1 boletim justo 2014

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Boletim Justo

n.º 01 | Newsletter trimestral - A. Reviravolta | | Janeiro | Fevereiro | Março |2014 | www.associacaoreviravolta.wordpress.com |

Afundar ou remar junto Alterações Climáticas Um rosto: Elinor Ostrom Novidades na prateleira

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Nesta edição: AFUNDAR OU REMAR JUNTO – pág.1 Alterações climáticas – pág.3 Um rosto: Elinor Ostrom– pág.9 Novidades na prateleira – pág.16

TEMA de CAPA Elinor Ostrom pág.4

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AFUNDAR OU REMAR – JUNTO

Sementes de guerra Quem controla as sementes controlará o maior mercado do mundo – o dos alimentos. Parece que a importância dos números desta indústria vai além de simples valores num balanço. «Falar de sementes não é um debate agrícola de técnicos que buscam soluções; não é uma arma geopolítica que se quer controlar; é falar da nossa própria existência, porque a liberdade das sementes germina a liberdade das comunidades», afirma Gustavo Duch, coordenador da revista Soberanía alimentaria. Esta indústria cresce com uma força inaudita se a compararmos com outros sectores. A consultora Transparency Market Resarch defende que o mercado das sementes comerciais moverá em 2018 cerca de 38 750 milhões de euros. Hoje em dia passa os 35 000 milhões de dólares. O seu mercado passará de 15 600 milhões de dólares em 2011 para 30 210 milhões durante 2018. Syngenta, Bayer, Monsanto, DuPont, Basf e Dow – as seis grandes – dividem o negócio entre si. O exercício de 2012 foi recorde para a indústria das culturas geneticamente modificadas. Mais de 17,3 milhões de agricultores em 28 países, cultivaram 170,3 milhões de hectares. Cem vezes mais superfície que durante 1996. A organização não governamental ETC Group denuncia que as seis grandes detêm 59,8% do mercado de sementes do mundo e 76,1% de agroquímicos. «É um oligopólio. Há 30 anos nenhuma empresa de sementes controlava mais de 1% de todas as sementes comerciais que se vendiam no planeta. Agora ter um controlo tão elevado é preocupante, porque são a chave da cadeia alimentar», diz Silvia Ribeiro, directora na América Latina desta ONG. ©anlu


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AFUNDAR OU REMAR – JUNTO Sementes de guerra (continuação) Cientistas agrícolas de origem chinesa foram detidos num centro de biotecnologia de Arkansas, nos EUA acusados de roubar sementes das instalações para as entregar a uma delegação chinesa de visita ao país. Uma história que mistura espionagem industrial e segurança alimentar, mas também evidencia que as sementes são material cada vez mais valioso e caro. ETC Group calcula que aprovar uma variedade geneticamente modificada exige um investimento de 136 milhões de dólares. Em 2007, as seis grandes investiram nove vezes mais em I&D do que o Departamento de Agricultura norte americano. Daí serem tão zelosas das suas patentes. Então, nas mãos de quem está o futuro da nossa alimentação? «Bayer, Monsanto, DuPont, Dow e Basf, e os seus investidores financeiros desejam controlar a alimentação da Terra», explica Duch. A indústria das sementes é uma das que incorporam mais tecnologia nos seus produtos. Um relatório de 2010 relativo ao Reino Unido revela que por cada libra investida nesta indústria se gera um retorno de 40. Quem sabe seja esta uma boa forma de recordarmos que a alimentação no mundo é a história de uma perda. No início da nossa civilização havia cerca de 10 000 espécies, mas hoje apenas se cultivam entre 150 e 200. Na Índia, nos princípios do século XX, catalogaram-se 30 000 variedades, agora, em 75% dos país plantam-se apenas 12. José Esquinas, ex alto cargo daOrganização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO), acredita que por detrás desta se escondem, em parte, os grandes produtores de sementes, os que «entenderam que a forma mais fácil de controlar o mercado é estandardizá-lo e uniformizá-lo». «A estratégia», reforça Henk Hobbelink, coordenador da ONG Grain, «é manusear poucas variedades e implantá-las de forma massiva». E é tanto assim, que os cultivos transgénicos se concentram em 12 espécies, enquanto que as redes camponesas cultivaram milhares. «O século XXI será o da diversidade, ou não iremos ver acabar o século», adverte Esquinas. »Como se vai enfrentar um problema como as alterações climáticas com variedades uniformes?».

