Palavras de pedra

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Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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Só a palavra salva da fulminante derrota Leontino Filho, do livro Cidade Íntima

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Do autor Sertanices (inĂŠdito)

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palavras de pedra e cal

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pedro fernandes

palavras de pedra e cal (poesia)

Letras in.verso e re.verso

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Apresentação Nada eu deveria dizer deste livreto que agora é lançado. Mas acho que ele merece algumas palavras, ainda que breves; afinal, todo processo de criação tem, certamente, sua história e merece ser contada, ainda que breve. Deste livreto, uma coisa é certa: nem ele sonhava existir, tampouco eu de o criar. Tudo veio do acaso. Todos os anos, no dia 24 de novembro, crio alguma coisa para passagem de aniversário do blog Letras in.verso e re.verso, alguma novidade. Neste ano de 2009, não me veio nenhuma ideia a não ser redigir um texto em que falava dos desafios de escrever e manter o espaço do blog. Essa ausência de novidade dura até semanas depois quando me vem a ideia de reunir todos os poemas que já publicados no espaço e dispô-los aos leitores e transeuntes virtuais. Aí ideia ganha forma e nome. Não seria apenas um feixe de poemas a ser disposto para download, seria um feixe de poemas a ser disposto para download mas com nome próprio e cara de livro. Livreto, portanto, passou a se chamar. Mas nada de nome próprio. Dá nome às crias é algo complicado. Já durante o processo de montagem é quando me vem Palavras de pedra e cal; Palavras de pedra e cal ficou. O título, poderão dizer, não tem nada a ver com a obra; e talvez seja verdade. Se o leitor nele buscar, por analogia às pedras, poemas destilados a João Cabral de Melo Neto, não irá encontrar mesmo nenhum sentido no nome em relação com a obra. Esse nome está para mais que isto. A leveza e a dureza da pedra cal estão aí contidas. São assim as palavras virtuais. Na leveza e na dureza podem elas se esfarelarem. Mas se se esfarelarem deixam atrás de si um rasto branco, uma vereda, questionável, de vida que existiu – é esse o rasto que está impresso na capa. Palavras de pedra e cal reúne todos os poemas publicados nos dois anos de existência desse espaço, de 2007 a 2009. É para ser lido como uma amostra de minha produção poética, que até onde posso me ver, crítico de mim mesmo, é bastante variada; como as pedras – uns mais cortantes que outros, outros tão ruins que nem sei se posso chamá-los de poema. O fato é que todos como a pedra cal são fabricados. E por insignificante que sejam ainda há de trazer aos pulmões do leitor poeira que o sufoque. Pedro Fernandes

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Sumário apresentação 8 receita de um poeta 9 insônia 10 filhos de Adão 11 a mão 12 festa profana 14 auto-ajuda 15 adultecimentos 16 o tempo 17 à espera 18 … 19 instante (poema. revolução) 20 sonho 21 marcas 22 cadáveres adiados 24 do silêncio 26 poema em processo 27 2050 28 vulgata romântica 29 boca suja (fragmento) 30 no extenso horizonte-sangue 31 poema-conto de sonho-cabaré 32 salvação 33

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Receita de um poeta

Não nos preocupemos com as palavras Elas caem não sei de onde Vêm de cheio uma após outra A galope ou fugindo do negro de nós E escapam, derrapam, ficam e fincam em versos, por vezes destoados, mas versos. Não faria sentido Ficar sentado, parado, perdido no vácuo do papel A suspirar por donzelas, por outros eus, pelo mundo A esse modo as palavras correm, têm medo de como serão usadas Elas preferem ser abusadas e caírem mortas-vivas, rotas, num verso sem fim. Não há necessidade de arrumá-las como que numa prateleira Elas vêm faceira, gostam mesmo é da desordem Porque é na liberdade, no caos, que se ergue o sentido Que se mostram coerências, coesões É no desconexo que se ergue o poema.

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Insônia1

Se na noite vaga o sono abrisse-me os misericordiosos braços agarraria-o como o escuro agarra-me os olhos grilados nele

1 Poema publicado no Site de Poesias.

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filhos de adão2

HEINRICH GRESBECK: Todo acto humano é cometido nas trevas, todo acto humano é criador de trevas. Deus não é luz suficiente. HANS VAN DER LANGENSTRATEN: Não há, pois, outro Diabo senão o homem, e a terra é o lugar único do inferno.

