Revista Mais Contexto - 10

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CRISE DOS CARGOS EFETIVOS Ministério Público e governo do Estado priorizam cargos em comissão p. 10 MAIS CONTEXTO Revista laboratorial do Departamento de Comunicação Social da UFS chega à sua 10ª edição p. 52

O AGRO É TÓXICO

Nos últimos oito meses, 290 agrotóxicos foram liberados pelo atual governo. Entenda a problemática no âmbito de Sergipe, estado com maior índice de morte por intoxicação de pesticidas p. 28

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Foto: Rivandson Teles


editorial REVISTA MAIS CONTEXTO | 10ª edição | 2019 |

ORIENTAÇÃO Prof. Dr. Cristian Góes Prof. Dr. Josenildo Guerra Prof. Me. Eduardo Leite PROJETO GRÁFICO E ARTE Alisson Mota Beatrize Oliveira Brunna Martins Caroline Rosa Thiago Leão Rivandson Teles REVISÃO DE TEXTO Bruna Barreto Jaqueline Franciele Joyce Oliveira Rafaelle Silva REPORTAGEM Ayrana Lopes Gabriel Freitas Fabricio Santos João Victor Vasconcelos Joyce Félix Kemily Abreu Mariane Góis Pedro Nascimento Romário Cidrão Yara Lima

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Univ. Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze - São Cristóvão/SE - CEP 49100-000 Contato +55 79 3194-6600 DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL (DCOS) dcos.ufs@gmail.com 3194-6919 (Secretaria) 3194-6921 (Chefia)

A INSURGÊNCIA DO PROJETO A primavera do conhecimento foi rompida, todas nossas ideias são políticas. Precisamos de um projeto nosso para a educação Fomos às ruas pressionar o governo Bolsonaro para efetivação de um projeto para a educação, eis que o projeto surge: o desmonte. Na conjuntura política na qual nos encontramos, a troca de ministros só serviu para nos mostrar o que se apresenta como incontestável, ou seja, se deixar a pauta para lá era um problema, no caso do atual governo, pior é ter um ministro com projeto. E ainda tem mais, para as Universidades Públicas e Institutos Federais a ação já tem até nome: Future-se. A primeira vez que vi, foi perto das 9 horas da noite na Rede Globo, uma publicidade que salta os olhos, afinal, o tipo de gestão da Universidade Pública está falido. Os avanços dos governos petistas foram essenciais para educação superior pública, mas não dá pra dizer que houve uma democratização do espaço acadêmico. O conhecimento acadêmico continua engessado e sem ultrapassar os muros das instituições e muito menos atravessar a leva de estudantes com vulnerabilidade socioeconômica que têm dado um pouco de cor, vida e representatividade dentro dos espaços acadêmicos e das pesquisas; que têm sido um projeto de extensão vivo por estarem realizando um processo de troca com o lugar de onde vieram e reconhecendo outros saberes tão essenciais quanto os acadêmicos. Só que o que seria a primavera acadêmica, com certeza, será rompida pelo tal projeto e os cortes gigantescos que pagaram a reforma de Previdência. O projeto prevê três eixos principais: Gestão, Governança e Empreendedorismo; Pesquisa e Inovação e Internacionalização. Parece até bonito na teoria, mas o projeto deixa muitas lacunas, que ao meu ver, são propositais. O Governo Federal quer literalmente tirar sua obrigatoriedade de financiar a educação superior.A ação prevê que a gestão da Universidade seja exclusivamente feita pela OAS (Organizações Sociais) e que seja pautada em resultados, mas que resultados são esses? Qual OAS irá querer investir em cursos que não dão lucro direto, como licenciaturas e demais áreas essenciais para o desenvolvimento social? Qual destas instituições irá se preocupar com o auxílio? Eis que a questão fica no ar… É preciso avançar e avançar é ter nosso próprio projeto, pautado no que somos. Rafaelle Silva

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Sumário saúde - psoríase

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Saiba mais sobre a doença que afeta 5 mi de brasileiros por ano

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cidades - plano diretor

Projeto de Novo Plano Diretor e Aracaju está parado há 19 anos

CAPA

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SE é o estado com maior letalidade por intoxicação via agrotóxicos

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política - efetivos

Extinção de cargos efetivos tem se alastrado por instituições públicas

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cidades - enchentes

Crescimento desordenado causa impactos em Aracaju

turismo - crise Ocupação da sergipana cai

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rede

hoteleira

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meio ambiente - lixões

Em SE, apenas 14 municípios têm aterro sanitário

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cidades - trabalho infantil

Diante das declarações sobre trabalho infantil do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a Revista Mais Contexto traz dados alarmantes a respeito do tema no Brasil e em Sergipe. O último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostra que 1,8 bilhões de crianças e adolescentes trabalham no Brasil.

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cultura - dor na arte

Busca pela perfeição musical tem adoecido profissionais da arte


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esportes - futebol feminino

Apesar de falta de incentivo, há, sim, futebol feminino em Sergipe

esportes - Batistão

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Há 50 anos, foi inaugurada maior praça esportiva de Sergipe

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CONTEXTO - 10ª edição

Bastidores e histórias da revista laboratotiral do DCOS-UFS

@contextoufs

portal

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saúde

texto e fotos: Gabriel Freitas

Psoríase: sem endereço, sem raça, sem gênero Doença afeta cerca de 5 milhões de pessoas a cada ano no Brasil

Sem distinção de cor, idade ou corpos, e em constante ascensão no Brasil e no mundo, a psoríase é uma doença que atinge milhões de pessoas a cada ano no nosso país. Um dado que, apesar de alarmante, revela uma caminhada a curtos passos para desmistificar preconceitos enfrentados pelos portadores da doença. Por ser crônica, inflamatória e autoimune, a psoríase pode se manifestar de diversas maneiras. Na grande maioria dos casos se desenvolve em aparentes alterações na pele, causando coceiras, descamação e até lesões, que podem variar de tamanho, forma e classificações. Além dessas características, a psoríase também pode comprometer outros órgãos e regiões do corpo, como por exemplo, as articulações e é conhecida como artrite psoriásica. A doença não é transmissível. A dermatologista especialista em Psoríase, Dra. Jonnia Sherlock aponta que, apesar dos diferentes tipos de manifestações, o tratamento é possível e varia de acordo com a aceitação e aplicabilidade de cada paciente. O diagnóstico deve ser feito por um especialista e precisa de tratamento contínuo. “Somente o profissional vai determinar as variáveis da doença,

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caracterizando-as e identificando através dos índices de gravidade suas classificações, se leve ou moderada-grave”, afirma Jonnia. Seja por via oral, por aplicação de pomadas e/ou com medicamentos injetáveis, ainda é comum os portadores da doença se automedicarem, sem as devidas precauções e prescrições médicas. E é preciso ficar atento quanto aos riscos que esses medicamentos podem acarretar, como alerta a especialista. “As medicações tomadas de forma aleatória podem conter componentes de difícil reversão do quadro, como por exemplo os corticóides. O uso indiscriminado desse componente poderá induzir na atrofia da pele, estrias na região e desenvolvimento de acnes. Além de não fazer o controle pleno da doença, sendo passível de manifestação em outras regiões.” Recentemente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aprovou um novo medicamento injetável que pode ajudar no tratamento da doença. O Risanquizumabe é indicado para os casos moderados e graves. Em questionário realizado com 213 pessoas, apontou que, 79,8% desse grupo convive com a doença

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há mais de cinco anos, 77,5% já se automedicaram, seja por indicação de parentes e amigos 30,7%, ou seja pela internet e redes sociais, totalizando 52,4%. “O pior de tudo é o preconceito”, conta o motorista Robson Aragão de 43 anos e que há mais de 20 vinte anos convive com a doença. Robson lembra o quanto foi difícil o processo de aceitação e de descoberta. “Tudo começou com as descamações no couro cabeludo e eu pensava que era caspa, no tempo fiquei desempregado e as lesões continuaram aumentando e aumentando. Depois de passar por vários médicos, encontrei um especialista que identificou, mas naquela época a doença não era tão conhecida. Hoje em dia participo de alguns grupos no WhatsApp e tem muita gente com histórias parecidas”, relata.

Psicodermatologia O couro cabeludo, rosto, órgãos genitais, mãos e unhas, são as regiões consideradas moderada-grave pelos índices de gravidade, ainda que as lesões apareçam em menor quantidade. Essas manifestações aparentes implicam diretamente na qualidade de vida do


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texto e fotos: Gabriel Freitas

indivíduo, podendo gerar exclusão social, transtornos compulsivos, ansiedade, insônia, dificuldade de convívio nas relações de trabalho e amorosas, dentre outras situações. O isolamento, olhares de terceiros e o desconforto de estar num ambiente com o sentimento de repressão são alguns dos pontos levantados pela psicóloga Gabriela Queiroz, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (GPPS-UFS). Ela explica a importância do tratamento realizado pelos psicólogos a fim de identificar os possíveis gatilhos, sejam emocionais ou psicológicos que contribuem para o desenvolvimento da doença. “Mesmo que não hajam gatilhos emocionais ou psicológicos, os sintomas de ansiedade e depressão podem aparecer como consequência. É primordial tratar a aceitação do paciente e conscientizá-lo de que a doença vai acompanhá-lo pelo resto da vida, mas que é possível tratar e ter uma qualidade de vida estável, se adaptando às situações que podem encaminhar para novas crises”, disse Gabriela. Existe hoje no campo da psicologia estudos comprobatórios que indicam o modo como os fatores físicos e externos da doença podem

influenciar no comportamento de exclusão desses indivíduos. A proposta da psicodermatologia preza pelo olhar individualizado de cada paciente. “Por isso a importância dos dois profissionais trabalharem em conjunto.” ressalta, a psicóloga.

Sergipe Atende Sendo um dos poucos Hospitais Públicos do Nordeste com Ambulatório de Dermatologia voltado aos pacientes com psoríase, o Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS) já realizou campanhas para atendimento de pessoas com a doença. A ação geralmente ocorre no dia mundial da psoríase - 29 de outubro, e busca alertar e conscientizar a comunidade e os próprios pacientes sobre o que se trata a doença, desmistificando assim, os preconceitos. Os atendimentos no serviço de dermatologia do HU-UFS, acontece toda segunda-feira, através de demanda espontânea. São distribuídas senhas para que os pacientes possam passar pelo processo de triagem, e logo após, identificada a psoríase, o paciente é cadastrado no ambulatório para dar prosseguimento no tratamento da doença.

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Revista MAIS CONTEXTO


texto: João Victor Vasconcelos

política

“Nova política” da parentela Governos atacam os concursos públicos e ferem os princípios da administração pública ao desvalorizar os cargos efetivos

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Não há vagas: diminuição de concursos pelo país é a questão mais difícil para os candidatos. (Foto: F1Digitals/Pixabay)

uem quer se tornar funcionário público, depois da Constituição de 1988, tem que passar meses estudando para um concurso. A concorrência é sempre gigantesca e só os mais preparados são aprovados e depois convocados pela Administração. Após isso, eles são nomeados, tomam posse e iniciam o trabalho em “estágio probatório”, um período de três anos em que, ao final, se tiver desempenho satisfatório, conquistam a estabilidade. Antes de 1988, porém, o concurso público não era obrigatório. Muitas pessoas contratadas como funcionárias eram apenas os eleitores, cabos eleitorais e principalmente os parentes e aderentes das famílias dos políticos de plantão. Eram muito comuns os “trens da alegria” a cada início ou fim de gestão em governos: demitia-se e contratava-se ao sabor das vontades dos políticos. Os concursos vieram dar transparência, oportunidade, reduzir a influência da política partidária no serviço público e garantir mais independência para que o funcionário seja servidor do público indiscriminado, e não de um grupo político. O concurso público é a regra, porém ficaram brechas para o emprego da parentela e a prática do Revista

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nepotismo. Uma outra forma de ingresso no funcionalismo público, bem mais simples, é a contratação de cargos em comissão. Conforme consta na Constituição, artigo 37, esses empregos são de livre nomeação e exoneração. Em outras palavras, basta a vontade do gestor para contratar e demitir quem ele quiser, inclusive parentes sem concurso, sem estágio probatório, sem estabilidade. Entretanto, na CF está explícito que este tipo de cargo deve ser usado apenas para funções de direção, chefia e assessoramento. Na prática, porém, muitos gestores acabam fazendo uma farra de contratações de cargos comissionados para as mais variadas funções. A passos largos e rápidos, a “nova política” tem levado o Brasil para o retrocesso, para antes de 1988, para a velha política do emprego público a amigos e parentes.