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Fonte: traduzido e adaptado a partir de http://economia.elpais.com/economia/2014/01/03/actualidad/1388751491_683521.html Fotografia: Peter Newcomb (Reuters)


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Alterações Climáticas

«As alterações climáticas constituem o foco central do conjunto de características e sintomas da crise global do ambiente, da perda da biodiversidade, à segurança alimentar, passando pelos movimentos migratórios causados pela degradação ecológica de regiões e países inteiros. O combate às alterações climáticas pode ser travado com temor e timidez ou como desafio que pede o melhor da nossa criatividade, engenho, capacidade de entendimento, e cooperação estratégica. O que está em jogo é tão importante que a própria posição relativa dos países corre o risco de ser profundamente alterada. Será bom que ninguém o esqueça nos desenhos das prioridades estratégicas para o futuro.» Viriato Soromenho-Marques in Jornal de Letras, edição de 8 de Novembro de 2006

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As Alterações Climáticas são de origem antrópica e constituem um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta. Caracterizam-se por uma grande incerteza quanto aos impactos futuros no planeta e quanto cada ecossistema e cada região será afectada, apesar de ser claro que as consequências serão de grande magnitude. Os impactos já começaram a notar-se e terão consequências a muito longo prazo. Trata-se de um problema global, mas é complexo transmitir à sociedade, aos políticos e a outros a crescente preocupação científica mundial quanto à progressão deste problema. É inequívoco o aquecimento do clima em todos os continentes e que está a (ou irá) afectar quase todos os ecossistemas marinhos e terrestres, e quase todos os ambientes humanos e naturais. Disponibilidade de água potável, secas ou inundações, perda de espécies e ecossistemas, alterações na produtividade agrícola, aumento de tempestades e inundações, subida de incidências de doenças tropicais, alteração nos vectores de doença ou alterações na mortalidade ou morbilidade são na sua maioria impactos negativos e de grande escala. E o maior impacto será nas regiões mais pobres e mais vulneráveis, e pode levar a aumentos de migrações, a instabilidade social e política. Este aumento da temperatura global explica-se com o aumento de concentrações de Gases de Efeito de Estufa (GEE) resultantes das atividades humanas (uso de combustíveis

fósseis e alterações no uso da terra). Estes gases são coresponsáveis por alterações no equilíbrio do sistema climático. Os aumentos de GEE significam que muitas regiões do planeta irão tornar-se inabitáveis. Para responder a esta situação, a comunidade científica estabeleceu um objetivo mundial de limitar as concentrações de GEE na atmosfera para 550 ppm até ao ano 2100 o que significa apenas um aumento da temperatura média de 2ºC. Este objetivo condiciona as políticas relativas às Alterações Climáticas dado que determina fluxos de emissões aceites, e objetivos de redução de emissões. A emissão de GEE é comum a vários sectores de atividade, daí a transversalidade de políticas ou medidas de mitigação (para reduzir a quantidade de GEE na atmosfera e/ou aumentar a capacidade dos ecossistemas absorverem estes gases) e de adaptação aos seus efeitos ( para minimizar os efeitos negativos dos impactos nos sistemas biofísicos e socioeconómicos). Com a mitigação procura-se o uso eficiente de recursos energéticos, promover energias renováveis e transporte sustentável ou usar instrumentos de mercado como incentivos para “descarbonizar” a economia; com a adaptação pretendese recuperar os ecossistemas afectados, redesenhar questões energéticas, de transporte ou de abastecimento de água ou adaptar culturas agrícolas às novas condições. O Protocolo de Quioto fornece o enquadramento político para estas medidas e procura regular as políticas numa escala


