100 anos da Grande Guerra e a luta pela Paz

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CONSELHO PORTUGUÊS PARA A PAZ E COOPERAÇÃO www.cppc.pt


1 > Portugal e a Guerra A participação de Portugal na Guerra é indissociável da conjuntura política que o País vivia na segunda década do século XX. A jovem República desejava afirmar o novo regime na Europa e defender as colónias em perigo perante os avanços do colonialismo alemão. Foi em África que, ainda em 1914, Portugal se envolveu nos primeiros conflitos militares, que resultaram em dramáticas derrotas. As expedições africanas visavam consolidar a ocupação e colonização de Angola e Moçambique, para o que era indispensável o apoio da “velha aliada” Inglaterra. No decorrer do conflito, apesar de Portugal ter começado por assumir uma posição de «neutralidade colaborante», o crescente apoio aos aliados torna inevitável o seu envolvimento na conflagração. A requisição dos barcos alemães estacionados em águas portuguesas, em fevereiro de 1916, induziu a declaração de guerra da Alemanha a Portugal. Imediatamente foi formado um governo de «União Sagrada» em defesa do intervencionismo. No entanto, e não obstante a propaganda guerrista, tiveram lugar em Portugal diversas manifestações contra o militarismo, organizadas pelos sindicatos operários, e outras expressões espontâneas de repúdio pela guerra por parte das populações. A 1ª Grande Guerra foi uma disputa entre as potências imperialistas pelos territórios coloniais.

1 2 3 4 5 1 | Manifestações contra a guerra organizadas pelo movimento sindical. «Proletários! Evitemos a conflagração universal preparada pelos capitalistas!». Espólio Pinto Quartin, Instituto de Ciências Sociais, 1914 2 | Desde 1914 que vários contingentes de tropas portuguesas embarcaram para a guerra em África. «O abraço de despedida», Ilustração Portuguesa, 16 de novembro de 1916 3 | Postal oferecido pelo ministro inglês ao exército português. «Portugal na Guerra», Ilustração Portuguesa, 15 de janeiro de 1917 4 | «Bilhete postal: Estado actual do conflito europeu», Arquivo da PIDE-DGS, ANTT, 6 de agosto de 1914 5 | Intervenção de Portugal na guerra, como aliado da Inglaterra, votada no parlamento. «Sessão parlamentar extraordinária», Ilustração Portuguesa, 30 de novembro de 1914


2 > Mobilizar para a Guerra Após a declaração de guerra alemã, iniciou-se a mobilização, chegando os primeiros recrutas a Tancos, em abril de 1916. Até janeiro de 1917, cerca de 20 mil homens concentraram-se na região para receber treino militar. A opção de concentrar e preparar o Corpo Expedicionário Português (CEP) nesta região deveu-se às suas condições naturais e estratégicas, caracterizadas pela abundância de zonas planas de charneca, banhadas pelos rios Zêzere e Tejo, e próximas dos caminhos-de-ferro. Os soldados mobilizados foram, desde logo, sujeitos a difíceis viagens de comboio, longas marchas a pé e deficientes condições de habitabilidade. Tancos transformou-se numa improvisada cidade de tendas e construções de madeira. A mobilização desencadeou os maiores descontentamentos e oposições, como é exemplo a revolta chefiada pelo herói republicano Machado dos Santos, em dezembro de 1916, e os diversos motins e insubordinações que marcaram a participação de Portugal na Guerra. Segundo o próprio ministro da Guerra, a propaganda antimilitarista fazia-se nos quartéis de todo o País, pela escrita e pela palavra. 1 2 3 4

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1 | Panfleto contra a participação de Portugal na Guerra e a mobilização. Espólio Pinto Quartin, Instituto de Ciências Sociais, 1915 2 | Oficiais da guarnição de Lisboa presos depois de revolta contra o regime militarista. «Um Acto de insubordinação», Ilustração portuguesa, 25 de janeiro de 1915 3 | Revolta militar liderada por Machado dos Santos. Ilustração Portuguesa, 1 de janeiro de 1917 4 | Acampamento da 2ª Brigada de Infantaria em Tancos, aguardando a ida para a frente Arquivo Histórico-Militar 5 | Coluna militar em Constância a atravessar a ponte de ferro sobre o rio Zêzere, a caminho de Tancos Arquivo Histórico-Militar


3 > Preparar a Guerra Os meses de treino mais intenso decorreram entre maio e junho de 1916, mas segundo alguns testemunhos da época consistiram numa formação desadequada às exigências da guerra moderna. Não obstante, no dia 22 de julho de 1916, deu-se por concluída a formação do Corpo Expedicionário Português, apresentada como o Milagre de Tancos. Com uma grande cobertura jornalística, mostrou-se oficialmente ao País, na Parada de Montalvo, que o exército estava preparado para combater ao lado dos aliados na frente europeia da Guerra. Para este acontecimento foi organizado um comboio especial a partir de Lisboa, destinado a transportar todos os convidados para a parada, na qual foi construída uma grande tribuna decorada com bandeiras dos países envolvidos no conflito, de forma a acolher condignamente todos os convidados para assistir ao desfile, entre os quais se destacavam o Presidente da República, Bernardino Machado, membros do Governo, como o major Norton de Matos, ministro da Guerra, elementos do corpo diplomático, os ministros da Rússia, Bélgica e Inglaterra, adidos militares e jornalistas.