Ministério Público e Governo de Sergipe Veja o que aconteceu no Ministério Público do Estado de Sergipe (MPSE). Em abril de 2019, o MPSE encaminhou para Assembleia Legislativa um projeto de lei em que acabava com 53 cargos efetivos e, ao mesmo tempo, criava 25 vagas em comissão. O projeto foi aprovado por maioria e sancionado pelo governador Belivaldo Chagas (PSD). Segundo a Resolução 06/2019 foram extintos apenas cargos que “não são mais compatíveis com o orçamento ou com as reais missões do Ministério Público”. Além disso, afirma-se no documento que os cargos em comissão criados podem ser assumidos por funcionários efetivos do próprio MPSE que possuem curso superior,mas assumem cargos de nível médio. Entretanto, em nota, o Sindicato dos Trabalhadores Efetivos do Ministério Público de Sergipe (SINDSEMP) divergiu da versão apresentada pelo MPSE e argumentou que “entre os cargos extintos estão 18 analistas na área do Direito – atividade-fim do Ministério Público.” Segundo o sindicato, a decisão de fazer essas alterações foi “arbitrária e antidemocrática” e o órgão “retrocede na sua função de fiscal da lei”. Além da extinção de cargos efetivos, o modo como os cargos em comissão foram criados também causou estranheza no deputado estadual Georgeo Passos (Cidadania). “Foi algo que me chamou a atenção

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Georgeo Passos discorda das justificativas do MPSE e do Governo de Sergipe para favorecer cargos em comissão. (Foto: Jadilson Simões/Agência Alese)

porque eles não colocaram sequer as atribuições, o que também era uma exigência, porque se a atribuição do cargo em comissão for igual a do efetivo, tem que ser primeiro o efetivo”, defende o deputado. Segundo Passos, a decisão do MPSE causou mais indignação porque foi o Ministério Público quem cobrou de órgãos como Alese, Câmara Municipal de Aracaju e Prefeitura de Itabaiana que estes demitissem os comissionados e convocassem concursados ou fizessem novos concursos públicos. O próximo concurso do próprio MPSE, porém, deverá ter menos vagas. “Lá ocorreu a extinção de cargos, que é pior, porque aí você não vai ter mais concursos pra aquelas vagas”, explica o deputado. Em alguns órgãos do Governo de Sergipe o número de comissionados ultrapassa até mesmo o número de efetivos. Na Secretaria de Turismo, por exemplo, 81% dos funcionários são cargos em comissão. Na Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) esse índice é de 61%. Segundo Georgeo Passos, a justificativa do governo para isso não se sustenta. “Alega-se a lei de responsabilidade fiscal, mas não é assim. Se eu não tenho dinheiro para contratar o efetivo, como é que eu vou ter dinheiro para contratar o comissionado?”, indaga o deputado.

serão encaminhadas ao Congresso para cortar cargos e carreiras no quadro de pessoal da União, impedir progressões automáticas, além de tornar obrigatória a avaliação de desempenho, com possibilidade real de demissão em processo sumário. Vale lembrar que o artigo 41 da Constituição Federal já prevê a demissão de servidor efetivo em três situações: “I- em virtude de sentença judicial transitada em julgado”, “II- mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa” e “IIImediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.” Este último inciso, porém, ainda não foi regulamentado, por isso não é posto em prática. A senadora Maria Carmo (DEM/SE) quer resolver esse impasse. Através do Projeto de Lei 116/2017, apresentado no Senado Federal, a parlamentar sergipana criou regras para a avaliação de desempenho dos servidores que podem causar a demissão do mesmo se o desempenho for insuficiente. Apesar de rejeitado por 77% dos votos na Consulta Pública realizada no site do Senado, a proposição foi aprovada em comissões e foi encaminhada em regime de urgência ao Plenário da Casa, porém ainda não foi votada.

Âmbito nacional Essa situação de desfavorecimentos a servidores efetivos, porém, não é exclusiva de Sergipe. Em âmbito nacional, o Governo Federal pretende fazer uma grande reforma administrativa no funcionalismo público. O Ministério da Economia prepara uma série de medidas que

Maurício Gentil considera que a atual momento de ataques a servidores efetivos é preocupante. (Foto: Reprodução Youtube/Repórter Contexto)


Proporção de servidores em cargos comissionados nos órgãos do estado de Sergipe

Fontes: Portais da Transparência do Governo de Sergipe, ALESE e TJSE. Referentes a Julho de 2019.

O porquê da estabilidade para o servidor público Para Maurício Gentil, doutor em Direito Constitucional e conselheiro federal da OAB/SE, as novas regras de ataque e perseguição aos servidores públicos efetivos não devem prosperar, mas, é preciso ficar atento para que não haja uma afronta a estabilidade. Mas afinal, por que os servidores precisam dela? “Isso decorre da necessidade de que as funções públicas permanentes para a prestação de serviços públicos de modo impessoal tenham o caráter

da permanência. Em uma situação em que essas funções fossem de livre nomeação, como os governos mudam periodicamente, você ensejaria a cada troca de comando uma radical mudança. Isso atrapalharia demais a continuidade da boa prestação desses serviços e causaria o aparelhamento do Poder Público por determinados segmentos”, explica Gentil. Segundo ele, a realização de concursos e a garantia de estabilidade aos efetivos tem como objetivo “garantir a permanência, a impessoalidade, a eficiência na prestação dos serviços públicos.” Entretanto, é comum ver muitos

desses serviços até mesmo nem sendo fornecidos diretamente pela Administração. Além da terceirização, permitida apenas para atividadesmeio, existem as Organizações Sociais (O.S.), entidades privadas sem fins lucrativos que legalmente podem atuar em serviços essenciais, como saúde e educação. O “Future-se”, novo projeto do Ministério da Educação para a educação pública superior, inclusive, propõe que essas O.S’s sejam gestoras de Instituições Federais de Ensino, como as universidades, utilizando para isso funcionários não concursados. Todas essas medidas adotadas ou propostas em esfera estadual e nacional podem diminuir radicalmente o número de concursos públicos e interferir na estabilidade dos servidores efetivos. Segundo Gentil, é perceptível que “governos anteriores e esse governo atual estejam radicalmente com vontade de implementar essas políticas via O.S.’s, terceirizações, inclusive nos serviços públicos essenciais”. Neste sentido, o conselheiro destaca que a situação encontrada hoje “é um momento preocupante para a noção de serviços públicos impessoais, eficazes, permanentes”.

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Lixão Sergipe S/A Dos 75 municípios, apenas 14 cidades têm um aterro sanitário como destino para os rejeitos, que são misturados com os resíduos.

O

s lixões ainda tomam conta do menor estado do Brasil. Somente 18,6% dos 75 municípios de Sergipe, isto é, apenas 14 cidades encaminham o lixo que suas populações produzem para um único aterro sanitário no estado. Visto por outro ângulo, mais de 81% do lixo produzido em Sergipe acaba em lixões. Os dados são da Associação Brasileira Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). O aterro sanitário que recebe o lixo de 14 cidades, incluindo o da capital, é privado e pertence a Estre Ambiental. Ele fica localizado na cidade de Rosário do Catete, 40 km de Aracaju. O lixo produzido e descartado irregularmente pelos demais 61 municípios sergipanos fica em lixões, o que contraria a Lei 12.305/10 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A meta prevista era extinguir todos os lixões do Brasil até o ano de 2014. Todavia, um novo prazo tramita com o Projeto de Lei 2289/15, que prorroga para 2021. Independentemente desse prazos, há pouca ou nenhuma ação mais efetiva para as prefeituras apresentarem os seus planos para o gerenciamento dos resíduos produzidos. O problema é que não basta acabar com os lixões e criar

aterros apenas. Segundo cálculos da Abrelpe, em menos de 40 anos os aterros vão estar sem espaço. Além disso, a mistura dos resíduos, que deveriam ser reciclados com os rejeitos agrava mais esse quadro. O Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana e a consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) estimam que até 2021, a partir de estudo realizado em 3 mil cidades, o descarte inadequado de lixo urbano vai gerar despesas ambientais e de saúde que podem chegar a R$ 4,65 bilhões. Hoje, 75 milhões de brasileiros são afetados diretamente pelos lixões, sendo que 17 milhões não têm, sequer, serviço de coleta de resíduos. Faz um ano que a Superintendência Especial de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente (Serhma), do Governo de Sergipe reuniu entidades ambientais em torno dos lixões. São mais de nove anos de atraso na implantação dos aterros pelos municípios. Os gestores discutiram sobre a inclusão social dos catadores de recicláveis, os incentivos às cooperativas com maquinários e a erradicação dos lixões. Porém, quase nada mudou de lá para cá.

Resíduos não são para aterro, rejeitos sim! O aterro em Rosário do Catete recebe todo tipo de resíduos que é misturado com os rejeitos. Só na região metropolitana de Aracaju são coletadas, por dia, cerca de 1.5 mil toneladas de resíduo domiciliar e comercial. Realizam esse trabalho mais de 1 mil garis e margarida. A coleta seletiva em Sergipe quase não existe. Ela apresenta menos de 1% em toda a produção do estado. Embalagens plásticas, metálicas, de vidro e papéis são descartados todos os dias sem a menor preocupação ambiental. Os catadores de material reciclável são pouco apoiados e incentivados. Ficam às margens da sociedade e enfrentam dificuldades no acesso a esses materiais. Os catadores trabalham sem os equipamentos necessários e em condições insalubres. Mesmo em cooperativas não existem ações concretas que visem ampliar a infraestrutura e inserir os

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cooperados no mercado formal. Eles trabalham sem carteira assinada, ficando desamparados em caso de aposentadoria e de acidentes de trabalho, além de não receberem férias nem seguro desemprego. Para o representante do Instituto Nacional Elogística Reversa (Iner) em Sergipe, Bruno Gonçalves, a manutenção de medidas inviáveis gera a estagnação das ações propostas na PNRS. “A lei não cita que devemos enterrar os resíduos e perdê-los, mas sim gerar riquezas a partir dos recicláveis. Os resíduos devem voltar à população e gerar emprego aos catadores, já que o aterro não é a solução para os resíduos”. Gonçalves alerta que “o aterro da Estre vai acabar, vai encher, e vão ter que procurar uma outra área, e aí mais dinheiro vai ter que ser pago para enterrar uma riqueza que deveria gerar retorno à sociedade.”

