Livro da exposição "100 Anos da Grande Guerra e a luta pela Paz"

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Os 100 anos da Grande Guerra e a luta pela Paz No momento em que se assinalam 100 anos do início da Guerra Mundial (1914-1918), é importante ter uma visão do contexto histórico desta guerra e das suas consequências sociais, económicas e políticas, da crise do capitalismo e do ascenso do fascismo, da Segunda Guerra Mundial, do colonialismo, tendo também sempre presente as diversas lutas pela paz, seja contra a guerra, seja contra o fascismo e o colonialismo, o que contribuiu para tornar possível a revolução de Abril, cujos 40 anos também estamos a assinalar com outra exposição. Por isso, o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) decidiu, em conjunto com três municípios – Constância, Vila Nova da Barquinha e Loures – projetar e elaborar uma exposição com dez painéis, onde se abordam aspectos importantes da Grande Guerra, da sua preparação e mobilização, da guerra nas trincheiras, os seus efeitos e a sua justificação Foi em Tancos, que pertence ao Município de Vila Nova da Barquinha, que se concentraram muitos milhares de homens, numa improvisada Cidade de Tendas e construções de madeira, sobretudo durante 1916, para lhes dar alguma preparação militar, apesar de escassa e desajustada às exigências da guerra para onde foi enviado o Corpo Expedicionário Português (CEP). Era de Vila Nova da Barquinha o primeiro português morto em França na Primeira Grande Guerra. Foi em Montalvo, que pertence ao Município de Constância, que se realizou a grande Parada, em 22 de julho de 1916, para mostrar que o exército estava preparado para combater ao lado dos aliados na frente europeia da guerra. Nessa Parada de Montalvo participaram os mais altos representantes da República Portuguesa (Presidente da República, Bernardino Machado, membros do Governo), representantes de vários países europeus envolvidos na guerra e muitos jornalistas. Em Loures, mesmo em frente à entrada do edifício da Câmara Municipal, existe um dos mais significativos monumentos aos mortos na Grande Guerra, dos muitos que se construíram por todo o país, a assinalar a tragédia da guerra, particularmente os acontecimentos mais dramáticos, como a batalha de La Lys, onde, em 9 de abril de 1918, as tropas alemãs desmantelaram a frente portuguesa e provocaram milhares de mortos, feridos e prisioneiros. Em Loures, também se viveram os efeitos nefastos da guerra e as revoltas da fome, incluindo a célebre Revolução da Batata, aspectos importantes da luta contra a guerra que se desenvolveu por todo o país, incluindo nos quartéis. O apoio destas três autarquias foi decisivo para concretizar este projecto. Assinámos protocolos com as três câmaras municipais, representadas pelos respetivos presidentes, mas muitas outras pessoas trabalharam para tornar possível esta exposição, a quem agradecemos todo o empenhamento. Com esta exposição procuramos dar mais um contributo para a Educação para a Paz, a realizar em colaboração com escolas, associações, autarquias e outras instituições empenhadas na defesa e promoção da Paz, o que consideramos fundamental no momento que se vive, de crescentes violências, agressões e ameaças à Paz. Pela Paz, todos não somos demais. Pela Direcção do CPPC Ilda Figueiredo (presidente)

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Luta dos povos pela Paz A 1ª Grande Guerra foi o início de um período de conflitos militares, alguns de grande escala, ocorrendo por todo o mundo durante o século XX, onde viriam a morrer milhões de militares e civis. Em junho de 1916, no campo militar de Tancos, no concelho de Vila Nova da Barquinha, dar-se-ia por concluída a formação dos primeiros militares portugueses que iriam estar na 1ª Grande Guerra. Embora situada neste concelho, a Escola de Infantaria desenvolvia o seu treino militar um pouco por toda a área entre os concelhos de Vila Nova da Barquinha e de Constância. Foi neste último concelho que se realizou a grande parada militar antes da partida do Corpo Expedicionário Português. Neste período existiram também grandes movimentos populares em defesa da Paz contra a guerra e a fome dela resultante. Exemplo desta combatividade é a “marcha da fome”, em 1944, no concelho de Loures, durante a segunda Guerra Mundial, a par de outras realizadas pelo movimento sindical um pouco por todo o País. A exposição “Os 100 anos da Grande Guerra e a luta pela paz ” assinala o centenário da primeira Grande Guerra e pretende dar a conhecer, designadamente às novas gerações, o seu impacto nestes três concelhos e no país, bem como a luta dos povos pela Paz. As câmaras municipais de Constância, Loures e Vila Nova da Barquinha associam-se a esta importante iniciativa, promovida pelo Conselho Português Para a Paz e Cooperação, na certeza de estarem a contribuir para um maior conhecimento das causas e motivações da guerra e do contributo dos homens e mulheres do nosso país na defesa dos valores da Paz e da Solidariedade.

