonadas e disse, para quem quisesse ouvir, que o amor a Deus “sobre todas as coisas” deveria ser legitimado pelo amor ao próximo – “Ame-o como a si mesmo”, foi a instrução que deu a um fariseu que o interrogara sobre qual seria o supremo mandamento. Marcos Simas e Carlos Fernandes

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A resposta categórica, considerada o supremo mandamento do Cristianismo, encerra uma regra que tem sido praticada, ao longo da história, por crentes que entendem que a mensagem da fé só pode ser recebida e aceita, em sua plenitude, se for acompanhada de ações efetivas em favor de seus destinatários. Foi exatamente isso que fizeram os primeiros convertidos, que, segundo Atos 2, atendiam às necessidades materiais uns dos outros enquanto compartilhavam a fé em Cristo. Estabelecida a Igreja, os apóstolos se encarregaram de enviar ofertas e socorro material aos mais carentes que receberam a Palavra de Deus. Aqueles primitivos missionários, como Pedro, Paulo e Barnabé, cedo chegaram à conclusão de que era um erro salvar apenas as almas, negligenciando os corpos daqueles a quem evangelizavam – e um deles, Tiago, foi além, ao afirmar que a fé, sem obras, é morta. Foi somente muitos séculos mais tarde – para ser mais preciso, em meados dos anos 1960 – que esse princípio básico do Evangelho, conhecido e praticado ao longo dos tempos por igrejas, comunidades e grupos cristãos, ganhou um novo nome, pelo qual passaria a ser conhecido: missão integral. Surgida aqui mesmo na América Latina, nos anos 1960, a missão integral – concepção cristã segundo a qual a pregação do Evangelho deve se fazer acompanhar de ações que atendam o ser humano na integralidade de suas necessidades físicas e sociais,

O diretor João Diniz, com crianças atendidas pela Visão Mundial: “O Reino de Deus sobre tudo e sobre todos”

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“INTEGRALIDADE DAS ESCRITURAS”

Encontro de comunidades eclesiais de base em Juazeiro (CE): visão marxista da fé influenciou catolicismo nos anos 1970

além das espirituais – ganhou projeção global no Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, na Suíça, em 1974. Organizado pelo Ministério Billy Graham com amplo apoio de amplos setores do movimento evangelical, o encontro atraiu mais de 2,7 mil líderes, representando cerca de 150 países, inclusive o Brasil, e se transformaria em um marco para a posteridade. O evento promoveu uma interessantíssima fusão de ideias entre o Norte cristão, representado pelos americanos e europeus, e o pensamento do Sul, a partir das reflexões de teólogos latinoamericanos como René Padilla e Samuel Escobar (ver entrevistas nesta reportagem). Seu legado principal foi a elaboração do Pacto de Lausanne, documento que entraria para a história da Igreja e serviria como base de princípios e ações para cristãos de todo o mundo, a ponto de ser considerado, no dizer do falecido bispo anglicano Robinson Cavalcanti, um dos três mais importantes documentos confessionais do Cristianismo, ao lado do Credo niceno e da Confissão de Westminster. “O Congresso de Lausanne foi um evento de evangélicos, descolados dos fundamentalistas e em discordância com os liberais, procurando responder aos desafios seculares da conjuntura, e, em unidade, reafirmar o imperativo missionário da Igreja”, dizia o líder anglicano. A partir dali, a noção do que era ser evangélico já não significava, apenas, estar ligado a esta ou aquela organização religiosa e seguir seus princípios doutrinários. A vida cristã passaria a ser vista como questão de compromisso com o Reino de Deus – uma realidade cuja dimensão espiritual é tão essencial quanto e expressão material.

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Em uma época conhecida como a Guerra Fria, de polarização entre capitalistas, cuja maior expressão eram os Estados Unidos, e comunistas – agregados ao então bloco soviético –, muitas correntes religiosas incorporaram ao seu discurso ideias progressistas, como a da transformação social e a do combate à opressão do pobre. A ação efetiva da Igreja na realidade das pessoas passou a ser considerada prática necessária, rechaçando-se o mero salvacionismo. Entre os católicos, floresceram a teologia da libertação e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), propondo uma leitura da fé cristã à luz do marxismo, que encontrou solo fértil em toda a América Latina. Prontamente combatida pelo Vaticano – o que levou à excomunhão de um de seus expoentes, o teólogo brasileiro Leonardo Boff –, a concepção logo se tornaria marginal. Já entre os protestantes, a ênfase era outra. O marxismo não era visto como uma chave hermenêutica: “A base da teologia da missão integral é exatamente um retorno à simples pregação do Evangelho de Cristo como maneira divina de salvação integral”, define o sociólogo Clemir Fernandes. “Ela não tem um pensamento progressista e social; antes, o Evangelho de Cristo - especificamente o que vemos nos quatro evangelistas e, sumamente, no sermão do monte – é que é eminentemente transformador de pessoas, contextos e culturas”. Clemir é um pesquisador experiente do segmento evangélico, integrante do Instituto de Estudos da Religião e do Grupo Gestor da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas). Ele lembra a revolução pessoal, social e cultural que as igrejas fizeram no contexto do Império Romano dos primeiros séculos e em diversos outros momentos e contextos da história ocidental. “A missão integral é exatamente um retorno à integralidade das Escrituras, especialmente do Evangelho de Cristo como poder de Deus para transformação do ser humano e de seu contexto.” “Tanto a teologia da libertação como a missão integral tiveram o importante papel de apontar a opção pelos pobres ou assumir causas sociais em nome da fé como um caminho movido pelo Espírito”, destaca Jung Mo Sung, sul-coreano radicado no Brasil e professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Teólogo liberal, o sul-coreano radicado no Brasil é autor de livros como Teologia e economia: Repensando a teologia da libertação e utopias (Fonte Editorial) e Deus numa economia sem coração (Paulinas) e doutor em Ciências da Religião. “Não é papel ou missão da teologia promover revoluções; antes, refletir criticamente a experiência de viver a fé cristã e o seguimento de Jesus no mundo concreto de hoje. Neste sentido, tem a missão de indicar quais são os caminhos e acontecimentos em que podemos perceber a ação de Deus no mundo.” O estudioso aproveita para dirimir uma questão que, ocasionalmente, tem sido lançada por analistas e


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“Presença cristã”

O O pastor batista Samuel Escobar: “Testemunho e presença cristã no mundo”

peruano Samuel Escobar, 78 anos, é um dos mais conhecidos e respeitados missiólogos latino-americanos. Figura de proa no Congresso Internacional de Evangelização realizado em Lausanne, na Suíça, em 1974, ele é considerado um dos pais do movimento da missão integral. Seus livros, como Desafios da Igreja na América Latina (Editora Ultimato), têm influenciado gerações de pensadores cristãos. Foi um dos fundadores da Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL) e liderou a Aliança Bíblica Universitária no Canadá, além de presidir as Sociedades Bíblicas Unidas. Pastor batista, formado em Pedagogia e doutor em Filosofia da Educação, Escobar leciona no Seminário Teológico da União Evangélica Batista Espanhola, em Madri, na Espanha, onde vive. De lá, atendeu a reportagem de CRISTIANISMO HOJE:

CRISTIANISMO HOJE – O senhor foi um dos protagonistas da origem do movimento da missão integral. Pode fazer uma análise dela no contexto latino-americano, em perspectiva histórica? SAMUEL ESCOBAR – A consciência de que o testemunho do crente no mundo inclui não só uma mensagem, mas também uma presença, tem crescido entre os evangélicos na América Latina. Isso levou ao crescimento das organizações de serviço e uma variedade de igrejas incorporaram a responsabilidade social à sua agenda. Desde o Congresso Latino-americano de Evangelização (Clade I), realizado em Bogotá, na Colômbia, em 1969, os evangélicos latinoamericanos participaram na reflexão teológica sobre a evangelização integral. Nossa contribuição foi incorporada no Pacto de Lausanne, especialmente nos pontos 5, 6 e 10. Até hoje, muitos evangélicos latinoamericanos têm acompanhado o Movimento Lausanne em todo o mundo.

Recentemente, o movimento Missão na Íntegra, integrado por líderes como os pastores Ariovaldo Ramos, Carlos Queiroz e outros expoentes da Igreja Evangélica brasileira, publicou um manifesto que tem sido criticado por, supostamente, conter elementos político-partidários a favor do atual governo brasileiro, de matriz socialista. Eu sei desse episódio e tenho muito respeito pelos líderes mencionados na pergunta. E acho que eles devem ter seus motivos para falar o que falam. Comentar a realidade política é sempre motivo de diferenças e críticas, mas isso deve ser feito com integridade pastoral e através da fidelidade à Palavra de Deus. Algumas pessoas não sabem o que fazer com a mensagem social dos profetas de Israel; são pessoas que prefeririam não ter, em suas bíblias, livros como os do profeta Amós ou o de Tiago. No evangelho de Lucas 20.45-47, vemos uma denúncia pública de Jesus contra a injustiça das elites religiosas.

Como o senhor se define, ideologicamente?

Diante do panorama ideológico e social do mundo de hoje, que futuro o senhor prevê para a missão integral?

Embora eu não milite em nenhum partido político, a esquerda não me assusta. Algumas pessoas usam o termo “esquerda” para qualquer crítica social – e, no caso dos conservadores, tal classificação é usada no sentido de desqualificar pessoas com as quais não concordam. Encontro, no programa de movimentos classificados como "de esquerda", preocupações e sensibilidades que estão mais de acordo com o ensino bíblico sobre uma sociedade justa do que os que se dizem “de direita”. Reconheço, porém, que, às vezes, esses movimentos fracassam, vencidos pela ineficiência ou pela corrupção.

Para enfrentar os desafios do presente e do futuro, só temos a Palavra de Deus e a iluminação do Espírito Santo. Se a Igreja for fiel à sua missão, esta só pode ser a missão integral. Aqui na Espanha, as igrejas evangélicas têm respondido ao desafio da imigração e da pobreza com projetos que são claramente ligados à ideia de missão integral – e o fazem na prática, sem entrar em grandes debates. Esta é uma missão que inclui uma presença cristã amorosa e sensivelmente solidária no mundo, transformando-o pela proclamação clara e vigorosa do Evangelho.

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pensadores sobre o movimento – o de que se a missão integral pode ou não ser considerada uma teologia. “É claro que sim. Ela é uma teologia no sentido de que existe e é reconhecida nas comunidades e no âmbito teológico”, continua Sung. Outra questão, pondera, é como anda essa teologia em termos teóricos. Orientador de diversos pesquisadores que fizeram dissertações e teses sobre a teologia da missão integral, o professor entende que ela tem se ocupado quase que exclusivamente com o tema da missão, sem produzir reflexões teológicas suficientes sobre outras abordagens – “Como, por exemplo, cristologia, tratado de Deus, pneumatologia” – a partir da perspectiva da missão integral. “Sem isso”, reflete, “é difícil formar novas gerações de teólogos na perspectiva da missão integral”. Sung é taxativo ao afirmar que a missão não pode ser considerada apenas um apêndice da teologia ou algo independente: “Missão é, ou deveria ser, o eixo articulador do sistema teológico”. Para ele, é chegado um novo momento. “A teologia da missão integral fez uma importante contribuição ao mundo evangélico latinoamericano, propondo uma revisão da noção de missão da Igreja. Agora, é preciso dar passos seguintes e repensar outros tratados teológicos a partir dessa noção de missão integral.”

BRAÇOS OPERANTES Independentemente desse eventual desdobramento, já se pode dizer que a teologia da missão integral tem história no país e está diretamente envolvida no desenvolvimento da Igreja brasileira. Foi ela que baseou, nos anos 1970 e 80, uma verdadeira virada de mesa na prática evangélica no país. Na época, diversos grupos cristãos saíram do gueto e resolveram avançar sobre “o mundo” não apenas com a Bíblia na mão, mas também com pão, medicamentos e cadernos escolares para gente que carecia tanto de bênçãos espirituais quanto de socorro material e amparo social. A Igreja ganhou braços operantes sobre realidades até então inexploradas por ela, como a Visão Nacional de Evangelização, a Vinde, surgida em 1978 com a exata proposta de colocar em prática os valores fundamentados no Pacto de Lausanne. Outras entidades, como a Visão Mundial, a Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL) e a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), tiveram papel essencial no fomento de uma teologia com preocupações que iam bem além da metafísica – mais que necessárias e urgentes em um país pobre como o Brasil, onde os evangélicos praticamente se escondiam em seus templos. A partir do trabalho de vários teólogos e das organizações paraeclesiásticas, a coisa começou a tomar forma.