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global. Mas os objetivos nacionais de redução de GEE não são facilmente assumidos pelas regiões, e o contexto socioeconómico geral de um país pode ser diferente da realidade regional, sendo estes objetivos apenas legalmente obrigatórios para os países e não para as regiões, assim a cooperação e a coordenação são especialmente importantes. Os Estados Unidos, a China, a Índia e o Brasil são os principais atores nas emissões de GEE, por isso o restante mundo deveria procurar convencê-los a aplicar políticas de mitigação mais ambiciosas. Isoladamente, nem a mitigação nem a adaptação podem evitar os impactos das Alterações Climáticas, as ações têm de ser coordenadas e são um processo de gestão de risco para durar décadas. Muitos investigadores consideram que as reduções de emissões podem ser atingidas sem excessivo custo económico para as economias mundiais. Os custos decorrentes de falha de implementação de políticas de combate às Alterações Climáticas, segundo o relatório Stern podem atingir entre 5% e 20% do PIB mundial se as perdas que não têm valor de mercado (perda de biodiversidade ou danos nos ecossistemas) forem incluídas. Os custos do cenário business-as-usual não serão zero. A situação é tão séria que muitos impactos a longo prazo não serão evitados mesmo com implementação de políticas de mitigação, mas muitos podem ser evitados, atrasados e reduzidos.

Atrasar as emissões pode ajudar a reduzir o impacto e afecta directamente a vulnerabilidade dos ecossistemas e o sucesso de políticas de adaptação. Assim, a política para enfrentar as Alterações Climáticas tem de ter opções ajustáveis a alterações no futuro e ter presente que na análise das mudanças climáticas haverá dificuldades na passagem da escala global para a escala regional ou para a escala local. A magnitude dos impactos, a escala planetária do desafio e as consequências para gerações futuras são razões mais do que suficientes para exigir que instituições regulem a intervenção de privados e públicos, apesar de complexo e difícil, trabalhando com políticas em inúmeros campos (ambiente, saúde, energia, indústria, transporte, alojamento, pesquisa e desenvolvimento, uso da terra, etc.), e ainda interação directa ou indirecta. A abrangência de instrumentos políticos é ampla e inclui taxas de CO2 para internalizar os efeitos negativos, standards de qualidade que exigem que não se exceda certos níveis de emissões, mercado de direitos de emissão transferíveis para atingir redução de forma eficiente, poupança de energia e subsídios de eficiência, legislação, etc.. As decisões de hoje têm de considerar o efeito que geram e as possibilidades de redefinição da política no futuro. Manter um conjunto equilibrado de opções políticas é um dos maiores desafios de gestão pública em qualquer campo de ação, e isto é particularmente importante no combate às Alterações Climáticas.


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O papel da tecnologia e investigação, desenvolvimento e inovação A tecnologia e a inovação têm um papel fundamental na mitigação de emissões à escala global. O tecto máximo de redução de emissões no campo da energia pode ser próximo de 30%. Nos países em desenvolvimento, a transferência de tecnologia é factor determinante para lidar com as políticas de mitigação. A partilha de responsabilidade deve ser em eficiência energética; descarbonizar a energia (substituir carvão por gás, captura de CO2, substituir carvão por energia nuclear, substituir carvão por energia eólica ou energia solar); descarbonizar os combustíveis (biocombustíveis, hidrogénio para veículos híbridos, etc.); e descarbonizar recursos agrícolas e de floresta (redução da desflorestação, reflorestação, etc.) A tecnologia é fundamental para descarbonizar a economia nos próximos 30-50 anos (transferência tecnológica, pesquisa e desenvolvimento tecnológico). Trabalhar em desenvolvimento tecnológico em diferentes campos de mitigação de emissão irá ajudar a reduzir os custos associados, sendo que o custo de reduzir uma tonelada adicional de CO2 diminui à medida que cada desenvolvimento tecnológico em cada campo progride. A tecnologia e a investigação, desenvolvimento e inovação tornam-se assim elementos centrais em qualquer política de combate às Alterações Climáticas.

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As Alterações Climáticas já são uma realidade científica que representa um enorme desafio a enfrentar pela humanidade . E apesar dos efeitos das ações humanas se repercutirem no sistema climático global e produzirem efeitos muito para além do local onde decorrem, a apreciação dos fenómenos à escala global dificilmente motiva as modificações de comportamento individual ou do grupo essenciais para a minimização dos impactos negativos enunciados. As Alterações Climáticas são um grande desafio para os decisores políticos, pois exigem resposta rápida e decisiva afectando muitas áreas diferentes da política e todos os níveis de governança. As regiões são as que podem na verdade atingir os objetivos , mas não estão comprometidas legalmente por acordos entre países, mas estão próximas dos cidadãos, e podem adaptar as políticas a necessidades específicas . Incorporar regiões em negociações internacionais pode ser muito difícil, pois o número de atores irá aumentar para números impossíveis de gerir, mas pode ser possível às regiões serem oficialmente reconhecidas como parte das delegações com alguma capacidade de negociação real dentro das estratégias nacionais e a sua participação no processo de tomadas de decisão; poucas redes representantes ou associações de Regiões e Governos Locais devem estar presentes nos processos de negociação internacional e rondas de discussão para assegurar que a sua voz é ouvida.