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1 | Parada de Montalvo. Arquivo Histórico—Militar 2 | Partida dos contingentes portugueses para França a partir de janeiro de 1917. «Tropas portuguesas para a França», Ilustração Portuguesa, 12 de março de 1917 3 | «A caminho do campo de batalha», Ilustração Portuguesa, 9 de abril de 1917 4 | Primeiro português morto em França, natural de Vila Nova da Barquinha. «Honra aos que morrem pela Pátria», Ilustração Portuguesa, 14 de maio de 1917 5 | Panfleto de protesto contra a partida das primeiras tropas para a Flandres. «Portugueses», Espólio Pinto Quartim. Instituto de Ciências Sociais, 1917


4 > A Guerra nas trincheiras Os cerca de 55 mil portugueses que foram enviados para França combateram em condições desumanas durante longos meses. Em pequenas valas lamacentas, onde coexistiam mortos e vivos, os soldados protegiam-se do fogo inimigo, enquanto esperavam novos ataques e temiam o lançamento de granadas e obuses. Nas trincheiras, as condições de higiene e a subnutrição potenciavam a disseminação de doenças e dificultavam a recuperação dos ferimentos de guerra, o que impedia o render das tropas em combate, obrigando os efetivos a permanecer longos períodos nas linhas da frente. Para além disso, devido às debilidades do exército português, a instrução foi largamente insuficiente e os soldados portugueses tiveram de enfrentar, no palco de guerra, armas inovadoras e mortíferas com as quais não tiveram contacto prévio. Desta forma, a deserção, o abandono, as revoltas e insubordinações foram prática comum. Os soldados exigiam justiça nas distribuições de licenças, rendição das tropas e desmobilização das forças em campanha.

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1 | «Nas trincheiras portuguesas», Ilustração Portuguesa, 10 de setembro de 1917 2 | «As nossas tropas em França», Ilustração Portuguesa, 8 de julho de 1918 3 | «Os nossos prisioneiros», Ilustração Portuguesa, 5 de agosto de 1918 4 | Panfleto contra a participação de Portugal na Guerra. «Ao Povo - Guerra à Guerra». Espólio Pinto Quartin, Instituto de Ciências Sociais, 1917 5 | «Mutilados portugueses», Ilustração Portuguesa, 23 de setembro de 1918


5 > Os efeitos da Guerra Para além dos soldados, o povo português sofreu os efeitos nefastos da guerra. As dificuldades em garantir o abastecimento das populações com géneros de primeira necessidade, os açambarcamentos e a especulação determinaram a miséria generalizada. As designadas revoltas da fome abalaram todo o País entre os últimos anos da guerra e os primeiros do pós-guerra. Em maio de 1917, a célebre Revolução da Batata abalou a capital e os seus arredores, incluindo Loures. Os populares assaltaram padarias e mercearias e distribuíram os géneros açambarcados entre si, em muitas situações com o apoio da polícia e da GNR. A estes movimentos juntou-se uma grande onda de greves operárias, justificadas pela inflação, pela estagnação dos salários e pelo alargar do desemprego. A repressão governamental das mesmas chegou a contemplar a militarização dos grevistas, como aconteceu durante a luta dos empregados dos correios e telégrafos em setembro de 1917. 1 2 3 4 1 | A escassez de géneros e os açambarcamentos vitimam as populações mais desfavorecidas. «A Cozinhas económicas no Porto», Ilustração Portuguesa, 7 de dezembro de 1914 2 | «Sopa para os pobres», Ilustração Portuguesa, 28 de maio de 1917 3 | Primeira greve em Portugal de um ciclo de agitação social global e inédito. «A Greve da Construção Civil», Ilustração Portuguesa, 23 de junho de 1917 4 | Greve dos correios que termina com a militarização dos grevistas. «Os últimos acontecimentos», Ilustração Portuguesa, 10 de setembro de 1917


6 > Justificar a Guerra Não obstante a vitória dos aliados, a tragédia da Guerra não foi esquecida, particularmente os acontecimentos mais dramáticos, como a Batalha de La Lys. Durante esta última, em 9 de abril de 1918, as tropas alemãs desmantelaram a frente portuguesa e provocaram milhares de mortos, feridos e prisioneiros, num total de cerca de oito mil homens. O memorialismo em homenagem às vítimas da conflagração prende-se com a necessidade de justificar o esforço e os impactos da participação portuguesa na Guerra. Nos anos que se seguiram à Guerra, foram construídos e celebrados bastantes monumentos ao soldado desconhecido, um pouco por todo o País, nomeadamente nas localidades onde as perdas humanas foram mais significativas.