Câmara Municipal de Constância Júlia Amorim (presidente) Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha Fernando Freire (presidente) Câmara Municipal de Loures Bernardino Soares (presidente)

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1 > Portugal e a Guerra A participação de Portugal na guerra é indissociável da conjuntura política que o país vivia na segunda década do século XX. A jovem República desejava afirmar o novo regime na Europa e defender as colónias, em perigo perante os avanços do colonialismo alemão. Foi em África que, ainda em 1914, Portugal se envolveu nos primeiros conflitos militares que resultaram em dramáticas derrotas. As expedições africanas visavam consolidar a ocupação e colonização de Angola e Moçambique, para o que era indispensável o apoio da “velha aliada” Inglaterra. No decorrer do conflito, apesar de Portugal ter começado por assumir uma posição de «neutralidade colaborante», o seu

crescente apoio aos aliados torna inevitável o envolvimento na conflagração. A requisição dos barcos alemães estacionados em águas portuguesas, em fevereiro de 1916, induziu a declaração de Guerra da Alemanha a Portugal. Imediatamente foi formado um governo de «União Sagrada» em defesa do intervencionismo. No entanto, e não obstante a propaganda guerrista, tiveram lugar em Portugal diversas manifestações contra o militarismo, organizadas pelos sindicatos operários, e outras expressões espontâneas de repúdio pela guerra por parte das populações.

> Intervenção de Portugal na guerra, como aliado da Inglaterra, votada no parlamento. «Sessão parlamentar extraordinária», Ilustração Portuguesa, 30 de novembro de 1914

>> Desde 1914 que vários contingentes de tropas portuguesas embarcaram para a guerra em África. «O abraço de despedida», Ilustração Portuguesa, 16 de novembro de 1916

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3 > Preparar a Guerra Os meses de treino mais intenso decorreram entre maio e junho de 1916, mas segundo alguns testemunhos da época consistiram numa formação desadequada às exigências da guerra moderna. Não obstante, no dia 22 de julho de 1916, deu-se por concluída a formação do Corpo Expedicionário Português, apresentada como o Milagre de Tancos. Com uma grande cobertura jornalística, mostrou-se oficialmente ao País, na Parada de Montalvo, que o exército estava preparado para combater ao lado dos aliados na frente europeia da Guerra. Para este acontecimento foi organizado

um comboio especial a partir de Lisboa, destinado a transportar todos os convidados para a parada, na qual foi construída uma grande tribuna decorada com bandeiras dos países envolvidos no conflito, de forma a acolher condignamente todos os convidados para assistir ao desfile, entre os quais se destacavam o Presidente da República, Bernardino Machado, membros do Governo, como o major Norton de Matos, ministro da Guerra, elementos do corpo diplomático, os ministros da Rússia, Bélgica e Inglaterra, adidos militares e jornalistas.

> Partida dos contingentes portugueses para França a

> Primeiro português morto em França, natural de Vila

> Coluna militar em Constância a atravessar a ponte de ferro sobre o rio Zêzere, a caminho de Tancos Arquivo Histórico-Militar

2 > Mobilizar para a Guerra Após a declaração de guerra alemã, iniciou-se a mobilização, chegando os primeiros recrutas a Tancos, em abril de 1916. Até janeiro de 1917, cerca de 20 mil homens concentraram-se na região para receber treino militar. A opção de concentrar e preparar o Corpo Expedicionário Português (CEP) nesta região deveu-se às suas condições naturais e estratégicas, caracterizadas pela abundância de zonas planas de charneca, banhadas pelos rios Zêzere e Tejo, e próximas dos caminhos-de-ferro. Os soldados mobilizados foram, desde logo, sujeitos a difíceis viagens de comboio,

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longas marchas a pé e deficientes condições de habitabilidade. Tancos transformouse numa improvisada cidade de tendas e construções de madeira. A mobilização desencadeou os maiores descontentamentos e oposições, como é exemplo a revolta chefiada pelo herói republicano Machado dos Santos, em dezembro de 1916, e os diversos motins e insubordinações que marcaram a participação de Portugal na Guerra. Segundo o próprio ministro da Guerra, a propaganda antimilitarista fazia-se nos quartéis de todo o País, pela escrita e pela palavra.

partir de janeiro de 1917. «Tropas portuguesas para a França», Ilustração Portuguesa, 12 de março de 1917