O professor de Engenharia Química, Bruno Souza, da Universidade Federal de Sergipe afirma que “o descarte inadequado de resíduos pode levar ao aparecimento de doenças, como a dengue. Uma vez que eles podem funcionar Como um criadouro para mosquitos, ou podem ser um atrativo de moscas, Ratos e outros insetos”. O professor alerta ainda para a decomposição da matéria orgânica por microrganismos, que acarreta no “aparecimento de dois subprodutos, um líquido tóxico com alta carga orgânica denominado de chorume” que quando “em contato com o solo é absorvido facilmente e dependendo da quantidade gerad pode permear e chegar ao lençol freático”, essa absorção, alerta o professor, “torna o solo e a água inservíveis para qualquer consumo”.


meio ambiente

fotos e texto: Mário Cidrão

Plástico , papel, vidro e metal , gera renda ao chegar nas cooperativas

Norte e Nordeste têm maior acúmulo de lixões

Norte e Nordeste têm maior acúmulo de lixões Aterro sanitário

Aterro controlado

Norte

Centro-Oeste

20% 56%

Lixão

34%

24%

Nordeste 48%

25% 27%

Sul 11%

32% 34%

59%

30%

Sudeste 13% 49% 38%

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Dados: Abrelpe MAIS CONTEXTO

(2018)


De acordo com a pesquisa da Abrelpe, a produção de resíduos aumentou de 2010 a 2017 para 28% em todo Brasil. Em 5.570 municípios são 3 mil lixões. Nesse mesmo período, a taxa de reciclagem somente cresceu 1%, passando de 2% para 3%. Vale lembrar que a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabelece que os “fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos” têm a responsabilidade compartilhada em “minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como reduzir os

impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos”. Embora toda a sociedade esteja sujeita à Lei, há poucas medidas práticas direcionadas à conscientização dos cidadãos que, apesar de considerarem ser importante a reciclagem, pouco sabem sobre ela, conforme mostra pesquisa Ibope feita em 2018. O consumo elevado implica em um dia a menos no ano, do total de recursos naturais que podem ser utilizados. Segundo levantamento feito pela Global Footprint Network, que existe desde 1971, a cada ano a data limite para o uso dos recursos diminui: em 1971

era até 21 de dezembro, 2010 até 31 de agosto e este ano foi para 29 de julho. A redução representa um risco às futuras gerações que precisarão utilizar dos mesmos recursos, segundo estimativas da ONU até 2100 serão 11,2 bilhões de habitantes em todo o planeta, o que representa um crescimento de 53%. Materiais com alto potencial para reciclagem, como papel, plástico, vidro e metal continuam sendo misturados e enviados aos lixões e aterros, prática que traz danos à saúde e prejuízos à economia, resultando no total desequilíbrio ambiental nas próximas décadas. Calcula-se que R$ 120 bilhões são

Sergipe possui a área de 21 910 km² e 2,22 milhões de habitantes. 82% dos municípios estão situação irregular, com lixões a céu aberto. Só 18% deles fazem uso de aterro sanitário. Lixão Aterro

enterrados todos os anos. A geração per capita de lixo cresceu. Em 2016 cada habitante gerou 1,032 kg e houve aumento de 0,48% para 2017, chegando em 1,035 kg. Já o aumento dos lixões subiu para 3% de 2016 a 2017, passando de 1.559 a 1.610 o número de cidades que fazem uso desse expediente para destinação finall. Santa Catarina foi o único estado da Federação a extinguir o uso dos lixões, de 2010 a 2014 [prazo

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para cumprimento da Lei] foram construídos 36 aterros que atendem as 295 cidades. Somente 2.202 municípios brasileiros estabeleceram meios para garantir a destinação adequada dos rejeitos. Hoje, as prefeituras que recorrem a formas irregulares de descarte subiu para 3.331, ao tempo que não apresentam o Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos, cobrado pela PNRS, para que então recebam recursos do Governo Federal.

A Abrelpe registrou 71,3 milhões de toneladas de lixo recolhidas em 2016 contra 78,3 milhões em 2015, redução que ocorreu pela falta de recursos que viabilizam o processo da coleta. Enquanto a dívida das prefeituras com empresas privadas de recolhimento de lixo chegou a R$ 12 bilhões em um mercado que movimenta um total de R$ 27 bilhões ao ano.


Meio Ambiente

88% acham que o cuidado com o meio

ambiente é umas das maiores preocupações atuais, mas..

Recicláveis

77% sabem que os plásticos são recicláveis

15% acham que 1 canudo a mais não fará

64% sabem que os vidros são recicláveis,

14% acham que 1 copo a mais não fará diferença no mundo

50% sabem que o papel é reciclável

diferença no mundo

mas só...

47% sabem que alumínio é reciclável Separação de lixo e coleta

95% concordam que o jeito correto

de descartar os resíduos é separando por tipos em saquinhos, mas...

75% das pessoas dizem não separar

os materiais recicláveis em casa

40% sabem que garrafas PET podem ser recicladas 28% conhecem embalagens retornáveis de vidro

5% das pessoas sabem que embalagens

longa vida são recicláveis

66% afirmam saber pouco ou nada

a respeito de coleta seletiva

39% não fazem nenhuma separação do lixo em casa

Destino do lixo

93% acreditam que aquilo que chamam de lixo pode ter valor para outras pessoas 71% discordam que o lixo deixa de ser

Reciclagem

sua responsabilidade quando jogado fora, mas...

98% acham que a reciclagem

é importante para o futuro do planeta

81% afirmam saber pouco ou nada sobre cooperativas de reciclagem

68% dizem estar atentos na compra

59% afirmam não saber quem recicla

de produtos com embalagens que sejam recicláveis, mas só..

os materiais e os transforma em novos

35% acham que é facil encontrar

56%

informações sobre como deve fazer a coleta seletiva em sua cidade

não utilizam coleta seletiva Dados: Ibope (2018)

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texto: Victor Santos

cidades

Cidade no atraso programado Corte de 30% nas verbas do Governo Bolsonaro ameaça o atendimento à população pelo Hospital Universitário. Governo nega prejuízos

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Foto: Márcio Dantas

ios, lagos, dunas e uma faixa litorânea de encher os olhos de quem chega em Aracaju. Contudo, quem olhar direito logo percebe que tudo isso está ameaçado. A cidade cresce desordenadamente. Trânsito caótico, poluição visual e construções avançam sobre mangues e áreas verdes. A sensação é de um atraso programado no ordenamento da cidade. Grandes empreendimentos privados são favorecidos, mesmo com consequências trágicas para as pessoas. A realidade é que Aracaju tem o primeiro, único e desatualizado Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) desde 04 de outubro de 2000. O plano começou a ser elaborado em 1995 e foi efetivado com a Lei Complementar Municipal 42. Porém seus códigos de obras, parcelamento e compactação do solo foram revogados, retornando leis da década de 60. De lá pra cá já são 19 anos e nada. Curiosamente, o slogan da prefeitura é cidade “humana, inteligente e criativa”. A partir de 2001, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257) obrigou cada município com mais de 20 mil habitantes possuir um plano diretor “aprovado por lei municipal”. A Constituição Federal diz que esse é “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. A primeira revisão chegou em 2005 na Câmara Municipal, mas foi retirada porque não passou pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (Condurb). É o que explica José Firmo dos Santos é militante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju. Revista

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Foto: Gilton Rosas

Foto: César Oliveira

Isso fez o projeto ficar até 2009, sob análise da Condurb. O vereador Elber Batalha (PSB) esteve presente nessa revisão do Plano Diretor. Disse que a razão para Marcelo Déda, então prefeito da época, não ter enviado ao Condurb foi devido várias audiências públicas que ocorreu nos bairros. A professora de arquitetura Sarah França, na época coordenadora técnica da Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe (Fapese), também se envolveu nesse debate e diz que parte dos representantes do Condurb também participaram da revisão na Fapese. Essa possuía representantes do mercado imobiliário e da agronomia, além de advogados e lojistas.

“Aracaju vive um vazio jurídico. Algumas leis de 2000 ainda permanecem. Outras foram declaradas inconstitucionais. Existe hoje uma salada imensa de exclusivos legislativos”, desabafou Elber. O Plano Diretor só voltou ao Poder Legislativo em 2009. Mas em 2012, foi detectada novas irregularidades e um mandado de segurança anulou o plano. Elber fala que seu suplente, o vereador Bertulino Menezes, entendeu que houve várias “quebras de regras” no que diz respeito à população e ao meio ambiente.

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“O diálogo com a prefeitura é praticamente inexistente” - Lucas Aribé João Alves Filho toma posse da prefeitura em 2015 e tempos depois o plano fica pronto para ser enviado à Câmara. Mas permaneceu engavetado na prefeitura. Edvaldo Nogueira assume em 2017 e diz que vai haver uma outra nova análise. “Passa gestão, passam gestores e não se encara a gestão como algo impessoal”, crítica o vereador Lucas Aribé.

“Foram apresentadas as emendas, o setor empresarial modificou boa parte do que tinha sido indicado pelo povo, e a justiça teve que atuar anulando todo o processo”, analisa Aribé.


Foto: Marcos Vieira

cidades Foto: Cleverton Macedo

Foto: Henrique Vidal

“Éramos para estar fazendo a revisão da revisão” - Professora Sarah França Em 2000, haviam 461.534 habitantes. Hoje, a grande Aracaju que inclui bairros de Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão beira a marca de 1 milhão de pessoas. Para abrigar tanta gente, o número de moradias verticais cresceu consideravelmente. Em destaque para as Zonas Sul, Leste e Oeste, com os bairros Inácio Barbosa, Farolândia e Jabotiana. Regiões com manguezais e rios, classificadas pelo PDDU como Zona de Adensamento Básico. Leia-se, pode urbanizar. A região mais restrita para construir é a Zona de Expansão. Ela abriga a rica parte dos condomínios horizontais. Lagoas, dunas e o rio Vaza Barris caracterizam esse território banhado pelas praias aracajuana. Por conta da fragilidade judicial do plano, a Justiça Federal já concedeu várias liminares para a suspensão de construções. “O que fez com que o mercado imobiliário redirecionasse a sua visão para a região de São Cristóvão, Jabotiana e Barra dos Coqueiros”, observa Firmo. O Jabotiana é o local mais alarmante com os graves alagamentos. O bairro é cortado pelo Rio Poxim, bastante afetado pela poluição. Recentemente uma liminar proibiu todos e novos licenciamentos. O olhar arquitetônico de Sarah revela que a taxa de

permeabilidade em Aracaju é de 5% para toda a cidade, ou seja, é “uma área verde que deve ser deixada no lote sem qualquer tipo de construção”. O intuito é filtrar toda a água que por ali circula. “Em determinadas áreas isso é muito pouco” analisa Sarah. A professora diz que os Índices urbanos são iguais para toda a cidade. Números que devem regular a ocupação em cada zoneamento foram impostos sem preocupação com a realidade de Aracaju. Isso permite que mais da metade das moradias do Minha Casa Minha Vida estejam no Jabotiana e na zona de expansão. “A legislação é frágil quem sofre com isso é a população”, alerta a professora. Curiosidade: no Plano Diretor vigente o centro da cidade é a região que incentiva a urbanização. Contudo essa zona pouco recebeu empreendimento depois do plano. O coeficiente de aproveitamento é um número que, multiplicado pela área de um terreno, indica a quantidade total de metros quadrados passíveis de serem construídos. Em toda Aracaju o coeficiente é 3, mas pode chegar a 4 de forma gratuita. Acima disso é preciso pagar. “Nosso Plano diretor tem várias falhas”, constata Sarah.

O ano agora é 2019. O prefeito prometeu em entrevista coletiva no mês de abril que enviaria o plano para apreciação da Câmara de Vereadores no mês de junho. São João e são Pedro passaram, a chuva chegou e o bairro Jabotiana alagou. “Estamos concluindo os estudos para a revisão do plano”, essa é a fala da prefeitura no atual momento, apresentada por Elton Coelho, da Secretaria de Comunicação.

“Estamos concluindo os estudos para a revisão do plano” - Prefeitura de Aracaju

Há um novo prazo para envio à Câmara Municipal, final de setembro. “Detalhes do plano não vamos adiantar nada porque está em conclusão”. A respeito das críticas enchentes no bairro Jabotiana a prefeitura entende que “uma coisa não tem haver com a outra. O problema do alagamento foi uma questão da natureza”, disse Coelho. Em dezembro a Câmara Municipal de Aracaju entra em recesso. Volta em fevereiro de 2020. Ano de eleição. Elber admite que “é muito complicado colocar um plano diretor em ano eleitoral”, pondera o vereador Elber. E esse é o ritmo da novela Plano Diretor na cidade da orla mais bonita do país. Revista

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Largo da Aparecida antes e depois das fortes chuvas. Cerca de 70 famĂ­lias foram atingidas pela enchente.