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Isto não irá aumentar o número de participantes significativamente mas permite incorporar a visão destes níveis de governança . Algumas regiões líderes mundiais compreenderam a necessidade de ter voz em fóruns internacionais, o potencial de redes como The Climate Group e lutam por reconhecimento. Políticas de mitigação e adaptação não são a única receita que pode ser aplicada igualmente a nível nacional ou regional, mas as regiões partilham muitos factores que tornam a troca de melhores práticas interessante. É mais motivador e compreensível, para o cidadão comum, começar por descodificar a complexidade do sistema climático global a partir de exemplos referência do quotidiano do que o sensibilizar a partir de algo mais complexo, distante e impessoal. Por isso, convencer os decisores e os cidadãos do seu importante papel na mitigação dos impactos negativos das mudanças climáticas não deve ser numa abordagem pela escala global, mas muito mais regional e local. Reduzir as emissões de GEE para baixar os níveis de concentração de gases na atmosfera (e assim as alterações climáticas) é uma das abordagens, embora se saiba que mesmo que fossem altamente eficazes, algumas mudanças e impactos já estão a acontecer e irão continuar, o que faz com que as medidas de adaptação como as de mitigação sejam também vitais. ©anlu

Considerações éticas têm de ser incorporadas para garantir tratamento justo para gerações futuras, mas também para países em desenvolvimento cuja contribuição para emissões globais historicamente tem sido mais baixa do que as dos países desenvolvidos. Transferir tecnologias para estes países e o papel do desenvolvimento tecnológico e inovação não podem ser evitados. Possíveis mudanças nos fluxos do comércio internacional (consequência das distorções geradas da implementação de diferentes políticas s em diferentes países) têm de ser consideradas. O Protocolo de Quioto marcou o início do processo de negociação para reduzir emissões de GEE, mas o desafio é ainda maior para 2020, 2050 ou 2100. O debate não pode nem deve ficar-se pela escala global, deve ser nacional e regional para sustentar um planeamento estratégico participado com identificação e selecção de medidas mitigadoras e de adaptação, pois dada a incerteza dos fenómenos será melhor um “mais vale prevenir do que remediar”.


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Um rosto: ELINOR OSTROM Elinor Ostrom (1933-2012) A primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel de Economia, morreu no dia 12 de junho de 2012 aos 78 anos, vítima de cancro. Professora da Universidade de Indiana e formada em ciências políticas, foi laureada em 2009 com o Nobel de Ciências Económicas, juntamente com Oliver Williamson, por pesquisas no campo da governança económica. Formada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, estudou como as pessoas se organizam e colaboram para gerir recursos comuns, como florestas ou a pesca, contradisse a armadilha social conhecida por “tragédia dos comuns”, na qual interesses individuais se sobrepõem a um objetivo coletivo, resultando em destruição dos bens públicos e dos recursos escassos. Comprovou, na prática, que interesses isolados de certos “A forma de alcançar uma mudança global é começar a tomar medidas a nível local“ grupos podem ser mais benéficos à economia e ao meio ambiente do que uma intervenção do Estado ou do mercado. Em 1973, ela e o marido, Vincent Ostrom, fundaram o Workshop em Teoria Política e Análise de Políticas da Universidade de Indiana, ambiente de colaboração com pesquisadores de disciplinas diversas. Uma de suas últimas atividades foi a chefia do comité científico da Planet Under Pressure, conferência preparatória da Rio+20. ©anlu


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Entrevista com a Nobel de Economia Elinor Ostrom A governança dos recursos naturais como a terra cultivável, os oceanos, os rios e a atmosfera, podem supor um impacto e provocar algumas das maiores crises mundiais pelas suas consequências em secas e inundações. A Prémio Nobel de Economia, Elinor Ostrom, dedicou boa parte da sua obra a estas questões, especialmente a gestão dos recursos de forma sustentável. Sugeriu um enfoque policentrado em vez de políticas individuais a nível mundial para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa. Poderia explicar como funcionaria? Acredita que um enfoque similar poderia servir para alcançar o desenvolvimento sustentável a nível mundial?

