Caderno de Resumos 2º Colóquio de Estudos Saramaguianos

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2.º COLÓQUIO DE ESTUDOS

SARAMAGUIANOS 16-18 de novembro de 2021 / Online

CADERNO DE RESUMOS

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Foto: Daniel Mordzinski / Reprodução

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Sumário

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Apresentação

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Programação

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Resumos (autores em ordem alfabética)

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“Quem és tu?”: Reverberações de Adamastor em Caim, de José Saramago Adriana Gonçalves

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Da poesia de Saramago: alguns poemas possíveis, muitos desassossegos Ana Clara Magalhães de Medeiros

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Todos os nomes e os passos que regressam ao amor e à ética Bianca Rosina Mattia

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O Memorial de Blimunda — reflexões sobre a reinvenção da ética em José Saramago Burghard Baltrusch

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Os poemas possíveis de José Saramago

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O mundo segundo Saramago

Cesar Kiraly

Cinda Gonda

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Saramago polígrafo

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Levantado do chão: a saga dos oprimidos

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As duas pontas da vida: As pequenas memórias

Claudia Amorim

Conceição Flores

Denise Noronha Lima

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Ensaio sobre a cegueira: vícios e virtudes humanas Gabriela Silva

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O legado jornalístico de Saramago: a atuação da FJS por meio da revista cultural Blimunda Henrique Mendes

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A segunda vida de Francisco de Assis (1987) Jaime Bertoluci

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Que farei com este livro?

44

A Lídia e a Marcenda na obra de José Saramago: metaficção e posicionamento político

Jean Pierre Chauvin

José Eduardo Fonseca Brandão

45

O discurso literário e a escrita de si em O último caderno de Lanzarote, de José Saramago Karina Luiza de Freitas Assunção

47

In Nomine Dei, de José Saramago: entre ficção e história Marcelo Lachat

49

Pastor, um personagem peregrino na obra saramaguiana Marcelo Pacheco Soares

50

A noite. Entre o drama moderno e o ensaio sobre o jornalismo português Marco Aurélio Abrão Conte

52

Concepciones saramaguianas sobre el arte II: el juego y la fiesta en El diario del año del Nobel de José Saramago y La salvación de lo bello de Byung-Chul Han Marisa Leonor Piehl

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Desde la ‘epidemia de ceguera’ a las ‘intermitencias de la muerte’. Algunas reflexiones desde Byung-Chul Han Miguel Alberto Koleff

55

A vertigem das listas: a oficina d’O evangelho segundo Jesus Cristo Sara Grünhagen

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Saramago cronista: está lá tudo?

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Todos os nomes: uma lição da Nova História

Saulo Gomes Thimóteo

Teresa Cristina Cerdeira

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Concepciones saramaguianas sobre el arte I: lo bello y lo sublime en El diario del año del Nobel de José Saramago y La salvación de lo bello de Byung-Chul Han María Victoria Ferrara

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O amor possível Sandra Ferreira


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Apresentação

J

osé Saramago nasceu em 1922, “numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa”. Seus primeiros interesses para a leitura se formam a partir dos jornais ofertados pelo pai, que foi jornaleiro em meados dos anos 1920, e pela literatura, a partir do contato com A Toutinegra do Moinho, de Émile de Richebourg, primeiro livro que teve, presenteado pela mãe. A formação para o que mais tarde foi seu ofício e o fez reconhecido foi autodidata — “Lendo ao acaso de encontros e de catálogos, sem orientação, sem ninguém que me aconselhasse, com o mesmo assombro criador do navegante que vai inventando cada lugar que descobre.”* O restante da história é praticamente conhecido de todos e as biografias o explorou à sua maneira: a militância política; a atuação como jornalista; a publicação dos primeiros livros; o longo tempo de porfia feito de tentativas de escritas, da atividade de crítico, da

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tradução de autores diversos a partir do francês; o reconhecimento; o Prêmio Nobel de Literatura em 1998; a sagração. Para agora revisitarmos esse itinerário no âmbito de uma data célebre, o centenário, último instante foi decisivo. Mas, não apenas. A obra continuamente lida e descoberta e as regiões menos conhecidas ou menos tocadas oferecem valores que ultrapassam os sentidos primitivos da celebração. No caso da obra e do pensamento de José Saramago, formadores de uma consciência interrogativa, intelectiva e crítica acerca do mundo e das nossas relações comunitárias, são os valores fundamentais que devemos colocar em plano motivador. Há uma visão e modo de estar no mundo colhidos na vida que o escritor português trouxe para a literatura — “uma espécie de evangelho segundo José Saramago”, para citar uma feliz expressão de Eduardo Lourenço ao jornal Público (2010) — e este deve ser o elemento motivador de encontros como o nosso, que, abrindo alas para muitos outros, abre o ano de centenário. Este é o 2.º Colóquio de Estudos Saramaguianos. O que se designa estudos saramaguianos é, como notamos, um amplo universo de leitura cuja dimensão é cada vez mais difícil de precisar, porque feito de uma comunidade de leitores situada em lugares e línguas das mais diversas; sabe-se que, em todas elas, os interesses se afinam como centro ou norte na obra de José Saramago. O evento é uma pequena parte desse universo. Parte dos interesses aqui tem sua relação com os encaminhamentos ofertados na primeira edição, quando, motivados por outra efeméride, a de duas décadas de atribuição do Prêmio Nobel de Literatura ao escritor português, discutimos sua obra em múltipla interface: seja com questões suscitadas no âmbito da forma, do tema e da expressão, seja no diálogo com outras obras, seja ainda com outras expressões artístico-criativas. Neste segundo encontro, a obra nos permitirá retomar a interface do diálogo de 2018 e avançar em várias outras frentes: com ela própria, com o biográfico, os múltiplos contextos, o criativo e o estético, a diversidade crítica sempre possível de iluminar e expandir questões tocadas por uma literatura que se abre sempre

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enquanto experiência e nunca se coloca a serviço de uma contemplação narcísica e desinteressada do mundo. Nesse sentido, vale retomar alguns dos princípios que orientam este projeto. A importância deste evento é a de estabelecer diálogos, propiciar o intercâmbio de experiências de leituras e perspectivas em vistas de contribuir para a tessitura de um momento fundamental na sobrevida do escritor — e igualmente para seus leitores, que encontram, no seu universo ficcional e nas suas provocações, peças fundamentais para a postura de desassossegados ante esta realidade fugidia porque complexa e cujos meandros cobram de nós o necessário debate. E repetimos. Nosso interesse é compor um painel multissignificativo que dialogue com as várias possibilidades de leituras e de leitores interessados em oferecer algumas peças indispensáveis ao saber literário e à formação humana — algo escasso numa sociedade cada vez mais presa aos limites impostos pela técnica. As abordagens que formam as vozes desse encontro são diversas porque uma obra de igual plurissignificação não se reduz a uma ou outra crítica. Esta edição do Colóquio de Estudos Saramaguianos reúne pesquisadores do Brasil, Argentina, Espanha e França; são leitores atentos da obra de José Saramago de pelo menos três gerações. O programa do evento situado entre os dias 16 e 18 de novembro de 2021 se organiza por discussões que examinam ao menos três dimensões: a da obra, desde o que se designa como período formativo (nos termos propostos por Horácio Costa, 1997 / 2020) ao período da maturidade; as intersecções entre a obra e outros campos do saber, como a filosofia, a biografia, a autobiografia, os estudos narrativos; e os diálogos intertextuais que tomam como ponto de inflexão a literatura saramaguiana.

* Os destacados neste parágrafo são do texto “Autobiografia” publicado no site da Fundação José Saramago.