Nova da Barquinha. «Honra aos que morrem pela Pátria», Ilustração Portuguesa, 14 de maio de 1917

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4 > A Guerra nas trincheiras Os cerca de 55 mil portugueses que foram enviados para França combateram em condições desumanas durante longos meses. Em pequenas valas lamacentas, onde coexistiam mortos e vivos, os soldados protegiam-se do fogo inimigo, enquanto esperavam novos ataques e temiam o lançamento de granadas e obuses. Nas trincheiras, as condições de higiene e a subnutrição potenciavam a disseminação de doenças e dificultavam a recuperação dos ferimentos de guerra, o que impedia o render das tropas em combate, obrigando os efetivos a permanecer longos períodos nas linhas da

frente. Para além disso, devido às debilidades do exército português, a instrução foi largamente insuficiente e os soldados portugueses tiveram de enfrentar, no palco de guerra, armas inovadoras e mortíferas com as quais não tiveram contacto prévio. Desta forma, a deserção, o abandono, as revoltas e insubordinações foram prática comum. Os soldados exigiam justiça nas distribuições de licenças, rendição das tropas e desmobilização das forças em campanha.

> «As nossas tropas em França», Ilustração Portuguesa,

> «Os nossos prisioneiros», Ilustração Portuguesa, 5 de

8 de julho de 1918

agosto de 1918

>> «Nas trincheiras portuguesas», Ilustração Portuguesa, 10 de setembro de 1917

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1 | Manifestações contra a guerra organizadas

pelo movimento sindical. «Proletários! Evitemos a conflagração universal preparada pelos capitalistas!». Espólio Pinto Quartin, Instituto de Ciências Sociais, 1914

2 | Oficiais da guarnição de Lisboa presos depois

de revolta contra o regime militarista. «Um Ato de insubordinação», Ilustração portuguesa, 25 de janeiro de 1915

3 | Postal oferecido pelo ministro inglês ao exército português. «Portugal na Guerra», Portuguesa, 15 de janeiro de 1917

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Ilustração

1 | «A caminho do campo de batalha», Ilustração Portuguesa, 9 de abril de 1917 2 | «Os nossos prisioneiros», Ilustração Portuguesa,

5 de agosto de 1918

3 | «Mutilados portugueses», Ilustração Portuguesa, 23 de setembro de 1918


6 > Justificar a Guerra Não obstante a vitória dos aliados, a tragédia da Guerra não foi esquecida, particularmente os acontecimentos mais dramáticos, como a Batalha de La Lys. Durante esta última, em 9 de abril de 1918, as tropas alemãs desmantelaram a frente portuguesa e provocaram milhares de mortos, feridos e prisioneiros, num total de cerca de oito mil homens.

> A escassez de géneros e os açambarcamentos vitimam as populações mais desfavorecidas. «A Cozinhas económicas no Porto», Ilustração Portuguesa, 7 de dezembro de 1914

O memorialismo em homenagem às vítimas da conflagração prende-se com a necessidade de justificar o esforço e os impactos da participação portuguesa na Guerra. Nos anos que se seguiram à Guerra, foram construídos e celebrados bastantes monumentos ao soldado desconhecido, um pouco por todo o País, nomeadamente nas localidades onde as perdas humanas foram mais significativas.

> «Sopa para os pobres», Ilustração Portuguesa, 28 de maio de 1917

5 > Os efeitos da Guerra Para além dos soldados, o povo português sofreu os efeitos nefastos da guerra. As dificuldades em garantir o abastecimento das populações com géneros de primeira necessidade, os açambarcamentos e a especulação determinaram a miséria generalizada. As designadas revoltas da fome abalaram todo o País entre os últimos anos da guerra e os primeiros do pós-guerra. Em maio de 1917, a célebre Revolução da Batata abalou a capital e os seus arredores, incluindo Loures. Os populares assaltaram padarias

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e mercearias e distribuíram os géneros açambarcados entre si, em muitas situações com o apoio da polícia e da GNR. A estes movimentos juntou-se uma grande onda de greves operárias, justificadas pela inflação, pela estagnação dos salários e pelo alargar do desemprego. A repressão governamental das mesmas chegou a contemplar a militarização dos grevistas, como aconteceu durante a luta dos empregados dos correios e telégrafos em setembro de 1917. > Fotografia do monumento em Loures