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1 | Manifestações de regozijo pelo fim da Guerra. Ilustração Portuguesa, 18 de novembro de 1918 2 | Sindicatos apelam à participação nas manifestações de comemoração do armistício, condenando a guerra e reivindicando a Paz. «Na hora da paz pela União Operária Nacional», Arquivo PIDE-DGS, ANTT, 1918 3 | Regresso dos 710 portugueses que estiveram presos em campos de concentração alemães. «A chegada dos nossos prisioneiros», Ilustração Portuguesa, 13 de janeiro de 1918 4 | «O primeiro monumento aos mortos portugueses», Ilustração Portuguesa, 9 de abril de 1921 5 | Fotografia do monumento em Loures


7 > Fascismo, resistência e guerra O fim da Guerra e os efeitos da revolução socialista de Outubro de 1917, na Rússia, deram azo a uma inédita vaga de contestação operária na generalidade dos países europeus. Em Portugal, como antes e depois em Itália, Alemanha, Espanha, Hungria ou Polónia, o fascismo foi o recurso encontrado por um sistema em crise para esmagar a contestação dos trabalhadores e acelerar a acumulação de capitais por parte dos potentados industriais e financeiros. Empenhadas na ocupação territorial, na escravização dos povos e no esmagamento das forças do progresso e da paz, as potências nazifascistas desencadeiam a Segunda Guerra Mundial, perante a passividade de muitos dos restantes países ocidentais. Muito embora não tenha participado diretamente no conflito, o fascismo português apoia as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), ao mesmo tempo que intensifica a exploração, o empobrecimento e a repressão sobre o povo português. Quando o fim do nazifascismo se torna evidente, no seguimento das pesadas derrotas que sofre na frente Leste, Salazar ensaia a aproximação à Inglaterra como garantia de sobrevivência. Em 1945, em maio na Europa e em agosto na Ásia, as forças do nazifascismo foram derrotadas.

1 2 3 4 5 1 | Panfleto contra o militarismo e a reação conservadora. «AOS MILITARIZADOS: CAMARADAS SOLDADOS, ESCUTAI» pelo Comité Nacional de Defesa das Liberdades Públicas. Arquivo PIDE-DGS. ANTT, 1925 2 | Jornal da secção portuguesa da Liga Contra a Guerra e o Fascismo, surgida já em plena ditadura e sofrendo a mais brutal repressão. «FRONT MUNDIAL: ÓRGÃO DA LIGA CONTRA A GUERRA E CONTRA O FASCISMO». Ano 1, N.º 2, Arquivo PIDE-DGS. ANTT, 1934 3 | Apesar do terror da repressão, muitos portugueses combateram abertamente a ditadura, lutando pela liberdade e pela democracia. Na imagem, os presos da revolta do 18 de janeiro de 1934 são levados para o forte da Trafaria. Arquivo do jornal Avante! 4 | Pelas várias prisões do fascismo passaram dezenas de milhares de antifascistas e partidários da Paz (na foto, uma das mais célebres masmorras da ditadura, a Fortaleza de Peniche) 5 | Até à consumação da derrota das potências do Eixo, Salazar não hesitava em assumir o carácter fascista do seu regime. Terminada a Guerra, mudaram as palavras, mas manteve-se o essencial. Revista Life


8 > Povos unidos contra a Guerra Terminada a Segunda Guerra Mundial, novas ameaças pairavam no horizonte. Sustentados no poderio económico com que saíram do conflito e no monopólio da arma atómica, experimentada com efeitos dramáticos em Hiroxima e Nagasaki, os EUA almejavam o domínio planetário: em 1949, foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte — NATO (em cuja fundação participou o Portugal fascista) e no ano seguinte começava a guerra na Coreia. O perigo de uma nova guerra, dirigida contra a União Soviética e outros países, tornou-se uma perspetiva real e tenebrosa. Foi precisamente nestes anos que surgiu, à escala global, um amplo movimento mundial da Paz que, a partir de 1950, se reúne em torno do Conselho Mundial da Paz. Foi deste movimento que emanou o Apelo de Estocolmo, contra as armas nucleares, que se tornou no maior plebiscito mundial, com centenas de milhões de subscritores. Este movimento teve expressão em Portugal, onde são recolhidas milhares de assinaturas e promovidas dezenas de sessões. A realização de uma cimeira da NATO no País, em fevereiro de 1952, dá o mote para uma inédita contestação popular, que a violenta repressão não conseguiu abafar.