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Calculámos o impacto das acções individuais sobre as alterações climáticas de forma incorrecta e a necessidade de mudar a maneira como pensamos este problema. Quando as pessoas caminham em vez de conduzir, por exemplo, obtêm benefícios para a sua saúde em vez de reduzir as emissões de GEE. Quando um construtor de um edifício novo incorpora isolamento e optimiza o sistema de aquecimento, incide em menor emissão de GEE e tem um impacto imediato tanto no seu bairro como em todo o mundo. Quando as cidades decidem reformar os seus sistemas de energia a fim de produzir menos emissões de GEE, estarão a reduzir a quantidade de contaminação na região local, assim como as

emissões de GEE no mundo. Por outras palavras, o ponto chave é que com múltiplas acções se produz um grande efeito. Até agora subestimou-se a importância dos efeitos locais, das acções pequenas ou individuais, que unidas têm um impacto considerável. A forma de alcançar uma mudança global é começar a tomar medidas a nível local. Muitos países, incluindo China e India, acreditam que também têm direito a crescer, e que isto implica queimar carbono, para chegar ao mesmo nível do mundo desenvolvido, como se pode alterar essa mentalidade sem comprometer o seu direito ao desenvolvimento? Talvez não sejamos capazes de convencer a India e a China. Parte do meu desânimo é que parámos em batalhas sobre quem causou a mudança global e quem é responsável. E entretanto, se não se tomarem medidas, a quantidade de GEE emitidos a nível global será cada vez maior. Com a adoção de medidas a nível local podemos marcar uma diferença, e devemos fazê-lo. Acredita que o desenvolvimento sustentável não ganhará adeptos enquanto dirigido aos governos, focado cima para baixo? Irá repetir-se o erro de Rio+20? O que faria se a convocassem para uma reunião entre governos? Sim, acredito que se nos dirigirmos apenas aos governos


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teremos menos êxito. As acções que reduzem as emissões de gases de efeito de estufa devem ser tomadas por indivíduos, comunidades, cidades, regiões, Estados e despois todo o Mundo. É importante que os políticos reconheçam que se pode chegar a acordos internacionais para reduzir as emissões a nível nacional. É uma firme defensora da capacidade da gente comum para organizar e utilizar os recursos partilhados com prudência, mas tal não funciona sempre. Acredita que a acção colectiva desde a base de uma sociedade pode forçar o câmbio desde cima? Ou seja, podem os cidadãos impulsar a adopção de medidas desde a base? Acredito nas capacidades das pessoas para se organizar a nível local. Isto não quer dizer que sempre o consigam. Contudo, conhecemos, a pequena escala, os detalhes dos problemas e podemos organizar-nos para lhes fazer frente em vez de chamar as autoridades para que os resolvam. As autoridades muitas vezes não têm a informação detalhada sobre os problemas a pequena escala que enfrentam os cidadãos todos os dias. Por isso, as soluções que podem adoptar-se à população local podem ser mais imaginativas e eficazes.

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Este enfoque provavelmente funciona melhor no mundo rural, onde pode haver um sentimento de responsabilidade

partilhada no cuidar dos recursos comuns, mas como conseguir este sentimento no mundo urbano? Para resolver estes problemas em qualquer escala é necessária a confiança. Isto é, confiar que os outros também vão contribuir para a solução. Fomentar a confiança não é algo que se possa fazer de um dia para o outro. Portanto, o fundamental é que os esforços bem sucedidos à escala local sejam difundidos, que se conheçam por todo o país. As associações em comunidades locais chegaram a soluções muito criativas para enfrentar problemas ambientais. Isto não quer dizer que as soluções que funcionaram num lugar funcionem em outros, mas se servem a forma de adoptar as soluções: trabalhar para que as soluções se adaptem ao mundo local, conhecer as características socio-ecológicas dos problemas para alcançar soluções locais. Existem comunidades no Níger que se viram obrigadas a abandonar as suas terras para sempre por culpa da seca. Como podemos motivar as pessoas de outros países, os governos, a Europa, Ásia o EEUU para que pensem nessas pessoas que se viram obrigadas a abandonar as suas casas? Não existe uma resposta simples para esta pergunta. Nestes casos as igrejas, as ONG, desempenham um papel importante no difundir dos problemas da população de Níger e de outros


