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Sons do Minho

Uma entrevista… à desgarrada.

SONS DO MINHO

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Cantar música tradicional e popular portuguesa, sempre com “seriedade, paixão e profissionalismo”, e, assim, preservar a cultura nacional. É esta a missão assumida pelo grupo Sons do Minho, tão evidente a cada novo concerto, a cada novo trabalho. De Viana do Castelo para o resto do país – e, até, do mundo – Jorge e Pi, as caras do projeto, sobem ao palco e, hoje, falam-nos, de improviso, sobre quais as suas inspirações, sem esquecer, claro está, o ingrediente principal para uma boa festa: o público. E, por isso mesmo, é à desgarrada que terminam a conversa e saúdam os leitores da Sollicitare: “O cantar é tradição / Que em certas horas cai bem / De improviso é um dom / Que quem é cantador tem / Aos leitores, uma saudação / Boas leituras, passem bem!”. Escolha a banda sonora, aumente o volume e, numa época que faz lembrar folia e bailarico, entre no ritmo e fique a conhecer melhor os Sons do Minho.

ENTREVISTA ANDRÉ SILVA / FOTOGRAFIA SONS DO MINHO

Como e quando é que a vida se cruza com a música?

Eu, Jorge, comecei na música tradicional e popular portuguesa já com os meus 20 anos em contexto de borga e de amigos. Íamos cantarolando algumas músicas do cancioneiro português e íamo-nos desafiando em tom de brincadeira. Depois, fui conhecendo novos amigos e “companheiros das cantigas” e a arte foi ficando mais séria, até aos dias de hoje.

Eu, Pi, tive o meu primeiro contacto com o folclore e com a música popular portuguesa aos 3 anos de idade por intermédio do Grupo Etnográfico de Areosa (localidade da qual sou natural).

O meu tio era – e é – componente ativo desse mesmo grupo e, aos 3 anos, permitiu que eu o acompanhasse pela primeira vez. Desde então, nunca mais deixei de acompanhar o grupo, até 2010 praticamente. Em 2004, começo a ter aulas de concertina e a improvisar os primeiros versos, de forma autodidata.

Qual é o segredo para o sucesso e para serem uma referência nacional na música popular portuguesa?

Não cremos que haja algum segredo implícito e também não nos envaidecemos com estas simpáticas perguntas que frequentemente nos fazem e que nós agradecemos.

Pautámos sempre o nosso trabalho por critérios de seriedade, paixão e profissionalismo. Estes talvez sejam alguns dos ingredientes mais importantes e contribuidores da aceitação do nosso projeto por parte do público de forma tão unânime. E isso, sim, deixa-nos imensamente felizes!

Tudo isto, aliado a um grupo de trabalho fantástico e dedicado, composto por músicos de excelência, e uma postura humilde e motivada para facilitar logisticamente os eventos em que nos inserimos, têm permitido este crescimento constante e gradual que o Sons do Minho tem registado nesta sua primeira década de existência.

Sentem que o vosso trabalho também é proteger e preservar a cultura portuguesa? Estamos num bom caminho para garantir essa preservação?

Um povo sem cultura é um povo sem identidade e a música tradicional e popular portuguesa é uma parte fundamental da nossa cultura, das nossas raízes, da riqueza que o nosso país apresenta e que nos identifica enquanto povo.

Ainda que a nossa proposta musical atual seja muito mais comercial e contemporânea do que era, por exemplo, no ano de fundação do projeto, é imperioso, para nós, que o nosso repertório inclua, sempre, temas de original popular e tradicional.

E nesta perspetiva assumimo-nos também como agentes culturais e artísticos com responsabilidade em preservar e divulgar este nosso legado cultural.

Atravessamos um período, de há uns anos a esta parte, em que os grupos musicais deste género proliferam, fazendo com que haja cada vez mais músicos dedicados a este género musical.

Nesse sentido, acreditamos que teremos assegurada a preservação desta nossa cultura para as gerações vindouras.

O nosso país é uma inspiração constante para as desgarradas?

Tudo é uma inspiração constante para uma boa desgarrada! Sendo de improviso, os cantadores devem saber socorrer-se da sua astúcia e perspicácia para que qualquer contexto, produto, freguesia, evento se possam transformar em “matéria-prima” para uma desgarrada.

Naturalmente que o nosso país, por esta ser uma tradição tão enraizada, potencia os seus contornos e dá-nos ainda mais motivação para as improvisações que fazemos.

O povo português, as suas maravilhas, os usos e costumes, a gastronomia, as paisagens… tudo é mote para uma castiça desgarrada!

Como é visto Portugal do palco e a partir do universo artístico?

Aos nossos olhos, Portugal é um país onde o público acarinha e afaga o coração e o ego dos artistas de quem verdadeiramente gosta. Que sabe acolher e em que o espírito de festa e “romaria” se vivem de forma genuína e intensa.

