Pardela 59

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As aves em revista

REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA PARA O ESTUDO DAS AVES

DIRETORA:

Joana Domingues | FOTO DE CAPA: © Tânia Pipa

NÚMERO 59 | OUTONO/INVERNO 2019 | SEMESTRAL | GRATUITA

Canárias

CAIXINHAS DE SURPRESAS P.14

Priolo

MUITO MAIS DO QUE SALVAR UMA AVE P.21

Pombo-da-madeira O JARDINEIRO DA LAURISSILVA P.11


Aeroporto. Caça à rola. Armadilhas. Ajude-nos a enfrentar os desafios de 2020. Pague a quota com débito direto*, e nós tratamos do resto.

* O débito direto é sempre feito com pré-aviso, podendo desistir a qualquer momento.

www.spea.pt


ÍNDICE

10

Lituânia Onde o familiar e o inesperado se encontram

04

Editorial

05

Breves

08

Descobertas Novidades do mundo da ciência

10

Lituânia Onde o familiar e o inesperado se encontram

11

Pombo-da-madeira

© Imran Shah (CC BY-NC-ND 2.0)

Nem uma espécie a menos

O jardineiro da Laurissilva

14

Corvo Quem corre por gosto

Canárias

26

Caixinhas de surpresas

16

Última hora Aeroporto do Montijo

17

Ilhas

21

© Erik Wahlgren

Restauradas as ilhas, como se atraem as aves de volta?

Priolo

26

Corvo Quem corre por gosto...

28

© Laura Abella

Muito mais do que salvar uma ave

11 Pombo-da-madeira O jardineiro da Laurissilva

História(s) com aves Desde a Lua ao fundo dos lagos

31

Madeira 10 anos a salvar aves marinhas

32

Estuário do Sado Um roteiro ao ritmo das marés

Identificação de aves Pardais

36

A SPEA responde

37

Juvenis

© Luis Ferreira

35

Ilhas Restauradas as ilhas, como se atraem as aves de volta?

17

n.º 59 pardela | 3


EDITORIAL

Nem uma espécie a menos Not a species to lose Graça Lima Presidente da Direção Nacional da SPEA

FICHA TÉCNICA

PARDELA N.º 59 | OUTONO/INVERNO 2019 DIRETORA: Joana Domingues | joana.domingues@spea.pt COMISSÃO EDITORIAL: Joana Domingues, Mónica Costa, Rui Machado, Sonia Neves, Vanessa Oliveira PARTICIPAÇÃO REGULAR: Helder Costa FOTOGRAFIA DE CAPA: Estapagado Puffinus puffinus © Tânia Pipa ILUSTRAÇÕES: Frederico Arruda e Juan Varela PAGINAÇÃO E GRAFISMO: Frederico Arruda

Nesta edição, damos destaque ao importante trabalho de conservação que os técnicos, voluntários e estagiários da SPEA têm levado a cabo na Madeira e nos Açores, numa tentativa de manter espécies de aves únicas no que resta do coberto florestal primitivo de floresta Laurissilva, e de recuperar esses habitats.

IMPRESSÃO: Printipo – Global Printing Alto da Bela Vista, Est. Paço de Arcos, n.º 77, Pav. 20 2735-308 Cacém TIRAGEM: 1200 exemplares e digital PERIODICIDADE: Semestral ISSN: 0873-1124 DEPÓSITO LEGAL: 189 332/02

Também em Cabo Verde, os nossos esforços de conservação em parceria com entidades locais têm garantido um futuro mais promissor para aves como a calhandra-do-raso. Por toda a Macaronésia, cinco séculos de humanização resultaram na perda de diversos valores naturais. Alguns vestígios paleontológicos revelam que, no passado, aqui terão existido pequenas aves da família Rallidae, que habitariam principalmente o solo, e terão sido levadas à extinção pela atividade humana. Atualmente, não nos é permitido perder mais uma espécie de ave que seja, esteja isso na possibilidade da atuação da SPEA.

REGISTO DE PUBLICAÇÃO PERIÓDICA: n.º 127 000 ESTATUTO EDITORIAL: Disponível em www.spea.pt/pt/publicacoes/pardela Os artigos assinados exprimem a opinião dos seus autores e não necessariamente a da SPEA. A fotografia de aves, nomeadamente em locais de reprodução, comporta algum risco de perturbação das mesmas, tendo os autores das fotos utilizadas nesta publicação tomado as precauções necessárias para a minimizar. A SPEA agradece a todos os que gentilmente colaboraram com textos, fotografias e ilustrações. PROPRIEDADE / EDITOR / REDAÇÃO: Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Pessoa coletiva n.º 503091707. Instituição de Utilidade Pública. CONTACTOS: Av. Columbano Bordalo Pinheiro, 87, 3.º Andar, 1070-062 Lisboa Tel. +351 213 220 430 | Fax. +351 213 220 439 spea@spea.pt | www.spea.pt

In this issue, we share some of the important conservation work being carried out by SPEA’s technicians, volunteers and interns in Madeira and Azores in an effort to protect the archipelago’s unique birdlife and the remaining pristine Laurel forest which many of the islands’ birds call home. In Cape Verde island, too, working closely with local partners has brought conservation successes for birds like the Raso Lark. Throughout Macaronesia, five centuries of human occupation have led to considerable losses. Ancient bones are the only glimpses we can now catch of the rails which once lived here. These little terrestrial birds were wiped out by human activity. Now, we cannot allow a single other bird species to suffer the same fate, if it is within SPEA’s reach to prevent it.

DIREÇÃO NACIONAL Presidente: Graça Lima Vice-presidente: Paulo Travassos Tesoureiro: Peter Penning Vogais: Alexandre Leitão e Martim Melo A SPEA é uma organização não governamental de ambiente, sem fins lucrativos, que tem como missão o estudo e a conservação das aves e dos seus habitats em Portugal, promovendo um desenvolvimento que garanta a viabilidade do património natural para usufruto das gerações vindouras. Faz parte da BirdLife International, organização internacional que atua em mais de 100 países. É instituição de utilidade pública e depende do apoio dos sócios e de diversas entidades para concretizar a sua missão.

Esta publicação foi impressa em papel reciclado Oikos com certificação FSC, a marca da gestão florestal responsável. Esta edição contou com o apoio publicitário de: Sony e Opticron

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BREVES

Junte a sua voz à nossa

O canto de um pardal facilmente passa despercebido. Mas quando um bando inteiro se junta nas árvores ao anoitecer, a explosão de som é impossível de ignorar. Na SPEA, podemos ter esse impacto – com a sua ajuda. No mês do nosso aniversário, agradecemos aos sócios que nos permitem chegar cada vez mais longe, e convidamos os sócios com quotas em atraso a voltar ao bando. Se já tem as quotas em dia, apelamos ao pagamento da quota de 2020 no início do ano ou mesmo em dezembro, de modo a arrancarmos no novo ano com mais força. Equacione, ainda, aderir ao dé-

bito direto, uma forma cómoda de nunca se esquecer de nos ajudar. E se ainda não é sócio, está sempre a tempo de juntar a sua voz à nossa.

AGENDA EM DESTAQUE VISITAS DE ESTUDO ORNITOLÓGICAS SPEA 2020 Tejo Internacional 4 a 8 de abril

Juntos, seremos uma força da natureza.

