Caderno-revista 7faces 5ª edição

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7faces caderno-revista de poesia

Natal – RN, Ano 3. Edição 5. Jan.-Jul. 2012 ISSN 2177 0794

© Edward Hopper. Sol em sala vazia (detalhe). 1963


Obra do homenageado Poesia Aboio ou a saga do nordestino em busca da terra prometida (1984) Punhos da serpente (1989) Palávora (1995) O beijo da fera (1996) Mural de ventos (1998) Sol sanguíneo (2002) Solo de gaveta (2005) A pelagem da tigra (2009) A cor da palavra – Antologia (2010)


7faces caderno-revista de poesia

ISSN 2177 0794

Natal - RN



A palavra lavra o tempo Salgado Maranh達o


www.set7aces.blogspot.com


sumário

© Edward Hopper. Gás (detalhe). 1940

Apresentação 9 A poesia não é Por Pedro Fernandes Traços metapoéticos de Salgado Maranhão 24 Por Claudicélio Rodrigues da Silva Gaveta, entrada 1 Paulo Vitor Grossi Leonardo Terra Messias Elizabeth dos Santos Columa Emanuel R. Marques Jorge Elias Neto Anderson Petroni Ângela Cláudia Rezende

38 42 46 49 51 57 64

Entremeio O sensualismo semântico em Salgado Maranhão 70 A palavra curvilínea do poeta Por Ítalo Meneghetti Todas as formas 86 Mostra Nil Catalano (aquarelas)


Gaveta, entrada 2 Celso Gutfreind Clarissa Macedo Lucas dos Passos Amélia Luz Rolando Revagliatti

95 99 103 109 112

Todas as formas Mostra Nil Catalano (desenhos a carvão) 115 A música de Salgado Maranhão (amostra) 125 Gaveta, entrada 3 Ricardo Mendes Mattos Vinicius Ferreira Barth Rafael Kafka Pedro Belo Clara Renata Iacovino André Giusti Maria Sueli da Costa Keutre Gláudia

131 135 142 145 150 152 156 160

Abstratos (amostra) Mauro Silper 163 Os desmandamentos Por Geraldo Carneiro e Salgado Maranhão 173


apresentação © Edward Hopper. Funcionária de Nova Iorque (detalhe). 1940

A POESIA NÃO É A poesia encarna uma verdade. E o seu poder de composição da verdade só pôde ser descoberto muito recente quando seus feitores, os poetas, descobriram a ineficiência do ornamento e viram que a grandeza ou a dignidade do verdadeiro residem na simplicidade nua da palavra. Tal descoberta destituiu a poesia de seu lugar acima do homem. Agora, seu papel é terreno e a sua verdade é uma busca para o que é a palavra e sua capacidade, o que é o universo no qual se situa, qual sua composição e o que ele significa. Tudo no poema tem existência própria. O universo do qual fala tem sua singularidade; a morfologia e a sintaxe têm respiração própria. Nada aí é desenhado pela lógica comum e nem pelo trato da gramática para com a linguagem. A voz do poema não se reduz a chamar as coisas pelo que elas são. Para compor sua verdade, a poesia se faz pela recusa: a recusa de si e da ordem geral do mundo. É mérito dela o mérito da palavra, a exploração, a descoberta, a recriação; experimentar-se e experimentar o mundo. Desrealizar o alcançado pela retina; despersonalizar-se na extensa galeria das vozes; desler; descodificar; destruir. Tudo, elementos de um processo que mira a fuga da alienação e que anseia a não desumanização do homem.

7faces – Pedro Fernandes │ 9


A poesia deve ser sensação; a imagem, a música e o gesto são movimentos da consciência antes só explicados, mecanicamente, por uma razão lógica cunhada pelo homem. O poema não segue a razão lógica e confunde-se com o próprio gesto da consciência. Não existe para ser ritmo, rima, e contenta-se, por vezes, com a beleza da disritmia. Não existe preocupado no bom grado, mas na capacidade de inquietar e “empenhada” na relativização do instituído. Tem uma existência própria, mas não se basta. Depende das determinações temporais e espaciais, embora não esteja subordinado a elas; depende do poeta, manipulador da palavra, ente que intermedia a relação do homem com o mundo. Reside no movimento de intermediação e tem, portanto, no poeta seu limite. O poeta mantém com a palavra uma relação sísifica. No instante em que detém o domínio sobre a palavra é por ela dominado. E por isso, toda poesia é uma verdade, é uma sensação e, também, uma postura diante da existência. É equilíbrio entre a transitoriedade do ser e das coisas, numa dicção que quer ser impessoal, no sentido de que a palavra na poesia não tem sua nascente num eu empírico. Se a poesia encarna uma verdade, o objetivo do poeta, mais que falar a outros homens e pelos outros homens, é o de dizer verdades. Não são verdades prontas e acabadas, polidas e centradas como quer a racionalidade que rege o mundo. Uma vez estarmos diante da exploração e da descoberta, as verdades ditas são de um tipo especial: são complicações, paradoxos, herdados de sua própria materialidade de composição – a palavra. Porque o poeta é o que procura libertar a palavra de sua aparência e usualidade. Logo, a palavra no poema é desvinculada do convencionalismo e o trato do poeta neste instante é o de potencializar o caráter polissêmico da verbosidade, expandindo os seus horizontes e as suas fronteiras. É assim que se processa o trabalho de Salgado Maranhão. O caráter de sua poesia não se reduz, evidentemente, à mera reatualização do signo linguístico. Quer o poeta com esse movimento proposital levar o leitor ao estranhamento do mundo. Se a palavra é ponte que interpela o sujeito e a relação com sua interioridade e exterioridade, o reavivamento dos sentidos quer ser uma proposição para uma nova visão das certezas, das experiências, das apropriações e da conduta que o homem assume perante a própria vida. A palavra corrompida revela a transitoriedade das coisas e dela própria no mesmo instante em que, se individualiza e passa a constituir o limite da própria existência do homem: a vida passa, a poesia a eterniza, porque individualizada a palavra se torna atemporal, inexorável. A poesia de Salgado Maranhão é inquietação; tentativa de acesso à representação de uma episteme do mundo. É luta contra a limitação da palavra frente à ordem do


universo – “e as palavras mordem/ a inocência. Aferram-se ao que é de pedra/ e perda”; é conflito entre o poeta e palavra, entre a palavra as coisas. E, em não raros casos, seu trabalho é do conflito entre o poeta e a sociedade com seus valores, consolidando um plano já decidido em Ezra Pound. A verdade é que sua poesia quer está no impasse, na ressemantização do dito, no silêncio, no hiato entre o signo e a representação. Nesse interregno, a palavra é para o poeta um desafio à razão, lhe serve de lugar para alinhar o ritmo do mundo no burburinho da criação, onde nada finda e tudo é princípio.

Pedro Fernandes poeta e editor da ideia

7faces – Pedro Fernandes │ 11


Š Edward Hopper. Blackhead, Monhegan (detalhe). 1916-1919


Salgado Maranhão (1953 – )

Foto Philippo Almeida


o homenageado “Minha poética gravita na borda da língua, nesse equilíbrio delicado em que um passo para trás é o lugar comum e um passo para frente é o ininteligível. É lógico que isto não é apenas uma atitude deliberada e racional. É um temperamento, um gostar de ser, é como se eu desejasse abrir um caminho novo na língua. Devo dizer que quando chega o poema, é uma verdadeira possessão de palavras em meus sentidos, chego a pensar que estou ficando louco. E estou: louco de luz. Depois desse momento de epifania, eu volto a retrabalhar o poema, infinitas vezes, para esgarçar ao máximo as possibilidades da palavra. A poesia nos resgata uma voz inconsciente que fomos perdendo, aos poucos, depois da idade pré-natal. Trata-se de uma linguagem aberta, sinuosa, prenhe de significantes e irresponsável, como o discurso das crianças. A necessidade de nos ajustarmos ao mundo e às suas normas arbitrárias, em troca de afirmação e sobrevivência material, vai secando a poesia do nosso coração. Uma pessoa comum, que funcione como a maioria, do estômago para baixo, até reconhece o vigor impactante dessa forma de expressão, mas teme se comprometer com essa insanidade sã. Poeta é quem tem no DNA a doença incurável do mistério. É aquele para quem as palavras tiram a roupa e se entregam sem reserva. E não é para quem quer e nem é uma questão de privilégio, mas de destino, é mais uma questão de não saber ser de outro jeito.”

Salgado Maranhão. Entrevista à professora Iracy Conceição de Souza, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, publicada na Revista O Marrare, edição n.14.


© Edward Hopper. Ferrovia Sunset (detalhe). 1929

Natural de Caxias, Maranhão. Aos 15 anos foi para Teresina. No jornal local, onde publicou seus primeiros textos, fez amizade com Torquato Neto que o incentivou a ir morar no Rio de Janeiro. E no Rio, mora desde 1973. Adotou como nome Salgado Maranhão. Fez Comunicação na Pontifícia Universidade Católica – PUC. Depois tornouse terapeuta corporal. Na PUC, conheceu um padre jesuíta que o apresentou às artes marciais; deixou a faculdade e foi ser professor de tai chi chuan, depois de shiatso e praticante do Zen. Apareceu como poeta, definitivamente, em 1976, colaborando com a revista Música do planeta terra, publicação que tinha entre os calaboradores nomes como o de Caetano Veloso; depois na antologia Ebulição da escrivatura (Civilização Brasileira, 1978), organizada por ele, Sergio Natureza e Moacyr Félix. Em 1984, publicou o cordel Aboio, ao que se segue Punhos da serpente, Palávora, O beijo da fera (Prêmio Ribeiro Couto pela União Brasileira dos Escritores), Mural de ventos (Prêmio Jabuti). Publicou ainda Solo de gaveta, A pelagem da tigra. Em 2010, toda sua produção literária é reunida na antologia A cor da palavra, livro que lhe valeu o Prêmio da Academia Brasileira de Letras em 2011. Como letrista é autor da canção tema da peça Curral das maravilhas, de Jonas Bloch (Teatro Glauber Rocha, 1979), do filme Boi de Prata (Augusto Ribeiro Júnior, 1973), além de letras para Alcione, Elba Ramalho, Zizi Possi, Paulinho da Viola, Ney Matogrosso, Dominguinhos, Zeca Baleiro, Ivan Lins, entre outros.


Edição de A cor da palavra (2010). O livro reúne toda sua produção literária e lhe valeu o Prêmio da Academia Brasileira de Letras em 2011.


A cor da palavra Poeta é o que esplende a labareda entranhada ao rugir das pequenas agonias. Assim se erguem (em meio ao tropel dos dias) as cidades da memória: contêineres feitos de gestos, palavras incendiadas de milagres; assim se alumbra o coração em seu charco de prímulas: este atol que atou-me à borda do deserto e ao sangue em que partilho estas horas carnívoras, tangido a barlavento por minhas perdidas ítacas.

Salgado Maranhão, A pelagem da tigra



Doidonauta se lavro silabaredas falavras levo na manha manhã comum galo sideral a zen milhas milharando estrelas doidonauta poetávido num harém de letras mastigoelando palavárias Salgado Maranhão, Punhos de serpente



Š Edward Hopper. Manhã de domingo (detalhe). sem data



Š Edward Hopper. Jo In Wyoming (detalhe). 1946


Traços metapoéticos de Salgado Maranhão Por Claudicélio Rodrigues da Silva

Na elogiada e premiada poesia de Salgado Maranhão é recorrente a presença da metalinguagem, como se revelasse uma ânsia pela compreensão dessa atividade criadora. Reflexões sobre o poema, o verso, o verbo, o tema e o próprio poeta figuram na sua obra, contribuindo, assim, para que percebamos como o autor concebe e define o poético. Este exercício nos deve servir como uma teoria da poesia, não se preocupando com explicações comuns, mas conduzindo-nos, leitores, à questão “Que é a poesia?”


Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana! Octavio Paz, O arco e a lira

1. Breve curso da lírica moderna Há mais de meio século, numa tese apresentada em São Paulo, por ocasião de um Congresso de Poesia (1954), João Cabral de Melo Neto falava sobre o ritmo dissonante dos poetas modernos, sobre a necessidade de inovar tanto na forma quanto em conteúdo e a urgência de captar os matizes da vida moderna, mais exterior que interior, sem, no entanto, negar a subjetividade. Para o poeta pernambucano, no entanto, nenhum poeta havia conseguido, ainda, abarcar essa nova poética totalmente. E cita alguns aspectos do poema moderno: ritmo sintático, formas rítmicas, outras formas de enjambement, novas construções imagísticas amparadas no estranhamento, aproximação de realidades inconciliáveis, quebra e composição de vocábulos, neologismos, etc. (1998, p. 98). O poeta moderno escreve para tentar dar conta de uma complexidade, mas não necessariamente para explicá-la. Sua expressão não tem um fim comunicativo; antes procura lançar trevas sobre a luz ofuscante que mostrar-se fácil: No plano dos tipos problemáticos, tudo o que os poetas contemporâneos obtiveram, foi o chamado “poema” moderno, esse híbrido de monólogo interior e de discurso de praça, de diário íntimo e de declaração de princípios, de balbucio e de hermenêutica filosófica, monotonamente linear e sem estrutura discursiva ou desenvolvimento melódico, escrito quase sempre na primeira pessoa e usado indiferentemente para qualquer espécie de mensagem que o se autor pretenda enviar. (1998, p. 101)

O caráter da lírica moderna, que obscurece a compreensão e desorienta o leitor sem que este perca o fascínio, constitui uma tensão que Hugo Friedrich (1978) denominou dissonância, cujo traço 7faces – Claudicélio Rodrigues da Silva │ 25


marcante da lírica estabelece uma inquietude. Nesse caso, Poesia é estranhamento causado por um desejo não de comunicar, mas de oferecer o incompreensível. É por esta perspectiva que as artes modernas se apresentam, através dos cortes disformes que conduziriam à mensagem. Uma poesia fragmentada aborda a complexidade de um tempo repleto de fissuras, onde o mundo exterior é tão confuso e caótico como o fluxo da consciência, cujo tempo e espaço não se medem. A chave da lírica moderna não é mais o sentido, senão a realidade deformada. A deformação, no plano da forma e do conteúdo, conduz a poética ao insólito das imagens. Evita-se, pois, o caráter de alusão factual do mundo, do mesmo modo que o sentimento, tão louvado pelos românticos, é subtraído. A realidade do mundo é complexa, polifônica, disforme, múltipla e sem compromisso com o linear. Daí que o leitor, ele, sente-se desnorteado, vitimado pelo poeta, para quem a linguagem é experimento de combinações complexas. Significado e significante não necessitam mais conduzir o leitor para uma compreensão totalitária, antes, deslocam o olhar para imagens obscuras, irracionais: “Como na pintura moderna, a composição de cores e de formas, tornada autônoma, desloca ou afasta completamente tudo aquilo que é objetivo, para só se realizar a si própria” (FRIEDRICH, 1978, p.18). A arte pela arte, a beleza na forma, o trabalho delicado/dedicado na produção do poema, como uma joia difícil de ser lapidada, no exaustivo ofício: já vimos essas características na poesia parnasiana. De certo modo, ela preparou o terreno para os avanços dos modernistas, apontados por Cabral em sua tese. O próprio João Cabral de Melo Neto tentou destituir de sua poesia o traço emotivo, a musicalidade e a imagem fácil, procurando limar os excessos e enxugando o texto à exaustão. A aproximação da arte de poetar com a simples atividade de escolher grãos de feijão exemplifica o distanciamento do poeta moderno de imagens clássicas. É no cotidiano, num simples afazer, que se encontra a imagem precisa a apreensão do fazer poético. Fazer versos como quem cata feijão (a obra Educação pela pedra, de 1965) é uma imagem meticulosa, a avizinhar dois afazeres tão díspares e, ao mesmo tempo, tão técnicos. Do poeta, como do catador, exige-se a atenção na separação dos grãos podres, as pedras, para que, enfim, apenas os grãos belos, bons possam ir ao cozimento. Essa comparação só é


própria daquele que produz apolineamente. João Cabral foi um exemplo desse traço poético que não procura a beleza lírica no irracional, mas no cotidiano, numa produção meticulosamente arquitetada. Entretanto, uma vez que estamos em tempos ditos pós-modernos, cuja complexidade é ainda mais exacerbada, e tudo nos vem aos estilhaços, inclusive a ideia de nós mesmos, como podemos pensar a configuração da poesia atual? Não parece que o poeta hoje mostre seu fazer artístico diferente do poeta moderno. Ainda não ultrapassamos a herança das vanguardas, apesar de falarmos o tempo todo de rupturas e esvaziamento poético. Os poemas atuais continuam com a mesma atmosfera daqueles que quebraram os protocolos clássicos, em fins do século XIX. E parece que a poesia corresponde, tanto para o poeta quanto ao leitor, a um território fechado onde poucos são convidados a habitar. Objetividade e expressão comunicativa, definitivamente, não são objetos com que os poetas lidam. Não é luz sobre o humano que o poeta se propõe a lançar. Se não destitui as figuras de pensamento clássicas do poema, o poeta, pelo menos, tenta desarticulá-las, mostrando-as pelo avesso. As aproximações comparativas e metafóricas, por exemplo, são elevadas à categoria do absurdo, ou seja, é pela vereda da negação que a poesia faz o parto do mundo. Seria distópico esse lugar, próprio do pensar poético, que não acata as fronteiras da palavra. Assim, o deslimite, a dissonância, a negação e o não-lugar são as marcas do poético, origens desse estranhamento imperioso.

2. Uma definição da poesia e do poeta na lírica de Salgado Maranhão Salgado Maranhão começou a escrever na década de 1970, época já situada nos espaços da pós-modernidade. Entretanto, prefiro ainda situar seu fazer artístico numa modernidade tardia porque acredito que a poesia contemporânea ainda não apresentou nenhum traço dessa sociedade líquida, desajustada e complexa. Não houve ainda a ruptura daquilo que as vanguardas apresentaram. Nesse sentido, o traço poético de Salgado Maranhão constitui um exemplo do poeta que burila exaustivamente a palavra à moda parnasiana. Seria um

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neoparnaso? Há quem prefira o epíteto de apolíneo1. Não quero, porém, que minha opinião seja interpretada como uma crítica à inovação. Sabe-se que os parnasianos foram colocados no tribunal da poesia pelos modernos e declarados culpados como alheios ao mundo e às suas questões. Mas foram precisamente eles que, rompendo com o sentimento romântico, apontaram novos horizontes para o poema, indicando o mundo exterior, a natureza das coisas, dos objetos, aparentemente inanimados. Salgado Maranhão faz parte do seleto grupo dos que elaboram um poema como quem pinta um quadro, meticulosamente, delineando o traço, mesclando cores, revelando contornos, traço a traço, pincelada a pincelada, compondo uma paisagem, um instante, um desejo, fundindo interior, pantanoso, com o exterior, sempre dinâmico2. O fazer poético tem despertado fascínio tanto no leitor quanto no próprio poeta há muito tempo. Não à toa, aos antigos, o poeta era considerado mensageiro dos deuses, inspirado pelas musas. Inspiração ou expiração? Doação divina ou árduo trabalho cujo aperfeiçoamento se dá mediante uma técnica? A metapoesia, nesse sentido, é um recurso que os poetas tateiam para entender melhor a si e ao seu fazer artístico. Ao indagar sobre o verso, a estrofe, a palavra e o mundo, o poeta coloca o pensamento em ação autorreflexiva e, sem esperar respostas prontas, quer oferecer a chave para o desvelamento desse mundo aparentemente enigmático, de poucos habitantes. Mas justamente por não querer que se pense a poesia como confraria de iniciados ou inspirados como apontou Platão em Íon – é que o poeta se lança nessas questões metapoéticas. Sua musa, sua motivação, seu desejo não são outros que conceber um mundo pela palavra. Aí, as dores, os sentimentos, o outro, as coisas, a paisagem... são apenas temas, não devem ser a fonte de inspiração do artista, como o pensamento romântico julgava.

1

VALENTE, Luiz Fernando. “O traço apolíneo de Salgado Maranhão”. In: ALCEU. Rio de Janeiro: PUC, v.4, n.7, pp. 141-149, jul./dez. 2003. Ver também: MORAES, Fabrício Tavares de & PEREIRA, Edimilson de Almeida. “O dionisíaco e o apolíneo na poética de Salgado Maranhão: o êxtase e o estático”. In: Revista África e Africanidades, Ano 2, n. 7, nov. 2009. Disponível e <http://www.africaeafricanidades.com. Acesso em 03 set. 2010>. 2

Sobre a cor lírica do poeta, escrevi o seguinte artigo: “A cor e o som da palavra de Salgado Maranhão” pode ser lido em <http://www.iltc.br/poesia/pdf/Claudicelio_Rodrigues_da_Silva.pdf>


©Edward Hopper. The Camel’s Hamp. 1931


Na elogiada e premiada poesia de Salgado Maranhão é recorrente a presença da metalinguagem, como se revelasse uma ânsia pela compreensão dessa atividade criadora. Reflexões sobre o poema, o verso, o verbo, o tema e o próprio poeta figuram na sua obra, contribuindo, assim, para que percebamos como o autor concebe e define o poético. Este exercício nos deve servir como uma teoria da poesia, não se preocupando com explicações comuns, mas conduzindo-nos, leitores, à questão “Que coisa é a poesia?”. Vejamos, a seguir, uma breve coletânea sobre essa temática: a) o poeta e seu ofício: Falando (segundo ato) A cor dessas horas ínvias é a mesma cor delírio dos meus pântanos secretos. estou para o que vejo assim como a faca está para o queijo. coração de poeta é como espada. quando estou triste sou dinamite nos trilhos. quando me alegro sou lamparina de festa. estou para o desejo assim como a boca está pro beijo. coração de poeta é como éter... (MARANHÃO, 2009, p. 47)3

Coração de poeta é terreno escuro e pantanoso onde dorme o fecundo. O poema se compõe de comparações que apresentam uma definição do ser do poeta. Lá nos espaços do seu ser, que parecem impenetráveis, a cor pega delírio e deseja ser palavra. O poeta sente necessidade de falar (daí o título do poema) sobre espaços internos e externos, sem que um seja mais valorizado que o outro. O olhar do poeta corta ou recorta o mundo, por isso a imagem faca/queijo. É o coração do poeta uma espada a cortar o alimento para si e para os outros. Na alegria e na tristeza, a palavra conduz o desejo do poeta, é 3

Os poemas escolhidos aqui seguem a citação da obra completa, e não dos livros avulsos.


seu éter, seu anestésico. As sentenças simples que compõem o poema, bem como as comparações, conduzem o leitor na apreensão do ser do poeta, como numa conversa, (ou seria encenação?), donde o termo “segundo ato”. Corda bamba I) O poeta é mercador traficante de caminhos que vende raios, sinfonias e horizontes. frugal mercador de eternidades - porto a porto – aos quatro cantos do luar ao mar ao ar sob o tempo e o temporal. II) o poeta corre o risco entre o amor livre e a palavra. está sempre atrás do pano em plena corda bamba do mistério. e atravessa submerso as metrópoles dos olhares feito um louco solitário que come fogo. (MARANHÃO, 2009, p. 59)

Mais uma definição construída a partir de metáforas. Mercador de eternidades, traficante de caminhos, o poeta oferece o horizonte, sua contemplação, uma vez que o aqui nunca se horizontaliza no olhar, pois o horizonte está sempre longe e nós, o poeta aponta o caminho. Sua palavra não é doação (ele é vendedor) justamente porque toda palavra tem um preço, que não se pode avaliar através de simples cifras. O preço a ser pago ao mercador é dispor-se no caminho, sem deter-se nos obstáculos impostos pela palavra. Malabarista na corda bamba, o mistério, o poeta se arrisca no possível equilíbrio. Poetar é equilibrar-se na corda bamba do mistério, fio de palavras. Risco absoluto.