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Programa 16 de novembro (terça-feira)

10h Abertura Palavra dos organizadores Conferência: Teresa Cristina Cerdeira (UFRJ) Mediação: Pedro Fernandes de Oliveira Neto (UFRN)

14h Mesa 1 Mediação: Ceila Maria Ferreira (UFF) Saramago polígrafo Cláudia Amorim (UERJ) O mundo segundo Saramago Cinda Gonda (UFRJ)

16h Mesa 2 Mediação: Luis Maffei (UFF) Desde la ‘epidemia de ceguera’ a las ‘intermitencias de la muerte’. Algunas reflexiones desde Byung-Chul Han Miguel Alberto Koleff (Universidad Nacional de Córdoba)

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Concepciones saramaguianas sobre el arte I: lo bello y lo sublime Victoria Ferrara (Universidad Nacional de Córdoba) Concepciones saramaguianas sobre el arte II: el juego y la fiesta Marisa Leonor Piehl (Universidad Nacional de Córdoba) El infierno de lo igual en La caverna, de José Saramago. Una lectura desde Byung-Chul Han Ximena Rodríguez (Universidad Nacional de Córdoba)

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17 de novembro (quarta-feira)

10h Mesa 3 Mediação: Paulo Ricardo Braz de Sousa (UFF)

Que farei com este livro? Jean Pierre Chauvin (USP — ECA)

In nomine Dei Marcelo Lachat (Unifesp — EFLCH)

A segunda vida de Francisco de Assis Jaime Bertoluci (USP — IEA)

14h Mesa 4 Mediação: Denise Noronha (UECE) Saramago cronista: está lá tudo? Saulo Thimóteo (UFFS)

A noite. Entre o drama moderno e o ensaio sobre o jornalismo português Marco Aurélio Abrão Conte (UNESP — Araraquara) O legado jornalístico de Saramago: a atuação da FJS por meio da revista cultural Blimunda Henrique Mendes (UFRN)

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16h Mesa 5 Mediação: Maria Lúcia Wiltshire de Oliveira (UFF)

Levantado do chão: uma saga dos oprimidos Conceição Flores (UnP) Pastor, um personagem peregrino na obra saramaguiana Marcelo Pacheco Soares (IFRJ) “Quem és tu?”: Reverberações de Adamastor em Caim Adriana Gonçalves (UEMG)

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18 de novembro (quinta-feira)

10h Mesa 6 Mediação: Jonas Leite (UFPE) O amor possível Sandra Ferreira (UNESP — Araraquara)

Os poemas possíveis de José Saramago Cesar Kiraly (UFF) Da poesia de Saramago: alguns poemas possíveis, muitos desassossegos Ana Clara Magalhães de Medeiros (UFAL)

14h Mesa 7 Mediação: Maria Aparecida da Costa (UERN)

Ensaio sobre a cegueira: vícios e virtudes humanas Gabriela Silva (Universidade Federal de Lavras)

Todos os nomes e os passos que regressam ao amor e à ética Bianca Rosina Mattia (UFSC) A vertigem das listas: a oficina d’O evangelho segundo Jesus Cristo Sara Grünhagen (Université Sorbonne Nouvelle — Paris 3)

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16h Mesa 8 Mediação: Berttoni Licarião (UnB) A Lídia e a Marcenda na obra de José Saramago: metaficção e posicionamento político José Eduardo Fonseca Brandão (UFF)

As pequenas memórias: duas pontas da vida Denise Noronha (UECE) O discurso literário e a escrita de si em Último caderno de Lanzarote, de José Saramago Karina Luiza de Freitas Assunção (IFSP)

19h Encerramento Conferência: Burghard Baltrusch (Universidade de Vigo) Mediação: Pedro Fernandes de Oliveira Neto (UFRN) Palavra dos organizadores

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Resumos (autores em ordem alfabética)

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“Quem és tu?”: Reverberações de Adamastor em Caim, de José Saramago Adriana Gonçalves*

No romance de José Saramago o protagonista caim é confrontado após a inquietante pergunta que faz ao personagem pastor: “Quem és tu?”. A interpelação reverbera o eco canônico d’Os Lusíadas, de Luís de Camões. No texto épico, a pergunta feita à Adamastor abre a possibilidade de trânsito à Vasco da Gama e seus homens. Interessa-nos, à luz da epopeia camoniana, compreender o momento da interpelação e, sobretudo, o que se sucede à essa provocação no decorrer da narrativa saramaguiana. Além da dinâmica do trânsito favorecido pela atitude discursiva, parece residir nessas obras a experiência corpórea como via de relatar-se. Para Helder Macedo (2013), há n’Os Lusíadas um processo de gnose entrelaçado nesta experiência, por outro lado, em Caim parece haver uma ironia mordaz neste reconhecimento, impregnada na marca que o personagem carrega e nos meandros do autor ao abordá-la, uma ambivalência entre o reconhecer-se (BUTLER, 2015) e a evasão de si (LE BRETON, 2018). Palavras-chave: Interpelação. Os Lusíadas. Caim.

* Adriana Gonçalves é doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (2017). Atualmente é Professora efetiva de Literatura Brasileira e Portuguesa da Universidade Estadual de Minas Gerais, na unidade de Divinópolis, onde atua como coordenadora do curso de Letras. Líder do grupo de pesquisa ELLiP — Estudos de Literaturas em Língua Portuguesa: Memória, Política e Deslocamentos. Possui interesse de pesquisa, sobretudo, nos estudos das identidades culturais, memória, história e política nas narrativas de língua portuguesa.

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Da poesia de Saramago: alguns poemas possíveis, muitos desassossegos Ana Clara Magalhães de Medeiros*

Esta proposta relaciona a produção poética de José Saramago, irrompida da condição de desassossego, expressa em duas obras a priori bastante diversas em termos de forma, temário, construção e recepção: Os poemas possíveis (1966) e O ano da morte de Ricardo Reis (1984). Irrefutavelmente, os dois livros separam-se por aspectos já bastante ressalvados pela crítica. O primeiro, escrito ainda nos anos 1960 e em versos (usualmente decassílabos), atrela-se a um autor “comum”, de pendor neoclássico, responsivo às gerações poéticas anteriores (modernistas), mais notável pela continuidade que pela ruptura (como há mais de uma década apontou Fernando J. B. Martinho). O segundo, redigido em prosa verborrágica, já adere ao gênero literário e ao ritmo narrativo desassossegado que consagrou o escritor nos anos 1980 (condecorado com o Nobel em 1998). Não buscamos, aqui, evidenciar como a prosa saramaguiana se revela mais poética ou denota maior maturidade que a sua poesia – como muitas vezes se viu defender. Antes, interessa-nos apontar índices éticoestéticos que são desencadeadores do fazer poético, seja no livro de poemas, seja no texto de 1984. Observando a coincidência de algumas imagens axiológicas nas duas publicações — notadamente: palavra, morte, gesto, muro, sombra e grito —, colocamos em diálogo o eu-lírico de uma obra e o narrador/os personagens da outra, evidenciando marcas de responsividade que legam ao público leitor centelhas poéticas convergentes. Neste jogo, avulta um “estado de desassossego” que se mostra inerente à escrita do autor, capaz de desencadear a poesia possível, esteja ela registrada em versos ou em prosa-poética. Palavras-chave: Saramago. Poesia. Os poemas possíveis. O

ano da morte de Ricardo Reis.

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* Ana Clara Magalhães de Medeiros é professora de Estudos Literários na Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Doutora e Mestre pelo Pós-Lit da Universidade de Brasília (UnB), com dissertação e tese sobre a obra de José Saramago. Recebeu o prêmio UnB Dissertação e Tese (2017) categoria de Melhor Tese na Área de Linguística, Letras e Artes; e Menção Honrosa pela Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC) — Prêmio Dirce Côrtes Riedel (2017) — categoria de Melhor Dissertação. Dedica-se sobretudo ao estudo das “poéticas do desassossego”, com publicações frequentes sobre O ano da morte de Ricardo Reis e outros romances de Saramago, além da poesia e da prosa de Pessoa.