In nomine dei, José Saramago

1 no horizonte cai de um açoite a noite sobre duas almas vazias aparece o bordo de uma lua vermelha cheia amarela purulenta uma fina neblina envolve a nudez do nascer da noite 2 no azedume das ruas mortas ele esperou que a lua toda se levantasse da terra enorme sangrenta cheia de seu pus solar 3 a passos largos as duas almas nuas na sarjeta ainda quente da rua gozo gala óvulo uma vida

2 poema publicado no Caderno Literário, Editora Pragmata, maio de 2009, p. 59. Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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4 ao nascer calado doutra noite negros voejantes envoltos na neblina de junho iss’é um assalto! um estouro o disparo um choro o desgozo estendidos à porta da igreja diante de um deus inocente e de um diabo dito vil inclemente o choro os gritos o sangue de duas almas

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A mão3 Era a mão tão próxima de mim à distância de um toque na noite E desejei na noite adentrar por dentro mim entre mãos minhas e dele E por que não toco? a noite é espessa e a distância de um toque um abismo impossível Deixa ela lá lá posso abismá-la a mão

3 Poema publicado no Site de Poesias.

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festa profana

ai ai do ser humano depois de noites e noites de reza hoje ĂŠ dia de bingo na porta da capela daqui estou ouvindo gritarem as pedras

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Auto-ajuda

Praticar meditação; Escrever um diário; Anotar os sonhos; Anotar as alterações de humor: Relato de vida em sentenças; Ingressar em um grupo. Depois disso, procure a vida possivelmente ela não estará mais nesse plano.

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Adultecimentos4

Talvez das escusas de meu corpo Pelas frinchas da alma Ainda ingênua de amar Deixei-te escapar Fria e nua na calma da noite Fomos, ela e eu, em dormidas Cabeceira-pés, pés-cabeceira Rodopiando por entre astros, os céus Em brincadeiras ativas, curiosas Que o corpo já adultescendo reclama Tocando o que existe para ser tocado Por entre os lençóis Em mim ficaram inapagáveis lembranças Daqui estou a vê-la deslizando nua No espelho da memória No corpo das palavras Num mover-se erótico Debaixo do lençol. Daqui estou a ver Encobertos pela noite, às escusas, Uma exploração tátil dos nossos corpos No corpo das palavras sussurrantes Ou mesmo no silêncio da respiração ofegante Uma vivacidade de almas palpitantes Aceleradas na caixa do peito E dormíamos como anjos Em falso sono adultecíamos.

4 Publicado no site Portal Literal, Site de Poesias, Eu Autor e no Jornal Trabuco, ano II, n. 3. jan. fev. março de 2009 Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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o tempo matamos o tempo e o tempo nos enterra. (Machado de Assis)

martelava o tempo tique-taque tique-taque tique-taque enxerguei-me escravo do tempo tique-taque tique-taque tique-taque quase tive um ataque! tique-taque tique-taque tique-taque matamos o tempo tique-taque tique-taque tique-taque o tempo nos enterra tique-taque tique-taque tique- taque tique-taque

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À espera

ficava o dia inteiro semana inteira de um lado para outro da casa a cavar o chão de barro norte-sul, riba-abaixo ficava o dia inteiro com seu vestido encardido vendo as catracas do tempo e elas rodavam, rodavam remoendo a idade que vinha aos sopros pela porta ano após ano deixava seu rastro em cabelos brancos em riscas na cara norte-sul, leste-oeste, riba-abaixo, direita-esquerda ficava o dia inteiro dependurada no tempo catando os minutos que caíam correndo com os ponteiros a procura dos segundos afogando-se na angústia das horas roídas à unha ficava o dia inteiro à espera de quê, perguntaria alguns talvez da morte única novidade que pairava por aquelas bandas de vez em quando talvez

