Revista Mais Contexto - 6

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REVISTA

MAIS CONTEXTO EDIÇÃO 06

O que é o belo?


MAIS CONTEXTO SUMÁRIO 2


Já se olhou no espelho hoje? Era uma vez uma menina. Um belo dia, essa menina estava passeando e encontrou uma sala vazia e escura. Entrou, curiosa, e bem no centro da sala, se deparou com algo que nunca havia visto antes: era uma superfície brilhante, porém empoeirada e antiga, que refletia tudo aquilo que se aproximava. A menina foi chegando cada vez mais perto daquele objeto estranho para ela e à medida que se aproximava, começou a ver algo. No início, não conseguiu distinguir muito bem o que era, mas a proximidade do objeto lhe revelava aos poucos uma imagem. Era um rosto. Assustada e maravilhada, a menina viu a própria face refletida. Olhouse, admirou-se, e após horas desfrutando do prazer de fitar a sua própria expressão naquela superfície, olhou para a parte de cima do objeto e se deparou com letras talhadas na borda de madeira. Eram palavras praticamente ilegíveis, mas entre aqueles garranchos, ela conseguiu ler o que estava escrito no topo. “Espelho da beleza”, dizia. E um pouco mais abaixo: “O que é o belo para você?”.

Foi fitando essa frase escrita no espelho empoeirado que nós, 18 aspirantes a jornalistas da Universidade Federal de Sergipe, produzimos a sexta edição da Revista Mais Contexto. Objeto de estudo da filosofia, das artes e de diversas outras áreas do conhecimento, o conceito do “belo” carrega em si uma complexidade tamanha. A beleza, apesar de ter finalidade apenas em si própria, possui um papel significante em nossas vidas. Na busca por entender o que nos agrada e nos faz sentir prazer, todos querem entender o que é este fenômeno de achar algo bonito. Mas, afinal, existe apenas um único belo? Ao procurar a beleza nos detalhes cotidianos e analisando aspectos relativos a esse fenômeno, esse material busca desmistificar a ideia de que existe um único padrão estético a ser seguido, trazendo uma perspectiva que questiona o conceito de belo nos dias atuais. As produções com que você irá ter contato mergulham a fundo nas questões estéticas e buscam traduzir em texto e imagem as reflexões que se fizeram presentes durante o processo de realização da nossa revista. E, após a leitura, eu pergunto a vocês: afinal, o que é o belo?

Malu Araújo

3 EDITORIAL MAIS CONTEXTO


Universidade Federal de Sergipe Campus Professor José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, São Cristóvão, SE

E X P E D I E N T E

Sumário

Orientação Prof. Dra. Michele Becker Prof. Dr. Vitor Belém Prof. Dr. Vitor Braga Projeto Gráfico/Layout Matheus Brito Capa Letícia Sandes

22

Beleza não tem cor

Ilustrações Haline Farias Letícia Sandes Thalia Freitas Chefe de Reportagem

37

Coisa de gordo?!

50

Corpos (im) perfeitos

Malu Araújo Repórteres Ana Luísa Andrade Cláudia Carvalho Emerson Esteves Fernanda Roza Haline Farias Samuel Santos Editora de Arte Letícia Nery Diagramadores Eduardo Costa Fernanda Santero Letícia Sandes Thalia Freitas Vinícius Oliveira Rocha

68

Uma cruzada entre a fé e a história

6ª EDIÇÃO Editor de Fotografia A Revista Mais Contexto é um produto laboratorial desenvolvido na disciplina de Laboratório em Jornalismo Integrado I, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). O conteúdo veiculado é produzido pelos alunos e serve como pré-requisito parcial para conclusão da referida disciplina.

Talisson Souza Fotógrafos Aline Silveira Ana Clara Abreu Igor Matias Victoria Costa

MAIS CONTEXTO EXPEDIENTE 4

80

Um café e um relato sinestésico


6

Os números da indústria da estética no Brasil

26

Pelo sim e pelo não

44

82

30

Mar de concreto

A beleza singular e subjetiva da música

Comer com os olhos

84

15

“E a Miss Brasil é…”

46

Um corpo definido, uma mente transtornada

56 74

8

Liberte seus cachos

78

(Re) existência LGBT

34

O belo por detrás da lente

Um diagnóstico de solidariedade e amor próprio

61

O belo que alimenta os olhos

A superficialidade de Peles

O destrutivo padrão de beleza imposto pelas campanhas publicitárias

5 SUMÁRIO MAIS CONTEXTO


OS NÚMEROS DA INDÚSTRIA ESTÉTICA NO BRASIL Protetores solares Uma pesquisa da Consulfarma e do Instituto de Cosmetologia e Ciências da Pele Educacional (IPUPO) mostrou que 65% da população ainda não aplica filtro solar diariamente. Em 2015, o mercado em questão movimentou US$ 1,2 bilhão, segundo dados do Euromonitor International. Porém, o consumo per capita foi de 66 ml em 2016 (nos EUA, por exemplo, é de 111ml). Já de acordo com Instituto de Cosmetologia e Ciências da Pele, 70% dos brasileiros não sabem usar o filtro solar corretamente*. É importante reforçar a necessidade do uso do filtro, devido à constante exposição aos raios ultravioleta e aos riscos de câncer de pele.

Higiene bucal De acordo com a Mintel, o creme dental detém a maior parcela do mercado de cuidados bucais (38%) e continua crescendo - aumentou 2,8% entre 2016 e 2017. As vendas de fios, fitas e demais acessórios dentais também cresceram: no mesmo período de tempo, elas subiram 6,3%.

MAIS CONTEXTO SAÚDE 6

Shampoo e condicionador Os gastos com estes produtos também tiveram aumento significativo. Em 2012, o Brasil chegou a um faturamento de US$ 41,7 bilhões, conforme dados do Euromonitor Internacional. Já em 2014, o Brasil ficou atrás apenas dos EUA e do Japão, ocupando o terceiro lugar mundial nesta área.

Mercado masculino (perfumaria) De 2011 a 2016, as vendas de perfumes aumentaram consideravelmente: de R$ 5,1 bilhões para R$ 11,9 bilhões. De acordo com a Euromonitor International, o faturamento do subiu de R$ 10 bilhões para R$ 19,6 bilhões - um crescimento de 94,4%. Já com os desodorantes, o aumento foi de R$ 2,8 bilhões para R$ 4,9 bilhões.

Batons Os gastos com batons chegaram a R$ 1,4 milhão em 2014, segundo a ABIHPEC. O Brasil foi o 4º maior consumidor no mundo, atrás de EUA, China e Japão.


O Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de produtos e equipamentos de beleza e estética no mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. Os últimos dados indicam um crescimento de 4,6% no setor desde 2015, com um valor de R$ 13,81 bilhões sendo movimentado entre 2015 e 2016. Em 2016, por exemplo, o crescimento da indústria estética foi tão grande que ela chegou a representar praticamente 2% do Produto Interno Bruto nacional. Esses dados mostram uma busca maior

pelo ideal de beleza do brasileiro, e movimentam não apenas as vendas de produtos, mas também de serviços - segundo estudo da International Health, Racquet & Sportsclub Association, em 2015, o Brasil era o segundo país com maior número de academias no país. Estas estatísticas comprovam que, hoje em dia, a visão cultural da nossa sociedade prega a busca pelo belo, a estética como parâmetro social e o desenvolvimento de novos costumes que visam uma vida considerada saudável.

Diagramação: Letícia Sandes Imagens: Fernanda Santero Edição: Letícia Nery Texto: Eduardo Costa e Vinícius Oliveira Rocha

Moda aeróbica

Mercado de coloração capilar

Salões de beleza e clínicas de estética De acordo com o SEBRAE, o número e salões de beleza e clínicas de estética no Brasil aumentou em 567% de 2010 a 2015 - hoje são 482.455 empreendimentos.

O faturamento em vendas de tintas para cabelo foi de R$ 4.49 bilhões em 2017, de acordo com o Euromonitor Internacional. Já a L´Óreal, em parceria com o Google,revelou que 65% das jovens de 15 a 30 anos fazem buscas relacionadas aos cabelos louros. E segundo a Nielsen, neste ano, 51,4% dos lares brasileiros. .vêm fazendo uso da coloração.

Este mercado é muito forte no Brasil. Dados da Associação Brasileira da Indústria do Esporte indicam que o faturamento atual do varejo neste segmento é de R$ 4,73 bilhões. O Brasil é o segundo no ranking mundial em números de academias, ficando atrás apenas dos EUA. Estamos à frente de países como Itália, Coreia do Sul, Alemanha e Canadá. O mercado fitness movimenta mais de US$ 2 bilhões, conforme revela a revista da Associação Brasileira de Academias, e em 2017, cresceu 22% no Brasil.

Esmaltes e maquiagem O relatório “Colour Cosmetics – Latin America”, da Mintel, mostrou que o valor de faturamento no mercado de varejo do setor no Brasil, em 2014, foi de R$ 6,41 bilhões. Em 2016 o mercado cresceu para R$ 6,82 bilhões, e para 2019 a perspectiva é que o valor de vendas chegue a R$ 7,68 bilhões.

7 SAÚDE MAIS CONTEXTO 7 ECONOMIA MAIS CONTEXTO


LIBERTE SEUS CACHOS Cláudia Carvalho | claudia.carvalho383@gmail.com

Tipos de cabelos cacheados

Se antes ter um cabelão super liso era o que fazia a cabeça de muitas mulheres, hoje em dia esse ideal vem se modificando bastante. Em 2013, um movimento de aceitação dos cabelos cacheados virou a cabeça das mulheres de uma forma positiva e, a partir dele, muitas meninas abriram mão da realização de progressivas, selagens e outros procedimentos para alisar os cabelos. Graças a isso, elas estão deixando de lado esse padrão tão duro de beleza, libertando seus cachos, colocando a beleza não só da mulher negra, mas também de toda e qualquer mulher cacheada para fora.

3C

Muitas mulheres passaram a alisar os seus fios na infância, seja por imposição das mães, que na maioria dos casos não sabem como lidar com o volume do cabelo, ou por críticas da sociedade, que ainda insiste em relacionar o cabelo cacheado a termos pejorativos, como por exemplo, “cabelo ruim” ou “cabelo duro”.

3B

4A

4C

2A 2C

Ondulado: 2A 2B 2C Cacheado: 3A 3B 3C Crespo:

4A 4B 4C

MAIS CONTEXTO ECONOMIA 8

2B

3A 4B

Esse foi o motivo pelo qual a jovem Mayara Monteiro, 20, estudante de serviço social, teve seu cabelo alisado na infância. Ela conta que “a princípio eu não tinha querer, minha mãe desde criança alisava o meu cabelo, e conforme fui crescendo mantive a rotina”. Um motivo importante para que os cachos dela ficassem escondidos foi a pressão que a sociedade impôs a ela, pois o seu cabelo volumoso sempre foi motivo de alguns olhares de reprovação que se intensificaram no período da transição capilar, que segundo ela foi um importante marco na sua vida. Pois foi nesse período difícil que ela passou a ver e a escutar muito mais críticas a respeito do seu cabelo, até mesmo de membros da própria família. Mayara menciona ter ouvido coisas como: “porque você está fazendo isso”, “você não penteia o seu cabelo” ou até mesmo que ela ficava mais bonita com o cabelo alisado. Comentários horríveis de serem ouvidos em uma fase tão difícil quanto a da transição capilar. Mas ela enfrentou tudo isso com muita coragem e determinação, e garante que hoje ama o seu cabelo volumoso de curvatura 4C, ao ponto de afirmar que jamais alisaria novamente.


Depois Acervo pessoal

Antes

Larissa Belo decidiu dar início a sua transição muito antes do movimento das cacheadas

O cabelo de curvatura 3B/3C, diferente do das amigas, também foi o motivo pelo qual a estudante de jornalismo Larissa Belo, 19, resolveu alisar o cabelo. Ela conta que no início era só para diminuir o volume, que era algo que a incomodava bastante, uma vez que nem ela, nem a mãe dela sabiam como arrumar. Por conta disso, ela resolveu desde muito cedo pedir para mãe utilizar produtos que diminuíssem o volume do cabelo. “Eu falei para minha mãe que eu queria reduzir o volume, aí ela deu relaxamento só na raiz, assim eu fiquei por cerca de quatro anos, até que eu pedi para descer mais o relaxamento. Só que aí o procedimento foi quase no cabelo todo e não tive outra escolha se não a progressiva”, conta. Larissa afirma que mesmo passando por um processo complicado como o da retirada da química do cabelo, se sente à vontade para alisar novamente, caso deseje algum dia. Porque nunca foi sua intenção manter o seu cabelo cacheado eternamente, “eu parei de alisar porque o meu cabelo estava detonado por conta

das químicas, eu senti a necessidade de fazer uma transformação”. Mesmo sem muito apego ao cabelo e se sentindo como ela mesma fala “uma camaleoa” que adora mudar o visual, ela garante que gosta muito do cabelo. “Eu gosto do meu cabelo cacheado, mas acho que você não precisa sair de uma ditadura (do cabelo liso) para entrar em outra”. Para ela, o cabelo cacheado não pode e não deve ser empecilho para realizar mudanças que te façam feliz. Já para Rayanne Rocha, 22, estudante de enfermagem e cacheada, mudar só se for apenas o corte. Se desfazer dos seus cachos não é nem de longe uma atitude a se pensar. A mais ou menos seis anos, ela cultiva uma vasta e volumosa cabeleira de cachos de curvatura 3B/3C, que além de ser a sua marca registrada, é de suma importância para a sua identidade, muito mais que moda ou estética. Hoje em dia, ela é apaixonada pelo seu cabelo, mas assume que na infância já alisou os fios. Segundo ela, esse procedimento ocasionou danos muito ruins aos

seus cachos, “esses procedimentos ao longo do tempo foi danificando o meu cabelo e fazendo com que aos poucos eu perdesse a estrutura natural do fio”. Depois de muito trabalho e dedicação na transição capilar, os cachos voltaram fortes e saudáveis. O motivo pelo qual ela alisou o cabelo vai muito além do que se sentir diferente das coleguinhas de escola. Rayanne se sentia diferente dos demais dentro da própria família “eu alisei o meu cabelo muito nova, com onze anos, e como toda criança não entendia o que estava fazendo. No meu núcleo familiar não tinha muita representatividade de pessoas cacheadas. Muitos familiares tinham o cabelo alisado, e isso fazia com que eu não me identificasse com o cabelo que eu tinha, pois eu queria estar igual a elas”, relata. Quando resolveu deixar de vez à utilização de química nos fios, percebeu que não existiam referências como as que têm hoje em dia. Por conta disso, Rayanne sofreu preconceito de familiares distan9 ECONOMIA MAIS CONTEXTO


tes, mas afirma: “eu não me arrependo porque talvez se eu não tivesse alisado, hoje eu não seria a pessoa que eu sou”.

A opinião das pessoas também afetou a imagem que a jovem estudante de química Tryfênea Faustino, 19, tinha dela mesma. Ela cansou de ouvir das pessoas que o cabelo dela era mais bonito liso. “Na verdade eu fui influenciada pelas pessoas que me falavam que o cabelo liso era mais bonito que o cacheado, e de se certa forma me senti pressionada a realizar o procedimento”. Entretanto esse período durou pouco em sua vida, pois logo no começo do alisamento também se iniciou um movimento

de libertação dos cachos, que acabou por motivar a jovem a tê-los novamente. “Ao ver inúmeras pessoas mostrando a beleza natural dos seus cachos, eu decidi que eu não precisava satisfazer os desejos dos outros, eu só precisava ser eu mesma”, diz. Hoje a quantidade de produtos para cabelos cacheados é muito grande. O número de meninas que resolveram usar a internet para exibir os seus cachos e a sua representatividade, colaboraram para esse aumento. Entre as grandes influenciadoras dos cabelos cacheados, destacam-se nomes como o da youtuber Ana

Acervo pessoal

Tendo consciência da sua representatividade, em novembro de 2016, ela decidiu organizar o evento ‘Enegreser’, que teve por objetivo buscar quebrar o preconceito da pequena cidade de Riachuelo, onde ela reside. O tamanho da sua cidade é um dos motivos pelos quais ela acredita que o preconceito ainda tenha bastante força. “Depois do evento muitas pessoas me procuraram dizendo que iriam assumir as suas raízes. Graças a isso, hoje o número de pessoas que acei-

tam os cabelos cresceu bastante. Isso foi uma resposta positiva ao projeto”, conta.

Além de cacheada, Rayanne Rocha também incentiva outras meninas a libertarem seus cachos

MAIS CONTEXTO ECONOMIA 10


Acervo pessoal

o período de transição com muito bom humor, sem deixar se abater pelos olhares tortos que vez ou outra recebe por conta da indefinição do cabelo. “Eu vejo as pessoas olhando, mas eu não ligo, porque eu estou fazendo a transição por vontade própria e sei que isso vai me fazer bem”. Já para a modelo Ane Fernanda, o motivo pelo qual ela passou quatro anos alisando o cabelo foi o fato de que ela não gostava do volume, e isso afetava a imagem que ela tinha dos seus cachos. Diferente de Ingryd, a decisão por iniciar esse processo foi bastante complicada, só sendo aceita quando não havia mais a possibilidade de alisar os fios, “eu decidi parar de alisar no momento em que eu vi que ele estava mais cacheado do que liso. Por conta disso, eu preferi deixar cachear”. Apesar de a decisão ter sido bastante difícil, ela diz estar contente com o resultado que já está vendo. “Estou achando muito legal o meu novo visual, com os meus cachos”. Ela se diz tão feliz que garante não estar ligando para as críticas que recebe por conta do cabelo.

Anne Fernanda não esconde a alegria de ter seus cachos novamente, já que está no período da transição

Lídia Lopes, que dividiu com os seus mais de um milhão de seguidores todo o seu processo de transição capilar. Outras youtubers também estão sempre presentes quando o assunto é cachos, dentre elas destacam-se Rayza Nicácio (1 milhão de inscritos), Steffany Borges (900 mil inscritos), Jessica Dantas (500 mil inscritos). A influência dessas meninas é muito importante no início do processo de aceitação dos cachos, pois é nelas que as meninas cacheadas vêm estímulo para prosseguir até o fim do processo da transição capilar. Mas a atuação das blogueiras param por aí, pois quando os tão sonhados cachos voltam a crescer, a grande maioria das meninas passam

a testar por conta própria os produtos e técnicas que irão realizar nos cabelos. Elas acreditam que cada cabelo é único, portanto o tratamento que deu certo para uma curvatura, pode não dá tão certo assim para outra. O apoio da família também é fundamental, como conta a jovem Ingryd Vieira, 17. A estudante do ensino médio afirma que o processo de transição capilar está sendo bem tranquilo. “Eu estou recebendo muito apoio da minha família e dos meus amigos. Eles estão me ajudando, me indicando produtos, me dando apoio para que eu não desista”. Graças a esse apoio, ela tem enfrentado

Quanto se gasta para manter os cachos? A história da “ditadura do cabelo liso”, que ditava moda para muitas mulheres há algum tempo, começou muito antes do que se imagina. Mulheres se utilizavam de placas de ferro para realizar o alisamento. Um tempo depois, começou a surgir o relaxamento capilar, que prometiam diminuir o volume dos fios. Já em meados dos anos 2000, surgiu a escova progressiva, que consiste na utilização do formol, porém sua utilização causava danos à saúde, por isso sua comercialização precisou passar por um processo de regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Atualmente, o mercado de produtos para cabelos cacheados não para de crescer, são diversos produtos que prometem manter cachos mais bonitos e saudáveis. A representante de vendas Ray Gomes afirma que graças ao movimento de

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Igor Matias

libertação dos cachos, a procura por esse tipo de produto tem sido grande. “A procura aumentou cerca de 30%, justamente por pessoas que querem o seu cabelo natural de volta”, conta a representante. Ray afirma que as cacheadas gastam mais com produtos do que as lisas, “elas chegam a gastar, em média, R$ 80,00 a R$ 110,00 na loja, dependendo da quantidade de produto e do tratamento que se deseja”. Além disso, elas já chegam buscando pelos produtos específicos, mas não dispensam o auxílio dos vendedores, que recebem treinamento para indicar o produto certo para cada tipo de curvatura. A promotora de vendas salienta que o ativador de cachos é o produto mais procurado pelas cacheadas. Mas antes de sair por aí comprando uma infinidade de produtos, é importante que se busque o conhecimento para saber como lidar com a curvatura de cada cacho. É isso que acredita a terapeuta capilar Allana Diniz. “Eu, por exemplo, realizo a avaliação gratuita, mesmo que a cacheada na faça o procedimento, eu dou para elas um direcionamento”, diz. Antes de realizar qualquer procedimento, Allana explica o que realmente faz um terapeuta capilar. Segundo ela, o terapeuta se diferencia do cabeleireiro, por cuidar não só da saúde dos fios, como também do couro cabeludo, enquanto que o dermatologista possui uma competência maior para ministrar tratamentos mais aprofundados com a utilização de medicamentos e agulhas. Mas, apesar das diferenças, todos possuem o mesmo intuito, que é a saúde do cabelo por completo. Allana só atende cacheadas e tem observado um crescimento na demanda de serviços. Ela atribui isso ao movimento das cacheadas que, segundo ela, faz com que sempre tenha uma precisando de ajuda. A procura é grande para repor o que o fio perde naturalmente, “as cacheadas procuram mais terapias relacionadas a reposição de água e oleosidade. De água porque às vezes fica mais ressecado, e de óleo por causa da oleosidade natural que não chega até as pontas”. Além de devolver aos fios água e óleo, MAIS CONTEXTO ECONOMIA 12