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b) a palavra como negação: Palavra (...) a palavra é a pedra – e arquétipo que dança. e o tempo do fogo flama e a memória das águaslavra em/canto e plenilúnio. (...) a palavra em si é cio virtude a divertir o vício de saber saber. (2009, p. 60)

Palavra 2 o sentir molda a palavra ávida de asas alada ao desconhecido. (...) delírio que assovia para dentro inventando o itinerário do silêncio. (...) que céus, que sais, que larvas, que deuses do imaginário revelam aos poetas o oculto sexo das palavras? (MARANHÃO, 2009, p. 61)

Por que a palavra é pedra e não água? Sua dureza reside em quê? Sua superfície rugosa persiste quase imune ao tempo, deixando-se, aos poucos, modelar-se pela água. Mas não admite a lucidez: alma de pedra não tem maleabilidade, é solidez. Arquetípica da criação, ela dança, como tudo no universo. Fogo, água, pedra e ar misturam-se, o círculo de Heráclito, para conceber o mundo. O duro e o mole, o escuro e o claro, o vazio e o cheio, o visível e o oculto, na dança dos opostos, como a sentença de Heráclito: “Ignoram como o divergente consigo mesmo concorda: harmonia de movimentos contrários, como do arco e da lira” (2002, p. 198) A aparente desarmonia é o desvelamento da palavra. O que ela diz àquele que tem avidez da sabedoria é o silêncio. Ela fecunda o silêncio que diz mais do que ela pode suportar. O vocábulo não dá conta do dizer e cala-se. Nesse


resvalar, o acontecer poético se dá, em fissura, sempre limítrofe entre o que é o que não é. É o sentimento que modela a palavra e lhe dá asas, projetando-a ao desconhecido. Mais uma vez, pela negação o poeta descreve o dizer: “delírio que assovia para dentro”, oferecendo a morada do silêncio. É aí que a palavra pega delírio, rumina, semantiza-se. Não é no significado que reside o poder da palavra, mas naquilo que ela oculta. Aí reside o seu sexo, revelado aos poetas. Mas quem faz tal revelação? O céu, a terra, os deuses? Ao concluir o poema com essa pergunta, o poeta não desfaz o embate entre quem acredita nos inspirados e aqueles que creem no ofício criador como outro qualquer. c) o verso e o motivo: Pó & Cia. de vez em quando a poesia se insinua para que eu a possua. depois arredia desaparece como se habitasse a outra face da lua. (MARANHÃO, 2009, p 74)

O poeta e as coisas as coisas querem vazar o poema em sua crosta de enredos. as coisas querem habitar o poema para serem brinquedos. chove nas fibras de alguma essência secreta e o poema rasga a arquitetura do poeta. (MARANHÃO, 2009, p. 109)


É a própria poesia a musa, a acercar-se do poeta, seduzindo-o. Entretanto, ela nunca se deixa possuir completamente, arredia, a face sempre oculta da lua. Essa imagem coloca em questão a instabilidade criadora, que desorienta o poeta, não permitindo que seu trabalho se dê por impulso. O acontecer poético não pode ser administrado como se esse trabalho tivesse hora e lugar. Na verdade, o encontro do poeta com a poesia estabelece um acordo tácito, mas não um contrato irremediável, o que parece estar sugerido na composição do título “Pó & Cia.”, que, sonoramente, alude à palavra poesia, enquanto graficamente oferece uma alusão à razão social da empresa. Que coisa é a poesia? Que coisas têm a poesia? Ou ainda, onde se esconde a poesia nas coisas? Para Salgado Maranhão, poesia é brinquedo e as coisas desejam esse estatuto, habitando essa morada, quarto da infância, onde tudo pode e deve ser outra coisa, reino da criança. São elas, as coisas, que ganham vida e fazem o poeta e não o contrário, como é o brinquedo que faz a criança penetrar no reino das personagens. O fascínio pela palavra, ou melhor, pela arte de refletir sobre a vida, questionando-a e saindo dos lugares óbvios, é matéria da poesia. Um simples olhar, em zoom, permite que o poeta projete luz e sombra sobre a matéria insignificante. O pequeno adquire grande no estatuto da palavra, o acontecer poético. Uma coisa, um bicho, uma cena, uma atitude, um grão de nada, geralmente, são temas de que se serve o poeta, no seu olhar cuidadoso. É preciso atenção para perceber o vento da poesia soprando onde menos se espera. É preciso atenção para ver o oculto, e revelá-lo sem oferecê-lo por inteiro. Ao poeta cabe desvelar o que antes se escondia, mas sem torná-lo tão perceptível, uma vez que poesia não é doação total, mas oferecimento que se pretende intenção. Daí que a abertura do poema pode ser abismo e horizonte, voo e derrocada. Não cabe ao poeta doar por inteiro o mundo, nem pode fazê-lo. O mundo se faz constantemente em inúmeros lampejos. Habitamos a casa poética quando nos assustamos ao ver que o objeto do nosso olhar se coloca de um jeito sempre novo. Poesia e filosofia se irmanam nesse aspecto, ao oferecerem não respostas, como dádivas, mas ao nos fazerem experimentar o mesmo e sempre outro.

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Referências FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. Tradução de Marise M. Curioni, São Paulo: Duas Cidades, 1978, p. 15-34. HERÁCLITO. Heráclito: fragmentos contextualizados. Tradução, apresentação e comentários por Alexandre Costa. Rio de Janeiro: Difel, 2002. MELO NETO, João Cabral de. Da função moderna da poesia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 97-101. MORAES, Fabrício Tavares de & PEREIRA, Edimilson de Almeida. “O dionisíaco e o apolíneo na poética de Salgado Maranhão: o êxtase e o estático”. In: Revista África e Africanidades, Ano 2, n. 7, nov. 2009. Disponível em www.africaeafricanidades.com. Acesso em 03 set. 2010. PAZ, Octávio. O arco e a lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. MARANHÃO, Salgado. A cor da palavra. Rio de Janeiro: Imago: Fundação Biblioteca Nacional, 2009. SILVA, Claudicélio Rodrigues da. “A cor e o som da palavra de Salgado Maranhão”. 1º encontro do Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea. UFRJ: Rio de Janeiro, 21-22, set, 2010. Disponível em www.iltc.br/poesia/trabalhos.htm. VALENTE, Luiz Fernando. “O traço apolíneo de Salgado Maranhão”. In: ALCEU. Rio de Janeiro: PUC, v.4, n.7, pp. 141-149, jul./dez. 2003.

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Gaveta, entrada 1

ŠEdward Hopper. Cho Suey (detalhe), 1929.


Paulo Vitor Grossi Rio de Janeiro – RJ

Escritor carioca, formado em Turismo, aventura-se por poemas, contos, pequenos romances e mesclas. Publicou Os sonhos, Nicolas (romance); Volume II: adiós, lite de rotura (coletânea); Santa Cruz (poesia); Carne viva (coletânea erótica); Rara (volume 3); o hotel m tá infestado de pragas (novela rápida) e A faca e o queijo na mão. Além de escritor é também ilustrador de suas obras.


A cura pela água

A dieta da mente também o é Desfez o excesso bebendo água Sua gordura virou alimento próprio o corpo sedento, pourra Seus pecados tal Fênix aglutinada Novo corpo e moléculas anteriores Seca, dura, a pele felina Repara a velocidade de ação Voltará a deixar a vida correr olho? É o que todos perguntam.

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dibica dando de lado, cabresto rabiola, arrastĂŁo, chicote estancou na mĂŁo \ vocĂŞ \ cruza, cerol, todos os anos


Estafa e dorme

Estafa e dorme vai ter uma, hê O barro chora Atazana filho à mãe Ela diz que estafa Que vai ter uma Sincopada e rítmica Poderíamos, né!? Estafa e dorme Quem tem um estranho à tua casa, dormindo cama com tua irmã Fuma tuas baganas Termina teu Caso Daqui não me estafei, é Precisa saber, pô Mais Volta p/ lá Bololô adeus...

7faces – Paulo Vitor Grossi │ 41


Leonardo Terra Messias Rio Grande – RS

É natural de Rio Grande-RS, mas hoje em dia reside em Jaguarão, no mesmo estado, onde faz faculdade em Letras com habilitação em Línguas Portuguesa e Espanhola.


já nasci, já cresci, já comi, já estudei, já me formei no “colégio”, já saí... já viajei, já fique longe, já fui abandonado, já fiz juras, já fui malvado, já fui um saco, já te conheci, já te encontrei, já te perdi, já te procurei, já te achei... jájájá... já descobri que o meu “já” seria muito mais completo se eu te colocasse juntamente a ele... já nos conhecemos, ou já nos conhecíamos? já marcamos algo, já comemos batatas, já saímos a uma festinha com segundas intenções de nos conhecer, já pedimos carona, já dormi na tua cama, e tu dormiste na minha... já dormimos juntos, já cozinhei pra ti e tu para mim, já passamos fome. já morri de medo de uma aranha e tu a matou, jájájá (hahaha), já te esperei na porta do serviço, já te surpreendi nele, já fiquei puto, já fiquei com ciúmes, já pensei em bater em teus amigos, já quase quebrei o computador, TV, geladeira... já fizemos as pazes, já caí de moto, já fui cuidado por ti, ó meu enfermeiro, já comecei a andar novamente e sabia que mesmo que faltasse força nas pernas tu estarias para me apoiar... já fiquei longe, já nos separamos, já brigamos, já dormimos de costas, já de conchinha (MELHOR), já dormimos nos pés com frio, já dormimos um lá e outro cá na cama (aparências), já deitamos e não dormimos, já perguntamos “o que foi? o que está acontecendo? já brigamos para depois fazer amor... jájájá... já tomamos banho de praia, já pegamos sol, já viajamos, já fomos ao exterior, já montamos uma, duas, três casas, já montamos um lar, já fomos para a justiça, já dançamos, já bebemos, já te embriaguei no carnaval pra nos divertimos, já me embriaguei, embriaguez essa que fica mais profunda quando danço no balanço dos teus lábios e o no vai e vem, do teu corpo, já tentamos ter filhos, já chegamos ao ápice juntos, já vimos filmes pornô, juntos e separados, já acordamos no meio da noite... já nos assustamos, já tivemos uma filha, já choramos com ela, já deixamos ela longe, já houveram surpresas...

7faces – Leonardo Terra Messias │ 43


já comemos fora, já comemos em casa, já comemos bobagem, já comemos em lugares chiques, já comemos... já tomamos banho juntos, já tomamos banho separados, já nem tomamos banho, já queimou nosso chuveiro, já te dei banho na pia... já descobri que EU já sabia fazer e imaginava coisas, mas após ter um TU junto... essas coisas ficam ainda melhores e mais divertidas... e a palavra já deixou de ser um “adv (lat jam) 1 Agora, neste instante, neste momento. 2 Logo, imediatamente. 3 Desde logo, então. 4 Sem demora, sem detença. 5 Nesse tempo. 6 Antecipadamente, de antemão. 7 Até, até mesmo. 8 Tão depressa, tão cedo”, e passou a ser um complemento de sonhos que aprendi que sozinho eu JÁmais poderia de alcançar. já descobri que o eu fica muito só quando não tem um nós (eu e tu Sorrisão). o melhor de tudo: já matei serviço para digitar isso! jájájá...

7faces – Leonardo Terra Messias │ 44



Elizabeth dos Santos Columa Rio de Janeiro – RJ

É do Rio de Janeiro. Residiu por longo tempo em Los Angeles, Estados Unidos, onde fez Doutorado em Educação e coordenou o programa de Português da Universidade do Sul da Califórnia. Foi professora assistente no City University of New York e atualmente atua nas universidades UNB e USC em Los Angeles. Tem textos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Sua poesia já foi semifinalista no Concurso de Poesia William Faulkner. Tem publicada em português e inglês a coletânea Norte e Sul.


Somos diferentes

Se você penetrasse na floresta tarde da noite, veria que a escuridão é assustadora, principalmente se os olhos permanecessem abertos, como se fosse dia claro. A floresta negra só é traiçoeira pra quem quer ver o sol de perto, ou captar em instantes o contraste agudo das coisas. Se você escutasse o vento uivando na estrada, se assustaria de pavor, temeria seus passos velozes a perseguir, obstinado, as árvores. Se você cruzasse sozinha as geleiras, se perderia de tédio – ou de branca melancolia... Se você ficasse calada, não por opção da circunstância, mas por causa da imposição de uma mobília rígida escondendo caras pálidas e sisudas, ia querer dar um grito inaudível de um pico da Patagônia. Ou dar ouvidos à tagarelice alheia e às mínimas distrações do dia a dia. Ia querer escrever tudo num diário, corresponder-se em cinco línguas, pensar menos no dinheiro consumido e, sobretudo, rir de gozo, até soluçarem as entranhas. Eu- que convivo com bruscos intempéries da Natureza, acho natural que você não conheça a escuridão das florestas, o sopro dos ventos e a temperatura das geleiras.

7faces – Elizabeth dos Santos Columa │ 47


Ojos cerrados. Desenho para A las buenas y a las malas. Ed. Anaya, ©Gabriel Pacheco. 2007.

Você- que convive com duas estações calorosas, e, que é alheia à preponderância da floresta negra, dos ventos uivantes, das caras sisudas por detrás da mobília rígida, acha natural que a floresta negra amedronte, que a geleira congele os ossos e que o vento arrepie os sentidos… Ou será se você tem mesmo ideia do que seja uma floresta negra, uma geleira deserta, um vento que uiva como um lobo faminto, e do que esses bruscos intempéries fazem, além do castigo da idade, nas entranhas da gente?

7faces – Elizabeth dos Santos Columa │ 48


Emanuel R. Marques Aveiro – Portugal

Formado em Comunicação Audiovisual. Trabalhou em televisão, assim como já ganhou a vida a fazer visitas num convento e museu do séc. XV. Autor dos livros de poesia A catedral de Inconstância, Antologia dos dias esquecidos, Madrugadas indefinidas e do livro de contos Sui GenerisContos DeMentes. Tem colaborações em várias revistas e webzines. Participante de várias antologias de conto e poesia. Colaborador em projetos de diversos campos artísticos.