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Todos os nomes e os passos que regressam ao amor e à ética Bianca Rosina Mattia*

Querer saber o outro, colocar-se à sua procura num gesto ativo de cuidado e de responsabilidade pode ser um passo para o sentimento ético da existência sobre o qual José Saramago manifestou o desejo de expressar em sua literatura. No romance Todos os nomes (1997), são as ações “subversivas” da personagem do Sr. José que nos convidam a pensar no caminho de busca pelo outro, no resgate da ética que se realiza em uma dimensão ao mesmo tempo afetiva porque é também uma busca pelo amor. Dos afetos que fundam e permeiam as relações sociais e comunitárias, o amor emerge e se ressignifica na urgência de um resgate ético da existência. Proponho, nesse sentido, uma leitura do romance na qual a escolha do encontro com o outro se mostra a escolha da ética amorosa como forma de estar no mundo. Palavras-chave: José Saramago. Todos os nomes. Amor. Ética.

* Bianca Rosina Mattia é doutoranda em Literatura na Universidade Federal de Santa Catarina, com projeto de tese sobre a obra de José Saramago na linha de pesquisa Crítica Feminista e Estudos de Gênero, sob a orientação da Professora Simone Pereira Schmidt e com apoio de uma bolsa do CNPq. Mestra em Literatura (2018) e licenciada em Letras Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa (2019) também pela UFSC. Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo/RS (2008). Integra o grupo de pesquisa LITERATUAL — Núcleo de Estudos de Literatura Atual, Estudos Feministas e Pós-Coloniais de Narrativas da Contemporaneidade (UFSC). Compõe a Comissão Editorial da revista Anuário de Literatura (PPGLit/UFSC).

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O Memorial de Blimunda — reflexões sobre a reinvenção da ética em José Saramago Burghard Baltrusch* Este estudo pretende demonstrar que o romance Memorial do Convento (MdC, 1982), de José Saramago, contém vários memoriais: por um lado, um memorial histórico-literário da construção do convento de Mafra, que centra a sua atenção naquelas circunstâncias e pessoas que a historiografia oficial silenciou. É o já bem conhecido memorial que reescreve a história desde a perspectiva de todos os supostamente vencidos — homens e mulheres —, mas também do povo que age como colectivo histórico, como entidade trabalhadora e produtora de cultura (da literatura oral, por exemplo, mas também de cultura e conhecimento em geral), e que confere memorabilidade à sua história. Este memorial históricoliterário, povoado por personagens históricas e fictícias, com as suas relações amorosas, de amizade, de desavenças, desencontros etc., tem sido objecto da maioria dos estudos realizados até ao momento. Porém, argumenta-se que existe ainda outro memorial neste romance, subliminar mas contendo a mensagem principal do texto, e que se caracteriza por duas linhas temáticas intimamente entretecidas: Por um lado, um ‘memorial de Blimunda’, que nos relata e esclarece como nesta figura confluem todas as linhas de força da narrativa, e como ela, em última instância, resulta ser o engenho que garante o 'funcionamento' da mensagem política do romance. E pelo outro, um memorial que nos fala de uma economia do sacrifício, que é “uma economia equívoca o suficiente para parecer integrar a não economia”, uma economia que “na sua instabilidade essencial” “parece ao mesmo tempo fiel e acusadora e irónica em relação ao sacrifício cristão” (DERRIDA, 1999, p. 148). Esta última hipótese inclui a questão ética da relação entre bondade, responsabilidade, fé e segredo em Blimunda, e faria do MdC também um irónico 'livro comercial' que realiza um balanço,

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em última instância subversivo mas com uma clara aspiração ética, da economia do sacrifício desinteressado dos relatos bíblicos, seguindo as análises realizadas por Jacques Derrida em Donner la mort (1999). Palavras-chave: José Saramago. Memorial do Convento. Blimunda. Jacques Derrida. Ética. Sacrifício.

* Burghard Baltrusch dirige a I Cátedra Internacional José Saramago na Universidade de Vigo, onde ensina literaturas lusófonas e é coordenador do grupo de investigação BiFeGa e do Programa de Doutoramento em Estudos Literários. É membro colaborador do grupo Intermedialidades do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa da Universidade do Porto. A sua investigação centra-se em Fernando Pessoa e José Saramago, a poesia actual e a teoria da tradução. É investigador principal do projecto “Poesía actual y política II: conflicto social y dialogismos poéticos” (Ministerio de Ciencia, Innovación y Universidades do Governo de Espanha). As suas publicações estão disponíveis em aqui.

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Os poemas possíveis de José Saramago Cesar Kiraly*

Esta apresentação, bem como o ensaio que a instrui, concerne a interpretar a poesia do Saramago a partir dos rumos conhecidos da sua trajetória literária. Depois de sua estreia na prosa, em 1947, resta um período sem publicar, e, quando retorna, o faz dando forma final a uma coletânea de poemas. No entanto, aos poucos, torna-se, exclusivamente um prosador. A prosa de Saramago, por sua vez, é reconhecida como sendo não convencional, não de modo a representar um obstáculo especialmente desafiador ao leitor, mas claramente invocando recursos poéticos, menos pelo aspecto da lírica, da prosa tida como poética, e mais pelo ritmo das frases e os múltiplos recursos para o aparecimento das vozes dos personagens. A prosa de Saramago é poética não por conter um tema poético, mas por ter a liberdade da prosa instruída por soluções formais, por assim dizer, dependentes da escrita poética, principalmente em verso. Curiosamente, a poesia de Saramago não é a poesia que instrui a sua invenção como prosador. Dessa forma, queremos ir atrás, na poesia do Saramago, dos avisos de metamorfose, bem como, das advertências, inúmeras, de que esta mudança não pode ser vivida, por ele, em verso. Assim, uma maneira de lidar com os ‘Poemas Possíveis’, é tomá-los contrapostos aos poemas impossíveis, aqueles julgados, por Saramago, impossíveis de serem escritos, e dos quais se afastou. A poesia lhe é difícil, digamos assim, e entender a natureza dessa dificuldade parece ser uma chave para compreender a especificidade da sua prosa. Palavras-chave: José Saramago. Poesia. Os poemas possíveis.

* Cesar Kiraly é professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal

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Fluminense (UFF). É autor de livros de poesia e ensaios, dentre eles Fuga sobre o Branco [ ]., Ceticismo e Política e Escarificação: ensimesma. Atua também como curador da Galeria IBEU, no Rio de Janeiro. Sobre Saramago publicou o ensaio “O Descolamento da R[ ]etina”, na coletânea Peças para um Ensaio, organizada por Pedro Fernandes de Oliveira Neto. Com este, edita a revista de poesia 7Faces e edita também, com Tamires Alves, a Revista Estudos Políticos.

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O mundo segundo Saramago Cinda Gonda*

Ao receber o Nobel de literatura, na Academia Sueca, em 1998, em discurso intitulado “De como a personagem foi mestre e o autor seu aprendiz”, Saramago afirma suas origens: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. [...] Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro”. O discurso de Saramago nos faz entender que seu mundo parece começar na aldeia de Azinhaga para a ela retornar. Há uma casa para onde sempre regressamos. Porque como nos lembra Octavio Paz: “A distância é a condição da descoberta, só é filho pródigo quem regressa”. Em se tratando de literatura portuguesa, a casa, de onde se parte e volta, é tema constante. As vozes que povoam seus romances são as vozes silenciadas, recuperadas. Saramago foi exemplo do intelectual que articulava o binômio cidadão/ escritor. Sua obra revela tal compromisso. Encontramos nas epígrafes de seus romances a chave de entendimento dos mesmos. Como no Ensaio sobre a cegueira. “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. É para discutirmos tais questões que realizaremos uma viagem pelo mundo, segundo Saramago. Palavras-chave: José Saramago. Romance. Casa.

* Cinda Gonda é Professora Associada do Departamento de Letras Vernáculas da UFRJ. Atua na Graduação e PósGraduação. Doutora em Letras/ UFRJ com a tese “Árvore e o Sentido da Modernidade. As mil maneiras de ver”. Orienta e coordena o Projeto de Extensão de Incentivo à leitura — “Biblioteca Itinerante”, Programa Integrado da UFRJ para Educação de Jovens e Adultos (EJA) Coordena o Curso de Especialização em Literaturas Portuguesa e Africanas/ UFRJ, Pós-graduação Lato Sensu. Organizou e apresentou os livros

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8 Poetas (UFRJ), como parte do Projeto Escrita Criativa em 2004. Organizou com Maria Teresa Salgado e Anélia Pietrani,

Escritas do corpo feminino diálogos interdisciplinares (Oficina Raquel, 2018) e Escritas do Corpo Feminino: perspectivas, debates, testemunhos (Oficina Raquel, 2018).

