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Cinco Perguntas

No mesmo trem, em vagões diferentes Entrevista

O primeiro presidente da recém-criada entidade representativa dos armadores de pesca do Brasil não vê motivos para separar pesca da aquicultura no Mapa

Texto e fotos: Ricardo Torres

trajetória de Gabriel

ACalzavara se cruza com a história da pesca comercial

no Brasil. Armador da pesca de atuns e afins com espinhel de superfície, ele já foi diretor do extinto Departamento de Pesca e Aquicultura do Mapa e participou de inúmeros sindicatos, associações e outros órgãos institucionais. Ainda assim, ele considera que a categoria carecia de uma representação específica. “Esta situação contribuiu para que os armadores brasileiros deixassem de construir uma identidade própria a ponto de serem identificados ou reconhecidos como categoria pesqueira pela sociedade brasileira, assim como são os pescadores e a indústria pesqueira”. Nesta entrevista exclusiva à Seafood Brasil, agora como presidente da

Associação Brasileira dos Armadores

de Pesca (PescaBR), Calzavara detalha como será a atuação da entidade que pretende preencher esta lacuna.

1

Por que o setor pesqueiro precisa de uma nova entidade que defenda os interesses dos armadores?

Os armadores de pesca nunca tiveram uma representação nacional própria, específica da categoria. Sempre estiveram à reboque das organizações de pescadores (colônias e associações), frota costeira de menor porte, ou das organizações das indústrias, frotas maiores, particularmente as de pesca oceânicas.

Acredito que essa situação, entre outras, contribuiu para que os armadores brasileiros deixassem de construir uma identidade própria a ponto de serem identificados ou reconhecidos como categoria pesqueira pela sociedade brasileira, assim como são os pescadores e a indústria pesqueira.

Daí a motivação dos armadores criarem a PescaBR, um espaço

institucional exclusivo do armador de

pesca, onde se fala do cotidiano das pescarias, debate-se as dificuldades, as potencialidades da atividade, onde se constrói e se estrutura um pensamento pesqueiro, onde se dá voz aos armadores e fortalece a categoria para que, de forma organizada, juntamente com as representações dos pescadores

“A pandemia nos mostrou como os armadores de pesca são invisíveis aos gestores públicos”

artesanais, dos trabalhadores da pesca e da indústria, contribuir para o debate do desenvolvimento sustentado da pesca do Brasil.

2

A realidade dos pequenos e médios armadores do País tem mais pontos em comum que divergências? Como conciliá-los?

Não vejo divergências relevantes entre os pequenos e médios armadores. Os problemas são, em sua maioria similares. Me arrisco a dizer - este número vamos trabalhar para identificar - que a esmagadora

maioria da frota pesqueira brasileira é formada por barcos de madeira com até 15 metros de comprimento, com acomodações que precisam ser

melhoradas, estrutura de manipulação e armazenamento do pescado inadequada e baixo aporte tecnológico de navegação e equipamentos básicos para fabricação de gelo, produção de água doce (dessalinizador), entre outros equipamentos básicos. Deparam-se igualmente com uma burocracia excessiva, difícil acesso a crédito, indisponibilidade de centro de treinamento de pescador, entre outros. De modo que só vejo pontos de convergências entre os armadores.

3

Quais as prioridades que a entidade elegeu para colaborar com o desenvolvimento do setor privado pesqueiro?

Regularização da frota; apoio à organização administrativa e gerencial das micro e pequenas empresas armadoras de pesca; apoio à competitividade das pescarias e, o mais urgente, a modernização da frota. [Os barcos] precisam de acomodações adequadas para os tripulantes, assim como espaços e condições de manipulação dos peixes estruturadas. manipulação e armazenamento do pescado. Necessitamos melhorar o aproveitamento do pescado capturado com o aproveitamento do resíduo. Precisamos de transparência nas pescarias: Geração e transmissão de informação das pescarias para o mercado, comunidade científica e órgão públicos de gestão e monitoramento. Precisamos de apoio a treinamento e formação de tripulação. É preciso ainda modernizar a comercialização do pescado, difundir o programa de equalização de óleo combustível nas comunidades pesqueiras que ainda não têm acesso e combater a desproporcionalidade das multas e abordagens dos órgãos de fiscalização e controle aos armadores de pesca.

4

Durante a pandemia, pudemos acompanhar manifestações suas que cobravam maior empenho do governo na ajuda ao setor. De que maneira a PescaBR pretende interagir com a SAP e outros órgãos para garantir uma atuação mais efetiva para o atendimento dos vossos pleitos?

A pandemia nos mostrou como os armadores de pesca são invisíveis

aos gestores públicos. Não estávamos sequer listados no Manual de Crédito Rural do Banco Central como segmento a ser contemplado, assim como a pesca artesanal e a piscicultura, para acessar este crédito.

Nesse momento, é preciso fazer justiça ao empenho do secretário Jorge Seif Jr. para corrigir essa distorção e a falta de reconhecimento dessa categoria empresarial, junto ao Ministério da Economia e do Banco Central. Vale ressaltar que a indústria de pesca também não estava listada neste manual.

trabalhar com transparência e objetividade com a SAP e demais órgãos públicos

no sentido de enfrentar essas discrepâncias e pouco reconhecimento da importância da pesca para o desenvolvimento do País.

5

Algumas das lideranças aquícolas pedem, há tempos, a separação da gestão entre pesca e aquicultura no MAPA. Vocês concordam com essa visão?

Entendo que a pesca extrativa e a aquicultura estão visceralmente integradas ao agronegócio. Entendo o agronegócio como uma imensa locomotiva que tem atrelado e que conduz os vagões: da bovinocultura, da suinocultura, dos grãos, da avicultura, da fruticultura, da pesca extrativa, da aquicultura, entre outros.

A pesca e a aquicultura sempre estiveram em vagões separados e devem continuar

assim. O problema é que quando a SUDEPE [Superintendência de Desenvolvimento da Pesca] era a gestora pública da pesca e da aquicultura, entre a segunda metade dos anos 60 e o final da década de 80, os vagões de pesca e da aquicultura estavam atrelados à fantástica locomotiva do agronegócio, com todos os instrumentos de crédito, pesquisa, tecnologia, formação de tripulantes, extensão pesqueira e aquícola, entre outros. Mas, ao se acabar a Sudepe, os nossos vagões foram descarrilhados desta locomotiva, que fez do Brasil uma potência mundial, e foram atrelados a trens que tinham outras rotas diferentes do desenvolvimento da pesca e da aquicultura. De modo que não vejo problema em estar num mesmo órgão, desde que estejam em vagões diferentes como estão.

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