Ray Gomes enfatiza o uso do produto certo para cada tipo de cacho


Igor Matias

Uérica Cristina conversa com suas clientes antes do corte para tornar esse momento o mais confortável possível

as terapias também buscam reconstruir os cabelos e a queratina que é perdida naturalmente por eles. As terapias também são indicadas para quem está na transição capilar, como explica a terapeuta: “as terapias ajudam muito nesse processo, principalmente as que estimulam o crescimento, pois mais rápido dá para cortar aquela parte lisa que é o incômodo da transição”. O corte ao qual Allana se refere é o big chop (bc), em português o ‘grande corte’, que consiste em retirar a química que ainda resta nos fios. Esse corte é considerado um importante passo para a retomada dos cachos. Pois, após a retirada da parte lisa, restam apenas os cachos que estão nascendo. Vale lembrar que o big chop não é o passo final da transição capilar, pois mesmo após o bc, o cabelo ainda passa por algumas mudanças, como por exemplo, o grau de curvatura do cachos, que posteriormente pode ser alterado. Muitas das clientes de Allana começaram o processo de transição capilar com ela, e ainda continuam frequentando o seu espaço, mesmo depois de finalizar todo

processo. As terapias são consideradas como um mercado ainda novo, por conta disso a terapeuta considera que os preços são acessíveis á todos. “Como a terapia é uma coisa nova, ainda não está a ponto de se gastar horrores”. A terapeuta acredita que por mês suas clientes chegam a gastar em média, R$ 120,00 em terapias. Além de falar das terapias que realiza, Allana chamou a atenção para os produtos que estão sendo comercializados como próprios para cabelos cacheados. Ela conta que são inúmeros os casos de meninas que são enganadas por salões e marcas que afirmam não possuir química, quando na realidade tem. “Eles prometem que vão apenas abrir um pouco o cacho, mas não é verdade. Se vai abrir o cacho, é química, por mais que e venda como não”, conta. Esse também é um ponto abordado por Uérica Cristina, dona de um salão de beleza que cuida apenas de cabelos cacheados. Ela encara esse crescimento de mercado como perigoso, pois mesmo com toda a vigilância da Anvisa, ainda são muitos produtos que são “ma-

quiados” como específicos para cabelo cacheado quando na verdade não são. Além de cuidar dos cabelos que já possuem cachos, ela também acompanha as meninas durante o processo de transição capilar, realizando tratamentos para quem está passando por esse processo. Encontrar um salão que tenha profissionais capacitados para cortar cabelos cacheados é uma tarefa difícil. Para que o corte dê certo, é preciso obedecer algumas regrinhas, a primeira delas é cortar os cachos com o cabelo seco. Por isso Uérica também auxilia as suas clientes na hora de escolher o corte, buscando o que mais se adequa a cada formato de rosto e de cacho. Já para aquelas que estão querendo iniciar esse processo de retomada dos cachos, Uérica dá dicas: “primeiro é preciso decidir parar com a química, evitar aparelhos que estimulem o alisamento e procurar por produtos específicos para tratar do novo cacho que virá porque não adianta você querer ter o cabelo cacheado e continuar com os mesmos costumes que tinha com o cabelo liso”, finaliza.

13 ECONOMIA MAIS CONTEXTO


Negra Jaque “A rapper porto-alegrense faz do cabelo crespo símbolo de resistência e autoestima.

Cabelo Crespo - (EP Deus que Dança)

Direto do Morro da Cruz, periferia de Porto Alegre, Negra Jaque deu início a carreira musical em 2013, quando se tornou a primeira mulher a vencer a Batalha do Mercado, tradicional evento de Hip-Hop de Porto Alegre. Com a premiação, gravou seu primeiro EP, Sou. Sua atuação como artista se funde com a de ativista e produtora cultural.

Cabelo crespo solte o seu cabelo crespo (8X)

Em abril de 2018 saiu o segundo EP, Deus que Dança, com produção dividida entre profissionais brasileiros e africanos.

Meu cabelo é a nossa raiz, dependente de qualquer país

A artista é compositora de todas as suas músicas e nelas ressalta a força das mulheres para conquistar o seu espaço, além de tocar em temas como autoestima, identidade e estética negra. Negra Jaque vem se destacando há cinco anos na cena do Hip-Hop gaúcho e faz da música uma potente ferramenta de transformação social”. - Aline Silveira

Mostre o seu cabelo crespo dane-se quem não gostou. Abane a cabeça para cima e para baixo o orgulho de quem nos criou, Dela se originou, África se consagrou. Berço da humanidade então, por favor, respeite quem eu sou Meu cabelo é o cabelo mais rico por sua natureza me deixa feliz. Quem disse pra toda essa gente racista que nosso cabelo é ruim? Meu Ori exige respeito, eu mesma que quis, também nasci assim. Cabelo crespo solte o seu cabelo crespo (8X) Abane a cabeça pro lado, olhe pra quem te chamou Faz estilo ou bagunçado. Charme para quem não chamou Solte todos os cacheados, volume que se volumou Pra cima e para baixo, pro lado, a beleza negra que evidenciou. E da mais pura beleza, que ta no couro cabeludo. Se alguém perguntar o porquê, diz natural o cabelo diz tudo. Os crespos todos no ar, as madeixas todas são minhas Porque seu cabelo é poder, é poderosa, é uma rainha Tira a mão! Sai daqui! Meu cabelo não é moda! Não aliso, não raspo, não chapo, aceite assim, eu sei que incomoda (4X) Cabelo crespo solte o seu cabelo crespo (8X)

MAIS CONTEXTO ECONOMIA 14


(RE)EXISTÊNCIA LGBT Aline Silveira | aliny.silveira@hotmail.com

CORPOS QUE FOGEM DA CIS HETERONORMATIVIDADE bell hooks diz que pelo fato da sociedade ser racista, o afeto entre pessoas negras é essencial como forma de autocuidado 15 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Quando o assunto é padrão de beleza, a primeira imagem que pensamos é de uma pessoa cis branca hétero e magro. É um padrão eurocêntrico que não se encaixa dentro da diversidade que é o Brasil. A procura por essa beleza ocorre também dentro da comunidade LGBT. Isso acontece com mais frequência com os homens cis gays que tentam se afastar da imagem de gay afeminado. No entanto, através de avanços nas pautas do movimento LGBT, está ocorrendo uma desconstrução desses padrões de beleza. A nomeação desse padrão, desses gêneros vistos como naturais é chamado de cisgêneridade, que é determinante para que pessoas LGBTs sejam vítimas de violências no Brasil.

Vale ressaltar que o país ocupa o primeiro lugar em homicídios de LGBTs nas Américas. É o que nos mostram os dados da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA). Além disso, de acordo com a pesquisa levantada pela ONG Transgender Europe (TGEU), o Brasil é também o país que mais mata travestis, mulheres transexuais e homens trans do mundo. Entre 2008 e 2016, 868 travestis e transexuas foram mortas de forma violenta. Um corpo “desviante” da heteronormatividade é um corpo que luta pela existência, no entanto, para a equiparação desses corpos não normativos requer mudanças profundas da nossa sociedade.

“Estou procurando estou tentando entender o que é que tem em mim que tanto incomoda você Se é a sobrancelha, o peito A barba, o quadril, sujeito O joelho ralado apoiado no azulejo Que deixa na boca o gosto, beiço Saliva, desejo” (Linn da Quebrada)

GLOSSÁRIO LGBT LGBT: Essa sigla significa lésbicas, gays, bissexuais e transexuais e serve para designar o grupo de pessoas que têm uma orientação sexual ou uma identidade de gênero diferente da dominante. Identidade de gênero: é como a pessoa se reconhece - mulher, homem ou não-binário. Orientação sexual: refere-se à sexualidade da pessoa por quem ela sente atração afetivo-sexual. A orientação sexual não é necessariamente relacionada com o gênero. Uma pessoa trans, por exemplo, pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual.

MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 16

Cis gênero: É o indivíduo que se identifica com o seu gênero biológico. Por exemplo, se foi considerado do sexo feminino ao nascer, usa nome feminino e se identifica como uma pessoas deste gênero, logo é uma mulher cis. Transsexual: São pessoas que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascer. Não-binário: São pessoas cuja a identidade não se limita às categorias “masculino” ou “feminino”.


Aline Silveira Aline Silveira

Onde tiver uma mulher preta e lésbica, tem um pedacinho de Marielle

O corpo é o meio pelo qual existimos, vivemos e materializamos nossa presença no mundo, e a corporeidade se constitui na relação do ser com o mundo, na expressão da nossa cultura, um espaço de construção das nossas identidades enquanto sujeitos (Nara Campos e Thaiane Teixeira) 17 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Aline Silveira

Quem foi que disse que o mundo é binário? A minha identidade não tem nada a ver com a minha genital! MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 18


Aline Silveira

As paradas da diversidade sexual e do orgulho LGBT presentes em cidades de grande e mĂŠdio porte, tanto nas capitais quanto nos interiores do Brasil, surgem como forma de luta por (re)existĂŞncia 19 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Aline Silveira

Numa sociedade cis heteronormativa, amar outra mulher é um ato revolucionário

MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 20


Aline Silveira Aline Silveira

Geralmente os idosos não correspondem aos ideais estéticos de uma sociedade que corre sempre contra as rugas e os cabelos brancos. No entanto é comum que muitas pessoas só saiam do armário na velhice. Isso porque em outras gerações era ainda mais perverso se assumir LGBT

21 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


BELEZA NÃO TEM COR As dificuldades na hora de escolher maquiagem para pele negra

Ana Clara Abreu

Cláudia Carvalho | claudia.carvalho383@gmail.com

Elaine compreende as nuances da pele negra e sabe bem como ressaltá-las Diferente do mercado de cabelos, onde no Brasil é possível encontrar um shampoo para cada tipo de fio, o mercado de maquiagens voltado para mulheres de pele negra ainda é bastante restrito. Nas marcas nacionais ou internacionais, a variedade de tons não atende a quantidade de tonalidades das mulheres brasileiras. Buscando atender esse público que tende a crescer, algumas marcas brasileiras já estão produzindo linhas de maquiagens próprias para mulheres negras. São bases, pós, sombras e outros tantos cosméticos, todos voltados para as negras. Pensando nessa demanda, a consultora Grazielle Sousa começou a investir nessa área para atender a demanda do público de pele negra. MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 22

Além de vender os cosméticos, Grazielle explica que para que a cliente não leve o tom errado da maquiagem, ela e as outras vendedoras, recebem treinamento para testar todos os produtos nas clientes, “passamos um tom de base, por exemplo, que fique de acordo com a pele da cliente, para que não ocorram casos de contraste do produto com a pele”. O contraste a que ela se refere pode ser visualizado quando a base é mais clara que o tom de pele da mulher. Nos casos das negras, esse erro fica evidenciado pelo tom acinzentado provocado na pele. Nas marcas mais populares, onde existe uma grande variedade de produtos para os mais variados tipos de pele, encontrar produtos direcionados ao público negro, não é uma tarefa difícil. É o que afirma o

consultor e maquiador Carlos Marques, “as marcas mais populares possuem uma grande gama de produtos, que abrange a maioria das tonalidades de peles negras e morenas”. Para ele, isso ocorre devido ao fato de que a maioria das marcas conceituadas do mercado serem importadas de países onde não existe uma diversidade de tons de pele negra. A loja em que Carlos trabalha possui uma grande variedade de bases, iluminadores dourados, sombras de tons alaranjados, tudo para atender a demanda crescente desse público, que na maioria das vezes, vem até a loja buscando um produto, mas acaba levando muito mais que isso. Ele afirma que as clientes negras chegam a gastar na loja em média, R$ 60,00 em cada visita.


A Maquiadora Explica Mesmo com algumas marcas já produzindo maquiagens para esse público, muitas mulheres ainda sentem dificuldades para encontrar produtos que se adéquem ao seu tom de pele. A maquiadora Elaine França conta que antigamente era mais complicado encontrar maquiagem para as negras, mas devido à grande procura por esses produtos, eles passaram a ser encontrados com mais facilidade em lojas de cosméticos.

Entretanto, produtos que antes eram mais difícil de encontrar para peles negras, hoje já são vistos com mais facilidade. A base, antes só era vista para peles negras em apenas dois tons: próximo ao moreno claro, e outro muito escuro. Isso obrigava as negras a realizarem misturas de variados tons de base, até chegar a cor certa. Hoje em dia, já é possível encontrar marcas que oferecem bases para os mais variados tons de pele negra. Um exemplo disso é a marca Negra Rosa, fundada em 2016, pela maquiadora Rosangela José da Silva, que é negra e tinha dificuldades na hora de encontrar

bases para ela e para suas clientes. Apesar de nova no mercado, a marca já possui bases, batons e alguns outros produtos para atender as negras. Mesmo já existindo algumas marcas direcionadas para o público negro, Elaine ainda precisa ensinar suas clientes a realizar misturas, “tem algumas situações que é preciso mistura para não errar no tom, principalmente em produtos para a pele”. Além dessas dicas para que suas clientes não errem no tom dos produtos, Elaine ainda promove cursos de automaquiagem, para que elas possam também se maquiar sozinhas em casa.

Ana Clara Abreu

Para que essas clientes continuem frequentando a loja, eles também recebem treinamento para testar todos os produtos nas clientes, “não adianta só chegar aqui e vender, porque quando a cliente chegar em casa, que for usar o produto não fique bom. Porque aí elas não vão retornar a loja”, conta. Essa é uma preocupação dos vendedores, de que o produto agrade a cliente para que ela volte novamente na loja. Além de testar todos os produtos nas clientes, Carlos afirma ainda que todos os vendedores e inclusive ele dão dicas de produtos que realçam a pele negra.

Formada como maquiadora há dois anos, ela tem buscado se especializar em pele negra através de cursos. Com a experiência adquirida ela explica, “você tem que saber maquiar pessoas de pele negra, porque esses tons de pele já possuem um contorno natural, com partes que são mais claras. Por isso você tem que saber o tom certo que vai utilizar”. Mesmo com tanto cuidado e especialização, ela ainda esbarra em alguns obstáculos na hora de maquiar meninas com esse tom de pele, porque alguns produtos ainda não se adequaram a esse público. Como é o caso do pó translúcido, que a maioria das marcas não dispõe em tonalidades mais escuras, apresentando apenas tons claros que não se adequam as peles mais escuras. 23 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO Para Elaine, uma rotina de cuidados e boa preparação da pele fazem a diferença no resultado final da maquiagem


Indo às compras Para que as mulheres negras encontrem o seu tom certo de maquiagem, elas precisam realizar muita pesquisa e ter muita paciência. A estudante de administração Rafaela Sousa, 21, conta que chega a gastar em média R$ 60,00 com maquiagens. E mesmo com muita pesquisa já enfrentou problemas com produtos para o seu tom de pele negra, “o produto que eu havia comprado me deixou com a aparência abatida”. Por não ter o costume de realizar misturas com as maquiagens, na hora das compras caso não encontre o produto certo, ela busca adquirir um que seja similar ao que está procurando, ou a depender da necessidade, faz o pedido e esperar até que ele chegue. Segundo ela, “é muito difícil encontrar lojas que tenham para vender maquiagens com a minha tonalidade, sempre passo por problemas quando

tenho que comprar pó compacto, por exemplo.”. Quem também encontra problemas na hora de comprar o pó compacto é a estudante Keila Suyane, 18, que assim como Rafaela é negra, e não consegue pó da sua tonalidade nas lojas. Mas apesar disso, ela já consegue visualizar algumas mudanças no mercado de maquiagem, “antigamente era mais difícil encontrar maquiagem para meninas negras, hoje em dia já não tenho mais tanto trabalho para escolher alguns produtos”. Diferente de Rafaela, ela costuma realizar misturas com os produtos, “quando eu comprei uma base mais escura que o meu tom, precisei misturar com outra mais clara”. Keila também enfrenta a falta de produtos para o seu tom de pele, caso não consiga o produto que ela está procurando, a mesma prefere ficar sem ele, “caso não tenha o produto para pele que procuro, eu uso somente rímel”.

O tom certo faz toda a diferença: no lado esquerdo, maquiagem feita com o tom certo para pele negra; no lado direito, maquiagem com o tom errado MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 24


Ana Clara Abreu

Inspirações que fazem a diferença Mesmo passando por tantos obstáculos na hora de comprar maquiagem, as duas estudantes se esforçam na busca por produtos que as deixem ainda mais bonitas. E para ajudar nessa tarefa elas procuram seguir personalidades da mídia que assim como elas são negras e não abrem mão de nenhum tipo de maquiagem para se sentir bem. Elas buscam seguir nomes com o da atriz Taís Araújo, que é um das referências de beleza negra no Brasil e no mundo. Há também atriz Sharon Menezes também é bastante citada quando assunto é beleza negra. Além das atrizes, também é possível encontrar mulheres negras que resolveram fazer a diferença e ensinar tudo o que sabem sobre maquiagem. Um nome que aparece com bastante força

é o da maquiadora Dani da Mata, ela é a fundadora do projeto Negras do Brasil e viaja por várias cidades do Brasil, realizando palestras e workshops de maquiagem para pele negra. Além delas, as youtubers negras estão ganhando espaço e fazendo bastante sucesso dando dicas de maquiagens. Entre elas, destacam-se nomes como o de Camila Nunes, que possui mais de trezentos mil inscritos em seu canal. Outras youtubers, que também são lembradas quando o assunto é maquiagem para pele negra, dentre elas destacam-se Patrícia Avelino, do canal Beleza Negra (mais de cinquenta e cinco mil inscritos), Mery Veiga (mais de quarenta mil inscritos). Elas e outras tantas meninas estão buscando por um espaço ainda maior no mercado de maquiagem, que apesar de tudo ainda é bastante restrito.

