Xerófilo de Márcio de Lima Dantas

Page 1

xer贸filo m谩rcio de lima dantas

1 7faces caderno-revista de poesia


2


3


4


xer贸filo

5


Obras do autor Poesia Metáfrase (1999) O sétimo livro de elegias (2006) Para sair do dia (2006) Ensaio Mestiçagem e ensaísmo em João Cabral de Melo Neto (2005) Imaginário e poesia em Orides Fontela (2011)

6


xer贸filo m谩rcio de lima dantas

7faces caderno-revista de poesia

7


Selo Letras in.verso e re.verso 7faces caderno-revista de poesia ISSN 2177 0794

Editor-chefe Pedro Fernandes de Oliveira Neto Encarte Xerófilo Márcio de Lima Dantas set7aces.blogspot.com Editoração e diagramação Pedro Fernandes de Oliveira Neto

Capa e contracapa © Mauro Andriole. Sertão. Aquarela e nanquim sobre papel fabriano, 1996 Xerófilo © Márcio de Lima Dantas 2011.

8


As plantas xerófilas são aquelas que toleram a escassez d’água, que fogem aos efeitos da deficiência hídrica ou que resistem à seca. Guimarães Duque

Atravessou a mocidade numa intercadência de catástrofes. Fez-se homem, quase sem ter sido criança. Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras nas horas festivas da infância, o espantalho das secas no sertão. Cedo encarou a existência pela sua face tormentosa. É um condenado à vida. Euclides da Cunha

A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro....Agora perdi. Estou preso. Mudei para adiante! Guimarães Rosa

9


sumário 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

candeia marrafa capinadeira bacia de ágata machado beradeiros caeiras fogo de monturo garapa de açúcar juazeiro umbu cajá carambola rosas crótons cascavel urubu guiné abelha arapuá calango carcará lua cerca de pedras coivara fateiras

10


37 38 39 40 41 42 43

fumo de corda cรกctus macambira croatรก avelรณs rodagem lagedos

11


candeia derrete a vela a espessura da noite: verticalmente o tempo se cumpre

12


marrafa para Jocelito, lembrando da sua avó, D. Cícera

de natureza simples, resguarda-se em discreto pudor, do que não gosta de se mostrar, cumprindo apenas obrigação de prender os cabelos longos e brancos; atitude do que se resguarda como utilitário, não se importando com a qualidade de adorno

13


capinadeira puxada por boi ou cavalo, abrindo sulcos, numa espĂŠcie de cĂłpula, cuja prova ĂŠ o bafo de terra, sexual, advindo da aiveca penetrando a terra molhada, adentra o odor pelo nariz, assuntando a semente

14


bacia de ágata para refrescar o rosto, lavar o pó das mãos, escaldar os pés; deixa-se usar, num desprendimento branco que beira a indiferença

15


machado o risco que corre o pau corre a amolada l창mina

16


beradeiros para Ridam e Carla

habitando distritos onde s贸 passam estradas viscinais, contentam-se com pequenas alegrias, pois pouco circulam nos lugares, bares, no qual a algazarra da feira dos modos e modas alinhavam intranq眉ilidades, envenenam a alma; vivem bem mais sossegados, alheios ao que se passa ao redor

17


caeiras na paisagem, os fornos elevam rolos de fumo, triturando pedras com o fogo de lenha: resta o branco p贸 da cal.

18


fogo de monturo na surdina, o fogo permanece aceso, calado, assim como se fosse 贸dio, desgosto, luto ou ressentimento, nunca apagando de vez

19


garapa de açúcar de chofre, o susto, a contrariedade deixa o rosto pálido, o viscoso líquido devolve o fogo à face e ao semblante, acalmando a alma com a viscosidade da água

20


juazeiro sua copa fechada e verde, oportuna-se em sombra e frutos, para o repouso do passante fatigado; compraz-se em absoluta altivez, indiferente ao que sucede de cinza a seu redor

21


umbu a casca firme, semi-transparente, nada sugere do sabor agridoce, quando a lĂ­ngua, curiosa, experimenta rompĂŞ-la

22


cajá entre a casca e o caroço, a perfumada polpa, parcimoniosa, diz que o precioso é sempre de menos

23


carambola de um amarelo transl煤cido, com luz pr贸pria, esplende a estrela que surge ao se fazer um corte transversal

24


rosas em sua mudez, matematizam o silĂŞncio

25


cr처tons lermbrando do jardim de mam찾e

cultivo apenas de folhagens, prazer de contemplar o verde; que import창ncia podem ter flores com perfumes e cores?