Madeira e Desertas 9 a 14 de maio

Lituânia 5 a 13 de junho

P. N. da Serra da Estrela 19 a 21 de junho

São Miguel e Terceira, Açores 31 de agosto a 5 de setembro

EVENTOS E ATIVIDADES 2020 Palestra: Trabalho de conservação das aves de Cabo Verde Lisboa | 23 de janeiro

Redução da caça à rola: importante mas insuficiente

Workshop de comunicação de ciência Lisboa | 7 de março Curso prático de introdução às orquídeas silvestres de Portugal Lisboa | 11 de abril Curso de Observadores de pesca e de capturas acidentais de aves marinhas Lisboa e Peniche | 27 e 28 de abril Saída: Celebre o Dia da Rede Natura na ilha da Berlenga Peniche | 23 maio CENSOS DE AVES 2019/2020

© Les Bunyan (rspb-images.com)

Juntamente com os nossos parceiros da Coligação C6, assinámos este verão um memorando de entendimento com as entidades representativas do setor da caça e com os institutos que a tutelam, para reduzir a caça à rola-brava. Com este memorando, caçadores e tutela comprometeram-se a restringir o período de caça às manhãs já em 2019. No entanto, é de manhã que a maioria das rolas são abatidas, portan-

to o impacto da medida é questionável. Caçadores e tutela comprometeram-se ainda a passar de 19 para 4 dias de caça a partir de 2020/2021. Mas para uma espécie que no nosso país diminuiu 80% desde 2004, é preciso mais. Para que a rola possa recuperar, é preciso suspender a caça completamente, recuperar habitats favoráveis e protegê-la de forma concertada em toda a Península Ibérica.

Arenaria (censo de aves costeiras) Costa portuguesa | 1 dezembro a 31 janeiro Noctua (monitorização de aves noturnas) Portugal continental | 1 dezembro a 15 junho Contagens de Aves no Natal e no Ano Novo (CANAN) Portugal continental | 15 dezembro a 31 janeiro III Atlas das Aves Nidificantes Todo o país | 15 março a 31 julho Censo de Aves Comuns (CAC) Todo o país | 1 abril a 15 junho

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BREVES

Life Ilhas Barreira

2º Festival dos grous

© JJ Harisson

Estamos a começar um novo projeto na Ria Formosa, nas Ilhas Barreira. Co-financiado pelo programa LIFE da Comissão Europeia, este projeto irá avaliar a resiliência destas ilhas às alterações climáticas, o estado das populações de gaivota-de-audouin e chilreta, e o impacto da pesca na pardela-balear.

Açores: fortalecer a Rede Natura 2000 A falta de conhecimento científico sobre algumas espécies e habitats, juntamente com a escassez de recursos humanos e materiais para a conservação da natureza, tem dificultado a implementação do Quadro de Ação Prioritária para os sítios da Rede Natura 2000 nos Açores. Para colmatar estas lacunas, a SPEA participa no projeto Life IP Azores Natura, financiado pelo programa LIFE da Comissão Europeia e coordenado pela Direção Regional do Ambiente. O projeto pretende criar condições para implementar o Quadro de Ação Prioritária nos mais de 800 km2 do arquipélago que fazem parte da Rede Natura 2000. 6 | pardela n.º 59

© Nick Upton (rspb-images.com)

De 17 a 19 de janeiro, vamos celebrar os grous em Campo Maior. Aves grandes e graciosas, de plumagem cinzenta, pernas e pescoço compridos e um característico tufo de penas caudais curvas, os grous estão ameaçados pela intensificação da agricultura e degradação de habitat. Estas aves esbeltas vêm passar o inverno a Portugal, fugindo ao clima ártico do norte da Europa. Aqui, reúnem-se às cente-

nas, proporcionando um espetáculo incrível ao entardecer: uma vaga de grasnados que rola sobre o montado enquanto uma nuvem de aves escurece o céu, a caminho dos dormitórios. Reserve um lugar na primeira fila para assistir a este espetáculo inesquecível: inscreva-se no 2º Festival dos Grous, organizado pela SPEA e pelo Grupo de Ecologia e Desportos de Aventura (GEDA).

Calhandras continuam a vingar em Santa Luzia A população de calhandra-do-raso que “semeámos” na ilha de Santa Luzia, em Cabo Verde, no ano passado, continua a vingar. Pelo segundo ano consecutivo, estas aves estão a reproduzir-se nesta ilha, que alberga agora pelo menos 40 calhandras, divididas por dois núcleos (um a norte e outro a sul). Esta espécie, que se tinha extinguido na ilha, restabeleceu-se graças à translocação que fize-

mos com os parceiros da Biosfera 1, da BirdLife International, do governo cabo-verdiano e da Universidade de Cambridge, em que transferimos 70 calhandras do ilhéu Raso para esta nova casa. E a ação parece ter inspirado algumas calhandras: três destas aves fizeram a viagem sozinhas, sem intervenção humana, compensando a “perda” de uma calhandra que voou de volta à origem.


BREVES

Governo não cumpre legislação europeia

Pela pesca sustentável No seguimento do nosso trabalho com os pescadores que operam na zona de Peniche e do Arquipélago das Berlengas, lançámos o projeto Anzol+. O projeto, que durará até 2022, visa promover a pesca ambientalmente sustentável, eficiente, inovadora, competitiva e baseada no conhecimento.

© David Kjaer (rspb-images.com)

A Coligação C6, a que a SPEA pertence, enviou em setembro uma queixa formal à Comissão Europeia, responsabilizando o Governo por não cumprir a legislação europeia e os seus compromissos em pelo menos 14 Zonas de Proteção Especial para as aves no Alentejo. Nesta queixa, responsabilizamos os ministros do Ambiente e da Agricultura pela degradação do habitat agrícola da Rede Natura 2000, colo-

cando em risco espécies ameaçadas como o sisão, cuja salvaguarda foi o objetivo da classificação destas zonas. Poucos dias após a apresentação desta queixa, o Tribunal Europeu declarou num outro processo que o estado Português não cumpriu a legislação comunitária: 61 sítios que deveriam ter sido declarados Zonas Especiais de Conservação, ao abrigo da Rede Natura 2000, ainda não o foram.

Novas visitas guiadas para descobrir o priolo e a laurissilva O Centro Ambiental do Priolo, em S. Miguel, Açores, disponibiliza desde julho duas visitas guiadas para descobrir o priolo e o seu habitat, a floresta Laurissilva, e ficar a conhecer o trabalho desenvolvido ao longo dos últimos 15 anos para salvar esta ave da extinção. O preço das visitas, que têm desconto para sócios, reverte para ações de conservação da natureza nas Terras do Priolo.

INFORMAÇÃO E RESERVAS

http://centropriolo.spea.pt

Panorama preocupante Em breve estará disponível a nossa brochura “Estado das Aves”, que reúne os principais resultados atualizados dos programas de monitorização da avifauna a decorrer em Portugal, assim como de alguns censos dirigidos mais recentes. Esta compilação de dados obtidos graças a centenas de voluntários por todo o país pinta um panorama preocupante. Aves como a rola-brava, o picanço-barreteiro, a águia-caçadeira e o sisão mostram declínios dramáticos, e mesmo algumas aves comuns, como o pardal e o pintassilgo, têm visto as suas populações decrescer nos últimos anos. Nos oceanos e na orla costeira, também há dados inquietantes: a principal população reprodutora de galheta diminuiu 25% em apenas 5 anos, enquanto os números de algumas espécies invernantes, como a torda-mergulheira, o alcatraz ou o pilrito-das-praias têm vindo a diminuir ao longo da última década. n.º 59 pardela | 7


DESCOBERTAS

CIÊNCIA

© Tigerburnie | CC BY-NC-ND 2.0

© Luís Rodrigues

Ruído afeta disputas territoriais

espécies consideradas comuns, segundo um estudo que mostra a importância dos dados recolhidos por observadores voluntários. O desaparecimento de um terço das aves da América do Norte não é um caso isolado: também na Europa a tendência é preocupante.