O ilustre saudosismo de mim próprio

O silêncio que me carrega tem os braços dormentes E os seus passos são cada vez mais lentos, As palavras perderam os sentidos profundos Com que amamentavam as teorias do infinito. A raiz de outrora, mãe de volúpias e sublimes fantasias, Adormece agora sobre um leito de desalento. Ao longe, ainda se ouvem os audaciosos ecos Que um dia prometeram impérios inimagináveis, Quando todos os devaneios eram mel, fogo e magia E a expectativa embalava em calorosos abraços. Agora, algures durante a viagem, o astrolábio quebrou-se E a caravela desespera pela redentora luz do farol. A intuição perdeu as suas asas douradas, Ícaro já o havia comprovado, Mas ele só teve uma hipótese…

7faces – Emanuel R. Marques │ 50


Jorge Elias Neto Vitória – ES

Médico, pesquisador e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. Publicou Verdes Versos (Flor&Cultura Editora, 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&Cultura Editora, 2010). Participou da Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora, 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espiritossantense de letras, 2010 e 2011) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci, 2010).


A ordem natural Vida, esse distúrbio das moléculas que se agrupam e se toleram, que despertam assombradas e se espantam no turbilhão do útero, que choram pela primeira vez, e se expandem a busca de esperanças, que se esquecem da inexistência de possibilidades e se acasalam, que se transformam em autômatos e digladiam com seus iguais, e se espantam, pela derradeira vez, que cambaleiam e tombam, e que não ouvem mais o desespero das carpideiras, quando, já inconscientes e verdadeiras, retornam ao estado natural de fonte energética do Universo.

* Poemas do livro inédito Glacial

7faces – Jorge Elias Neto │ 52


Tédio Certa profundidade se demora nos olhos fechados. Sim, pesa o tempo, e cada pálpebra recente o fulgor esquecido. O brilho repousa – ontem – cada vez mais. O nada é um cansaço que dá sono.


Pisco* Não se acaba facilmente com a civilização das mãos. Roland Barthes

Congelado, o pincel dos cílios, fecha os olhos ao ilusionismo das cores. As mãos rasas – enciclopédicas – distraem-se do torpor na prancha de gelo. A bebida nos torna invisíveis – e sagrados. E a sobriedade não permite a palavra – amor.

* aguardente andina

7faces – Jorge Elias Neto │ 54


Nota-se no ar o cansaço do Viajante III © Rui Manuel Jordão. Pintura.Técnica Mista S/ Cartão. 50 x 40cm. 2009


Cansaço Amor: quantas palavras necessárias para que um gesto torne-se inscrito no tempo? Hilton Valeriano

Não me presta, não me cabe o alforje de palavras, a pretensão de um discurso, supor que a obviedade de um soluço ocupe mais que um segundo de um tempo que se desfaz e não cabe nesse cabedal polvilhado de tolices, crer que o lençol do céu decante a mediocridade. Não me cabe o sedentarismo da crença, o fervor no púlpito. Não me envaidece, não me encoraja arrastar corpos para trincheiras, escovar os pelos que agasalharam erros. Não me corteja a outra parte nua, como certa aurora apaziguada. O que gesto é um presságio que só cabe no devoluto da ausência. 7faces – Jorge Elias Neto │ 56


Anderson Petroni São Carlos – SP

Anderson Petroni nasceu em 1985 em São João da Boa Vista, São Paulo. Estudou Cinema e agora estuda Filosofia na Universidade Federal de São Carlos. Publica seus poemas no blog “Pequenos Delitos”, desde 2007.


estações passadas Vem o trem Cai semente falta pomba cresce o mato some o trilho ninguém lembra que ali um dia houve uma linha

7faces – Anderson Petroni │ 58


Presente de casamento Panela de pressão me dá medo muitas vezes não respeito nível máximo noutras mantenho fogo alto mas, não desisto me arrisco Apesar de incorrigível Sou apaixonado pelo sabor do feijão!


poesia ĂŠ coisa sem utilidade ĂŠ sutilidade


na passagem uma árvore descuidada cresceu atrapalhando o pedestre na calçada

7faces – Anderson Petroni │ 61



Songs of the wind and waves Š Gabriel Pacheco. 2008


Ângela Cláudia Rezende Umarizal – RN

Graduada em Letras, Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; tem Mestrado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba.


O que continha

Os galhos da longínqua árvore Acenam para mim não com alegria Sacodem-se ao som do vento Traduzem minha nostalgia E no seu balançar penoso Há algo que me inebria Padece pelo desencontro Perdido de sorte e de guia Carregam nos galhos profundos A seiva da melancolia E eu que comi do seu fruto Senti que a garganta ardia Deitada embaixo da copa À sombra calcada no dia Descanso do seguido rumo E desta monotonia Olhando o meu infinito Que brusco me aparecia Frente aos olhos sem prudência Devastando a calmaria De arrebate tomando A noção de eufonia Pungentemente sugando Da vida minha valia O cheiro do sem sentido Da noite sem ter o dia É algo deixado ao relento Corrompe feito maresia Devora o conteúdo Espalha o que continha

7faces – Ângela Cláudia Rezende │ 65


Rojo (Detalhe) Š Gabriel Pacheco. 2007


O acrobata do abismo

A noite escreve na asa do acrobata lendas de sangue súbito (Acessam-se molares guardiões do abismo e do sonho escarlate.) A noite zoa na asa do morcego. Noite vam (vap!) e a lenha rasante. Noite raia onde o torpe lambe a fábula

Salgado Maranhão, Mural de ventos



Cena de Sol sanguíneo, peça inspirada na obra homônima de Salgado Maranhão.

A peça já foi encenada em vários estados brasileiros e recebeu importantes prêmios em alguns dos festivais nacionais mais importantes. A poesia de Salgado Maranhão foi transposta para o roteiro dramatúrgico como monólogo: uma mulher contadora de histórias tece suas vivencias, silêncios, até a personagem se mimetizar em homem que insurge da rua para tratar das dores, angústias e esvaziamento do sujeito contemporâneo.

Foto do Blog do Vitorino Rodrigues


entremeio

O sensualismo semântico em Salgado Maranhão A palavra curvilínea do poeta Por Ítalo Meneghetti


ŠEdward Hopper. Nu reclinado. 1924-1927


(...) A erótica não caminha segundo as direções da carne. Ela vive nos interstícios das palavras (...). Rubem Alves

A palavra, em Salgado Maranhão, explode em fractais expelindo sentidos e significados nas diversas dimensões do poema e este alcança nas mãos do poeta a corporeidade curvilínea do sensualismo semântico, trabalhado e buscado à exaustão, num corpo a corpo com a palavra, feito de suor e prazer. Para o poeta Salgado Maranhão a palavra é uma amante de curvilíneo corpo a lhe seduzir permanentemente a explorar e percorrer as suas íntimas zonas erógenas do léxico, plenas de instigante semântica, sem a menor pressa em deixá-la, ao contrário; em Salgado, entre as suas sensíveis e hábeis mãos de massoterapeuta e a palavra, um lúdico jogo de puro prazer é estabelecido no fluir e fruir de prolongadas preliminares, livres da pressão do tempo, para que a palavra possa se mostrar e se dar por inteira, em seu desnudamento e excitação semântica ao poeta. Salgado não mede esforços nesse coito com a palavra. Empreende uma tântrica jornada com esta. Sonda os seus significados num verdadeiro rito de semântica passagem. Quando então a palavra é louvada em seu másculo altar de bardo, na condição de deusa-mãe, senhora de todo sentido e expressão, a que o poeta deve, simplesmente, reverenciar... , servindo-a com o melhor de si, para que a mesma possa chegar ao percussivo êxtase, em sua explosão de sentidos e significados no poema. E o poema? Este, para o poeta, é toda a extensão da cópula com a palavra. É o transcurso curvilíneo que a natureza feminina da palavra dá e todo o decurso que a construção masculina do poeta ergue, erige, no corpo da escrita; a lexical poemática forma e fonética semântica: o poema – o corpo poemático. O poeta trata a palavra como ao corpo da mulher, como em Paisagem nua (MARANHÃO, 2009: 41): um corpo de mulher diz o que quer: trópicos de cores vivas pontos cardeais do ser. de algum maná invisível despencam formas de frutas

7faces – Ítalo Meneghetti │ 72


pedaços de flor e fúria. um corpo de mulher pode o que quer e reina em suas leis de lã desarmando lanças de furiosos invasores. vaza do gomo dos seios, brota do vértice das coxas, essa paisagem hipnótica que ri da nossa certeza.

Cada palavra usada pelo poeta sinaliza em sua sensualidade o erotismo geométrico do corpo da mulher e é como se o poeta pretende estabelecer uma insinuante junção entre a palavra e a mulher, fazendo de cada linha do poema; de cada verso um louvor, a essa feminina semântica capaz de envolver o leitor no jogo deslizante do poeta, como ávidas mãos a percorrer o corpo do poema em sua quase corporeidade de carne puramente construída de palavras, ainda que de palavras no cio semântico das construções da língua, na oralidade declamatória do corpo poemático que tanto se insinua tanto mais dado à fala, quanto mais olhado, visto, lido, apropriado, apossado, possuído no afã do olhar, no fetiche da palavra, como em Grão (MARANHÃO, 2009: 38): todas estas fábulas que brincam em minha fala passam pela boca do dragão. levam-me ao rés do cais: dentadas de sol na cara pontos de cicatrizes. todos esses séculos de não que tento enfeitar com pérolas com gemidos e tambores. quem me conhece sabe o meu labor pra tirar do chão da dor o simples grão que sou.

A palavra, essa, também, matéria de gramática, campo de normas e regras, por vezes burlescas, alcança em Salgado Maranhão a fina tessitura da trama da seda de uma blusa feminina a vestir, a envolver sensível, sutil e delicadamente o torso nu e macio da mulher, como em Felina (MARANHÃO, 2009: 18): dentro da jaula do peito meu coração é um leão faminto


que devassa a madrugada como um felino atento seguindo a órbita da urbe e a têmpera do tempo. Já foi casa de marimbondos, já foi covil de serpentes, já foi um sol sob nuvens. vez em quando veste a calma de uma floresta sem pássaros, enquanto rosna em sigilo, afiando as garras para o próximo salto.

O poeta, na verdade, peça a peça faz da palavra um excitante jogo de retirar sentidos; significados até deixá-la inteiramente nua de suas múltiplas possibilidades conotativas de lexicais vestes. Apreciemos o que faz com a palavra em Palavra (MARANHÃO, 2009: 60): a palavra coexiste no dilúvio ao açoite do sangue nas pedras. a palavra é a pedra – e o arquétipo que dança. e o tempo do fogo flama e a memória das águas lavra em/canto e plenilúnio. a palavra lavra o tempo naja imaginária submersa no invisível mar, godiva do cais dos loucos deusa do silêncio. a palavra em si é cio virtude a divertir o vício de saber saber.

O que o poeta, na verdade, empreende é a decapagem da palavra escamada dos seus sucessivos envoltórios de significações e sentidos, num paciente trabalho de tirar do material bruto tudo o que a sua antevisão sensível enxerga mesmo antes de lapidá-la. É, assim, Salgado Maranhão, um lapidador de palavras, incansável em sua ourivesaria na qual especial acuidade se revela em seus versos para ouvir da palavra o que esta tem a dizer em sua poética escrita. Cada poema do poeta do Maranhão é uma peça de encaixe de um amplo mosaico em arabescos de palavras que dançam no poema quais dançarinas do ventre nas insinuações e seduções que a palavra é capaz, quando elaboradas no seio do prazer semântico e semiótico do que é sentido, signo e sinal da escrita do poema.

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A obra, toda a obra, do poeta Salgado é mais do que primorosa composição estética de palavras arranjadas em mero labor de ressonâncias de um remoto Parnaso, pois Maranhão rasga a seda da palavra, o véu de Ísis que cada palavra no poema encerra e empreende uma visceral busca na substância da palavra e desse mergulho, dessa lexical imersão no étimo, resulta a consubstanciação da palavra, que é quando ela é a mesma, mas também já é outra, nessa alquimia que somente a palavra é capaz no mundo instável do poema em sua plena e instigante dimensão de poesia. O poema configura em sua complexidade teórica de Poética e Teoria Literária um fenômeno singular da arte literária que mobiliza todos os recursos mentais e lexicais para acontecer, não como mais um novo conhecimento que se impõe, mas sim como mais uma nova possibilidade da palavra que se dá, generosamente, com saber e sabor de acordo com a mirada semiológica barthesiana (BARTHES, 2000) e que em Salgado Maranhão se realiza de modo exemplar essa arte culinária da palavra. A obra de Salgado Maranhão reserva para si uma significativa parte de metapoesia, que é quando o poeta também é teórico e filósofo da palavra e desta faz o seu ato reflexivo na procura de uma explicação para todo o encantamento que a palavra exerce sobre todos que a ela se entregam como em Palavra 2 (MARANHÃO, 2009: 61): Para Lita Passos o sentir molda a palavra ávida de asas alada ao desconhecido. O sentimento ladra lá na pedra – mares sobre o coração do mundo. delírio que assovia para dentro inventando o itinerário do silêncio. balsa no mar sem cais desenverbo a revogar vogais. a palavra arrebata o dia branco artérias da manhã vitrais – rio que canta para as rãs. que céus, que sais, que larvas, que deuses do imaginário


revelam aos poetas o oculto sexo das palavras?

