Konstantinos Kaváfis: poemas

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À ESPERA DOS BÁRBAROS O que esperamos na ágora reunidos? É que os bárbaros chegam hoje. Por que tanta apatia no senado? Os senadores não legislam mais? É que os bárbaros chegam hoje. Que leis hão de fazer os senadores? Os bárbaros que chegam as farão. Por que o imperador se ergueu tão cedo e de coroa solene se assentou em seu trono, à porta magna da cidade? É que os bárbaros chegam hoje. O nosso imperador conta saudar o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe um pergaminho no qual estão escritos muitos nomes e títulos. Por que hoje os dois cônsules e os pretores usam togas de púrpura, bordadas, e pulseiras com grandes ametistas e anéis com tais brilhantes e esmeraldas? Por que hoje empunham bastões tão preciosos de ouro e prata finamente cravejados? É que os bárbaros chegam hoje, tais coisas os deslumbram.


Por que não vêm os dignos oradores derramar o seu verbo como sempre? É que os bárbaros chegam hoje e aborrecem arengas, eloquências. Por que subitamente esta inquietude? (Que seriedade nas fisionomias!) Por que tão rápido as ruas se esvaziam e todos voltam para casa preocupados? Porque é já noite, os bárbaros não vêm e gente recém-chegada das fronteiras diz que não há mais bárbaros. Sem bárbaros o que será de nós? Ah! eles eram uma solução. [Antes de 1911]

J. P. P.


O ESPELHO DA ENTRADA

À entrada da mansão havia um grande espelho muito antigo, comprado pelo menos há mais de oitenta anos. Um rapaz belíssimo, empregado de alfaiate (e nos domingos atleta diletante) estava ali com um pacote. Deu-o a alguém da casa, que o levou para dentro com o recibo. O empregado do alfaiate ficou sozinho, à espera. Acercou-se do espelho e mirou-se para ajeitar a gravata. Após cinco minutos, trouxeram-lhe o recibo e ele se foi. Mas o antigo espelho, que vira e revira nos seus longos anos de existência coisas e rostos aos milhares; mas o antigo espelho agora se alegrava e exultava de haver mostrado sobre si por um instante a beleza culminante. [1930]

J. P. P.


DESEJOS

Como belos corpos de mortos que não envelheceram e foram encerrados, com lágrimas, em magnífico mausoléu, com rosas na cabeça e jasmins nos pés – assim se lhes assemelham os desejos que passaram sem se realizar, sem que nenhum alcançasse uma noite de prazer, ou sua manhã luminosa.

I. B. F.


LONGE

Quisera referir essa lembrança... Mas já se apagou tanto... visto que nada se mantém – pois longe, nos primeiros anos de minha adolescência, ela jaz. Uma pele como feita de jasmim... Aquela noite de agosto – era agosto? – aquela noite... Mal me lembro agora dos olhos – eram, creio, azuis... Ah! sim, azuis: um azul de safira.

Vamos, Rei Lacedemônio! Cratesicléia vetava que a vissem chorosa, lamentando-se. Passava altiva e ensimesmada. Traço algum de rancor e angustia no semblante imperturbável. Num só instante baqueia: no pré-embarque no navio nefasto rumo a Alexandria, conduziu o filho ao santuário de Poseidon e, solitários, o estreitou, beijou-o, "triturado pela dor", na frase de Plutarco, "totalmente devastado." Mas era dama de fibra, e, reaprumando-se, notável, volta-se para Cleômenes: "Vamos, rei lacedemônio! Ninguém nos vislumbre, à saída, sorumbáticos. Seria denegrir Esparta.


Isso depende só de nós, já o destino é o dâimon quem nos brinda." E, a bordo do navio, buscou o "nos brinda". [1929]

I. B. F.


SÚPLICA O mar reteve nos baixios um nauta. Sua mãe sem o saber a vela alta acende junto à Virgem. Seu retorno requer, lhe pede um tempo sem transtorno. O vento a obceca, nele se demora, mas no momento em que suplica e ora, o ícone, sério e solidário a escuta, sabendo sem sentido sua labuta.

T.V.