A poluição sonora afeta a capacidade de os piscos-de-peito-ruivo Erithacus rubecula defenderem adequadamente os seus territórios, diz um artigo publicado na revista Biology Letters. Nas disputas territoriais, quanto maior a agressividade de um pisco, mais complexo o seu canto. Devido ao ruído das atividades humanas, o pisco não consegue avaliar correctamente essa complexidade, fica com uma percepção errada da agressividade do seu rival e reage de forma desajustada, o que pode sair-lhe caro. Kareklas K et al. 2019. Biology Letters. DOI: 10.1098/rsbl.2018.0841

América perdeu milhões de aves Em menos de meio século, a América do Norte perdeu três mil milhões de aves, incluindo pardais, e outras

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Rosenberg KV et al. 2019. Science. DOI: 10.1126/science.aaw1313

Depressa e bem Quando chega a altura de rumar a Sul, os britangos Neophron percnopterus da Península Ibérica seguem rotas mais diretas, numa migração mais curta do que os seus congéneres do Leste da Europa que, apesar de voarem mais rápido, demoram mais tempo, provavelmente por terem mais obstáculos para ultrapassar. É esta a conclusão de um estudo realizado com a contribuição do projeto Life Rupis. O estudo, que englobou dados de 94 britangos

© Marcus Vetemaa | Birdlife

marcados por GPS, revelou ainda que os britangos que se reproduzem na Península Ibérica, nos Balcãs e no Cáucaso passam o inverno em três zonas distintas de África. Phipps WL, López-López P, Buechley ER, Oppel S et al. 2019. Frontiers in Ecology & Evolution 7:323. DOI: 10.3389/ fevo.2019.00323

As três maiores ameaças às aves marinhas Captura acidental nas pescas, espécies invasoras e alterações climáticas. Quase metade (45%) das aves marinhas do mundo é afetada por uma destas ameaças. Reverter estas três ameaças poderia ser benéfico para 380 milhões de aves, diz o estudo liderado por Maria Dias da BirdLife International. Dias MP et al. 2019. Biological Conservation 237, 525-537. DOI: 10.1016/j. biocon.2019.06.033


DESCOBERTAS

CIÊNCIA

E ainda... Esquilos cinzentos escutam as aves para detetar ameaças Lilly MV et al. 2019. PLoS ONE. DOI: 10.1371/journal.pone.0221279

Comércio legal de aves: procura cada vez maior por aves capturadas na natureza Ribeiro J et al. 2019. Biodiversity and Conservation 28, 3343–3369. DOI: 10.1007/s10531-019-01825-5

© Luc Hoogenstein | CC BY-NC-ND 2.0

© Frank Vassen | CC BY-NC-ND 2.0

Lagostim para o almoço

centagem de área protegida resulta muitas vezes na designação de áreas protegidas que na verdade não têm grande valor ecológico, e em áreas protegidas que não passam do papel. O estudo propõe que as próximas metas sejam focadas nos resultados que se espera que as áreas protegidas tenham para a biodiversidade.

O lagostim-vermelho-do-louisiana Procambarus clarkii, espécie invasora que ameaça salamandras e relas portuguesas e causa danos elevados nos arrozais, é um importante recurso alimentar para a cegonha-branca Ciconia ciconia, segundo um estudo publicado na revista Airo.

Visconti P et al. 2019. Science 364 (6437), 239-241. DOI: 10.1126/science.aav6886

Primeiro registo de pilrito-canela Calidris subruficollis em Cabo Verde Donald PF et al. 2019. Bull ABC 26 (2), 222-229.

Aves aquáticas comuns na Guiné-Bissau são surpreendentemente raras em dois rios do leste do país Catry P et al. 2019. Airo 26, 27-32.

Ferreira EM et al. 2019. Airo 26, 33-47.

Cromossoma extra Metas erradas Das metas de Aichi, estabelecidas em 2010 pela comunidade internacional no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica, uma das poucas que provavelmente será cumprida é a proteção de 17% das áreas continentais e 10% das áreas marinhas até 2020. Infelizmente, isso não significa que as zonas mais importantes para a biodiversidade estejam a salvo. Um estudo liderado pela BirdLife International mostra que o foco na per-

Num estudo publicado na revista PNAS, cientistas descobriram que os passeriformes têm um cromossoma a mais que todas as outras aves. Este cromossoma extra apenas existe nas células que darão origem aos óvulos e espermatozoides destas pequenas aves, e os cientistas especulam que poderá ser um dos segredos para a incrível diversidade deste grupo de aves. Torgasheva AA et al. 2019. PNAS 116 (24), 11845-11850. DOI: 10.1073/ pnas.1817373116

Gansos que sobrevoam os Himalaias conseguem arrefecer o seu sangue para que transporte mais oxigénio Meir JU et al. 2019. eLife 8, e44986. DOI: 10.7554/eLife.44986

Alimentadores de aves ajudaram mais de 30 espécies no Reino Unido Plummer KE et al. 2019. Nature Communications 10, 2088. DOI: 10.1038/ s41467-019-10111-5

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Castelo Trakai, Lituania Valdemaras D.

LITUÂNIA

Onde o familiar e o inesperado se encontram A Lituânia mostra-nos uma nova perspetiva sobre aves e paisagens que pensávamos conhecer

O

bservar aves na Lituânia em junho é como ajustar um novo par de binóculos topo de gama: de repente, tudo fica mais definido. A gaivina-preta Chlidonias niger é realmente preta, a gaivina-d’asa-branca Chlidonias leucopterus parece ter lavado as asas com lixívia, a alvéola-citrina Motacilla citreola é inconfundível. Em plena época de reprodução, estas e outras aves apresentam-se aqui em todo o seu esplendor, muito mais fáceis de identificar do que com a plumagem deslavada a que estamos habituados.

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Caminhando pelos passadiços sobre um pântano, enquanto se saboreiam os mirtilos selvagens veem-se – e ouvem-se – facilmente as felosas-assobiadeiras Phylloscopus sibilatrix que aqui nidificam. As florestas densas, terra de lobos e linces, albergam quase todas as espécies de pica-pau da Europa, bem como uma impressionante variedade de mochos e corujas. Nos sistemas de lagoas junto ao Mar Báltico, mergulham mobelhas-árticas Gavia arctica e mobelhas-grandes Gavia immer, enquanto perna-vermelha-escuros Tringa erythropus param

para se alimentar a caminho do Ártico. Com sorte, somos sobrevoados pela maior águia da Europa, a águia-rabalva Haliaeetus albicilla. E, como que a relembrar-nos que não estamos na nossa costa, por vezes avistam-se alces Alces alces nas dunas.

Visita SPEA à Lituânia 05 a 13 junho 2020

Autora | Sonia Neves SPEA


POMBO-DA-MADEIRA

O jardineiro da Laurissilva

Pombo-da-madeira Erik Wahlgren

A ilha da Madeira é conhecida mundialmente pela beleza das suas florestas. O que poucos visitantes saberão é a identidade do “jardineiro” que ajuda a manter as encostas verdejantes: o pombo-da-madeira, ou pombo-trocaz Columba trocaz. Infelizmente, aquilo que torna o pombo tão importante para a emblemática floresta madeirense é também o que está a torná-lo num alvo: o seu apetite.

O

pombo-da-madeira alimenta-se sobretudo de bagas, mas não é esquisito: vermelhas ou cor-de-laranja, maiores ou mais pequenas, muitas das plantas da Floresta Laurissilva servem. Enquanto se alimenta na floresta, o pombo vai plantando as sementes para a próxima geração – literalmente. Ao longo dos milénios em que estas espécies (plantas e pombo) evoluíram juntas na ilha, sem interferência humana ou de outros predadores, criou-se uma dependência mútua: os pombos dependiam da Laurissilva para alimento (e para fazer o ninho) e as plantas dependem do pombo para dispersar as suas sementes

(as sementes de muitas destas plantas germinam melhor depois de passarem pelo sistema digestivo do pombo). Mas o vasto apetite do pombo-da-madeira não se fica pelas plantas nativas. Também gosta de rebentos de vinha, couves e outras folhas, o que cria uma situação delicada.