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Saramago polígrafo Claudia Amorim*

José Saramago tem uma vasta e diversificada produção bibliográfica. Contudo, o autor português, ganhador do Prêmio Nobel em 1998, é especialmente conhecido pela sua relevante produção romanesca. São os romances de Saramago publicados na década de 1980 que dão visibilidade ao escritor para além dos leitores de seu próprio país. Falo especialmente de Levantado do chão (1980), Memorial do convento (1982) e de O ano da morte de Ricardo Reis (1984). A partir dessa década, a produção de José Saramago alcança o mundo, traduzida para diversas línguas. Entre a sua produção diversificada, destaco as crônicas. Tanto as reunidas em A bagagem do viajante (1973), como as que se encontram na primeira coletânea deste gênero publicada —Deste mundo e do outro (1971) — foram escritas pelo então jornalista José Saramago, quando da sua colaboração como cronista nos jornais A capital e Jornal do Fundão, entre os anos de 19691973. Nas crônicas, podemos perceber algumas inquietações que irão permear a futura obra romanesca do escritor. Sendo a crônica um texto híbrido, ao apresentar aspectos do cotidiano em linguagem artística, vê-se uma espécie de esboço literário dos temas presentes na ficção saramaguiana, e ainda em diálogo com outros gêneros produzidos pelo autor como a poesia, o teatro, o diário etc. Num caminho de recuperação de escritos menos estudados de José Saramago, esse trabalho dedica-se a analisar algumas crônicas do autor, publicadas, no seu segundo livro de crônicas: A bagagem do viajante (1973), com as crônicas publicadas em A capital, no ano de 1969, e com as que se publicaram no semanário Jornal do Fundão (1971-1972). Palavras-chave: José Saramago. Crônica. A bagagem do viajante.

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* Claudia Amorim possui graduação em Português/ Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), Especialização em Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1989), Mestrado em Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995), Doutorado em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2006) e Pós-Doutorado em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (2012). Atualmente é professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Outras Literaturas Vernáculas, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura portuguesa contemporânea, o caos na contemporaneidade, literatura portuguesa oitocentista, literaturas africanas contemporâneas em língua portuguesa e campo e cidade na literatura portuguesa. Desenvolveu recentemente estudos comparatistas entre as literaturas contemporâneas de língua portuguesa e galega focalizando a questão identitária. E atualmente, com bolsa de investigação Prociência/ UERJ, desenvolve investigação sobre a narrativa portuguesa publicada no séc. XXI.

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Levantado do chão: a saga dos oprimidos Conceição Flores*

Os acontecimentos políticos ocorridos em Portugal em 1976 — o “Verão Quente” e a “Crise de 25 de Novembro” — responsáveis pelas mudanças de rumo da Revolução de 25 de Abril de 1974, interferiram na vida profissional de José Saramago. Em decorrência de ter ficado desempregado, decidiu ser o momento propício para a escrita de um romance sobre o campo e os trabalhadores rurais. Para tal, foi para Lavre, no Alentejo, onde ouviu camponeses e teve acesso ao manuscrito “Uma família alentejana”, do camponês João Serra, considerado essencial, segundo Saramago, para a escrita do romance. Este trabalho analisa Levantado do chão (1980) à luz dos conceitos: pedagogia do oprimido (FREIRE, 2013) e aparelhos ideológicos do estado (ALTHUSSER, 1985), articulando-os com a perspectiva analítica da Nova História (DUBY, 1994), a fim de refletir sobre a história da família Mau-Tempo, camponeses alentejanos, e sobre os acontecimentos políticos ocorridos em Portugal no século XX. Tem-se, portanto, um romance dialógico, em que a ficção e a história constroem uma narrativa na qual às vozes dos oprimidos e às dos opressores se soma o discurso da história, para revelar a saga dos oprimidos. Palavras-chave: Levantado do chão. Pedagogia do oprimido. Aparelhos ideológicos do estado.

* Conceição Flores é doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), foi professora de Literatura Portuguesa da Universidade Potiguar de 1999 a 2018. Publicou: Do mito ao romance: uma leitura do evangelho segundo Saramago (2001); As aventuras de Teresa

Margarida da Silva e Orta em terras de Brasil e Portugal (2006); em coautoria com Constância Lima Duarte e Zenóbia

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Collares Moreira, o Dicionário de escritoras portuguesas: das origens à atualidade (2009); o Dicionário de escritores norterio-grandenses: de Nísia Floresta à contemporaneidade (2014). Organizou Mulheres e Literatura: ensaios (2013); O meu sentido primeiro das coisas: ensaios sobre a obra de Maria Teresa Horta - Vol. I, 2015 e Vol. II, 2019. Mantém atividade de pesquisa sobre escritoras portuguesas e continua publicando em revistas da área.

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As duas pontas da vida: As pequenas memórias Denise Noronha Lima*

Publicado em 2006, o livro de memórias de José Saramago (1922-2010) completa o conjunto de obras autobiográficas do autor, iniciado com o seu diário (os Cadernos de Lanzarote, escritos entre 1993 e 1997). Retrocedendo à infância e à adolescência, As pequenas memórias vão em busca do menino de Azinhaga e do seu mundo, para unir uma ponta da vida à outra, como um círculo a se fechar. Este trabalho pretende mapear essa interferência da memória na obra do autor, por meio de um cotejo entre o livro de memórias e a ficção de José Saramago, especialmente romances e crônicas, orientado não pelo sentido da verificação biográfica, mas pela investigação de uma origem que delineou toda a sua criação literária. A análise, concentrada em três elementos formativos do homem e do escritor (a aldeia, o rio e a casa dos avós), conduz à base comum da terra, simbolizada pelo chão de barro, do qual levantariam o autor e a sua obra. Palavras-chave: José Saramago. Memória. Ficção.

* Denise Noronha Lima é doutora em Letras (Literatura Comparada) pela Universidade Federal do Ceará, possui Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Estadual do Ceará e mestrado em Letras pela Universidade Federal do Ceará. Professora do curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará/ FAFIDAM, tem experiência em disciplinas de Teoria da Literatura, Literaturas Brasileira e Portuguesa, Literatura Comparada, Literatura Cearense e Crítica Literária. Orienta o Grupo de Estudos em Clássicos da Literatura Ocidental (CLIO) e o Grupo de Estudos Literários: Teoria e Crítica (LITTERA). Colaboradora do Grupo de Pesquisa Espaços de Leitura: Cânones e Bibliotecas.

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Ensaio sobre a cegueira: vícios e virtudes humanas Gabriela Silva*

A obra de José Saramago tornou-se conhecida pelo tratamento especial da linguagem, a construções narrativas e sobretudo a leitura do tempo, da história e do sujeito. Através de suas personagens, Saramago expõe as sombras da sociedade, com ênfase numa crítica voltada para a Igreja e o Estado. Em Ensaio sobre a cegueira, publicado em 1995, romance que compõe o ciclo alegórico da obra saramaguiana, é uma narrativa a respeito da irracionalidade do mundo contemporâneo, representada através de uma cegueira ética, moral e política. As personagens, não nomeadas, identificadas por seus papéis sociais ou funções, são figurações de vícios e virtudes humanas. Assim, ao enunciarmos uma perspectiva da obra de José Saramago, em “Ensaio sobre a cegueira: vícios e virtudes humanas”, procuramos perceber o engendramento dessas personagens, seu movimento na narrativa e como, por meio do seu comportamento, o romancista nos mostra a sua interpretação do mundo. Palavras-chave: José Saramago. Personagem. Ensaio sobre a cegueira.