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PELO SIM E PELO NÃO A história de mulheres que decidiriam que a depilação não é a melhor opção É uma manhã habitual de quarta-feira e as salas brancas de um centro de depilação, localizado na zona sul da cidade de Aracaju, estão cheias de mulheres com um objetivo em comum: remover os pelos do corpo. Este é um hábito entre grande parte da população feminina e, para Michele Soares, depiladora do estabelecimento, trata-se de uma questão de estética e higiene. “Elas [as mulheres que se depilam] não gostam dos seus pelos e a procura é sempre alta. Tanto que, quando vêm, elas sempre falam coisas como ‘agora eu sou outra mulher’, ‘estou me sentindo melhor’”, explica a profissional, que trabalha apenas com o método da cera quente com as suas clientes. “E realmente, eu acho que é melhor. A pessoa não fica com vergonha de levantar o braço e mostrar a axila, por exemplo”, conclui.

realidade na sua vida e, hoje em dia, ela só se depila raramente, quando sente a necessidade. “A partir dos 15 anos eu comecei a ver outras possibilidades, outras representações femininas. Não só sobre depilação, mas sobre o meu corpo como um todo e eu comecei a perceber que eu não era obrigada a certas coisas”, afirma. “E aí foi um processo de amadurecimento de entender que o legal é que eu faça as coisas sem necessariamente ser obrigada; de perceber que um dia, se me der vontade, eu posso dizer ‘vou aqui depilar minha perna’ sem isso

Victoria Costa

Malu Araújo | malu.ojuara.1@gmail.com

Segundo pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), publicada em 2013, cerca de 93% das mulheres entrevistadas eram adeptas da prática da depilação. Já segundo dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) publicados em 2016, aproximadamente 80% das entrevistadas cultivavam o hábito de se depilar. Essas estatísticas são confirmadas pela depiladora Michele, que ressalta o movimento sempre intenso desde que começou a trabalhar no local há um ano e meio. Segundo ela, “tem funcionárias aqui que atendem mais ou menos 13 a 15 pessoas por dia, em sua maioria mulheres”. Considerando que o estabelecimento geralmente funciona com 18 profissionais trabalhando, isso pode contabilizar, em média, 252 depilações realizadas por dia. Apesar de a depilação ainda ser uma rotina para muitas mulheres, atualmente algumas delas estão se insurgindo contra esse padrão estético. É o caso, por exemplo, de Milena Araújo de Souza, estudante do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Atualmente com 19 anos, Milena conta que desde os 15 a depilação frequente deixou de ser uma

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Milena Araújo Souza parou de se importar tanto com a depilação há cerca de quatro anos


Victoria Costa

“Minha pele ficava com muito ardor e completamente empolada. [...] A cera quente machuca e fragiliza a área, podendo até causar queimaduras” - Yamê Dias, 17 anos

ser uma imposição. Então hoje é mais uma questão de vontade mesmo”. A estudante acrescenta ainda que sempre percebe pelos olhares que os outros estão incomodados com os seus pelos corporais. Segundo ela, a axila é a parte que mais as pessoas observam e/ou criticam ao verem sem depilação. “Nunca cheguei a ouvir comentários de estranhos. Mas, por exemplo, levantar o braço no ônibus sem estar depilada é algo que eu percebo os olhares. Só que eu acho engraçado, não é algo que me incomoda mais tanto assim”, conta. Mas, apesar de hoje pensar dessa maneira, lidar com essa questão nem sempre foi fácil para Milena. Seus pelos que, segundo ela, sempre foram abundantes desde a infância, já foram motivos de muitas piadas e brincadeiras de mau gosto. “Uma vez, quando eu tinha uns 12 anos, umas amigas levantaram o meu braço no meio da aula e ficaram rindo porque eu não me depilava. Eu nem sabia o que era depilação naquela época e foi aí que começou a me dar um estalo de que isso me incomodava esteticamente e pouco depois comecei a me depilar”, relembra. Nesse processo, ela relata ainda que se comparava bastante às amigas que eram menos peludas. “Eu sempre ficava: ‘por que eu tenho tanto pelo? ’ e no final, eu acho que era a pior

situação: eu não me depilava porque eu me sentia bem, mas sim porque se eu não me depilasse, eu me sentiria mal”. Já Yamê Dias, estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFS, começou a se depilar com mais idade que Milena, aos 15 anos. Segundo ela, foi a mãe que a levou, com a justificativa de que era uma idade marcante para qualquer menina e, na ocasião, ela depilou as pernas e as axilas, utilizando o método da cera quente. “Em primeira instância, eu pensei que estava fazendo um bem para minha imagem e minha autoestima. Eu sentia muita dor, mas pensava que esse era o preço que eu deveria pagar pela beleza”, explica. Mais tarde, aos 17 anos, ela passou a se questionar se esse era um preço justo e decidiu que a partir daquele momento, não utilizaria mais aquele método. “Minha pele ficava com muito ardor e completamente empolada. [...] A cera quente machuca e fragiliza a área, podendo até causar queimaduras”, justifica. Começou, então, a procurar outras alternativas e, atualmente, aos 18 anos, ela utiliza eventualmente o método da depilação a laser. “Me depilo raramente nas pernas e axilas, mas a região íntima é mais frequente, por uma questão de higiene pessoal”, afirma. Em ocasiões especiais, como eventos, ela recorre à

depilação. “Não suporto os olhares [nesses ambientes]. Mas, no dia a dia, não me depilo. Dói muito e não sinto que a dor compensa o resultado, além de achar que a depilação não é um ganho no embelezamento feminino, apenas algumas áreas, mas sob a prerrogativa de higiene”. Yamê reforça a necessidade de se discutir essa temática, considerada um tabu na sociedade. “Isso é ainda pouco visado e deveria ser mais bem discutido, sem conflitos, apenas de uma forma que possa haver um bom diálogo”, conclui. Há três anos, a depilação deixou de ser uma obrigação também para a estudante de curso pré-vestibular Amanda Santos Nunes, de 23 anos. Ela conta que parou de tirar os seus pelos quando se deu conta de que aquilo não estava sendo prazeroso para ela. “No final das contas, se eles nascem, servem de alguma coisa né”, observa ela. A dor, que esteve presente desde a sua primeira depilação, aos 12 anos de idade, foi o principal motivo pelo qual ela decidiu que não iria mais aderir a essa prática. Mas, antes de se dar conta disso, ela já passou por situações complicadas. “Uma vez eu tentei me depilar sozinha, com uma cera que eu comprei, e foi o maior processo de dor da minha vida, porque eu demorei e não tive coragem de puxar de vez”, conta. Em outro momento, ela relembra 27 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Victoria Costa

Apesar de isso gerar discussões com a sua mãe, Amanda Santos Nunes decidiu que não iria mais se submeter à dor da depilação

de um dia em que chegou, inclusive, a desmaiar devido à dor que sentia durante a depilação. Por fim, Amanda afirma ainda que a depilação influenciava até questões relacionadas ao sexo. “Eu tirava quase todos os pelos do meu corpo e ficava muito insegura de ter relações sexuais se eu não estivesse depilada, por exemplo”, diz. Assim como Milena, Amanda conta que o seu processo de parar de se depilar se deu através do contato com outras vivências e formas de ver o mundo. “Eu passei a discutir não só a depilação, mas tudo que a sociedade impõe de restritivo para as mulheres. Esse é, inclusive, um processo coletivo de tomada de consciência para gente se libertar desse padrão de beleza que não serve para a maior parte das mulheres”, explica. “Para a esmagadora parte das mulheres, isso é inatingível e a gente fica sempre vivendo frustrada e insatisfeita com os nosso corpos”. Atualmente, ela explica que só se depila em algumas ocasiões de encontro de família, devido, muitas vezes, a pedidos de sua mãe. “Minha mãe chegou a me pagar várias vezes para eu fazer depilação. Ela me dava o dinheiro pra pagar a depilação e me dava um dinheiro extra”, comenta. Apesar de ressaltar que, por um lado, entende o posicionamento da mãe, por se tratar de uma pessoa nascida em outra geração e que tem outros valores, Amanda lembra que o assunto rendeu discussões. “Era uma das prin-

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cipais razões de brigas entre nós. Ela já disse que sou suja, que é anti-higiênico, que eu quero parecer com um homem”.

Padrões de beleza, pressão social e violência simbólica Sobre a temática da depilação feminina, Cecília Mendonça de Souza Leão Santos, professora do Departamento de Filosofia da UFS e pesquisadora de temas como Estética e Teoria Feminista, acredita que o ato de se depilar é também uma pressão social imposta para as mulheres. “Acho que é uma ingenuidade, senão uma tolice, negar que existe essa pressão para as mulheres e nós terminamos, na maioria das vezes, internalizando essa obrigação”, explica. “Tanto que, se você pedir pra alguém que tenha o hábito de se depilar para não fazê-lo, ela não vai querer. É difícil romper com esses valores que a gente internaliza”. Cecília acrescenta que essa pressão social por padrões estéticos pode ser encarada ainda como uma das formas de violência simbólica enfrentada pelas mulheres. “Não necessariamente [esses padrões] são vivenciados como sendo violentos. Mas eles podem, sem sombra de dúvidas, ser violentos, na medida em que se torna algo compulsório, quando uma mulher se torna mal vista socialmente por não ceder ao modus operandi da maioria; o que é uma decisão completamente legítima, mas que, nesse caso, coloca as mulheres numa posição de discriminação”.

No entanto, ela pondera que existe outro aspecto dessa temática que ainda é pouco debatido. Para a professora, todas essas questões relacionadas aos cuidados pessoais passaram a ser consideradas como futilidade, porque é algo atribuído apenas às mulheres. “Muitas vezes, isso é tido como ‘coisa de mulherzinha’ e é tido como menos importante. Mas, por que essas ‘coisas de mulherzinha’ são menos importantes que as ‘coisas de homenzinho’, por exemplo?”, questiona. “Não necessariamente é sempre algo negativo. Na verdade, torna-se negativo o fato de, só porque é associado às mulheres, isso seja tido como algo menor, como algo desimportante, como algo fútil. Além disso, é também um grande problema que isso se torne mais uma obrigação imposta para as mulheres”, complementa. Apesar disso, a pesquisadora ressalta também que acredita que as novas gerações de mulheres têm vivido esses processos de uma forma menos violenta. “As novas gerações estão crescendo e amadurecendo em um contexto no qual elas se tornam mais cientes do quanto isso é uma obrigação arbitrária e um tipo de pressão desnecessária. Então, nós temos visto uma desnaturalização da depilação, o que seria impensável há alguns anos atrás”. Mas, mesmo com avanços, ela acredita que ainda há muito a ser percorrido: “É importante que a gente possa ter a liberdade de se expressar esteticamente. Essa imposição do que é belo e de uma série de padrões de beleza é algo violento e que afeta a autoestima de todas as mulheres”.


MITOS E VERDADES SOBRE A DEPILAÇÃO

A pele de quem não se depila é diferente da de quem se depila Sim e, ao contrário do que muitos pensam, o que modifica a pele é o ato de tirar os pelos. “Na verdade o ato de depilarse é que pode modificar a pele, levando Não se depilar deixa ao surgimento de foliculites ou até a região mais sujeita a escurecimento da área depilada caso Não se depilar traz danos à odores haja irritação. A pele de quem não saúde da pele se depila não sofre alterações”, ressalta a dermatologista. Segundo a médica, essas duas questões não estão relacionadas. O único caso em Para a médica, essa é apenas uma escolha que isso pode ocorrer é se a higiene não for individual, que não prejudica a saúde de feita corretamente. “A não ser que a higiene São muitos os mitos nenhuma forma. “Trata-se de uma questão de local não seja feita de forma adequada, o acerca da depilação. preferência, mas não há problema em não que pode resultar em acúmulo de suor Algumas pessoas acreditam, se depilar”. e secreção sebácea na base dos pepor exemplo, que se depilar los, provocando o surgimento de é uma questão de higiene e, cheiro desagradável”, explica. portanto, não tirar os pelos seria anti-higiênico. Já outras pessoas acreditam que se depilar prejudica a pele, trazendo lesões, por exemplo. Os pelos protegem a A depilação pode Para esclarecer esses impasses, vagina contra infecções influenciar no prazer conversamos com a dermatologista durante as relações sexuais Paula Leão Maia BWrandão, para saber sobre os mitos Apesar de ressaltar que não existe A dermatologista Paula conta que e verdades acerca dessa relação direta entre esses dois aspectos, não se depilar pode trazer mais proteção questão. a médica afirma que, para algumas mupara a região íntima feminina. “Os pelos lheres, isso pode sim afetar a qualidade das são uma barreira de proteção natural contra irrelações sexuais. “O que pode acontecer é que ritações por atrito e até infecções que surgem o fato de a mulher se depilar pode deixá-la, Não se depilar é anticomo consequência dessas possíveis irritaem alguns casos, mais confiante e à higiênico ções, seja durante relações sexuais ou vontade, aumentando sua satisfação por uso de peças íntimas com tecidos sexual”. No entanto, ela acrescenirritantes”. ta que essa é uma questão que “Na verdade a higiene está mais varia de mulher para mulher. relacionada com bons hábitos de limpeza diária do que com a presença de pelos”, ressalta a dermatologista. Mas, quem decide não tirar os pelos deve ter mais atenção com os cuidados de limpeza. “É recomendada a higiene de áreas íntimas com sabonete neutro e aparar os pelos quando necessário para evitar irritações e acúmulo de suor e secreção sebácea”, acrescenta Paula.

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“E A MISS BRASIL É…” Samuel Santos | samueljorn16@gmail.com

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Reprodução/Instagram 31 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Leonardo Rodrigues (divulgação - LV Assessoria)

De olhos fechados e sentindo a coroa sobre sua cabeça, Gabrielle Vilela foi eleita Miss Brasil Mundo 2017. O marco daquele momento consagrou uma trajetória construída desde a infância. Nascida em 26 de dezembro de 1991, em Angra dos Reis, município localizado no Sul do Estado do Rio de Janeiro, Gabrielle demonstrava ser entre os três filhos de Paulo Roberto de Souza, comerciante, e Sônia Regina Vilela de Souza, pedagoga, uma menina extremamente tímida. Sua mãe, percebendo tal comportamento decidiu ajudá-la, e enxergou nos cursos de modelo e nos concursos de miss a chance de Gabrielle melhorar sua introspecção nas relações interpessoais. Hoje, ninguém acreditaria que a tímida menina seria capaz de ostentar oito títulos, entre nacionais e internacionais, sendo o mais significativo deles, o título de Miss Brasil Mundo 2017. Para tal feito, houve muita persistência. Antes de se consagrar como representante máxima da beleza brasileira, Gabrielle já havia participado da mesma competição anos atrás. Em 2013, representando a Ilha Grande/RJ, a miss e modelo alcançou a oitava colocação, mas isso não a desanimou, sabia que podia ir além e foi galgando aos poucos. Em 2014, representando o Estado do Rio de Janeiro, obteve a sétima colocação. Ela queria mais, porém, percebeu que precisava de um tempo para se preparar melhor às exigências do concurso de Miss Brasil Mundo, que leva a candidata ao Miss World, considerado pelo Grand Slam um dos mais importantes concursos internacionais.

Gabrielle em sua segunda participação no Miss Brasil Mundo, em 2014 MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 32

Com uma proposta diferente dos demais concursos, o Miss World, existente há mais de 60 anos, tem uma dinâmica de competição diferente dos demais concursos, em que a beleza por si só não é o fator mais relevante. A competidora precisa ter aptidão física na prova de esporte, mostrar classe e leveza na prova de Top Model, deve demonstrar talento em alguma área de conhecimento e, principalmente, deve ter engajamento social para o “Beleza com Propósito”. Nessa etapa, a miss deve mostrar o projeto social que desenvolve no seu país.


Gabrielle relembra que na infância e na adolescência não sofreu preconceito, mas que, por vezes, teve que lidar com comentários por ser muito magrinha. Isso, nessas fases da sua vida, foi algo desconfortável e só reforçava sua timidez diante das pessoas. Porém, ela reconhece que o porte físico magro foi um fator favorável nos concursos e na sua carreira de modelo, uma vez que esse é o padrão exigido pelo mercado dos concursos de beleza e da moda, o que, de certa forma, limita a participação de outras mulheres que não se enquadram nos padrões físicos exigidos. Conquistar a coroa exigiu muito preparo. As fotos da sua primeira participação em relação à última no Miss Brasil Mundo mostram a evolução que a fez sentir o peso da faixa e levar o nome do Brasil à China, onde aconteceu o Miss World, em novembro de 2017. Antes disso, em 2013, ainda teve a oportunidade de representar o Brasil no Concurso Rainha da Pecuária, na Colômbia, sendo consagrada a mais bela entre as competidoras. Apesar da genética favorável ao “padrão estético” desejável, para alcançar os seus 58 centímetros de cintura e os 51 quilos distribuídos nos seus 1.72 metros de altura, ela precisou mudar alguns hábitos: passou a ser acompanhada por um nutricionista, e também a intensificar a prática de atividades físicas. Diferente do que a maioria das pessoas pensa a res-

Alice Sulzbach (divulgação/Instagram)

Em 2017, quando voltou a concorrer e se consagrou como Miss Brasil Mundo, Gabrielle apresentou ao Miss World dois projetos sociais: um de apoio à comunidade indígena Tekoa Sapukai do seu Estado e o outro de apoio ao idoso e a pessoa com deficiência, no Rio Grande do Sul. Tal fato só a fez reforçar que no concurso “a vencedora nunca é, esteticamente, a mais bonita. Existe um conjunto para que seja escolhida a dona da coroa. A beleza é relevante, mas não se sustenta se não houver todo o restante. Por isso, hoje, cada vez mais se busca uma mulher completa, que seja exemplo e inspire outras mulheres em todos os sentidos e não apenas no aspecto externo”.

“Que façamos história levando os concursos de beleza a um patamar diferenciado” peito das misses serem “plastificadas”, Gabrielle passou apenas por um procedimento estético cirúrgico para colocar silicone nos seios. Antes de tudo, de almejar a coroa, ela sabia que precisava estar bem consigo. Se a meta era a coroa e se para alcançá-la precisava se adequar, o fez, mas pondo em relevância a sua satisfação e o seu bem estar, por isso ela entende que os concursos precisam rever essa “insistência em colocar a beleza física como padrão ou algo único. Que façamos história levando os concursos de beleza a um patamar diferenciado, que exaltem as belezas completas”. Dia 18 de novembro, Sanya, China. Noite da grande final do Miss World. Gabrielle fez o concurso, segundo os missólogos, “esplêndido”. As bolsas de apostas dos concursos sempre a faziam figurar entre as cinco favoritas à coroa, ou seja, não era só os brasileiros que acreditavam que ela poderia trazer a segunda coroa de Miss World para o Brasil após 46 anos. Entretanto, concursos são imprevisíveis, indecifráveis e, por vezes, questionáveis. A fluminense alcançou apenas o top 40 no concurso internacional.

Apesar de não ter vencido o concurso, Gabrielle reconheceu a importância da sua participação nele, assim como nos demais concursos em toda sua trajetória. A honra de carregar o nome do seu país e de mostrar a riqueza de sua cultura fez com que o fator beleza se tornasse pequeno diante de tudo isso. Não sentar no trono de Miss World não lhe despertou o sentimento de incapacidade, muito pelo contrário, enxergou que cada vez mais essas mulheres querem ter suas vozes ouvidas e usam os espaços que estão inseridas para conquistar esse respeito. Hoje, com 26 anos, e estudando Publicidade e Propaganda graças a bolsa de estudo que ganhou como prêmio no concurso, a miss se dedica à carreira de modelo e tem estudado para ser atriz e apresentadora. Assim, “os concursos de beleza me permitiram uma descoberta pessoal, a confiança de seguir em carreiras que me identifico. Não mudaria nada em minha trajetória. O que aprendi, as pessoas que conheci e todo apoio que a mim foi dedicado, tanto pela coordenação do Miss Brasil Mundo, quanto pela minha família, que não desacreditou de mim em nenhum momento”, finaliza. 33 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Arquivo pessoal

O belo por detrás da lente “Se você tiver técnica e não tiver o dom do olhar, você não vai longe”, diz Karly Marques Fernanda Roza | nandaroza13@gmail.com

É de Maceió, mas foi em Aracaju que ela encontrou o seu “tudo”, a paixão pela fotografia. Formou-se em Fisioterapia, mas a sua melhor prática foi a fotográfica. Karly Marques tem 26 anos e um mundo de inspirações. Suas lentes já registraram casais, crianças e objetos, porém é nos retratos femininos que ela encontra a liberdade do seu trabalho. Nos ensaios, ela consegue conversar com a beleza e a força de cada modelo, expressando o melhor delas em suas fotos. Além de fotografar, compartilha suas técnicas e vivência profissional, para que outras pessoas também possam enxergar o universo fotográfico como algo transformador. Porque a vida dela é assim, gira em torno da fotografia - embora já tenha trabalhado com moda e atuado

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como fisioterapeuta. Independente das escolhas que tenha feito, o que importa é o agora, a satisfação e capacidade que ela tem de tornar visível o que às vezes fica escondido em um rosto ou em um corpo mudo. As fotos de Karly Marque contam uma história, expressam o poder que a mulher tem, sem perder o natural. Revista Mais Contexto - Qual o foi o seu primeiro contato com a fotografia? Karly Marques - Nossa, faz tempo. Porque eu tenho um blog faz oito anos, então desde que criei ele, eu tenho contato com a fotografia. Mas antes eu tinha mais contato como modelo do que como fotógrafa. Eu sempre tive a prática,

sempre fotografei produtos, essas coisas… Mas profissionalmente mesmo, há dois anos. RMC- O que significa a fotografia na sua vida hoje? KM - Tudo. É a minha vida, o meu hobby, minha distração…. é tudo. Porque eu trabalho com fotografia, produzo conteúdo sobre fotografia e quando eu quero desestressar, vou fotografar. Então meio que tudo gira em torno dela. RMC - Por que o interesse por retratos femininos? KM - Porque é uma coisa que eu me sinto à vontade fazendo. Eu me sinto livre trabalhando com outras mulheres.


Ana Clara Abreu

Eu ficava um pouco travada quando eu ia trabalhar com casal, por exemplo. A presença do homem em si me travava um pouco no ensaio. Infantil, não é que a foto é feia, mas é uma coisa que não chama atenção artisticamente falando. Eu não gosto muito de infantil, aí fica muito estressante. Eu larguei uma profissão que para mim era estressante e não queria entrar em outra. Então, busquei uma coisa que eu conseguisse me manter, mas que fosse leve para eu trabalhar.

mostrar isso através da foto. Eu já trabalhei muito com mulheres que não se sentiam bem com o corpo e queriam ver isso através da foto, só que isso estava me travando um pouco, porque acabava me limitando, tipo: ah, eu não gosto dessa posição, eu não gosto disso… Era o ensaio inteiro dizendo que não gosta dela e eu acabava ficando desanimada. Quando eu ia editar a foto, ficava o tempo todo me policiando, “olhe ela não gosta disso”... Então isso me fez travar um pouco na produção.

RMC - Você usa algum critério na escolha das modelos?

RMC - Qual a dinâmica dos seus ensaios? Há uma pré-produção?

KM - Sim… Eu já lutei muito para atiçar a auto estima da mulher, mas hoje em dia, quando a mulher não se ama, quando ela se coloca muito defeito, isso me trava. Então, se uma pessoa se sente confortável no ensaio, ela não me deixa confortável. A maioria dos ensaios que eu faço são de graça, que é para eu poder gerar conteúdo para os meus alunos. Na maioria das vezes eu escolho meninas que estão bem consigo mesma, sem um padrão, pois eu já fotografei mulher negra, mulher gorda... A maioria é magra, infelizmente, porque a maioria que está lá são as que se sentem bem. São poucas modelos que eu acho negras, gordas e que estão 100 % bem com elas.