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texto e fotos: Pedro Nascimento

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“Isso não é vida” Inundações são uma das consequências do crescimento desordenado da cidade

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ram dez horas da noite. Quartafeira, 10 de julho. Gilvânia Santos do Amor Divino, 38 anos, e seus cinco filhos, não esperavam, mas viram a casa em que vivem ser tomada pelas águas do rio Poxim. Em poucas horas, a enchente inundou tudo no Largo da Aparecida, zona Sul de Aracaju. E não foram só eles que sofreram com a enchente, mas todos os moradores dessa vila construída há muitos anos. O caso de Gilvânia é um exemplo humano de uma cidade sem planejamento urbano. Os vários pontos de enchente na capital, o trânsito caótico, a mobilidade inviável, tudo isso é reflexo da falta de um Plano Diretor atualizado e que regule a ocupação ordenada do solo, principalmente por parte das grandes construtoras. Somente no Largo da Aparecida, ao todo, 220 pessoas foram forçadas a deixarem suas residências e seus sonhos para trás. “A gente tirou as crianças e fomos para a casa do meu pai. Consegui salvar a cama e a televisão. O restante foi tudo: geladeira, estante, guarda-roupa, mesa, comida. Nada sobrou. Isso não é vida”, comenta a dona de casa. Revista

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pela enchente, a realidade dessa família deve mudar. Gilvânia teme que o orçamento fique apertado, principalmente porque se viu obrigada a comprar uma geladeira. A outra foi perdida pela enchente. “Apertando

“Está tudo solto. Segurado pela mão de Deus!” Na casa de Gilvânia são visíveis os problemas na estrutura e no ambiente ao redor: paredes rachadas e separadas do chão, reboco caindo, paredes úmidas e móveis inchados por causa da água. A moradora disse que a Defesa Civil esteve na residência e avaliou que a sua casa “não tinha risco de cair”. Todavia, a realidade é outra: “Está tudo solto. Segurado pela mão de Deus!”, desabafa Gilvânia. Duas vezes por semana Gilvânia trabalha como diarista. O pouco que ganha é a principal renda para sustentar seus cinco filhos. Mas com tantos prejuízos causados

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um pouco, dá para ajustar as despesas. Se eu tivesse um trabalho de carteira assinada, com salário certo... mas não tenho. Ganho por dia de trabalho. Se a pessoa quiser, eu vou, senão, não tenho como trabalhar”, pondera ela.


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A alguns metros da casa de Gilvânia, a residência de número 80 era invadida pelas águas. Há 40 anos, Julieta Barbosa Nunes, 73, mais conhecida como dona Julia, realizava o sonho de comprar seu terreno e levantar uma casa, onde vive com seu esposo e mais três pessoas. Na época, lembra dona Julia, foi um momento de grande felicidade, do começo de um novo ciclo. Ela só não imaginava que tanto tempo depois seus sonhos se tornaram um pesadelo.

“Perdi guarda-roupa, sofá, geladeira... Só fiquei com a cama e um monte de pano”. Nas últimas chuvas, a água invadiu a casa de dona Julia. “Três da manhã eu me acordei e a água já estava entrando em casa. Para subir para o outro andar eu já sai com água na cintura. Neste ano, a enchente foi pior que os anos anteriores. Perdi guarda-roupa, sofá, geladeira... Só fiquei com a cama e um monte de pano”.

A aposentada sofre de osteoporose e outros problemas de saúde, e como era início de mês, dona Júlia ainda não tinha feito as compras. “Nós ficamos lá em cima sem ter o que comer. Não tinha como sair. Minha sobrinha foi lá no Centro de Referência da Assistência Social Madre Tereza de Calcutá com água no pescoço, falou com o médico e

disse que eu estava sem alimentação e assistência médica, aí ele pegou o barco e veio me consultar. A partir desse dia, a assistência social passou a mandar café e janta todos os dias enquanto a água ia baixando”. Dona Julia acredita que por mais que os problemas na região venham se arrastando há anos, é necessário continuar cobrando soluções às autoridades. “Os candidatos batem na nossa porta pedindo um voto de quatro em quatro anos. Da mesma forma, a gente tem que cobrar deles”. São em momentos como esse que a união deve prevalecer, mas dona Júlia sente falta dessa harmonia entre os moradores da região. “Se fosse um pessoal unido, aqui não acontecia o que acontece. Muita coisa se resolvia, mas falta mais união”.

Na mesma rua de dona Júlia, a comerciante Mônica Alves Araújo, 40, tentava salvar o que podia em seu estabelecimento. O bar 7 Irmãs, que há 10 anos atendia na região, foi invadido pela águas. A enchente levou tudo pela frente. Tudo foi danificado. Só restou sujeira, mau cheiro, prejuízos e muita tristeza. “Quando eu cheguei já estava alagado. Comecei a chorar.

Eu não tinha condições de levantar as coisas cozinha e nem de tirar porque a rua já estava cheia. Percebi que ia perder tudo e eu não podia fazer nada”, lamenta Mônica. O nível da água subiu mais de um metro no local, causando um prejuízo de R$ 6 mil à comerciante. “Perdi três freezers, geladeira, carne de hambúrguer, calabresa porque tive que desligar a energia e estava tudo dentro d’água”, disse Mônica. Ela já tem planos de deixar a região e tentar reerguer seu ponto comercial num outro bairro.

O estabelecimento de Mônica é sua renda. Com ela, sustenta também a mãe de 64 anos e os três filhos. Para completar, ainda trabalha como cuidadora de idosos. Mesmo assim, a situação financeira pode ficar complicada. Ela diz que se agarrou a esperança e na força de vontade. O que Mônica, Gilvânia, Dona Julia e as 320 famílias que vivem no Largo da Aparecida possuem em comum, é a fé. Para essas pessoas, a fé é o que move a sociedade num momento de tristeza e incertezas como esse que vivenciaram. É acreditar que dias melhores e soluções estão por vir e que todo esse sofrimento um dia terá fim, não mais de quatro em quatro anos. “A gente fica meio apreensiva. Vou conseguir de novo. Vai encher de novo. Vai acabar de novo... isso não é vida, né? Para uma mãe e um pai de família, não é vida!”, desabafa Gilvânia. Revista

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“Vai um carrego aí?” Sergipe tem a segunda maior taxa de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, ficando atrás apenas do Distrito Federal

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rabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida. No Brasil, essa atividade é proibida para quem ainda não completou 16 anos como regra geral. Em Sergipe, quase 50 mil crianças e adolescentes estavam nessa situação, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015. Isso faz o menor estado do Brasil ter a segunda maior taxa de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, ficando atrás apenas do Distrito Federal. Em 2017 o Brasil tinha 1.8 milhões de crianças e adolescentes na faixa etária dos 5 aos 17 anos trabalhando, segundo levantamento do IBGE. Desse número, 54%, cerca de 998 mil estavam enquadrados em situação de

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trabalho infantil, crianças com menos de 14 anos. E as 808 mil que estavam acima dos 14 anos possuíam trabalhos ilegais, ou seja, sem carteira assinada ou algum contrato que assegure seus direitos. O trabalho de adolescentes pode ser realizado na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, com carga horária reduzida e comprovação de frequência escolar. Se o trabalho consistir em uma atividade noturna, insalubre ou perigosa a proibição se estende até os 18 anos incompletos.Também é proibido se o trabalho estiver em uma lista definida pela Organização Internacional do Trabalho (OTI) e adotada por vários países. Ela define as formas de trabalho que mais prejudicam e envolvem riscos para o desenvolvimento da saúde e da

moral da criança e do adolescente. Na lista estão venda e tráfico de crianças e adolescentes, utilização de crianças para atividades ilícitas como produção e tráfico de entorpecentes, etc. No Brasil entre as piores formas de trabalho estão a agricultura, pecuária e exploração florestal.

Em Sergipe

Sergipe tem a segunda maior taxa de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, segundo o PNAD de 2015. Isso equivale a 47.659 crianças e adolescentes que estavam nesta situação. Esse número que fica ainda mais assustador quando comparado aos números da pesquisa de 2004, quando era de 51.655. Vale registrar que em Sergipe 44,9% desses jovens estão na zona


texto: Yara Lima

rural, dividindo-se entre agricultura, pecuária e pesca. Ou seja, quase 50% estão em atividades que se encontram na lista de atividades penosas da OIT, e outros 21,1% estão em trabalhos no comércio. O menor número, correspondente a 4,1%, está em trabalhos domésticos. Essa porcentagem, embora seja a menor da lista, é uma das mais preocupantes porque pode passar batido por ser um trabalho dentro de casa e, em tese, menos perigoso quando comparado aos 49,9% da área rural. Entretanto, esses trabalhos domésticos são os mais próximos a escravidão, principalmente no interior do estado onde existe uma cultura de mandar meninas para a capital na intenção de que elas estudem e tenham um futuro melhor. Na realidade, elas acabam ficando em situação de trabalho infantil e sem a chance de estudar, como foi prometido. É o caso de uma menina que aos 16 anos veio para Aracaju na intenção de estudar e em troca ajudaria nas atividades domésticas dos parentes que a acolheram. “A ideia era que eu ajudaria enquanto estudava, uma forma de retribuir. Mas com o tempo me vi tendo que parar de ir para a escola porque ficava cansada demais de tudo o que fazia na casa. O que antes era uma ajuda virou meu trabalho principal e eu nunca ganhava nada porque no final estava retribuindo um favor para estudar. Depois de um tempo voltei para casa porque nem estudava e nem recebia pelo trabalho. Quando falei de salário a dona da casa ficou ofendida e irritada, me chamou de ingrata”, disse a menina.

“Não falto trabalho” O relato da menina não é único. Um menino de 11 anos também contou um pouco de sua história: “as vezes queria jogar bola com os guris da rua, mas a hora que eles jogam estou na escola ou na mercearia. Quando jogam de noite, eu já estou com sono, ai durmo. De vez em quando falto aula para poder brincar, mas não dá pra faltar na mercearia se não meu patrão chama outro menino que ajuda lá às vezes. Comecei indo no domingo que era dia de feira, ele gostou de mim e comecei a ir todo dia, saía da escola e ia direto, as vezes nem almoçava. Aí comecei a ter dor de cabeça e não deixei de almoçar mais, mas de noite quando eu chego já estou com muito sono então não brinco, e também quando não estou

com sono os guris já se cansaram de jogar o dia todo e vão entrar. Se eu quiser jogar mesmo com eles eu jogo de manhã, mas aí não vou pra escola”, contou ele. A vivência plena de uma infância tranquila é de extrema importância para o desenvolvimento saudável de uma criança. Ir contra isso é apostar em um futuro cheio de problemas tanto físicos quanto psicológicos, uma vez que as crianças que são submetidas a esses trabalhos tendem a ter uma dificuldade maior em socialização, além de perder direitos básicos como educação e lazer. Sem contar nos problemas irreversíveis que podem desenvolver na coluna ao carregar muito peso ou ficar em posições antiergonômicas, na respiração quando é inalado muita fumaça, além dos acidentes com objetos cortantes ou queimaduras quando envolve o trabalho rural.