* Gabriela Silva é natural de São Paulo, formada em Letras, especialista em Literatura Brasileira (2003), Formação de Leitores (2005), mestre (2009) e doutora (2013) em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica — Rio Grande do Sul (PUCRS). Tem pós-doutorado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa no Centro de Estudos Comparatistas. A pesquisa é sobre as novas identidades de escrita portuguesas. Realizou pós-doutorado na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões, com o tema o

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romance de Almeida Faria. Tem artigos e ensaios publicados em livros e revistas acadêmicas a respeito de Literatura Portuguesa. Atualmente é professora-visitante na Universidade Federal de Lavras — Minas Gerais.

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O legado jornalístico de Saramago: a atuação da FJS por meio da revista cultural Blimunda Henrique Mendes*

Apresenta-se um panorama dos sentidos expressos nos conteúdos jornalísticos de Blimunda, e busca-se enxergar a revista desde a sua relevância no contexto cultural e político atual, a partir do que ela possibilita de amplificação de temáticas, valores e vozes que reclamem por mudanças sociais no debate público, os quais relacionam-se à atuação intelectual de Saramago e de Pilar, interventores e intelectuais públicos com práticas em diversas frentes e sob um contexto interpelado por estruturas de dominação e resistência, com as quais estiveram em permanente embate e conjunção respectivamente. A atuação dos sujeitos que compõem a Fundação José Saramago (FJS), discursivamente posta em Blimunda, não se trata, então, apenas da tarefa louvável de conservação do legado saramaguiano, mas expressam a vontade desses homens e mulheres em intervir em um contexto de construção de valores e posicionamentos em favor das lutas por igualdade e reconhecimento, com repercussões que visam ao humanismo e à democratização da cultura. Ao mesmo tempo, Blimunda, a mulher que colhia vontades e via o interior das pessoas, vem possibilitando à equipe da FJS também experimentar formatos, gêneros e linguagens do fazer jornalístico cultural no contexto da web que até podem ser inicialmente vistas como práticas pequenas perto do tamanho dos problemas sociais com os quais a humanidade se depara no momento, mas que, ao fundo, podem estar estabelecendo relações com aspirações mais amplas cujas pistas se encontram em lugares onde os campos da comunicação social, da literatura e das políticas culturais se relacionam. Palavras-chave: Literatura. Jornalismo. José Saramago. Revista Blimunda.

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* Henrique Mendes é licenciado em Letras, bacharel em Jornalismo, começou a estudar Saramago em 2017 a partir do projeto de pesquisa “Jornalismo, literatura e política: as contribuições da obra de José Saramago para uma leitura crítica das mídias”, conduzido pela Professora Doutora Maria do Socorro Furtado Veloso no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2020 ingressou no Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da mesma universidade e atualmente desenvolve a parte final da dissertação de mestrado que deverá ser intitulada “Da personagem à revista: Blimunda como uma representação contestatória sobre a cultura”, da qual a comunicação apresentada recorre a resultados parciais.

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A segunda vida de Francisco de Assis (1987) Jaime Bertoluci*

Giovanni di Pietro di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis, um frade católico italiano do século XIII, passou à história como fundador da ordem religiosa que leva seu nome e como possuidor de muitas virtudes, sobretudo humildade, associada a uma opção intransigente pela pobreza (sua própria e alheia), e amor por todas as coisas do mundo natural, especialmente pelos animais. Essa imagem foi admirada e reafirmada ao longo dos séculos, recebendo elogios de pensadores e escritores de grande renome, como Hermann Hesse, Nobel de Literatura e romântico incorrigível, que está na base dos movimentos de contracultura dos anos 1960. Contudo, A segunda vida de Francisco de Assis, peça de teatro de José Saramago, mostra uma figura vaidosa — por vezes delirante — e autoritária, frequentemente agressiva e mal-intencionada, visão esta antecedida em algumas décadas pela análise penetrante de Aldous Huxley. Em seu relato imaginário e anacrônico da transmutação do santo em homem, Saramago não aborda a pretensa afinidade de Francisco com os animais, mas uma crítica, ainda que indireta, à verdade dessa afinidade já havia sido feita por seu conterrâneo igualmente brilhante e irônico, Eça de Queirós, em um conto (Frei Genebro) baseado na história da vida do “Poverello” — I Fioretti —, escrita por seus discípulos pouco após sua morte, ocorrida em 3 de outubro de 1226. Como se trata de um relato “histórico”, é razoável considerarmos igualmente verdadeiros tanto os fatos ali descritos que favorecem essa fama como os que a detratam. Palavras-chave: José Saramago. Teatro. A segunda vida Francisco de Assis.

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* Jaime Bertoluci é Biólogo, Mestre e Doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP), foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entre 1998 e 2004. Desde então é professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-USP, ocupando o cargo de Livredocente e atuando como orientador no Programa de Pósgraduação em Ecologia Aplicada (USP). Desde sua criação em 2002, é editor-chefe do periódico PHYLLOMEDUSA — Journal of Herpetology, indexado nas principais bases de dados internacionais. Como Docente Subsidiário junto ao Instituto de Estudos Avançados – USP, desenvolve o projeto O Ateu

Amoroso: a compaixão pelo sofrimento imposto pelo homem aos animais na obra de José Saramago.

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Que farei com este livro? Jean Pierre Chauvin*

Publicado em 1980, quatrocentos anos após a anexação de Portugal pelo reino de Castela, Que farei com este livro? reúne três peças teatrais - a primeira nomeia o volume. Nela, encontramo-nos com Luís de Camões, que retornava de Índia e Moçambique com o firme propósito de publicar Os Lusíadas. Na volta à acanhada corte, ele precisa lidar com as ordens reais, os dogmas católicos e os códigos de civilidade, interpostos pelo cardeal D. Henrique, pelo jesuíta Luís Gonçalves da Câmara, pelo frei Bartolomeu Ferreira, pelo secretário Martim Gonçalves da Câmara e por um comitê ainda maior de clérigos e fidalgos. Editado dois anos antes do romance Memorial do convento, o enredo da peça colocava sob a lupa da micro-história a batalha do poeta para editar seus versos, driblando os ditames teológicos e políticos que se fundiam à estreita mentalidade dos conterrâneos. O empenho de Camões por celebrar os feitos de Vasco da Gama segue em paralelo com a derrocada do país, que redundou na fusão com o reino de Castela entre 1580 e 1640. Construída habilmente, a ironia maior reside no contraste entre o êxito de Camões em imprimir seu poema edificante e o esfacelamento do reino representado em versos. Nesse sentido, a guerra travada pelo poeta frente à moral e às leis do país soam ainda mais ridículas e risíveis, levando-se em conta o temível destino de Portugal de 1572 em diante: ano da publicação de Os Lusíadas e da morte do poeta. Palavras-chave: José Saramago. Teatro. Que farei com este livro?

* Jean Pierre Chauvin é Professor Livre-Docente da Escola de Comunicações e Artes, USP, onde pesquisa e leciona Cultura e Literatura Brasileira (Colônia / Império / República). Atua nos

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programas de pós-graduação em Letras (UNIFESP) e Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa (USP). Publicou José Saramago: literatura contra mercadoria (2021), entre outros.

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A Lídia e a Marcenda na obra de José Saramago: metaficção e posicionamento político José Eduardo Fonseca Brandão*

O ano da morte de Ricardo Reis (1984) estabelece uma ponte capaz de ligar com sutileza e genialidade a literatura, a história e os estudos relativos à política e sociedade. A metaficção historiográfica torna possível uma visita à obra de Fernando Pessoa, animada por José Saramago em um tempo metaficcional em que movimentos políticos emergiam em uma Europa em ebulição — como o nazismo, o fascismo, o salazarismo e o franquismo. O diálogo transdisciplinar entre literatura e história é estabelecido, possibilitando formular hipóteses que visem à compreensão do fenômeno político reacionário e totalitário. As musas, Lídia e Marcenda, provenientes dos poemas do heterônimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, aparecem na narrativa de retorno do Heterônimo à terra do seu criador. A forma como as personagens são (re)construídas por José Saramago e os modos como elas interagem com os eventos históricos podem fornecer rastros sobre como se forma a mentalidade tendente a apoiar o Salazarismo, sendo esse o objeto principal da exposição a ser realizada no Colóquio. Palavras-chaves: José Saramago. Metaficção. Literatura. Política.