KM -Sim, geralmente eu sempre entro em contato com a modelo, pergunto se já conhece o meu trabalho, o meu estilo e se está confortável com ele. Porque eu não tenho muito padrão local, digamos assim. Não tenho um padrão daquelas cores que são mais reais, eu edito, eu tenho um edição pesada de pele, faço o contorno... faço tudo isso, então pergunto se a modelo se sente confortável com esse modo do meu trabalho, e aí eu sempre converso com ela, mando inspirações de como é o estilo do ensaio, pergunto se ela tem um local especial, se a gente pode escolher em conjunto. Geralmente, eu recomendo roupas que ela se sinta à vontade. Aí eu explico a ela que eu exploro bastante os ângulos ( mando sentar, faço foto de baixo para cima), então por exemplo, se ela estiver de vestido curto, já é uma coisa que vai limitar. Eu busco o máximo possível que seja uma ensaio cem por cento livre, que não tenha nem um tipo de limitação.

RMC - Você tem vontade de procurar essas pessoas que não se sentem bem? KM - Não, eu já tive mais. Hoje em dia eu não procuro tanto, busco mais meninas que estão bem consigo e querem

RMC - De que forma você trabalha o conceito de belo na sua prática enquanto fotógrafa? KM - Amor próprio. Para mim, qualquer mulher que se goste é bonita. O que é que estou enfrentando muito hoje em dia: ‘ah, você fotografa muito padrão’. Mas não é, em São Paulo mesmo, eu fotografei várias meninas que não eram padrão (negras, gordas), mas que estavam cem por cento felizes com elas, então para mim, isso deixa a pessoa muito bonita. RMC -Quais as técnicas que você utiliza para enfatizar esse conceito? KM - Eu sigo muito o conceito de que não existe nada bom que não possa ser melhorado, então eu sempre melhoro muito na pós [produção], só que eu não faço alterações corporais drásticas. Eu gosto de conversar com a cliente e perguntar, pois como eu faço ângulos que não são muitos explorados, a cliente pode ficar com uma papada que ela não tem na vida real [exemplo]. Por isso eu gosto de tirar esse tipo de coisa na fotografia, para poder realmente mostrar o que eu estava vendo na hora do ensaio. RMC - Até que ponto esse trabalho de pós-produção é válido? KM- Eu acho que a pós-produção está aí para a gente explorar. Eu exploro bastante a pós, porque eu dou curso de edição, então se a cliente quiser que eu realce a cintura dela, vou realçar sem problemas, e eu não vejo problema nenhum, porque acho que não é válido a gente sair de uma ditadura para entrar em outra. 35 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Se a pessoa não está se sentindo, por exemplo, confortável com a orelha dela aparecendo, por que eu vou manter a orelha dela ali? Então respondendo uma pergunta bem geral, para mim, o belo é quando a pessoa está se sentindo bem. RMC - O belo se dissocia da técnica? KM - Eu não sei porque vai da visão de cada um. Eu já lidei com fotógrafos que só alteram cores, não gostam de editar pele, não gostam de fazer esse tipo de coisa, porque acham que vão fugir do natural. Já eu acho que é uma questão mesmo de você valorizar o melhor que estava ali, o que você estava vendo na hora. Digamos que a pessoa tem espinhas ( não é coisa que é dela, sabe? É uma coisa que nasceu), então porque eu vou manter aquela espinha ali só para manter a ditadura do natural? Então, eu acho que sim, tem um limite, eu não vou transformar a pessoa em outra, mas eu vou fazer com que ela se sinta bem, mais bonita naquela foto. E se for para usar recursos do photoshop para isso, eu usarei. RMC - As suas fotografias são sempre conceituais (dentro dessa ideia do belo)? KM - Não, eu fujo um pouco do padrão natural, que normalmente a gente tem aqui em Aracaju e que era uma coisa que me incomodava muito, porque acaba sendo que todo mundo é bem

MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 36

“Qualquer mulher que se goste é bonita.”

parecido. Mas, eu não sigo só o conceitual não. Hoje em dia é mais puxada para o street mesmo, do que retratos propriamente ditos, mas eu faço vários estilos dentro de retratos femininos. RMC - Por você geralmente fotografar pessoas, a cobrança do belo é maior? KM - Sim, principalmente porque eu sou militante nas redes sociais. As pessoas meio que estão confundindo o meu discurso do “se ame” com o meu trabalho de edição. Só que aí, o que eu trabalho muito nas redes sociais é a questão da liberdade. Eu quero me sentir bem: eu me amo sem maquiagem, mas eu também me amo com maquiagem. Eu amo uma foto minha sem edição, mas eu também amo meter a edição na foto. Então, eu acho que a gente tem que ter essa liberdade e direito de escolher o que é bom e o que não é para gente. Eu acredito muito nessa questão. RMC - E como você lida com as críticas nas redes sociais? KM- Eu já liguei mais, mas chegou a um certo nível que o negócio vai crescendo, vai chegando muita gente e você não

consegue controlar. Hoje em dia, quando eu não gosto de algo, eu só ‘desvejo’ e deixo para lá, porque eu realmente aprendi que as construtivas fazem eu crescer. Então o meu canal e as minhas redes sociais são construídas com base no que quem me segue fala. Eu sempre anoto as sugestões dos seguidores. RMC - Para fazer um bom retrato, é mais necessário técnica ou essência de conteúdo? KM - Eu acho que para fazer um bom retrato, você precisa ter um olhar, um olhar direcionado para isso. Não adianta você saber todas as técnicas de fotografia, você saber cem por cento de uma edição, se você não sentir a vibe daquele momento. Já fiz um ensaio em que a menina era cem por cento tímida e não estava numa vibe boa, então a técnica não serviu de nada, o ensaio não ficou legal. E eu já fiz ensaio que eu errei muitas coisas, as fotos saíram desfocadas, eu não enquadrei bem e que o ensaio foi maravilhoso. Então, é mais você sentir o momento mesmo, você reparar o que tem ao seu redor, usar a luz a seu favor e usar o momento que a pessoa está lhe proporcionando naquele instante. Não é só você montar uma pessoa para fotografar, você tem que deixar ela a vontade. É um mix de tudo, mas se você só tiver técnica e não tiver o dom do olhar, você não vai longe.


Talisson Souza

COISA DE GORDO?! Talisson Souza | talissonsouza23@gmail.com Victoria Costa | vcarvalhosantosdacosta@gmail.com 37 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


“Você tem o rosto tão bonito, por que não emagrece?” “Você não é gorda, você é linda!” “Olha só, você tá vestindo isso? Você é tão corajosa!” “Você tem que emagrecer, sabe… Por saúde!” “Mas tudo bem, que homem gosta de ter onde pegar” “Só é gordo quem quer” “Nossa, eu que sou mais magra que você não tenho coragem de usar roupa de banho” Não parece, mas isso tudo é preconceito.

Muitos dos mitos relacionados com o aumento do peso têm a ver com a ideia de que a obesidade é resultado do hábito de comer demais, mas os fatores do excesso de peso podem estar relacionados desde a alimentação inadequada à genética. Estar acima do peso não é sinônimo de doença. Recentemente psicólogos da Universidade de Los Angeles (Ucla) apontaram que usar o IMC, índice que faz o cálculo da massa corporal a partir da relação do peso e altura, levou à classificação incorreta de 54 milhões de americanos saudáveis como “doentes”, pois quase metade dos estadunidenses considerados acima do peso conforme seus índices de massa corporal são saudáveis. Para além da saúde, o excesso de peso é também uma questão social. Muitas das pessoas que estão com sobrepeso, além do fato de lidar diariamente com seus problemas de saúde sofrem com a gordofobia. O preconceito ou a intolerância contra pessoas gordas se revela de diversas formas, como em piadas e até agressões. Nessa fotorreportagem, você vai conhecer quatro estudantes que mostram que a leveza está nas atitudes e não na balança.

Talisson Souza

“No pole eu encontrei um lugar de aceitação, onde eu posso ser eu mesma, sem julgamentos sobre o meu corpo. O pole me faz acreditar que é possível me amar do jeito que eu sou” - Thays Cardoso

Segundo uma pesquisa feita em 2017 pela Vigitel (Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) do Ministério da Saúde, 18,9% dos adultos que vivem nas capitais brasileiras estão obesos. Na faixa considerada como sobrepeso (entre 25 e 30 kg/m²), o número vai para 54%.

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Talisson Souza Talisson Souza

“A praia é o lugar que posso mostrar minha liberdade, ficar sem camisa sem me preocupar… Sou um ser humano como qualquer outro” - João Victor Oliveira

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Victoria Costa

Victoria Costa

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“Eu leio quadrinhos desde que descobri a Turma da Mônica, quando tinha 9 anos, e me identifiquei de cara com a personagem porque ela era muito zoada por não ser magra, assim como eu” - Yara Lima

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Talisson Souza

“Todo corpo merece ter uma pessoa feliz vivendo nele, aceitando suas imperfeições. A mulher pode tudo” - Ana Cecília Azevedo

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UM CORPO DEFINIDO, UMA MENTE TRANSTORNADA Fernanda Roza | nandaroza13@gmail.com

Quantas vezes o seu espelho mentiu para você hoje? A imagem refletida nele nem sempre é compatível com o que realmente somos. Lucas Santos, 26, é a prova disso. Ele não consegue enxergar a verdadeira condição do seu corpo. Pesa 85 quilos, mas ao olhar para si mesmo, só vê um homem magro, distante do que considera ideal. Há cinco anos entrou na academia, pois não sentia-se confortável com o seu físico. “Não me sentia uma pessoa agradável… Me sentia horrível”, diz. Atualmente, malha seis vezes por semana. Embora essa rotina tenha ajudado a melhorar a sua autoestima, Lucas diz que ainda sente-se fraco, como se estivesse no início. “Me sinto um pouco mais seguro em relação a mim, mas, na maioria das vezes, acho que não estou evoluindo. Eu fico para baixo”, relata. Segundo a psicóloga Adelle Moade, especialista em transtornos alimentares, esse sentimento de ineficácia e perfeccionismo é muito comum em pessoas que sofrem de transtornos alimentares. A busca pelo corpo perfeito, vivenciada por Lucas, não é uma novidade. Na Grécia Antiga, os homens já buscavam isso por meio da atividade física. Malhar era uma forma de ficar parecido com os deuses. Nos dias atuais, a história não é diferente, porém as motivações e os incentivos são outros. As redes sociais, por exemplo, ajudam a intensificar esse desejo. Na opinião de Verônica Moura, profissional de Educação Física, essas redes dão mais acesso a “receitas prontas”, como a de emagrecer em uma semana e de ganhar massa muscular sem crescer a barriga [exemplo]. Além disso,

MAIS CONTEXTO SAÚDE 44

“através dela encontramos várias fotos, imagens de pessoas que estão dentro do padrão que a sociedade coloca como “belo”, diz. Para Adelle, pessoas que têm imagem corporal negativa tendem a se comparar. Um dos transtornos relacionados com essa questão [físico ideal], mas pouco conhecida, é a vigorexia ou síndrome de Adônis, como foi classificada inicialmente por Harrison Graham Pope Jr. Esse transtorno dismórfico muscular às vezes é descrito como uma anorexia ao contrário. De acordo com a psicóloga, “na anorexia, a pessoa está magra e se vê gorda. Já na vigorexia, ela é forte e malhada, mas se vê pequena, magra, murcha, sem músculos”, explica. Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), essa doença é geralmente caracterizada pela prática excessiva de exercício físicos, motivada pela distorção de imagem. Mais do que isso, conforme Adelle,“a doença pode se manifestar com sintomas de TOC ( Transtorno Obsessivo Compulsivo), como por exemplo, se olhar repetidas vezes no espelho. É possível também que a pessoa recorra ao uso de anabolizantes, para ter melhor performance e obter a imagem que deseja. Caso inicie uma alimentação muito regrada, há risco de transtornos alimentares.” Apesar de apresentar alguns sintomas de vigorexia, Lucas nunca procurou um profissional da área para saber se há algum problema com o seu excesso de preocupação corporal. Segundo a especialista em transtornos alimentares, a procura pelo tratamento é pouca. Geralmente, elas procuram porque usaram anabolizantes, querem manter aquela


imagem. E aí, quando o anabolizante gera algum problema de saúde ou uma lesão [que a pessoa não pode malhar mais], elas procuram”. Adelle comenta, ainda, sobre as consequências causadas por essa doença: “a pessoa que malha em excesso pode ter lesão, pode tomar suplemento em excesso e ter um problema no rim ou fígado. É comum, em alguns casos, a atribuição desse transtorno a atletas de musculação ou Crossfit. Mas precisamos desmistificar isso, pois boa parte das pessoas que praticam esses exercícios não são vigorexicas”. O fisiculturista David Costa, 22, por exemplo, embora tenha uma preocupação com o seu físico, tem consciência das mudanças em seu corpo e pratica exercícios físicos de forma moderada. Ele começou a malhar há cinco anos, por uma questão de bem estar. Nessa época, pesava 58 quilos, era magro e não tinha problemas com isso. Hoje, David pesa 84 kg, quase o peso de Lucas [85]. Ao contrário dele, o fisiculturista está satisfeito com a sua condição atual. Mas diz que, como está praticando fisiculturismo, precisa de alguns requisitos a mais para poder melhorar. “É preciso adquirir mais tamanho e uma definição melhor, e aí precisa de mais tempo e treino. Ele pratica esse esporte há um ano, por isso treina todos os dias, du-

rante uma hora, mantendo uma dieta de domingo a domingo. No geral, David não se considera uma pessoa muito vaidosa.“Eu sou mais uma pessoa competitiva, mas até um certo ponto, nada de exagerar”. Diferente dele, Lucas só se sente bem se estiver indo à academia. Toda vez que está insatisfeito com sua imagem, intensifica os treinos. Ambos têm uma visão diferente do “corpo bonito”. Para David, “o físico bonito não é um físico grande, mas com aspecto atlético, com uma boa aparência, saudável, nada de exageros [é preciso balancear]”. Lucas, por sua vez, diz que o físico ideal é ficar com um tamanho grande, mas não tão artificial. A psicóloga Adelle diz que “todo mundo quer malhar, ter sua beleza, mas algumas pessoas estão aderindo a isso de forma doentia”. Na opinião de Verônica, o que explica essa procura incessante pelo corpo perfeito é o “modismo” e ser bem aceito na sociedade. “O que está na moda agora é ser fitness, ir para academia em busca de melhorias estéticas”. Isso pode ser mais presente nos jovens. Segundo ela, eles buscam alguém para se inspirar, e dificilmente vão escolher alguém que seja “gordinho” ou magro demais, por exemplo. O físico, assim como o músculo, ganhou um lugar de destaque na sociedade atual. Para a profissional em Educação Física, não podemos olhar o corpo apenas no aspecto biológico, fisiológico, mas também como sendo social e cultural. “O corpo é protagonista de experiências e vivências, não podemos negar a sua relevância para a construção da identidade de qualquer indivíduo, na autoestima e na interação social de grupos” .

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Um diagnรณstico de solidariedade e amor prรณprio Haline Farias | halinefarias@gmail.com

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Haline Farias 47 SAÚDE MAIS CONTEXTO


Haline Farias

Nem todas as marcas podem ser apagadas, mas algumas podem ser redesenhadas. O câncer de mama leva os cabelos, sobrancelhas e uma parte ou até a mama inteira. Na maioria das mulheres a doença também abala e pode destruir por completo a autoestima. As mulheres que passaram pela mastectomia podem optar pela reconstrução do seio, do bico e aréola. A tatuagem é uma das formas utilizadas para redesenhar e pigmentar a aréola. A técnica utiliza da mesma tinta de uma tatuagem comum e isso faz com que o desenho necessite de poucos retoques, durando mais. Alguns cirurgiões plásticos realizam a micropigmentação, mas muitas mulheres acabam recorrendo aos tatuadores, em busca de uma técnica mais artística de desenho. Fazendo o autoexame de toque, em 2013, Rozalia Maria Deaquino notou algo de diferente em seu seio esquerdo. Em junho do mesmo ano foi diagnosticada com um câncer na mama. A cirurgia foi feita no mês de agosto e já em 2014 precisou retirar também a mama direita. Nesse mesmo ano, ela colocou prótese nos dois seios, mas pouco tempo depois a mama esquerda sofreu uma rejeição da prótese e precisou ser retirada, sendo recolocada apenas no ano de 2016. Rozalia fez oito meses de quimioterapia e não necessitou da radioterapia. Em 2013 quando retirou sua mama esquerda, passou todo o processo confiante e incluiu em sua rotina se olhar no espelho e gostar do que via ali. Todos os dias buscava aceitar da melhor forma possível toda aquela condição, sem pensar em desistir. Os pensamentos sobre a contestação da sua beleza eram logo substituídos por uma conversa sozinha e um “eu estou bonita!”. Com um processo que talvez ela não dominasse, Rozalia foi se empoderando e se cercando com o amor próprio. Se maquiava e ia para o espelho rir de si, fazer pose e ver como ficava mais bonita; mais, porque bonita ela já se percebia. Enfrentou tudo frente a frente ao espelho e com o mundo, nunca se deixou isolar.

MAIS CONTEXTO SAÚDE 48

Rozalia conta sorridente a sua trajetória O único problema que ela enxerga em meio à situação foi o pós-operatório da primeira cirurgia, quando depois de oito dias os pontos abriram. Mesmo assim, tudo ocorreu bem e com um mês e meio a quimioterapia começou. Todo o processo foi feito de confiança e de sorriso, coisas que perduram até agora. Quem a encontra percebe isso no simples “oi”. Em nenhum momento houve desespero e preferiu enfrentar basicamente tudo assim: ela e ela mesma. Ela ia sozinha as quimioterapias, não por não querer ninguém ao seu lado, mas por sentir que durante toda sua vida conseguiu fazer tudo com sua própria companhia. Sorrindo ela afirma que “não seria um

câncer que me derrubaria”. Difícil um momento em que olhando para Rozalia você não a encontre assim: sorrindo, com simpatia e alegria de quem está viva e se ama. E seu amor foi além de si mesma e se transformou em solidariedade. Ainda em 2014, no processo de colocar as próteses nos seios, ela encontrou mais três mulheres que tinham descoberto que estavam com câncer de mama e naquele momento quis dar forças a elas. Rozalia quando descobriu a doença sentia vontade de saber como era o processo, como era ter câncer, como as pessoas ficavam, mas não encontrava respostas. Quase ninguém queria falar sobre.


Formada como técnica em enfermagem, ela sabe a teoria de um câncer na mama, mas queria descobrir a realidade, a prática. Queria apoio. E foi com esse encontro em 2014 que sentiu necessidade de fazer diferente, dar o apoio e acolhimento, o qual ela não recebeu, para as mulheres na mesma condição. Em meio aos encontros, decidiram tornar rotina o vínculo e criaram um grupo no WhatsApp, para um contato constante. Elas chegavam ao hospital, sempre muito comunicativas e animadas. Outras pacientes, que se encontravam na mesma situação, começaram a ficar curiosas onde aquelas quatro conseguiam tanta animação e força. Foi assim que o grupo foi crescendo e mais histórias se juntando para gerar acolhimento e apoio. Quando o grupo tomou uma proporção maior, as quatro pioneiras do grupo - Rozalia, Aline, Sheyla e Gizelda – decidiram, em meio a inseguranças, que precisavam criar uma ONG, o Mulheres do Peito, na cidade de Aracaju.

Todos os processos cirúrgicos de Rozalia foram realizados pelo SUS, no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU), em Aracaju, onde ela se sentiu bem tratada. Seis meses após a penúltima cirurgia, em 2015, foi convidada para fazer a tatuagem reparadora nos seios. Por ser diabética, ficou com receio de realizar a tatuagem, diante de comentários que seria perigoso, mas considerava a ideia muito boa. Em 2018 recebeu outro convite por Eidy Ferreira, profissional em maquiagem e sobrancelha definitiva. Dessa vez, aceitou a proposta e refez ainda mais, com a tatuagem, sua autoestima. Agora, mais do que nunca, ela se coloca em frente ao espelho e se vê mais bonita.