A relação do poeta Salgado com a palavra é de pleno arrebatamento e epifania criando nos seus poemas uma estética lúdica em que o menino Maranhão reverencia a palavra e a festeja, mas sem que se renda a essa, ao contrário, quase sempre a contraria em sua dosagem de sentidos, rasgando o seu invólucro semântico e etimológico; lexical, numa lexicografia capaz de romper regras, ditames e infames normas da gramática que conspiram contra a criação poemática. Em Salgado, a gramática normativa pede licença para entrar no poema e, mesmo assim, permanece comportadinha em seus recantos, que o poeta lhe reserva com alguma deferência, mas nem por isso deixa de brincar, travesso, como o faz com fina ironia em Predicado do Sujeito (MARANHÃO, 2009: 39): tem que haver uma mudança na gramática, uma mudança substancial, que não é direito um verbo irregular passar a ser sujeito no plural. deve haver um jeito de romper os elos anormais entre o agente da passiva e as conjunções causais. deve haver uma conjugação geral de todo o pessoal interessado na situação da posição dos verbos na oração. que não é direito um verbo no passado ser sujeito. não duvido até que possa haver uma manifestação total dos verbos regulares, visando a uma transformação gramatical no futuro do presente tempo estado, que não é normal um sujeito só com tantos predicados.

E, também, vai, aqui, uma alfinetada na construção social de valores, nas relações de poder da sociedade e o poeta, também, adentra ao mérito da questão, mas sem fazer poesia engajada e, se há, algum engajamento político na poética salgadomaranhense, esse se dá por uma necessidade crítica de um mundo melhor de se viver, humanamente possível, e, não para defender cercados ideológicos, pois para o poeta só há ideologia se houver poesia e nessa coisa de reescrever o mundo, a vida e as pessoas como texto, só há sentido se as relações entre mundo, vida e pessoas acontecerem poeticamente.


Este, o cerne da missão do poeta, que, amante da palavra, nunca está seguro desta e corre permanentemente “o risco entre o amor livre e a palavra” como declara em Corda bamba (MARANHÃO, 2009: 59): I) o poeta é mercador traficante de caminhos que vende raios, sinfonias e horizontes. frugal mercador de eternidades – porta a porto – aos quatro cantos do luar ao mar ao ar sob o tempo e o temporal. II) o poeta corre o risco entre o amor livre e a palavra. está sempre atrás do pano em plena corda bamba do mistério. e atravessa submerso as metrópoles dos olhares feito um louco solitário que come fogo.

Tal instabilidade entre o poeta e a palavra por conta do amor livre provoca um permanente jogo de sedução entre ambos e os arremetem a uma constante conquista, na qual um não se descuida do outro e, há mesmo, por parte do poeta, um zelo, esse desvelo pela palavra e que a trata como verdadeira amante, que em troca, recôndita, lhe retribui plena e prenhe de insinuações, prazer e prole, tais acariciamentos semânticos. Em Salgado Maranhão a palavra ganha um tom brejeiro, e faceira desfila a sua cor morena, mas qual a cor da palavra? Então, desfila também a sua cor branquinha, negra, amarela... A palavra no poeta Salgado desfila no poema com todas as cores. Ora, vai até a senzala antepassada como em Negro soul (MARANHÃO, 2009: 25): Para Edimilson de Almeida Pereira e Éle Semog sou um negro, orgulhosamente bem-nascido à sombra dos palmares, da grandemocracia racial

7faces – Ítalo Meneghetti │ 77



Fetiche

Tal como os dentritos surgem da pedra, nessa penugem que o sol doura em tuas coxas há um quê de pluma e rochas e muito mais que isso, apelos já que nuvens de pentelhos desabrocham. São preâmbulos ao vértice do triângulo. Sopra um halo de fetiche que da selva de azeviche flui – um pouco mais em uma – onde jorra o mel da mina.

Salgado Maranhão, Mural de ventos

©Edward Hopper. Verão Interior. 1909


ocidental tropical. sou bem um outdoor de preto com a cara pro luar inflando a percussão do peito feito um anjo feliz. sou mais que um quadro-negro atrás de um giz: um livre livro. e sangue de outras sagas; e brilho de outros breus: quanto mais me matam mais eu sobrevivo. (negro é feito cana no moedor, sofre e tira mel da própria dor.) vou tocando passos, vou tocando ginga, vou tocando, vou a deitar sangue nos cruzamentos, colorindo a palidez dos que não têm cor. sou um negro, rigorosamente um negro, à sombra dos palmares da grandemagogia racial ocidental tropicálice!

A perícia e peripécia com a palavra no poeta Salgado desconcerta o que é previsível na construção poemática, dando-lhe um caráter de permanente impermanência, fazendo do ato da palavra no poema a plena durée bergsoniana (BERGSON, 1990), resgatando do poema esse agora que ecoa na poesia de cada verso; que escoa na permanência do fluxo heraclitiano e que não se repete jamais, fazendo com que cada palavra em cada poema alcance a sua função e sentidos únicos naquele contexto, próprio de cada construção e expressão poética. Por outro lado, o poema também é uma imagem que explode na plena poesia da palavra; estrela semântica, luz do léxico, fluxo do étimo. O poema é pura explosão lexical e que em Salgado Maranhão alcança o dimensionamento sinuoso da luz, como na luz da chama de vela que balouça; cintila, oscila no calor e dança da palavra...


A palavra nas mãos de Salgado é argamassa da cor do barro, dos muitos tons de barro, do barro da terra de que é feita cada palavra na poesia salgadomaranhense e o poeta do Maranhão é esse oleiro a tocar com a pele das mãos o barro molhado das linguagens desses nossos Brasis encharcados de linguagens e gentes na riqueza de uma linguística das mais diversas e relativas ao que é norma e regra na língua, no idioma, no poema de Salgado. A cor da palavra em Salgado é feita de toda a sua poesia e toda a poesia de Maranhão é pura sinergia na qual cada palavra concorre para a função poemática como poucas vezes se vê em outros poetas, mas que no poeta maranhense é natural, faz parte do seu estro, como é em Coda (MARANHÃO, 2009: 306): Para Ferreira Gullar Agora que cantar é flor de lavas, lides e o sol sanguíneo raia nosso cais, uma foz de lábios nos incesta ao arbítrio antes que rapinas raptem nosso último grão de víscera. Cantar como as pedras rolam cantar como o sangue cinge os dígitos do amor mensurável. Radical amanhece a ramagem de incêndios sobre as vinhas. Do sublime à barbárie eis que o destino inscreve-se nos dentes. Transidos recolhemos a penugem do sol e o silêncio em riste. No ermo do ter-se sem se pertencer só o impermanente permanece.

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Referências BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 2000. BERGSON, Henri. Matéria e memória. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1990. MARANHÃO, Salgado. A cor da palavra. Rio de Janeiro: Imago/Fundação Biblioteca Nacional, 2009.

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Cor da bamba o poeta é mercador traficante de caminhos que vende raios, sinfonias e horizontes. frugal mercador de enternidades – porta a porto – aos quatro cantos do luar ao mar ao ar sob o tempo e o temporal. o poeta corre o risco entre o amor livre e a palavra. está sempre atrás do pano em plena corda bamba do mistério. e atravessa submerso as metrópoles dos olhares feito um louco solitário que come fogo.

Salgado Maranhão, A cor da palavra

©Edward Hopper. Adam’ House (detalhe). 1928


Desconcerto

Por querer teus seios (e n達o poder) j叩 sofri demais. E ainda sofro, por n達o querer mais.

Salgado Maranh達o, Solo de gaveta


ŠEdward Hopper. Eleven A. M. 1926


Belezas do tempo © Nil Catalano. 2010. Aguada sobre papel art-premiun 200gr/cm², 33X48cm.

Todas as formas

Mostra Nil Catalano (aquarelas)

Nil Catalano é de Araraquara, interior paulista, cidade localizada no centro do estado de São Paulo, conhecida como "Morada do Sol". De formação Técnica, o desenho sempre teve um peso significante no seu diaa-dia, mesmo sendo ele direcionado à projetos de equipamentos. Foi através do desenho que foi atraído para o mundo das artes. Em 1998, iniciou seu envolvimento com a arte, primeiramente conhecendo técnicas a óleo e desenho a grafite, mas tudo como hobby. Em 2002, a curiosidade levou-o a conhecer a aquarela; a paixão foi imediata. Ingressou no curso ministrado pelo artista Francisco Lopes, no Núcleo de Artes Visuais de Araraquara, onde permaneceu até 2011. O artista define-se pela pintura do natural procurando a interpretação e síntese da paisagem causando uma planimetria, colorida e transparente, fugindo da cor local.




Azul como seus olhos © Nil Catalano. 2011. Aguada sobre papel art-premiun 200gr/cm², 33X48cm.

Refúgio de Eros © Nil Catalano. 2010. Aquarela sobre papel Arches 300gr/m², 33X55cm, Úmido sobre úmido.


O mergulho © Nil Catalano. 2010. Aquarela sobre papel Arches 300gr/m², 33X55cm, Úmido sobre úmido.



Encontro com fadas © Nil Catalano. 2010. Aquarela sobre papel Arches 185gr/m², 33X55cm, Úmido sobre úmido.

Monges Dourados © Nil Catalano. 2010. Aquarela sobre papel Arches 300gr/m², 33X55cm, Úmido sobre úmido.


Presente de outono © Nil Catalano. 2010. Aquarela sobre papel Arches 300gr/m², 33X55cm, Úmido sobre úmido.


Gaveta, entrada 2


Celso Gutfreind Porto Alegre – RS

Celso Gutfreind nasceu em Porto Alegre, em 1963. É escritor e médico. Como escritor, tem 26 livros publicados, entre poemas, contos infanto-juvenis e ensaios sobre humanidades e psicanálise. Participou de diversas antologias no Brasil e no exterior (França, Luxemburgo e Canadá). Foi traduzido para o francês, inglês e espanhol. Tem diversos prêmios, entre os quais se destacam Açorianos 93 e Livro do Ano, da Associação Gaúcha de Escritores em 2002 e 2007. Foi escritor convidado da Ledig House, em Omi (EUA), em 1996. Como médico tem especialização em psiquiatria, psiquiatria infantil, mestrado e doutorado em Psicologia, realizado na Universidade Paris 13. Realizou pósdoutorado em Psiquiatria da Infância, pela Universidade Paris 6. É psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre. Atualmente, trabalha como professor de psiquiatria na Fundação Universitária Mário Martins e como professor convidado no curso de Psicologia da Unisinos e UFRGS.


Reencontro ao Largo Reencontro em outra aldeia amigos antigos. Estamos redondos e mais ou menos livres, sabemos que os dias estendem as dores que as noites recolhem, e tudo respira em parte. Mas há futuro e outra infância irrompe agora, sou chamado para brincar com o guri velho de esperança e para dançar lento (amor, amor reescrito?), pela velha guria, mais viva que a irmã, a mãe, o pai, o fim do dia.

Os poemas enviados pelo autor são inéditos do livro Em Defesa de Certa Desordem, Editora Artes e Ofícios, no prelo.

7faces Celso Gutfreind │ 96


Quadra de Vanguarda O que vi, mal, direito eu o disse do meu jeito De resto, o tempo aguarda o lugar desta vanguarda


Aqui e Agora E nós somos da turma sem agora abrimos a cancela o pátio é ontem e cheio. Cumprimentamos fantasmas e, sem capuzes, damos ois aos vultos, há cada vez mais vultos pelo quarto, há cada vez mais quarto neste antes. Rimos, choramos passado, parece que nos movemos movidos pelo que houve e mesmo a lágrima que molha a lente é dura, seca. Mas sabes fechar a porta quando entro em ti e, ainda que a morte bata, agora sim é agora.

7faces Celso Gutfreind │ 98


Clarissa Macedo Feira de Santana – BA

Clarissa Macedo é baiana. Trabalha como revisora, escritora e produtora. Cursa Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural (UEFS). Está presente nas coletâneas Godofredo Filho (2010), Sangue Novo (2011) e Verso e Prosa – III Feira do Livro (2011). Publicou poemas no site Musa Rara em fevereiro de 2012. Participou, em 2011, da IV Feira do Livro de Feira de Santana e da 10ª Bienal do Livro da Bahia na abertura da Praça de Cordel e Poesia. Edita o blog Essa coisa que é o eu.


Clarão O medo é a polidez da alma, ele é quem nos esfrega à cara o que realmente somos: um monte carpido e tolo a espirrar cinzas fúteis no meio imenso mundo todo

7faces – Clarissa Macedo │ 100


Passagem Tantas as pessoas passam com suas vidas miúdas, certinhas, rápidas, tristes e eu com essa dor de dente de amor que não tolera e não passa.


