Revista Mais Contexto - 9

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SERGIPE NO CONGRESSO

MARCAS DE EXPRESSÃO

Como votaram os deputados federais e senadores por Sergipe nos primeiros seis meses do Governo Bolsonaro

A arte da tatuagem como protagonista na quebra de preconceitos sociais

VIDAS PERDIDAS

No primeiro semestre deste ano, 56 pessoas morreram em “confronto” com a polícia em Sergipe

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Foto: Francielle Nonato


ed i torial REVISTA MAIS CONTEXTO | 9ª edição | 2019 | ORIENTAÇÃO Prof. Dr. Cristian Góes Prof. Dr. Josenildo Guerra Prof. Me. Eduardo Leite

UMA ERA NOVA, PORÉM MOFADA

PROJETO GRÁFICO E ARTE Francielle Nonato Mayze Barreto Pedro Ramos Paulo Marques REVISÃO DE TEXTO Abel Serafim Camila Gerônimo Fabricio Isabella Vieira Jaão Vitor Moura Katiane Peixoto REPORTAGEM Alisson Mota Beatrize Oliveira Brunna Barreto Bruna Martins Caroline Rosa Jaqueline Francielle Joyce Oliveira Rafaelle Silva Rivandson Teles Thiago Leão UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Univ. Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze - São Cristóvão/SE - CEP 49100-000 Contato +55 79 3194-6600 DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (DCOS) dcos.ufs@gmail.com 3194-6919 (Secretaria) 3194-6921 (Chefia)

Previsão sempre é uma espera do provável. Isso todo mundo sabe. Mas, neste ano, nem as previsões dão conta de tantos solavancos, bateção de cabeça e polêmicas em um governo iniciante. Nesse curto tempo, tudo virou névoa. A economia. A educação. A saúde. Ninguém mais sabe o que esperar. A balbúrdia. Ops. A desordem é tamanha que até os otimistas perderam a fala. De uma hora para outra. E a dor de cabeça só aumenta… Elas vão além disso. Cada vírgula desta revista é um contra-ataque. Filhos do presidente se esperneiam nas redes sociais. Alas ideológicas dentro do governo se digladiam. Filmar crianças cantando o hino nacional virou um pedido (e uma piada). Uma nova era no Brasil: meninos vestem azul e meninas vestem rosa. Fritar hambúrguer no exterior virou requisito para ser embaixador. Ministro da Educação resolve mostrar a habilidade nos passinhos, faz performance debaixo de um guarda- chuva no seu gabinete e posta no mundo da internet. Palmas.Cortes de gastos. Não, contingenciamentos.Balbúrdia é critério para limitar investimentos. Laranjais amargam o ácido mais ácido da laranja. Uns caem, outros resistem, ok?Uma lambança que se chama ‘Pátria Amada Brasil’. E um “ministro terrivelmente cristão” na lista de espera. Mas não acabou aí não. Vem aí. Não é na Globo. Uma chamada reforma administrativa das universidades federais para que elas sejam “mais independentes”. Como? Os alunos pagando parte dos seus custos. Seria uma brecha para privatização? Não seria uma novidade para um governo que se ajoelha diante da iniciativa privada. Aquela comparação entre a UFS e uma universidade particular do estado não é mera atrapalhação. Há uma trama sórdida muito mais do que sórdida no pretérito que volta ao presente no mais temeroso futuro. E o que cabe tudo isso? Talvez, a lição: o jornalismo precisa cutucar, provocar e remar contra a maré do progresso saudoso do passado maldoso e dos santos nos andores da hipocrisia. Sigamos com a aparente arma inofensiva: a palavra, como tão bem lembrou o repórter Clóvis Rossi. Na poesia. No jornalismo. Na vida. Por enquanto, tudo é névoa. Mas vai passar. Depende, agora, de você. Cidadão! Abel Serafim

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Sumário 6

cidades - catedral

Marco na história de Sergipe, Catedral de Aracaju completa 7 anos em obras

economia - vegetarianismo

cidades - refugiados

Refugiados venezuelanos buscam em Sergipe um recomeço

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Os custos e especificidades de ser vegetariano

CAPA - violência

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Números do Atlas da violência reflete questões sociais

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política - congresso Votos e posicionamentos dos representantes sergipanos

saúde - burnout

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Os impactos da Síndrome na vida de educadores da rede estadual

cultura - políticas

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As dificuldades enfrentadas pelos sergipanos na música

cultura - cordel

34

Protagonista na literatura sergipana, cordel cresce no cenário cultural


cultura - k-pop

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Febre no mundo inteiro, K-Pop imerge no cenรกrio musical da capital

cultura - tatuagem

42

Tatuagens imprimem um novo olhar sobre o humano, superando preconceitos

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texto: Joyce Oliveira

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Uma reforma sem fim… Obras da Catedral de Aracaju completam 7 anos e a promessa de término é 2022

Catedral de Aracaju: reformas já completaram sete anos

Um antigo ditado diz “o que começa errado, tende a terminar errado”, ou quem sabe, nunca terminar. A reforma da Catedral de Aracaju fez aniversário de sete anos, no último dia 14 de junho. Esse não deve ser o último aniversário dessa obra que parece não ter fim. Já estão previstos mais três anos de reforma. Talvez termine em 2022. Quem sabe? Essa é a primeira restauração da igreja que é de 1862. Todavia, ela só foi inaugurada 13 anos depois, em 1875. O atraso nas obras da catedral até parece um carma. Em meio a todo abandono do Praça Olímpio Campos, a Catedral de Aracaju ainda surge suntuosa. O desgaste presente em toda a praça parece ter adentrado as enormes portas da igreja e penetrado em seu interior. As torres, as imagens sacras, o piso, tudo estava em péssimo estado de conservação. Sua arquitetura está ligada aos elementos marcantes do neoclassicismo e do neogótico. A igreja já tinha 150 anos quando a reforma começou em junho de 2012. Nunca mesmo havia passado por nenhum a restauração. A Paróquia Nossa Senhora da Conceição foi elevada à condição de Catedral em 3 de janeiro de 1910 e tombada a nível estadual em janeiro de 1985. A obra previa a restauração de toda a cobertura, revestimento e pintura das fachadas, recuperação das instalações elétricas, substituição do piso interno, serviços de contenção contra umidade, interno e externo, restauração das esquadrias de madeira e metálicas e dos elementos arquitetônicos característicos das fachadas, revitalização dos banheiros. Além da reconstrução da parte externa e pavimentação dos arredores. Revista

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Só quem já sabe de nós aqui ou os turistas que não sabem da reforma ainda”, afirma Maria do Carmo, que há 22 anos vende artesanato na praça. “Não mudamos de ponto ainda para não perder o espaço, porque sabemos que quando a Catedral for reaberta, tudo vai voltar ao normal e aqui vai ficar mais disputado”, analisa a feirante.

Quando vai terminar?

A igreja foi construída em 1862, mas só foi inaugurada 13 anos depois

Catedral é um marco na história de Sergipe

Todo o trabalho foi dividido em 5 etapas: 1ª: Recuperação da cobertura e revisão das instalações elétricas; 2ª: Instalação do guarda corpo, restauração dos pináculos, serviço de contenção de umidade (interno e externo), restauração dos elementos arquitetônicos, e característicos das fachadas; 3ª etapa e atual: Pisos, trabalhos de acessibilidade, restauração de rebocos e pinturas artísticas das paredes do pavimento térreo; 4ª: Proteção contra incêndio; e 5ª: Finalização, pavimentação externa

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Todo o trabalho foi dividido em 5 etO orçamento geral da reforma ficou em mais de R$6 milhões, sendo que mais R$ 3,8 milhões já foram gastos. A primeira etapa da obra foi concluída sem atrapalhar as atividades paroquiais. Na segunda, com a remoção do piso, o prédio foi interditado e as celebrações transferidas para o anexo da Rádio Cultura de Sergipe, rua Propriá. A mudança para a sede temporária foi em 08/02/2018 e estava prevista para durar 221 dias. Contudo, um ano e meio depois, a Catedral continua funcionando no templo provisório. A mudança para o anexo trouxe muitos transtornos, tanto para os fiéis quanto para os comerciantes dos arredores. Segundo a Arquidiocese de Aracaju, a mudança foi necessária. “Graças ao pároco estamos conseguindo sobreviver e manter praticamente todas as atividades, na medida do possível. Mas não temos mais como alugar o espaço para eventos, casamentos e formaturas, e assim perdemos uma parcela grande da nossa receita”, explica Edmilson Brito, assessor da Arquidiocese. A queda na receita ultrapassa as portas da igreja. Os comerciantes na Praça Olímpio Campos também viram sua renda cair. Seja os donos de quiosques ou as feirantes de artesanato o discurso é unânime: a catedral em reforma chega a reduzir em quase 30% as vendas. “Aqui é uma região abandonada, as pessoas passavam por aqui pela catedral, agora não passam mais.

“A reforma da Catedral é muito complexa. O peso histórico das peças e das estruturas exige cuidado e atenção. Por isso, aliada à reforma, tem-se a restauração, fase final e de maior cuidado e de trabalho minucioso”, pontua Katarina Aragão, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em Sergipe, que assina a obra junto com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade (Sedurbs). “Estamos aguardando o piso chegar para a colocação. Em seguida partiremos para as próximas etapas da obra. A previsão de conclusão é de 2 ou 3 anos” finaliza Katarina. Com a reforma se arrastando ao longo dos anos, quem é o culpado por tanto atraso? A Arquidiocese, o IPHAN e a Sedurbs apontam dois pontos para o atraso: a complexidade das restaurações e a demora no repasse das verbas, provenientes de emendas parlamentares. Contudo, asseguram que as verbas das próximas etapas já estão encaminhadas e agora é só aguardar. Se três anos ou mais, só o tempo poderá dizer. Será que o carma da Catedral finalmente chegará ao fim em 2022?