Ao contrário do que se pensa Boa parte das brincadeiras que surgiram sobre a reforma da previdência apontarem para o fato de que para se aposentar com o tempo de trabalho proposto será preciso começar ainda criança, o Plano nacional de prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador aponta que quanto mais cedo for a entrada no

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mercado de trabalho menor será a renda na vida adulta. Isso acontece porque a criança que engata cedo no trabalho menos tempo para estudar e desenvolver suas capacidades terá e por consequência a média salarial não aumentará muito, provavelmente nem mudará de cargo pois dificilmente terá uma capacidade maior para isso. Além de que esse trabalho não é legalizado e portanto está fora dos direitos trabalhistas que resguardam o trabalhador brasileiro.Toda e qualquer brincadeira que normalize trabalho infantil só contribui com o aumento da dificuldade que será erradicar. Um dos maiores programas no combate ao trabalho infantil no Brasil é o PETI (Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil). Na cidade de Nossa Senhora do Socorro, a representante do programa é Jaqueline Silva. “Aqui promovemos atividades educativas para que essas crianças desenvolvam mais sua capacidade além das horas passadas na escola. Dividimos o tempo em resolução de atividades, momentos de lazer e o foco na aprendizagem para que saibam como se portar e o que devem fazer quando estiverem fora dos muros do PETI ou da escola. Para muitas crianças essa é a oportunidade de interagirem socialmente e evitarem trabalhos domésticos que fariam se estivessem em casa, ou coisa pior se estivessem largados na rua com esse tempo disponível”, disse.

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meio ambiente texto: Mariane Góis

Veneno na mesa Pesquisa revela que Sergipe tem a maior taxa de letalidade de intoxicação por agrotóxicos do Brasil

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informação é estarrecedora: Sergipe, o menor estado do Brasil, apresentou uma taxa de 18,52% de letalidade por intoxicação em razão do uso de agrotóxicos. É o maior índice de mortes do país. Este dado está bem nítido no último relatório de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, que foi publicado pelo Ministério da Saúde em 2015. O documento oficial ainda revela que houve um crescimento na taxa de consumo dos agrotóxicos no estado, mas não ocorreu o aumento proporcional na área plantada. Em outras palavras, além da letalidade, parte da população sergipana está exposta aos agrotóxicos, seja de modo direto com a aplicação dos venenos na agricultura, seja a partir do consumo dos alimentos produzidos no campo. As informações do Ministério da Saúde são confirmadas pela ampla pesquisa da professora Larissa Bombardi, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de São Paulo. Essa investigação, de 2017, constatou que os municípios sergipanos de Canindé de São Francisco, Canhoba, Frei Paulo, Itaporanga d’Ajuda e Tomar do Geru apresentaram os maiores índices de intoxicação por agrotóxico, o que traz à tona diversos questionamentos sobre o manuseio dessas substâncias no estado. Os trabalhadores rurais que entram em contato direto com os venenos agrícolas são classificados como o grupo mais vulnerável dessa cadeia mortal. No segundo grupo mais vulnerável à toxicidade estão todos nós, os consumidores desses alimentos contaminados.

No Brasil, mais de 290 agrotóxicos foram autorizados em apenas 7 meses

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Sobre os trabalhadores, a aplicação intensa dos agrotóxicos acarreta inúmeras complicações para saúde, principalmente quando o manejo é feito de maneira inadequada. Muitos trabalhadores sequer têm os Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Alguns usam apenas botas e chapéu. As comunidades situadas ao redor de empreendimentos

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agrícolas ou industriais com intenso uso de veneno também são afetadas. Há registros de crianças e professores que passaram mal após a pulverização de um laranjal localizado nas proximidades de escolas em Tomar do Geru, no ano de 2018. As intoxicações exógenas podem ser classificadas de duas formas: a

aguda e a crônica. A primeira ocorre de forma moderada ou grave, a depender da quantidade de veneno absorvido, do tempo de absorção, da toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento médico. Já a intoxicação crônica é a mais preocupante porque ela não aparece rapidamente e é aqui onde está o principal perigo.


texto: Mariane Góis

A pesquisadora especialista em saúde do trabalhador e professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Tereza Raquel, explica que a intoxicação crônica não tem um diagnóstico imediato como na aguda, uma vez que os sintomas só aparecem ao longo do tempo e no decorrer de repetidas exposições ao toxicante. Nestas condições os quadros clínicos são indefinidos, confusos e muitas vezes irreversíveis. Os diagnósticos são difíceis de serem estabelecidos, principalmente quando há exposição a múltiplos produtos, situação muito comum na agricultura brasileira. Tereza Raquel informa, por exemplo, que o suicídio é muito comum nesses casos e é resultado do uso do veneno. Em razão de serem substâncias

neurotóxicas, elas contribuem para uma descompensação mental do indivíduo e instigam a tentativa de autoextermínio. Para que haja um controle dos casos de intoxicação existem os agravos de notificação compulsória que devem ser feitos às autoridades sanitárias por profissionais de saúde, visando à adoção das medidas de controle pertinentes. De acordo com os últimos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), em 2017 foram notificados 652 pessoas em Sergipe. “A notificação é muito importante, porque ela dispara a ação. Você identifica e consegue combater. Quando você não notifica, a coisa tá pulverizada, você não sabe em que campo minado está pisando”, afirma a pesquisadora.

meio ambiente

A pesquisadora acredita que há uma dissimulação dos dados, ou seja, que a situação é mais crítica do que aparenta. “Eu acho que a gente está sendo intoxicado sim. Pega o câncer, doença que tem crescido vertiginosamente. Se a gente comparar com a quantidade de comercialização de venenos agrícolas, a gente vai ver que elas caminham juntas. A questão não é só aquele veneno colocado na superfície da planta, mas aquele que pega na parte sistêmica também”, alerta Tereza. Entretanto, a pesquisadora entende que existem alternativas para conter o progresso do consumo de venenos, como a agroecologia, uma forma de agricultura sustentável que pretende desfazer os danos causados à biodiversidade e à sociedade.

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Em Sergipe, os venenos mais utilizados são os chamados herbicidas, a exemplo do glifosato e o 2,4D.

No cenário nacional, a situação também é dramática. Em pouco mais de sete meses do Governo Bolsonaro, mais de 290 venenos agrícolas entraram no mercado brasileiro de forma oficial. O ritmo de liberação dos pesticidas surpreende, e é o mais alto já registrado para o período em toda história do país. Em 2018 foram 229 produtos liberados entre janeiro e julho. No ano, totalizou-se 450 venenos. Em 2017 foram 195 produtos no primeiro semestre e 405 no ano. Uma análise do Greenpeace (link) identificou que deste número, pelo menos 32% são proibidos na União Europeia, e 41% são considerados extremamente ou altamente tóxicos. No início do mês de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reclassificou,com base no novo marco regulatório, quase 2 mil agrotóxicos registrados no país. Produtos considerados altamente tóxicos passaram a ter classificação mais baixa. O Brasil adotou o padrão internacional para classificar os venenos e indicar perigos nas embalagens. Somente irá receber o título de “extremamente tóxico” (vermelha) ou “altamente tóxico” (vermelha) o produto que levar à morte se ingerido ou entrar em contato com pele e olhos. Os que podem causar intoxicação, sem risco de morte rápida, levarão a classificação “moderadamente tóxico” (amarela), “pouco tóxico” (azul) ou “improvável de causar dano agudo” (azul).

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texto: Mariane Góis

meio ambiente

Ações do Estado De acordo com a portaria de nº 2.938/2012, o Fundo Estadual de Saúde de Sergipe recebeu no ano de 2012, R$ 800 mil para criar um Plano Estadual de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos. Segundo o gerente de Vigilância em Saúde Ambiental, Alexsandro Bueno, esse plano está em fase de elaboração e pode ser apresentado no mês de setembro de 2019 para aprovação do Conselho Estadual de Saúde. “Os trabalhos iniciaram, mas ficaram parados por algum tempo até mesmo pela escassez de técnicos, mas já melhoramos nosso quadro técnico, então a gente está retomando essas atividades agora”, esclarece Alexsandro. O gerente informa que medidas relacionadas a inspeção da água já estão mais avançadas devido a um plano de monitoramento que é executado há cerca de quatro anos. “É feito todo um levantamento desses locais onde identificamos o uso do pesticida, e nós fazemos o monitoramento em todos os sistemas de abastecimentos próximos a esses locais”, completa Alexsandro.

Agrotóxicos mais utilizados no estado de Sergipe

A raiz do corpo

a- Seu uso tem sido associado a maior incidência de câncer, à redução da progesterona em células de mamíferos, a abortos e a alterações teratogênicas por via placentária. O Limite Máximo de Resíduos (LMR) de glifosato permitido na soja na União Europeia (UE) é de 0,05 mg/kg. No Brasil é de 10 mg/kg, portanto um limite 200 vezes maior. b- O produto é possivelmente carcinogênico para humanos, induz estresse oxidativo, causa imunossupressão, interfere no funcionamento normal do sistema hormonal dos organismos, impede a ação normal de hormônios estrógenos, andrógenos e, mais conclusivamente, da tireoide. c- A Itália e a Alemanha baniram a atrazina em 1991, e em 2004 a atrazina foi proibida em toda a UE. O Limite Máximo de Resíduos (LMR) de atrazina permitido na água potável na UE é de 0,1 μg (micrograma = 1/1000 miligrama), no Brasil é de 2 μg, portanto um limite 20 vezes maior. Fonte: EMDAGRO

Projeto “SAÚDE NO CAMPO” O Com o objetivo de reduzir a utilização progressiva de agrotóxicos e sensibilizar a comunidade agrícola da importância do uso racional desses produtos nas lavouras, o Projeto “Saúde no Campo”, desenvolvido pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), tem como público alvo os produtores rurais dos municípios, com a participação das Secretarias Municipais (Agricultura, Meio Ambiente, Saúde, Educação e Comunicação). O projeto piloto foi apresentado no ano de 2018 em Umbaúba, município do sul sergipano,

que apresenta altos índices de utilização de agrotóxicos. As cidades de Graccho Cardoso, Riachão do Dantas, Itaporanga, Canindé de São Francisco, Aquidabã e Nossa Senhora da Glória também abraçaram o projeto e já estão desenvolvendo medidas para minimizar os impactos dessa prática, como os pontos de descarte de embalagens. “É muito fácil nossa equipe fiscalizar e multar. Vai embora e acabou. Não é assim. Além de fazer essas fiscalizações, a gente quer que o produtor mude de hábito” diz Aparecida Andrade, coordenadora da

área de Defesa Vegetal da Emdagro. Ela informa que através do projeto Águas de Sergipe a Emdagro, em parceria com outros órgãos, inclusive com a Ardase (Associação dos Revendedores de Defensivos Agrícolas de Sergipe), está adquirindo um software para o rastreamento e controle do comércio e uso de agrotóxicos no Estado. “A gente vai tentar rastrear o agrotóxico desde a entrada no estado de Sergipe até a devolução das embalagens”, acrescenta a coordenadora.

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texto e fotos: Ayrana Lopes

turismo

No turismo, não é tempo de caju Falta de criatividade, ousadia e profissionalismo marcam a crise do setor em Sergipe

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Artesanato de cerâmica no Mercado Thales Ferra z, importante ponto turístico da cidade

o turismo em Sergipe a maré não está para peixe ou, para ficar mais próximo, os tempos não são de caju. A crise nesse setor é real. Nos últimos anos, essa pauta tem sido motivo de preocupações para o trade turístico. Há grandes problemas no aeroporto, no teatro, na orla, no centro de convenções, nas ruas e praças. O único aeroporto é o Aeroporto “Internacional” de Aracaju/Santa Maria que, contraditoriamente, não fornece voos internacionais e apresenta somente três companhias aéreas com conexões limitadas para outras regiões – Azul, Latam e Gol. A Avianca Brasil encerrou suas atividades em Aracaju no início deste ano e era a única que realizava os voos para Salvador e Brasília a partir da capital. Em junho, o governador Belivaldo Chagas assinou acordo com a Azul, e também reduziu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços no consumo de querosene de aviação no estado. Assim, a previsão é de que os voos para Salvador retornem. Sergipe é o segundo estado com o menor número de passageiros do Nordeste, perdendo apenas para o Piauí. Os dados são da Agência Nacional de Aviação Civil. A falta de concorrência entre as companhias faz com que o preço das passagens suba e o número de passageiros diminua, fator que desestimula os sergipanos a comprar passagens com saída local, optando, muitas vezes, ir para alguma capital mais próxima de ônibus e de lá seguir a viagem aérea. Quase metade do público (45%) não-residente no estado chega em Sergipe com veículo próprio, segundo o estudo de demandas turísticas de 2018. Revista

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Somado a isso, a Associação Brasileira da Indústria Hoteleira em Sergipe divulgou uma pesquisa que denuncia a redução de 12,7% na ocupação de hotéis no primeiro semestre de 2019 em relação ao ano passado. Essa falta de aderência fez com que aumentasse o número de demissões dos funcionários na rede hoteleira, acentuando o desemprego no estado.