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8 > Povos unidos contra a Guerra Terminada a Segunda Guerra Mundial, novas ameaças pairavam no horizonte. Sustentados no poderio económico com que saíram do conflito e no monopólio da arma atómica, experimentada com efeitos dramáticos em Hiroxima e Nagasaki, os EUA almejavam o domínio planetário: em 1949, foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte — NATO (em cuja fundação participou o Portugal fascista) e no ano seguinte começava a guerra na Coreia. O perigo de uma nova guerra, dirigida contra a União Soviética e outros países, tornou-se uma perspetiva real e tenebrosa. Foi precisamente nestes anos que surgiu, à

escala global, um amplo movimento mundial da Paz que, a partir de 1950, se reúne em torno do Conselho Mundial da Paz. Foi deste movimento que emanou o Apelo de Estocolmo, contra as armas nucleares, que se tornou no maior plebiscito mundial, com centenas de milhões de subscritores. Este movimento teve expressão em Portugal, onde são recolhidas milhares de assinaturas e promovidas dezenas de sessões. A realização de uma cimeira da NATO no País, em fevereiro de 1952, dá o mote para uma inédita contestação popular, que a violenta repressão não conseguiu abafar.

> Pelas várias prisões do fascismo passaram dezenas de milhares de antifascistas e partidários da Paz (na foto, uma das mais célebres masmorras da ditadura, a Fortaleza de Peniche)

7 > Fascismo, resistência e guerra O fim da Guerra e os efeitos da revolução socialista de Outubro de 1917, na Rússia, deram azo a uma inédita vaga de contestação operária na generalidade dos países europeus. Em Portugal, como antes e depois em Itália, Alemanha, Espanha, Hungria ou Polónia, o fascismo foi o recurso encontrado por um sistema em crise para esmagar a contestação dos trabalhadores e acelerar a acumulação de capitais por parte dos potentados industriais e financeiros. Empenhadas na ocupação territorial, na escravização dos povos e no esmagamento das forças do progresso e da paz, as potências nazifascistas desencadeiam a Segunda

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Guerra Mundial, perante a passividade de muitos dos restantes países ocidentais. Muito embora não tenha participado diretamente no conflito, o fascismo português apoia as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), ao mesmo tempo que intensifica a exploração, o empobrecimento e a repressão sobre o povo português. Quando o fim do nazifascismo se torna evidente, no seguimento das pesadas derrotas que sofre na frente Leste, Salazar ensaia a aproximação à Inglaterra como garantia de sobrevivência. Em 1945, em maio na Europa e em agosto na Ásia, as forças do nazifascismo foram derrotadas.

> Manifestação, em Lisboa, de celebração da derrota do nazifascismo, em maio de 1945. Arquivo do jornal Avante!

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10 > Abril: revolução e paz A Revolução de Abril, realização do povo português e dos militares do Movimento das Forças Armadas, culminou décadas de tenaz resistência antifascista. Entre as profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que concretizou, conta-se o fim da guerra colonial e a garantia de independência das antigas colónias. Pondo fim ao Portugal fascista subordinado aos interesses do imperialismo, a Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, dando letra de lei às conquistas fundamentais da revolução, apontava um caminho de

independência, soberania e paz. No seu artigo 7º, consagra a abolição do imperialismo e do colonialismo, o desarmamento e a dissolução dos blocos político-militares, ao mesmo tempo que reafirma o empenhamento do País com os princípios da não ingerência e da cooperação. É este o caminho que o Conselho Português para a Paz e Cooperação defende na luta pela paz, o que implica garantir o direito soberano dos povos a escolher a sua via de progresso, desenvolvimento, bem-estar e felicidade. Todos não somos demais para defender a Paz.

> À medida que iam libertando os seus países, os movimentos de libertação garantiam aos povos o que o colonialismo sempre lhes negara

9 > A guerra colonial A guerra colonial, que se travou entre 1961 e 1974 nas então colónias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique – opondo o colonialismo português aos movimentos de libertação nacional desses territórios –, ceifou milhares de vidas e agravou a situação económica do País, para além do envio de milhares de jovens para combater em África, para aí defenderem os interesses de colonialistas, nacionais e estrangeiros. Foram igualmente muitos os jovens portugueses que emigraram, para fugir, tanto à guerra e à

repressão, como à miserável situação em que muitos se encontravam. A contestação à guerra colonial, que se tornaria numa das principais exigências do povo português nos últimos anos da ditadura, tornou-se numa nova e particularmente incisiva frente de luta. A luta de libertação dos povos africanos encontrou sempre solidariedade na luta do povo português, da mesma forma que a luta dos povos submetidos ao colonialismo foi solidária com a luta antifascista do povo português.

> Manifestação em Lisboa contra a cimeira da NATO em Portugal, em novembro de 2010, promovida por mais de 100 organizações e movimentos nacionais.

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