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Eventos como o Geração 79 e o I Congresso Brasileiro de Evangelização, realizado em 1983 sob o patrocínio da Visão Mundial (ver quadro), já foram organizados sob os auspícios daquela maneira engajada de se pensar a fé e a práxis da Igreja. A manifestação integral do Evangelho gerou livros, eventos e, sobretudo, ação. Projetos sociais ousados, como a Fábrica de Esperança – imenso empreendimento que levava educação, cultura, formação profissional e cidadania a dezenas de milhares de moradores de favelas cariocas –, mantida pela Vinde, ganharam corpo. “Apoiamos muitos eventos e publicações, contribuindo para que a Igreja pudesse compreender e afirmar seu compromisso com os fundamentos da missão integral”, diz o diretor executivo da Visão Mundial no Brasil, João Diniz. “A World Vision International esteve em Lausanne como uma das organizadoras do evento. Portanto, essa trajetória se confunde com a caminhada da Visão Mundial em favor da vida em plenitude para as crianças, especialmente na América Latina”. Presente em 90 países, a entidade beneficia, só aqui no Brasil, mais de 700 mil pessoas por ano, através de 35 programas de desenvolvimento. O foco principal é a infância e a adolescência, através de um sistema de apadrinhamento pelo qual, com uma mensalidade média de 50 reais, é possível manter, alimentar e educar uma criança. “Por ser um movimento vivo, a missão integral dialoga com outras vertentes teológicas presentes na Igreja, assim como com as variadas linhas de pensamento ideológico presentes na sociedade”, acrescenta o diretor. “O mais importante é que ela utiliza as bases bíblicas, ampliando a compreenssão da missiologia da Igreja. Além da proclamação do Evangelho, queremos que o Reino de Deus governe sobre tudo e sobre todos, aqui e agora.” “Essa reflexão gerou e tem gerado ações concretas por meio das igrejas, organizações não governamentais e movimentos sociais”, completa o presidente do Setor Brasil da FTL, David Mesquiati. Desde 1970, ano de sua fundação, a FTL-Brasil contou com a participação de brasileiros que já atuaram na coordenação geral do órgão internacional e que contribuíram na fundação de dezenas de núcleos no território nacional. Mesquiati deixa claro que a entidade pauta sua reflexão teológica em torno do Evangelho e de seu significado para o ser humano e seu contexto na América Latina. “Nosso papel é ser uma plataforma crítica, reflexiva, formadora, apaixonada pelo agir de Deus, engajada no mundo e esperançosa por ver sua transformação.” Ele cita como exemplo dessa transição a denominação da qual é pastor. “A Assembleia de Deus é a cara do Brasil, especialmente do Brasil evangélico. Que denominação não praticou um evangelismo salvacionista? Todas o fizeram”, salienta. Isso em nada impede, por outro


O histórico Congresso Internacional de Evangelização Mundial de 1974: Pacto de Lausanne é um legado para a cristandade

de templos pelo Brasil, isso foi estudado largamente. Uma práxis refletida é muito mais eficaz e duradoura. Nesse aspecto, os princípios da missão integral caem como luvas nesse novo momento.”

SEMENTE PLANTADA ARQUIVO

lado, a ação efetiva de seus membros nas comunidades onde estão inseridos. “Nas igrejas pentecostais, as coisas fervilham lá na ponta, com muita iniciativa própria e improvisação”. Sobre a consciência da responsabilidade social e política, Mesquiati diz que ela veio crescendo nos últimos anos, em parte percebida pelas próprias comunidades, ao lerem seu entorno; e em parte como fruto da reflexão bíblica mais engajada. “Há poucos anos, a Casa Publicadora das Assembleias de Deus publicou uma revista para escola bíblica dominical com o tema missão integral”, exemplifica. “Durante 13 domingos, nos nossos milhares

Em seu trabalho A missão da Igreja – Uma perspectiva latinoamericana, o professor Alderi Souza de Matos destaca a importância do movimento desencadeado a partir das ações de líderes como Padilla e Escobar. “Em um período conturbado da história recente da América Latina, Samuel Escobar e seus companheiros da Fraternidade Teológica Latinoamericana fizeram um esforço sério na tentativa de apresentar uma alternativa que fosse bíblica, evangélica e igualmente radical em suas interpretações”. Alderi, que é mestre em Novo Testamento e doutor em História da Igreja – disciplina que leciona no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, em São Paulo –, salienta que foi demonstrado que

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á um desejo no coração humano de confirmar a justiça que, por um lado, distribui o lucro que emana do trabalho e, por outro, cai nas mãos dos donos das fábricas, terras e outras fontes de riqueza. Karl Marx foi taxativo ao dizer que o trabalhador deve receber o retorno do seu trabalho integralmente. Para ele, riqueza sempre surge do sacrifício do trabalhador, e não do investidor que constrói a fábrica em que o trabalhador trabalha. Acontece que, historicamente, a opulência dos países mais ricos têm se acumulado pelos investimentos. Ao mesmo tempo, observamos que as políticas esquerdistas, inevitavelmente, tornam as nações que as adotam mais pobres. Em seu livro A pobreza das nações, o teólogo Wayne Grudem [entrevistado na última edição de CRISTIANISMO HOJE] nos dá muita informação sobre essa dicotomia entre esquerda e direita. O Cristianismo bíblico não nos fornece um padrão de governo. Mas, diante da realidade de que o coração do homem natural é corrupto e que, por isso, ele tende a usar o poder para alcançar seus próprios benefícios – e não os de todos –, é melhor ter um sistema que restrinja o poder dos governantes. Numa democracia, todo individuo tem seu voto, que pesa muito pouco entre de milhões de outros eleitores. Por outro lado, as igrejas e denominações unem seus votos, de modo que podem influenciar a escolha dos governantes. Muitos grupos cristãos acham que o que o país precisa é da influência dos evangélicos para melhorar o bem estar da população. Eles creem que, desse modo, a Igreja pode influenciar o poder público a conceder benefícios aos que mais precisam deles. Ao lado disso, a Igreja também faz sua parte, especialmente nos caso de boas obras em favor dos pobres e marginalizados, e também através de outras contribuições dos evangélicos, como a implantação de escolas, creches, hospitais, programas sociais e de distribuição de alimentos etc. No entanto, é preciso encarar o Evangelho social, como ficou conhecido na América nas primeiras décadas do século 20, com a devida cautela. Na época, essa abordagem desviou a atenção das denominações históricas da pregação do Evangelho para procurar melhorar a vida dos necessitados. O resultado foi a redução do interesse em missões e na propagação da mensagem salvadora. Acredito que a Bíblia comunica a verdade sobre o futuro. Nesse caso, é muito mais importante levar o perdido para Cristo do que tentar melhorar sua vida na terra. Ações amorosas são muito úteis na comunicação do Evangelho – mas não devemos perder o foco.