26


cascavel enrodilha-se em espiral para melhor se proteger: o recuo ĂŠ uma forma de ataque

27


urubu simulando catar restos pelo chão, demora-se em paciente aguardo, do advento da desgraça alheia

28


guiné o grito: “tô fraco”!, não passa de astucioso logro, pois, arisco, não se deixa pegar, tem que ser morto à distância, por cartucho de espingarda

29


abelha arapuá negra, enrola-se nos cabelos, qual grude; se não for retirada, ligeiro, com as mãos, permanecerá zuando, num enfado, porém não ferroa, assim como certas pessoas

30


calango capaz de se mimetizar, consoante situação e espaço, pagando preço alto por tanto conceder, compreende-se a escorregadia ansiedade

31


carcará o olho vivo presta atenção somente ao que lhe diz respeito; energia concentrada em um só ponto, para melhor tirar vantagem das situações, sobrevivendo pela astúcia atávica

32


lua eis a substantiva lua que se aproxima do seu zĂŞnite, logo mais se avistarĂŁo apenas riscos de luz no tecido da noite

33


cerca de pedras lascas de pedras amontoadas sobem e descem os contornos do terreno; unem-se para dividir ou separar, a depender do viĂŠs de quem contempla

34


aos incapazes de cultivar uma amizade saudável e duradoura

coivara fogo ligeiro que, num instante, se apaga; no começo, arde com volúpia e pressa, possuindo gravetos e arbustos em labaredas lançadas para o alto; depois constata-se que não passava de uma momentânea vontade de queimar, sem grandes razões, tudo de uma vez

35


fateiras sentadas em tamboretes baixos, no abatedouro, tratam das vísceras de animais; ofício cuja labuta não é apenas nos bastidores, também manusear dejetos, restos fétidos, num esquisito silêncio de quem tem vergonha do que faz

36


fumo de corda para Altamira e Sebastião Marcolino (fumante de brejeiros até quase 100 anos)

quer para o cigarro de palha, quer para o cachimbo, de tão forte,em sua espessa fumaça, entorpece a alma, fazendo esquecer as contrariedades de cada dia

37


cáctus coroa de frade para D. Anita

não se pense que a coroa é sinal de dignidade, serve muito mais como lugar onde rebentarão as flores, como espécie de desculpa, por tanto espinho que afasta

palmatória firmes na adversidade, como mãos plenas de espinhos, só não é de todo punição por que há as flores amarelas, tão cara aos insetos

facheiro viris no estio ou no inverno, erguem-se para o firmamento, desafiando, altivo, as forças físicas a seu redor

38


macambira espiral toda de espinhos feita, resistente Ă s intempĂŠries, organizou-se em forma de flor, para melhor se defender

39


croatå majestosos em sua cor que lembra o azul, parecem cientes da sua beleza, tanto Ê que nem querem os rebentos muito perto, lançam-nos para longe de si, como se fosse maneira de brilhar sozinhos sob incandescente sol

40


avelĂłs como uma cerca viva, serpenteia, acompanhando a topografia do terreno, instransponĂ­vel e resistente; detentor de um leite viscoso e deletĂŠrio, simula ir pelas capoeiras, quando, na verdade, parece muito mais estar chantado no agreste do chĂŁo

41


rodagem os aceiros podem atĂŠ se uma maneira mais curta de se chegar, mas tambĂŠm sĂŁo danados para levar uma pessoa a errar

42


lagedos afloram da terra em sólidas formações, obrigando o passante a passos mais lentos, para que não venha a escorregar e cair

43


44


Márcio de Lima Dantas é professor de literatura portuguesa do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ensaísta e tradutor. Traduziu para o francês, com o prof. Emmanuel Jaffelin, quatro livros da poeta Orides Fontela, organizados em dois tomos: Rosace. Paris: L’Harmattan, 1999 (Transposição e Helianto) e Trèfle: L’Harmattan, 1998 (Alba e Rosácea). Ganhou o prêmio Othoniel Menezes (2006), com o livro Para sair do dia, outorgado pela Capitania das Artes; foi contemplado com o I Prêmio Literário Canon de Poesia 2008. Reside em Natal.

45


7faces

Caderno-revista de poesia

Encarte Xerólifo Márcio de Lima Dantas Este material foi composto em Times New Romam, 14, 12 e 11, entrelinhas 1pts, para publicação eletrônica pelo Selo Letras in.verso e re.verso. Redação da 7faces revistasetefaces@ymail.com pedro.letras@yahoo.com.br

46


47


48


49


50 Selo Letras in.verso e re.verso


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.