Sierguéi Iessiênin (poemas)

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SIERGUÉI IESSIÊNIN



SIERGUÉI IESSIÊNIN



SIM! ESTÁ DECIDIDO, AGORA NÃO TEM MAIS VOLTA

Sim! Está decidido, agora não tem mais volta Deixei minha querida terra natal, as folhas de álamos carregadas pelo vento nunca mais cairão sobre mim, não sentirei novamente o toque das folhas, nem ouvirei seus sussurros, é verdade. Nossa antiga casa vai vir abaixo na minha ausência, e o meu velho cão já há tempos está morto. Nas frias e tortuosas ruas de Moscou caminho para a morte, esperando conhecer a misericórdia desse Deus que tem me julgado. Amo demais essa cidade de olmos, cheia de prédios decrépitos e casas velhas. Um sonho asiático de inesquecível beleza onde repousam templos cobertos de ouro. À noite, quando a luz da Lua, dissipada, Brilha por sobre a cidade… diabos! O inferno sabe como queimar! Estou a andar pelas ruas, cabisbaixo, rumo à taverna mais próxima, para um drink ou dois. É um antro sinistro e barulhento esse lugar, Apesar disso, durante a noite toda, até de madrugada, leio poemas para as meninas que vão se prostituir, enquanto me embebedo e elas se divertem prazerosamente com os ladrões. Meu coração começa a palpitar com mais e mais força, então choro, finalmente perdendo a compostura, e falo, meio sem propósito, meio fora de contexto: “Assim como vocês, eu falhei e me perdi, mas pra mim já não há caminho de volta”. Minha antiga casa desmoronou na minha ausência, meu velho cão já há tempos está morto. Nas frias e tortuosas ruas de Moscou estou fadado a morrer, esperando a misericórdia desse Deus que tem me julgado.

(1922)

- Tradução de Pablo Polese


Nuvens – como lagos, Um ganso fulvo – a lua. Diante do nosso olhar A Rússia dança em fúria. O bosque treme o seu teto, Fervilha a fonte. Salve, Ótchar*, ressurreto! Salve, mujique do horizonte! As águas azuis São tua paz e luz. No mundo não resta Liberdade funesta. Canta, clama, conclama Os mais remotos rastros. O arco dos astros Não tombará do céu em chama. Não cairá do ocaso A redoma roxa. Teu ombro abraço É recife-rocha.

* Neologismo criado por Iessiênin, derivado de “Ótchen”, pai. Segundo Serena Vitale, “ o mujique-gigante universal”, que cavalga a lua, na mitologia pessoal do poeta.


Pobre escrevinhador, é tua A sina de cantar a lua? Há muito o meu olhar definho No amor, nas cartas e no vinho. Ah, a lua entra pelas grades, A luz tão forte corta os olhos. Eu joguei na dama de espadas E só me veio o ás de ouros.


ao profeta Jeremias Um ladrido de sinos sobre a Rússia: Choram os muros do Kremlin. Hoje, com as lanças das estrelas, Te arrancarei do chão, terra trêmula! Distendido até a cidade invisível Perfurarei o lácteo véu. Até a Deus vou beliscar a barba, Mostrando os dentes para o céu. E lhe direi com voz de vento, Grudando-o pela grenha alva: Senhor, vou te fazer diferente Para florir meu campo de palavras. Lamberei com a língua dos ícones As máscaras dos mártires lívidos. Eu lhes prometo a terra de Inonia Onde vive a divindade dos vivos! Maldigo o respiro de Kitej,* Todos os vales do seu mundo. Quero erguer o nosso castelo Sobre a escavação sem fundo. Soluça e chora, Moscóvia! Um novo Indikaplóv** se eleva! Todas as rezas do teu breviário Rasgarei com meu bico de palavras!

(1918)

* Cidade legendária que, assediada pelas hordas tártaras, teria sido engolida pela terra. ** Kosma Indikaplóv, mercador do século VI, que se tornou monge em Alexandria e escreveu um tratado cosmogônico, baseado na Bíblia.


Ei, russos! Pescadores do universo, Na rede da aurora colhendo o céu – Troai as trompas! Sob a charrua do raio Ruge a terra. Rompe os penhascos a auridente Relha. Novo semeador Erra pelos campos Novas sementes Arroja aos sulcos. Um hóspede-luz Vem num coche. Corre entre as nuvens Uma égua Sela da égua – Azul. Sinos da sela – Estrelas.

(1917)


Até logo, até logo, companheiro, guardo-te no meu peito e te asseguro: o nosso afastamento passageiro é sinal de um encontro no futuro. Adeus, amigo, sem mãos nem palavras. Não faças um sobrolho pensativo. Se morrer, nesta vida, não é novo, Tampouco há novidade em estar vivo.