Encontrou o “mais” que sempre buscava. A doença ensinou Rozalia a se valorizar, amar seu corpo e quem ela é. A vida tomou uma nova perspectiva. As marcas que o câncer deixou foram de ensinamentos, persistência e mais sorrisos. Ela aprendeu a enfrentar melhor a vida e se colocar em primeiro lugar. Antes era uma mulher que tinha como prioridade o trabalho, não sabia dizer um “não” e sentia que não era feliz. Hoje, aos 52 anos, enfrentando a batalha do câncer com amor próprio, alegria e solidariedade, Rozalia afirma que é, com certeza, mais feliz e mudou 90%, no que se refere a como ela se enxerga e suas relações pessoais, pois percebeu em quem pode confiar. A tatuagem pintou ainda mais a vida de Rozalia. Para ela não existe algo que não possa fazer e vencer, quando se luta com leveza contra uma doença tão forte. Encontrar com essa senhora, que sorri o tempo inteiro, é ter certeza que as adversidades da vida podem até bater forte e querer nos marcar com dor, mas a gente pode revidar com sorrisos, esperança e muito amor. Amor próprio e aos outros. Haline Farias

Em 2017 com a documentação e coragem em mãos, Rozalia e suas companheiras iniciaram a ONG, estruturada

com doações materiais. O trabalho é feito de forma voluntária, por mulheres que sofreram ou sofrem com o câncer de mama. Elas orientam e ajudam mulheres que chegam desesperadas e vulneráveis diante do diagnóstico da doença. Contam com o auxílio de profissionais como psicólogo, nutricionista e massoterapeuta. As doações vão desde dinheiro, roupas, alimentos e até cabelos. As Mulheres do Peito também trabalham com artesanatos e doam lenços em hospitais.

Tatuagem reparadora realizada em Rozalia 49 SAÚDE MAIS CONTEXTO


CORPOS (IM) PERFEITOS Brasil registra aumento na realização de procedimentos estéticos e cirurgias plásticas Haline Farias | halinefarias@gmail.com

Em meio à imposição de corpos perfeitos, busca para melhorar a autoestima e pessoas cada vez mais preocupadas com a estética, tanto corporal quanto facial, o mercado de procedimentos estéticos e cirurgias plásticas cresceu no mundo todo. Segundo dados do Censo 2016 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dois anos a procura por tratamentos estéticos não cirúrgicos aumentou 390%. Já entre os cirúrgicos, as operações reconstrutoras subiram 23% e as com fins estéticos somente 8%.

O médico Antônio Tavares, 34 anos, trabalha há cinco anos como cirurgião plástico. O interesse pela área se deu

Haline Farias

De acordo também com a SBCP, atu-

almente os brasileiros já ultrapassam os norte-americanos na realização de cirurgias plásticas. Uma pesquisa feita pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) mostra que em 2015 ocorreram no Brasil 1,2 milhões de cirurgias plásticas e 1,1 milhão de procedimentos estéticos. Além disso, o levantamento aponta que só em 2015 foram feitas 9,6 milhões de cirurgias plásticas no mundo, sendo os brasileiros 12,7% deste percentual. O Brasil conta com quase seis mil cirurgiões plásticos.

por diversos motivos, entre eles o gosto de ver o resultado do seu trabalho de forma quase que imediata e a satisfação dos pacientes com esses resultados. “Em uma cirurgia de retirada de vesícula, por exemplo, você só vê a cicatriz, o paciente sabe que tirou, mas não vê nada ali. A cirurgia plástica geralmente entrega um resultado imediato, ou seja, a pessoa que estava insatisfeita com algo, você faz o procedimento e ela já sai do centro cirúrgico com um resultado visível”. Outros dois fatores também contribuíram para a escolha da profissão: o fato de ser um mercado com demanda crescente e a qualidade de vida diante do trabalho. Trabalhando em Aracaju há três anos e meio, o doutor Antônio conta que percebe que as pessoas estão cada vez mais vaidosas e com isso a cirurgia plástica cresceu não só no estado de Sergipe, como no Brasil inteiro. Para Patrícia Leandro, 34 anos, esteticista há quatro anos, apesar dos procedimentos estéticos ainda chegarem muito atrasados aqui no estado, a procura é significativa e também só aumenta. “Em viagens pela empresa na qual trabalho, percebo que aqui em Sergipe os procedimentos chegam por último em relação a outros lugares do país. Mesmo assim e apesar do estado ser pequeno, as pessoas se preocupam muito com a aparência, então temos grande procura pelos procedimentos.” Quem é o paciente?

Dr. Antônio Tavares é Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

MAIS CONTEXTO SAÚDE 50

De acordo com o doutor Antônio, o interesse dos homens por cirurgias plásticas cresceu, entretanto as mulheres ainda são cerca de 90% dos pacientes. As cirurgias mais requisitadas variam de acordo com o perfil e idade da mulher. “As mulheres mais jovens, dos 18 até quase os 30 anos, procuram mais cirurgias de prótese de mama e às vezes lipoaspiração. Já as mais velhas, dos 40 anos em diante, ou que já tiveram filho, optam por abdominoplastia”, explica o cirurgião. Ele também conta que os motivos pela busca das cirurgias geralmente são apenas por questões estéticas, para


Mast

opex

S “corrigir” algo que incomoda, mas também pode ser devido a alguma doença, como um câncer de mama ou nariz. Em 2012, a oficial de justiça Marineide Melo, 51 anos, colocou próteses de silicone nos seios. Apesar de ter gostado bastante do resultado, ela conta que não faria outra cirurgia plástica. “Só fiz este procedimento cirúrgico. Adorei, mas achei invasivo demais! Não faria outro, embora tenha gostado do resultado final. Só fiz porque me sentia esteticamente incomodada”. Aos 21 anos, a estudante de odontologia Iasmin Souza deseja realizar uma mastopexia, que tem como objetivo reverter o caimento natural dos seios. O desejo existe há bastante tempo, também devido a um incômodo estético. “Quero fazer a cirurgia assim que possível, já tenho vontade faz muito tempo. É algo que não me agrada esteticamente e que interfere em minha autoestima”. Segundo Iasmin, os procedimentos estéticos e cirurgias plásticas devem sim ser feitos, já que consiste em uma vontade pessoal, que pode mudar bastante a maneira como a pessoa se enxerga e a sua autoestima. As mulheres também predominam nas clínicas de estética. Patrícia afirma que a procura é muito maior por mulheres, normalmente entre 30 a 50 anos, mas que o número de clientes adolescentes, a partir dos 13 anos, aumentou significativamente. “As mulheres mais velhas procuram mais por tratamento facial, pois querem buscar o rejuvenescimento do rosto, não estão mais tão preocupadas com aparência corporal. Já as mais novas buscam mais procedimentos voltados para o corpo”.Com o decorrer da idade, Marineide também passou a fazer tratamentos faciais, que segundo ela é “para manter uma pele bacana, pois tenho tendência a melasma, mas nada muito agressivo, apenas para envelhecer bem e com a autoestima em dia”. Ela acredita que a evolução dos procedimentos estéticos deve servir para ajudar as pessoas a ficarem “em paz com o espelho, que às vezes pode ser cruel”, mas que não deve

A ma s lifting topexia, t a com de mama mbém co o ob nhec , é um je id mitin do re tivo de le a cirurgia a como vanta posic mais estét r io a ic varia lta. O pre ná-los em os seios, a r ent p ç e o da uma rre de ac ordo quatro m cirurgia p posição ode com com il a se o a t das c acréscim clínica e e mil rea Prepa is o c o ro da o val nsultas, e de todas irurgião. M , cirurg or po x Evita ia de ch ames e in as despes as r o fu as egar terna m nas a o a 15 ment po ntes mil. o, da ci r duas se Existe rurgi maEvita m du a; r pexia a alcoó ingestão : com s formas d li pexia d o anter cas pelo e bebidas cláss u sem pr e fazer a m i o e r à ci i ou si mast rurgi nos no d licon ca é feita ótese. A oI n ia m a e t s corrig ; , já q erro em u astou s i flama mper o u quan r a flacide e seu obj ar prótes s t e e d z antes órios até o de antipode o a mam dos seio tivo é ape s d in d a s. n o ment a cirurgi uas sema a pos ptar por é pequen Entretan as a n e , to a s a aceti os que c principa as silico ibilidade valiar com a mulhe , ls lo de co ne du r o ciru ticos alicílico, ntém ácid lo cham ra , ace a o n t ada d nte a cir car próte rgião i-re le bolis ur se e ma mo, radores d umáO res stope gia, send s de co o fórm u o ent xia co ulas mo anfet metadent ltado fina ão m p a e a p mi ro de r Vitam rótes a l e. um m pode ser pode ina E emagrec nas, imen ; obse v ês, m Estar r to xima oltar ao em je traba as a paci vado dame h j e um a oras; lho d nte 1 nte Mas, bsolu en 0 s to po que s ó 40 dias dias apó tro de ap Não r8 s a ci e pod r após o u t i r exerc u a ma e vol seira lizar ané ícios tar a stope rgia. s is físico d no d e outros o , brincos s leve irigir e a xia é , ia da b fazer s. cirurg jetos de pulvalor ia.

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Haline Farias

Patrícia Leandro sempre trabalhou com estética. Antes de se formar como esteticista foi cabeleireira.

existir exagero e muito menos paranóias. “Nada que modifique drasticamente a sua essência e que te tire do seu verdadeiro eu. Acho estranho a pessoa se olhar no espelho e não se ver”.

tia. As cirurgias ligadas ao remodelamento do corpo estão dentre as mais procuradas. Além dessas, procuram muito rinoplastia e a blefaroplastia, que retira o excesso de pele das pálpebras”.

O que mais procuram?

Precauções e riscos

Segundo a esteticista Patrícia, entre os mais de 44 procedimentos facial e corporal que ela realiza, os mais procurados aqui em Aracaju são: remodelamento por congelamento; carboxiterapia, que trata de estrias, flacidez e gordura localizada; diversos tipos de limpeza de pele; criofrequência e radiofrequência. Ela conta que o remodelamento por congelamento, a terceira geração da criolipólise, é o vencedor de procura.

Doutor Antônio explica que o processo pré-operatório já ocorre na primeira consulta, quando se conhece o paciente em todos os sentidos. É preciso saber qual o desejo e objetivo, o estado de saúde, se tem alguma doença ou alergia. Possuir todo o histórico de saúde do paciente é fundamental, sabendo de todos os possíveis riscos. “Fazemos uma pesquisa do estado de saúde em geral, com exames de sangue e coração. Se for uma cirurgia na mama, por exemplo, é necessário também um ultrassom. Nesse processo vemos qual a cirurgia mais indicada e também fazemos fotos para registrar o antes”.

No consultório do cirurgião Antônio, as cirurgias mais realizadas são as das mamas, tanto a colocação de prótese, quanto a correção da flacidez mamária. “Realizo muitas cirurgias de redução de mama, lipoaspiração e abdominoplasMAIS CONTEXTO SAÚDE 52

O cirurgião também comenta, que

assim como em qualquer procedimento cirúrgico, há riscos inerentes à cirurgia plástica. “Se você faz uma cirurgia, por menor que ela seja, existe risco, por exemplo, de sangramento, infecção e abertura de pontos. Então são riscos inerentes a qualquer procedimento de cirurgia e não necessariamente um erro médico”. Doutor Antônio dá o exemplo de uma cirurgia em uma idosa que queira corrigir a flacidez da face e após o procedimento sofre um aumento de pressão, “isso não necessariamente se caracteriza como um erro médico [...] Muitas vezes há complicações esperadas, então a gente explica para todos os pacientes que existem esses riscos”. A anamnese é um procedimento padrão e obrigatório que deve ser realizado pelas esteticistas. Segundo Patrícia, a anamnese é basicamente uma “entrevista” feita ao cliente, onde o profissional vai ter todo o perfil e histórico de saúde, para descartar qualquer possibilidade de ocorrer um erro,


Criolipólise de terceira geração

durante ou após o tratamento. “Eu tenho procedimentos que provocam processos inflamatórios induzidos, então se uma pessoa é imunossupressivo, tem alguma doença autoimune, não posso trabalhar com uma pessoa nessa condição, pois pode piorar a situação dela”. Além desse procedimento, Patrícia também explica que é realizada uma avaliação estética, que analisa o que o cliente deseja e o que realmente pode ser feito dentro das possibilidades “não só financeira, mas também, e principalmente, de saúde”. A esteticista exemplifica que se uma cliente possui rosácea, uma doença crônica que provoca vermelhidão no rosto, ela não pode realizar nenhum tratamento. Se, por exemplo, essa cliente faz uma radiofrequência, um tratamento que utiliza calor, ela pode acabar piorando e muito sua condição, a ponto de acometer o globo ocular. A ficha de anamnese é assinada pelo cliente para confirmar que todas as informações ali prestadas são verídicas, o que é uma segurança para o profissional. “Se o cliente omite alguma informação e me diz que não tem determinada doença, por exemplo, após assinar ele atesta que qualquer coisa que venha a acontecer, devido a essa omissão, é de inteira responsabilidade dele”, explica Patrícia sobre a importância das avaliações e assinatura.

as que não são profissionais da área. Patrícia conta que recebe várias clientes com tratamentos que deram errado. “É comum aparecer pessoas aqui com procedimentos com erros. Normalmente elas procuram realizar esses tratamentos com pessoas que não tem embasamento, uma formação. Então acabam pagando por esse preço”. A falta de formação também é comentada pelo cirurgião plástico. Ele discute a questão de muitas pessoas realizarem cursos de poucos dias e se acharem experts. “São feitos cursos de às vezes um final de semana. Depois as pessoas saem fazendo procedimentos como botox e preenchimento, utilizando certos compostos e realizando procedimentos que não estão autorizados”. De acordo com ele, isso tem aumentado o número de complicações no Brasil inteiro. A esteticista explica que a intervenção no erro feito por outro profissional depende do grau do erro. Uma queimadura de criolipólise que ficou muito manchada, por exemplo, é considerado um erro grave, então ela não pode intervir nesse caso e indica que a cliente procure quem realizou o procedimento. “Mas eu tenho situações por queimadura por peeling químico, que são queimaduras de níveis leves, que tenho como consertar, fazendo um tratamento que melhore aquela condição”.

Já o médico recebeu poucos casos de complicações. Geralmente quando acontece de alguma paciente chegar É importante ressaltar que os procecom um erro, ele indica que ela procudimentos estéticos cirúrgicos devem re o responsável. “Opto por amenizar ser realizados somente por cirurgiões plásticos. O cirurgião Antônio dá a dica a situação com uma conversa para que ela tente dar seguimento com a pessoa de como se certificar do profissional. “Existe o site da Sociedade Brasileira de responsável pela cirurgia. Eu evito tratar complicações e erros causados por Cirurgia Plástica e do Conselho Fedeoutros colegas. A não ser que a paral de Medicina, em que facilmente o paciente consegue pesquisar e saber se ciente queira, por não confiar mais no aquele médico é um profissional habili- outro profissional, ou que o colega me peça para fazer o tratamento, aí sim tado para isso”. posso tentar assumir o caso”. Mesmo O que é feito com os erros? quando assume algum caso, o cirurgião Por conta de ofertas baratas ou falta de entra em contato com o colega para informações, muitas pessoas realizam ouvir os dois lados da história, para a procedimentos estéticos com pessopartir disso tomar alguma conduta.

A criolipólise é uma tecnologia de resfriamento intenso das células de gordura, que faz com que o corpo entenda que está ocorrendo uma espécie de “inflamação” no local tratado, eliminando as células afetadas e reduzindo as medidas corporais. O procedimento é uma excelente alternativa para tratamentos de gordura localizada, sem utilizar de uma técnica cirúrgica. Com a terceira geração da criolipólise, são utilizados dois aplicadores adaptáveis ao corpo, e com isso duas regiões podem ser tratadas ao mesmo tempo. O tratamento é indicado para gordura localizada e contorno corporal, fazendo congelamento seletivo da célula de gordura. Os locais em que podem ser feita a criolipólise, por exemplo, são: abdômen, costas, flancos, culotes, glúteos e joelhos.

Tempo do procedimento

O procedimento é feito em 70 minutos para cada região do corpo. Como são usados dois aplicadores, duas partes do corpo podem ser tratadas em apenas 70 minutos, e quatro regiões podem ser tratadas em 140 minutos.

O antes

Antes de fazer o procedimento, o paciente passa por uma avaliação médica, para que assim seja possível analisar se a criolipólise pode ser indicada. Nessa avaliação é feita a retirada das medidas e fotos. Pessoas com problemas de coagulação, como trombose, e algumas outras patologias não são indicadas, assim como aquelas que têm sensibilidade ao frio.

Resultados

Após o procedimento, as células adiposas vão sendo eliminadas de maneira gradual pelo corpo, por meio do tecido linfático. O resultado pode ser observado a partir de 20 dias depois do tratamento. O resultado total da área tratada somente com três meses, em que o paciente pode perder de 25% a 30% de gordura. As recomendações pós-tratamento são mais tranquilas que outros tipos de procedimentos, mas existem algumas recomendações, como: Evitar banhos quentes; Banho de piscina por 24 horas; Atividade física por 48 horas. 53 SAÚDE MAIS CONTEXTO


Os procedimentos estéticos Dermolipectomia, mastopexia, blefaroplastia… você sabe do que se tratam esses termos? Estão ligados a alguns dos principais procedimentos estéticos realizados no Brasil. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o número de cirurgias estéticas saltou de 459 mil para 839 mil entre 2009 e 2016. Já os procedimentos não-cirúrgicos apresentaram um crescimento impressionante: em 2014 eram 271 mil e em 2016 já eram 1,33 milhão, um aumento de quase 80%. Com tamanha diversidade de procedimentos, é fácil se perder sobre do que cada um se trata. E apesar de serem métodos tão procurados, em muitos casos há um desconhecimento inicial a respeito deles. Por isso, a seguir, o leitor pode acompanhar os tipos mais comuns de procedimentos estéticos realizados no Brasil nos últimos anos e como eles funcionam.

Blefaroplastia Cirurgia plástica realizada nas pálpebras, corrigindo a flacidez, diminuindo as rugas, evitando bolsas de gordura e rejuvenescendo a região dos olhos.

Rinoplastia Cirurgia feita no septo nasal e que corrige a parede de cartilagem que divide o nariz interno ao meio.

Mentoplastia Cirurgia realizada para tratar a forma do mento, ou seja, o queixo (mandíbula, pescoço e o terço inferior da face do paciente), seja para aumentá-lo ou diminuí-lo.

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Implante capilar Procedimento para tratar a calvície. Consiste no enxerto das partes calvas do paciente utilizando fios naturais do próprio que são retirados das suas áreas doadoras. Otoplastia Correção das alterações estéticas do formato das orelhas para deixá-las com uma aparência mais harmoniosa.

Bichectomia Procedimento de retirada da “bola de Bichat”, um tecido gorduroso localizado na região das bochechas que confere ao rosto um formato arredondado.

Lifting facial Diminuição das rugas e pescoço, bem como redução da flacidez da pele e remoção do excesso de gordura do rosto.


mais realizados no Brasil Aumento de mama Aumenta ou restaura o volume dos seios através da utilização de implantes, além de acentuar suas formas.

Dermolipectomia de braço Retirada do excesso de pele compreendida entre a axila e o cotovelo, proporcionando um contorno menos flácido ao braço.

Dermolipectomia abdominal Sinônimo de abdominoplastia, trata-se da remoção do excesso de pele e de gordura localizados na região do abdômen, além da sutura dos músculos abdominais para conceder mais firmeza a eles.

Suspensão de coxas Retirada da sobra de pele e gordura da região interna das coxas.

Aumento de mama Aumenta ou restaura o volume dos seios através da utilização de implantes, além de acentuar suas formas.

Mastopexia São as cirurgias de correção das mamas caídas. Retira a pele flácida e remodela as mamas.

Lipoaspiração Remoção do tecido adiposo (gorduroso), garantindo a retirada da gordura subcutânea, ou seja, aquela que se encontra sob a pele. Assim, é devolvido o contorno corporal e uma aparência mais magra.

Gluteoplastia Cirurgia plástica que consiste num implante de silicone colocado na região glútea para aumentar o volume da área.

Plástica vaginal Remodelação da vagina. Há vários tipos, como a labioplastia (redução do tamanho dos pequenos lábios), redução do monte de vênus e reconstrução do hímem.

Reportagem e diagramação: Eduardo Costa e Vinícius Oliveira Edição: Letícia Nery 55 EDITORIA MAIS CONTEXTO


Prefeitura de Aracaju

A 13 de Julho se tornou um dos bairros mais nobres da capital sergipana

Mar de concreto Como o embelezamento urbano do bairro 13 de Julho trouxe impactos ambientais aos lados opostos do Rio Sergipe Por Ana LuĂ­sa Andrade | analuandrade98@gmail.com

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Igor Rocha

Você sabia? Devido à presença e à popularidade das praias de banho, o bairro 13 de Julho era conhecido como Praia Formosa. Foi daí que surgiu o nome do Calçadão da Praia Formosa, inaugurado em julho de 2016.