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Dos fins do dia em que a lua sobe mais cedo Sempre voltei para casa assim como sol E deixei me embalar nas linhas tênues Ou oblongas dum verso Como colecionador de sua humildade Julgo-me na ausência da trama De fama deserta Esquecido no meio dum inverno De olhos preto-e-branco Jogado à distância Da ânsia do tempo Os olhos de insônia a me vigiar Olhos de menino assim Voam de lance em lance no relance do tempo Cicatrizado naquelas sacolas de plástico velhas Presas nos fios da memória De ruas estreitas descalças descobertas ao sol Na minha genealogia secreta Crianças empoeiradas do sertão Riscam meu pensamento e Jogam no chão nu seco As palavras de pedras que erguem meu poema Ancorados na minha memória Pendurados no tempo Encontram-se uma grande família Guiada pela imaturidade infantil Encantada com o sal doutras terras tenras Desfeita na meninice delas na juventude minha Perdida na mesma rua de sacolas Com essas mesmas memórias velhas E já apodrecendo num indiscernível enredo O que se tem de jovem em mim Perde-se na fatalidade de vidas reais e falsas Numa repetição infinita doutros eus No cenário estrangeiro dum poema Sem falar com ninguém Agarrando-se e alimentando-se Na mesma alma-teta Na mesma calma pasma Das linhas longas dum verso Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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Instante (poema. revolução)5

calarei a todos com tiros de fuzil para que me ouçam no interior de minha fala poética que se desdobra na trama frenética as palavras no papel. passarei por cima dos primeiros com a ajuda de minha insana infâmia no interior de meus gritos amarrados à tinta na cadeia papel branco. na história não há espaços para o sutil, para a felicidade. no meu poema há brechas para tanto mas vigora mesmo um grito melancólico no bucolismo nefasto e vadio das palavras negras presas no papel. do poder absoluto resta eu desmanchado em palavras [balas] atiradas com fuzil [minha caneta] ou gritos preso(a)s [as palavras] num poema de papel.

5 poema publicado no site Garganta da Serpente e Overmundo. Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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Sonho6 eu vi no turvo da noite minha alma vil e negra rasgando o silêncio noturno como pó desfez-se por entre as frestas da porta e invadiu meu sonho o sonho. na sarjeta da memória meu cadáver magro, pálido vagando em um negro caixão sustentado por dragões cavaleiros negros das sombras como um rascunho vida desfez-se em pó corroeu minhas carnes podres o sonho. vi-me preso nas entranhas da terra com toda humanidade vil e feroz gritava. chorava. pedia clemência. a humanidade. como um rebanho alienado satã sob o dogma de todas as religiões de bíblia em punho carregava a humanidade de olhos perfurados mortos vivos às chamas da fogueira dita santa e acordei em brasa vi-me nu no espelho na sombra do quarto - meu cativeiro suspenso estava num madeiro sobre a cama olhos inchados. sangrantes corpo fúnebre seco estranho na sarjeta da cama

6 poema publicado no site Garganta da Serpente, no Jorna de Poesia e no Recanto das Letras. Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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Marcas7

no espaço flutua a lua leve lua nua na pálida noite fria clara, claríssima. no vazio negro do u n i v e r s o ao osrevni caminha a Terra GRITA e BERRA a vida e s v a í d a pelo r a l o do tempo. nas trevas do quarto sob a luz b r a n d a de uma vela e s v a í -s e o tempo nos grãos de areia do relógio medieval. e no SSSSSSilêncio do curral humano o quarto v a g o solto no e s p a ç o-casa vagueia o cérebro [mente andante à procura de uma amante-marca do sentido-vida. e como a lua leve lua nua meu pensamento flutua nas trevas do quarto. e farto do mundo, do silêncio vomito as palavras 7 Poema publicado no site Garganta da Serpente.

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em tinta-vômito negro desenhado marcas de um GRITO pungente. InDiFeReNtE comigo mesmo nos desespero, BBBBEEEERRRROOOO, URRRRRO, GRITO abafo tudo no papel branco que suga meu vômito-palavras. às vezes o ssssilêncio torturante delirante e cortante d'alma humana insana só e s v a i -se quando surge o papel branco em nossa frente e freneticamente rabiscamos, riscamos qualquer coisa imprimindo nossas marcas.

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Cadáveres adiados8 Olhos secos inchados, fúnebres [olhos amarelos, secos] retr(atos) da fome. Corpos secos estirados à sarjeta da África à cobiçarem comida, fonte de v(ida). cadáveres secos-vivos retratos do des(caso) cobiça. A mãe África sem futuro-teto-perspectiva é um mundo assombrado, de fantasmas tísicos secos, do(entes), cambaleantes de fome. Terra tão rica fica tão abando(nada) é lembrada somente pelo ouro, diamante roubada, saqueada. Men(inos) da mãe África olhos secos de água lágrimas sustento dos sonhos abortados 'inda criança sem esperança de vida [nada] somente à espera de comida são cadáveres adiados. Nas cerca(nias) da fome [sem nome] mãe África expõe ao horizonte o rastro sujo de sangue, o podre lixo, luxo do poder enquanto uns têm para dar [e não dão] e vender; outros matam, vendem o que não tem o corpo. a vida. os sonhos. a alma para comer, senão matam a si próprios e se comem. Urubus nus de asas abertas em voos rasantes à procura de carniça [certa] 8 Poema publicado no site Garganta da Serpente.