1 2 3 4 5 1 | Os criminosos bombardeamentos nucleares de Hiroxima e Nagasaki abriram a tenebrosa era atómica 2 | Folheto do Movimento Nacional Democrático contra a adesão de Portugal à NATO, de 1952 3 | Pablo Picasso foi uma das personalidades envolvidas na criação do movimento mundial da Paz. Entre os contributos que deu ao movimento conta—se a conceção de cartazes (no caso, o do segundo Congresso dos Partidários da Paz, que esteve previsto para Sheffield e acabou por se realizar em Varsóvia) 4 | A paz foi uma das causas mais fortemente defendidas pelos antifascistas portugueses. Desenho de José Dias Coelho 5 | Manifestação, em Lisboa, de celebração da derrota do nazifascismo, em maio de 1945. Arquivo do jornal Avante!


9 > A guerra colonial A guerra colonial, que se travou entre 1961 e 1974 nas então colónias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique – opondo o colonialismo português aos movimentos de libertação nacional desses territórios –, ceifou milhares de vidas e agravou a situação económica do País, para além do envio de milhares de jovens para combater em África, para aí defenderem os interesses de colonialistas, nacionais e estrangeiros. Foram igualmente muitos os jovens portugueses que emigraram, para fugir, tanto à guerra e à repressão, como à miserável situação em que muitos se encontravam. A contestação à guerra colonial, que se tornaria numa das principais exigências do povo português nos últimos anos da ditadura, tornou-se numa nova e particularmente incisiva frente de luta. A luta de libertação dos povos africanos encontrou sempre solidariedade na luta do povo português, da mesma forma que a luta dos povos submetidos ao colonialismo foi solidária com a luta antifascista do povo português.

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1 | A luta dos povos das antigas colónias africanas foi determinante para a sua libertação 2 | O Portugal de Abril reconheceu a independência das colónias, que no caso da Guiné-Bissau era já uma realidade mesmo antes da Revolução 3 | O colonialismo privava os povos das colónias dos mais elementares direitos 4 | À medida que iam libertando os seus países, os movimentos de libertação garantiam aos povos o que o colonialismo sempre lhes negara 5 | A contestação à guerra colonial abriu uma nova e pujante frente de luta contra a ditadura. Arquivo do jornal Avante!


10 > Abril: revolução e paz A Revolução de Abril, realização do povo português e dos militares do Movimento das Forças Armadas, culminou décadas de tenaz resistência antifascista. Entre as profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que concretizou, conta-se o fim da guerra colonial e a garantia de independência das antigas colónias. Pondo fim ao Portugal fascista subordinado aos interesses do imperialismo, a Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, dando letra de lei às conquistas fundamentais da revolução, apontava um caminho de independência, soberania e paz. No seu artigo 7º, consagra a abolição do imperialismo e do colonialismo, o desarmamento e a dissolução dos blocos político-militares, ao mesmo tempo que reafirma o empenhamento do País com os princípios da não ingerência e da cooperação. É este o caminho que o Conselho Português para a Paz e Cooperação defende na luta pela paz, o que implica garantir o direito soberano dos povos a escolher a sua via de progresso, desenvolvimento, bem-estar e felicidade. Todos não somos demais para defender a Paz. 1 2 3 4 5 1 | Depois de décadas de perseguições e repressão, os partidários portugueses da Paz puderam, com Abril, afirmar livremente as suas causas. Em abril de 1976, é formalizada a constituição do Conselho Português para a Paz e Cooperação, herdeiro do movimento que desde os anos 50 se batia contra a guerra e a submissão do País às potências ocidentais 2 | O presidente do Conselho Mundial da Paz, Romesh Chandra, visitou Portugal após o 25 de Abril. Aqui, com o general Costa Gomes, antigo Presidente da República e então dirigente do CPPC. Arquivo do jornal Avante!. 3 | As grandes conquistas da Revolução de Abril resultaram da ação do povo e dos militares revolucionários do MFA 4 | A agressão da NATO contra a Jugoslávia, em 1999, trouxe a guerra à Europa meio século depois. Na imagem, concentração no Porto contra a guerra, promovida pelo CPPC. 5 | Manifestação em Lisboa contra a cimeira da NATO em Portugal, em novembro de 2010, promovida por mais de 100 organizações e movimentos nacionais.


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