Russell Shedd é missionário, doutor em teologia com pós-doutorado em Novo Testamento, escritor e conferencista

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as igrejas podem permanecer fiéis às suas convicções históricas e, ao mesmo tempo, adotar uma postura “ousada e coerente em relação aos problemas sociais”. O pastor presbiteriano considera que o conceito, em si, é importante e necessário, se for praticado a partir de um compromisso com a fé bíblica, e não com ideologias políticas. “A prioridade na missão da Igreja está contida na Grande Comissão. Em um segundo momento, e sempre subsidiariamente a ela, o imperativo do amor ao próximo deve levar os cristãos a assistir o seu semelhante em todas as suas necessidades”. Porém, com um cuidado: o de não se envolver com um ativismo febril nessa área, deixando de lado a sua prioridade maior. “Entendo que os cristãos devem ter uma atuação social, um compromisso com os sofredores, mas não simplesmente com ações pontuais, como que para um desencargo de consciência; porém, se mobilizando para pressionar o poder público a adotar políticas agressivas na luta contra a desigualdade e a exclusão.” Lembrando que o Cristo do Novo Testamento interessa-se por todas as necessidades humanas – espirituais, físicas e emocionais –, Alderi defende que a Igreja não deve ser reduzida a uma organização social ou a um grupo de pressão política. “Ela é uma instituição singular, com uma contribuição e uma mensagem singular. Essa mensagem, se vivida até às suas últimas consequências, necessariamente fará com que a Igreja enfrente as diferentes situações que afetam a vida humana neste mundo caído.” A aceitação abrangente de que, no Evangelho, a justificação e a justiça são dois lados do mesmo propósito divino – da mesma forma que o amor ao Senhor e ao próximo são dois aspectos da mesma missão do povo de Deus – consubstanciou-se em uma sequência de consultas, no Brasil e no exterior, durante as décadas seguintes. Os encontros de Lausanne em Manila, nas Filipinas (1989) e na Cidade do Cabo, na África do Sul, em 2010, apontaram para

Para Clemir Fernandes, missão integral é um retorno ás Sagradas Escrituras

ARQUIVO PESSOAL

Sem perder o foco


um dos integrantes do ministério Missão na Íntegra, juntamente com outros líderes. “Decidimos falar pelo Brasil afora sobre a missão integral. A grande benção é que muitas pessoas e igrejas já a praticam; outras têm sido desafiadas e despertadas. Uma semente foi plantada e, por si, o movimento tem encontrado raízes e espaços em vários lugares.”

Reflexão teológica tem gerado ações concretas por meio das igrejas, organizações não governamentais e movimentos sociais, diz David Mesquiati

ALEX FAJARDO

novas abordagens, agora adaptadas ao contexto da globalização e das realidades contemporâneas da Igreja. Aqui no Brasil, o movimento ganhou alento através de iniciativas como o Congresso Nordestino de Evangelização, realizado em 1988, e a segunda edição do Congresso Brasileiro de Evangelização (CBE II), em 2003, sob o tema "Proclamar o Reino de Deus vivendo o Evangelho de Cristo”, na mesma Belo Horizonte que sediara a primeira edição. Em todas essas ocasiões, o missionário e pastor Carlos Queiroz, da Igreja de Cristo em Fortaleza (CE), esteve presente. “Quando escrevi o livro Eles herdarão a terra, procurei oferecer para as comunidades engajadas na evangelização e missão sociopolítica alguns elementos básicos sobre o compromisso do povo de Deus com os empobrecidos e injustiçado, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento”, conta. Queiroz já dirigiu a Visão Mundial no Brasil e em Angola e a ONG Diaconia, que há quase 50 anos desenvolve projetos de sustentabilidade, geração de renda e combate à miséria no Nordeste e no Semiárido brasileiro, beneficiando milhares de pessoas. “Durante a minha prática pastoral, tenho procurado, junto às igrejas de que participo, realizar evangelização, implantar novas igrejas e praticar obras de misericórdia e justiça, principalmente em comunidades empobrecidas e injustiçadas”. Hoje, Queiroz é

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DIVULGAÇÃO / EBC

O professor Jung Mo Sung destaca o importante papel da missão integral na história recente da Igreja no Brasil

Queiroz foi um dos signatários do que foi chamado Manifesto evangélico, documento elaborado pelo ministério Missão na Íntegra e divulgado no fim de março que causou polêmica por ter sido considerado, em alguns setores, como uma espécie de apoio ao governo da presidente Dilma Rousseff, então em colapso e às vésperas da votação de seu impeachment na Câmara dos Deputados. “Ouvi de tudo: De um lado, disseram que poderia ser mais radical. Para outros, o manifesto defendia corruptos”, lamenta Queiroz. O documento incendiou os debates nas redes sociais e provocou estremecimento entre pastores e gente ligada ao ministério Missão na Íntegra. “Para que tivesse legitimidade entre os evangélicos, o manifesto deveria condenar toda a conduta imoral do atual governo, dissertar contra o emparelhamento do Estado com o partido da presidente e falar a verdade – e não, manipular os cristãos com uma retórica eufemística para dizer que o processo de impeachment é antidemocrático ou leviano”, critica o pastor Thiago Oliveira, da Igreja Evangélica Livre em Itapuama (PE), que tem graduação em História e especialização em Ciência Política. Thiago não tem dúvidas quanto à natureza do documento. “Tanto, que foi lido num evento realizado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, com direito a cobertura e matéria divulgada no site do próprio PT.” Ariovaldo Ramos, um dos integrantes de Missão na Íntegra e teólogo conhecido e respeitado em todo o país por sua postura ética e décadas de atuação em causas sociais, rejeita qualquer natureza partidária no texto. “Perguntam-me se sou filiado a algum partido. Não. Se recebo alguma coisa para dizer o que digo acerca do respeito e manutenção do Estado democrático de Direito. Não”, garantiu, em sua rede social. O pastor esclarece que defende a democracia por convicção pessoal e que não

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tem interesses outros a nortear suas ações. Ariovaldo sustenta que a teologia da missão integral dialoga com o marxismo assim como dialoga com A riqueza das nações, de Adam Smith, e com o capitalismo. “Estamos tentando responder à grande pergunta humana, que é qual é o sentido da vida, para o que é que nós existimos, de onde viemos, para onde vamos e como devemos viver. Então, nós dialogamos com todo mundo, inclusive com outras confissões de fé”. O pastor lembra que um dos referenciais dessa teologia é a recuperação da noção do Reino de Deus e sua justiça. “O Reino do Senhor é um outro sistema, que se opõe aos sistemas vigentes e vem para substituí-los, erradicá-los. Isso aparece no profeta Daniel que, quando responde ao sonho de Nabucodonosor, fala sobre a pedra que é lançada por mãos não humanas contra a estátua – e a estátua, no sonho de Nabucodonosor, sintetiza todas as tentativas de resolver o problema humano sem considerar a hipótese de Deus ou sem considerar sua revelação”.