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países em desenvolvimento aos que estão a ajudar para que as pessoas da Europa e da América saibam o que está a acontecer. Ás vezes trata-se de um problema de corrupção a nível governamental nos países em desenvolvimento, onde às vezes o dinheiro das ajudas não chega aos seus beneficiários. Temos que repensar a forma de organizar a ajuda em múltiplas escalas com o fim de reduzir a probabilidade de algumas pessoas usarem o seu cargo público para benefício privado.

Acha que o mundo está a mover-se na direcção da sustentabilidade nos próximos cinco anos? Acredita que o mundo está disposto a assumir esta questão e especialmente agora, quando estamos numa recessão? Não, não vejo que o mundo se mova nessa direcção. Vejo alguns movimentos em todo o mundo que são muito encorajadores, mas não são os mesmos em todas as partes. Temos que deixar de pensar que temos que nos mover todos ao mesmo tempo em toda a parte. Temos que ser capazes de reconhecer a complexidade dos diferentes problemas aos que enfrentam uma ampla diversidade de regiões em todo o mundo. As soluções realmente grandes que funcionam num local não funcionam em outros. Temos que entender porquê, e encontrar formas de aprender a partir dos bons exemplos e de maus exemplos para avançar. É a primeira mulher na historia do Prémio Nobel da Economia a receber o prémio. Tal converte-o numa honra maior? ©anlu

Sim. Pense na época em que vivi. Quando se colocou a possibilidade de me matricula na universidade, disseram-me que nunca seria capaz de ir além de dar aulas em alguma escola técnica universitária da província. Como as coisas mudaram! Acredita que a proporção de galardoados com o Nobel de Economia – em termos de género– é de algum modo representativa da proporção das pessoas que trabalham actualmente no tema ou, pelo contrário, essas proporções mudaram? Tudo isto foi mudando lentamente. Assisti a aulas de economia onde era a única mulher, mas isto foi mudando lentamente, e acredito que existe um crescente respeito para com as mulheres, sobretudo agora que podemos contribuir de forma verdadeiramente importante. E gostaria de acreditar que este reconhecimento ajudará nesta direção. Estaríamos certos se afirmássemos que descobriu que a posse comum pode ser mais eficaz do que o que as pessoas pensavam? É assim! Não é que seja uma panaceia, mas é muito mais eficaz do que os nossos raciocínios comuns nos dão a entender.


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Há algum exemplo que gostaria de dar?

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Bem, deixe-me recorrer ao exemplo dos pescadores de lagostas do estado de Maine. Na década de 1920, os pescadores praticamente destruíram a pesca da lagosta. Reagruparam-se e a pensaram o que fazer. Com o tempo, desenvolveram uma série de regras engenhosas e de formas de gestão que permitiram que o sector da pesca da lagosta de Maine se convertesse num dos mais bem sucedidos do mundo. A grande ameaça que que lhes surge actualmente vem das pescarias em redor terem sido de sobreexploração. Mas foram incrivelmente eficazes durante muitos anos. Existem muitos outros grupos, grupos pequenos e médios, que se encarregaram de dirigir a gestão dos recursos. Estudámos vários sistemas de irrigação no Nepal. E sabemos que os sistemas de irrigação geridos por camponeses são mais eficazes com o armazenamento de água e apresentam uma maior produtividade e menores custos que os fabulosos sistemas de irrigação construídos com a ajuda do Banco Asiático para o Desenvolvimento, do Banco Mundial, da Agência Norte-americana para a Ajuda ao Desenvolvimento, etc. Assim, sabemos que muitos grupos locais são muito eficazes. Mas isto não é universal, de modo que não podemos ser tão ingénuos e pensar “Ó limitemo-nos a entregar as coisas às pessoas, que sempre se organizarão". Existem muitos cenários que desincentivam a auto-organização. Por isso, temos de anotar tanto como as pessoas se podem autoorganizar como das condições em que o fazem.