Soluço O título devo a minha Mãe, que assim o chamou

Amigos, não os tenho. Rosas bruscas, também não. Não tenho a mão alucinada de coragem, nem cegos que consultam espelhos. Só o que tenho são a fome e a dor que sozinhas e de mãos unidas caminham comigo, faça noite, faça dia. (Ali, o meu amor tão grande, a morrer em cada uivo santo, é serão de ilusões, galopante.) Tenho enfim a solidão das auroras mordendo de agonia a loucura que sutura nas vitrines, e a alma, retalhada, morre assombrada a cada sussurro sufocado da vida.

7faces – Clarissa Macedo │ 102


Lucas dos Passos Vila Velha – ES

Lucas dos Passos nasceu em Vila Velha (ES), é poeta, licenciado em Letras-Português pela Universidade Federal do Espírito Santo e, atualmente, cursa o Mestrado em Letras nesta mesma instituição, com dissertação sobre a obra de Paulo Leminski.


E NÃO FOI NOUTRA FORMA senão o verso que me decidi a falar mal das coisas; muito embora fiquem meus versos, imagem virtual, alérgica a celulose, impublicáveis: que meia dúzia os leia e, sobre eles, se preciso for, por mim, se cale.

7faces – Lucas dos Passos │ 104


PARA QUE SERVE um ego, eu te pergunto, e me perturba a ânsia da resposta. Sou quieto, seco, ou falo muito, diz, resolve se sou claro ou insensato. Eu sou grosso e sensível, veja bem: acima da razão a rima – ainda que, imodesta, se guarde, meio tímida, entre as estranhas margens do soneto. Ninguém me nota no ônibus lotado; me deixam tropeçar de porta a porta, e o ombro dói com a bolsa bem pesada. (Como pode uma dor ser elegante?) Erro dos meus óculos ao chinelo, sempre assusta o perigo da verdade.


Sete à mesa Sentado em torno de redonda tábua, me viam mãos e olhos, seca a boca. Em aro fino, as lentes, muito atentas, analisavam; a cabeça – alta. Cuidava o outro que Deus não assistisse, embora, muito certo, se calasse. E em ébrio gaguejar fechava o cerco, toda só de ímpetos, negra margem. Houve quem se abstivesse, profanando, póstumo, turvo líquido no copo. E ocupava o discurso enraivecido apenas – ou ao menos – as paredes. Pois olhos só pra si nos atravessam, os sete à mesa, e a todos, sonsos, castram.


Nota-se no ar o cansaço do Viajante I © Rui Manuel Jordão. Pintura.Técnica Mista S/ Cartão. 50 x 40cm. 2009


OS DENTES NO PRATO não hão de mentir/ hão de comer, os dentes do garfo roçando no prato raso / dentes entregues por raul bopp / escancarados por raul, o pop / sem que dona chica os conhecesse. / às vezes, em vez de me emocionar, choro / às vezes, em vez de escrever, me emociono / e a gota de chuva na janela do ônibus / a miserável remanescente do último temporal / me encara com expressão de dúvida / ânsia e medo / de encontrar a pálida irmã da minha cara / no grosso do asfalto. / como era aquele verso? / como era? / era branco, azul ou preto, muito preto? / era um moço muito preto com camisa tricolor / fazendo gol de cabeça no maracanã / era clara a página enchendo os olhos / mas havia distâncias: dedo, tecla, tela, papel e tinta. / um coice bem dado, era o que eu diria / um coice oferecido no meio dos joelhos. / onde já se viu? / quando fico muito tempo sem escrever / me vêm estes monstros esquizofrênicos / criaturas hediondas, adjetivas / que mal consigo entender sozinho. / escrever um romance pendurado nas barras / ora, não sou atleta, talvez tenha sido – muito antes do que deveria. / não me apeteceria o gosto ébrio da maconha / onde eu queimasse mal apanhados versos. / descarto, viro e volto: / meto os dentes no prato / a celulose que me perdoe / mas eu prefiro os frutos do mar, ariscos / a pedra e minério embalsamados. / capixaba, pois, sobretudo no paladar / baiano, carioca e, contudo, mineiro / sem ter mata onde se esconder. / a fumaça ziguezagueando a um palmo do nariz / não hei de inspirá-la, não hei / e nem de me encantar com um papo torto / sei que não é um jeito de corpo / posso te acompanhar? / a bênção, a bênção / deus te abençoe, repetem / agora, tarde, já sem o gesto da mão. / poeta é quem se acha, me disseram / é de se considerar. / mas não acho nada / não posso achar nada / tenho milhares de sonhos mudos / sonos imundos de relógios tiquetaqueando em silêncio / dependurados nas escadas, digo, nas árvores. / ratifico: encher uma lagoa de água / um mangue, de mosquitos / a mangueira, de morcegos. / onde foram parar os gestos giratórios? / os braços encantatórios? / onde a prosódia? / puxo o s só pra tirar um sarro / meto dois acentos nas palavras e saio encurtando os sons / no entanto, não sei medir as frases: / meia palavra, palavra inteira. / em estado de vigília faço lindas inversões com minha sintaxe / simpáticas, diria o outro / só não sei quando terminar. / catar conversas com olhos de lince / deixo pra ana cristina, a cesar / senão olha que eu dou um troço. / a barba de louco, barrabás / sobrancelhas psicopatas / mal cabem nos óculos ambições vazias / ambições vadias, creio / sem eira nem beira pra abismar-se. / o flerte no necrotério: legista e assassino serial / equívoco de leitura / bem sei que não me querem mais ouvir / só mesmo o silêncio. / tudo é mesmo muito grande assim.

7faces – Lucas dos Passos │ 108


Amélia Luz Pirapetinga – MG

Amélia Luz nasceu em Pirapetinga, Zona da Mata, Minas Gerais. Escreve poemas, trovas, crônicas e contos. É formada em Pedagogia, Administração Escolar e Magistério, Orientação Educacional, Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa, Pósgraduada em Planejamento Educacional e Psicopedagogia na Escola. Conquistou várias premiações, participando de concursos literários no Brasil e exterior. Tem poemas publicados em antologias no Brasil, em Portugal, na Espanha, Itália e França. É membro efetivo de várias entidades literárias como Academia Paduana de Letras, Artes e Ciências, Santo Antônio de Pádua/RJ, o Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais, Mariana/MG, e o Cercle Universel des Ambassadeurs de la Paix – GENEVE/SUISSE, Membre de L’Academie du Mérite et Dévouement Français – PARIS/FRANÇA.


Duelo

O homem angustiado duela com o seu mundo interior travando batalhas sangrentas. Duela com o cosmos com o uno, com o complexo com momento passageiro ou com o eterno inexplicável diante da sua insignificância... Ser e Estar debatem-se em conflitos e turbulências... Eu fui alguma coisa que se perdeu inesperadamente dentro de mim dando-me a condição de Estar. Avalio-me, sinto-me ameaçado, nas novas crenças e propósitos. Encolho os ombros, abro-me para a vida, sou lobo ou cordeiro, anjo ou feiticeiro, folha minúscula ou árvore frondosa entre podas e ramagens viçosas... A mudança faz parte do Ser que é movimento multifacetado de influências e riscos diversos. Eu duelo se Estou, grito, cresço, manifesto... Martelo o Sou, calo-me na concha solitário, metamorfoseando-me... Saio para a caçada jovem, Estando, – sou o avatar de mim mesmo – volto velho e enxovalhado, sobretudo Sendo... Ninguém é totalmente “o sou” intocável, sempre caça, luta e aprende. Estando duvida e questiona perdido em lucidez e enganos incontáveis... Mas modifica-se nas suas relutâncias, até o minuto que antecede a sua morte. Porque também a morte, o que é afinal? É passagem, é passagem... É mudança para o desconhecido!


Palco da vida

Logo à noite quando se abrirem as cortinas vermelhas serei mais um palhaço no palco da vida! Esconderei a lágrima no bolso furado ensurdecerei o mundo com a minha falsa gargalhada. Logo à noite, sim, logo à noite, escondido nas cores da máscara esquecerei a partida eterna da minha amada e fingirei para alegrar a plateia sedenta de risos e diversão! Mais tarde, pela madrugada, ao chegar à casa solitária encontrarei a alcova vazia e a cama fria e nem teus olhos estarão fitos na porta a me esperar... Mergulharei um punhado de dor no cálice do tinto que me entorpece até que o sono me domine, na certeza de que comigo tu estarás nos meus sonhos e delírios...

7faces – Amélia Luz │ 111


Rolando Revagliatti Buenos Aires – Argentina

Rolando Revagliatti nasceu em 1945, em Buenos Aires, ARG, cidade onde reside. Publicou, entre 1988 e 2009 os livros de poesía Obras completas en verso hasta acá, De mi mayor estigma (si mal no me equivoco), Trompifai, Fundido encadenado, Picado contrapicado, Tomavistas, Propaga, Ardua, Pictórica, Desecho e izquierdo, Sopita, Leo y escribo, Del franelero popular, Ripio, Corona de calor; de teatro, Las piezas de un teatro; de contos, Historietas del amor, Muestra en prosa; entre outros. Seus livros estão, alguns, em edições eletrônicas que podem ser acessados na sua web page Rolando Revagliatti.


Especular Nuestro Planeta Tierra en proceso de extenuación y en espejo nuestro proceso de extenuación en el Planeta Tierra.

7faces – Rolando Revagliatti │ 113


Sarteneado Cavilo sobre los mangos de las sartenes cavilo sobre los apropiadores de los mangos cavilo sobre las repercusiones del ejercicio de la apropiaci贸n cavilo sobre mi bombardeada subjetividad repercutida por el capitalismo y sus consecuencias Cavilo sobre la sart茅n.


Interiores En montos significativos el dinero encuentra obstaculizado su acceso hasta mí En un arranque neurasténico el dinero me presentó su renuncia la cual no acepté Se me da en cuentagotas el dinero Él gozaría dándoseme sin retaceos pero se ve que soy un bruto y que a mi pesar algo goza en mi interior histéricamente frustrándolo y acrecentando su desasosegante anhelo de dárseme En medio de todo este involuntario retorcimiento no cuento yo ni siquiera con el resignado paradigma: “Pobre pero honrado”.

7faces – Rolando Revagliatti │ 115


Perfeição © Nil Catalano. 2011. Carvão sobre papel casca de ovo 160gr/m², 33X48cm

Todas as formas (II)

Mostra Nil Catalano (desenhos a carvão)

A beleza da obra de Nil Catalano está na leveza com que desenvolve a montagem de suas telas. A série de desenhos a carvão é prova definitiva para essa constatação uma vez que a principal característica do cinza e do negro é o fechamento e pesado das formas, fato que não se deixa, pelo menos no último caso, se confirmar na sua arte.




Bem Vindos © Nil Catalano. 2010. Carvão sobre papel casca de ovo 160gr/m², 33X48cm

Amigo caboclo © Nil Catalano. 2010. Carvão sobre papel casca de ovo 160gr/m², 33X48cm


Trocando de roupa © Nil Catalano. 2010. Carvão sobre papel casca de ovo 160gr/m², 33X48cm


Restrições do caminho © Nil Catalano. 2011. Carvão sobre papel casca de ovo 160gr/m², 33X48cm



Reflexivo © Nil Catalano. 2011. Carvão sobre papel casca de ovo 160gr/m², 33X48cm



A música de Salgado Maranhão (amostra)

imagem© Blirk.net


Escrita com Zé Américo e gravado por Zé Ramalho e Elba Ramalho

Calmaria Quis fazer do nosso amor A calmaria de um rio E quanto mais eu mergulho Mais eu encontro o vazio Me enrosco na tua pele Assanho teu coração E sempre me surpreendo Com o fogo dessa paixão Nosso encontro é uma paixão É festa de passarinhos E é flor do mesmo espinho Da vida Quis trazer pro nosso amor A fantasia do cio E quanto mais eu mergulho Mais se aprofunda esse Rio


Trapaças

Dá prá ver no meu olhar Uma vidente Uma criança alegre Uma serpente E no meu corpo De ameixa e sapoti As letras tortas De uma história Que eu não escrevi Dá prá ver na minha cara Uma vontade Um animal na luta, um sabiá Uma pessoa que no mínimo Quer viver atenta Pra não deixar o canto Enferrujar E digo mais Quando você quiser Dançar comigo No palco dos terreiros No vapor das brasas Nas sete maravilhas Do meu paraíso Vai ser mais uma trapaça Que eu invento Vai ser mais uma pirraça Que eu sustento Pra morder você Com meu sorriso Práamorder você Como eu preciso

Escrita com Herman Torres. A música foi interpretada, mais tarde, por Ney Matogrosso


Gravada em 1981 por Zizi Possi, “Caminhos de sol” é de composição de Salgado Maranhão e Herman Torres. Depois a banda Yahoo regrava para a trilha sonora de A viagem, telenovela da Rede Globo.