“VIVER, LUTAR E FAZER JUSTIÇA” Ativista social com larga experiência, o pastor Antonio Carlos Costa coordena o movimento Rio de Paz, que defende a cidadania e os direitos humanos. A organização é conhecida pelos criativos protestos que realiza, que alcançam grande repercussão na mídia. Durante as investigações sobre o desaparecimento e assassinato do pedreiro Amarildo da Silva – morto por policiais em 2013 –, o Rio de Paz espalhou cruzes nas areias da praia de Copacabana. Na época da Copa do Mundo de 2014, o grupo cobrou “escolas e hospitais no padrão Fifa”. “No meu caso especifico, cheguei à missão integral através do calvinismo, especialmente pelo trabalho do grande sistematizador do pensamento protestante relativo a ela, que foi o teólogo britânico John Stott”, conta. Para Costa, essa teologia deve ser defendida por todos os cristãos, uma vez que é a resposta que o Evangelho dá ao cenário de desgraça, miséria e violação dos direitos humanos que se vê no Brasil e na América Latina. “Como desvincular a evangelização das estruturas de injustiça presentes em nosso continente? E como divorciar a evangelização do seu fruto maior, que é o amor misericordioso que nos leva a cuidar do oprimido?” No entender da deã acadêmica da Escola de Missões do Centro Evangélico de Missões de Viçosa (MG), Neiva Marize Cruvinel Garcia, a importância de a Igreja implementar essa abordagem em suas ações se torna vital para o desenvolvimento de seu chamado de ser luz e verdade transformadora para o mundo global carente da compaixão salvadora: “Ainda mais nesse atual contexto brasileiro de crise ética, política, econômica e social”. Entre os anos 1970 e 80, a professora liderou o ministério Mocidade para Cristo em Goiânia (GO). “Falávamos muito, na época, da


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Estopim missionário

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O pastor Yuasa, palestrante do CBE I, destaca o legado do evento: “Foi uma primavera para a Igreja brasileira”

cidade de Belo Horizonte (MG) está na história do movimento da missão integral no Brasil. Foi ali, entre 31 de outubro e 5 de novembro de 1983, com apoio da Visão Mundial, Aliança Bíblica Universitária do Brasil e Visão Nacional de Evangelização, além de diversas igrejas e outras organizações cristãs, que cerca de 4 mil líderes evangélicos, pastores e dirigentes de igrejas participaram do primeiro Congresso Brasileiro de Evangelização (CBE I), evento que repercutiu, em território nacional, os efeitos e influências do Pacto de Lausanne. Sob o tema Para que o Brasil e o mundo ouçam a voz de Deus, o evento foi o brado de uma Igreja que percebia seu papel como potencial celeiro missionário

do mundo da época. “CBE I foi um evento profundamente marcado pela presença e ação do Espírito de Deus”, lembra o pastor luterano Valdir Steuernagel, um de seus palestrantes. O encontro aconteceu sob a inspiração de Lausanne e do Congresso Latino-Americano de Evangelização de 1979, em Lima, no Peru. A ideia de uma mensagem e um testemunho cristão que promovessem a transformação da sociedade entusiasmou os participantes do CBE I. “O meu sentimento sobre o congresso de 1983 foi que nós experimentamos uma primavera. A Igreja Evangélica tinha dons maravilhosos e pessoas cooperando umas com as outras. Uma visão inspiradora para o ensino e a prática da missão”, comenta o pastor Key Yuasa, líder da Igreja Evangélica Holiness, sediada em São Paulo.

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Valores do Reino

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s muitos títulos acadêmicos não fizeram de Carlos René Padilla um pensador de gabinete. Ele se define como um missionário do Reino de Deus, sem muitas preocupações em “fazer teologia” – embora seja mestre na matéria pelo Wheaton College (EUA) e doutor em Novo Testamento pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, além de graduado em Filosofia. Seus livros sobre a missão integral – como O que é missão integral, lançado no Brasil pela Ultimato – ajudaram a fomentar um entendimento mais correto sobre o movimento. Após diversos cargos e atividades em instituições teológicas e missionárias de todo o mundo, Padilla hoje vive em Buenos Aires, na Argentina, e preside a Rede Miqueias, comunidade global de cristãos que inclui organizações e pessoas comprometidas com aquela causa. Ele falou com exclusividade à revista:

René Padilla diz que objetivo da missão integral é proporcionar a todos os seres humanos uma “experiência de abundância”

CRISTIANISMO HOJE – Muitos teólogos e líderes criticam a missão integral sob a justificativa de que não se trata, exatamente, de uma teologia na acepção da palavra. Como o senhor a definiria? RENÉ PADILLA – O movimento da missão integral surgiu na década de 1960, como resultado de uma leitura séria das Sagradas Escrituras, em busca de fidelidade ao Evangelho e à prática da missão cristã. A intenção não era “fazer teologia” como tal, mas incentivar o testemunho cristão, especialmente em universidades da América Latina. Ao longo do tempo, o movimento se espalhou para igrejas que reconheceram a importância de que a evangelização não seja reduzida à proclamação oral do Evangelho, mas também inclua um estilo de vida pessoal e comunitário que esteja em conformidade com os valores do Reino de Deus e a prática de boas obras, através das quais se manifesta o motivo pelo qual os cristãos são chamados a brilhar como luz do mundo. Minha maior preocupação não é fazer teologia, mas que aqueles que confessam a Jesus Cristo como Senhor e Rei – a começar por mim – continuem fiéis ao propósito de proporcionar a todos os seres humanos, pelos quais ele viveu, morreu, ressuscitou, subiu aos céus e voltará novamente, uma experiência de abundância.

Outra crítica que se faz ao movimento se deve às suas ligações com a ideologia de esquerda. Nesta ótica, a vinculação da missão integral com os movimentos sociais que buscam a justiça através da revolução e da luta social seria equivocada, já que a pregação do Evangelho de Cristo, por si só, seria suficiente para libertar completamente o ser humano. É uma abordagem razoável? Infelizmente, muitas das críticas mostram que seus autores não estão familiarizados com a

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nossa posição bíblica e teológica. De outra forma, não diriam o que dizem. Pessoalmente, contra essas críticas, adoto a atitude do apóstolo Paulo, que dizia que quem o julgava era o Senhor. Eu não estou preocupado, porque acredito que Deus é justo e ama a justiça – e a justiça não pode ser rotulada de ser esquerdista ou liberal. Além disso, preocupa-me que tantos evangélicos estejam em conformidade com um evangelho individualista, de “outro mundo”, que não esteja interessado em explorar as dimensões mais amplas do Reino de Deus, incluindo a social, a política, a econômica e a ecológica. Se Jesus Cristo é o Senhor de toda a criação e de todos os aspectos da vida humana, temos o direito de excluir tais dimensões da nossa vida cristã?