Entretanto, a história de Aracaju mostra que o bairro nem sempre foi assim. Antes de todas as intervenções urbanísticas, a 13 de Julho foi uma praia popular e própria para banho, e antes mesmo disso, uma colônia de pescadores. Se outrora a convivência com o encontro do Rio Sergipe com o Rio Poxim foi um grande diferencial, já há um bom tempo são observadas uma série de obras e medidas com o intuito de amenizar a invasão das águas do mar. A Praia Formosa A inauguração do Calçadão da Praia Formosa, em julho de 2016, foi um bom exemplo dessa tentativa de impedir o avanço das águas. A urbanista Robertha Barros, que é também mestre e doutoranda pelo Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe, aponta que, apesar de a construção ter sido realizada com o intuito de conter a ação das marés e das ondas que estavam provocando rachaduras nas estruturas da Avenida Beira Mar,

esse fenômeno já vinha acontecendo há um bom tempo e é influenciado pelo próprio processo de urbanização: “Certamente essas patologias estruturais não começaram de um dia para outro. Elas se acumularam ao longo da história de formação do bairro. O próprio Projeto de Defesa Litorânea, que foi a construção de um muro que vai desde o mirante do Calçadão do Bairro 13 de julho até o Iate Clube, pode ter influenciado esses desgastes, bem como a falta de manutenção e diversos outros fatores”. Entregue com 10 meses de atraso por conta de uma paralisação acionada pelo Ministério Público Federal justificada pela falta de um Estudo de Impactos Ambientais (EIA) e de um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a construção hoje conta com “elementos arquitetônicos bastante atrativos, com fontes de água, bonita iluminação em LED, jardim vertical, carrossel, parede de escalada e vários equipamentos para exercícios físicos”, segundo informações do site da Prefeitura de Aracaju. O que seria uma obra de controle ambiental se tornou mais uma forma de embelezamento da região. O buraco é mais embaixo Como foi apontado por Robertha Barros, os problemas ambientais na 13 de Julho não foram ocasionados por uma única obra; foi fruto de todo um processo de urbanização. A urbanista afirma que à medida em que foram

acontecendo intervenções urbanísticas voltadas para o embelezamento e a estética da região com o intuito de promover “melhorias na qualidade de vida”, mais impactos ambientais foram surgindo. Segundo ela, o bairro sofre cada vez mais com problemas relacionados à falta de saneamento básico e ao esgoto a céu aberto, além da supressão do manguezal, que tem aumentado o surgimento de bancos de areia. Essa série de intervenções urbanísticas em busca de uma melhoria de qualidade de vida dos moradores do bairro acaba causando também alguns impactos negativos no dia a dia dos mesmos. Segundo Natália Guimarães, 20 anos, estudante de Arquitetura e Urbanismo, que mora na 13 de Julho há mais de 6 anos, é comum sentir o mau cheiro provocado pelo esgoto até mesmo de seu apartamento, que fica no quarto andar. Como futura arquiteta e urbanista, ela considera que toda intervenção urbanística deve levar em conta as consequências ambientais, já que essas podem impactar toda uma sociedade.

Arquivo público

É quase um consenso para os cidadãos aracajuanos que morar na 13 de Julho se tornou sinônimo de prosperidade econômica e qualidade de vida. Contando com dois calçadões destinados à prática de atividades físicas e lazer – o Calçadão da 13 de Julho e o Calçadão da Praia Formosa -, o bairro é composto também de luxuosos prédios residenciais e espaços comerciais.

Antiga 13 de Julho

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Talisson Souza

O que é uma Área de Preservação Permanente? De acordo com o parágrafo II do Art. 3º da Lei n. 12.651/2012: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Área de Preservação Permanente, anteriormente habitada e hoje invadida pelas águas

Talisson Souza

Do outro lado do rio

Danos estruturais causados pelo impacto das ondas

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Além de trazer impactos ao próprio bairro, as intervenções realizadas na 13 de Julho levam também suas consequências ao outro lado do Rio Sergipe: a Atalaia Nova, na Barra dos Coqueiros. Essa discussão ganhou bastante repercussão com a obra do Calçadão da Praia Formosa, pois a construção foi feita sem realização prévia do EIA/RIMA, obrigatório para o processo de licenciamento ambiental, e o Estudo de Impacto de Vizinhança, que seria necessário por Aracaju e Barra dos Coqueiros serem áreas urbanas vizinhas. Segundo Robertha Barros, “sem esses estudos básicos, não há monitoramento ambiental efetivo sobre os reflexos negativos da obra, tampouco controle social por parte da sociedade civil organizada”.


Talisson Souza

Claudia teme que um dia a água avance até sua casa

alugá-las como fonte de renda extra hoje não têm mais essa possibilidade, pois as residências na região passaram a ser muito desvalorizadas. Claudia conta que, apesar de presenciar o processo de invasão das águas na região já há um bom tempo, após a construção do Calçadão da Praia Formosa a situação foi drasticamente agravada e se deu de forma muito mais acelerada. A conselheira relata ainda que muitas famílias precisaram ser retiradas de suas casas por se encontrarem em área de risco. “Como eu sou conselheira [tutelar], eu fui visitar uma família que a casa estava caindo e os meninos estavam em cima da cama porque não tinham como ficar no chão por conta [da invasão] da água”, comenta.

Talisson Souza

Esses impactos vêm sendo sentidos pelos moradores da Atalaia Nova de diversas formas. Para a conselheira tutelar Claudia Barreto, 47 anos, que mora na região há mais de 20 anos, os impactos vieram principalmente em relação ao lazer. Frequentadora das praias da região desde os 8 anos de idade, ela conta que gostou tanto da região que decidiu se mudar para lá, mas que hoje não pode mais desfrutar das mesmas sensações: “Com o avanço das águas a gente perdeu área de banho, e foram colocadas muitas pedras, então quando a gente vai tomar banho tem medo de acontecer algum acidente”. Além disso, o comércio local também sofreu prejuízos, já que muitos restaurantes e bares que ficavam à beira do rio precisaram ser desativados. Ela aponta ainda que muitos proprietários de casas que costumavam

Para amenizar o efeito das ondas, alguns moradores precisaram colocar pedras nas fachadas das casas

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O povoado Cabeço era a última colônia de pescadores localizada antes da foz do Rio São Francisco, no município de Brejo Grande. A região foi quase completamente engolida pelo mar nos anos 90, após a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó mudar o fluxo das águas. No fim da década, o povoado precisou ser desabitado, e hoje resta apenas um antigo farol em iminência de tombar.

Everaldo, que costumava pescar, já está acostumado com a natureza instável das águas Já o pescador aposentado Everaldo Ferreira Lima, que dos 74 anos, 56 foram vividos na Atalaia Nova, acredita que o processo de invasão das águas na região é um fenômeno natural, pois ele o presencia desde que é morador do local. Oriundo do povoado Cabeço no município de Brejo Grande, ele conta que lá viu o mesmo processo acontecer: “Eu sou filho de um lugar que o mar já comeu”. Para Everaldo, o que agrava a situação é a negligência dos governantes quanto à situação, já que mesmo que o fenômeno não possa ser evitado, ele poderia ser melhor controlado. Como foi relatado por Claudia, algumas famílias precisaram ser retiradas de suas casas por conta do avanço das águas.

Segundo Edson Aparecido dos Santos, 54 anos, ouvidor geral do município e Presidente da Comissão de Área de Preservação Permanente da Barra dos Coqueiros, 686 famílias deixaram suas residências que se encontravam em APP e precisaram ser derrubadas, ação que foi parte do plano de recuperação de áreas degradadas. Dessas, 448 foram assistidas com novas residências, pois se encontravam em situação de vulnerabilidade econômica. Ainda de acordo com Everaldo, outras regiões da Barra dos Coqueiros têm sentido impactos como o assoreamento de lagoas, a diminuição do banco de areias e o acúmulo de sedimentos em manguezais da região.

Talisson Souza

Marília Rocha

Talisson Souza

O lugar que o mar comeu

Edson lamenta os diversos impactos ambientais causados pela urbanização

A invasão das águas na 13 de Julho se dá justamente pelo avanço do mar no encontro do Rio Poxim com o Rio Sergipe, que provoca ondas fortes e abundantes.

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O belo que alimenta os olhos

Quando a aparência dos alimentos influencia na escolha dos produtos Ana Clara Abreu | anaabreu1316@gmail.com Igor Matias | imatias96@gmail.com

Já teve aquela sensação de comer com os olhos? Pode parecer exagero, mas a aparência dos alimentos influencia bastante na hora de escolher a fruta, o legume ou a verdura que vai levar pra casa. Segundo estudo feito em 2010, pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, os parâmetros estéticos e sensoriais são um dos principais requisitos levados em conta pelos consumidores ao avaliar se o alimento é seguro ou não. Essa “perfeição estética”, geralmente presente em alimentos que utilizam agrotóxico em seu cultivo, contrastam com os alimentos orgânicos, na maioria das vezes menores e menos uniformes. Essas características ficam ainda mais evidentes na disposição dos alimentos nas barracas de feira ou mercados em geral. Você sabe distinguir o orgânico do convencional? SIM

NÃO

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Salsa, brócolis, hortelã, alface crespo, roxo e verde. As hortaliças orgânicas são mais cheirosas que as convencionais, mas são mais sensíveis por não utilizar fertilizantes e adubos químicos, que prolongam a vida útil do alimento.

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Igor Matias

Igor Matias

Ana Clara Abreu

Com uma diversidade de formas e cores, as frutas são posicionadas de maneira organizada ao longo da barraca, destacando os produtos e facilitando a visualização por parte do cliente.

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Igor Matias

Demonstrando algumas imperfeições na aparência, as batatas são apresentadas em menor quantidade e com pouca organização.

Igor Matias

Separadas conforme tamanho e aparência, as cebolas mais bonitas são colocadas à frente da barraca para chamar a atenção do cliente.

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Igor Matias Os cajus, mesmo apresentando algumas imperfeições na pele, chamam atenção pela coloração e a forma como as castanhas estão dispostas, todas na mesma direção. 65 MEIO AMBIENTE MAIS CONTEXTO


Ana Clara Abreu

A mistura de cores, entre o laranja e o verde do campo, exalta a beleza da cenoura orgânica. Diferente da convencional, ela possui formato desuniforme, são tortas e finas. Isso ocorre porque os solos da agricultura orgânica são menos revolvidos e não contém fertilizantes químicos.

As raízes orgânicas nem sempre tem uma aparência uniforme, apresentando manchas e algumas deformidades. As batatas doces, roxas e brancas, expostas no mercado municipal do Augusto Franco têm cores vivas, que chamam a atenção dos consumidores, mesmo que as cascas tragam resquícios de terra da colheita.

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Ana Clara Abreu Igor Matias Igor Matias

As manchas escuras da banana orgânica são provenientes do atrito gerado na colheita ou no transporte. Também podem estar relacionadas a doenças de plantas, não nocivas a seres humanos. Se por fora não chama a atenção, por dentro o fruto tem mais nutrientes por conta do tempo de crescimento.

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UMA CRUZADA ENTRE A FÉ E A HISTÓRIA Antes

Reprodução/Facebook

Samuel Santos | samueljorn16@gmail.com

O município de Porto da Folha, localizado na região do Alto Sertão Sergipano tem uma população, segundo o censo do IBGE 2017, estimada em 28.735 habitantes, em que 92,42% dela é declarada católica (IBGE, 2010). Nessa região do baixo São Francisco, para além da exaltação do sagrado, as práticas religiosas possuem, também, um valor identitário. A sede da cidade e cada povoado que pertence ao município têm um (a) Santo (a) de devoção, um (a) padroeiro (a), que acaba sendo um elemento de referência da localidade. A paróquia de Porto da Folha, que em 2021 completará o seu bicentenário, tem como padroeira a Santa Nossa Senhora da Conceição. Inicialmente, a igreja matriz da paróquia ficava localizada na Ilha de São Pedro (atual Aldeia Indígena Xokó), porém, em 1861 foi transferida para a sede do município, ano em que começou a sua construção, e concluída em 1932. Sua estrutura arquitetônica é caracterizada como eclética, ou seja, esboça alguns traços do estilo barroco e do neoclassicismo. Todavia, ao longo do tempo sua estrutura passou por algumas mudanças devido a necessidade de reparos em sua arquitetura. A mudança mais significativa se deu por conta da modernização da Igreja católica. Na década de 60 ocorreu a reforma conciliar do Vaticano II, em que o Papa João XXIII reuniu os bispos para que se discutisse questões da igreja, buscando aproximar os seus fiéis. “Nesse período a igreja repensa o conceito de igreja, o sentido de igreja como unidade. Ela representa um cristo que liberta as pessoas da sua condição de pobreza, de dificuldade, para que os indivíduos sejam os agentes da sua própria história, diferente do cristo penitencial, o cristo da cruz, que sofreu por conta do pecado humano”, destaca Antônio Lindvaldo, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

Mural da Igreja Matriz de Porto Folha ainda em estado original MAIS CONTEXTO CULTURA 68

Com esse cenário, a igreja de Porto da Folha passou a ter a atuação de padres ligados à teologia da libertação, formados em Pernambuco, como Frei Enoque


Reprodução/Facebook

Depois

e Frei Juvenal. Eles eram sacerdotes que trabalhavam junto às comunidades carentes: com os agricultores, com os sem terras, com os índios, tratando de questões de seca da região. É a partir desse novo comportamento da igreja que os templos católicos Wassumiram na sua estrutura alguns traços da teologia da libertação. Dessa forma, a primeira mudança significativa da igreja de Porto da Folha foi no seu altar. O padre holandês que estava à frente da paróquia iniciou a reforma do primitivo altar em 1969, mas o que se sabe é que essa mudança estava sendo feita de maneira equivocada às novas diretrizes da igreja católica. Ao assumir a paróquia em 1970, o frei Juvenal decide pintar um mural no espaço do altar que estava incompleto. A pintura representa, segundo afirma o professor Antônio Lindvaldo, “uma leitura, como um pequeno texto que o padre faz de uma realidade vivida no seu dia-a-dia, nas comunidades. Tem diversos símbolos. É uma aula! Porque você vê os problemas de terra, o problema dos índios, a problemática da seca, o encontro dos trabalhadores entre si, a solidariedade entre eles. Você não vê somente o registro do conflito dos problemas. Você vê gente plantando o arroz, gente na feira, e um cristo próximo a eles, que liberta. E dentro do conceito daquele momento da igreja católica, ela não é uma leitura social pagã. Ali não tem rituais que ferem os códigos canônicos da igreja”, ressaltou o professor. Apesar da proximidade territorial entre as cidades ribeirinhas do baixo Rio São Francisco, o que poderia ser um fator de padronização da liturgia expressa nos altares das suas igrejas, o altar da igreja de Porto da Folha mostra uma estética diferente, por exemplo, em relação ao altar da igreja da Cidade de Gararu, que traz um Deus da penitência, crucificado por conta do pecado. Essa diferença na realidade de cada altar transpõe a genuinidade da obra que, por décadas, esteve expressa no altar da igreja de Porto da Folha.

Espaço onde se encontrava o mural após a sua derrubada

Uma igreja rachada, uma obra em ruínas Em 2012, com a chegada do Padre Francisco, a comunidade paroquiana de Porto da Folha passou a conversar sobre a necessidade de reformar a Igreja Matriz, sendo posto nas discussões, pelo

padre em atuação, a retirada do mural pintado em seu altar. Contudo, essa proposta não foi aceita pela maioria da comunidade paroquiana. Em 2016, já na figura do Padre Melchizedech, com a aproximação do bicentenário da igreja, a retirada do mural na reforma é mais uma vez posta em pauta. 69 CULTURA MAIS CONTEXTO


Rafael Lima

que eles dizem ter acontecido essa audiência, na verdade, o que aconteceu foi a apresentação do projeto arquitetônico junto ao Bispo e àqueles que eram favoráveis à retirada do mural. Não existiam dois planos para a população decidir qual escolher, era somente o plano ‘A’, com a retirada do mural”.

Glauber Resende, representante da Comissão de Reforma da Igreja

Quando todo o planejamento de reforma estava, enfim, organizado, no dia 05 de maio deste ano, o arquiteto e urbanista e também sacerdote da Paróquia de Caruaru/PE, José Silvano Onofre de Amorim, apresentou o projeto de reforma da igreja. Nele constava a retirada do mural do altar mor e a reprodução em um espaço externo da igreja. A apresentação ocorreu em uma reunião com os fiéis após a celebração da missa, reproduzida em telões na igreja e transmitida na internet pelo veículo de comunicação local TV AN. Segundo afirma Glauber Resende, membro da comissão de reforma da igreja e responsável pela comunicação com o público, “o arquiteto, após ouvir algumas pessoas da comunidade e fazer um estudo pormenorizado da igreja, percebeu que, ao longo das décadas, o prédio da igreja sofreu uma descaracterização. O exterior tinha sido, praticamente, preservado ao longo dos anos, já o interior, com as sucessivas reformas que ocorreram, sofreu uma descaracterização. Dessa forma, por conta dessa mudança brusca, em que o primeiro altar mor foi demolido, não preservando, absolutamente, nada,

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e atendendo a pedidos de algumas pessoas, o arquiteto elaborou o projeto, aproximando-se com aquilo que conseguiu. Através do método de indução e, também, de relatos de pessoas, ele chegou conclusão desse projeto que está sendo executado e que foi apresentado à população”. Com a decisão da retirada do mural, um grupo de pessoas se organizou para representar a parte da população contrária à decisão da igreja. Inicialmente, a movimentação aconteceu nas redes sociais com uma página no facebook “Prol Mural de Porto da Folha”. Natan Gonçalves, representante do grupo, declarou que “não houve a abertura de um diálogo” para essa decisão. “Eles falam que existiu uma audiência pública, em que a população foi chamada na Matriz de Porto da Folha, só que não foi uma audiência pública para dialogar. Primeiro, porque a divulgação se restringia a algumas celebrações litúrgicas, e nós sabemos que, apesar de o mural estar dentro da igreja, ele não é um patrimônio somente dos paroquianos. Ele é um patrimônio da população, independentemente da religião, e ele é, também, um patrimônio de pessoas de outras cidades. Nesse dia,

Diante da insatisfação de boa parte da população, Dom Vitor, Bispo recém-chegado à Diocese de Propriá, da qual faz parte a igreja de Porto da Folha, propôs a criação de um abaixo-assinado por ambas as partes, para que se chegasse a uma decisão de forma mais democrática, ou seja, que a população do município mostrasse qual a melhor decisão. Juridicamente, os abaixo-assinados não teriam validade, pois não daria para verificar a veracidade das assinaturas colhidas pelos dois lados, mas possuíam uma validade simbólica, mostrando qual a escolha feita, em tese, pela maioria. Durante o processo de coleta das assinaturas, o Conselho Estadual de Cultura, através da Secretaria Estadual de Cultura - SECULT, entrou com um processo de tombamento do mural, devido à ameaça de perda da obra. Uma vez aberto o processo, não se podia modificar nada na obra até que fosse anunciado o resultado do mesmo. Nesse contexto, Natan Gonçalves afirma que “no dia 02 de junho, em um sábado, foram convidados dois professores do Departamento de História da UFS, um deles já aposentado e membro do Conselho Estadual de Cultura, para falar na rádio Rio FM, e esclarecer a população que havia um processo de tombamento e que o padre e o Bispo haviam sido comunicados através de ofício”. Glauber Resende, entretanto, comenta que “o Conselho Estadual de Cultura tentou se manifestar, mas nunca foi convidado nem o Bispo, nem o Padre, nem


Talisson Souza

Péricles Morais, relator do processo de tombamento do mural

algum membro da comissão de reforma para se fazer presente numa assembleia do conselho. Que ao meu ver, o caminho não era esse, uma vez que, eles sabendo da celeuma que estava a comunidade, deveriam convidar os interessados para dialogarem, assim como eles conversaram com o grupo em prol do mural”. Porém, Péricles Morais, relator do processo de tombamento, afirma que o Bispo e o pároco foram notificados. “Solicitamos que eles fossem ao conselho, mas eles nunca foram. Inclusive, fomos bastante agredidos com argumento do tipo: ‘Vocês não têm nada a ver com isso’ ou ‘vocês não devem se meter nas decisões da igreja, porque a igreja não é museu’. Dessa forma, você desconsidera centenas de patrimônios históricos nacionais que são igrejas”. O relator ressalta ainda que o Conselho não entrou na seara do conflito nas redes sociais, apenas deram um parecer técnico tendo como base elementos teóricos. Na manhã do dia 05 de junho, a população de Porto da Folha foi surpreendida com a notícia da “suposta” invasão à igreja. Nessa ocasião, o mural do altar mor foi encontrado pichado. A obra, que supostamente foi vandalizada na madrugada daquele dia, teve a metade da sua estrutura comprometida com a utilização de tintas e de espátula, utilizada em serviços de construções civis.