* José Eduardo Fonseca Brandão é Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes (2010-2015), com PósGraduação, Especialização, em Direito Empresarial pela Universidade Estácio de Sá (2018-2019). Em 2016, ingressou na Licenciatura em Letras/ Português-Grego, e em 2020 ingressou no Mestrado em Teoria da Literatura, ambos pela Universidade Federal Fluminense.

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O discurso literário e a escrita de si em O último caderno de Lanzarote, de José Saramago Karina Luiza de Freitas Assunção*

O cuidado de si, abordado por Foucault, é constituído por práticas que atravessam uma estética da existência, ou seja, a vida do sujeito compreendida como uma obra de arte. Na antiguidade, os gregos empregavam técnicas para aperfeiçoar a sua conduta, se fundamentavam em um trabalho constante sobre si mesmos que incidiam nas relações com os outros sujeitos. Dessa forma, a constituição dos sujeitos se dava por princípios, limites e condições. Consistindo em um exercício de si sobre si, com o objetivo de transformar-se e “atingir um modo de ser”. Foucault (2004) procurou compreender como os sujeitos adentram esses jogos, ou seja, como o sujeito se constitui através de relações de poder/saber perpassadas por verdades. Portanto, a presente intervenção tem como objetivo problematizar a “escrita de si”, a partir da leitura de O último caderno de Lanzarote (2018), como um procedimento utilizado pelo autor José Saramago que possibilita reconhecer em seu discurso os espaços diversos, as condições sóciohistórica, cultural e os campos de saber que perpassam a sua produção, ou seja, analisar os sistemas de regras que regulam sua escrita. Além disso, nas palavras de Deleuze (2011), a literatura pode ser relacionada a saúde, sendo destinada a um mundo que apresenta um conjunto de sintomas, cuja doença pode ser confundida com o próprio sujeito. Dessa forma, o escritor não seria um doente, mas o médico. Sendo assim, a função do discurso literário, para o sujeito discursivo José Saramago, pode ser considerada um antídoto contra o sistema capitalista. Palavras-chave: José Saramago. Discurso literário. Escrita de si.

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* Professora Adjunta do Instituto Federal de São Paulo (IFSP/Matão). Doutora em Estudos Linguísticos, Mestre em Linguística, Especialização Lato Senso em Estudos Linguísticos: “Fundamentos Para Ensino e Pesquisa” todos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e em “Literatura: Teoria e Crítica” pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Autora dos livros O sujeito, a subjetividade e a verdade em José Saramago (2017) e A caverna de José Saramago: lugar de enfrentamentos entre o sujeito e o poder (2011). Organizadora dos livros Olhares

discursivos para os enunciados midiáticos, artísticos e literários (2018) e Enunciação e discurso: língua e literatura (2014). Integrante do Laboratório de Estudos Discursivos Foucaultianos (LEDIF) — UFU.

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In Nomine Dei, de José Saramago: entre ficção e história Marcelo Lachat*

In Nomine Dei, peça de José Saramago publicada em 1993, encena a chamada “Rebelião de Münster”, revolta religiosa dos anabatistas que resultou na tomada do governo da referida cidade alemã em fevereiro de 1534. Permanecendo no poder até junho de 1535, os anabatistas voltaram-se inicialmente contra os católicos, mas acabaram por perseguir também os luteranos. Essa tentativa histórica de reforma radical foi bastante violenta e evidenciou a intolerância religiosa tanto de protestantes quanto de católicos. Assim, a ação de In Nomine Dei transcorre em Münster, entre maio de 1532 e junho de 1535, e é resumida ironicamente pelo próprio autor no prólogo da peça: “Não é culpa minha nem do meu discreto ateísmo se em Münster, no século XVI, como em tantos outros tempos e lugares, católicos e protestantes andaram a trucidar-se uns aos outros em nome do mesmo Deus – In Nomine Dei – para virem a alcançar, na eternidade, o mesmo Paraíso. Os acontecimentos descritos nesta peça representam, tão-só, um trágico capítulo da longa e, pelos vistos, irremediável história da intolerância humana”. Como se pretende demonstrar nesta comunicação, portanto, a (re)escrita saramaguiana, nessa e em outras obras, é uma via de mão dupla entre ficção e história. Palavras-chave: José Saramago. Teatro. Literatura. História.

* Marcelo Lachat é professor adjunto de Literatura Portuguesa no Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É também professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em Letras da Unifesp e no Programa de Pós-Graduação em Estudos

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Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP).

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Pastor, um personagem peregrino na obra saramaguiana Marcelo Pacheco Soares*

Investigam-se as aparições do personagem Pastor, figura do Diabo no romance de José Saramago O Evangelho segundo Jesus Cristo, nas obras Todos os nomes e Caim. Se, na primeira narrativa, Jesus reconhece que “também se aprende com o Diabo”, é porque Pastor e suas aparições em outros espaços ficcionais possuem no universo da poética do autor uma função pedagógica fundamental: mestre de um Jesus tornado repentino discípulo, também dará lições ao Sr. José e, ainda, servirá de guia a Caim nas vezes em que o encontrar na entrada das terras de Nod. A diabólica peregrinação pelos romances dessa personagem tão íntima à poética saramaguiana, bem como sua função na construção da ideologia das obras de Saramago, são objetos de estudo de nossa pesquisa. Palavras-chave: José Saramago. Personagem. Pastor.

* Doutor e Mestre em Literatura Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Pós-Doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal Fluminense (UFF); conduz pesquisas principalmente sobre Literaturas Fantásticas dos séculos XX e XXI, sobretudo no gênero conto, dedicando-se especialmente a autores como José Saramago, Jorge de Sena, Teresa Veiga, Maria Isabel Barreno e Maria João Cantinho. Desde agosto de 2008, é professor efetivo de Língua Portuguesa e Literaturas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).

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A noite. Entre o drama moderno e o ensaio sobre o jornalismo português Marco Aurélio Abrão Conte*

Conquanto a obra narrativa de José Saramago tenha já motivado incontáveis estudos acadêmicos aquém e além das fronteiras do mundo lusófono, incursões suas em domínios estrangeiros à escrita romanesca padecem, ainda hoje, de certo desprestígio por parte da crítica literária. É sabido que um estrato expressivo da crítica saramaguiana relegou, à guisa de exemplos, sua crônica, sua poesia e seu teatro a uma condição secundária, a partir da qual tais gêneros não figuram senão como elementos que orbitam, temática e formalmente, os romances de Saramago, potencializando-os, com o que se acaba por ignorar aspectos fundamentais relacionados à autonomia e à configuração estética desses textos. Tal postura analítica, que busca vislumbrar os indícios do romancista em outras áreas de atuação do escritor, é particularmente sensível nos estudos de seu drama, frequentemente tachado de naturalista, neorrealista ou, até mesmo, anacrônico e estruturalmente conservador por supostamente estar filiado a paradigmas estéticos já há muito superados pelo teatro europeu. Pretende-se, com esta intervenção, situar A noite, peça de estreia do escritor, publicada em 1979, no contínuo do drama moderno e, com isto, revelar de que forma Saramago rompe com noções caras ao teatro mimético, como a ação e o diálogo, configurando, mais propriamente, um fórum político, em que tais categorias são tensionadas a fim de fazer emergir uma lógica menos acional que ensaística, por meio da qual se articulam impressões particulares a respeito do jornalismo oficioso que em Portugal se fazia durante o Estado Novo. Palavras-chave: José Saramago. Literatura. Teatro. Jornalismo.

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* Marco Aurélio Abrão Conte é Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) — Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, onde desenvolve pesquisas sobre o teatro moderno e o teatro contemporâneo, dedicando-se, especificamente, à investigação dos aspectos estéticos e políticos do drama moderno de José Saramago. É membro do Grupo de Estudos Culturais da Unesp de Franca. Diretor de teatro, já liderou montagens de peças de autores como John Logan, William Shakespeare e Chico Buarque.