Que informações o senhor tem sobre a missão integral no Brasil? A missão integral está crescendo rapidamente em todo o mundo, e isso inclui o Brasil. Uma pequena amostra deste crescimento é a Rede Miqueias, um movimento que hoje inclui centenas de membros em todo o mundo e ainda está ativo para alcançar o seu objetivo: que todas as igrejas, ao redor do mundo, sejam fiéis a toda a mensagem bíblica e façam sua parte para que a vontade de Deus seja feita, assim na terra como no céu. Como cristãos, precisamos entender que os governos não existem para favorecer a concentração da riqueza da criação de Deus em poucas mãos, e sim, para garantir o bem comum em áreas como educação, saúde, habitação e trabalho. Eu não li o manifesto da Missão na Íntegra, mas estou feliz por saber que existem líderes do movimento evangélico no Brasil dispostos a tomar partido em favor de um governo que, apesar de todas as suas imperfeições, conseguiu produzir profundas mudanças econômicas nos últimos anos em favor dos mais pobres.


missão holística – palavra proveniente do inglês cujo significado é o mesmo de integral ou global –, ou seja, a missão ao homem todo”. Durante esse tempo, conta, suas inquietações levaram-na a questionar por que não se via na Igreja brasileira o que se vê nos relatos da vivência de Jesus com seus discípulos a favor dos necessitados. “Viajei o Brasil buscando respostas e para aprender com uns poucos que pareciam estar fazendo o que me parecia correto fazer”. De uma leitura mais cuidadosa dos evangelhos, Neiva começou a pedir a Deus por discernimento e que o Espírito Santo a ensinasse a ser uma líder como Jesus, vivendo a fé de maneira mais ousada, à semelhança dos discípulos do Mestre. “E assim, treinamos os novos convertidos nessa prática de ver, ser e fazer mais como o exemplo de Jesus” – o mesmo que, prossegue, olhou, viu, sentiu com todos os seus sentidos humanos e respondeu com compaixão divina ao homem todo, na sua complexa carência em todas as áreas existenciais. O pastor americano Timothy Carriker, mestre em Teologia e Missiologia e missionário com larga atuação evangelística e acadêmica no Brasil, considera que a ideia fundamental da missão integral é muito mais aceita hoje do que há 30 ou 40 anos. Seu livro Missão integral – Uma teologia bíblica, lançado pela Sepal em 1992, ajudou na compreensão dessa transição entre a implantação e o amadurecimento. “Vejo isso na denominação onde mais atuo, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Ela gastou mais que um ano de reflexão com a sua liderança nacional para produzir um documento de mais de 300 páginas recontando a sua ação missionária como igreja em termos da sua missão integral.” Carriker se diz “surpreendido” pelas vozes dissidentes à missão integral que se ouvem nos últimos anos e alguns dos seus argumentos, como a surrada tese de sua suposta vinculação ao marxismo. “Isso é tão absurdo que eu tenho tido muito dificuldade de levar a sério”, dispara. “Na minha compreensão, a expressão ‘missão integral’ é simplesmente um esforço para explicitar, ao longo das Escrituras, toda a missão que Deus incumbiu ao seu povo. Claro que isso pode coincidir com aspectos de outras ideologias e crenças – espíritas, católicas, marxistas e até mesmo capitalistas – que, de uma forma ou outra, também pleiteiam o bem estar da pessoa, da sociedade e da criação. Mas uma coincidência parcial, que jamais significa coabitação ou dependência”, assevera. Nos dias de hoje, quando a mensagem que chega a milhões de brasileiros pela mídia é uma apropriação indevida do Cristianismo com interesses financeiros, é mais necessário do que nunca reafirmar o postulado da missão integral, que dá título a esta reportagem: “O Evangelho todo,

para todo homem e para o homem todo”. Diversos líderes cristãos do terceiro setor, no entanto, temem que a Igreja brasileira contemporânea corra o perigo de se distanciar de projetos que tenham como objetivo amparar, assistir e evangelizar. “Qual a função social da Igreja?”, questiona o pastor Wildo Gomes dos Anjos, presidente da Missão Vida. Sediada em Cocalzinho (GO) e com núcleos em outros estados, a entidade é referência nacional na reabilitação e ressocialização de homens em situação de mendicância. Ali, a base de todo o trabalho é o Evangelho cujo poder redime o pecador e restaura sua dignidade humana. “Ao longo dos anos, muitas igrejas afastaram-se desse propósito. Falo isso com a propriedade de quem, há mais de três décadas, preside uma instituição filantrópica que se mantém de pequenas doações mensais de cristãos de todo o Brasil”, conclui. “Quero respeitar meus irmãos que pensam diferentemente de mim, mas viver a vida cristã somente para anunciar a Palavra, ou seja, falar de Cristo e não fazer nada pelas necessidades humanas, não é o Evangelho”, faz coro o pastor Paulo Cappelletti, mestre em Missões Urbanas e empreendedor social apaixonado. Teólogo de formação batista e doutorando em Ciências da Religião, ele coordena a Missão Sal, uma comunidade na periferia de São Paulo que atende moradores de rua, prostitutas, crianças abandonadas e travestis. Aliás, atender não é bem o termo: Cappelletti vive com eles (ver matéria na seção Notícias – Destaques). “Nós não vemos, nos escritos dos evangelistas, o Cristo somente falando, mas se misturando ao povo sofrido e lutando por eles. Curando, perdoando, libertando pessoas. Então, hoje, vivemos um mundo dicotômico, onde poucos têm muito e muitos nada possuem. Por isso, precisamos viver, lutar e fazer justiça.” Tudo isso para que o cristão seja, nas palavras do teólogo britânico John Stott (1921-2011) – um dos idealizadores de Lausanne 1974 e dos principais entusiastas da missão integral –, semelhante a Jesus em sua missão. “As principais formas de sermos conformes à imagem de Cristo é em sua encarnação, em seu serviço, em seu amor, em sua abnegação paciente e em sua missão.” Valdir Steuernagel, pastor luterano cujo nome se confunde com a trajetória do movimento da missão integral no país, simplifica: “O Evangelho é para todas as pessoas e para a pessoa toda – e isso, em todos os lugares e em todos os aspectos da vida humana”. Ele não conhece nenhuma outra missão que não queira ser integral como Jesus a vivenciou e exerceu, e celebra o fato de que mais e mais igrejas e organizações “estão descobrindo esse Jesus, esse Evangelho e esse jeito de ser Igreja, na qual todas as pessoas são bem vindas e a vida inteira é transformada pelo poder do Evangelho”: “A história da missão nos mostra que, à medida que vamos nos aproximando do outro ao qual somos enviados, mais vemos e testemunhamos da integralidade do Evangelho e da necessidade de que a nossa missão seja integral.”