Caminhos de sol

Sem você a vida pode parecer Um porto além de mim Coração sangrando Caminhos de sol no fim Nada resta mas o fruto Que se tem É o bastante pra querer Um minuto além Do que eu possa andar Com você Te amo e o tempo Não varreu isso de mim Por isso estou partindo E tão forte assim O amor fez parte De tudo que nos guiou Na inocência cega No risco das palavras E até no risco da palavra Amor


.

ŠEdward Hopper. Shakespeare at Dust. 1935


Gaveta, entrada 3


Ricardo Mendes Mattos São Paulo – São Paulo

Ricardo Mendes Mattos é autor de Acaso Subversivo (2012). Desenvolve seu doutoramento sobre a criação poética em Roberto Piva (Psicologia da Arte/USP).


Paralelepípedos de cócoras um sopro qualquer entre o vulto e a sombra um surto qualquer entre o luto e a sobra sobretudo um salto entre o transe e a dança jogo de criança

7faces – Ricardo Mendes Mattos │ 132


Fronteira da dispersão No final das contas é só achar um delírio que preste pro nada ou qualquer imagem que me vista por dentro um enlevo de unicórnios grafitados em nanquim levante de meus desastres que assombram um final de tarde um raio que atravessa a cumbuca no terreiro os longos cabelos do corrimão no penhasco sacanagem de outroras no quarto de hóspedes da memória chapéus esvoaçantes de hans richter ou cadeiras arredias mastigando bundas displicentes no final, as contas da guia que estilhaça em meu peito


Arestas do sopro Vi duendes soluçando aquarelas ao som de flautas que improvisavam a Aurora pôr do sol na Pedra da Bruxa aspirar entorpecido o olor do vulto frescor de outros tempos a tremular nossos cabelos leve brisa aguça o espírito onírico devaneio assalta a memória psicodélicos movimentos nos soltam por dentro corpo livre a bailar na beira do breu

7faces – Ricardo Mendes Mattos │ 134


Vinicius Ferreira Barth Curitiba – PR

Vinicius Ferreira Barth, poeta, tradutor e mestrando em Letras na Universidade Federal do Paraná. Membro do site Escamandro de poesia, já traduziu autores como John Milton, Kavafis, García Lorca e Apolônio de Rodes.


uma flor que nasce no asfalto

para adriano scandolara

a porcelana gelanádegas um livro mal suspenso em frente à cara que fala sobre um burocrata insosso e o cheiro dessa história pela casa os urros de um estômago, organismo que é a cidade impersonada, velha um som mal compreendido pelo vidro parido dos trincados da janela assoviada, tosca ode à alegria e nessa interferência o mundo muda

7faces – Vinicius Ferreira Barth │ 136


a inevitável clareza da cor nunca vi o que eu sempre quis as janelas são tão grandes e tudo é claro passa despercebido (os outros sempre sempre veem o que não querem) o claro é óbvio pinta todas as paredes com luz com o que sobra pingos de cá e de lá pintam o teto do meu quarto com estrelas (mais ou menos de verdade) o claro é óbvio e o que não é óbvio não me atrevo a dizer quando tudo fica difícil pintamos de novo respinga escuro em cada canto da cidade não no meu quarto de janelas grandes dentro dele tudo é fácil e se não for acendo a luz ou rezo pras estrelas


saberes entre amor e abismo tomou-me as mãos um servo falando-me a respeito de um outrora e ouvi tomado por amor a baco e a panteia calando em mim desejos grandes como a ásia sabendo-me pequeno em frente ao pórtico da eternidade e bebendo-a em meus olhos sabendo sermos reis de terras sermos astros incansáveis no tecido escuro do fechar dos olhos sermos o mais distante e mais querido porto de regresso somos no entanto selva em torno de um milagre desconhecido

7faces – Vinicius Ferreira Barth │ 138


Carmen. Š Gabriel Pacheco 2011.


CATARINA velocípede pedala furiosa tritura rochas co’ a motoca pequena Catarina a mil por hora vai, pequena Catarina! voa e conquista o mundo sobre os teus pedais de lusco-fusco


RED STOP olhos doutro lado fabuloso azul desemprego cocota maravilha terça parte de rocknroll e samba meu bem (se me ligarem do espaço diz lá que não tô) doentio rabisco de almíscar piscada blackout de esquina ipanema walks by slowly coas pernas de fora cigarrettes flashlights dum walk walk walk

7faces – Vinicius Ferreira Barth │ 141


Rafael Kafka Belém – PA

Rafael Kafka trabalha como professor de duas escolas particulares na periferia da capital paraense. É formado em Letras pelo IFPA Campus Belém, pretendendo em breve iniciar seus estudos de pós-graduação. Na escrita tem por influências Kafka, Saramago, Chico Buarque, Clarice Lispector, Machado de Assis e as letras das músicas bandas folk europeias Belle & Sebastian e Kings of Convenience.


Lampejo

Não sei se minhas palavras tem o nível de verdade que eu quero que elas tenham. Não sei se meu olhar expressa o que quero que ele expresse, só sei que eu e algum ser onipotente que por aí exista sabemos muito bem que isso que ocorre dentro de mim quando vejo uma simples foto tua ou um simples sorriso teu é o mais puro enternecimento que já senti. Mais puro do que quando ouvi a mais bela sinfonia pela primeira vez; mais puro do que quando sentei a ler os poemas deprimidos sobre os homens nus; mais puro do que meus anos de pura tristeza. Quando me vejo a olhar um simples retrato, sinto inveja de ti... Ali, imóvel, teu reflexo parado me leva a um êxtase que eu queria que minhas palavras te levassem. Sinto-me dominado por todo o apreço e desejo que posso sentir por alguém e motivado a ser eu da melhor forma possível. De repente vejo que todos os meus estudos e devaneios existencialistas em ti se tornam esse puro desejo de estar ao lado, que todas as minhas metas e atos adquirem um colorido novo. E que mesmo um domingo de futebol e videogame ou rodada solitária de cerveja e literatura possuem um encanto que antes não tinham. Todos os meus atos, pensamentos, emoções e lembranças convergem para ti. Todo o meu ser se resume no velho clichê que dentro de mim se mostra como a única tradução, por mais imperfeita que seja, de meu sentimento por ti. O “eu te amo” não dá conta, porém é o que expressa mais claramente o que quero te dizer. Contudo, se eu fosse capaz de dizer isso em um poema, fingindo que aqui ainda não é uma tentativa, te pediria para me veres a dar aulas, comendo, andando, conversando, fazendo piadas; lendo, pensando ou até mesmo no médico em algum procedimento. E te pediria para entrar dentro de meu âmago e visse a calmaria que nunca houve em tal ruína... Aí entenderias a dimensão do “eu te amo”. Mesmo que não pelo nosso entendimento racional e comum. Porém só de veres o meu eu com todo o seu ego confuso e bagunçado, saberias, por intuição,

7faces – Rafael Kafka │ 143


que ao chegares ali algo mudou e finalmente vida houve naquele lugar. Só de veres o meu sorriso empolgado em uma conversa virtual ou quando chegas atrasada entenderias que nada mais me serve a não ter a sua simples presença, que em cada ângulo revela um jeito de ser tão belo que se cada perspectiva criasse vida, eu me apaixonaria por ti quantas vezes eu pudesse te perceber. E a dimensão do “eu te amo” é tão grande para caber nessas palavras, que eu sinto medo de nunca te provar meu amor sincero. E sinto medo de não confiares plenamente em mim, nem de eu ser bom o suficiente. E quanto mais eu falo, mais coisas eu tenho a dizer porque essa dimensão linguística não dá conta da dimensão ontológica que em mim reina. Por isso eu te digo “eu te amo” com todo o meu nervosismo e com toda ternura, para que como um adolescente medroso eu te prove, com todo o meu descontrole, que meu medo de te perder é a maior prova de que sem tu eu nada sou. E de que o “eu te amo” é o que mais quero repetir em minha vida por ser o que mais lhe dá sentido.

7faces – Rafael Kafka │ 144


Pedro Belo Clara Lisboa – Portugal

Pedro Belo Clara, nascido em Lisboa, é formado em Gestão Empresarial e pós-graduado em Comunicação de Marketing. Atualmente centrado em sua atividade de formador e de escritor, participou com seus trabalhos literários em exposições de pintura e em várias coletâneas de poesia, tendo sido igualmente preletor de sessões literárias. Colunista e membro de portais artísticos, é autor dos livros de poesia A Jornada da Loucura (2010) e Nova Era (2011).


Caminhar… Assim, solto, Desprovido de tudo o mais À excepção de eu mesmo, Ladeado pela roliça lua E por minha sombra fiel… Aqui, nesta estrada de malditos, De ladrões e foragidos, Saltimbancos e viajantes, Caixeiros, mercadores de visita, Salteadores e facínoras; Aqui, entre eles, imune Ao julgar de quem é Ou daquilo que realiza, Livre de dor, passado, Latejos ou ecos embargados… Caminhando, apenas, Até que a rugosidade Daquelas montanhas que se Erguem na distância, Se revele deveras tangível.

7faces – Pedro Belo Clara│ 146


Ser… Como a Água Que tudo rega e reflecte, Como a Terra – A Mãe de todas as coisas –, Um amplo terreno de cultivo, Como o Vento Que livre corre pelo espaço, Como o Fogo Que tudo consome Apenas para que tudo Possa de novo irromper; Ser… Como o Caminho Que até ao Infinito se prolonga, Como o rouxinol Que canta a sua Primavera, Como a alva flor Que suaviza a imagem De um rude recanto, Como o Sol que refulge Após o negrume desvanecer; Ser… Completo como a Unidade, Abundante como a Fonte, Gentil como a folha Que pende de ramos vários, Sonhador como a semente Que na neve soterrada sonha Com a doçura de seus frutos. Ser como o azeite, A substância que alumia A candeia do mundo, Ser assim e sempre assim, Em cada sacro instante Mais autêntico e profundo.


Será o Tempo que passa por mim? Eu é que atravesso, a cada passada, O espectro da ilusão que ele é!... E os anos que vivo são páginas Que ao de leve são desfolhadas Na imensa biblioteca que encerra A história que somos. Ah, meus braços frondosos como Os ramos do grande Carvalho! Meu perfume de Eucalipto! Meu tronco de Pinheiro E membros restantes De Ulmeiro e Sequóia! Meus cabelos de algas, Rosto de fina areia, Olhos de mar e boca de rocha! Meu pensamento livre Como o bravio vento… Quanto mais recordo quem sou, Mais me esqueço de quem era!...


Nesta noite de aprazível repouso, Contento-me em observar as estrelas, Fazendo os pensamentos navegar Por um mar de múltiplas divagações, Na esperança de que talvez assim Eles atraquem na terra dos sonhos. Diriam outras bocas que “filosofo”… Talvez o faça, sim, mas… Que sei sobre esse assunto, eu Que nunca vi ninguém “filosofar”? Só sei da Existência e do Caminho Que lhe é estendido como passadeira, Das palavras e dos sentires, os seus Mais que valorosos condimentos. Então, deixo os instantes vogarem Pelo tempo quieto, quais caravelas Rasgando as ondas desse mar distante. Tenho a relva que piso e o ar que respiro, O céu que abençoa e o vento que acalenta; Tenho os bosques, tenho a estrada e a Eterna promessa de um amanhã distinto – E isso basta-me. Algo sorri para mim E eu adormeço no conforto Da minha simples verdade.

7faces – Pedro Belo Clara │ 149


Renata Iacovino Jundiaí – São Paulo

Escritora, poetisa, compositora e cantora. Autora de livros e CDs para adultos e crianças. Integra antologias diversas. Premiada em concursos. É membro de entidades culturais e colaboradora de veículos de comunicação. Com Valquíria Gesqui Malagoli ministra oficinas e desenvolve outros projetos lítero-musicais, além da “CircuitoTeca”, biblioteca itinerante sem fins lucrativos. Com Josyanne Rita de Arruda Franco, publicam, mensalmente, o Jornal Literário CAJU e realizam saraus temáticos,


Claro Asas são quimeras Enfeitadas O tempo é real E fala claro! Eu? Eu não sei. Se meu parto me orienta Ou se retardo meu viver Dentro da poesia-placenta... Só sei que não aborto O que sinto Só sei que não minto.

7faces – Renata Iacovino │ 151


André Giusti Brasília – DF

André Giusti é carioca, nasceu em maio de 1968 e 30 anos depois veio para Brasília. É autor de Voando pela Noite (até de manhã), A solidão do livro emprestado e A liberdade é amarela e conversível, (todos pela 7Letras) e Eu nunca fecharei a porta da geladeira com o pé em Brasília (LGE), todos de contos, mas se arrisca também na crônica e na poesia.