Previsão para término das reformas é 2022


texto e fotos: Pedro Ramos

Arquitetura tem elementos do neoclassicismo e do neogótico

Um pouco de história A origem da Igreja Nossa Senhora da Conceição de Aracaju está ligada à criação da própria cidade. O então governador da província, Inácio Joaquim Barbosa, contratou o engenheiro Sebastião Basílio Pirrô para a missão de criar um plano regulador urbanístico para Aracaju. O projeto da Igreja Matriz era grandioso e foi paralisado inúmeras vezes por questões financeiras. Lembrando que estamos falando lá da criação da igreja, certo? Depois de muitas campanhas entre os fiéis e mobilização, em 1862, as obras estavam finalizadas, mas a inauguração só aconteceria em 22 de dezembro de 1875. Além dos aspectos financeiros, outros fatores influenciaram a interrupção da construção, como a morte do fundador da nova capital, Inácio Barbosa, e uma epidemia de cólera que dizimou centenas de cidadãos da época. Desde o início, a Catedral de Aracaju ganhou uma importância que ia além das crenças religiosas. Ao seu redor, desenvolve-se todo um universo social, político e comercial. A localização central foi primordial para virar um ponto de referência em Sergipe.

A praça, o parque, a catedral A Catedral está localizada na Praça Olímpio Campos, precisamente no Parque Teófilo Dantas, Centro da capital sergipana. Além da instituição religiosa, o parque abandonado engloba: o histórico restaurante Cacique Chá, vários quiosques comerciais, a feirinha de artesanato e de comidas típicas. Ainda que esteja abandonado, um olhar atento consegue perceber que o parque tem lindos detalhes arquitetônicos. Desde sua origem, ele era referência de arquitetura. Projetado e construído pelo arquiteto Corinto Mendonça, trazia em sua ideia inicial a inspiração da antiga Praça de Santa Maria de Belém, no Pará. A ornamentação do parque era caracterizada por elementos indígenas e naturais, como taba de índios, lago das ninfas, cascatas, aquários. O local, que durante muitos anos abrigou parques de diversões e até um zoológico, está completamente abandonado, fadado a ocupação marginal. Atravessar o parque, mesmo de dia e sobre as bênçãos de Nossa Senhora da Conceição é arriscado. Durante a noite, passar pela região é quase proibitivo. O local não dispõe de iluminação, nem segurança. As árvores frondosas confundem a visualização e os velhos tapumes que rodeiam a Catedral só dificultam a movimentação na praça. Revista

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Venezuela aqui! Sergipe abriga refugiados e os sonhos de uma nova vida

Para Sergipe, vieram 15 imigrantes que tiveram seus pedidos de refúgio oficialmente concedidos pelo Governo Federal Foto: Fran cielle Nonato

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inguém deixa sua família, amigos, casa, emprego, país, sonhos por um capricho ou um desejo qualquer. Guerras, fome, desemprego, perseguições de toda ordem, falta de liberdade e, principalmente de perspectivas obrigam milhões de pessoas a imigrar para terras distantes e pedir refúgio.
No mundo, a Organização das Nações Unidas

estima que cerca de 65,6 milhões de pessoas foram forçadas a sair de casa. Entre elas, estão quase 22,5 milhões de refugiados, mais da metade são menores de 18 anos. No Brasil, também chegam refugiados. Dados do Comitê Nacional para Refugiados revelam que até o final de 2017 viviam no país 10.145 refugiados. Para Sergipe, vieram 15

imigrantes que tiveram seus pedidos de refúgio oficialmente concedidos pelo Governo Federal. Um grupo de 35 refugiados venezuelanos chegou em Sergipe em janeiro deste ano e foram acolhidos pela igreja Católica. Deles, 25 estão em Aracaju e dez moram em Nossa Senhora da Glória.

Uma mãe lutando pelos seus filhos Uma mãe lutando por seus filhos Leidy del Carmen Navarro Ponce, 39 anos, refugiada, venezuelana. Apenas mais uma dos inúmeros imigrantes que tentam buscar melhores condições de vida longe do seu país. Desde que nasceu, morava em sua terra natal. Trabalhava como segurança industrial e tinha casa própria. Lá, morava com seu marido e três filhos. Com a crise econômica enfrentada na Venezuela, o emprego fixo se tornou algo distante. Cada vez mais tornou-se difícil arcar com as despesas básicas de sua família. “O

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dinheiro já não dava para comprar comida, remédios, foi então que decidi sair para trabalhar no Brasil e deixar meus filhos na Venezuela” conta Leidy. A sua primeira parada no Brasil foi na cidade de Boa Vista, em Roraima, onde ficou hospedada na casa de conhecidos. “A partir do segundo mês, tive que começar a trabalhar para pagar as despesas. Todos os dias do trabalho para casa, de casa para o trabalho”, recorda a venezuelana. Leidy lembra que dividiu um pequeno quarto com oito pessoas, onde dormiam em

colchões no chão. Faltavam panelas e todos cozinhavam em latas de azeite improvisadas.
Após trabalhar duro em Boa Vista e se estabilizar um pouco, ela retornou a seu país para buscar seus dois filhos mais novos, que estavam sem estudar e enfrentavam situações difíceis. Um dos seus momentos mais tristes,ela conta com os olhos marejados e a voz embargada: foi chegar em sua casa na Venezuela e não ser reconhecida pelo seu filho. “Quando o vi, a impressão foi horrível. Ele estava muito fraco, fraco... eu estava em sua frente, mas ele não


texto: Jaqueline Francielle

me reconhecia”, chora Leidy. Ao voltar ao Brasil, enfrentou dificuldades para conseguir novamente trabalho e afirma que se sentia menosprezada pelas pessoas por ser uma imigrante, por isso, disse que tinha um grande desejo em ir para outro estado. Com o apoio da Arquidiocese de Aracaju, ela, os filhos e outros venezuelanos chegaram a Sergipe.
 Atualmente, Leidy mora em uma casa cedida pela Arquidiocese onde não precisa pagar

aluguel. Com o dinheiro que recebe como diarista, consegue pagar as suas dívidas e ajudar o resto de seus familiares que se encontram na Venezuela. Seus dois filhos estão matriculados e estudando em escolas públicas. Um dos seus sonhos é poder retornar para sua casa. “Pretendo voltar para Venezuela, não agora, pois a situação lá está muito difícil, mas lá está minha casa, minha família, quero voltar”, disse.

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Leidy del Carmen Navarro e sua filha mais nova

Enfrentando o preconceito de ser refugiado

“Fomos tratados e vistos como lixo”. É assim que Ramon Bucarito, venezuelano que mora atualmente em Aracaju com sua esposa Reinieris Nuñes Oriana e sua filha, conta como foram os meses em Boa Vista. Na Venezuela, ele tinha casa própria, trabalhava com eletrônica e possuía um lote de terra. Reinieris cursava contabilidade, mas a forte crise econômica impediu a continuidade dos seus estudos. Pior, já não tinham condições de suprir as necessidades básicas de sobrevivência.
 Logo, a opção foi sair do seu país em busca de melhores condições no Brasil. Ramon e a sua família ficaram três meses em Boa Vista. Lá, moravam em uma praça e enfrentavam os piores dias

de sua vida. “Foram três meses de um sofrimento terrível, onde enfrentamos sede, fome, chuva nessa praça onde estávamos”, lembra Ramon. Ele conta que os moradores da cidade veem os refugiados com maus olhos e como pessoas que vieram para atrapalhar. Hoje, Ramon mora em Aracaju com sua família, afirma que foi bem acolhido, e com a ajuda da igreja, conseguiu moradia, um emprego para arcar com suas despesas e uma vaga em uma escola para sua filha. Sobre sonhos, ele não pensa duas vezes: “tenho um sentimento dentro de mim muito grande em voltar para minha casa, para Venezuela”. Já a esposa dele espera voltar a estudar para concluir o seu curso e arranjar um emprego.

Crise na Venezuela

No Brasil, o maior fluxo migratório é de venezuelanos. A grande maioria entra por Roraima, que faz fronteira com a Venezuela. Lá, o país é governado pelo presidente Nicolás Maduro e enfrenta uma grave crise política, econômica e humanitária. Também é alvo de embargos dos Estados Unidos e seus aliados. Essa situação produz uma situação de fome, desemprego e miséria. A grande falta de emprego, de recursos básicos para sobrevivência e de perspectiva de melhora, acaba levando uma grande evasão de venezuelanos para o Brasil e para outros países. No Brasil, a primeira parada é a cidade de Pacaraima, que faz fronteira terrestre com a Venezuela. Segundo dados do Governo Brasileiro, das 33.866 pessoas que solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado no Brasil, mais da metade (17.865) são venezuelanos.

Chegada dos venezuelanos em Sergipe (Foto: Ascom da Arquidiocese de Aracaju)

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De olho neles! Como votaram os deputados federais e senadores por Sergipe nos primeiros seis meses do Governo Bolsonaro

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posição atenta, mas insuficiente. Base de apoio heterogênea que se esquiva de situações polêmicas, mas que a depender da liberação de verbas, torna-se homogênea, como aconteceu na votação da reforma da Previdência. Esse é o cenário do Governo Bolsonaro. Derrotas e vitórias substanciais em temas importantes na Câmara dos Deputados e no Senado durante o primeiro semestre de 2019. Sergipe tem oito deputados federais e três senadores. Como votaram esses parlamentares nos primeiros seis meses do Governo Bolsonaro? Eles estão mais ou menos alinhados com a agenda do Palácio do Planalto? Como votaram na principal matéria do governo este ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, da reforma da Previdência? No Congresso são previstos seis tipos de voto: Sim, Não, Abstenção, Não Votou (quando presente na sessão, mas sem voto computado), Obstrução (quando uma bancada retira seus parlamentares da sessão com o objetivo de impedir a votação por falta de quórum) e Ausente na sessão. São necessários: 3/5 dos votos para aprovar Proposta de Emenda à Constituição, por exemplo, (308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores) ou metade mais um para aprovar Projetos de Lei (257 deputados e 41 senadores). Além da votação sobre a Previdência, a Mais Contexto apresenta um balanço da atuação dos deputados federais e senadores por Sergipe, apenas nas votações nominais mais importantes até o momento.