A sua investigação centrou-se também nas condições que conduzem à boa auto-organização. Que condições têm de existir? É importante, por exemplo, por parte dos participantes, tempo suficiente para decidir que natureza devem ter as suas regulações? Sim, e tenho um artigo na revista Science, que faz ume análise e diagnóstico, e que identifica uma boa quantidade de variáveis que se associam à auto-organização. Diria que, em termos gerais, devemos confiar mais na autoorganização do que se faz? A sociedade deve avançar para a implantação de estruturas que se auto-organizem? Sim, mas sem ser como uma fórmula. Actualmente, muitos dos numerosos processos de descentralização que com grande esforço se empreendem partem de uma fórmula rígida através da qual se dão regras às pessoas. E isto não funcionou bem. Pense na questão da diversidade. Se nos dispomos a gerir a diversidade ecológica, não encontraremos um único conjunto de regras que funcionem da mesma forma na região semiárida que na região tropical húmida. Têm de existir regras distintas. Quando as coisas vão de mal a pior , o que descobrimos é que estes mesmos indivíduos, através da comunicação, através da possibilidade de chegar a um acordo sobre o que vão fazer conjuntamente, constroem um nós bem definido que lhes permite seguir normas, cooperar e, mesmo sancionar-se uns


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aos outros e ajudar a que tudo isto se mantenha. Mencionou a teoria de jogos. O que faz é uma extensão da teoria de jogos? Até que ponto estes desenvolvimentos destas estruturas são jogos repetidos? A teoria dos jogos foi muito importante para o nosso trabalho, pois pudemos recorrer a modelos de teoria de jogos e examinálos num laboratório. Neste sentido, os trabalhos da década de 1980 de Reinhardt Selten, também Prémio Nobel, foi muito importante para a minha formação. A teoria dos jogos foi uma grande ajuda para nós, na medida em que nos ajuda a analisar e a desenvolver uma teoria de comportamento humano, do mesmo modo que também o são outros mecanismos formais que ajudam também a entender porque as pessoas cooperam em determinados cenários e em outros não. Considera que o seu trabalho é teoria económica, ciência política ou teoria social, se é que importa como é etiquetado.

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O que faço poderia chamar-se economia política ou estudo de dilemas sociais. Tive uma sólida formação no campo da economia como estudante universitária. Trabalho com dois colegas, economistas, em Bloomington, que foram muito importantes para o meu trabalho. O meu marido trabalhou com Charlie Tiebout, com quem desenvolveu uma teoria da

organização metropolitana que incluía elementos da economia e da ciência política… Assim cruza a s duas disciplinas. Isso sem qualquer dúvida! Com este prémio apresenta a necessidade das pessoas se envolverem no seu próprio governo. Sim, claro! Nós, os humanos temos grandes capacidades, e de certo modo, temos participado da ideia segundo a qual os chefes têm umas capacidades genéticas de que o resto de nós carece. Espero que possamos mudar isto um pouco. Desde que descobrimos que algumas vezes os burocratas não têm as informações corretas, enquanto os cidadãos e usuários dos recursos têm, esperamos que isso ajude a encorajar um senso de capacidade e de poder das comunidades organizadas. O trabalho de Ostrom indica que políticas públicas, principalmente ambientais, têm mais resultados quando são baseadas na colaboração entre as partes, e não na simples imposição de regras ou o cumprimento de critérios privados de gestão conforme ficou consagrado nos últimos trinta anos de neoliberalismo.

FONTE: Traduzido e adaptado a partir de entrevista realizada por UN Office for the Coordination of Humanitarian Affairs


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Colabore com a Associação Reviravolta como VOLUNTÁRIO. A Lei n.º 71/98 de 3 de Novembro, regulamentada pelo Decreto-lei n.º 389/99 de 30 de Setembro, enquadrou juridicamente o trabalho voluntário. Voluntário é o indivíduo que de forma livre, desinteressada se compromete, de acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar acções de voluntariado no âmbito das actividades da Associação Reviravolta. A Associação Reviravolta está receptiva e interessada na colaboração de voluntários. Apoie-nos e valorize-se! ©anlu


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STASSEN NATURAL FOOD – Sri Lanka