Rascunho de ideia para conto místico Fica bem ali, pouco depois da curva onde há a entrada para a mata, lá onde a tarde atinge seu auge e encontra seu declínio. Passando desse ponto, vira-se à direita na direção do sossego e do silêncio. Mais alguns metros depois, na terceira daquelas casas esquecidas no tempo, ela me espera na varanda do passado.

7faces – André Gisuti │ 153


Populacho E agora é que sou eu às quatro da manhã com um verso engasgado na ponta dos dedos, os medos vindo à tona, à toda a existência corre embaixo de meus pés descalços cheios de talhos e tão pouca coerência. E aí que eu encarei o mundo no tapa fui poeta na marra e sempre amei feito corpo em queda livre prum poço de crocodilos. E aí que apesar de muitos vacilos removi algun grilos, tirei coelho mágico da cartola e fiz feitiço também com a rotina (alakazam! Ziriguidum!) emendando estrelas umas nas outras e outras coisas tontas que aprendi com pedacinhos de papel. Qual abismo me resta para que eu te faça cair na real e satisfaça tua vertigem em torno de sinais de uma nova era? Será que me sobram alguns vestígios de monotonia, hipocrisia e outras quimeras que mereçam nossa pena,


© Gabriel Pacheco. Sem título

nosso efetivo combate doido em prosa e verso (Nós, que temos bossa de ingênuos filhos da lua amantes dos vícios compadres de lobos e galos)? 1989.

7faces – André Giusti │ 155


Maria Sueli da Costa Santo Antônio – RN

Nasceu na cidade de Santo Antônio – RN, em outubro de 1970. É professora de Literatura e Teoria Literária.


Cotidiano De sufoco De viagem De caos É preciso foco Ser imagem Ter pão Gira mundo Passa tempo Mundo gira Tempo passa Quem não tem cão... Caça.

7faces – Maria Sueli da Costa│ 157


Sociedade Um tem senso Outro é censurado Um tem vida Outro é vidrado Um tem luz Outro é alucinado Um tem consciência Outro é coisificado Uns sobrevivem Outros são massificados


Ansiedade Quando a tempestade passar Lembrarás que há vida Ainda que escassa Quando o vendaval passar Sentirás que há calma Embora fraca Mais tarde, quando a vida passar, verás que tudo não passava de tempestade em copo d’água.

7faces – Maria Sueli da Costa│ 159


Keutre Gláudia Água Nova – RN

É Mestra em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e professora na área de Educação pela mesma instituição, Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia, Pau dos Ferros.


©Luis Gabriel Pacheco. Da Série As três meninas

Minha saudade Naquele tempo De lua plena em céu de verão Você me contava histórias E me fazia feliz, Como a criança que eu era. Eu lhe escutava E viajava em sua voz, Não me preocupava, Porque você estava comigo Até quando eu dormia. E um dia o futuro veio, E você se foi, Como todos iremos um dia. E então eu soube O que é um coração partido.

7faces – Keutre Gláudia│ 161



©Mauro Silper, Red-vivo, acrílica sobre eucatex, 80 x 120 cm, 2009 | Red-vivo, acrylic on plywood, 80 x 120 c., 2009. (Detalhe)

Abstratos (amostra)

Por Mauro Silper

Mauro Silper (1948, Teófilo Otoni, MG, Brasil), artista plástico reside e trabalha em Belo Horizonte, MG. Graduado em Direito, tem seu foco de atuação na pintura e no desenho. Morou em Nova Iorque onde iniciou-se na pintura como autodidata. Em 1977, ao retornar faz sua primeira exposição . Desde então, sua trajetória artística é pautada por participações em exposições individuais e coletivas além da conquista de premiações. Visitou vários museus no exterior, como The Metropolitan Museumof Art (Nova Iorque), Museu do Louvre e Museu D’Orsay(Paris), Museu do Prado e Museu ReniaSofia (Madri), Museu Van Gohg (Amsterdam), entre outros,aprimorando seus conhecimentos. Suas obras fazem parte de acervos de colecionadores particulares e oficiais no país e no exterior, além de estarem expostas em excelentes galerias de arte. Desenvolve atividades correlatas abrangendo às artes gráficas,tendo realizado trabalhos artísticos para numerosos clientes.Está catalogado no Portal Júlio Louzada –Artes Plásticas Brasil. As telas exibidas nessa amostra integram o portfólio do artista publicado em 2012 e cobre os três últimos anos de sua conceituada carreira.


©Mauro Silper, Red-vivo II, acrílica sobre eucatex, 80 x 120 cm, 2009 | Red-vivo II, acrylic on plywood, 80 x 120 c., 2009.


©Mauro Silper, Série Lúmen, nº1, acrílica sobre tela, 90 x 75 cm, 2011.


©Mauro Silper, Série Lúmen, nº2, acrílica sobre tela, 90 x 75 cm, 2011.


© Mauro Silper, Ecolinhas III, acrílica sobre painel, 50 x 55 cm, 2007


© Mauro Silper, Escarpas, acrílica s/ painel MDF, 90 x 160 cm, 2011. Coleção Particular.



© Mauro Silper, Seven, acrílica sobre eucatex, 80 x 120 cm, 2009

© Mauro Silper, Mistral, acrílica s/ cartão, 25 x 29 cm, 2009


© Mauro Silper, Rubro-rosa, acrílica sobre eucatex, 75 x 60 cm, 2007



Os Desmandamentos* por Geraldo Carneiro e Salgado Maranhão

(Este manifesto se rebela contra a banalização indiscriminada da poesia e a palavra aviltada pelos demagogos, e é dedicado aos que julgam que ela não é passatempo de diletantes, mas artigo de primeira necessidade.)

1 Mais uma vez virou moda dizer que a poesia agoniza, ou que a poesia morreu. E de fato ela sempre esteve morta para os não-poetas. E morreu também com Homero, com Dante, com Camões, com Baudelaire, com Drummond e com tantos outros, porque cada poeta é uma via, um beco sem saída. E a poesia é sempre plural: é o lugar dos paradoxos (viva Shakespeare!), do não-senso (viva Lewis Carroll!), mas também é o lugar da verdade. Quanto mais verdadeiro, mais poético, como dizia Novalis. Mesmo quando um poeta faz as suas conficções, acaba em verdades metafóricas. E, nestes desmandamentos, afirmamos que a poesia, quanto mais remorre, mais renasce. 2 É a linguagem que produz a realidade e a poesia. A poesia não tem camisa-de-força conceitual. Aos funcionários públicos da vanguarda, que se acham herdeiros do legado, ela finge que se dá, mas é só o discurso vazio do chefe da repartição. 3 A poesia é um problema sem solução. Felizmente. Ninguém tem a fórmula mágica, ninguém tem respostas para todos. Cada leitor que invente o seu mundo, e o desinvente a seu bel-prazer. Semelhante à culinária, cada qual que ache o seu tempero. Se for significativo, o erro vira estilo. Ou vice-versa. 4 A poesia pode tudo, só não pode ficar prosa ou senhora da razão. O novo não é reserva de mercado, nem nasce a priori. Há que se romper limites, correr riscos, ter lucidez na loucura. Mesmo que seja pelo avesso. (E, cá entre nós, não adianta ficar o tempo todo buscando o absoluto, porque isso já ficou obsoleto. Ao fim de tantos levantes, sejamos, também, irrelevantes.)


5 A poesia não é para quem a escolhe, mas para quem recebe o choque elétrico da linguagem. Não é poder ou privilégio, é um defeito que ilumina. Não vale transporte, não vale refeição, não vale copiar truques ou seguir tutores. Nem apelar, como os demagogos, para o amanhã. Mesmo porque já não há mais Canaã no Deserto dos Sinais. 6 Poema não é cadáver. É um artefato musical que sempre canta, mesmo quando tem horror à música. Quem busca entender o poema apenas cientificamente, dissecando sua morfologia como quem faz uma autópsia, perde a viagem. Conhecê-lo é entrar em seus labirintos, sem separar o corpo de sua subjetividade. 7 Não queremos a poesia prisioneira de uma única arte poética. Seremos clássicos e barrocos; pós-modernos e experimentais. Qualquer tema é e não é poético. Desde os pit-boys de Homero até a aspirina de João Cabral. Com talento, mesmo as formas antigas podem ser recicladas. Sem talento, nem com despacho na encruzilhada. 8 As influências, em geral, são bem-vindas, a não ser quando alijam a voz própria. Há poemas com tantas citações que, se extrairmos o que é dos outros, não sobra bulhufas. 9 Os conchavos e panelinhas fazem parte da natureza humana. Cada grupo tem o direito de inventar os seus heróis, para admirar a própria imagem no seu espelho narcísico. Mas o vôo do poeta é só dele e, sobretudo, da linguagem. A linguagem é o orixá, o poeta é o cavalo do santo. Ninguém é mais do que o que pode ser. 10 O problema da poesia não é só fazer bem feito, mas fazer distinto (no duplo sentido, que implica tanto em diferença, como em elegância). Ela é um exercício vital para manter o vigor da palavra. A poesia não é só questão de verdade, mas de vertigem. Por essas e por outras, é que somos poetas da vertigem: vertigem-linguagem, vertigem-vida.


Último desmandamento: Pode jogar no lixo todos os desmandamentos anteriores, a não ser que haja sinceridade na poesia. Quem quiser adorar bezerro de ouro, que adore; quem quiser viver de pose, que mantenha sua prose. Mas que haja espaço e fé na poesia. E que ela continue a fabricar futuros, e, como fênix, se destrua e se reconstrua por toda a eternidade e mais um dia.

* Texto reproduzido do blog Prosa on-line.



Via A vida é só voo a vida é só vão não há liberdade nem prisão

Salgado Maranhão, Solo de gaveta


Os convidados

Claudicélio Rodrigues da Silva é doutor em Ciência da Literatura, subárea de Poética, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduado em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão e com Mestrado em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura pela Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: sebastianismo, performance, oralidade, cultura popular, Maranhão e mito. É professor da modalidade EJA no ensino fundamental e médio e atua em projetos de formação de educadores e mediadores de leitura. Sob o nome Cláudio Rodrigues, é escritor de literatura infantojuvenil e publicou O rei que virou lenda (2009), Cirandeira do menino-Deus (2009) e O encontro do corvo inglês com o urubu na terra do sol inclemente (2012). Ítalo Meneghetti é doutorando e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com bolsa de pesquisadoutorado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Possui Graduação em Oceanografia e em Filosofia pela UFRJ, especialização em Planejamento Ambiental pela Universidade Federal Fluminense. É Professor universitário, atualmente responsável pelas disciplinas de Literatura Brasileira e Teoria Literária das Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Trabalha como pesquisador e consultor autônomo, na interface cultura e ambiente, junto ao Terceiro Setor, atuando no projeto de criação da Fundação Mantiqueira, no sul de Minas Gerais.



7faces caderno-revista de poesia set7aces.blogspot.com O caderno-revista de poesia 7faces é uma produção semestral independente projetada, diagramada e editada pelo poeta Pedro Fernandes. Organização desta edição Pedro Fernandes Convidados para esta edição Claudicélio Rodrigues da Silva Ítalo Meneghetti Colaboradores (por ordem de apresentação) Paulo Vitor Grossi Leonardo Terra Messias Elizabeth dos Santos Columa Jorge Elias Neto Anderson Petroni Ângela Cláudia Rezende Celso Gutfreind Clarissa Macedo Lucas dos Passos Amélia Luz Rolando Revagliatti Ricardo Mendes Mattos Rafael Kafka Renata Iacovino André Giusti Maria Sueli da Costa Keutre Gláudia Agradecimentos A todos que enviaram material para a ideia e em especial a Claudicélio Rodrigues da Silva e Ítalo Meneghetti que se dispuseram a escrever sobre Salgado Maranhão.

Contato Pelo correio eletrônico do editor, pedro.letras@yahoo.com.br, ou através do correio eletrônico da redação revistasetefaces@ymail.com 7faces. Caderno-revista de poesia. Natal – RN. Ano 3. Edição n. 5. jan.-jul. 2012. ISSN 2177-0794

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Edward Hopper (1882-1967) foi um pintor, ilustrador e artista gráfico. Buscou retratar a solidão na contemporaneidade em suas mais diversas formas. Seguidor do Novo Realismo buscou uma representação que mais beirasse à fidelidade das paisagens.

© Edward Hopper. Autorretrato. 1906

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Historinhas do Brasil para principiantes chegaram de canhões e caravelas chamando tupis de índios. no terceiro dia brindaram ao redor da cruz, não conheciam aterra, mas já eram donos. mais tarde, voltaram, procurando pedras, abrindo ruas, rezando missas, matando índios e escravizando negros: fundando capitanias das sífilis hereditárias. Salgado Maranhão, Punhos da serpente

Selo Letras in.verso e re.verso


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