No entanto, sentimos também que deveria haver mais entrosamento, partilha e simbiose entre os vários artistas portugueses. À semelhança do que se faz em países como o Brasil, por exemplo.

Em Portugal, cada artista vive a sua carreira de forma muito autónoma e distanciada dos demais.

Acreditamos que a partilha de placo, a criação de duetos e a realização de produções conjuntas seria muito benéfica para a captação de novos públicos e para a aproximação de diversos géneros musicais. À semelhança, por exemplo, da produção que fizemos em Viana do Castelo, em 2019, para a gravação do nosso DVD “Tertúlia à Desgarrada”.

Para esses momentos de improviso – há muito trabalho prévio ou é tudo espontâneo?

A espontaneidade da improvisação não dispensa horas e horas de treino. Ainda que na hora improvisemos e versejemos sobre o que se nos é apresentado, sobre quem conhecemos naquele momento, sobre uma situação caricata que acontece in loco, é preciso estarmos dotados de “ferramentas” e processos de improvisação e articulação de ideias que requerem muita prática.

Por vezes, em viagem, damos por nós a improvisar sobre o carro que nos ultrapassou, os cabelos da meni-

ESCOLHAS…

Um livro: “Quando voltares para mim” de Margarida Rebelo Pinto. Um filme: “A Vida é Bela” Um programa de TV: SPA Autores Uma música: “Havemos de ir a Viana” Um sítio: Viana do Castelo

Um povo sem cultura é um povo sem identidade e a música tradicional e popular portuguesa é uma parte fundamental da nossa cultura, das nossas raízes, da riqueza que o nosso país apresenta e que nos identifica enquanto povo.

na que atravessa a passadeira, o nome da freguesia que surge escrito na placa, etc.

São situações que nos dão desenvoltura de raciocínio, que nos ajudam a exercitar a mente e que, em alguns casos, aumentam o nosso campo lexical. No entanto, em nada retiram o mérito à improvisação que iremos ter que fazer no concerto do dia seguinte.

Muitas vezes, a cantiga à desgarrada tem também momentos de escárnio. Acreditam que, em Portugal, ninguém leva a mal? Ou alguém já levou?

Felizmente, não! Em todos estes anos em que já nos desgarrámos nunca tivemos situações desagradáveis ou em que alguém tenha reagido de forma ríspida a uma improvisação nossa. Para isso, consideramos que é fundamental que um cantador à desgarrada saiba “ser e estar”.

É preciso adequar, sempre, a mensagem, a postura e os limites do humor/escárnio ao contexto onde nos inserimos e ao público que nos assiste. Ainda que o público português goste imenso de desgarrada e saiba que a este tipo de cantigas está implícito um segundo sentido e algum “mal dizer”, está no seu direito de gostar, mas também de reprovar ou se ofender.

Por isso, cabe sempre aos cantadores fazerem uso das suas competências para que sejam “desejados e não aborrecidos”.

O que é preciso para que seja sempre “Dia de Festa”?

É preciso o ingrediente mais fundamental que uma festa ou romaria requerem: público!

Sem público não há festa. Havendo público, meia festa está feita. A outra metade é feita com os ingredientes que nós levamos connosco a cada festa e romaria: o nosso repertório, a nossa alegria e boa disposição e, naturalmente, as desgarradas bem ao jeito alto-minhoto.

Qual a sensação de, em palco, ver centenas de pessoas cantar e dançar temas como o um “Dá-me um beijinho”? É caso para dizer que basta terminarem a noite “Juntos”, com o vosso público, para poderem cantar, a plenos pulmões, “Ser Feliz”?

É uma sensação única. Arrepiante e responsabilizadora. Ter o público a cantar os nossos temas a plenos pulmões é o melhor cachet de qualquer banda ou artista. Nós não somos exceção. É para isso que trabalhámos, que compomos, que ensaiámos. Temos sido bafejados por essa dádiva de reconhecimento por parte do nosso público ao longo dos últimos anos. Talvez por termos conseguido, de forma gradual e como eu referi acima, tornar-nos mais comerciais e contemporâneos, sem que com isso tenhamos perdido o nosso cariz popular e festeiro. Só poderemos retribuir com abraços e carinhos, pedir que continuem connosco de braços no ar e lado a lado, nesta feliz caminhada.

Quais são os vossos projetos para o futuro?

Atualmente, o nosso projeto prioritário é cumprir a generosa agenda que temos delineada para a tour 2022 “Recomeçar”. Temos muitas saudades dos palcos, das romarias e do nosso público e, por isso, urge o nosso regresso à estrada. À parte disso, continuaremos com as nossas emissões mensais, online, da “Tertúlia à Desgarrada” e, quiçá, a gravação de um segundo DVD ao vivo deste nosso projeto. Temos dois temas novos que farão parte do repertório desta tour e que serão lançados ainda este ano nas nossas redes sociais e nas plataformas digitais.

Em suma, pretendemos dar continuidade ao trabalho que temos vindo a apresentar.