“Falta profissionalismo” “Falta ao turismo sergipano profissionalismo em todos os sentidos. Não falo só de profissionalismo da gestão pública, mas também da iniciativa privada. Falta ousadia e exercício de criatividade”, afirmou Daniella Pereira, alagoana, residente em Sergipe desde 2013, professora de pós-graduação do Departamento de Turismo (DTUR) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). A professora aponta que Sergipe é um estado com muita potencialidade, porém ainda não é trabalhado na mesma proporção. Exemplo disso, é a falta de segmentação do setor turístico que investe somente na oferta e não se preocupa com a demanda, a qual, com as redes sociais, tornou-se cada vez mais exigente, autônoma e crítica. Há mais de 20 anos, o pacote turístico do estado permanece o mesmo - sol e praia, festejos juninos e Cânions do Rio São Francisco. Essa persistência, para Daniella, reflete certo amadorismo no modo de fazer turismo em Sergipe. A professora cita os exemplos de Maceió, que começou a investir no público de terceira idade, pessoas aposentadas que detém algum poder aquisitivo; e Recife, que criou os projetos “Olha! Recife” e “Recifense Praticante”, roteiros que estimulam a caminhada a pé pela cidade ou de ônibus gratuito, como cidades-modelo para Sergipe se inspirar e se reinventar. “É preciso incentivar os sergipanos a frequentar os seus espaços”, lamenta a professora ao descrever a escassez de pessoas que consomem o Cinema Vitória, no centro de Aracaju e a falta de restaurantes abertos no final de semana naquela redondeza. A partir de novembro deste ano, a empresa espanhola Aena vai comandar o Aeroporto de Aracaju, que foi privatizado pelo governo

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federal. “Considerando que a gente tá quase no fundo do poço, eu espero que seja uma alternativa que vale a pena apostar. A iniciativa privada não entra pra perder, ela aposta em localidades que são atraentes pra ela”, ressaltou Daniella sobre a mudança.

“Eu tenho esperança”

Viver os encantos de todo dia

A Diretora de Turismo de Sergipe, Lara Brunelle Almeida, apontou a conquista das cinco governanças dos Polos Turísticos sergipanos como avanço no combate à crise. De acordo com a medida, os 75 municípios do estado estão divididos nos Pólos Velho Chico, Costa dos Coqueiros, Sertão das Águas, Serra Sergipana e Tabuleiros, e segundo ela, essa divisão propicia um maior protagonismo dos municípios que os integram. “Essa crise na verdade é algo que vem historicamente e como qualquer medida no turismo nada é a curto prazo”, afirmou. Para a professora Daniella Pereira, apesar desse cenário, há o aumento da demanda na universidade no curso de Turismo. Com apenas sete professores efetivos no departamento, a vontade de colheita, mesmo em tempos de escassez na cidade do caju, é maior. Com a voz embargada, Daniella faz uma pausa. Respira, enxuga as lágrimas, e faz um apelo: “acreditem , ousem, sejam criativos, não é fácil... mas existem muitas iniciativas aqui no ladinho...eu acredito muito aqui nesse lugar, temos muito o que mostrar. É um desafio, mas acho que vale a pena insistir. Eu tenho esperança!”.

Sozinha, atenta, com passos rápidos e olhar curioso, a cerimonialista mineira Lucíola Alves passeia pelas barracas de artesanato do Mercado Antônio Franco, em Aracaju. O motivo da vinda à capital sergipana foi a visita ao seu filho que trabalha como geólogo no município de Simão Dias. Com entusiasmo, ela diz que sempre procura os mercados das cidades para fazer a primeira visita, pois sabe que encontrará toda essência cultural da região, inclusive as comidas típicas. Questionada sobre como estava sendo recebida na cidade, diz: “fiquei até surpresa a primeira vez que eu vim, achei muito organizada e limpa. Se fosse pra morar aqui, eu moraria”. A “surpresa” de Luciola reflete o estereótipo negativo carregado pelo Nordeste e propagado pelas outras regiões do país. É o que confirma a estudante de teatro Letícia Franco, também mineira, que veio morar em Aracaju há um ano devido à transferência do pai. “É um Estado que normalmente a gente esquece, mas tem uma cultura muito rica. Quando cheguei aqui fiquei com muito espanto porque lá a gente não tem muito contato. É uma cultura meio


Palavras mais lembradas pelos turistas sobre Sergipe. (Fonte: Caracterização turística de Sergipe 2018/FGV) Elaboração própria

Orla Manguezal

Praias Cânion do Xingó Rio Sergipe

escondida, maquiada, sabe?”, contou. Ainda pelas passarelas do mercado, ao som do forró, estava a professora de literatura inglesa da Universidade Estadual de São Paulo, Cleide Rapucci. Ela conhecia a famosa barraca dos cordéis junto com familiares do Sul e Sudeste que moram na capital sergipana há 40 anos. Cleide veio participar de um seminário internacional sobre literatura e mulher na Universidade Federal de Sergipe, e aproveitou para ir ao mercado, pois já fazem 30 anos da sua última visita. “Mudou bastante, o mercado está muito mais cuidado. Adoro o Nordeste. E Aracaju tem a fama de ser a cidade menor, uma das capitais mais acolhedoras e continua assim”, afirmou. Luciola e Cleide fazem parte da estatística de análise dos turistas sudestinos que vêm para Sergipe. Ano passado, o estudo de demanda realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o Governo de Sergipe, mostrou que mais da metade dos visitantes dos principais polos turísticos de Sergipe são oriundos das regiões Nordeste e Sudeste. Bahia, Alagoas, São Paulo e Rio de Janeiro foram os estados predominantes.

Crôa do Goré

Rio São Francisco Educado

Receptivo

Hospitalidade

Simpático

Acolhedor

Gentil Alegre Cangaço Caju

Cultura Tranquilidade

Lampião

Maria Bonita

Caranguejo

“Adoro o Nordeste. E Aracaju tem a fama de ser a cidade menor, uma das capitais mais acolhedoras e continua assim”.

Cleide Rapucci, paulista

“Fiquei até surpresa a primeira vez que eu vim, achei muito organizada e limpa. Se fosse pra morar aqui, eu moraria”. Lucíola Alves, mineira “Quando cheguei fiquei com muito espanto, porque lá a gente não tem muito contato. É uma cultura meio escondida, maquiada, sabe?” Letícia Franco (à esq.), mineira

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Os plásticos tem sua devida finalidade. Não é difícil de encontrar uma garrafa plástica em algum lugar. Será que elas teriam algum outro material para substituí-las?

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texto: Joyce Felix fotos: Francielle Nonato

saúde

A dor na arte

Invisível aos olhos do público, músicos adoecem em busca da perfeição artística

M

úsica é a arte que combina variações de sons e ritmos. Expressa sentimentos, emoções, paixões e uma infinidade de sensações. O músico é o profissional responsável por exercer funções dentro deste campo artístico. Para chegar a excelência musical, o músico precisa realizar movimentos repetitivos durante horas seguidas. Muitas vezes, chega à exaustão, física e mental. É aí onde o compasso perde o passo. O ardor da profissão está diretamente ligado a problemas físicos, e isso está longe dos olhos do público. Ao apreciar um concerto, por exemplo, muitos de nós não consegue visualizar o processo penoso que os músicos levaram para chegarem naquele nível de execução da peça. Dentre as queixas mais comuns entre os músicos estão: escoliose, tendinite, distensão e L.E.R (Lesões por Esforço Repetitivo). Essa última é a mais recorrente dentre os músicos. Diversos estudos têm sido realizados sobre esta questão.

70% 64% 43%

Dos componentes de orquestras apresentam disfunções musculoesqueléticas em decorrência de da prática instrumental; Dos músicos praticam algum tipo de atividade física, como esportes coletivos, musculação, atletismo e artes marciais; Dos músicos atletas não possuem qualquer tipo de prescrição ou acompanhamento de um profissional de Educação Física.

Fontes: “Queixas Musculoesqueléticas em Músicos: Prevalência e Fatores de Risco” (UFRGS) e “Trabalho e prática de exercícios físicos: o caso de músicos de orquestra” (UFSC) Revista

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Cada caso é um caso Um caso famoso de dor na arte é o do ex vocalista e baterista da Genesis, Phil Collins. Ele começou sua carreira nos anos 70 e continuou em atividade até 2011, quando precisou fazer uma pausa por conta de um problema na coluna. Os anos tocando bateria renderam dores que eram suportáveis no início, mas com o passar dos anos foram se agravando. Em 2015, Collins realizou uma cirurgia na coluna e até hoje sofre com sequelas da operação. Por um tempo, precisou realizar os shows sentado. O saxofonista e professor no Conservatório de Música de Sergipe, José Aroldo, também passou por situação parecida a de Collins. Em 2012, precisou fazer uma cirurgia na mão esquerda que o deixou três meses afastado da música. A lesão foi causada por conta da posição como tocava o saxofone. Primeiro, surgiu um calo na mão, aos poucos já não conseguia mexer o dedo médio e o anelar. A solução foi a cirurgia. O resultado disso é que Aroldo precisou trocar de instrumento. Passou do saxofone barítono para outros mais leves, como o saxofone soprano. Hoje, pratica o instrumento por cerca de 10 a 20 minutos por dia. Mesmo após ter precisado fazer uma cirurgia, ele só procura ajuda profissional quando aparece algum problema. Os incômodos mais leves ele alivia com repouso e gelo. Apesar de sofrer com tantos problemas físicos, o professor não consegue se desfazer da sua paixão por tocar. “Música deixa todo mundo feliz. É só você tocar um ‘solinho’ de sax ali que quem estava triste fica feliz.”, conta Aroldo com um sorriso no rosto.

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Flautista da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Daniel Melo, começou na música cedo, com sete anos de idade. Seu corpo então foi se adaptando a prática do instrumento. “Cresci tocando. A maioria das estruturas físicas do meu corpo ainda estava em formação. A minha coluna possui um ponto onde ela é um pouco ‘girada’, é o ponto onde o corpo vira para ficar na posição do instrumento”, lembra Daniel. Os incômodos começaram a surgir nos primeiros cinco anos após o início da prática musical. Aos poucos ele foi diminuindo a intensidade dos treinos, mas nunca parou de fato. Hoje, treina o instrumento duas horas por dia, duas vezes por semana. Ainda na infância, Daniel fez consultas com um ortopedista que o aconselhou a parar de tocar o instrumento. O rapaz se recusou. Para ele, tocar é muito mais do que um simples hobby, e mesmo com todas as dores, o esforço vale a pena. “Não consigo me ver sem fazer música. O tempo todo estou pensando nisso. Faz parte da minha vida”, reforça Daniel. Alexandro Chaves, estudante de contrabaixo acústico e elétrico, relata que houveram desconfortos no inicio

dos seus estudos por conta da falta de conhecimento. No começo ele sentiu leves desconfortos. A vontade de aprender e o desconhecimento das técnicas acabaram gerando incômodos, que não chegaram a ser graves, segundo o rapaz. Alexandro nunca procurou um médico para resolver os incômodos. Para se prevenir contra possíveis contusões, ele faz aquecimentos antes de iniciar os estudos com o instrumento, evitando tencionar ou lesionar os músculos. O rapaz também buscou fortalecimento muscular no esporte, praticando ciclismo e surf. Aliado a isso, Alexandro não possui o hábito de tocar por várias horas seguidas.“Eu estudo várias vezes ao dia, cerca de 10 minutos, depois eu paro. Não tenho essa metodologia de tocar várias horas seguidas. Prefiro tocar por pouco tempo várias vezes ao dia”, informa o músico. Como os outros entrevistados, Alexandro menciona com emoção a sua paixão pela música. Ele optou em diminuir sua carga de estudos para continuar tocando por muito mais tempo. “Música é minha vida. Tudo o que eu faço é música”, confessa alegremente.