Foto: Edilson Rodrigues (Agência Senado)

Previdência Em 10 de julho foi aprovado em primeiro turno o texto-base da reforma da Previdência. Foram 379 votos favoráveis e 131 contrários. Três ausências. Os representantes de Sergipe que votaram com o governo, pelas drásticas mudanças na aposentadoria foram: Bosco Costa (PL), Fábio Mitidieri (PSD), Fabio Reis (MDB), Gustinho Ribeiro (SDD) e Laércio Oliveira (PP), todos seguindo orientação e ampla maioria dos votos de seus partidos. Contrários à reforma, os deputados

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Fábio Henrique (PDT), João Daniel (PT) e Valdevan Noventa (PSC), este último foi o único a contrariar a maioria dos votos do seu partido. O único destaque ao texto apreciado pelo plenário na noite em que foi aprovado o texto-base referia-se à tentativa de excluir professores da Reforma. Fábio Henrique, Bosco Costa, Fábio Mitidieri, João Daniel e Valdevan Noventa votaram “sim” para esse destaque na proposta. Fabio Reis, Gustinho Ribeiro e Laercio

Oliveira votaram não e defendem que professores devem estar incluídos na reforma. Faltaram 43 votos para fazer o destaque entrar no texto. Até o fechamento desta edição da Mais Contexto UFS ainda não havia acontecido a votação dos demais 16 destaques a serem apreciados, bem como a votação para o segundo turno, na qual esperava-se pouca ou nenhuma variação de votos. Após aprovação, a matéria segue para o Senado.


texto: Thiago Leão

p olític a

Senadores

No Senado, duas das três cadeiras ocupadas por sergipanos são de figuras tarimbadas da política estadual: Maria do Carmo (DEM) e Rogério Carvalho (PT). Alessandro Vieira (Cidadania), delegado da Polícia Civil, é estreante. Na maioria das votações importantes, o novato e o petista não divergem tanto. Maria do Carmo está quase sempre ausente. No plenário, Alessandro nem sempre esteve em consonância com a agenda do Governo Bolsonaro. Marcou voto favorável à fiscalização rígida contra fraudes no INSS, bem como à liberação de crédito suplementar. Porém, se absteve na votação que reduziria a idade mínima para posse de armas em propriedades nas áreas rurais e votou contrário ao governo na suspensão do chamado Decreto de Armas. Rogério Carvalho também votou favorável à suspensão do decreto presidencial que facilitava o porte de armas, mas esteve ausente na votação da redução da idade mínima para posse de armamentos em área rural. Ele divergiu de Alessandro ao votar contra o pente-fino no INSS e votou a favor de Projeto de Lei que previa punição a juízes e procuradores por abuso de autoridade, matéria em que Alessandro foi contra. Aguardando a Reforma da Previdência chegar ao Senado, Rogério Carvalho deve acompanhar o voto do seu partido e se posicionar contrário à PEC 6/2019. Maria do Carmo afirma ser favorável à reforma, mas disse que irá estudar a proposta que sairá da Câmara e analisar quais alterações são pertinentes, entre elas a inclusão de estados e municípios no texto. Quanto às ausências nas sessões deliberativas, por meio de sua assessoria, ela destacou que em junho estava afastada por razões de saúde e as demais faltas deviam-se à agenda fora do Senado, levando demandas dos municípios aos ministérios, por exemplo. Ainda no levantamento feito pela Revista Mais Contexto UFS, o senador Alessandro se posicionou favorável à Reforma da Previdência, mas discorda da forma como o governo apresentou. Ele concorda na inclusão de estados e municípios, mas é contra pontos que acabaram sendo retirados do texto na Câmara.

Foto: Arquivo Agência Brasil

Deputados Federais

Os dados oficiais revelam que os parlamentares sergipanos têm perfil político diversificado e essa diversidade se reflete nas votações em que nem sempre o bloco governista está alinhado com os anseios do Planalto. Entre a oposição também há divergências. Fábio Henrique votou alinhado com o governo e contra sua bancada em mais de uma ocasião. Uma delas foi pela abertura de capital estrangeiros em companhias aéreas. Esta última, apesar de ter sido a votação de uma Medida Provisória ainda do Governo Temer, foi considerada positiva pelo atual governo, alinhado a medidas neoliberais. A outra foi pela inserção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foi um destaque do governo à votação na Câmara da Medida Provisória 870, da reforma administrativa. O governo foi derrotado e recebeu voto contrário de deputados de sua base aliada, como Bosco Costa, Fabio

Reis, Gustinho Ribeiro e Laercio Oliveira. Uma das únicas votações que congregaram praticamente todos os deputados federais por Sergipe foi na liberação de crédito suplementar para o Governo Federal, que alegava caixa vazio para executar o orçamento. Somente Bosco Costa, ausente, não computou o voto positivo à pauta. No quesito assiduidade, apenas Fábio Henrique e João Daniel tiveram 100% de presença em sessões deliberativas. O mais faltoso foi Valdevan Noventa, que compareceu em apenas 68,3% dos dias com sessões deliberativas, com 7 faltas justificadas e 11 não justificadas. Depois dele, Laercio Oliveira, com 11 faltas não justificadas; Gustinho Ribeiro, com 3 justificadas e 8 não justificadas; Fábio Mitidieri, com 4 ausências não justificadas; Fabio Reis, com 3 justificadas e 5 não justificadas; e Bosco Costa, com 5 faltas justificadas e 2 não justificadas.

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Como eles votaram Confira o voto de cada Deputado e Senador por Sergipe nos primeiros seis meses de governo Bolsonaro

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texto e fotos: Pedro Ramos

cidades

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texto: Beatrize Oliveira

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Quem é você na fila da alface? As implicações nutricionais e o custo de uma alimentação vegetariana

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Foto: Unsplash

aúde, meio ambiente e respeito a vida dos animais. Essas são as três principais razões que motivam os adeptos da alimentação vegetariana. E o número de militantes e simpatizantes desta causa tem aumentado cada dia mais. Em 2018, de acordo com uma pesquisa da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) encomendada ao Ibope, cerca de 14% da população brasileira se declarou vegetariana, o que corresponde a cerca de 30 milhões de pessoas. Talvez, o dado mais relevante é que o número de vegetarianos tem crescido. Em 2012, era apenas 8% da população. Como no ano passado chegou a 14%, temos um aumento de 75% nos últimos seis anos. E esses números poderiam ser muito maiores. A pesquisa mostra, ainda, que 60% dos entrevistados comprariam mais produtos veganos se os preços fossem iguais ao dos produtos que estão acostumados a consumir. Apesar do crescimento do consumo de produtos vegetarianos e veganos, o Brasil continua sendo o segundo maior consumidor de carne bovina do mundo. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a expansão da agropecuária aumenta a ameaça à biodiversidade, ao acesso sustentável à água, além de elevar os gases do efeito estufa. Para reduzir esses impactos, o órgão mundial estimula a diminuição no consumo de alimentos de origem animal. Dados de 2017, revelados pela SVB, apontaram que 63% dos brasileiros querem reduzir o consumo de carne. A pesquisa também descobriu que 73% dos brasileiros se sentem mal informados sobre como a carne é produzida, e 35% tem preocupação de saúde quanto ao seu consumo de carne. Embora faça parte da cultura alimentar brasileira, viver sem consumir carne é possível e cientificamente seguro. Revista

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Cadê as proteínas? Uma das maiores preocupações na hora de retirar a carne do prato é como suprir seu valor alimentar. Segundo a nutricionista Angie Marques, especializada em alimentação vegetariana, é indicado que a transição seja conduzida por um profissional. Ele deve acompanhar os cálculos nutricionais a partir de exames bioquímicos e mostrar o que deve ser incluído no novo cardápio de acordo com as necessidades do paciente. O vegetarianismo pode ser classificado como uma dieta, pois se configura como um conjunto de alimentos que constituem um hábito

alimentar ou um modo de vida. Todavia, não tem ligação com um regime restritivo com intenção de perda ou ganho de peso, no sentido que comumente é atribuído a essa palavra. De acordo com a nutricionista, uma alimentação vegetariana deve conter o grupo das leguminosas como feijões, lentilha, ervilha e grão de bico, pois esse é o principal grupo alimentar que substitui a carne. Além de cereais como arroz, trigo e aveia, sementes e oleaginosas como castanhas e gergelim, e frutas, verduras, legumes e folhas em geral.

A gourmetização do vegetarianismo Comida vegetariana não é cara, o quanto se paga vai depender de muitos fatores. O problema é a gourmetização, que é a venda de versões refinadas de um produto tradicional, por um preço muito mais alto. Para Valter Palmieri Júnior, pesquisador em economia da Unicamp, a prática da gourmetização é uma forma simbólica de marcar diferenças sociais. É um produto mais sofisticado e somente quem tem um gosto mais refinado consegue apreciar. A partir dessa ótica entende-se que o encarecimento do vegetarianismo se dá pela visão de que esse estilo de vida só é possível para uma elite.

A autonomia na cozinha e a paz no prato Para a digital influenciar vegana Luiza Allan, é importante saber preparar sua própria comida para garantir, além da autonomia, um

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maior conhecimento dos grupos alimentares. “Quando você não depende de ninguém fica mais fácil as pessoas não ficarem reclamando da

sua alimentação, porque elas não vão precisar fazer para você, fora que você passa a ter um contato muito maior com a comida que você come”, afirma.


texto: Beatrize Oliveira

economia

No mercado Em companhia do estudante de Direito, Tarcísio Freitas, 22, que fez a transição alimentar há pouco mais de três meses, conferimos quanto custa ser vegetariano em Aracaju. Os valores abaixo são de um hipermercado da capital, onde encontramos grãos em variedade e a granel, e as quantidades são referentes ao consumo mensal. Na feira, as compras são feitas semanalmente e o gasto é em média R$ 25,00, em frutas como banana, mamão, melão e laranja; verduras e legumes como batata, cenoura, abóbora, cebola, tomate, abobrinha; e folhas de alface, rúcula, espinafre, couve, coentro e cebolinha. Apesar do pouco tempo, o estudante conta que já sentiu duas grandes mudanças: na saúde e no bolso. “A minha feira ficou muito mais barata, eu passo o mês tranquilo com R$ 200,00 ”, conta Tarcísio.