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ARQUIVO

Steuernagel apela ao papel pacificador da Igreja

Construtores da paz

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pastor luterano Valdir Steuernagel é um antigo entusiasta da ação cristã transformadora da sociedade. Participante da histórica Conferência de Lausanne, em 1974, e do Congresso Brasileiro de Evangelização, ele é doutor em Missiologia pela Escola Luterana de Teologia de Chicago (EUA). Pastor da Comunidade do Redentor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, vice-presidente da Visão Mundial no Brasil e membro da Diretoria internacional da Aliança Evangélica Mundial, Steuernagel é ainda professor e diretor do Centro de Pastoral e Missão da Faculdade Teológica Evangélica de Curitiba (PR), onde vive. Como embaixador da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, ele diz, nesta conversa, que poucas vezes a Igreja foi chamada a um papel tão crucial perante a sociedade brasileira como agora:

CRISTIANISMO HOJE – Como dirigente da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, faça uma análise do atual momento político do país e de seus reflexos sobre a Igreja. VALDIR STEUERNAGEL – Vivemos dias raivosos e radicalizados no Brasil de hoje. Não lembro de um momento na nossa história em que os nervos estivessem tão à flor da pele e as pessoas passassem a julgar os outros de forma tão rápida e tão radical. Associado a esse “pavio curto” nacional, vivemos numa sociedade cansada da nossa classe política e do nosso sistema político, tão fortemente marcados pela corrupção. Aliás, esse cansaço não é apenas nosso, mas faz parte do que o filósofo Byung-Chul Han qualificou como a “sociedade do cansaço”. Essa raiva e esse cansaço, ao encontrarem, no atual momento, uma crise política, econômica e social muito grave, transformaram a nossa realidade numa espécie de barril de pólvora. E a Igreja Evangélica é hoje uma expressão a mais do que somos como cultura e realidade brasileira.

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Como essa semelhança se manifesta? Essa Igreja, à medida que foi crescendo, passou a assimilar com muita rapidez os padrões da nossa realidade, expressos, no presente momento, em modelos de liderança fortemente caudilhescas e no estabelecimento de estruturas piramidais e até coronelistas, bem como na adesão a uma cultura política do “toma lá, dá cá”. Somos parte do caldo cultural brasileiro e professamos, muito pouco, uma contracultura evangélica e profética. Isso é uma pena, pois a Igreja não pode ser mero reflexo da sociedade, mas precisa ser um agente de transformação da mesma. E o chamado para o exercício desta vocação é mister nesta hora. A Igreja Evangélica precisa ser… evangélica. Ela precisa se converter a Jesus Cristo, e isso significa ouvir e submeter-se à sua Palavra e aprender com ele a denunciar a injustiça, a suspeitar do poder do status quo, a servir ao outro – especialmente ao pobre, ao pequeno e ao vulnerável – e abraçar a simplicidade de vida vivida por ele. É simples assim e é radical assim.


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Capa

O Reino e a Missão Integral se confunde com a sinalização do Reino de Deus neste mundo Ariovaldo Ramos

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justiça

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missão integral se estriba na recuperação de dois conceitos. Em primeiro lugar, o conceito de justiça no tempos dos profetas hebraicos. Ele aparece nos escritos dos videntes do passado, que vão dizer, como Amós (5.24), que a justiça deve correr como um rio que nunca seca. Todos os profetas hebreus levantaram a questão da justiça, e são eles que introduzem-na como um critério transcendente: a justiça, então, não é mais uma relação de poder entre fracos e fortes, entre vencedores e vencidos; ela é vista como uma demanda divina. O Senhor exige justiça; exige que os pobres sejam tratados com decência; exige, de fato, que não haja pobreza, e sim, libertação econômica, social e política. Tal concepção fica clara em instituições como a do jubileu e a do ano da remissão, mencionados nos livros de Levítico e Deuteronômio. A justiça, portanto, nasce no coração de Deus e é introduzida na história humana pelos profetas hebreus. São eles que trazem a noção de justiça para a história, e trazem-na como um dado transcendente, e não como uma conclusão imanente – ou seja, não foram os seres humanos pensando sobre si, sobre a história, sobre a sociedade que chegaram à noção de igualdade, de justiça, de inclusão social dos pobres. Foram os profetas hebreus que trouxeram este elemento para a história humana, esta visão de que há uma demanda da parte de Deus por igualdade e dignidade para todos os seres humanos; pelo fim da pobreza, pelo respeito

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ao diferente, pelo abrigo ao estrangeiro, pela noção de direito humano. Isso vem diretamente de Deus. A ideia está espalhada por todo o Antigo Testamento, desde a lei de Moisés que é reforçada pelo profetismo hebraico - que, na verdade, é um trabalho de recuperação do espírito da lei mosaica, que clama por justiça. Este é o primeiro referencial da missão integral. É possível ver isso nos escritos de René Padilla, Samuel Escobar, Orlando Costas, Pedro Arana e muitos outros. O outro referencial da missão integral é a recuperação da noção do Reino de Deus e sua justiça, a ideia de que esse Reino é um outro sistema que se opõe ao sistema vigente – tanto ao capitalismo quanto ao comunismo. Trata-se de um outro sistema, que vem não para estar ao lado dos regimes em pauta, mas para substituí-los, para erradicá-los. Isso aparece no profeta Daniel que, quando responde ao sonho de Nabucodonosor, fala sobre a pedra que é lançada por mãos não humanas contra a estátua. A estátua, no sonho de Nabucodonosor, sintetiza todas as tentativas humanas de resolver o problema humano sem considerar a hipótese de Deus ou sem considerar a revelação divina, tudo o que os homens tentaram em todos os níveis: o feudalismo, o capitalismo, o comunismo. E a pedra é o Reino de Deus, que vem e derruba a estátua, triturando-a, desfazendo todos seus componentes até transformá-la em pó. Um pó que é varrido pelo vento, de modo que da estátua não fica nem lembrança. A pedra cresce, alarga-se e toma toda a terra, ou seja, uma nova realidade assume o controle da história – e essa nova realidade é o Reino de Deus.


A ideia da Missão Integral está espalhada por todo o Antigo Testamento, desde a lei de Moisés, e é reforçada pelo profetismo hebraico, em seu clamor por Justiça. É possível ver isso nos escritos de René Padilla, Samuel Escobar, Orlando Costas, Pedro Arana e muitos outros

DISCURSO E PRÁTICA O que se pleiteia, com a missão integral, é um discurso pastoral a partir da fé. Este discurso pastoral da fé, a partir da missão integral de Deus, é fruto da proposta missiológica surgida nos Congressos Latino-Americanos de Evangelização (os Clades), na década de 1960, que propugnava que não se pode “evangelizar sem considerar o contexto do evangelizando”. Sob tal ótica, a boa nova que se anuncia emana da realidade da chegada do Reino de Deus, que vem como proposta para a história. A tese daquilo que ficou conhecido como missão integral não se propôs a alterar as bases da fé bíblico-histórica, e sim, a ampliar os seus efeitos. Um discurso pastoral da fé a partir da missão integral deve partir da premissa de que Deus se revela na história. De fato, não há, nas Escrituras, nenhuma revelação que não esteja ligada ao tempo histórico, mesmo quando se refere ao futuro. Na escatologia, Deus está apontando para a continuação da história, e não negando-a,

tampouco tirando dela a Igreja. Quando, no fim dos tempos, a Nova Jerusalém desce, o texto afirma que Deus vem aos homens: então, ele será o Deus deles e eles, o seu povo. As Escrituras dizem que não haverá mais noite, porque Deus será a luz; nem haverá mais mar, porque cessarão todas as divisões entre os homens. Se não vivêssemos a história, ou se não experimentássemos a alternância entre dia e noite, aquela palavra não faria qualquer sentido para nós. Dizer “não haverá mais noite” nos remete para onde? Ora, remete-nos à história. Portanto, não há como Deus nos falar fora dela. Um Deus que não aparece na história; que não está envolvido com ela; que não tem nada a dizer sobre ela ou que não fala a partir da história, não nos serve. E por quê? Porque somos seres dependentes, o que significa que não conseguimos viver fora da história. Estamos presos a ela, como a alma o está ao corpo. A um ser humano não é possível se ver para além da história, que tem conteúdo e, necessariamente, forma.