O PRIMEIRO DEGRAU Lamúrias de Êumenes, um neopoeta, a Teócrito: “escrevo há dois anos e o resultado é pífio: um solitário idílio. Ai de mim! Eu fiquei nisso! A escala da Poesia é alta, altíssima, galgá-la – vejo – é sobredifícil. Empaquei no degrau do início, e nunca subirei outro. É um fel a minha sina!” Téocrito lhe disse: “logorréia sem sentido! Não passas de um blasfemo! O primeiro degrau, se aí te encontrar, merece teu orgulho. Rejubila-te! O posto a que chegaste tem valor, teu feito glorifica. O degrau das primícias, incluindo ele, dista do que o mais das gentes pisa. Só se posiciona ali quem por seu mérito reside na urbe das ideias. Raro é concederem a cidadania nessa cidade. Seus Legisladores, dos cimos da ágora, detectam fácil o autor do embuste. Aventureiro algum os enganou, nem haverá que engane. O primeiro degrau, se aí te encontras, merece teu orgulho. Rejubila-te!”

T.V.


O CORTEJO DE DIONISIO Dâmon, o artífice (não há outro tão apto lá no Peloponeso), em mármore de Paros esculpe o cortejo de Dionisio. O deus, glorioso, excelso, vai adiante, no andar vigoroso. O Frenesi atrás dele, e a Ebriez a seu lado, vertendo vinho aos sátiros, de um grande vaso, uma ânfora estefânia, que de hera se enguirlanda. Junto deles está, enlanguescendo em branda moleza, Vinho-mel, as meninas dos olhos quase ocultas, a meio, como num sonho hipnótico. E Molpos-Melodia e Harmonia-Hedimélia a seguir vão cantando, e Kómos, a Comédia, hílare, jamais deixa extinguir-se essa tocha que porta na mão, ao caminhar, lampadófora. Depois vem Teletê – sério Mistério. O artífice Dâmon fez essas coisas belas. Não resiste, porém, uma e outra vez, que o veloz pensamento lhe derive, com ânsia, para o pagamento que lhe há de dar o rei, senhor de Siracusa: três talentos, bom prêmio, pela obra conclusa. Dâmon o meterá em meio a seu tesouro e viverá na cômoda opulência do ouro. Até fazer política ele pode agora – que bom! – e afinal há de ter voz e vez na ágora.

H. C.


ÍTACA Quando, de volta, viajares para Ítaca, roga que tua rota seja longa, repleta de peripécias, repleta de conhecimentos. Aos Lestrigões, aos Ciclopes, ao colérico Posêidon, não temas: tais prodígios jamais encontrarás em teu roteiro, se mantiveres altivo o pensamento e seleta a emoção que tocar teu alento e teu corpo. Nem Lestrigões, nem Ciclopes, nem o áspero Posêidon encontrarás, se não tiveres imbuído em teu espírito, se teu espírito não os suscitar diante de ti. Roga que tua rota seja longa, que, múltiplas, se sucedam as manhãs de verão. Com que euforia, com que júbilo extremo entrarás, pela primeira vez, num porto ignoto! Faze escala nos empórios fenícios para arrematar mercadorias belas: madrepérolas e corais, âmbares e ébanos e voluptuosas essências aromáticas, várias, tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar. Detém-te nas cidades do Egito – nas muitas cidades – para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos. Todo o tempo em teu íntimo Ítaca estará presente. Tua sina te assina esse destino, mas não busques apressar tua viagem. É bom que ela tenha uma crônica longa, duradoura, que aportes velho, finalmente, à ilha,


rico do muito que ganhaste no decurso do caminho, sem esperares, de Ítaca, riquezas. Ítaca te deu essa beleza de viagem. Sem ela não a terias empreendido. Nada mais precisa dar-te. Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu. Agora tão sábio, tão plenamente vivido, bem compreenderás o sentido das Ítacas.

H. C.




REFERÊNCIAS KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas. Tradução de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas de K. Kaváfis. Tradução de Ísis Borges da Fonseca. São Paulo: Odysseus, 2006. KAVÁFIS, Konstantinos. 60 poemas. Tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas de Konstantinos Kaváfis. Tradução de Haroldo de Campos. São Paulo: Cosac Naify, 2012.




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