Quanto custa ser vegetariano? O preço é um fator decisivo na hora de fazer qualquer escolha e com a alimentação não seria diferente. Por isso, a questão econômica entra em pauta e muitas vezes vira empecilho para quem quer tentar uma alimentação mais saudável. Um dos argumentos mais utilizados pelos carnistas é que “ ser vegetariano é caro”. Será? A estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe, Mariel Pinheiro, 26, é vegetariana há quase dois anos. Ela conta que, com essa mudança na alimentação, passou a ter o hábito de ir à feira. “Comecei a frequentar mais a feira de rua do que de mercado. Lá nunca falta feijão, amendoim, banana, arroz e salada de folhas”, afirma a estudante. Ela e seu companheiro, também vegetariano, gastam em média R$ 80,00 por semana, sendo R$ 50,00 na feira e R$ 30,00 com itens de supermercado. Angie Marques diz que a alimentação sem carne tem como base os vegetais, cereais e frutas e, dessa forma, há de ser barato. “O pesso de industrialização é

Tipos de vegetarianismo • Ovolactovegetarianismo – utiliza ovos, leite e laticínios; • Lactovegetarianismo – utiliza leite e laticínios; • Ovovegetarianismo – utiliza ovos; • Vegano – um modo de viver que busca excluir, na medida do possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade contra os animais; • Vegetarianismo estrito – não utiliza nenhum produto de origem animal na sua alimentação.

que vem colocando, no mercado, produtos vegetarianos e, assim, torna o cardápio mais caro”, explica a nutricionista. Assim como qualquer outro modelo de alimentação, a vegetariana também possui opções de itens caros a disposição no mercado. Produtos como cogumelos e carnes vegetais possuem valor mais alto, mas são alimentos dispensáveis. “Os industrializados costumam ser mais caros porque como a demanda é menor e não tem tanta concorrência, eles colocam os preços lá em cima”, explica Luiza Allan, 22, social media e consultora vegana idealizadora do Não Como

Só Alface. A estudante Isadora Torres, 20, que é vegetariana há dois anos e vegana há seis meses, conta que compra seus alimentos em feiras de rua, supermercados e lojas de produtos naturais. Ela gasta, em média R$ 200,00 por mês. Independente da refeição, o que nunca falta no seu prato são grãos: de bico, feijão preto, feijão fradinho, ervilha e lentilha. “É uma boa fonte de proteínas e também é muito versátil, dá para fazer de várias formas, como hambúrguer, purê, pastinhas, incluir em saladas frias e comer cozido”, afirma Isadora. Revista

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texto: Caroline Rosa

saúde

“Hoje, eu odeio ensinar” Nos seis primeiros meses de 2019, quase 300 professores da rede estadual em Sergipe já foram afastados por doenças que indicam a Síndrome de Burnout

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stresse, sobrecarga de trabalho, esgotamento físico e mental, frustração, vontade de sumir e até suicídio. É o fim! Viver se transformou em um inferno. Nessas condições, estão os profissionais acometidos pela Síndrome de Burnout, uma doença do mundo do trabalho. As causas são processos rotineiros de assédios, superexploração, cobranças desmedidas, baixos salários, péssimas condições de trabalho e falta de perspectivas. Dados da Secretaria de Administração do Governo de Sergipe revelam que nos primeiros seis meses deste ano, 292 professores foram afastados das escolas estaduais por conta de doenças diretamente ligadas à Síndrome de Burnout. Hoje, são 63 professores com licença médica, sendo dez por estresse grave e transtorno de adaptação, outros 22 profissionais afastados por depressão e mais 31 por transtorno de pânico. Desse total, 99% dos professores são da educação básica.

Fonte: Gerd Altmann por Pixabay Revista

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Uma pesquisa da International Stress Management Association/Brasil revela que cerca de 30% dos profissionais brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout (www.ismabrasil.com. br/). Dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação denunciam que, no Brasil, essa síndrome é a terceira maior causa de afastamento de professores das salas de aula. Maria Goretti Fernandes, professora da área da Saúde na Universidade Federal de Sergipe (UFS), lembra que, em 2006, reconheceu-se atingida pela síndrome. Com três trabalhos no setor privado, ela começava sua jornada de

trabalho às 5 horas e só encerrava por volta da meia noite. Essa rotina levou Goretti a desenvolver um estresse crônico. O curioso é que essa professora trabalhava, desde 2002, com saúde do trabalhador. “Tive depressão intensa e transtorno de ansiedade. No período de crise, no nível mais alto da síndrome, não tenho vontade de sair, ir ao cinema. Não consigo entrar na sala de aula. Não consigo ser eu mesma”, disse Goretti. Em 2018, ela ficou afastada seis meses, em licença médica, para realizar um tratamento que segue, mesmo depois de voltar ao trabalho.

Suicídios Nem sempre os profissionais conseguem superar os efeitos da Síndrome de Burnout. São vários os casos de suicídios de profissionais da saúde e da educação em que os relatos apontam para um violento caso de estresse. Em março deste ano, um médico em Aracaju, que trabalhava no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, teria cometido suicídio dentro do seu veículo. Há também casos envolvendo enfermeiras e auxiliares de enfermagem. Um dos suicídios mais conhecidos em Sergipe foi o da professora da rede estadual Jucélia Almeida que, em 2016, depois de desenvolver um quadro depressivo e problemas cardíacos após

o bloqueio de seu salário, cometeu suicídio. Em razão de suas cobranças para restabelecer a sua remuneração, ela passou a sofrer assédio moral. A professora deixou uma carta em que denunciava o descaso, as pressões, o estresse, a depressão e a negligência. O psiquiatra Antônio Aragão diz que a Síndrome de Burnout se refere a uma exaustão prolongada e relacionada com a atividade ou ambiente profissional. Os sintomas mais recorrentes são: o cansaço extremo, tristeza, alterações no sono, dores no corpo e de cabeça, irritabilidade, falta de paciência, alterações da memória, dificuldades nos relacionamentos pessoais e o desinteresse pelo trabalho. “É preciso

perceber e buscar ajuda o quanto antes”, alerta o médico. Aragão informa que, em tese, qualquer profissional pode apresentar essa síndrome, mas ela acomete com mais frequência trabalhadores que têm relação direta e significativa na vida das outras pessoas como, médicos, enfermeiros, professores, bombeiros, etc. “Aquele que vive para o trabalho e possui níveis de exigência muito altos está mais propenso a desenvolver o Burnout”, afirmou o médico. A Organização Mundial da Saúde reconhece que essa síndrome é uma doença ocupacional, e que seu tratamento começa com o afastamento da atividade exercida.

sintomas da Síndrome de Burnout ainda são muito subjugados, pois, o professor tenta se afastar, mas tem o pedido rejeitado pela perícia. Essa situação leva os advogados a entrar com ação judicial para que seja feito o encaminhamento para o tratamento necessário. “Nós reivindicamos que o Estado garanta o tratamento desses professores”, reforça Leila.

Ana Acácia Cardoso, professora da rede pública em Aracaju, depois de 23 anos de ensino, está hoje afastada de sala de aula. Foi diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada e Síndrome do Pânico. Em 2017, Ana teve uma de suas piores crises. Ela desenvolveu horror à sala de aula. Esgotada, passou a ter medo de ir a escola e foi remanejada para equipe pedagógica. “Hoje, eu odeio ensinar. Já desisti de vencer isso, já são dez anos de terapia”, desabafa Ana. Ao longo do tempo, a professora teve alguns pedidos de licença negados pela perícia. “ Existem muitas interpretações dos médicos. Na perícia, eu não me lembro se fui atendida por um psicólogo, eram apenas médicos clínicos”, disse Ana Acácia.

Afastamento A professora Leila Moraes, diretora do Sindicato dos Professores da Redes Estadual e Municipal de Sergipe, mostra que a maior parte dos afastamentos dos docentes na Perícia Médica não é mais por problema ortopédicos, como ocorria alguns anos atrás. “Hoje, a maioria dos casos são relacionados a síndrome do pânico e a depressão”, disse. Para Leila, existem vários fatores para o aumento dos afastamento, como a desvalorização profissional, a dificuldade do trabalho, a falta de incentivo a formação do professor, escolas insalubres, superlotação das salas de aula e a “industrialização do ensino”, a exemplo da pressão pelo Exame Nacional do Ensino Médio. A diretora do sindicato avalia que os

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CARTILHA

texto e fotos: Pedro Ramos

F I Q U E A L E R TA PA R A O S S I N TO M A S : • • • • • • • • • • • • • • • •

cidades

Cansaço excessivo, físico e mental; Dor de cabeça frequente; Alterações no apetite; Insônia; Dificuldades de concentração; Sentimentos de fracasso e insegurança; Negatividade constante; Sentimentos de derrota e desesperança; Sentimentos de incompetência; Alterações repentinas de humor; Isolamento; Fadiga; Pressão alta; Dores musculares; Problemas gastrointestinais; Alteração nos batimentos cardíacos.