Questionado sobre a posição da igreja diante do fato ocorrido, Glauber Resende disse que “o pároco responsável pela paróquia se dirigiu à delegacia para prestar queixa. Diante das autoridades policiais, ele teve a informação que já havia sido aberto um boletim de ocorrência, registrando o fato de que havia acontecido um dano a um bem que pertence a uma pessoa jurídica, no caso, a paróquia de Porto da Folha ou a Diocese de Propriá”. De acordo com Natan Gonçalves, um integrante do grupo Prol Mural, incomodado com a situação, se dirigiu à delegacia para fazer o boletim de ocorrência - BO n° 2018/06580.0-000245 . “O padre, que estava em Aracaju, foi à delegacia um dia após o ocorrido. Posteriormente, outro membro da comissão prol mural foi à delegacia de Nossa Senhora da Glória solicitar uma investigação mais ativa e a presença da polícia técnica, porque, até então, qualquer pessoa podia se aproximar do mural”. Ao analisar as imagens da obra vandalizada, o Conselho Regional de Cultura informou que, mesmo com a gravidade do ocorrido, a obra ainda podia ser restaurada. Devido a situação, aqueles que defendiam a permanência do mural, agora, buscavam que ele também fosse restaurado. No dia 06 de junho foi, enfim, protocolado na SECULT o processo de tomba-

mento de n° 027000.01428/2018-6, solicitado pelo Advogado Allef Emanuel da Costa Paixão (OAB/SE nº 11309). Nesse mesmo dia, o Conselho Estadual de Cultura enviou à Diocese de Propriá e à Paróquia de Porto da Folha o Ofício Externo nº 024/2018, constando que o processo de tombamento estava em curso e, portanto, a obra de arte não poderia sofrer nenhum tipo de alteração até que fosse emitido o resultado do processo. Nesse contexto, os abaixo-assinados não tinham mais tanta relevância, no entanto, os grupos continuavam com as coletas de assinaturas. No dia 08 de junho, o grupo Prol Mural entregou ao Bispo quase três mil assinaturas como resultado parcial, pois as assinaturas ainda estavam sendo colhidas. “Na ocasião, o Bispo disse que entregássemos aquela representação, mas que ainda ia definir o dia em que todas as assinaturas deveriam ser entregues. Sabíamos que tínhamos cerca de umas 150 assinaturas à frente do grupo favorável a retirada do mural”, disse Natan Gonçalves. A coleta de assinaturas foi encerrada no dia 10 de junho, no que acusam os membros do grupo Prol Mural: “sem aviso prévio”. Durante uma missa na igreja matriz, celebrada pelo Monsenhor José Francisco, que atua na paróquia da cidade de Nossa Senhora da Glória, ele anunciou que a contagem 71 CULTURA MAIS CONTEXTO


Samuel Santos

das assinaturas mostrou que a maioria da população era favorável à retirada do mural. Glauber Resende destacou que “o abaixo-assinado que pedia a restauração do primitivo altar colheu quase quatro mil assinaturas, com a condição de que fosse reproduzido o mural em outro ambiente, para que também não houvesse essa agressão a obra do frei, que era uma pessoa credenciada e respeitada por todo mundo”. O documento ficou na paróquia para que as pessoas pudessem consultar e verificar as assinaturas. Com isso, foi encerrado o processo de decisão e a retirada do mural poderia ser iniciada. Já no dia 11 de junho, mesmo sob o aviso do Conselho Regional de Cultura, o mural foi derrubado e a construção da obra com características do primitivo altar foi iniciada. Para o professor de História, Antônio Lindvaldo, com a retirada do mural se perde uma fonte histórica. “Não se tratava de uma pintura feita por um artista famoso, ele convivia com o povo daquela comunidade e, ainda, levando não só em conta a estética da obra, se consiMAIS CONTEXTO CULTURA 72

Talisson Souza

Antônio Lindvaldo, professor do Departamento de História da UFS

Natan Gonçalves, representante do Grupo Prol Mural de Porto da Folha


Talisson Souza

Igreja Matriz de Porto da Folha

derava a simbologia transmitida para aquela localidade. O mural se tratava de um registro importantíssimo não só da história local, mas também para entender a própria igreja católica em suas transformações. Se perdeu um elo com o passado. Mudando toda uma realidade, desprezando um momento histórico”.

Sergipe em virtude de seus elementos históricos e sociais. Conforme o documento, “[...] o PAINEL constitui-se em obra de arte de notável qualidade estética e representativa de determinada época ou estilo teológico vigente nas décadas de 1970 e 1980 na região do Baixo São Francisco”.

Glauber Resende, concorda que há uma perda histórica; todavia, ele questiona: “Quando foi demolido o altar primitivo não houve, também, uma perda histórica?” Para ele, o que se busca é uma reparação histórica de uma obra que foi feita em 1861, de beleza inenarrável. “As pessoas mais antigas dizem que era um altar muito belo. A gente tá fazendo um resgate histórico. Com a restauração, queremos fazer uma harmonizar daquilo que era a igreja, no seu interior e no seu exterior”, explica.

No documento ainda discorda-se, conforme Legislação Patrimonial Brasileira (Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 216) dos questionamentos apresentados pelo padre José Silvano Onofre de Amorim, Arquiteto e Urbanista, sacerdote da Diocese de Caruaru, Pernambuco, e representante da Diocese de Propriá no processo. “Ao contrário dos argumentos apresentados, a obra em questão não se restringe apenas a dimensão teológica católica contemporânea. Os aspectos técnicos ou históricos desqualificados pelo porta-voz católico são fundamentais no âmbito das discussões sobre Patrimônio Cultural Brasileiro”, e complementa: “[...] a conservação do PAINEL é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da

Mural tombado Apesar da retirada da obra, no dia 19 junho o Conselho Regional de Cultura publicou parecer favorável ao processo de tombamento do mural, considerando-o como Patrimônio Cultural de

história da Igreja Católica, quer por seu excepcional valor etnográfico e artístico, perdurando como documento da vida dos sergipanos da região do Baixo São Francisco”. Emitido o parecer de tombamento, Péricles Morais destaca que o processo agora está nas mãos do Ministério Público Estadual (MPE). “Nós tombamos o mural, considerando todos os significados histórico dele enquanto uma peça que representa uma certa concepção católica de se fazer teologia, que no caso é um mural ligado à igreja católica da década de 70, sobretudo, ligada à teologia da libertação. Então, tombamos enquanto patrimônio representativo dessa forma de se fazer religião. O Ministério Público Estadual é quem vai decidir agora. Vai analisar se há alguma responsabilização e quem será o responsável”. Com as investigações ainda em curso no MPE, a reforma do mural continua, com previsão de finalização em dezembro deste ano. Já a reforma completa da igreja está prevista para ser entregue em 2021. 73 CULTURA MAIS CONTEXTO


A BELEZA SINGULAR E SUBJETIVA DA MÚSICA Emerson Esteves | eesteves76@gmail.com

época ou região. A música é um veículo usado para expressar os sentimentos”. Ao analisar a música devemos tomar um ponto referente no espaço (um país, uma região) e uma temporalidade. Pois, manifestações culturais são passíveis de mudanças no tempo/espaço. Por exemplo, na África Subsaariana, um dos elementos principais da música é o instrumento de percussão. Trazidos pelos escravos e incorporados no Brasil. Já na África Central, a música faz parte do dia-

-a-dia, utilizada para comemorar desde nascimentos e casamentos, passando pela cura de doenças. O Oriente Médio foi o berço dos precursores dos instrumentos modernos, como o violino e o trompete. Enquanto que na Oceania, os habitantes das ilhas do pacífico possuem uma tradição musical ligada ao mar, para pedir aos deuses auxílio na navegação. Mas, ao perpassar por todas essas culturas e voltar o olhar para nosso território, seria possível refletir sobre: O que torna a música bela?

Marcus Cristhian

Ao pesquisar o termo música na internet a primeira definição encontrada é a seguinte: “Música é a combinação de ritmo, harmonia e melodia, de maneira agradável ao ouvido. No sentido amplo é a organização temporal de sons e silêncios (pausas). No sentido restrito, é a arte de coordenar e transmitir efeitos sonoros, harmoniosos e esteticamente válidos, podendo ser transmitida através da voz ou de instrumentos musicais. A música é uma manifestação artística e cultural de um povo, em determinada

A música bela é a que fala de paixões”, afirma o cantor de arrocha Luanzinho Moraes. MAIS CONTEXTO CULTURA 74


Fernanda Teles

“Tem música muito simples que chega; tem música muito pedante que não causa nada”. - Tori, 18 anos

O que torna a música bela? Para Tori, 18, cantora de pop/rock que atua no cenário alternativo de Aracaju, a música precisa de alguma forma causar para se tornar bela: “A música é bela quando comunica, quando chega, quando causa alguma coisa. E aí não tem fórmula nenhuma para isso. Tem música muito simples que chega; tem música muito pedante que não causa nada”. Provando ser uma árdua questão e de teor bastante subjetivo, Gabriel Galvão, 21, que toca na banda de música instrumental Taco de Golfe, cita o trabalho de criação como um dos fatores influentes que tornam a música bela: “Isso é algo muito pessoal e difícil de responder (risos). Algumas músicas são belas pelo sentimento envolvido na criação, algumas pelo trabalho envolvido na construção harmônica, melódica e rítmica”. Ele destaca também a musicalidade como um dos aspectos essenciais de uma boa música. “A música bela é a que fala de paixões”. Essa é a visão do cantor de arrocha Luanzinho Moraes, 19, que vem ganhando destaque dentro do estilo no Estado de Sergipe. Ele completa dizendo que as composições das letras precisam ser de fácil absorção, e a popular “música chiclete” é uma forma de ilustrar sua visão: “A letra precisa conter rimas pegajosas para cair no gosto da galera. Ou um bordão engraçado que seja fácil de cantar. E um bom arrocha precisa falar de amor! (risos)”. Essa abordagem se aproxima muito da visão mercadológica da indústria fonográfica que vigora no Brasil atualmente. O processo de composição numa canção é um dos pontos altos na música.

“A música é bela quando causa alguma coisa”, diz a cantora Tori Tanto liricamente quanto na construção instrumental. Tori, que está no ramo musical desde os seus 15 anos, revela que o processo de composição está estreitamente ligado à sua inspiração do momento. Segundo ela, é importante respeitar o momento de improdutividade, guardar todas “as coisas aleatórias” e continuar depois. “Quanto ao instrumental, eu gosto de fazer com que cada música tenha seu diferencial, tenha um elemento que outra (do álbum) não tem. Não gosto de coisas que pareçam muito óbvias, então costumo procurar um momento para encaixar algo inesperado ou minimamente estranho”. Tori completa dizendo que ao produzir uma música não se importa com sua duração, de que fique longa demais para as rádios, desde que a sua mensagem seja passada.

O fantasma do preconceito musical O preconceito é um julgamento e/ou ideia formado antecipadamente e sem fundamentação concreta. É uma opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos. O preconceito está diretamente relacionado com o conceito

de intolerância. Ramificado na nossa sociedade, o preconceito também está presente entre os gêneros musicais e seus apreciadores. Gabriel, que possui quatro anos de carreira, revela que já chegou a sofrer preconceito até mesmo entre os familiares por ter escolhido o rock instrumental. Ele enfatiza que essa visão não deveria mais existir e que a internet é uma válvula de escape para que cada um ouça o que quiser: “Eu acho que o preconceito em qualquer situação é uma coisa que não deveria existir. Musicalmente falando isso ocorre, mas com a internet, que dá acesso a uma quantidade incrível de informação, cada um pode ver e ouvir o que quer”. Tori vai mais a fundo em sua análise e cita que a indústria cultural é um agente importante nesse tabuleiro musical: “Acho que algumas coisas não são preconceitos, mas fatos que quando apontados a galera vê como defeito. A gente vive num grande mercado e, às vezes, lembrar disso é interessante, e não necessariamente uma afronta”. A sergipana também destaca a importância da internet no contexto da música

75 CULTURA MAIS CONTEXTO


Nando Moraes

comercial versus a música independente. “O mercado tem suas preferências e os músicos estão nessa luta que é viver de música. É muita renúncia e investimento e ‘é osso’ perceber que requerem uma fórmula. Ainda bem que existe a internet para fortalecer o ‘rolê’ independente”. Luanzinho encara o preconceito entre os gêneros com certa naturalidade. Ele acha que os artistas têm progredido nesse ponto em decorrência das parcerias musicais: “Eu entendo que cada cantor se identifica com um gênero, e embora exista esse preconceito de forma regional eu encaro com naturalidade. Acho que os artistas estão conseguindo diminuir essa diferença com grandes parcerias”

Importância cultural da música: música é arte! Na definição de música que se encontra no início desse texto está descrito que a música é uma manifestação artística e cultural dos sentimentos de um determinado povo. Logo, toda e qualquer música feita é relevante dentro de seu contexto de atuação. Correto? Aparentemente sim. Os três músicos refletiram de forma semelhante sobre o questionamento. “Tudo é válido, relevante e, claro, cultural. Tudo está representando e refletindo alguma coisa da cultura, independente do que seja”, afirmou Tori. “Todo estilo musical é forte. E dependendo da região, sempre tem um que prevalece. Acho que todos são muito importantes”, acentuou Luanzinho. “Quase todos os estilos musicais nascem de alguma cultura, de uma coisa que já está acontecendo. Ou, às vezes, você pega de outras culturas, acontece muito isso. Eu acho que no início a síntese do estilo, no alicerce tem sim uma grande relação com a cultura”, finalizou Gabriel.

“A música é uma coisa essencial em minha vida” Gabriel Galvão: “Algumas músicas são belas pelo sentimento envolvido na criação”

MAIS CONTEXTO CULTURA 76

O brasileiro gosta de ouvir música. O estudo divulgado pelo All About Music em 2017 mostrou que o brasileiro tem o hábito de ouvir em média mais de seis horas de música diariamente. Esse dado


Kate Salomão

tando atenção naquilo. Sempre com fone de ouvido, meu melhor amigo. Momento de apreciar música é o tempo todo em tudo que é parte”, comenta.

A peculiaridade da música

Paulo Antonio: “Cada gênero tem sua peculiaridade, não existe um denominador comum para composição” expressivo é sustentado muito em função do crescimento das plataformas móveis de streaming, como Spotify, Deezer, etc, que não limita ouvir música apenas em casa. Rebeca Nunes, 20, estudante de Jornalismo, certamente está incluída nessa estatística. Consumidora assídua de música, ela destaca o que torna a música bela em seu ponto de vista: “É a composição. Os elementos que compõem, que muitas vezes não são os que mais se sobressaem, mas que de alguma forma eu percebo. O que me faz achar a música bela é a composição instrumental dela”. Fã de rock e de MPB, Rebeca revela quais são os principais sentimentos despertados ao ouvir músicas que lhe agradam: “Desde euforia até tristeza... Não que a música me faça sentir tristeza, mas muitas vezes se eu já estiver triste e ouvir uma música específica para mim é como me afundar de vez, como lavar a alma. [...] Ela (a música) também me dá essa sensação de revigoramento, de que as coisas são muito alegres. A música é uma coisa essencial em minha vida. Seria muito difícil e triste viver sem ela”. Todo o momento é momento de ouvir música ou existe um momento determinado de apreciação? De acordo com os resultados trazidos pelo All About Music

em seu estudo, 64% dos brasileiros preferem ouvir música ao se locomoverem enquanto que 52% preferem parar e apenas ouvir música. Essas são as situações mais comuns. Rebeca corrobora com a pesquisa ao afirmar que não existe um momento determinado para ouvir música, mas sim um determinado tipo de música para cada momento: “Todo momento para mim é momento de música! Se tiver na animação, me arrumando para uma festa, boto uma musiquinha mais animada, uma playlist dos pops anos 1990/2000. Quando estou me sentindo triste, no sentido de incapaz ou alguma coisa assim, eu ouço muito Milton Nascimento e Elis Regina, porque a força que eles trazem nas músicas de certa forma chega em mim”. A estudante ainda revela um hábito que a faz emergir ainda mais na música. Ela desliga a internet e apenas presta atenção no que está sendo tocado, enquanto faz os afazeres do dia-a-dia, com auxílio dos seus fones de ouvido: “Quando eu descubro um álbum novo, um artista novo, eu vou lá salvo e baixo no Spotify, e desligo a internet para nada me entreter e vou ouvir enquanto lavo os pratos. Enquanto eu estou fazendo alguma atividade aqui em casa, que eu sei que eu vou ficar pres-

Para Paulo Antonio Santos, professor de música da Nossa Escola II, o conceito de belo da música é muito subjetivo e particular para cada indivíduo. Logo, não é possível determinar um padrão estético geral do belo na música: “Acredito que o conceito de belo é muito pessoal. Não existe um padrão de estética na arte de forma geral. Na música, por exemplo, isso é discutido por Platão, como aborda Adorno em seu artigo intitulado ‘Sobre o fetichismo na música e a regressão da audição’¸ que trata o jazz como música da cultura de massa, o que não se aplica ao Brasil, por exemplo, onde o jazz é considerado música fina e de poucos apreciadores”, destaca o professor. Paulo Antônio acentua que a noção de música erudita e vulgar ainda persiste nos dias de hoje. Porém, o professor identifica que no Brasil há uma mudança na ideia de música ‘cult’: “Penso que isso ainda existe, o que é muito triste, mas acredito que no Brasil isso está mudando. As Orquestras estão com programas especiais onde o público está tendo mais acesso e quebrando um pouco essa ideia de que o teatro é para a gente cult”. Por ter sido integrante de bandas de variados gêneros musicais como a Máquina Blues (blues), Soul Caravan (soul music) e Handsome Devils (rock), o professor de música cita que cada estilo possui a sua própria ‘forma’, não existe um padrão de composição, de musicalidade para todos: “Cada gênero tem a sua ‘forma’ alguns com padrões rítmicos comuns, outros com padrões harmônicos ou melódicos. Enfim, cada gênero tem sua peculiaridade, não existe um denominador comum para composição”. Portanto, a beleza da música é expressa na singularidade que é existe em cada gênero. Como em outras manifestações artísticas, definir o que é o belo é uma tarefa de teor subjetivo e pessoal. 77 CULTURA MAIS CONTEXTO


A SUPERFICIALIDADE DE PELES Malu Araújo | malu.ojuara.1@gmail.com

Sempre fui da opinião de que o cinema, enquanto arte, deve servir não somente para divertir o espectador, mas também para marcá-lo de alguma forma: seja emocionando, seja fazendo refletir, seja encantando... ou seja fazendo um pouco de cada (e isso podemos perceber nos melhores filmes). Então, quando assisti ao filme espanhol “Peles”, o primeiro questionamento que me fiz foi: de que forma ele irá me marcar? E cheguei à conclusão de que, mesmo sendo uma produção que traz uma discussão importante, trata-se de um filme bem esquecível. “Peles” (título original: “Pieles”) é um filme de 2017 e se trata do primeiro longa-metragem do diretor espanhol Eduardo Casanova (que assina também o roteiro da produção). O filme pode ser considerado uma “versão expandida” do curta do mesmo autor “Eat my shit” (“Coma minha merda”, em tradução livre) de 2015, que acompanha uma jovem que tem o ânus no lugar da boca. Assim, “Peles” conta a história dessa moça e de outros personagens deformados e/ou desfigurados que precisam encontrar maneiras de lidar com suas diferenças e conviver com o restante da sociedade. E, nesse cenário fantasioso, no qual as aparências parecem importar mais que a personalidade (reconhecem?), reside a principal crítica social do filme: essas pessoas diferentes acabam sendo marginalizadas e desumanizadas. No entanto, Casanova trata os seus personagens da mesma forma que critica durante todo o filme: em raros momentos vemos traços de humanidade nas histórias contadas e em várias cenas parece que a intenção é apenas chocar o espectador, o que transforma a produção em um grande circo de horrores com atrações deformadas. Essa questão é ainda mais grave quando pensamos no fato de que as condições retratadas não são apenas patologias imaginárias (a personagem da MAIS CONTEXTO CULTURA 78


“Peles” (título original: “Peles”), Espanha, 2017 Diretor e roteirista: Eduardo Casanova Fotografía: José Antonio Muñoz “Nono” Duração: 77 minutos Disponível na plataforma de streaming Netflix

atriz Ana Maria Ayala, por exemplo, tem nanismo) e essas pessoas, que passam por problemas realmente existentes no cotidiano são praticamente comparadas a aberrações durante toda a história. A falta de humanidade é reforçada ainda pelo enredo picotado em um excesso de personagens não aprofundados, que não causam identificação com quem está assistindo, mas sim pena (o que traz de volta a questão da espetacularização dessas histórias). Vale ressaltar também a falta de naturalidade com a qual o filme trata das questões de cunho sexual, pois estas são sempre trazidas como algo anormal e retratadas de uma maneira que causa estranheza - e até repulsa em alguns momentos, isso sem falar nas cenas de nudez desnecessárias e sem nenhuma intenção narrativa. Em suma, parece a todo momento que a intenção do diretor é apenas chocar, e não refletir sobre as inúmeras questões que podem ser suscitadas a partir do enredo.

Uma versão perturbadora da casa da Barbie No que diz respeito a questões de cunho técnico, “Peles” é simplesmente impecável. A câmera de José Antonio Muñoz “Nono” é de uma simetria invejável e beira à perfeição, o que traz uma reflexão sobre a simbologia da ideia do perfeito em um filme com personagens

imperfeitos. Além disso, todas as cenas são bastante harmônicas e cheias de alegorias, com predomínio de imagens estáticas e cortes rápidos, fazendo com que o trabalho fotográfico seja um dos pontos altos da produção. Ainda no aspecto visual, vale a pena também comentar a direção de arte: toda a película tem predomínio de tons de rosa bebê e lilás, que criam um ar fantasioso para o filme. Segundo a literatura cinematográfica, essas cores simbolizam inocência e ingenuidade, o que é irônico, dado o teor do filme, que é bastante sombrio. Assim, todas as cenas parecem ser ambientadas em uma versão perturbadora da casa da Barbie. Entretanto, esse contraste proposital gera uma aura interessante para o filme, que infelizmente não é contemplada pelos outros aspectos já citados.

Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça? Apesar do primor técnico e da discussão interessante, não apenas disso se faz um bom filme. Na época do Cinema Novo Brasileiro, o lema dos realizadores era “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” e, na teoria, isso seria o suficiente para produzir bons resultados. No entanto, é de conhecimento geral a importância de um bom roteiro para a produção de um filme - longe de mim

querer contestar os pensadores do Cinema Novo, até porque, apesar do lema, as produções da época tinham também um bom roteiro. Infelizmente, não podemos falar isso de “Peles”. Além de não trabalhar bem o aspecto fragmentado, ele é também repleto de alguns clichês e frases de efeito. Há diversas cenas que o famoso “show, don’t tell” (“mostre, não fale”) seria essencial para evitar esse tipo de coisa: por exemplo, durante um discurso da personagem de Candela Peña, no qual ela fala que “as peles mudam, se operam, se transformam e, por causa disso, a aparência física não é nada”. Quem vê apenas essa fala de longe, pensa que se trata da moral de uma fábula, encaixada de forma despropositada em um diálogo - sendo que, se a ideia fosse bem desenvolvida, essa mensagem poderia ficar implícita no filme. Apesar de todos esses aspectos, “Peles” não é uma perda de tempo - principalmente porque dura pouco mais de uma hora. Além disso, ele vale também pela reflexão sobre os conceitos de “beleza” e de “normalidade”, pois é interessante notar como a personalidade dos personagens põem em cheque essas questões a todo momento (apesar de nem sempre fazê-lo da melhor forma). Mas, de uma forma geral, não é um filme inesquecível e acaba marcando o espectador muito mais pelo choque do que pela qualidade.

79 CULTURA MAIS CONTEXTO


Um café e um relato sinestésico Ana Luísa Andrade | analuandrade98@gmail.com

Semana passada marquei um encontro com uma amiga em uma nova confeitaria da cidade, mas acabei “levando um bolo” em vez de comê-lo. Já estava me levantando para ir embora, quando fui abordada por uma mulher com talvez o dobro da minha idade, que se sentou à minha mesa dizendo “Menina, como você parece minha filha!” e me perguntando mil coisas sobre minha vida. Mas antes mesmo que eu pudesse responder ela já foi me contando sobre a dela. Apesar de ter sido mais um monólogo que um diálogo, acabou salvando minha tarde do tédio. Pediu um café expresso e começou: Lembro-me bem da minha infância. O que é engraçado, já que minha infância se foi há um certo tempo. Não tempo suficiente para um jovem me ceder seu assento no ônibus, mas tempo suficiente para minhas costas doerem quando me abaixo para calçar os sapatos. Meus pais tiveram oito filhos contando comigo, quatro meninas e quatros meninos. Cuidávamos uns dos outros, e minha mãe cuidava de todos ao mesmo tempo enquanto meu pai viajava pela estrada em seu caminhão. Éramos uma família muito feliz e também muito humilde. Não tínhamos carro, nem televisão, nem outros luxos que só conheci quando me tornei independente. Houve uma época em que não tínhamos nem mesmo um vaso sanitário no banheiro. Mas não pense que guardo sentimentos ruins sobre meu tempo de criança. Muito pelo contrário. Foi nele que vivi o que hoje tornou a mulher que sou. Como não tínhamos muito dinheiro, minha mãe vivia repetindo que só seríamos alguém na vida através dos estudos. Acho que levei esse conselho muito a sério, pois estudar é o que faço desde então; tomei gosto pela coisa e sou professora há mais de vinte anos. Sempre fui a melhor da turma, seja qual turma fosse, das tantas escolas em que estudei. Gostava muito de matemática MAIS CONTEXTO COMPORTAMENTO 80

e de química, mas era muito ruim em geografia, tão ruim que devo ter comprometido meu senso de localização. Até hoje me bato para saber onde estou, o que era um obstáculo no meu trajeto para a escola, pois esse era sempre a pé. Mas é claro que eu não ia correr o risco de me perder indo sozinha. Ia sempre acompanhada de algum amigo que fizesse também o papel de mapa. Hoje tenho, além dos meus amigos, outro tipo de mapa. Minhas tantas manchas sobre o rosto fazem questão de me lembrar, quando me olho no espelho, de cada rua por onde andei, de cada lugar onde o sol marcou minha pele. E apesar de morar na mesma cidade desde que nasci, continuo me perdendo mais do que deveria. Hoje em dia parece que nada permanece no mesmo lugar por mais que três, quatro meses, então fica difícil ter alguns pontos de referência. Mês passado, esta confeitaria era uma loja de moda praia, ano passado uma clínica estética, e há pelo menos uns três anos ainda era uma casa abandonada. Inclusive tenho um episódio um tanto curioso sobre essa clínica. Acredita que a recepcionista me chamou enquanto eu passava pela calçada e me ofereceu um tratamento de pele? Um tal de peeling químico. “Pi o quê?”, eu perguntei. Ela me explicou que servia para amenizar as linhas de expressão, e como boa estudiosa e curiosa que sou, entrei só para saber melhor do que se tratava. Fui recebida pela esteticista, Flávia, uma moça muito bonita e simpática que me mostrou os produtos que ela utilizava e etc. e tal. Me ofereceu também outros milhares de tratamentos para estrias, celulites, cicatrizes e varizes. Falou que eu ia ficar com a pele lisinha, que ia rejuvenescer quinze anos! “Que absurdo!”, eu pensei. Pensei alto, na verdade. Depois fiquei tão vermelha que parecia um tomate. “Um tomate enrugado!”, pensei – e dessa vez realmente apenas pensei mesmo. Mas é que me soou absurda a ideia de ser quinze anos mais jovem, depois de tudo pelo que passei nos meus quarenta e sete anos de vida.

Imagine só, me olhar no espelho e não me reconhecer, deixar para trás todos os registros da minha história. Afinal, estas rugas que tenho na testa me lembram de quando meu pai chegava de surpresa em casa após passar dois ou três meses na estrada. Nos reuníamos todos na cozinha para descobrir qual tinha sido a aventura da vez. Outras destas rugas me lembram também de quando descobri minha primeira gravidez. A situação não estava fácil. Tinha me casado havia apenas dois anos e ainda não estava dentro dos planos ter um filho. E apesar de hoje estar tudo bem, as cicatrizes da cesariana me lembram que meu mais velho me deu mais trabalho desde a hora do parto. Eu ainda não tinha plano de saúde quando engravidei, mas queria que meu filho nascesse nas melhores condições que eu pudesse dar. Quando o nascimento estava próximo, então, marquei a data do parto e contratei o plano para ser iniciado na mesma data. Acontece que o bebê resolveu que seria conveniente nascer um dia antes do planejado, e como eu não tinha como bancar uma operação particular, esperei até meia noite para que o plano de saúde liberasse os serviços. Foram horas de sufoco, mas ver o rosto do meu filho depois de tanta espera foi mais que reconfortante. Já a minha segunda gestação me rendeu todas as estrias que poderiam caber em uma barriga. Apesar de ter me dado uma única filha, não era raro ouvir coisas como “Que barrigão! São gêmeos?” E ainda bem que não foram; muitas das minhas rugas também são das broncas que tive que dar durante as fases de rebeldia na adolescência, imagine então se fossem três em vez de dois! Mas todas essas broncas os tornaram os adultos que são hoje, e eu não poderia ser mais orgulhosa. E estes pés de galinha nas laterais do meu rosto, então, me fazem voltar ainda mais atrás e não me deixam esquecer do quanto sorri ao saber que havia passado


no vestibular, e do quanto chorei durante a faculdade, e do quanto sorri e chorei quando finalmente recebi meu diploma. É claro que também devo estas olheiras roxas sob meus olhos aos meus cinco anos de graduação, além dos dois anos de mestrado, outros quatro de doutorado e por aí vai. Foram tantas noites de sono perdidas que eu não consigo nem contar. Foi muito difícil sim, mas com certeza também valeu a pena. Minha mãe estava certa sobre os estudos, afinal, pelo menos no meu caso. Até mesmo esta cicatriz no cotovelo que ganhei em um acidente de moto durante minha adolescência tem seu valor. É certo que nunca mais me atrevi a subir em uma moto, mas pelo menos posso contar e provar aos meus filhos que já fui menos medrosa do que sou hoje. Mas se eles inventam de pilotar uma moto, eu que não sou boba uso a mesma cicatriz para dizer “eu avisei”. “Pois então, Flávia”, eu disse à moça, “me desculpe, não vou querer esse tal de peeling não. Muito obrigada!” Depois fi-

quei com pena da pobre Flávia, que ficou tão constrangida com minha reação, mas hoje já consigo rir da situação. Afinal, quem nunca falou mais do que devia? Minha mãe também me ensinou a não ter papas na língua, e eu acabei aprendendo muito bem, o que me rende uns tantos momentos de estresse, seja em casa, no trabalho ou em qualquer situação do dia a dia, mas com certeza quem mais precisa aturar isso é meu marido. Casamento tem dessas mesmo, e como nós já conquistamos as bodas de prata, acho que está tudo certo. Me orgulho de dizer, entretanto, que apesar de todo o estresse meus primeiros cabelos brancos estão começando a nascer apenas por agora. Tenho muitos alunos muito mais jovens que eu que já colecionam os seus há um bom tempo. Não vou mentir que já cogitei pintá-los algumas vezes, mas outra vez minha mãe vem influenciar nas minhas decisões, só que agora indiretamente. Quando vejo seus cabelos quase brancos por completo, não consigo sentir

nada além de orgulho pelo esforço e dedicação que eles representam. Acho que ainda tenho uns bons fios de cabelo brancos e mais um tanto de rugas e manchas para ganhar pela estrada da vida. Por enquanto, vou fazendo questão de me lembrar, de contar e de me admirar com o que cada um deles significa. Ah, são tantas coisas... Olha! Finalmente meu café chegou. De expresso ele não tem nada, porque, francamente, que demora! É por isso que nenhum negócio dá certo hoje em dia. Vou fazer minha reclamação do dia e tenho certeza que daqui a um ano este lugar será uma loja de conveniência, ou um pub, ou uma loja de roupas infantis, ou talvez volte a ser uma clínica estética. E assim foi o meu encontro não planejado com uma mulher totalmente estranha, mas que de alguma forma me pareceu tão familiar… Pensando bem agora, não sou só eu que a lembrei da sua filha; ela também me lembro muito minha mãe.

81 COMPORTAMENTO MAIS CONTEXTO


Comer com os olhos A influência da gourmetização no mercado gastronômico de Aracaju

Isabelle Andrade Brito | isabelleandradebrito@hotmail.com

Abusando de neologismos, podemos dizer que “gourmetização” é o ato de tornar algo “gourmet”. “Gourmet” é um termo que significa a transformação de algo básico/simples em algo mais requintado ou melhor, por ganhar novos componentes em seu preparo, sendo estes mais nobres, ou às vezes só uma mudança de sua apresentação. O alvo central da ideia de gourmetizar algo é atrair o interesse de mais pessoas, ou renová-lo. O termo “gourmet” surgiu na França, por volta do século XVIII, e era usado para se referir a um indivíduo de paladar refinado, apreciador da boa comida e dos bons vinhos. Foi inicialmente utilizado para fazer referência ao requinte e à melhor qualidade de comida. Mas, com o passar do tempo, passou a ser usado para servir como referência para tudo aquilo que passasse por um processo de transformação cujo resultado fosse o refinamento ou a melhoria da qualidade. Gourmetizar, portanto, é transformar algo para melhor. Atualmente, pode ser considerado como gourmet qualquer produto que possua composição e apresentação diferenciada, como também um prato da alta culinária feito com ingredientes diferenciados e que possui uma apresentação elaborada. Para gourmetizar é necessário o uso de técnicas e profissionais adequados. Não basta ser um bom cozinheiro. É necessário ser profissional em gastronomia. É preciso conhecimentos para combinar as técnicas culinárias, proporcionando a exploração de todos os sentidos, na busca simultânea por cores, texturas, aromas

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e sabores. Além disso, todo o entorno deste contexto deve ser cuidadosamente planejado. O ambiente, o serviço e a gestão financeira do negócio devem estar impecáveis. O ato de comer evoluiu com o passar do tempo. Deixou de servir somente para nutrição humana. Deixou de ocorrer apenas nas residências e passou a acontecer também em estabelecimentos próprios para a feitura e venda do alimento pronto. No mundo da alimentação, “gourmetizar” significa transformar um alimento básico ou simples em algo mais requintado ou melhor por ganhar novos componentes em seu preparo, sendo estes mais nobres, ou as vezes só uma mudança na apresentação do prato, o deixando mais bonito, sempre com o intuito de atrair mais pessoas. O fenômeno da gourmetização é relativamente novo. Foi resultado fundamentalmente da ascensão econômica de parcela da sociedade. Com mais recursos, essa parcela da sociedade passou a demandar de modo mais exigente. A gourmetização passou também a ser uma forma de diferenciação, de se destacar socialmente. A importância da estética de um prato A “gourmetização” nos estimula a “comer com os olhos”. A aparência do prato passa a ter grande importância. A chamada “apresentação do prato” tem como finalidade atrair a atenção do cliente antes mesmo que ele sinta o cheiro da comida. “Comer o prato com os olhos” significa que a comida


Um dos principais atrativos das comidas “gourmetizadas” é proporcionar uma experiência nova ao cliente. As comidas gourmetizadas não serão apenas feitas com os melhores ingredientes, mas também devem fugir do tradicional, oferecendo novos sabores e combinações. Apresentação impecável: o produto, a embalagem, o local físico onde o produto será comprado ou consumido, tudo faz parte da experiência do consumidor e o ajuda a se sentir diferenciado. A “gourmetização” consiste em transformar um produto já existente e familiar ao público e modificá-lo de forma a criar uma versão requintada e diferenciada deste. Os clientes costumam estar dispostos a pagar mais pela qualidade e por novas experiências, no entanto, deve-se atentar para não aumentar o preço de forma a tornar o seu consumo inviável. Um prato esteticamente mais bonito e que aparenta ser mais “refinado” acaba por ser mais caro e isso tem sido algo frequente com o fenômeno da “gourmetização” da gastronomia. Parte do público tem certa resistência a

produtos “gourmetizados” - afinal por que pagar a mais em algo simples que se tornou luxuoso (e caro por consequência)? De fato, nem todas as tentativas de gourmetização são bem-sucedidas, e uma breve busca na internet sobre o tema deixará isso claro: muitos produtos utilizam o rótulo gourmet de forma errônea, sem reais diferenças na composição e/ou na apresentação e assim não só perdem a credibilidade como tiram a de outros produtos com o mesmo rótulo. Mas uma parte muito grande dos consumidores tem o desejo de provar coisas novas e quando um produto é fiel ao rótulo de gourmet – possuindo composição e apresentação diferenciadas – ele costuma ser muito bem-sucedido. O falso gourmet Essa estética que apetece faz com que o preço do prato seja mais caro, contudo, às vezes, o cliente não paga por nenhum componente diferente ou mais nobre, na verdade paga pela estética da comida (e algumas vezes paga tão somente por isso, pois nem o sabor agrada). A má notícia quando se fala do aumento da importância dada à estética dos pratos é que infelizmente alguns maus profissionais, no afã de conquistar novas freguesias, têm tentado a enganar. Essas novas freguesias “famintas”, não apenas por novos sabores, mas também por novas sensações, sofisticaram-se, ficando

mais exigente. Com isso, a boa notícia é que as fraudes são rapidamente desmascaradas e de pronto descartadas. A gourmetização pode e é uma forma de diferenciação de produto que funciona, desde que seja feita de forma honesta e criativa, sempre levando em conta que o consumidor irá calcular o custo-benefício de seu produto em relação à sua versão não “gourmetizadas”. Mesmo que a gourmetização seja alvo de críticas, ela abre espaço para a criatividade e o empreendedorismo, pois constantemente surgem novos nichos de mercado aguardando para serem explorados. Na cidade de Aracaju, percebemos alguns equívocos nestes conceitos e por vezes percebemos uma série de estabelecimentos gourmets encerrando suas atividades em menos de um ano de funcionamento. Isso se dá ou porque o conceito do negócio está equivocado e não apresenta de fato algo gourmet, ou pela falta de planejamento financeiro que inviabiliza a operação do estabelecimento devido a custos elevados. Com o advento dos cursos superiores de gastronomia, o mercado culinário passou por uma profunda transformação. Além do surgimento de novos restaurantes destacados pela sofisticação, há a requalificação dos tradicionais restaurantes que, impactados com a nova concorrência, tiveram que se reinventar.

Arquivo Pessoal

não dependerá apenas do olfato para despertar a vontade de comer. A visão, e em alguns casos também o tato, passa também a ter papel muito importante na arte de conquistar paladares. A “gourmetização” chama atenção pelo aguçamento dos sentidos.

Isabelle Andrade Brito é professora do curso de Gastronomia da Universidade Tiradentes

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O DESTRUTIVO PADRÃO DE BELEZA IMPOSTO PELA PUBLICIDADE Thalia Freitas

Emerson Esteves | eesteves76@gmail.com

É sabido que as campanhas publicitárias, principalmente as veiculadas na televisão, ditam o que é ou não é tendência de comportamento. A partir do momento que anuncia-se novas práticas ou maneiras de lidar com o corpo, os telespectadores sentem-se na obrigação de adotar esse padrão para se sentirem mais atraentes. Porém, a definição de belo expressa nessas campanhas está relacionada diretamente a boa forma física. Já que o ser bonito está associado com o ser magro. Assim, o discurso produzido pela publicidade nos fala que a beleza, a saúde, o vigor, a sedução e o sucesso são fatores indissociáveis. Todos nós precisamos viver com eles, de preferência com todos ao mesmo tempo. O que é propagado, então, é que o cuidado com o corpo é um fator determinante para se conseguir o bem-estar social e a felicidade consigo mesmo. Quantas pessoas acima do peso são vistas em campanhas publicitárias expressando felicidade com seus corpos? Quantas oportunidades são dadas às pessoas gordinhas, justamente por não serem consideradas “atraentes” na televisão? Ao criar constantemente necessidades para que as pessoas se enquadrem nesses padrões, a mídia, juntamente com o mercado publicitário, fomentam nesses indivíduos o narcisismo e o hedonismo. Os indivíduos constroem suas identidades e estabelecem suas relações sociais influenciadas pelo consumo de produtos vendidos na televisão. Logo, as pessoas têm comprado compulsivamente produtos fit e de beleza e investido excessivamente em seus corpos para se tornarem magras e saradas. Na verdade, esse é um preço muito alto a ser pago. Esse ciclo, que funciona quase como um looping, só favorece ao chamado “mercado brasileiro da boa forma”. Segundo dados da Associação Brasileira de Academias (ACAD), o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking MAIS CONTEXTO OPINIÃO 84

dos países que mais investem nesse ramo, sendo o maior do setor na América Latina. Com cerca de 8 milhões de alunos matriculados, esse mercado movimenta aproximadamente US$ 2,5 bilhões. Em decorrência disso, ao comparar a forma física dos seus corpos com o que estão em evidência na mídia, as pessoas reduzem a sua autoestima e são levadas a terem uma percepção negativa de si mesmas. Isso pode ser um dos motivos, inclusive, do aumento considerável na procura de procedimentos estéticos no Brasil. De acordo com uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), num comparativo entre 2014 e 2016, os procedimentos para fins reconstrutores avançaram 23%, enquanto os puramente estéticos cresceram 8% neste período. As mulheres são as que mais sofrem neste contexto. Muitas delas têm problemas de transtornos alimentares, a exemplo da anorexia nervosa (redução intensa da dieta alimentar) e da bulimia nervosa (compulsão alimentar seguida de métodos compensatórios inadequados), e encontram dificuldade de serem

aceitas socialmente devido aos padrões estéticos impostos pela sociedade. No caso dos homens, a síndrome mais comum é a vigorexia, que se caracteriza pela distorção da autoimagem. Apesar de sarados, os indivíduos vigoréxicos se consideram insatisfeitos com a suas formas físicas e buscam corpos ainda mais musculosos. A questão central deste problema é justamente a objetificação dos corpos em nossa sociedade, que dita o que é ou não é belo. Que determina que para atingir a felicidade plena precisa-se usar um 38, por exemplo. Este destrutível padrão de beleza imposto é nocivo para todos nós e precisa ser repensado. O ser magro não precisa estar atrelado com o ser bonito e socialmente aceito. A busca pela beleza genuína e singular deve ser o nosso norte. E as campanhas publicitárias devem estimular esse caminho. Logo, cabe uma mudança de postura nas produções midiáticas para que elas não reforcem no cidadão uma padronização destrutiva do corpo. Na verdade, o que devemos explorar intensivamente é a diversidade de corpos e toda a beleza que o diverso pode nos proporcionar.


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