O conflito Na Madeira, falar de agricultura não é falar de grandes campos arados, mas sim de pequenas hortas, muitas vezes paredes-meias com a Laurissilva. Para o pombo, essas hortas são como res-

taurantes de “fast food” mesmo ao lado de casa. Mas os proprietários não gostam, claro. Face às queixas de agricultores, o Governo Regional da Madeira tem procedido ao abate de pombo-da-madeira em zonas afetadas. Esta é uma medida drástica, sobretudo para uma espécie que não existe em mais local nenhum no mundo, e que nos anos 80 estava ameaçada de extinção. “E não temos indicação nenhuma de que o abate esteja a resolver o problema”, diz Cátia Gouveia, coordenadora da SPEA Madeira. Todos os anos continuam a existir queixas de proprietários cujas colheitas foram comidas por estes pombos. n.º 59 pardela | 11


Floresta Laurissilva Luis Miguel Rodrigues

Quando uma espécie existe apenas numa ilha, qualquer problema pode ser fatal. Por outro lado, os dados sobre o estado da população desta espécie não são tão robustos como deviam. “Os censos de pombo desenvolvidos pelo Governo Regional não cobrem toda a ilha e por isso não permitem realmente saber o estado global da espécie. É importante perceber, por exemplo, se os pombos estão a aparecer mais nas hortas não por haver mais pombos, mas porque estão a sair da floresta” diz Cátia Gouveia. É urgente colmatar esta lacuna.

nalguns casos, os próprios agricultores já arranjaram forma de minimizar as perdas, diz Cátia Gouveia: “há pessoas que nos contam que passaram a plantar milho mais acima, junto à laurissilva, e mudaram as couves mais para baixo, para mais longe da floresta, onde os pombos não vão”. E se estes ou outros

Pombo-da-madeira John Gerrard Keulemans

Melhores soluções As perdas dos agricultores não podem ser menosprezadas. Para muitos, estas colheitas são importantes para a sua subsistência e das suas famílias. Mas poderá ser possível minimizar as perdas. Há canhões sonoros que assustam os pombos, há fitas holográficas que também os afugentam, e há redes que os impedem de chegar às culturas. E,

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métodos não letais falharem, outra hipótese será indemnizar os agricultores prejudicados. “Sendo esta uma espécie protegida, e com uma importância tão grande para a Madeira e para uma flo-

resta que é património da humanidade da UNESCO, uma solução poderia passar por compensar monetariamente os agricultores pelos prejuízos causados pelo pombo”, diz Cátia Gouveia. “Dinheiro para isso não falta na Política Agrícola Comum”, acrescenta. Tal como a floresta que ajuda a manter, também o pombo-da-madeira é um tesouro da Madeira. Com o aumento do turismo de natureza, o pombo é já chamariz para visitantes, que sobem as levadas na esperança de viver um momento que só aqui podem ter: observar esta espécie. Quando uma espécie existe apenas numa ilha, qualquer problema pode ser fatal. A Madeira tem o privilégio de albergar a única população mundial desta ave, e de a ter como jardineiro nos seus preciosos jardins. Nas palavras de Cátia Gouveia: “Temos a obrigação, o conhecimento e os meios para encontrar soluções que permitam que as pessoas vivam em harmonia com este tesouro. Porque não fazê-lo?” Autora | Sonia Neves SPEA



CANÁRIAS

Caixinhas de surpresas Dos picos nevados aos campos de lava, o arquipélago das Canárias alberga aves únicas

O

arquipélago das Canárias é bem conhecido dos ornitólogos, pela panóplia de espécies que só aqui podem ser vistas: existem seis espécies de aves que são endémicas das Canárias, e mais três endémicas da Macaronésia (ocorrendo também na Madeira e/ou nos Açores). Uma visita a estas ilhas afortunadas é sempre uma garantia de excelentes observações para os amantes da natureza. Dominada por espetaculares picos (alguns com neve), a paisagem destas ilhas vulcânicas inclui caldeiras, campos de lava, desfiladeiros e costas escarpadas. Dependendo da ilha, esses habitats vulcânicos são complementados por extensas dunas e desertos pedregosos, ou por grandes manchas

de Floresta Laurissilva e pinhais de altitude. Assim, a constelação de habitats em cada ilha é propícia a um conjunto diferente de espécies.

Tenerife Esta é a maior ilha do arquipélago e a que possui o pico mais alto, El Teide. Trata-se de um vulcão com 3700 m de altitude, rodeado por uma caldeira com mais de 10 km de diâmetro, que constituem o Parque Nacional de las Cañadas del Teide. Dentro da caldeira, a vegetação é escassa e rasteira, adaptada aos rigores da altitude. Não há muitas espécies de aves aqui, mas as espécies que existem são interessantes. A mais de 2000 m de altitude podemos encontrar o corre-caminhos Anthus berthelotii e o canário-da-terra Serinus

canaria, ambos endemismos macaronésicos, e ainda a perdiz-mourisca Alectoris barbara e a toutinegra-tomilheira Sylvia conspicillata. Em redor da caldeira do Teide, entre os 1000 e os 2000 m de altitude, existe uma coroa florestal de pinheiro-canário Pinus canariensis, que acolhe uma joia que não existe em mais nenhum local do mundo: o tentilhão-azul-de-tenerife Fringilla teydea. Para além deste tentilhão, esta coroa florestal alberga a felosinha-canária Phylloscopus canariensis e várias subespécies endémicas, como o fura-bardos Accipiter nisus granti, o picapau-das-canárias Dendrocopos major canariensis, a estrelinha-canária Regulus regulus canariensis e o chapim-africano-das-canárias Cyanistes teneriffae teneriffae. Mais junto à costa, nos desfiladeiros dos rios e na penínsu-

Como chegar Voos diretos de Lisboa, da Madeira e dos Açores para Tenerife, Gran Canária ou Lanzarote

Passear entre ilhas Ligações internas de avião e de ferry

Tenerife vista de Roque Nublo

Quando ir

Sebastian Scholl

De outubro a abril

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la de Anaga, subsistem ainda manchas de Laurissilva com populações saudáveis dos dois pombos endémicos das canárias: o pombo-turquesa Columba bollii e o pombo-rabil Columba junoniae. Nas imponentes escarpas de Los Gigantes criam ainda águias-pesqueiras Pandion haliaetus.

La Gomera Esta pequena ilha fica a oeste de Tenerife, a uma hora de ferry - uma viagem que vale bem a pena não só pelo que se pode ver em terra, mas também pelo que se vê no mar, durante a travessia. A cagarra Calonectris borealis é muito comum, sendo possível ver também o fura-bucho-do-atlântico ou patagarro Puffinus puffinus, o pintainho Puffinus lherminieri e a alma-negra Bulweria bulwerii. Já em La Gomera encontra-se a maior mancha contínua de Laurissilva das Canárias e uma das maiores de toda a Macaronésia. No Parque Nacional de Garajonay são muito abundantes as

Tentilhão-azul-de-tenerife Hans Ulrich Grutter

duas espécies de pombos, a estrelinha-canária e o tentilhão-canário Fringilla coelebs canariensis. Nos desfiladeiros de La Gomera é comum observar-se a manta Buteo buteo insularum, o falcão-tagarote Falco peregrinus pelegrinoides e o andorinhão-da-serra Apus unicolor, este último uma espécie endémica da Macaronésia.