• Diminua seu nível de estresse; • Controle o uso das redes sociais; faça pausas durante o trabalho para tomar um café, água, ir ao banheiro ou falar brevemente com alguém. • Durma bem, de 6 a 8 horas por noite • Busque fazer refeições saudáveis • Pratique atividade física • Cultive boas amizades e laços familiares • Faça atividades de lazer regularmente

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texto: Rafaelle Silva

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Mortos pela polícia

Sergipe registrou 56 homicídios contra “suspeitos” de crimes no primeiro semestre de 2019. Todas essas mortes ocorreram em “confronto” com a polícia

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O Atlas da Violência 2019 denuncia que a grande maioria dos homicídios é de homens, negros e jovens. Fotos: Francielle Nonato

inal da noite de segunda-feira, 22 de maio de 2019. Alguns policiais militares de Sergipe realizavam uma operação no bairro Coroa do Meio, em Aracaju. Ao tentarem fugir, suspeitos de crimes teriam atirado nos militares. Saldo informado pela polícia: dois irmãos mortos, duas armas apreendidas, um foragido. Quinta-feira, 30 de maio de 2019, policiais civis, com apoio de militares, foram até a cidade de Poço Verde, no agreste sergipano. O objetivo era o combate ao tráfico de drogas. Eles entraram em uma casa e, “em confronto” com os policiais, três suspeitos foram mortos. Esses casos foram noticiados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), e não são os únicos. Somente nos primeiros seis meses de 2019, Sergipe registrou 56 mortes de pessoas “suspeitas” de algum tipo de crime. Todas foram mortas em “confronto com a polícia”, segundo a própria polícia. Esse dado oficial revela que a cada mês dez vidas, em média, são perdidas em razão da ação direta das forças de segurança do Estado. Em 2018, os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelaram que Sergipe registrou 144 homicídios de pessoas em “confronto com a polícia”. No ano passado, a média da taxa de morte de pessoas por policiais civis e militares no Brasil ficou em 3,0 para cada 100 mil habitantes. Em Sergipe, essa taxa foi de 6,3, isto é, mais que o dobro. E não é apenas isso. Essas mortes têm recortes de gênero, raça e idade. O Atlas da Violência 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), denuncia que a grande maioria dos homicídios é de homens, negros e jovens (entre 15 e 29 anos). Revista

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Três dados importantes. Apesar de todas essas mortes ocorrerem em “confronto” com as forças de segurança, não há registro oficial de óbito de policiais nessas operações. Não deveria ter de ninguém. Outro fato é que os números de letalidade policial podem ser maiores. Há homicídios que não se tem a informação ainda confirmada da participação das forças oficiais. Terceiro ponto: pouco se tem conhecimento sobre as investigações das mortes de “suspeitos” de crime registradas em abordagens policiais. Na região metropolitana de Aracaju, a responsabilidade pela apuração é do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil. No interior, as investigações cabem às próprias unidades policiais.

Beto, Alex, Clautênis...

Em 2018, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Sergipe registou 144 homicídios de pessoas em “confronto com a polícia”

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Negro, 27 anos, pedreiro, casado, pai de três filhas e morador da Coroa do Meio. Roberto Rodrigues foi morto com cinco tiros em “confronto” com a polícia. Depois de 12 anos, a família dele não esquece. José Rodrigues disse que o tio não tinha passagem pela polícia e ninguém sabia de algum crime atribuído a ele. Após assaltar um supermercado, Roberto rendeu os seguranças do local e foi alvejado com cinco tiros por policiais. “Ele era uma pessoa muito querida, uma pessoa especial. Apesar desse erro dele, nós víamos que não era necessário isso”, disse Rodrigues. Alexsandro Panta de Jesus Santos também 27 anos, negro, pai de um menino de 6 anos, morador do bairro São Conrado, em Aracaju. Ele foi dependente químico por muitos anos e, no começo deste ano, foi morto. Quando Alex esteve preso, a sua mãe, Maria Lurdes, esteve com ele. “Eu levei o menino para ele ver. Naquele momento ele disse ‘mãe, enquanto eu tiver vida, não coloco mais crack na boca’”, conta Maria. Após a saída da prisão, Alex procurou uma vida diferente, buscou emprego, esforçou-se para ser um pai presente. Permaneceu longe das drogas por quase um ano. Em março deste ano, em uma lanchonete, Alex foi acusado de crimes, que segundo sua mãe, não cometeu e foi morto com mais de 10 tiros. Maria conta em lágrimas que viu o filho no chão e que o neto de 6 anos estava junto. O menino chora até hoje. “Ele não era violento, ele respeitava todo mundo


texto: Rafaelle Silva

aqui, ele só tinha o vício de ser o que ele era”, diz a mãe. O designer de Interiores, Clautênis José dos Santos, 37, anos, negro, que foi morto em uma operação da Polícia Civil em 8 de abril deste ano. O crime ocorreu dentro de um carro de aplicativo na ponte que liga o bairro Santos Dumont ao conjunto Bugio, em Aracaju. Não houve confronto nem troca de tiros. Clautênis também não tinha nenhum envolvimento criminal nem passagem pela polícia. A própria Secretaria de Segurança Pública apurou o caso e concluiu que Clautênis foi morto por um policial civil que se desequilibrou, caiu e atirou contra a vítima que estava dentro do carro. Apenas um policial foi indiciado e por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A família do designer não aceita essa versão e deve recorrer para que o caso seja enquadrado como homicídio doloso, quando há intenção de matar.

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Número de homicídio de jovens homens na faixa etária de 15 - 29 anos de idade, por UF (2007-2017) 300

250 200

Brasil Sergipe

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Taxa de homícidios de homens negros por 100 mil por UF (2007-2017) 80

70 60 50 40

Brasil

30

Sergipe

20 10 0

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Ano

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Roberto Rodrigues foi morto com cinco tiros em “confronto” com a polícia

Atlas 2019 mostra que Sergipe é um dos primeiros no ranking de violência O Atlas da Violência 2019 mostra que Sergipe é o 5º estado que mais mata homens jovens (entre 15 e 29 anos) por 100 mil habitantes no Brasil. Somente em 2017 foram 728 mortes de jovens. Em dez anos (2007 - 2017), o aumento de homicídios de homens jovem em Sergipe foi de 158,2%. Sergipe está em 4º lugar no aumento de homicídios e de violência contra negros no país. O ranking mostra que, em todos os anos pesquisados (2007 a 2017), o menor estado da federação tem taxa de mortes violentas acima da

taxa nacional. Nos últimos anos desse levantamento, o índice de Sergipe tem sido o dobro da média brasileira. A disparidade entre a morte de negros e de não negros também é alta em Sergipe. No estado, um negro tem 4,3% mais chance de morrer do que um não negro. Os dados de 2017 mostram que dos 1.236 homens mortos no estado 1.168 eram negros e apenas 68 eram não negros. Segundo o professor da Universidade Federal de Sergipe e representante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros,

Robson Anselmo, o diálogo entre juventude e violência é muito extenso e já é visto por diversas organizações e entidades dentro e fora do Brasil. “No ano de 2017, foram assassinadas quase 63 mil pessoas no país e esses são os dados que quase sempre não comovem as pessoas, não chamam atenção, não indignam, mas por que esses dados não indignam? A gente vai ver que 71% das pessoas que são mortas no Brasil são pessoas negras”, afirma Anselmo.

Secretaria de Segurança Pública e Ministério Público Secretaria de Segurança Pública O diretor da Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal da SSP, escrivão da Polícia Civil, Sidney Santos Teles, informa que os inquéritos que apuram as mortes em confronto servem para avaliar se realmente houve o confronto. “Nós temos um setor que trabalha com a prevenção, eles pegam as áreas em que existe maior número de homicídios, vão até as escolas e trabalham a prevenção nos jovens para diminuir os índices de criminalidade nessa faixa etária”, afirma Teles. O coordenador explica ainda que a norma policial prevê que o confronto deve ser feito apenas em caso de defesa, mas não existe nenhuma formação

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voltada ao policial para caso de confronto. “A primeira ação do policial sempre vai ser a prevenção, o combate e a prisão, caso haja uma reação adversa, haverá um confronto”, esclarece o policial. O Ministério Público do Estado de Sergipe tem uma Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial. O promotor de Justiça, Deijaniro Jonas Filho, informa que o MP fiscaliza se os inquéritos policiais estão corretos e/ou vai atuar em casos de denúncia. “Uma vez recebido esse inquérito policial, caso se entenda que existem elementos para denunciar, faz-se a denúncia. Caso entender que existem elementos para o

arquivamento é arquivado. Se entender que o inquérito está incompleto, requisita novas providências”, narra o promotor. Questionado sobre a isenção policial nos casos, ele explica que o MP não tem estrutura para fazer essas investigações. “Morre uma pessoa por um agente policial, quem tem que fazer a perícia é o Instituto Médico Legal, ligado à Secretaria de Segurança Pública. Se por acaso nós desconfiamos disso, nós temos como fazer? Ou vamos enviar para outro estado para fazer essa perícia? A gente tem que partir do princípio que o estado funciona como um todo”, justifica o promotor.


texto: Rafaelle Silva

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Rio Grande do Norte Ceará

Rio Grande do Norte

Brasil: taxa de homicídios homens jovens por grupo de 100 mil, por UF (2017)

Pernambuco

Ceará

Alagoas

Pernambuco

Sergipe

Alagoas

Acre

Sergipe

Bahia

Acre

Pará

Bahia Pará

Amapá

Amapá

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

Goiás

Goiás

Espiríto Santo

Espiríto Santo

Amazonas

Amazonas

Paraíba

Paraíba

Tocantins

Tocantins

Brasil

Brasil

Rio Grande do Sul

Rio Grande do Sul

Maranhão

Maranhão

Roraima

Roraima

Mato Grosso

Mato Grosso

Paraná

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Rondônia

Minas Gerais

Minas Gerais

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Distrito Federal

Piauí

Piauí

Mato Grosso do Sul

Mato Grosso do Sul

Santa Catarina

Santa Catarina

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Homicídios de homens por faixa etária

Homens jovens Outras faixas

Homicídios de homens por raça

Homens negros Homens não negros

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Lista de vidas perdidas Dos 56 mortos em “confronto” com as polícias no primeiro semestre de 2019, somente 30 foram noticiados pela SSP/SE. Essas informações foram divulgadas no site da SSP/SE. Alguns têm nome completo e idade. Outros só têm um nome, outro sem idade e muitos sem nome (+) e nem idade.