Alongamentos e pausas são essenciais para evitar as lesões

Prevenção é o melhor remédio Maria Goretti Fernandes, professora do departamento de Fisioterapia da UFS, aconselha pausas durante a prática dos instrumentos. Ao realizar uma atividade repetitiva, é necessário realizar pausas constantes para que os músculos tenham um repouso. Esse repouso é importante para que os músculos e tendões se recuperarem. Goretti recomenda pausas de 10 minutos a cada 50 minutos de atividade. Nesses 10 minutos o ideal é fazer um alongamento. Segundo a professora, a ginástica laboral é uma ótima opção preventiva. Feita por profissionais da área, como fisioterapeutas e educadores físicos, ela tem como objetivo prevenir lesões e outras doenças causadas pelo trabalho repetitivo. Essa ginástica será diferente para cada músico. A depender do instrumento tocado, os músculos utilizados na prática serão diferentes uns dos outros, por isso, é necessário realizar exercícios específicos para cada musicista. Respeitar o corpo e a própria capacidade física é essencial. Cada um sabe seu limite. Os nervos, músculos, tendões e articulações são insubstituíveis. Uma pessoa que está com lesão por esforço repetitivo perde até 50% da sua capacidade de força. Após lesionar, só resta tratar. O tratamento é feito com fisioterapia e repouso. “O remédio é a prevenção. Já dizia Hipócrates: ‘é melhor prevenir do que remediar’.”, lembra Goretti. Revista

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Sergipe tem futebol feminino! Apesar de invisíveis, elas resistem e até participam de um campeonato estadual

Prof. Marcelo Ennes, doutor em sociologia e membro do Dpto. de Ciências Sociais da UFS (Foto: Camila Gerônimo)

Treinamentos de futebol feminino na escolinha de base do bairro Rosa Elze (Fotos: Kemily Abreu)

Se existe algum símbolo de resistência no esporte esse é o do futebol feminino em Sergipe. Sem qualquer incentivo, as mulheres persistem e fazem, quase sozinhas, com que esse esporte exista e aconteça, mas que continua invisível. Um exemplo disso é que desde 2016, a Federação Sergipana de Futebol realiza, com maior regularidade, o Campeonato Sergipano de Futebol Feminino. Alguém já viu isso? Os times que participam deste campeonato são, no geral, amadores. Um dos times que participa da disputa é o Canindé, que é bicampeão do Campeonato Sergipano e que representa com bastante primor a cidade de Canindé de São Francisco, no sertão. Essa equipe faz crescer a esperança de um futebol mais acessível às mulheres. O fato é que poucas pessoas

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conhecem e sabem sobre o Campeonato Sergipano Feminino e menos ainda frequentam e participam. É uma disputa que poucos sabem e acompanham, praticada por atletas invisíveis. A falta de atenção para esse esporte é tanta que os dois maiores times profissionais do estado, Sergipe e Confiança, não possuem nenhuma categoria feminina e não participam do Campeonato Sergipano Feminino. Com poucas escolinhas e clubes que incentivem a prática do esporte feminino, as atletas acabam não seguindo uma carreira. Este ano, o Campeonato Sergipano Feminino terá início em 5 de outubro, com 14 equipes, entre elas: Amadense, América de Pedrinhas, Aracaju, Barra, Boca Júnior, Botafogo, Canindé, Estanciano, Força Jovem, Real Sergipe, Santos Dumont,

Socorro, Rosário Central e Boquinhese.

Um retrato do futebol feminino no Brasil O ano 2019 foi importante para o futebol feminino. Pela primeira vez na história do Brasil os jogos da Copa Feminina, realizada na França, foram transmitidos em canal aberto. Em meio a esse grande acontecimento, muito ainda precisa mudar para que o futebol feminino tenha o reconhecimento e os investimentos que merece. Segundo documentos da Federação Internacional de Futebol (Fifa) foram destinados U$ 30 milhões a serem distribuídos para as 24 seleções que


texto: Irllen Sousa

participaram da Copa do Mundo Feminina, em Paris. Para o mesmo evento que aconteceu na Rússia em 2018, onde participaram 32 seleções masculinas, o valor disponibilizado pela mesma entidade foi de U$ 400 milhões.

Habilidade, sonhos e desafios inspiram as jogadoras mirins

A nova geração das artilheiras Pensando nas jovens talentosas e desconhecidas, Seu Miguel, como é conhecido, morador do bairro Rosa Elze, em São Cristóvão, decidiu treinar por conta própria meninas para o seu futuro time de futebol. Há alguns anos ele aluga um espaço e dá aula para crianças da comunidade. Foi assim, ensinando futebol para os meninos que a mãe de uma das crianças resolveu levar sua filha para treinar com Seu Miguel. Depois, mais duas meninas apareceram com interesse em também fazer parte da escolinha. Sem formação acadêmica, Seu Miguel passa tudo que aprendeu ao longo da vida sobre futebol para as crianças e sonha que um dia possa ter o seu próprio clube com turmas grandes de meninas e meninos. “Eu quero é chegar a fazer dois times. Um com até 10 ou 12 meninas.” comenta Seu Miguel. As meninas que treinam com ele têm entre 12 e 14 anos e frequentam a escolinha duas vezes por semana.“E elas jogam muito, ficam no campo, se esbarram com os meninos, mas levantam e continuam o jogo.”, avalia Seu Miguel a persistência das pequenas jogadoras. Sobre o futuro do futebol, Seu Miguel demonstra pessimismo “Eu não vejo só em Sergipe mas no Brasil a falta de oportunidade, desses políticos em tirar o dinheiro do bolso e investir nesses meninos de rua. O futebol que a gente tem hoje aqui é muito precário por causa disso. Não existe isso de “olha, esse dinheiro aqui é para vocês investirem na escolinha de base.” “Você não vê ninguém, quando chega lá (na prefeitura) as portas estão fechadas.” Compartilhando dos mesmos sonhos, mas de realidades diferentes, de ver suas meninas brilharem no campo, José Luiz Góes, pai da jogadora Julia Correia, que tem apenas 8 anos, começou a investir cedo na carreira da filha. Ele conta que aos 4 anos Júlia já demonstrava bastante aptidão para o esporte e que aos 6, ele e a mãe da menina, decidiram colocá-la em uma

esporte

escolinha de futebol para aprimorar esse talento. Assim que tomaram essa decisão, José começou a pesquisar e a primeira escolinha que ele tentou matricular a filha negou o pedido por não fazer parte da filosofia do clube misturar meninos com as meninas. Hoje, Júlia treina em um clube na capital em uma equipe mista, mas é a única menina do time. Apesar disso, o pai da pequena jogadora acredita que ela não está em desvantagem. “Isso em momento nenhum foi dificuldade pra ela, que sempre colocou sua vontade de jogar acima de tudo”, conta José. Com menos de uma década de vida, Júlia já tem uma coleção de prêmios como GoCup (maior torneio infantil da América Latina), com a Equipe Oficial do Cruzeiro (Unidade São Luiz-Maranhão) na categoria sub7, campeã da Copa Alencar jogando pela escolinha do Botafogo e campeã sergipana do torneio FUT7 na categoria sub 9. “Acredito sim que ela vá querer seguir carreira no futebol, mas acho pouco provável que aqui no estado. A preparação dela pode dar oportunidades fora do Brasil”, comenta o pai orgulhoso.

Na edição de 2019 dos Jogos Escolares da TV Sergipe, Júlia Correia foi eleita Atleta Destaque (Foto: arquivo pessoal)

Revista

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Clube de Fu Av. José Con Araújo, 512 Aracaju - SE 470

Clube desportivo Canidé Av. Antônio Carlos Valadares, 406, Canidé de São Francisco - SE. CEP: 49820-000

Escola de Futebol Força jovem São domingos - SE. CEP: 49525-000

Associação Desportiva Socorrense. Nossa Senhora do Socorro - SE. CEP: 49160-000

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Olímpico Esporte Clube R. José Maria Costa, 243, Itabaianinha - SE. CEP: 49290- 000


texto e fotos: Pedro Ramos

cidades

utebol Zebra nrado de - B. Industrial, E. CEP: 49065-

Itabaiana Foot Ball Clube R. Cel. Sebrão - Centro, Itabaiana - SE. CEP: 49500-000

Bairro Santos Dumont, Araacaju SE

Escola de utebol Rosário Central. Av Humberto Gomes , Rosário do Catete - SE. CEP: 49760-000

Rosário do catete

Associação Desportiva Barra dos Coqueiros R. B, Barra dos coqueiros SE. CEP: 49140-000

Sociedade Boca Júnior Futebol CDlube Estância - SE. CEP: 49200.000

Escola Flamengo R. Prof. Jugarta Feitosa Franco, 170, Aracaju - SE. CEP: 49035-310 Revista

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texto: Fabrício Santos

esporte

50 anos do Batistão. Eu vi! Os vários olhares sobre a inauguração da maior praça esportiva de Sergipe, o Estádio Lourival Baptista

E

ra 9 de julho. 1969. Naquela data, em Aracaju, foi inaugurado o Estádio Estadual Lourival Baptista, o “Batistão”. O público de mais de 45 mil pessoas que estava lá testemunhou o embate inaugural. Em campo, as seleções sergipana e brasileira. Pelo Brasil estavam Pelé, Tostão, Jairzinho e companhia, equipe que viria a ser tricampeã do mundo no ano seguinte. Nessa primeira partida, o principal palco esportivo do estado presenciou a goleada canarinha por 8 a 2. A seleção sergipana não teve a menor chance. No entanto, a derrota não apagou o brilho do nascimento do estádio, o qual se tornou um dos únicos do país a possuir um hino, cantado na festa de inauguração por ninguém menos que o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. O Batistão não surgiu apenas com função esportiva. Abaixo das arquibancadas, salas de aula. Durante alguns poucos anos existiu um projeto educacional no local. O hino do estádio não só enaltece a praça esportivamente, mas reitera a função educacional a qual ela viria a ter. Para lembrar os seus 50 anos, a Revista Mais Contexto traz o relato de jogadores, jornalistas e torcedores sobre o grande dia da inauguração.

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Carlos

Magalhães

, cronista esportivo: “O governador Lourival Baptista me convocou para que fizesse a aglutinação dos profissionais da imprensa de todas as regiões do Brasil que vieram para a inauguração do Estádio Estadual Lourival Baptista. Nós não tínhamos hotel para hospedar a imprensa aqui. O governo conseguiu que proprietários de casas em Atalaia hospedassem os profissionais. Também colocamos transmissores de emissora de rádio do Brasil em pontos diferentes de Aracaju. Assim, todos puderam transmitir sem confusão. Todos puderam ouvir a inauguração do Batistão nas mais diversas partes do país. Com mais gente do que cabia no estádio, tinha torcedor pendurado até nas torres de transmissão. O Brasil inteiro e o mundo ouviu pelo rádio e depois com transmissão da Rede Globo assistiram ao jogo. A partida foi gravada. Foi uma festa maravilhosa”.