O HOMEM NEGRO Meu amigo, meu amigo, Estou muito, muito doente. De onde veio esta dor, nem mesmo eu lembro. Seria o vento que assobia No campo árido e deserto, Ou talvez como os bosques em setembro o álcool desfolha o meu cérebro? Minha cabeça move as orelhas Como um pássaro as asas. Ela não consegue mais Balançar as pernas no pescoço. Um homem negro Negro, negro, Um homem negro Senta-se à beira do meu leito. Um homem negro Não me deixa dormir a noite inteira. O homem negro Move o dedo sobre o livro ignóbil E nasala sobre mim Como um monge sobre um defunto, Lê para mim a vida De não sei que malandro e vagabundo, Levando para a alma a angústia e o medo, O homem negro, Negro, negro! “Escuta, escuta – Murmura para mim – No livro há muitos belos Pensamentos e projetos. Este homem Vivia no país Dos charlatões e arruaceiros Os mais abjetos. Nessa terra, em dezembro, A neve é diabolicamente alva, E as borrascas movem Alegres rocas. Aquele homem era um aventureiro, Mas de mais alta E da melhor marca. Ele era elegante E além do mais poeta, De força não muito grande,


Mas cheio de vida. E uma certa mulher De quarenta e tantos anos Ele a chamava de menina má E de sua querida. A felicidade – dizia – É a ligeireza de cérebro e dedos. Todas as almas incapazes São sempre tidas como infelizes. Não faz mal Que a muitos sofrimentos Levem os gestos Fingidos e falazes. Nas tempestades, nas tormentas, Na algidez da existência, Quando há perdas penosas E quando se está triste, Parecer sorridente e singelo É a mais alta arte que existe”. “Homem negro! Não me fale assim! Você não está a serviço Do espírito das águas. O que tenho eu com a vida De um poeta escandaloso? Em outros, que não eu, Despeje as suas mágoas”. O homem negro Fita-me de frente E os seus olhos se cobrem De um vômito anil, Como se ele quisesse me dizer Que eu sou um malandro, um ladrão Que assaltou alguém De modo traiçoeiro e vil. ………………………… Meu amigo, meu amigo, Estou muito, muito doente. De onde veio esta dor, nem mesmo eu lembro. Seria o vento que assobia No campo árido e deserto, Ou talvez como os bosques em setembro O álcool desfolha o meu cérebro? Noite fria. Paz de encruzilhada. Estou só, à janela,


Não espero hóspede ou amigo. Toda a planície está coberta De cal macia e farinhenta, E as árvores como ginetes Apeiam em meu jardim. Em alguma parte chora Sinistra ave noturna. Os cavaleiros de madeira Semeiam as batidas dos cascos. E de novo o homem negro Senta-se em minha cadeira, A cartola do lado, descaídas As abas do casaco. “Escuta, escuta! – Rouqueja, olhando-me na face. E se inclina para mim Cada vez mais e mais. Não vi ninguém Dentre os canalhas Que sofresse de insônia Tão inútil e chinfrim Ah, admitamos que me engane! Ainda bem que há de luar. Que mais este mundinho sonolento Poderia demandar? Talvez, de coxas gordas, “Ela” virá furtivamente, E lhe dirás um poema Langoroso e tumular. Ah, eu gosto dos poetas! Divertem, com seus versos. Neles eu sempre encontro Consolo para o meu mal – Como se a uma estudante espinhenta Um mostrengo cabeludo Falasse de universo, Extravasando langor sexual. Não sei, não me lembro, Em certo povoado, Talvez em Kaluga Ou talvez em Riazan, Vivia, ali, um menino Numa simples família camponesa, De cabelos amarelos E olhos cor de anil…


E eis que ele se tornou adulto E além do mais poeta, De força não muito grande, Mas cheio de vida. E uma certa mulher De quarenta e tantos anos Ele a chamava de menina má E de sua querida”. “Homem negro” És um hóspede maligno. Há muito se propala Tua fama infeliz.” E eu, furioso, febril… E voa minha bengala Para o seu focinho, No meio do nariz… ………………………. A lua é morta. A alba azula à janela. Ah, noite! Noite, o que me deformaste? Aqui estou, de cartola, Ninguém a meu lado. Estou só. E o espelho, quebrado.

(1925)


OUTONO Égua rubra alisando as crinas: O outono na calma dos zimbros. Sobre a margem terrosa e áspera, o tinido azul dos seus cascos. Monge-vento, passo medido, Pisa as folhagens do caminho. E beija o Não-Visível-Cristo, Chagas vermelhas entre arbustos. (1914-1916)

- Traduções de Augusto de Campos




CRÉDITOS

IMAGENS Capa: Sierguéi Iessiênin, 1914. Global Look Press TEXTOS - O primeiro poema apresentado neste catálogo foi do site Passa palavra; disponível em <http://passapalavra.info/2015/03/103186> Última consulta em 10 de agosto de 2017. - Os demais poemas estão nos livros Poesia da recusa, organização e tradução de Augusto de Campos (Coleção signos 42. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006) e Poesia russa moderna, organização, tradução de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman (Coleção signos 33. 6ª ed., revisada e ampliada. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001).

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