Fuerteventura

Hubara Nuno Branco de Macedo

Caldeireta Hans Ulrich Grutter

Ao contrário das outras ilhas canárias, Fuerteventura é plana e muito árida. É um pedaço do Sahara no meio do mar, com desertos pedregosos, dunas e desfiladeiros rochosos. Nos desertos de Tindaya, a norte, ou nas dunas de La Jandia, a sul, existe uma rica comunidade de aves estepárias, algumas raras e difíceis de ver noutros locais. Da lista do visitante podem fazer parte o pato-casarca Tadorna ferruginea, a hubara Chlamydotis undulata, a corredeira Cursorios cursor, o alcaravão Burhinus oedicnemus, o cortiçol-de-barriga-preta Pterocles orientalis, a calhandrinha-das-marismas Alaudala rufescens, o corre-caminhos, a toutinegra-tomilheira e o pardal-espanhol Passer hispaniolensis. Nos desfiladeiros como o Barranco de Los Molinos ou a Vega del Rio Palmas podemos encontrar a caldeireta Saxicola dacotiae, um

pequeno cartaxo endémico das canárias. Para além da caldeireta, estes sítios albergam outras espécies interessantes, como o britango Neophron percnopterus, a perdiz-mourisca, a rola-dos-palmares Streptopelia senegalensis e o trombeteiro Bucanetes githagineus.

Outras ilhas Outras ilhas do arquipélago possuem também aves interessantes. Na Gran Canária existe outro endemismo, o tentilhão-azul-da-gran-canária Fringilla polatzeki, enquanto em Lanzarote se podem observar boas populações de hubara e outras aves estepárias e em La Palma existe a única população de gralha-de-bico-vermelho Pyrrhocorax pyrrhocorax do arquipélago.

Basta uma semana Apesar da multiplicidade de ilhas e de espécies, a verdade é que até uma visita curta ao arquipélago das Canárias vale a pena. Numa semana é possível fazer um circuito por Tenerife, La Gomera e Fuerteventura, e observar 50 espécies de aves, muitas das quais não existem em Portugal. Autor | Domingos Leitão SPEA

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© Christian Ferrer

ÚLTIMA HORA

Aeroporto do Montijo Os tribunais podem ser a única alternativa para impedir um atentado à natureza.

A

Agência Portuguesa do Ambiente lançou no fim de outubro uma nota de imprensa em que anunciou que vai dar parecer favorável (ainda que condicionado) ao Aeroporto do Montijo. À data de fecho desta edição, ainda não era conhecida a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) final, mas se a decisão for favorável à implementação do aeroporto, ponderamos recorrer aos tribunais, juntamente com outras organizações de ambiente, para parar este projeto. Na consulta pública que decorreu em agosto, demos parecer negativo ao projeto do aeroporto do Montijo e respetivo Estudo de Impacte Ambiental. Juntamente com as Organizações Não-Governamentais de ambiente GEOTA, LPN, FAPAS e A Rocha, salientámos que este Estudo de Impacte Ambiental demonstra impactes ne-

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gativos claros sem nunca apresentar argumentos que expliquem em que medida este projeto irá responder a necessidades nacionais que o justifiquem. Manifestámos também a nossa preocupação perante a forma como todo o processo tem decorrido sob uma pressão política inaceitável num Estado de Direito. Este Estudo de Impacte Ambiental não chega. O próprio estudo admite muitas lacunas na avaliação quer da situação de referência, quer dos possíveis impactes sobre as aves, e até mesmo do risco para os aviões e operacionalidade do aeroporto. Dadas essas lacunas, não há garantias de que o proposto aeroporto possa funcionar em segurança, de que as obrigações do Estado em matéria de conservação da natureza sejam cumpridas, nem de que as medidas propostas para com-

pensar os eventuais impactes sejam bem sucedidas. Para compensar o impacte negativo nas aves, o Estudo de Impacte Ambiental propõe medidas que apenas refletem a falta de cumprimento pelo Estado Português da legislação europeia: criar condições para as aves em salinas que se encontram dentro da Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo já é um compromisso nacional ao abrigo da Diretiva Aves, e como tal não pode ser considerado compensação de impactes negativos nesta área protegida. Para um projeto desta envergadura, consideramos ser imperativo realizar uma Avaliação Ambiental Estratégica, que compare verdadeiramente todos os cenários possíveis, incluindo outras alternativas e a opção de não construir um aeroporto adicional.


ILHAS

Restauradas as ilhas, como se atraem as aves de volta?

Monitorização de ninhos de cagarras em cavidades Fotojonic

Por todo o mundo, multiplicam-se esforços para remover espécies invasoras de ilhas, que constituem uma ameaça para a viabilidade de muitas espécies mais sensíveis, como por exemplo de aves marinhas. Mas, depois de removida a ameaça, como é que os especialistas as convencem a regressar?

A

ideia que normalmente se associa a uma ilha, é a de um destino paradisíaco e até exuberante, de areias brancas e águas transparentes. Há ainda quem associe a estes locais um certo estado pristino, rico em flora e fauna e onde os valores naturais ainda se mantêm intactos. Muitas ilhas são, de facto, um refúgio fundamental, acolhendo cerca de 36% das espécies ameaçadas de aves, mamíferos, répteis e anfíbios classificadas como Criticamente em Perigo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). No entanto, em muitas delas paira uma enorme ameaça: a introdução de espécies invasoras,

que colocam em causa a sobrevivência de muitas dessas espécies vulneráveis. As ilhas são ecossistemas únicos e inspiradores e foi no arquipélago das Galápagos que a génese da teoria evolucionista começou, quando Darwin se deparou com uma miríade de espécies e observou a diversidade de espécies, entre ilhas desde as tartarugas aos tentilhões. Esta é a particularidade das ilhas – aquilo que as torna tão únicas é também o que as torna mais vulneráveis. As populações insulares estão mais sujeitas à extinção, pois são as mais afetadas por eventos extremos, quer de origem antropogénica quer natural.

Quando as regras mudam Mamíferos como os gatos, coelhos, ratos e cabras estão entre as espécies invasoras, que mais danos causam, devido à predação direta e por contribuírem para a degradação de habitats que evoluíram sem a presença destes “intrusos”. Mas também as plantas se encontram nesta “‘lista negra”’, destacando-se, em Portugal, o chorão Carpobrotus edulis, as acácias Acacia sp., a cana Arundo donax, e a conteira Hedychium gardnerianum, como as que mais afetam os ecossistemas insulares, contribuindo para a degradação e perda de habitats. n.º 59 pardela | 17


Para as aves, que evoluíram sem a presença destes predadores ou competidores, a capacidade de adaptação é lenta. Muitas delas têm uma taxa de reprodução baixa, pondo um único ovo por ano, e quando a postura não é bem-sucedida, só se voltam a reproduzir no ano seguinte. Assim, se os ovos ou crias forem predados ou se outra ameaça afetar grande parte da população, o efeito pode ser dramático. Atualmente, são inúmeros os exemplos que têm provado que o restauro de ilhas através da remoção de mamíferos invasores é uma ação de conservação fundamental, com enormes benefícios. Até agora, já foram iniciados 1200 processos de remoção de mamíferos invasores em ilhas de todo o mundo, com uma elevada taxa de sucesso. Mas, depois de terminadas estas ações, o que garante o retorno das espécies afetadas às ilhas onde outrora já existiram?

É possível que espécies que ali ocorreram voltem a repovoar o espaço… Basta tempo! É tempo de voltar... Após a remoção das espécies invasoras, os ecossistemas nunca recuperam o seu estado “original”, mas é possível que espécies que ali ocorreram voltem a repovoar o espaço… basta tempo! No caso das aves marinhas, a resposta vai depender do comportamento de cada espécie e da proximidade de outras colónias, o que significa que pode demorar algum tempo até que novas populações se estabeleçam. Assim, o trabalho seguinte passa por criar condições para que retornem rapidamente - sobretudo os adultos reprodutores, que possam dar início ao processo de colonização.