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povoam o azul-céu cobiça azul turquesa [turquesas] sujo de sangue podre. manchado por pedaços d'alma humanas [roubado por invejosos. poderosos] o podre luxo lixo do poder estampado nos ternos pretos luxo [italianos] as caras magras desmamadas. crianças negras abandonadas. Continente da desolação povoado de cadáveres nus [outros vestidos de mortalhas-trapos] expostos reforços de uma guerra que impera [nunca termina] muitos cotós arrasados pelas minas, [finos presentes dos americanos ao povo africano] esquecido. perdido. lembrado apenas pelos urubus nus nos seus voos rasantes à procura de carniça. Talvez 'inda por entre a carnifi(cina) da mãe África um senhor deus dos desgraçados, pobres. oprimidos e flagelados crie vergonha do abandono res(surja) da podridão risque da mente o poder-abono inveja resgate a história perd(ida) de vida de um povo faminto corpos. ossos. esqueleto e sopre o vento-verbo-vida, esperança para que estes que nesse instante nascem não caiam no[a] vale/vala da morte/guerra e lá sejam esquecidos [sozinhos sepultados] dado por perdidos zumbis vencidos perdidos do caminho trono celestial de seus deuses e do nosso que um dia disse sê-los negros [sem alma] deus cruel, e sejam jogados ao léu [não] sem morada sem vida-projeto, sem nada.

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Do silêncio9

Tá vendo o silêncio entre nós? São crateras assassinas que se abrem se dilatam para nós. Ouve o silêncio, o que ele quer dizer? Traduz num olhar o silêncio desse nosso olhar! Vês! São como fossos se descortinam à nossa frente, o que dele faremos? Joguemos palavras para aterrá-lo mesmo que monossílabos mesmo que a batida e velha frase "quebremos o silêncio" Façamos algo! Esse silêncio Ah! Não tenha dúvidas é o que há de mais cruel entre nós. Tenho medo em teu silêncio desse nosso silêncio.

9 Poema publicado no Site Garganta da serpente e Overmundo.

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Poema em processo10 como gotas d’água que caem do teto de uma caverna meio que, por acaso, no papel na figura do poeta prefiro fecundar-me e parir em palavras, poemas afinal poema é sentir ainda por definir-se e ser e causa poema ainda traz a missão secreta sei lá, discreta, até de novas ordens de vida mesmo que carregado de talvez mesmo que despido de palavras diz tudo porque em sendo tudo não é nada e sendo nada diz tudo.

10 Poema publicado no site Garganta da Serpente.

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205011 encontrei-me nu. criança sob uma abóbada celeste chumbo num futuro passado a limpo distante alheio a mim mesmo. divaguei e divaguei nas capoeiras rotas poeirentas, amareladas, por vezes escura, vestida de morte. desterros. no céu cinza escarlate um passado futuro desatado, distante desdobra-se em gotas de estrelas escuras, alheias a mim. quisera reverter a abóbada celeste a abóbada do meu pensamento dissecar todo o lamento em fúria da natureza escura, morta. re(ver) o azul celeste que carrego na abóbada do meu pensamento. ex(por) o brilho vivo das estrelas. acalentar o lamento fúria da natureza vê-la em colorido, forma viva.

11 Poema publicado no site Jornal de Poesia e no Garganta da Serpente.

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Vulgata romântica Ao martirológio dos suicidas me junto eu Por drama por tolice estou O infortúnio, a fatalidade dos desgraçados Arraigam a pele, come a carne humana Bate o coração morto-vivo num peito inerte Dum homem abatido pelos seus ideais Três ou quatro razões Capazes de levar-me desse chão Ao abandono voluntário da existência Que resta de mim em essência Tão poucas razões travadas num colóquio constante Entre felicidade e infelicidade dum pobre diabo Que raro adega a ter de voltar a cabeça Ao estrondo seco dum tiro Esmigalhando um crânio com prazo de validade corrido A vida acabou-se num fialho de sangue Desfez-se o homem audacioso e o homem paciente Eles eram prova de qualquer coisa Nomeadamente de um sentido: A ausência dele