24/01/2019 Tobias Barreto

24/01/2019 Tobias Barreto

José Márcio 16/01/2019 Conjunto Albano Franco

José Islan de Jesus Leal 30/05/2019 Poço Verde 09/04/2019 Pedrinhas (Itabaiana)

03/04/2019 Lagarto

Robson Santos Silva 20/02/2019 Maruim

24/01/2019 Tobias Barreto

12/03/2019 Laranjeiras (Pau de Ferro)

“Henrique” 25/02/2019 Capucho - Aracaju

17 anos 31/01/2019 Laranjeiras

12/03/2019 Laranjeiras (Pau de Ferro)

“Eric” 12/03/2019 Maruim

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Wladson Ytalo G. d 19 anos 20/03/20 Nossa Senhora d

31/01/2019 Laranjeiras

03/04/2019 Lagarto

“Daniel” 13/03/2019 Bugio Aracaju

Ma


texto e fotos: Pedro Ramos

cidades

30/05/2019 Poço Verde

29/05/2019 Propriá

Maike Alves Limas 09/04/2019 Pedrinhas (Itabaiana)

Emanoel da Silva Cabelo 30/05/2019 Poço Verde

22/05/2019 Coroa do Meio - Aracaju

08/05/2019 18 do Forte - Aracaju

Gleidson dos Santos Silva 29 anos 03/04/2019 Lagarto

dos Santos s 019 do Socorro

Adiel Cardoso dos Santos 30 anos 03/04/2019 Lagarto

arcos André Santos Lima 20/03/2019 Sta. Rosa de Lima

22/05/2019 Coroa do Meio - Aracaju

Cleido de Jesus Evangelista 03/04/2019 Lagarto Revista

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Liberta-nos, cacique Serigy! Por que o cenário musical sergipano não consegue se consolidar?

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inda quando o Brasil começava a se estabelecer como colônia de Portugal, lá pelo século XVI, os europeus já avançavam sobre o território que hoje corresponde ao estado de Sergipe. Reza a lenda que, ao ser capturado após um massacre de sua tribo, o principal líder indígena dessa região, o cacique Serigy, teria rogado uma praga àquelas terras que foram usurpadas do seu povo: a terra não teria dono e nada que se fizesse por lá daria certo. Passados quase cinco séculos desde a “maldição” do cacique Serigy, a lenda já foi utilizada como metáfora, e às vezes como justificativa, para o malgrado dos sergipanos em engrenar projetos nas mais diversas áreas. Do futebol à economia, a sensação é de um “não dar certo”. O cinema sergipano produziu uma curta-metragem, “A eterna maldição do cacique serigy” (2009), que traz uma releitura da lenda do líder indígena. Por coincidência ou não, pouca gente sabe desse filme. No cenário musical sergipano então, sobretudo no independente, a lenda já

foi citada inúmeras vezes. A razão do insucesso, contudo, está muito mais próxima e palpável do que a lenda sugere. Sergipe já teve e ainda tem representantes importantes no cenário musical brasileiro. Nomes como Rogério e a banda The Baggios conseguiram disseminar sua palavra por diversos cantos. Entretanto, produzir música na terra do cacique Serigy não anda nada bem, principalmente para quem se atreve a trilhar um caminho de independência. A constatação entre os músicos é quase unânime: falta lugar pra tocar, gente pra ouvir, dinheiro pra gravar. Sobra dor-de-cabeça pra quem tenta movimentar a cena musical em Sergipe. As grandes questões são: se existem tantos talentos e bons projetos musicais, por que não há sustentabilidade? Por que é tão difícil ter um projeto musical? Por que as tantas iniciativas para fortalecer a cena, como os festivais, não se sustentam?

Iniciar e manter o projeto musical “A banda é de certa forma uma empresa, tem que encarar como algo sério, que você vai investir e lucrar, mesmo que seja pouco”. As palavras são de Julio Andrade, guitarrista e vocalista da banda sergipana The Baggios. Essa postura é comum no cenário independente frente às dificuldades de financiamento e estrutura, e reforçam a visão do empreendedorismo na música. Por muitas vezes, os músicos precisam assumir várias funções além de tocar e compor, como tarefas de produção cultural e de comunicação social. Essa realidade representa também uma precarização do trabalho de músico. Para Allan Jonnes, vocalista da banda Madame Javali, formada em

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2016, é difícil conseguir fazer a banda ser ouvida quando não tem dinheiro. “Existe uma armadilha de achar que as coisas estão mais fáceis por causa da internet, mas existe um fluxo de informação muito grande, o que provoca um afunilamento pelo poder financeiro”, analisa o músico. Jonnes reforça a importância de eventos e festivais nos quais a banda possa se apresentar. “Eu acho que a gente tem que tocar. Ir para Alagoas, Tobias Barreto, Lagarto, temos que ir pra onde for pra tocar”, afirma. “A gente tem que formar nosso público indo atrás das pessoas e tocando nos lugares. Não dá pra depender só da internet”, finaliza.

Integrantes da Madame Javali (Foto: Blenda Santos)


texto: Alisson Mota

c ult ura

Políticas de fomento para a produção musical Há uma carência de políticas de fomento ao mercado musical, especialmente do setor público. Festivais, como o Verão Sergipe, Projeto Verão e Rock Sertão, que já cumpriam papéis estratégicos na disseminação e financiamento das bandas foram descontinuados pelos governos. A justificativa é sempre da falta de recursos. Em 2008, a The Baggios começava a tocar nesses festivais, recebendo melhores cachês, sendo o ponto de partida da organização financeira da banda. “Ali eu me dei conta de que a gente ia precisar de grana pra poder gravar um disco, comprar equipamento e tal. Daí a gente sempre deixou uma grana no caixa da banda. Turnês, videoclipes são sempre financiados com esse dinheiro”, conta Julio Andrade. Sergipe também é carente de festivais competitivos, aqueles com premiações em dinheiro que ajudam os músicos a gravar canções e excursionar. O último deles, realizado com recursos públicos, foi o III Festival “Um Banquinho, Uma Canção”, finalizado no início de 2018. A extinção da Secretaria do Estado de Cultura deixa a situação mais delicada, tanto do ponto de vista organizacional, quanto dos recursos destinados à cultura. A Secult passou por uma fusão com a Fundação Aperipê, formando a Fundação de Arte e Cultura Aperipê (Funcap). Outras medidas, como a venda de espaços publicitários na Televisão e Rádio Aperipê, têm sido adotadas devido aos problemas financeiros do estado. A Orquestra Sinfônica do Estado de Sergipe (Orsse), por exemplo, passou a realizar apresentações com bilheteria, quando até pouco tempo atrás eram gratuitas. “A ideia é que esses recursos sejam revertidos para a própria Orsse, além de apoiar projetos de intercâmbio, para que artistas sergipanos possam ir a outros países”, conta a diretora-presidente da Funcap, Conceição Vieira. Em Sergipe, a produção da maior parte dos festivais e mostras fica por conta da iniciativa privada, através do terceiro setor. Exemplo disso é a realização do Sescanção e da Aldeia Sesc de Artes, promovidos anualmente pelo Serviço Social do Comércio (Sesc). O Sescanção premia em dinheiro os vencedores. A Aldeia Sesc de Artes é um

festival descentralizado e gratuito, que garante estrutura e cachê aos músicos. Essa perspectiva reforça o que já tem acontecido em outros estados, onde empresas assumem papel de mecenas, muito por conta das políticas de renúncia fiscal como as propostas na Lei Rouanet. No cenário independente, a empresa de cosméticos Natura publica editais para gravação de discos através de um selo próprio, o Natura

Uso correto dos equipamentos individuais de proteção reduz danos nos acidentes no trânsito (Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Musical. Bandas sergipanas como a The Baggios e a Coutto Orchestra já foram contempladas com essa iniciativa. Esses editais ajudam a financiar festivais de música independente no Pará, Bahia, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro. Dessa forma, os artistas selecionados pelo Natura Musical, além de conseguirem recursos para gravação dos trabalhos, entram no circuito dos festivais do selo.

Cidade Dormitório no Fasc. (Foto : Felipe Goettenauer )

Festivais, comunicação e formação de público A iniciativa da Prefeitura de São Cristóvão de retomar a realização do Festival de Artes de São Cristóvão (Fasc) em 2017 representou um suspiro na promoção cultural em Sergipe. O Fasc tem um papel importante por ser uma grande vitrine, colocando novos músicos locais ao lado de grandes artistas nacionais, conferindo experiência de palco, melhorando o currículo das bandas e garantindo um cachê, mesmo que pago com atraso, uma prática recorrente nos eventos públicos em Sergipe. A banda Cidade Dormitório, por exemplo, dividiu o palco com artistas de renome como Chico César e BaianaSystem, além da própria The Baggios. Outro exemplo de evento que pode ser importante para o cenário independente é o Festival Daqui, realizado em 13 de julho. O festival é privado, sendo idealizado pelo grupo Blend, que tem restaurantes e hamburguerias em Aracaju e já tem tradição na produção de eventos musicais. Sergipe já teve experiências

como essa recentemente, com o Festival Zons. Uma iniciativa promovida pela Funcap é a restauração e reativação do espaço do Gonzagão, um dos mais importantes aparelhos culturais do estado. “Ainda em julho reabriremos o Gonzagão semanalmente para os músicos de Sergipe, que poderão dividir a bilheteria entre os artistas que se apresentarem em cada dia”, afirma Conceição Vieira. Diante da quantidade de talentos no estado, fica claro que urge estruturar a cena, tendo pessoas envolvidas na comunicação e na produção de eventos. Hoje existe o gargalo financeiro, que é muito cruel com os artistas que começam a carreira. O apoio do Estado junto à iniciativa empreendedora dos artistas rende ótimos frutos para a cena cultural e isso se verifica nas poucas oportunidades em que isso aconteceu. Não há lenda, cacique, ou qualquer força sobrenatural que impeça que as boas experiências voltem a acontecer e sejam consolidadas.

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texto: Bruna Barreto

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Sergipe em versos de cordel Essa literatura popular cresce, conta a história dos sergipanos e já tem até uma academia A palavra para ser declamada E chamar a sua atenção Não precisa ser enfeitada Custa somente um tostão Em um livrinho colorido Com uma bonita ilustração Pendurado num cordel comprido Não tem mistério, não Você tira o chapéu E ela amarra o coração.