A Stassen Natural Food é um dos principais produtores e exportadores de chá de qualidade do Sri Lanka e antigo parceiro do Comércio Justo. A economia do Sri Lanka depende fortemente da produção de chá. A Stassen Export é uma empresa privada e, por isso, um parceiro atípico do Comércio Justo. O chá é o seu principal produto de exportação. Foi identificada como um possível parceiro do Comércio Justo na medida em que mostrou um particular interesse no Comércio Justo e visa inúmeros objectivos partilhados, como a melhoria das condições de trabalho e de vida das pessoas a trabalhar nas plantações de chá, e a promoção da agricultura biológica. O chá do Sri Lanka pertence às melhores qualidades produzidas no mundo. É, sobretudo, cultivado na parte meridional da ilha e, graças ao clima temperado, pode ser colhido durante todo o ano. A melhoria das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores nas plantações de chá e o desenvolvimento de uma plantação biológica são os principais objectivos da Stassen Natural Food. A Stassen coordena a preparação e a exportação do chá. A produção das embalagens em folha de palma desenvolve-se no quadro de um projecto da aldeia e organiza-se em 10 centros que dão trabalho e rendimento a muitas mulheres. O projecto reuniu cerca de 30 médicos e professores que formam a Social Development Society, que gere o desenvolvimento social (associando Tamil e Cingaleses) e os programas sanitários dando particular atenção aos programas de nutrição e à redução do alcoolismo – um problema, sobretudo masculino, associado à falta de ocupação dos jovens – através de cursos de formação e utilizando a experiência dos mais velhos que transmitem os segredos da profissão. A Stassen Natural Food oferece bolsas especiais a estudantes que queiram continuar os estudos. Mais informações (em italiano): www.altromercato.it (traduzido)

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CONSUMO RESPONSÁVEL

Saiba que o nosso planeta perde todos os anos uma superficie de terra fértil do tamanho da Irlanda, e que todos os dias se extinguem 50 espécies de plantas e que mais de 2 milhões de pessoas não têm acesso a água potável? Para mudar esta realidade podemos incluir dicas simples no nosso dia-a-dia que mediante um consumo responsável, promovam um nível de vida digno para todo o planeta, protegendo os direitos humanos e evitando danos ambientais. ©anlu

Tome um duche em vez de um banho de imersão, utilize electrodomésticos de baixo consumo, não utilize a sanita como caixote do lixo e não deixe a torneira aberta enquanto esfrega a louça ou lava os dentes.

Fontes: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, www.consumoresponsable.org


QUE É O COMÉRCIO JUSTO?

| Boletim Justo – Newsletter trimestral da Associação Reviravolta | Edição: Ana Luísa Coelho & Associação Reviravolta | Coordenação, Redacção e Desenho Original: Ana Luísa Coelho | A tua colaboração ajuda-nos a melhorar, a tua opinião ajuda-nos a avançar. | Avança e escreve-nos! inforeviravolta@gmail.com | Esta publicação pode ser reproduzida e divulgada desde que citada a fonte. | Comércio Justo no Porto | Parque da Cidade | Núcleo Rural de Aldoar | Beco de Carreiras | 4150-158 PORTO | T: 22 61 00 622

| «O Comércio Justo é uma parceria comercial baseada no diálogo, transparência e respeito. Contribui para o desenvolvimento sustentável oferecendo melhores condições de comércio tendo em conta os direitos dos produtores e trabalhadores marginalizados, especialmente no Sul do mundo.» Definição da FINE – Fair Trade Initiative for Europe, plataforma informal onde estão representadas FLO, WFTO (exIFAT), NEWS e EFTA. | É, sobretudo, uma alternativa ao comércio convencional, pois promove a justiça social e económica, o desenvolvimento sustentável, e o respeito pelas pessoas e pelo meio ambiente, através do comércio, da sensibilização dos consumidores, e de várias acções de educação e informação. O Comércio Justo estabelece uma relação paritária entre os participantes na cadeia comercial: produtores, trabalhadores, importadores, lojas do Comércio Justo e consumidores. | O Comércio Justo assume-se como uma alternativa em que a produção e o comércio se encontram ao serviço das pessoas. Prova que os lucros, os direitos dos trabalhadores e o respeito pelo meio ambiente não são objectivos incompatíveis.

©anlu


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