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Luís Carlos Bossa Nova

, exjogador de futebol: “Em 1969 estava na inauguração com meu pai. Estar ali foi uma realização porque meu pai não gostava do esporte, mas que naquele dia teve a atitude de me levar para ver a inauguração. Eu tinha 14 anos e não sonhava em me tornar jogador de futebol. Tempos depois, passei a ser atleta profissional e joguei no Batistão. Infelizmente não tive a satisfação de jogar na atual Arena. Era uma grande obra, um enorme feito para o nosso estado. Agora, ao completar 50 anos, pude estar vivo e me fazer presente na data. No jogo festivo em comemoração ao cinquentenário, fui técnico da seleção brasileira, a qual foi liderada por Washington Coração Valente e que enfrentou a seleção sergipana.”


texto: Fabrício Santos

Everardo

esporte

Sena,

ator, comediante e radialista: “Sou irmão do recém falecido Beto, que era zagueiro da seleção sergipana naquele jogo. Na inauguração do Batistão, ele entrou disposto a não deixar Pelé fazer gol, pois o rei marcava contra todo mundo e não era pouco. Ele, no momento onde Pelé faria o gol, preferiu fazer o gol contra, mas não permitiu que o camisa 10 da seleção brasileira viesse a balançar as redes da nossa praça esportiva.”

Raimundo Macedo,

cronista esportivo: “É uma data que vai ficar para história dos apaixonados por futebol. A inauguração do Batistão não foi importante apenas para o estado de Sergipe, e sim, para toda a região. Vivíamos uma ditadura militar, e foi a única maneira encontrada pelo governo de começar a criar uma estrutura melhor através do esporte, construindo praças esportivas. O Batistão foi tão importante para o Nordeste, que a partir dele foi que surgiu outras praças esportivas pela região. Um exemplo é o Estádio Rei Pelé, em Maceió, e o antigo Estádio Castelão, no Ceará, entre outros. Naquela época, eu morava no interior com meus pais e vim residir em Aracaju com meus avós. Vivi aquele dia com muita alegria, sendo torcedor, e com muito orgulho de ter uma praça esportiva dessa importância no meu próprio estado.”

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Paulo Roberto

, jornalista: “O dia 9 de julho de 1969 foi marcante em minha vida. Tudo porque tinha apenas 19 anos de idade e trabalhava na época como repórter da Rádio Cultura e na Federação Sergipana de Futebol. No dia jogo aconteceu um fato importante: eu como funcionário da antiga Federação, trabalhei no jogo entre a Seleção Sergipana e Seleção Brasileira como auxiliar de representante da Federação, hoje chamado de Delegado. Um dos fatos mais importantes de dia aconteceu após o jogo quando fiquei com uma bola, que foi autografada pelo árbitro Armando Marques. Tal bola, infelizmente, meses depois foi subtraída de um carro de um amigo, depois de mostrá-la num fim de semana em um bar com outros amigos. Outro fato foi que no dia do jogo, Pelé tirou uma foto com vários repórteres e eu estava. No vestiário do árbitro, Armando Marques, antes de subir para o gramado, tirou de sua bolsa uma imagem de Nossa Senhora e rezou uma Ave Maria. Eu participei ativamente do surgimento do Batistão. No geral, foi isso. Uma grande festa, num dia em que o nosso Estado parou para respirar esse jogo que, seguramente, ficará cristalizado em minha memória”.

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Evandro Noronha

, comentarista esportivo: “Eu saí da cidade de Itabaiana, com 12 anos de idade, junto com meus pais e meus irmãos para participar da inauguração. Saímos por volta das 12 horas e só conseguimos entrar às 15 horas. Sentamos na arquibancada em frente às cabines de rádio. É um evento que dificilmente irei esquecer, pois foi um fato que marcou muito a minha vida. Havia uma enorme expectativa para aquele jogo, e eu, vindo de Itabaiana - “tabaréu” como se dizia na época -, esperava com muita ansiedade. Eu não tinha muito conhecimento do futebol, mas a presença da Seleção Brasileira de Pelé e diversos outros craques era algo que animava a qualquer um. Às 20h30, veio a surpresa maior, que foi quando foram acesos os refletores. Assim que a primeira torre foi ligada, já houve um impacto muito grande. Quando todas já estavam acesas, olhávamos para o gramado e parecia que ainda era dia, de tanta claridade que havia no local”.

Wilson

Tavares,

cronista esportivo: “Eu participei da inauguração como torcedor. Naquela data, eu tinha nove anos. O jogo foi durante a noite, mas às 15 horas eu já estava no Batistão e ele já se encontrava praticamente lotado. Eu estava no fundo do gol, do lado onde fica a torcida do Sergipe atualmente; era praticamente um torcedor em cima do outro porque já não tinha mais espaço para ninguém. Foi um espetáculo tão marcante na minha vida, que hoje em dia estou completamente ligado ao esporte, sendo radialista, jornalista. Aquela inauguração que me fez despertar a vontade de rumar para o rádio, principalmente na área do futebol. Dez anos depois, eu entrei no rádio. Fiz muitas entrevistas com diversas personalidades no Batistão. Vivi momentos memoráveis nesse estádio, assistindo jogos históricos. Ele faz parte da minha vida como torcedor e da minha vida como comunicador”.

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texto: Kemily Abreu

jornalismo

Para entender o Contexto De onde vem e como são pensadas e produzidas as notícias, reportagens e artes do Contexto

O adeus ao bonde não foi apenas nas ruas da capital aracajuana. No Departamento de Comunicação Social (DCOS) da Universidade Federal de Sergipe, o Bonde também foi recolhido para ir a outro Contexto. Antes disso, porém, esse Bonde do DCOS fez história no impresso. Ele era o nome do jornal laboratório do curso de Jornalismo da UFS. Em outubro de 1997, a primeira edição desse jornal digital chegava a internet. O Bonde Rede foi lançado pelos professores Carlos Eduardo Franciscato e Lílian Cristina Monteiro França. O jornal, com periodicidade mensal, era produzido por estudantes que cursavam a disciplina Laboratório em Jornalismo I e surgiu para que os alunos tivessem contato com as etapas de produção de um jornal online. Ele tinha como objetivo levar ao público informações sobre a UFS e sobre a sociedade sergipana. Não só as ruas ganharam outro ritmo, mas o jornal, que passou a se chamar Contexto, ganhou outras rotinas de produção. Com as transformações tecnológicas pelos quais o jornalismo passou e passa, o ambiente digital tornou-se a grande referência em termos de produção jornalística, de profundidade, diversidade de conteúdos e de leitores. Em 2017 ocorreu uma reforma curricular que colocou a produção digital no centro do processo de aprendizagem na universidade. A produção do Contexto agora é realizada pelos alunos da disciplina Jornalismo integrado I que dispõe de três professores: Josenildo Guerra, Eduardo Leite e Cristian Góes.

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Primeiras avaliações Josenildo faz parte da longa trajetória do jornal laboratório do DCOS da UFS. Ele diz que a divisão com os colegas foi uma grande conquista. “A forma como montamos a disciplina exige uma produção integrada. A gente faz ao mesmo tempo produção de pauta, apuração, texto, edição. E a edição tem tanto a parte de revisão da matéria quanto a parte visual em que se tem uma competência específica para isso”, informa Josenildo. O professor Eduardo Leite, que atua na diagramação e edição do Contexto, conta que os alunos queixavam-se da falta de padronização. Eduardo explica que é necessário um modelo básico, minimamente seguido para a fidelização, reconhecimento e criação de identidade por parte do público. Ele enfatiza a importância de continuidade desse modelo, sem negar a ideia de aprimoramento que deve ser contínuo. “A ideia é ir aprimorando, esse é o grande legado da disciplina. E foi o que a gente fez no site em uma proporção menor. Tinha uma grande demanda dos alunos de mudança de cor, do layout do site que era problemática. Fizemos uma pequena mudança que deixou mais intuitivo”. Eduardo cita a reportagem de Rafaelle Silva, capa da última edição

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da Revista Mais Contexto, que contou com um furo na apuração dos dados de pessoas mortas pela polícia no primeiro semestre em Aracaju. “A gente tem um material de jornalismo de qualidade feitos pelos alunos que extrapola, por exemplo, o que está sendo feito na grande imprensa daqui”, afirma o Eduardo. O professor Cristian Góes enfatiza que o repórter sempre será um sujeito que enfrenta dilemas ético, humanos, em suas atividades, principalmente no contato com as fontes, com suas histórias. “Essa disciplina busca ajudar os alunos também a perceber essas dificuldades, perceber os dilemas que aparecem no processo”. Para ele, ser repórter é uma construção diária, um processo prático de permanente reflexão. “O que tenho defendido

com os alunos que fazem o Contexto é que não permitam que o processo de rotinização afetem a sensibilidade diante das histórias humanas”, reforça.

Os repórteres estudantes

O aluno Abel Serafim, que participou das três últimas produções do Contexto diz como o tempo curto e a falta de recursos é um fator limitante que acarreta o acúmulo de funções e dificulta o processo de apuração. “Se em um dia eu poderia resolver tudo, vou precisar de uma semana: vou depender de ônibus, tenho que agendar com as fontes e às vezes o estudante de jornalismo precisa desenvolver um contato maior com a fonte para que ela conceda a entrevista, porque ainda não tem a credibilidade”.


A estudante Rafaelle Silva enfatizou a necessidade e importância da disciplina que proporciona o contato direto com os novos diálogos e formatos do jornalismo. Ela fala sobre a dificuldade em produzir a notícia, do escasso tempo e as dificuldades de aprofundamento e espaço imposto, como os limites de caracteres. “Minha dificuldade foi a questão do tempo porque tiveram várias coisas que atropelaram o período e acabaram fazendo com que eu não concluísse todas as notícias do ciclo”, desabafa. Rafaelle também conta sobre a dificuldade na produção de pautas destinadas a notícia. “Geralmente a gente pensa temas muito amplos, muito complexos, que dão muitas reportagens legais só que não pensa pauta para notícia”, disse. Em sua reportagem, Rafaelle se confrontou com uma série de dilemas, entre eles, como narrar com sensibilidade histórias de perdas humanas. Tendo como uma das fontes

uma mulher que acabará de perder o filho, ela se questionava até onde é possível ir por uma informação. “Na verdade, eu fui só para escutar o que ela queria falar, porque na verdade eu nem queria ir. Porque eu falei “Ah, eu vou ter que falar com essa mulher vou ter que sugar essa mulher e depois nunca mais vou voltar lá”, conta. Ela diz como foi difícil escrever e ter que selecionar as partes da história ao mesmo tempo que reconheceu a importância desse desafio como profissional. “Eu acho assim, foi uma coisa muito boa pra mim enquanto jornalista. Deu uma crise depois “meu Deus, o que eu estou fazendo?”. Um dos propósitos da disciplina é de que os estudantes absorvam, compreendam e entrem no ritmo de trabalho, aprendendo o sentido de ser repórter. A partir desse ano, a Revista Mais Contexto teve um visual diferente das edições anteriores. As ilustrações coloridas, os gráficos, os detalhes peculiares de cada ensaio

e da própria revista ganharam mais destaques e, em decorrência, deram um novo visual estético que, sem dúvidas, foi muito bem-vindo. Abel Serafim descreve seu processo de aprendizagem dentro da disciplina como uma atividade de reflexão. Argumenta que o ambiente simulando uma redação organiza o trabalho e lhe guia nas atividades. Ele passou a enxergar o jornalismo como um atividade de reflexão contínua que vai além de escrever o que se vê, é um processo de amadurecimento durante cada nova produção. “O jornalista deve acompanhar e questionar o que está a sua volta. A gente precisa lembrar que fazemos jornalismo para outras pessoas é que é preciso humanizar sua reportagem, seu texto não pode ser um relatório. Acho que aprendi isso com o professor Cristian. Ele ensinou que a gente precisa convidar o leitor para entrar na história. Qual a melhor maneira de contar essa história?”, diz.

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