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ão tinha outra forma de começar essa reportagem. Os versos improvisados fazem lembrar a Literatura de Cordel. Essa arte popular tem tomado conta da cena cultural de Sergipe com muita força nos últimos anos. Os livrinhos em cordel podem ser vistos em vários cantos. Está nas feiras, no mercado, em escolas, nos hotéis, em centros de turismo, nos museus, em bibliotecas, nas praças. A Biblioteca Clodomir Silva, no bairro Siqueira Campos, em Aracaju, possui uma sala exclusiva para essa literatura e conta com acervo de aproximadamente 700 cordéis. Foi a primeira biblioteca do país a ter uma sala implantada com o gênero. No Museu da Gente Sergipana, o cordel também tem seu espaço. A força dessa literatura é tanta em Sergipe que em 19 de julho 2017 foi criada a Academia de Cordel de Sergipe, com 37 cadeiras de imortais dessa arte. Essa associação tem como patrono o itabaianense João Firmino Cabral, uma das grandes referências do cordel em Sergipe e no Brasil.

Os livrinhos coloridos de cordéis apresentam uma variedade de cores e linguagens (Foto: Bruna Barreto)

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Filho do poeta João Firmino, Joelson Cabral, em sua banca fixa próxima a passarela das flores, no Mercado Antônio Franco (Foto: Bruna Barreto)

Dia Estadual da Literatura de Cordel rememora trajetória do cordelista João Firmino É impossível falar sobre cordel sem se referir ao poeta João Firmino. Ele aprendeu a ler com os cordéis que comprava na feira. Foi paixão à primeira vista. João Firmino escreveu seu primeiro folheto aos 17 anos. A estória trata de uma profecia de Padre Cícero. Desde então, não parou mais de escrever. Esse cordelista recebeu vários prêmios, um deles a medalha de Mérito Cultural de Serigy, em 2002. Essa literatura é tão levada a sério em Sergipe, que a capital já tem o Dia Municipal do Cordel, lembrado em 19 de julho. A Assembleia Legislativa de Sergipe também deve aprovar o Projeto de Lei nº 104/2019, de autoria do deputado estadual Iran Barbosa (PT), que institui o Dia Estadual da Literatura de Cordel, também a ser comemorado em 19 de julho. Esta data é muito marcante para a história

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do Cordel em Sergipe porque foi em 19 de julho de 2008 que o poeta João Firmino tomou posse na Academia Brasileira de Literatura de Cordel. A acadêmica e presidenta da Academia de Cordel de Sergipe, Isabel Nascimento, filha do também cordelista Pedro Amaro Nascimento, mexe com a literatura de cordel desde sua infância. Ela ouvia as declamações poéticas de seu pai. Também ficava horas vendo Pedro escrever os versos. Não demorou, Isabel também começou a escrever, saindo os seus primeiros versos aos sete anos de idade. A presidenta da academia sempre recorrer às questões sociais em seus cordéis, propondo reflexões. Hoje, não se tem um número preciso de cordelistas no estado. Também não há um cálculo sobre a quantidade de edições de livrinhos de cordel circulando em Sergipe e no

Brasil. O poeta João Firmino viveu exclusivamente da literatura de cordel com uma banca fixa próxima a passarela das flores, no Mercado Antônio Franco. Após a morte do poeta em 2013, a banca está sendo administrada por seu filho Joelson Cabral, 44 anos. Ele não escreve cordel. Cuida só de vender, uma média de 90 livros por dia. “O cordel é tudo pra mim, pois é de onde tiro meu sustento e de onde meu pai também tirou.” Sintía Ferreira dos Santos é uma compradora fiel de cordel. Uma vez por semana vai até a banca e leva sempre uma novidade para seu filho de 12 anos. “Minha mãe junto com minha tia liam cordéis pra mim na infância e hoje faço isso com meu filho. Quando leio junto com ele vem logo a memória da minha infância”, conta Sintía.


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Produção cordelista Ronaldo Dória Dantas, acadêmico da cadeira de número cinco, já publicou 239 folhetos de cordéis. Seus temas favoritos são infância e política. Este ano, ele escreveu “O cangaceiro vingador” e “ Nordestino sim senhor”. “Quando chegava à noite, meu avô juntava a garotada na porta de casa e lia cordel para nós. Foi daí que tive meu primeiro contato com esse tipo de literatura”, disse Ronaldo. Francisco Passos Santos, popularmente conhecido como Chiquinho do Além Mar, é poeta, cordelista, professor de inglês e músico. Ele escrevia poesias desde criança, mas conheceu a fundo o universo do cordel somente aos 23 anos, na Biblioteca Pública Epifânio Dória, em Aracaju. Lá, aconteciam encontros de cordelistas. A maioria das obras de Chiquinho do Além Mar é voltada para a cultura e história de Sergipe, a exemplo de “João Bebe Água o Rebelde de São Cristóvão” (2005); “Cantos e encantos de Aracaju” (2005); “A Invasão holandesa” (2010); “Mar Vermelho” (2007); “A Invasão Portuguesa” (2008); “Proteja o Meio Ambiente” (2008). Chiquinho desenvolve o projeto “Cordel nas escolas” há quase 20 anos, mas foi em 2017 que o projeto se concretizou. Hoje, 19 escolas particulares da capital adotam três de seus livros (“Aracaju: passado, presente e futuro”; “A história de Sergipe contada em versos”; “Sergipe e seus encantos”) para o uso didático no ensino fundamental. As obras são usadas nas disciplinas de História, Geografia, Português e Redação.

Chiquinho do Além Mar escreve poemas desde a infância, mas virou cordelista apenas aos 23 anos (Foto: Arquivo Pessoal)

Um pouco da história do cordel A literatura de cordel chegou ao Brasil no século XVIII através dos portugueses. Foi na região nordeste que teve mais influência, principalmente, no estado de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Pará, Rio Grande do Norte e Ceará. A origem do nome cordel vem da sua forma de apresentação em “folhetos”, pequenos livros com capas de xilogravura que ficam pendurados em barbantes ou cordas. Suas principais características são a oralidade e a presença de elementos da cultura brasileira bem como, o uso de humor, ironia e sarcasmo. Alguns escritores como Ariano Suassuna e Guimarães Rosa foram influenciados por este estilo.

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texto: Brunna Martins

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De Hongdae ao Atheneu Gênero musical nativo da Coreia do Sul, o K-pop tem espaço em Aracaju

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A performance do Intensity é constituída por três pilares: vocal, rap e dança. Atualmente, o grupo está se preparando para o lançamento do primeiro mini álbum. (Foto: Arquivo pessoal)

ocê já ouviu falar de K-pop? Se você é um frequentador assíduo de redes sociais, como o Twitter e o Youtube, certamente já viu alguma coisa. Os fãs desse gênero musical estão por todos os cantos, inclusive em Aracaju. Na capital dos cajus e papagaios, como em tantas outras cidades, os fãs atuam seja na organização de projetos para seus ídolos emplacarem mais (e mais) recordes, seja no engajamento de eventos para difundir ainda mais o movimento. Vamos por partes. O K-pop nasceu em 1992, na Coreia do Sul, com a estreia do grupo Seo Taiji & Boys, um trio de rapazes. Os meninos foram logo identificados pela forma “diferente” de se vestir e pela essência daquilo que cantavam. Na prática, era a primeira vez que a música coreana passava a incorporar estilos americanos como rock, rap e techno. Uma das estratégias para romper fronteiras foi estimular os apreciadores do gênero a criar eventos presenciais e virtuais, espalhar pelas redes sociais de fãs e, assim, burlar o monopólio da indústria musical americana. Em pouco tempo, alguns artistas coreanos logo se tornaram fenômenos mundiais. Números e estatísticas demonstram essa notoriedade. Após 27 anos de criação, o K-pop já tomou o mundo. Yang Hyun-suk, um dos integrantes do Seo Taiji & Boys, fundou uma das maiores empresas de entretenimento da Coreia do Sul, a YG Entertainment, e em julho deste ano, deixou-a depois de uma série de escândalos envolvendo seus artistas agenciados e acusações de incompetência administrativa.

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Em contrapartida, o TXT, sigla que significa Tomorrow x Together, boygroup agenciado pela mesma empresa do BTS, a Big Hit Entertainment — que até 2014, ainda fazia a gravação de álbuns em estúdios improvisados em garagens —, debutou no dia 4 de março de 2019, com a música “Crown”, alcançando a melhor estreia de um grupo masculino de K-pop, com 15,1 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas no YouTube. O BTS, ou Bangtan Boys, é, atualmente, o maior grupo de K-pop em proporções mundiais. Seu debut se deu em junho de 2013 e em sua rápida trajetória, os recordes são inúmeros, por exemplo, quando ultrapassaram Os Beatles, ao terem três álbuns na primeira posição da Billboard 200 (lista que classifica os 200 álbuns mais vendidos nos Estados Unidos), em menos de onze meses. O septeto de rapazes, entre 22 e 27 anos, passou pelo Brasil em sua turnê mundial “Love Yourself: Speak Yourself”, em duas apresentações no Allianz Parque, São Paulo, nos dias 25 e 26 de maio.