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Na frase “o Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”, a concepção de “Evangelho todo” é compreendido como o poder de Deus para a salvação de todo o que crê, assim como o poder de Deus para interferir na estrutura da sociedade e dar sobrevida à humanidade Somos seres dependentes, parte do que movimenta a história. Esse é o primeiro pressuposto sobre o qual um discurso pastoral da fé, a partir da Missão integral de Deus, deve se assentar. Portanto, tudo que nos afeta o faz a partir de nossa dependência. Se algo não nos afeta em nossa dependência, então não nos afeta em coisa alguma. É a partir dessa constatação que podemos falar de um discurso pastoral da fé para o dia a dia. Neste cenário pós-moderno, a Missão integral surge como resposta bíblica e profética aos anseios humanos. Está inserida na práxis da teologia, isto é, reflexões teológicas sobre a ação da Igreja, como propagadora do Evangelho, no cotidiano da sociedade em que está incrustada. Se o evangelista chega no lugar da evangelização e encontra, no caminho, uma criança brincando no esgoto ao ar livre e bate à sua porta para falar aos seus pais, terá duas opções. Ele anunciará o poder transformador de Jesus de maneira conceitual – sem, contudo, oferecer socorro para que a família saia da miséria – ou lhe trará as boas novas da salvação que podem tirar aquelas almas do inferno, assim como tirar o inferno delas, e fará alguma diferença para a realidade daquela criança, naquela circunstância. Isso deriva da ênfase sobre a prática da Igreja voltada para o cotidiano, parte da proposição do professor René Padilla, um dos pioneiros na reflexão do tema junto com os outros teólogos nas décadas de 1950 e de 60, e que foram apresentadas nos Clades, realizados em Bogotá, na Colômbia (1969), Huampani, no Peru, em 1979, e, por duas ocasiões – 1992 e 2000 – na capital equatoriana, Quito. A Missão integral diz que a pessoa será abençoada pela presença da Igreja na sua realidade, pois a Igreja não tolerará aquele estado de injustiça. Essa

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proposição se sustenta na declaração do Senhor Jesus, de que o Evangelho é do Reino (Mateus 24.14; Lucas 4.43); portanto, tendo como conteúdo as boas notícias da chegada de uma nova ordem mundial, antecipada pelo profeta Daniel no capítulo 2 de seu livro e manifesta pela Igreja. Porém, só será implantada na volta visível e triunfal do Cristo. Daí, há pecado pessoal e pecado estrutural. E, para pecadores que incorrem em uma só ou nas duas formas de transgressão, a Igreja propõe arrependimento. E só será possível participar dessa nova ordem pelo novo nascimento, que é sempre pessoal. Porém, graças às boas obras, que são a luminosidade da Igreja, a sociedade, em geral, será beneficiada, e levada a dar graças a Deus, conforme Mateus 5.16.

IGREJA NO COTIDIANO O chamado Pacto de Lausanne, tido, equivocadamente, como o nascedouro da noção de Missão integral, é fruto do Congresso Mundial de Evangelização realizado, em 1974, na cidade de Lausanne, na Suíça. Protagonizado pelo teólogo anglicano John Stott, já falecido, o encontro promoveu o encontro entre a teologia dos irmãos do Norte com a contribuição missiológica da reflexão teológica latino-americana e as contribuições africanas e asiáticas. O resultado deste inusitado e bendito amálgama foi sintetizado na frase: "O Evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens”, onde a concepção de “Evangelho todo” é compreendido como o poder de Deus para a salvação de todo o que crê, assim como o poder de Deus para interferir na estrutura da sociedade e dar sobrevida à humanidade, pela promoção da justiça – Já a ideia de "o homem todo" é a compreensão do ser humano como ser complexo, com potencial cognoscente, religioso, fabril, econômico, social, político, comunitário, lúdico, estético e ético, que

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a tudo afeta e por tudo é afetado e que, alcançado pelas boas notícias do Reino, começa a mostrar os sinais da presença desse Reino, que se manifestam nele, e em tudo o que o afeta e por ele é afetado. Já a proposição "todos os homens" compreende a totalidade das etnias humanas, que devem ser alcançadas pelo anúncio do Evangelho do Reino de Deus, tanto na esfera pessoal-familiar como no âmbito da organização sócio-política, e que serão julgadas por suas práticas no trato do ser humano, frente a forma como se organizaram, e construíram os relacionamentos internacionais e intersociais (Mateus 25.31-46). A Missão integral é ortodoxa, sustentando os paradigmas histórico-bíblicos da fé protestante; porém, ampliando a compreensão missiológica da Igreja como agência da Missio Dei, uma vez que toda a iniciativa é do Altíssimo Trino Deus. A Missão integral faz exegese histórico-gramatical; sua hermenêutica parte da sacralidade, inerrância e infalibilidade da Bíblia, na busca pelo mais próximo possível do sentido original, porém, no afã de aplicá-lo da forma mais compreensível, relevante e provocadora de transformação ao tempo contemporâneo. Por isso, sua abordagem sobre os fatos serve-se da interdisciplinariedade, uma vez que o que chamamos de realidade demanda muitos e distintos observadores para poder ser proposta como tal. E procuramos discerni-la para entender as perguntas a que devemos responder, e nunca para nortear ou compor com o kerigma, a proclamação. O referencial basilar da Missão integral é a doutrina da presença (Lucas 17.21) e da iminência do Reino de Deus, onde o Reino é compreendido como o governo do Ungido pela implantação da sua justificação e justiça. A Igreja, então, se vê, no cotidiano, como anunciadora da justificação e sinalizadora da presença e do princípio do Reino de Deus, pela busca por fazer manifesto e aplicado o conceito judaico-cristão de justiça. A priorização do pobre não é vista como uma opção, mas, como demanda do Cristo, que apresentou a pregação do Evangelho aos pobres como uma de suas credenciais messiânicas, conforme Mateus 11.5.

Ariovaldo Ramos é pastor, teólogo e conferencista


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