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Boca suja (fragmento)

in verso, poeisis, in poesia, [re] verso I'm f r a g m e n t a d o espartilhado violentado por maiúsculas superiores machine desejante filho um cruzamento homofóbico e apocalíptico – deus in diabo/diaboindeus

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No extenso horizonte sangue12

no extenso horizonte-sangue que desenha-se ao longe enxergo-me nu. desnorteado. desordenado. fugindo de mim no espaço. e no voo rasante rasgo o céu diamante. esbarro nas tintas d'aquarela-aurora. por horas fico suspenso. o globo corroendo minha coluna. com seu peso. desacordo. enxergo dentro de mim. minhas entranhas podres. arranco-as fora: fígado. baço. intestinos. e poluo os oceanos. pendente. com min'alma nas mãos. sou vil amante do caos. da solidão. de perto transmutado. dilacerado. desfigurado. no extenso horizonte-morte. a escuridão escondeu minha face. estou cego debatendo-me em trevas. fugindo de mim no espaço.

12 Poema pulicado no site Garganta da serpente, no Recanto das Letras, Jornal de Poesia e Overmundo.

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Poema-conto de sonho-cabaré13

na tarde sombria que alarde ouço por baixo dos panos sujos, ensebados de suor e gozo os gemidos frenéticos vindos do quarto ao lado. parece uma ladainha cantada, gritada em latim vulgar ou um grito rasgado de rito de ave-maria barroca. e mais tarde sob o desvario frenético da última trepa da noite como açoite aos meus ouvidos a sirene de uma ambulância e de carros de polícia cercam o casebre debruçado na beira da estrada solitária e vazia. alguma coisa comia meu pensamento entre o entra-e-sai de meu órgão copiosamente inebriado no orvalho do sulco vaginal. a prostituta vizinha que gritava e gemia encontra-se nua e estrangulada no meu pensamento. quando de súbito acordo e recordo mentalmente de nada, passou, um sonho, uma polução noturna.

13 Poema publicado no site Garganta da Serpente e no Overmundo.

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salvação14

Despido de minha alma, Na calma da noite, Anjo decaído, Divaguei por terras alheias de meu pensamento vago. Encontrei como minha cara espichada num Cristo – esquema ilusório. Uma lágrima virada em rio caudaloso. Voz suave no silêncio do tempo, Estou preso num leve desespero. Enxergo-me atraído pelo inferno dantes. Não quero mais dormir. Olhei minha alma por vezes cortada no espelho, Cheiro de morte no ar, Estou prestes a pular no cansaço de meus olhos. Desperdicei meu tempo preso em mim. Preciso de palavras pra esse caso de emergência. Pra cumprir um poema sem nexo. Sem cor, sem amor, um poema suicida. Preciso das sombras delas pra dilatar meu funeral. Debaixo do tempo me esconderei, Amarrado no desespero. Nunca me vi alma vil presa – estranhei. Cedo ou tarde tenho de me despedir de mim. Voltar ao começo: Anjo decaído preso no tempo – pensamento vago. Cara espichada em versos verde lodo – Cristo bugre. Alma cingida por fitas vermelhas – o desespero, uma solidão nua. Prestes a jogar-se num precipício – a vida, um inferno por onde vaguei antes. Por um poema não escrito – lágrima, voz suave no silêncio do tempo.

14 Poema publicado no site Garganta da serpente, no Recanto das Letras e no Jornal Trabuco, ano

I, n. 1, jul.ago.2008. Palavras de cal e pedra – Pedro Fernandes

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Este obra pode ser baixada em sua totalidade e impressa por quaisquer meios desde que sejam mantidas as credenciais do seu autor. © Palavras de pedra e cal, 2009 Projeto gráfico e capa Pedro Fernandes Paulo Eduardo de Melo Fernandes

[2009] Todos os direitos desta edição reservados à Pedro Fernandes contato com o autor: pedro.letras@yahoo.com.br letrasinversoreverso.blogspot.com

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Pedro Fernandes nasceu em Lajes, em 1985. É graduado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa pela Faculdade de Letras e Artes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente cursa mestrado em letras no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) pela mesma universidade. É autor de Sertanices e está escrevendo seu segundo livro, Bardos. É editor do caderno eletrônico de poesia 7faces. Tem várias publicações em sites de poesias, escreve com frequência aos jornais do estado e mantém o blog Letras in.verso e re.verso.

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