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Concepciones saramaguianas sobre el arte II: el juego y la fiesta en El diario del año del Nobel de José Saramago y La salvación de lo bello de Byung-Chul Han Marisa Leonor Piehl*

José Saramago ha dejado una vasta obra narrativa, poética, dramática, ensayística, periodística y autobiográfica. En toda ella es posible encontrar ciertos puntos en común o preocupaciones, que el autor aborda desde diferentes perspectivas: la historia, la política, la ética, el arte, la palabra, etc. Desde la Cátedra Libre José Saramago de la Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, hemos abordado los Cuadernos de Lanzarote (de 1993 a 1997) en relación al arte y en esta oportunidad proponemos seguir ese estudio, puntualizando en las entradas referidas a la actividad artística o al arte en particular de El cuaderno del año del Nobel (1998). Para ello pondremos a dialogar sus concepciones artísticas con las de Han-Georg Gadamer, retomadas por Byung-Chul Han en Salvación de lo bello. Nos abocaremos a sus ideas estético-antropológicas sobre el juego y la fiesta para sistematizar las apreciaciones que José Saramago realiza sobre una exposición de la escultora catalana Susana Solano y la que nosotros, como lectores, hacemos de su obra literaria, como genuinas experiencias antropológicas del arte. A partir de este análisis, planteamos como hipótesis de nuestra disertación que el arte siempre estará a salvo, según Han Byung-Chul y José Saramago, si no se deja envolver en la comodidad y el aletargamiento que produce la equivocada idea de la transparencia en el arte, en su utópica búsqueda de representar la realidad, la verdad. Palabras claves. Arte. Juego. Fiesta. Salvación. Verdad.

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* Marisa Leonor Piehl: Licenciada en Letras por la Universidad Católica de Córdoba. Magister en Literaturas comparadas y Crítica cultural por la Universitat de Valencia. Catedrática de la Cátedra Libre José Saramago, radicada en la Facultad de Lenguas de la Universidad Nacional de Córdoba (UNC). Docente en la Universidad Nacional de La Rioja y la Universidad Nacional de Chilecito. Co-autora del Diccionario de personajes saramaguianos (Santillana-EDUCC), Apuntes sarmaguianos I a VII e Indagaciones sobre la narrativa saramaguiana (EDUCC).

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Desde la ‘epidemia de ceguera’ a las ‘intermitencias de la muerte’. Algunas reflexiones desde Byung-Chul Han Miguel Alberto Koleff*

En este trabajo pretendo analizar algunos pasajes de las novelas Ensaio sobre a cegueira (1995) y As intermitências da morte (2005) de José Saramago a fines de reconocer los efectos perceptibles del COVID-19 a nuestro alrededor. Lo hago expresando algunas ideas sobre la nueva normalidad en el caso de que ésta sea posible y a los fines de conjeturar un programa para el futuro. Palabras claves: Pandemia. Ceguera. Muerte. Responsabilidad. Capitalismo

* Miguel Alberto Koleff trabaja en el campo de las Literaturas afro-luso-brasileñas en la Facultad de Lenguas de la Universidad Nacional de Córdoba donde cumple tareas de docencia, investigación y extensión, tanto en el grado como en el posgrado. Es Profesor Responsable de la Cátedra Libre José Saramago en la misma Facultad y autor de varias publicaciones, entre las que se destacan La caverna de José Saramago: una imagen dialéctica (EDUCC, 2013), Vence también a los leones. Blog de Literaturas Lusófonas (Ferreyra Editor, 2015), El perro de las lágrimas y otros ensayos de literaturas lusófonas (Ferreyra Editor, 2017) y La

supervivencia de las luciérnagas y otros ensayos de literaturas lusófonas (Ferreyra Editor, 2020) al lado de numerosos papers académicos. Escribe regularmente en la “Columna de Literaturas Lusófonas” del diario Hoy día Córdoba, de circulación local. Es director argentino de la Revista de Estudos Saramaguianos con sede en Brasil.

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A vertigem das listas: a oficina d’O evangelho segundo Jesus Cristo Sara Grünhagen*

Este trabalho se desenvolve em torno de uma cena central do romance O evangelho segundo Jesus Cristo (1991), de José Saramago: estando Deus, o Diabo e Jesus numa barca, tomamos conhecimento da História futura da religião prestes a ser criada, e isso pela boca daquele que seria o seu principal responsável. Os episódios, mártires e tormentos listados pela impopular personagem de Deus são numerosos e paradigmáticos do uso frequente que Saramago faz da enumeração, um artifício narrativo que remete a mais de uma tradição literária e que, como se buscará mostrar, é um dos meios utilizados pelo escritor português para revisitar várias histórias, com ou sem H maiúsculo. As abundantes e vertiginosas listas do Evangelho provocam ainda interrogações sobre a presença no texto de materiais que serviram de base para a criação ficcional: afinal, como já se perguntara Harold Bloom a propósito da cena da barca, de onde provêm todos aqueles dados, com tantos detalhes mórbidos? Além disso, por que há tantos mártires portugueses? A partir do estudo de alguns dos materiais preparatórios do Evangelho, o objetivo deste trabalho será mostrar, enfim, que o recurso da enumeração não só tem uma função crítica importante na narrativa como abre as portas da biblioteca que alimenta o romance, levando-nos para dentro da oficina do escritor. Palavras-chave: José Saramago. O evangelho segundo Jesus Cristo. Literatura. História.

* Sara Grünhagen é licenciada em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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Recentemente concluiu na Universidade Sorbonne Nouvelle, em cotutela com a Universidade de Coimbra, um doutoramento sobre José Saramago. É membro do Centre de recherches sur les pays lusophones (Crepal) e do Centro de Literatura Portuguesa (Universidade de Coimbra). Atualmente leciona na Universidade Sorbonne Nouvelle.

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Saramago cronista: está lá tudo? Saulo Gomes Thimóteo*

As crônicas que José Saramago escreveu durante as décadas de 60 e 70, antes dos romances que o consagrariam, portanto, formulam-se como uma espécie de “oficina do artista”, na qual a sua escritura foi sendo estimulada e testada, mesmo no diminuto espaço do gênero cronístico. Não se deve estabelecer, contudo, que ali estavam os romances encapsulados, mas sim que as linhas mestras do que seria o narrador (ensaísta?) Saramago ali se dilatavam e desenvolviam. Seja jogando com elementos literários, como personagens, diálogos e evocações, seja produzindo a visão do cidadão engajado politicamente, com seu encadear argumentativo e seus recursos de tropos de linguagem, há muitos elementos nas crônicas que deixam entrever a persona saramaguiana, que se refletiria e refrataria no caleidoscópio da obra futura. Nesse sentido, tentando investigar os diversos caminhos que se entretecem em sua escrita, três lustros se apresentarão: a Linguagem, a Paisagem e a Viagem. Em todos, embora cada um mantenha uma singularidade, há tanto a ação do questionamento constante, quanto a busca da compreensão da experiência praticada, algo constante e contínuo na visão saramaguiana. Palavras-chave: José Saramago. Crônica. Linguagem. Paisagem. Viagem.

* Saulo Gomes Thimóteo é professor de Teoria Literária e Literaturas de Língua Portuguesa e do Programa de Mestrado em Estudos Linguísticos na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) desde 2011. Com pesquisas sobre a literatura portuguesa desde 2004, sobretudo a obra de José Saramago, em associação a diálogos com nomes como Mikhail Bakhtin, Walter Benjamin e Roland Barthes, o professor busca

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estabelecer caminhos de leitura e interpretação, de modo a observar a literatura como espaço de jogo, diálogo e interação.