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Ninhos de cagarra em cavidades construídas Joana Andrade


Para fomentar a nidificação de aves marinhas, uma das medidas consiste em melhorar os ninhos naturais disponíveis, tornando-os mais resistentes e evitando que colapsem ou se degradem com o tempo. Podem também criar-se ninhos adicionais, empilhando rochas ou aproveitando cavidades em rochas ou no solo, ou construindo ninhos artificiais, feitos com caixas de madeira ou vasos de barro ou de plástico, com entradas pequenas e galerias espaçosas. Em 2010, no Corvo e no ilhéu de Vila Franca do Campo (ao largo de S. Miguel), nos Açores, as equipas da SPEA deram início à construção de 400 ninhos artificiais para aves marinhas (300 ninhos artificiais para frulho Puffinus lherminieri, fura-bucho-do-atlântico ou estapagado P. puffinus e roque-de-castro Hydrobates castro, e 100 ninhos para cagarro Calonectris borealis).

Os técnicos inspecionam estas cavidades em busca de cagarras Fotojonic

Ninho artificial de cagarra Joana Bores

Já no arquipélago das Berlengas, face aos decréscimos populacionais da cagarra, as campanhas de construção de ninhos artificiais promovidas pela SPEA têm vindo a decorrer desde 1999. Até 2018 foram construídos 223 ninhos artificiais, e em 2015 mais de 30% da população da Berlenga estava a utilizar estas estruturas para nidificar. E, com a remoção do chorão em mais de 90% da área, foi possível promover uma significativa melhoria dos espaços de nidificação. No caso do roque-de-castro, na Berlenga, para além de construir 20 ninhos artificiais na ilha da Berlenga, a equipa da SPEA usou também o som e o cheiro como incentivos. A equipa instalou um sistema acústico, com emissões de chamamentos quer de aves em voo quer no ninho. Em cada ninho foi ainda colocado um estímulo olfativo: um pequenos saco de pano. Estes sacos vieram dos Farilhões, onde foram utilizados para colocar roques-de-castro durante as sessões de anilhagem, para marcação de indíviduos. Entre a retirada das redes de anilhagem científica e a sua

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Ninho artificial ocupado por roque-de-castro Nuno Oliveira

libertação já com anilha, as aves são colocadas nestes sacos, retendo assim o seu odor. E estes chamarizes deram resultado: já na época de reprodução de 2018/2019, com a ocupação de um ninho artificial e o nascimento de uma cria de roque-de-castro. No Corvo, também foram utilizados estímulos olfativos, desta vez através de penas e fezes provenientes de ninhos naturais, que foram colocados em 100 ninhos artificiais. Também foi realizada a transposição de crias de uma colónia próxima, para os locais a repovoar. Como estas aves tendem a retornar aos locais onde nasceram, a ideia é que quando crescerem, estas aves voltarão à “sua” nova colónia para nidificar. O único senão é que a maioria destas espécies atinge a maturidade sexual tardiamente, e só passado alguns anos (5-6 anos) é que voltarão ao local para se reproduzir. No Corvo, esta foi uma das medidas implementadas em 2012-2017, em que 42 crias de cagarra foram transpostas para os ninhos artificiais da vedação antipredadores. Apesar da pequena amostra, verificou-se que 80% das crias aban-

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donou o ninho com sucesso. Desde 2016 há 2 casais a nidificar com sucesso em ninhos naturais na Reserva Biológica do Corvo e a salvo da ação dos gatos assilvestrados da ilha, estes que são a principal causa (84% das crias predadas deve-se a este predador introduzido) para o baixo sucesso reprodutor do cagarro na ilha do Corvo, a rondar os 39%. Atrair de volta espécies mais sensíveis pode ser um verdadeiro desafio para quem trabalha em conservação. O sucesso destas medidas está condicionado pela resposta (positiva) das espécies, está dependente da sua capacidade de sobrevivência e do seu sucesso reprodutor, pelo que os resultados não são sempre imediatos. Mas cada pequeno sucesso é já uma vitória, para a preservação de espécies que se encontram muitas vezes ameaçadas.

A importância da biossegurança Ilhas restauradas não são um sinónimo de que tudo está bem e de que não precisamos de nos preocu-

par mais. Mesmo depois de os ecossistemas ficarem livres de espécies invasoras, é importante implementar protocolos de biossegurança e reforçar a sua manutenção, para impedir novas reentradas na ilha. A existência destas medidas depende de uma efetiva colaboração entre as entidades competentes e de todos os visitantes dessas ilhas, de um mecanismo rápido de ação aquando da deteção de novos indivíduos invasores e da implementação das medidas efetivas para sua remoção, e subsequente monitorização. A nossa contribuição é importante para que estas ilhas possam continuar a albergar espécies únicas no mundo! Enquanto visitantes destes lugares paradisíacos temos a responsabilidade de assegurar que não transportamos agentes invasores (quer plantas e sementes, quer animais como insetos, pequenos répteis ou ratinhos) e adotamos um comportamento preventivo, ao verificar as bagagens antes de viajar. Autora | Mónica Costa SPEA


PRIOLO

Muito mais do que salvar uma ave 15 anos de trabalho nas Terras do Priolo provam que, como diz Azucena de la Cruz, “a conservação da natureza pode ser uma oportunidade de melhorar o bem-estar das pessoas”.

P

ara uma ave esquiva, o priolo Pyrrhula murina vê-se muito. Nas ruas de Nordeste e de Povoação, em S. Miguel – concelhos que são eles próprios conhecidos como as Terras do Priolo – parece que há um priolo em cada esquina: a silhueta estilizada desta ave vê-se amiúde por aqui, em placas que proclamam que restaurantes, alojamentos e lojas pertencem à Marca Priolo. Esta visibilidade é a prova de como os trabalhos de conservação do priolo ao longo dos últimos 15 anos ganharam lugar no coração dos nordestenses e povoacenses.

Quase meia centena de empresas ostenta a Marca Priolo. “É um selo que reconhece empresas que assumem um compromisso voluntário de melhorar o seu desempenho e contribuir para o desenvolvimento de uma atividade mais sustentável”, explica Azucena de la Cruz, coordenadora da SPEA Açores juntamente com Rui Botelho. A Marca foi criada no decorrer dos projetos de conservação e é atualmente gerida pelo Governo dos Açores em colaboração com a SPEA. Na prática, ao aderir à Marca Priolo, a empresa compromete-se a, em 3 anos, desenvolver 3 ações concretas que aumentem a

sua sustentabilidade ambiental ou social. Pode, por exemplo, tomar medidas para reduzir a sua pegada ecológica (poupar água e energia, reduzir os resíduos que produz), utilizar produtos locais, apoiar entidades de solidariedade social do município, colaborar com ações de voluntariado ambiental, fazer doações a projetos de conservação ou envolver-se em atividades de educação ambiental. Decorridos os 3 anos, e cumpridas as 3 ações a que se propôs, a empresa pode voltar a candidatar-se por mais três anos, com mais 3 ações. “É um processo de melhoria contínua”, frisa Azucena de la Cruz.

Na prática, ao aderir à Marca Priolo, a empresa compromete-se a, em 3 anos, desenvolver 3 ações concretas que aumentem a sua sustentabilidade ambiental ou social.

