Os sonetos de Walter Benjamin

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Walter Benjamin

Sete sonetos



De Os sonetos de Walter Benjamin (Portugal, Campo das Letras, 1999), Traduções de Vasco Graça Moura. Os textos foram descobertos na Bibliothèque Nationale de Paris, em 1981, com outros manuscritos que Benjamin confiara a George Bataille, em 1940, pouco antes do suicídio.



Há em toda a beleza uma amargura secreta e confundida que é latente ambígua indecifrável duplamente oculta a si e a quem na olhar obscura Não fica igual aos vivos no que dura e a não pode entender qualquer vivente qual no cabelo orvalho ou brisa rente quanto mais perto mais se desfigura Ficando como Helena à luz do ocaso a língua dos dois reinos não lhe é azo senão de apartar tranças ofuscante Mas à tua beleza não foi dado qual morte a abrir teu juvenil estado crescer e nomear-se em cada instante?


Vibra o passado em tudo o que palpita qual dança em coração de bailarino ao regressar já mudo o violino e há nuvens sobre o bosque em que transita À paz dos seres a morte em seu contínuo crescer em ramos de coral incita a bem da noite negra e infinita ser um raro instrumento é seu destino: O ceptro dos eleitos que não cansam o corpo que este tempo já não quebra é como a cruz que os astros quando avançam sobre o sul traçam por medida e regra Os deuses têm-no em suas mãos cativo risível é quem eles mandam vivo.


Perguntaste se eu amo o meu amigo? como rompendo um demorado açude na tua voz quis hausto que transmude todo o cristal dos ímpetos consigo Neste meu choro enevoado abrigo pôs-me a palavra o peito em alaúde que uma doce pergunta tua ajude no sim furtivo que eu levei comigo Mas a meu lábio lento em confessar-se um mestre inda melhor o cunharia A mão que a seu amigo hesita em dar-se ele a tomou o que mais firme a guia para que ao coração secreto amando ao mundo todo em rimas o vá dando.


Era a memória ardente a inclinar-se à giesta do tempo por frescura mas o que em seu espelho se figura vê que está só e a mesma dor foi dar-se noite e dia e silente de amargura uma saudade em febre o viu queimar-se até vir por um "sim" a consolar-se e do perdão mudo hino lhe assegura levando imagens e sinais de vez O olhar liberto penetrou no assento do alto luto onde da palidez dos invernos se erguia outro rebento de cálices que embalam as sementes dando ao nome louvado descendentes.


Se ao mundo predissesses teu morrer na morte a natureza ir-te-ia à frente volvendo com mandado intransigente no eterno esquecimento o próprio ser O céu se rosaria docemente por do teu corpo a roupa enfim descer florestas tingiria o teu sofrer de negro e a noite o mar barca silente Luto sem nome com estrelas mede a estela ao teu olhar no arco celeste e a escuridão de espesso muro impede que a luz da nova primavera preste A estação vê nos astros que pararam as cisternas que a morte te espelharam.


Vê minha vida à luz da protecção que dás disposta a dar-se por amor e quando a mãe te deu à luz com dor o espírito adensou-se nela então o mesmo que em espigas pelo verão a negra fronte bela foi compor de inverno em voz amarga acusador a cuja vista as lágrimas virão Meu amor em teu corpo se cinzela e dele os outros seres recebem vida perante ti criança os que da ferida sangram exposta ao mundo que flagela A mim foste mais bálsamo porém do que as curas balsâmicas que tem.


Como é que a solidão hei-de ir medindo? desse-me os golpes de uso inda esta dor um a um sua nudez a sobrepor que o ritmo sem nome a foi vestindo mas sofro agora o tempo nu saindo numa levada sem nenhum teor gasto caudal do meu rio interior nem chora o peito por mais gritos vindo Quando é que é novo ano na amargura quando volto a chegar-me à desventura que me faz falta em ocos dias vis. ah quando é que arde escura em cores febris à testa do ano como a vi na altura do agosto em chamas funda cicatriz?


Tira-me ao tempo a que escapaste brusco Dá-me de dentro o que teu perto estende como a rosa vermelha ao lusco-fusco da frouxa ordem das coisas se desprende Vera afeição e amarga voz ausência que sinto calmo e do rubro da boca crestada pela negra incandescência com que o cabelo em sombra púrpura toca a fronte aflita E a imagem far-me-á falta de cólera e louvor que me oferecias no pisar nobre em que levavas a alta bandeira cujo signo me anuncias só porque em mim pões teu nome bendito sem imagens qual Amen aflito


Letras in.verso e re.verso



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