A distância não é uma barreira Hongdae é um território na região central de Seul, onde estão os nativos do K-pop. Ele não é tão conhecido como Gangnam, sofisticado bairro da capital coreana, que inclusive está presente na música “Gangnam Style”, do cantor Psy. Lá, todos os dias, vários grupos amadores e profissionais performam em suas ruas com o intuito de atrair a atenção de “olheiros” de agências. Em Aracaju, o ponto de encontro das maiores apresentações de K-pop é o Teatro Atheneu. Gabriel Rocha, 23, é apresentador do K-pop Day, evento organizado pela Get Loud Entertainment, local de competições de covers. De início, o gênero se restringia somente a pequenos espaços dentro de eventos Geeks (gíria inglesa que se refere a fãs de tecnologia, livros, filmes e séries), mas segundo Gabriel, isso mudou. “Conforme o K-pop foi crescendo no estado, as pessoas passaram a tomar mais o espaço nesses encontros, até que a gente resolveu fazer os nossos próprios”, conta. O apresentador também trabalha com cabelo e maquiagem, canta e organiza reuniões menores e gratuitas

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texto: Brunna Martins

Ruth Oliveira é uma ARMY - como são chamados os fãs do BTS - sergipana e foi ao show do dia 25/05 no Allianz Parque, em São Paulo. “Às vezes, as coisas ficam muito difíceis e o que me faz sorrir nessas épocas é algo relacionado a eles”, conta a estudante de Engenharia de Produção. (Foto: Paulo Marques)

voltadas para esse público, onde a principal atração é o random dance (espécie de performance em grupo ao som das músicas de K-pop mais populares do momento). Outro evento bastante popular na capital é o Aracaju K-pop Festival (AKF), também realizado no Teatro Atheneu e organizado pela BGZ Conteúdo Divertido. Letícia Martins, 28, é a produtora executiva e figurinista, e com o diretor criativo Aldo Nunes, 29, mantém a agência desde 2014. A ideia inicial da empresa era criar entretenimento para os jovens de Aracaju. Como, na época, seus fundadores não tinham condições de trazer artistas renomados para suas festas, investiram na iniciativa de criar seus próprios grupos musicais. Inspirados essencialmente no K-pop, os girlgroups Sis, Miau e Crush ficaram em atividade entre os anos de 2016 e 2018. Atualmente, o grupo Crush encontra-se em pausa e os demais terminaram.

foi o pioneiro. Formado através de um concurso, o quinteto ficou em atividade de 2014 à 2015, quando teve o seu disband (termo usado para se referir ao término dos grupos). A capital sergipana é a cidade natal do Intensity, um quarteto masculino formado por rapazes de 22 a 25 anos, que faz parte desse movimento ainda em crescimento no país. A. D, líder desse grupo, contou que quando decidiu formar o Intensity, em 2017, já cantava há certo tempo com Nick, também integrante. Eles conheceram Mateus, experiente em dança, pela internet, e o chamaram para a compor o projeto. Meses depois, já tendo lançado alguns conteúdos na web, Lio completou a formação.

“A internet tem sido uma grande ponte para que a gente consiga furar algumas barreiras, apesar de ainda ser muito difícil. O nosso estado é muito limitado em termos de recursos para se fazer música pop com qualidade”, diz A.D, que também cursa Música na Universidade Federal de Sergipe. O Intensity é agenciado pela Get Loud Entertainment, mesma produtora responsável pelo K-pop Day, evento onde o quarteto sempre tem presença garantida. Seu fandom se chama inTENsers, que quer dizer “mais intensos”. A sílaba “TEN” é escrita em letras maiúsculas tanto por ser a mais forte, como também por fazer alusão às palavras “teen” e “ten”, “jovem” e “dez”, respectivamente, em inglês. Foto: Paulo Marques

Reflexos do K-pop Por mais inusitado que possa parecer para alguns, o K-pop já está tão difundido mundialmente que, variações nacionais do gênero, já começaram a nascer. É o chamado B-pop, ou Brazilian pop, ritmo derivado do sul-coreano. O boygroup Champs Revista

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texto: Rivandson Teles

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Corpo como arte Em luta constante para superar preconceitos, as tatuagem imprimem um novo olhar sobre o humano

Quem disse que o corpo humano é só um corpo? Esse lugar físico da existência humana pode ser também uma tela em branco pronta a se transformar em arte, graças aos traços e cores que dão vidas às tatuagens. Mesmo ainda sofrendo forte preconceito social, a arte da tatuagem começa a ganhar cada vez mais os corpos, o que marcará as novas gerações. Da leveza dos traços até a cor da tinta escolhida, cada tatuagem possui sentidos e significados especiais. Isabela Menezes tem 28 anos e possui 70% do corpo coberto por tatuagens. Ela é bartender, uma artista que usa da preparação de coquetéis e drinks. “Fiz minha primeira tatuagem aos 14 anos, mas eu digo que eu não sou uma pessoa tatuada, eu sou ‘a’ tatuagem, eu sou essa arte em movimento, eu vivo essa realidade, cada tatuagem minha é pensada, eu olho no espelho e já enxergo ela no meu corpo’’, revela Isabela. A bartender analisa que hoje a tatuagem se popularizou e muitas pessoas a fazem por moda, mas não era assim. “Meu pai sempre foi muito tranquilo, nunca foi de opinar, já a minha mãe teve uma resistência.’’ As reações contrárias foram sendo enfrentadas gradativamente por Isabela. “Fui fazendo uma, fui gostando, sentindo a reação dos meus pais, das pessoas”, conta. Visão panorâmica da Praça General Valadão no Centro de Aracaju Revista

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Foto: Sergio Henrique/ Arquivo

As tatuagens têm sentidos e significados. Na Polinésia, por exemplo, o povo Maori utiliza os desenhos no corpo como parte dos rituais religiosos. No Brasil, quem vai tatuar sempre traz um motivo baseado nas emoções, nas memórias, nos sentimentos. “As pessoas geralmente perguntam se minhas tatuagens tem significado. Com certeza tem. Cada tatuagem minha é pensada”, explica Isabela. De fato, a tatuagem faz do corpo uma tela nua a ser pintada. Os desenhos gravados na pele transformam o físico em ferramenta de expressão, de movimento, de lembranças. Se de um lado o estigma de marginalização sobre essa arte impera entre os mais velhos, de outro, essa arte em telas corporais impressiona e conquista os mais novos.

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Somente em 2013, foi realizado o primeiro estudo para contagem de pessoas tatuadas no Brasil. Uma pesquisa da Super Interessante, realizada nas redes sociais, ouviu 80 mil pessoas e constatou que 59,9% dos tatuados já são mulheres. A maioria é jovem, na faixa etária de 19 a 25 anos, com ensino superior e ganham bem. De acordo com o tatuador Sergio Henrique, “o preconceito diminuiu com o tempo. Hoje, todo mundo tem tatuagem. É a coisa mais normal que existe. A maioria das pessoas que eu tatuo é jovem, às vezes aparece alguém entre 40 e 50 anos, mas o meu público mesmo é de 18 a 30 anos”, conta Sérgio.

Arte marginalizada Por muito tempo, o ato de desenhar no corpo esteve ligado a

criminalidade. Atualmente, mesmo com o refinamento dos traços e o aperfeiçoamento das técnicas, não é difícil encontrar relatos de pessoas que já sofreram preconceito por conta dos seus desenhos corporais. “A gente, que é tatuado, enfrenta um preconceito diário dentro do busão, na questão de emprego”, denuncia Isabela Menezes. No Brasil, o preconceito com as tatuagens teria começado por volta da década de 1920. Os relatos são de que as primeiras pessoas a se tatuarem foram os marinheiros, fuzileiros navais, estivadores. Nesse período, até a simples exposição pública do corpo era vista com maus olhos. Criou-se uma imagem de que os tatuados gostavam de criar confusão, que eram piratas e rebeldes. Logo, não demorou muito para surgir um estigma que permanece até hoje, de


que pessoas tatuadas são “marginais”, “vagabundas”, “perigosas”. Com o passar dos anos, setores mais conservadores da sociedade continuaram a criticar as tatuagens. Aquelas e aqueles que ousam imprimir arte em seu corpo estariam fora do padrão baseado em tradições e preconceitos. É isso que reforça Isabela: “A tatuagem sempre esteve ligada a gangues, dependentes químicos, desde sempre, isso vem de fora do Brasil. Porque as pessoas sempre tendem a buscar o lado negativo. O desconhecido assusta. Ao invés de pesquisar, de conhecer, as pessoas preferem julgar.” “Eu não sou uma pessoa tatuada, eu sou ‘a’ tatuagem”

texto e fotos: Pedro Ramos

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BREVE HISTÓRIA DA TATUAGEM

As linhas que desenham os corpos tatuados atravessam a antiguidade, passam pelo Egito antigo e terminam na contemporaneidade. Os registros mais antigos datam de 3.300 antes de Cristo. Todavia, a presença de marcas corporais definitivas como elemento de manifestação cultural está presente nos países orientais muito antes disso. A história da tatuagem ao redor do mundo não acontece de forma linear. A depender do país, da origem e da cultura, essa arte adquire inúmeras significações. Na China, por exemplo, essa prática nasceu com o nome de Ci Shen ou Wen Shen, que em livre tradução significa “perfurar o corpo”. Já no Japão o surgimento da tatuagem data de 10.000 antes de Cristo, e passa por diversas transformações. Em terras brasileiras, o embarcadouro de Santos/SP foi a porta de entrada para a tatuagem. A técnica foi trazida em 1959 pelo dinamarquês Knud Harald Luck Gegersen, que logo ficou conhecido como Mr.Tattoo ou Lucky Tattoo. Além de tatuador Lucky também era desenhista e pintor.

Honan Oliveira ,18, aluno de Publicidade da Universidade Federal de Sergipe, conta que mesmo tendo um pai tatuador, sofreu grande resistência por parte da avó materna. “Ela nunca gostou, nem das tatuagens, nem da profissão do meu pai. Mas, quando ele começou a ganhar dinheiro com isso, ela ficou de boa. Quando fiz a primeira tatuagem, ela também reclamou, disse que eu era muito novo”, lembra Honan. O estudante fez o primeiro risco prestes a completar 18 anos e, em menos de um ano, já possui 11 tatuagens espalhadas pelo corpo.

“Por meu pai ser tatuador eu já tinha acesso. Já estava enjoado de ver até que tive vontade de tatuar algo que eu gosto”, disse Honan. Sobre o preconceito, ele afirma que “as pessoas olham pra você, percebem que você tem tatuagem e começam a te analisar. Uma tatuagem ainda é muito relacionada a criminalidade e, dependendo da forma que você estiver vestido, também pode influenciar”, disse o estudante. Isabela concorda: “O preconceito tem diversos lados. O estilo, a cor e a opção sexual da pessoa contam bastante”.

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