Priolo António Guerra

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Envolver as empresas Todos os anos, os empresários da Marca Priolo podem ser vistos num auditório algures nas Terras do Priolo, a colar autocolantes coloridos em folhas de papel. Cada autocolante é um “voto” para que seja dada prioridade a determinada ação, e cada interveniente tem 5 “votos” para distribuir como achar melhor, ajudando assim a definir prioridades. O exercício faz parte dos procedimentos do Fórum Anual da Carta Europeia de Turismo Sustentável das Terras do Priolo. As Terras do Priolo receberam esta designação pela primeira vez em 2012, e ela foi renovada em 2016 com um novo plano de ação. Tal como a Marca Priolo – que é, aliás, uma das ações da Carta – a própria Carta de Turismo

Restaurar ecossistemas cruciais também atrai turistas SPEA

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Sustentável é também um processo de melhoria constante, em que o objetivo é tornar o turismo na região cada vez mais sustentável. Atualmente, na gestão da Carta estão envolvidas 10 entidades, incluindo a SPEA, que se comprometeram a desenvolver ações que vão desde a reflorestação à promoção da acessibilidade, da criação de sinalética à implementação de regras para o desporto de natureza. Muitas destas ações requerem coordenação e colaboração entre vários parceiros, públicos e privados – daí também a necessidade de definir prioridades em conjunto. As discussões em torno da sustentabilidade passam para lá das quatro paredes e das 3 horas de reunião anual: um estudo recente mostrou

que as empresas destes dois concelhos são, nos Açores, das que mais usam o termo “turismo sustentável”.

Cada vez mais gente vem de propósito porque ouviu falar dos trabalhos de conservação. Atrair turistas Na receção do Centro Ambiental do Priolo, Ana Mendonça testemunha diariamente os efeitos do trabalho de conservação no outro lado do turismo: a procura. Quando o centro abriu, em 2007, as pessoas vinham perguntar o que era isso do priolo. “Agora temos cada vez mais gente que vem de


propósito porque ouviu falar dos trabalhos de conservação, e quer saber mais” diz a técnica da SPEA, que recebe os visitantes e os leva nas visitas guiadas. Também as escolas procuram cada vez mais o centro e as atividades pedagógicas que a SPEA oferece. O Centro Ambiental do Priolo é a mais visível das infraestruturas criadas no âmbito dos projetos de conservação desta ave, mas não é a única que fica ao serviço da população. O viveiro de plantas nativas, criado para gerar a nova floresta de Laurissilva necessária para substituir as plantas invasoras e dar abrigo e alimento aos priolos, produz também algumas plantas para os

jardins, tanto municipais como privados. Até os trilhos que foram abertos na reserva natural para que a equipa da SPEA consiga fazer o seu trabalho poderão, se houver interesse, vir a ser adaptados para roteiros turísticos.

Resistir à seca Longe da vista dos turistas e dos habitantes das vilas, no Planalto dos Graminhais, José Pacheco e a sua equipa de campo fizeram o tempo voltar para trás. Originalmente estes terrenos de altitude eram zonas alagadas pontilhadas por esponjosas almofadas de vegetação: as turfeiras. Na década de 70, as turfeiras foram drenadas para

criar as “típicas” pastagens açorianas. Como resultado, a ilha perdeu um dos seus reservatórios naturais de água. Financiados pelo projeto Life Laurissilva Sustentável (que decorreu entre 2008 e 2012), José Pacheco e os colegas trouxeram de volta as turfeiras, e o planalto voltou a ser uma paisagem dominada pela água, aumentando a capacidade da região para resistir à seca – o que será cada vez mais importante perante o cenário das alterações climáticas. “Toda a gente percebe esta relação das turfeiras com a água”, diz Azucena de la Cruz, mas há outros benefícios do projeto que são menos intuitivos.

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Evitar derrocadas Todos os invernos, chovem relatos de derrocadas em S. Miguel. Perante as notícias de estradas cortadas e casas em perigo, o priolo não é a primeira coisa que vem à mente. Mas o que aprendemos ao trabalhar para proteger esta ave pode ajudar a evitar que estas notícias se repitam. Para restaurar a floresta de Laurissilva, temos de remover plantas invasoras. Mas remover plantas em zonas muito inclinadas aumenta o risco de derrocada. Por isso, desenvolvemos técnicas para utilizar as próprias plantas nativas e outros recursos naturais para estabilizar os taludes ou encostas mais inclinadas. Utilizando plantas nativas, madeira e rochas, seguram-se os taludes e desvia-se a água de forma a que não arraste muito material, mesmo quando há chuvas torrenciais como as que são frequentes nos invernos micaelenses. “Estas são técnicas que já se utilizam para restaurar ribeiras noutros locais, mas nós adaptámos essas técnicas para serem aplicadas nos Açores, com plantas nativas dos Açores” diz Azucena de la Cruz. Estas técnicas, desenvolvidas nas encostas remotas do Pico da Vara, podem perfeitamente ser aplicadas em zonas mais povoadas. Juntamente com Pedro Teiga, consultor do projeto nesta área, já organizámos vários workshops para explicar esta abordagem a técnicos da Direção Regional do Ambiente e da Direção Regional de Recursos Florestais. E já fomos abordados por empresas de construção civil que estão também interessados em aprender estas lições do priolo.

Impactos palpáveis A paisagem desta região está a mudar – e não é só nas florestas e áreas protegidas. “Cada vez mais pessoas nos pedem plantas nativas porque querem plantá-las nos seus jardins, que é uma coisa que ninguém pensava antes do projeto” diz Azucena de la Cruz com orgulho. Os pedidos de-

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monstram como o viveiro se tornou um recurso para toda a população, e o orgulho na voz de Azucena ouve-se sempre que se fala do impacto positivo que o projeto está a ter na vida das pessoas. “Desde muito cedo, logo no início do Life Priolo [o primeiro projeto da SPEA para conservar o priolo], percebemos que, se queríamos a longo-prazo assegurar a conservação do priolo, tínhamos que criar oportunidades para as pessoas, para começarem a ver o priolo como uma oportunidade de desenvolvimento”, diz Azucena de la Cruz. Essa demonstração passou também, claro, pelo lado financeiro.

Três quartos do dinheiro recebido foi gasto nas Terras do Priolo. “O dinheiro que vem da Europa e da própria Região Autónoma dos Açores para estes projetos, o priolo não o come. Nós investimo-lo na região: vai dinamizar a economia, criar emprego, é gasto nas lojas e para criar infraestruturas”, frisa Azucena, citando números. Em todos os projetos de conservação do priolo até à data, três quartos do dinheiro recebido foi gasto nas Terras do Priolo. A maioria do restante foi gasto noutras zonas dos Açores, com 90% do financiamento a ficar nesta Região Autónoma. Além do impacto direto nas pessoas contratadas e nas empresas a quem foram comprados materiais, este investimento traduziu-se, anualmente, numa média de 12 550€ que entraram diretamente no orçamento da região, sob a forma de IVA. Dinamização da economia, criação de recursos, melhoria da qualidade da água e resiliência às alterações climáticas. Estes são alguns dos tópicos que Azucena refere nas apresentações que faz sobre o impacto do projeto, quando fala com decisores políticos, potenciais financiadores, ou outros conservacionistas que aqui vêm aprender com a experiência do priolo. Mas se lhe pedem para resumir o impacto nas pessoas,

Para remover seguramente as plantas invasoras, aprendemos a evitar derrocadas. SPEA

O viveiro de plantas nativas é um recurso para toda a ilha SPEA


socorre-se da sua experiência pessoal. “Neste momento, quando me perguntam o que é que eu [uma espanhola] estou a fazer cá, eu digo “trabalho com o priolo”, e as pessoas percebem, não preciso de explicar mais nada.”

“O priolo é nosso” “Quando eu cheguei em 2006, as pessoas não queriam saber se havia ou não havia priolo, era-lhes um bocado indiferente”, recorda Azucena. Uma década e meia de trabalho junto das pessoas fez com que a indiferença passasse a orgulho. “Estamos a preservar algo que é único desta parte da ilha, e as pessoas abraçaram isso, é motivo de orgulho: “o priolo é nosso”. E se perguntares aos nordestenses, é do Nordeste, nem sequer é da Povoação” comenta com um sorriso. Usamos materiais naturais e plantas nativas para estabilizar a terra SPEA

Autora | Sonia Neves SPEA

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CORVO

Quem corre por gosto...