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Todos os nomes: uma lição da Nova História Teresa Cristina Cerdeira*

Na contramão de uma leitura que desistoriciza os romances de José Saramago na dita segunda fase da sua produção, esta proposta de interpretação de Todos os nomes pretende entendê-lo como uma narrativa cujo argumento poderia ser lido, em modo metonímico, como um conjunto de eventos que ali estão, entre outras funções, para cumprir seu papel de mise en abyme de uma função ensaística muito a gosto do autor. Neste caso, essa função seria a de evidenciar e referir uma ética da história para quem a compreensão do presente exige fundamentalmente uma memória do passado. A metamorfose da Conservatória do Registro Civil, operada por um conservador que se nutre da experiência vivencial do Sr. José, será a ilustração desse entendimento: não mais separar os ficheiros dos vivos e dos mortos significa compreender que o dia só garante sua existência conceptual se existir a noite, não apenas como contraponto, mas ainda como referência original e tutelar: fala-se sempre do primeiro dia quando na verdade é a primeira noite que deveria contar. Palavras-chave: José Saramago. Todos os nomes. Nova História.

* Teresa Cristina Cerdeira é professora titular da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora 1A do CNPq. Foi Regente da Cátedra Jorge de Sena de 2005 a 2011, tempo durante o qual editou a Revista Metamorfoses. Organizou individualmente ou em conjunto livros de ensaio em homenagem a Cleonice Berardinelli (Cleonice clara em sua geração, 1985), a Helder Macedo (A Experiência das fronteiras, 2004; A primavera toda para ti, 2006). É autora dos seguintes livros: José Saramago: entre a história e a ficção, uma saga de portugueses (Lisboa: Dom

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Quixote, 1989; Belo Horizonte: Moinhos, 2019); O avesso do bordado (Lisboa: Caminho, 2000); A Tela da Dama (Lisboa: Presença, 2013); A Mão que escreve (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014); Formas de ler (Belo Horizonte: Moinhos, 2020).

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Concepciones saramaguianas sobre el arte I: lo bello y lo sublime en El diario del año del Nobel de José Saramago y La salvación de lo bello de Byung-Chul Han María Victoria Ferrara*

José Saramago ha dejado una vasta obra narrativa, poética, dramática, ensayística, periodística y autobiográfica. En toda ella es posible encontrar ciertos puntos en común o preocupaciones, que el autor aborda desde diferentes perspectivas: la historia, la política, la ética, el arte, la palabra, etc. Desde la Cátedra Libre José Saramago de la Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, hemos abordado los Cuadernos de Lanzarote (de 1993 a 1997) en relación al arte y en esta oportunidad proponemos seguir ese estudio, puntualizando en las entradas referidas a la actividad artística o al arte en particular de El cuaderno del año del Nobel (1998). Para ello, pondremos a dialogar sus concepciones artísticas con las de Immanuel Kant, retomadas por Byung-Chul Han en Salvación de lo bello. Nos abocaremos a sus ideas estético-filosóficas sobre lo bello y lo sublime para sistematizar las apreciaciones que el autor portugués realiza, por una parte, sobre el jardín de su propia casa y la Montaña Blanca en Lanzarote; y por otra, la reflexión estética sobre el río en Azinhaga, la puerta que Miguel Ángel dibujó para la Biblioteca Laurenciana y Timanfaya. A partir de este análisis, planteamos como hipótesis de nuestra disertación que el arte siempre estará a salvo, según Han Byung-Chul y José Saramago, si no se deja envolver en la comodidad y el aletargamiento que produce la equivocada idea de la transparencia en el arte, en su utópica búsqueda de representar la realidad, la verdad. Palabras claves: Arte. Bello. Sublime. Salvación. Verdad.

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* Victoria Ferrara es Licenciada en Letras por la Universidad Católica de Córdoba. Magister en Literaturas comparadas y Crítica cultural por la Universitat de Valencia. Catedrática de la Cátedra Libre José Saramago, radicada en la Facultad de Lenguas de la Universidad Nacional de Córdoba (UNC). Directora del Profesorado Universitario en Letras de la Universidad Nacional de La Rioja (UNLaR). Docente del Departamento Académico de Ciencias Humanas y de la Educación de la UNLaR. Docente de la Especialización en Lenguaje y Comunicación digital en la Facultad de Ciencias de la Comunicación de la UNC. Co-editora de Apuntes saramaguianos, EDUCC y del Diccionario de personajes saramaguianos, Santillana.

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O amor possível Sandra Ferreira*

Em Os poemas possíveis (1966), de José Saramago (19222010), há uma seção intitulada “O amor dos outros”, composta por 10 poemas breves concernentes a uma previsível, mas fascinante mitologia amorosa. O trabalho considerará, nessa seção de poemas, a opção por elementos peculiares da linguagem para a construção do texto poético, tornado gesto significativo, em que o poeta dá vida a um desejo de ênfase sentimental intensificando os fluxos habituais da expressão. O aporte teórico reside nas contribuições da estilística dita idealista, especialmente nas fornecidas por Amado Alonso em Materia y forma en poesía. Para Alonso, o trabalho do poeta consiste em unir, por meio da palavra, a intuição e o sentimento, sem deixar fissuras. O propósito deste trabalho, portanto, é investigar como José Saramago efetiva linguisticamente o tema do amor, ora harmonizando o sentimento com o pensamento, ora desequilibrando os termos em favor do sentimento. A questão orientadora da análise é a correlação entre os versos criados pelo poeta e o impulso criativo que o leva expressar-se de uma maneira específica e não de outra, ao condensar os sentimentos expressos pelas vozes míticas com as quais dialoga. Palavras-chave: José Saramago. Poesia. Os poemas possíveis.

* Sandra Ferreira possui graduação em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1987), mestrado em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (1998), doutorado em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (2004) e pósdoutorado em Letras (Teoria Literária) pela Universidade

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de Coimbra (2010). Atualmente é professora assistente de Literatura Portuguesa na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e autora de Entre a

biblioteca e o bordel: a sátira narrativa de Hilário Tácito (Editora UNESP, 2006) e de Da estátua à pedra: percursos figurativos de José Saramago (Editora da UNESP, 2015).

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Realização Universidade Federal Fluminense (UFF) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Parcerias Fundação José Saramago Companhia na Educação / Grupo Companhia das Letras Grupo de Estudos Sobre o Romance Laboratório de Ecdótica da Universidade Federal Fluminense (Labec-UFF)

Organização Ceila Maria Ferreira Luis Maffei Pedro Fernandes de Oliveira Neto

Monitores Flaviana Luzia da Silva Jamilly Maria da Silva Marcela da Silva Ribeiro Pedro Augusto Ribeiro da Silva Frazão

www.coloquiosaramaguianos.com

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Eu vivo desassossegado, escrevo para desassossegar. — José Saramago

Realização

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Parceria


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Concepciones saramaguianas sobre el arte I: lo bello y lo sublime en El diario del año del Nobel de José Saramago y La

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Todos os nomes: uma lição da Nova História

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Saramago cronista: está lá tudo?

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A vertigem das listas: a oficina

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Desde la ‘epidemia de ceguera’ a las ‘intermitencias de la muerte’. Algunas

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Concepciones saramaguianas sobre el arte II: el juego y la fiesta en El diario del año del Nobel de José Saramago y La

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pages 52-53

A noite. Entre o drama moderno e o ensaio sobre o jornalismo português

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pages 50-51

Pastor, um personagem peregrino na obra saramaguiana

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In Nomine Dei, de José Saramago: entre ficção e história

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pages 47-48

A segunda vida de Francisco de Assis

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pages 40-41

O discurso literário e a escrita de si em O

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pages 45-46

O legado jornalístico de Saramago: a atuação da FJS por meio da revista cultural Blimunda

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A Lídia e a Marcenda na obra de José Saramago: metaficção e posicionamento político

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Que farei com este livro?

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pages 42-43

Ensaio sobre a cegueira: vícios e virtudes

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pages 36-38

O Memorial de Blimunda — reflexões sobre a reinvenção da ética em José Saramago

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pages 25-26

O mundo segundo Saramago

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pages 29-30

Saramago polígrafo

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pages 31-32

Todos os nomes e os passos que regressam ao amor e à ética

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As duas pontas da vida: As pequenas

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Levantado do chão: a saga dos oprimidos

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pages 33-34

Os poemas possíveis de José Saramago

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pages 27-28

Da poesia de Saramago: alguns poemas possíveis, muitos desassossegos

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pages 22-23
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