Tânia Pipa com um cagarro Laura Abella

“Quando me foram buscar ao aeroporto, ainda me perguntaram se queria ir descansar porque tinha apanhado o voo às 5 da manhã, mas acabei por ir logo para o campo e estivemos no campo até às oito ou nove da noite.” Desde essa chegada ao Corvo em 2011, Tânia Pipa nunca mais abrandou.

C

omo técnica da SPEA no Corvo, Tânia Pipa acompanha as aves marinhas na ilha e em ilhéus remotos por todo o arquipélago dos Açores. Para chegar aos ilhéus mais inacessíveis, sobretudo no inverno, chega a ter de saltar do barco ainda ao largo, e enfrentar a nado as vagas. “E o pior é depois perceberes que ainda tens de escalar até lá acima para recuperar os dados do gravador”, diz. O dito gravador regista as vocalizações das aves marinhas, que Tânia Pipa e os colegas depois usam para fazer estimativas de quantos painhos-de-monteiro Hydro-

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bates monteiroi fazem ninho no ilhéu. Felizmente, nalguns ilhéus é possível chegar mais facilmente às aves. Mas nem por isso a visita de Tânia é menos intensa. “Chegas, passas metade do dia a transportar 30 a 40 kg de material pelo calhau adentro até ao sítio onde montas a tenda. Fazes monitorização de ninhos, depois montas redes para a anilhagem.” Depois de uma noite passada a anilhar, “dormes duas ou três horas, porque depois o sol já não deixa, não há sombra nenhuma. Durante o dia, normalmente estou sempre a explorar. Tens sempre alguma coisa

para encontrar, ou estás a recolher informação para outros investigadores que te pediram... nunca estamos parados. Tens que aproveitar ao máximo o tempo que estás nos ilhéus; são três ou quatro noites muito intensivas. E quando chego ao Corvo, quer queira quer não, não paro.” De volta a casa, além de acompanhar as aves marinhas e analisar os dados recolhidos, Tânia Pipa junta-se à colega na ilha para cuidar do estufim de plantas nativas, arranjar a vedação anti-predadores, que entretanto foi


danificada por algum vento forte, fazer atividades com as escolas... Mas se o telefone toca, tudo para. “Se alguém te chama para ires buscar um bicho, tu largas tudo e vais.” Durante os meses de agosto, outubro e novembro, há ação todas as noites. São as campanhas SOS Estapagado e SOS Cagarro. Todas as noites, nas horas em que mais juvenis saem dos ninhos, Tânia Pipa percorre a vila em busca de aves que tenham ficado encandeadas pelas luzes. E muitas vezes, o trabalho volta a chamá-la a meio da noite. “Na campanha SOS Cagarro, já tive pessoas a chamarem-me às duas, três da manhã, e eu estou sempre disponível. Já cheguei a ir de pijama salvar bichos! É um bocado intenso, mas acaba sempre por valer a pena. Se eu deixo de fazer isso, então não ando aqui a fazer nada.”

Este acaba por ser um projeto muito humano, porque tu trabalhas diariamente com as pessoas, fazes parte integrante da comunidade. Tânia Pipa sabe que esta dedicação às aves é apenas uma parte do seu trabalho: “Este acaba por ser um projeto muito humano, porque tu trabalhas diariamente com as pessoas, fazes parte integrante da comunidade.” A participação da SPEA no desfile de Carnaval, ao lado das crianças do jardim de infância, é já tradição. E este verão, o Festival do Estapagado, que marcou os 10 anos da SPEA no Corvo, teve tanta afluência como a tradicional Festa da Ilha. Essa ligação à comunidade é uma constante para Tânia Pipa, tanto a nível profissional como pessoal. Pelo meio dos horários ditados pelas aves, ainda conseguiu arranjar tempo para ser presidente do Clube Desportivo Escolar do Corvo, batendo-se para que os jovens corvinos pudessem participar em competições regionais, ganhar experiências e alargar horizontes.

Tânia Pipa com um estapagado na ilha do Corvo Noélia Lanchas

Com o ritmo a que vive, talvez não seja surpreendente que Tânia Pipa sinta alguma frustração quando as mudanças tardam em acontecer. “Às vezes sentes que as coisas podiam mudar mais rápido. Por exemplo, em relação às luzes: desligar as luzes durante a última semana de outubro, entre as nove da noite e a meia-noite, que é quando há um pico de saídas [de cagarros dos ninhos], teria um impacto brutal. Pedir às pessoas para fazerem durante uma semana esse pequeno esforço, e algumas pessoas não estarem disponíveis para o fazer... isso para mim é super-frustrante.” Ainda assim, Tânia Pipa já nota diferenças desde que chegou à ilha. “As pessoas estão sempre a pedir plantas nativas para pôr nos jardins, por exemplo. E tens uma geração de miúdos que cresceu com a SPEA aqui no Corvo. Um agora é vigilante da Natureza do Parque Natural de ilha!” Acrescenta ainda, com orgulho: “E

este ano conseguimos que a Câmara Municipal do Corvo concordasse em realizar um apagão geral das luzes da vila em plena Campanha SOS Cagarro”. Este passo importante foi marcado pelo Lusco-Fusco Fest, em que SPEA e Parque Natural convidaram a população a apreciar a magia da noite. “Mas há coisas que só vais ver diferença nos filhos dos miúdos que tiveram estas experiências”, acrescenta. Curiosamente para quem parece viver a mil à hora, Tânia Pipa fala muitas vezes de calma. “Tenho uma sensação de paz muito grande aqui. Só a sensação de abrires a janela e ouvires os cagarros, vê-los a passar... esta sensação de estares num calhau no meio do Atlântico, para mim, é muito especial.” Autora | Sonia Neves SPEA

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HISTÓRIA(S) COM AVES

Desde a Lua ao fundo dos lagos O “desaparecimento” anual de algumas espécies de ave suscitou, ao longo dos tempos, as mais variadas teorias.

Q

uando por volta de 1640 o sacerdote e cientista inglês Charles Morton decidiu publicar um ensaio sobre a migração das aves, estava convencido de que tinha obtido resposta à questão que há muito persistia sobre o assunto: para onde vão as espécies de aves que sazonalmente desaparecem? Nesse trabalho, fruto de uma longa meditação, Morton defendia que a única explicação plausível era que as aves migratórias se deslocavam para a Lua. As cogitações de Morton não eram descabidas, embora o mesmo não se possa dizer das conclusões a que chegou. Com efeito, na altura, o desaparecimento de algumas espécies de

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aves em certas épocas do ano e o seu reaparecimento noutras era ainda um tema intrigante e obscuro que, desde há séculos, dava azo a especulações diversas.

A Antiguidade As primeiras referências escritas conhecidas sobre a migração das aves encontram-se na Bíblia. Estas surgem, por exemplo, nos livros de Jeremias e de Job, escritos provavelmente por volta de 600 a.C. Em Jeremias 8:7 pode ler-se «Até a cegonha no céu conhece os seus tempos determinados; e a rola, a andorinha e o grou observam o tempo da sua arribação...» e em Job 39:26 «Ou voa o gavião pela tua inte-

ligência, e estende as suas asas para o sul?». Estas alusões não são de todo estranhas se pensarmos que os autores viviam provavelmente em regiões que são atravessadas por importantes rotas migratórias e deveriam estar familiarizados com o fenómeno. Alguns séculos depois, em 384 a.C., nasceu na Macedónia o grande filósofo Aristóteles. A sua obra e o seu pensamento tiveram uma influência enorme em toda a cultura ocidental. Os seus interesses eram multifacetados e, entre outras coisas, dedicou-se também ao estudo dos animais. Acerca disso, escreveu um trabalho monumental intitulado Historia Animalum (História dos Animais) no qual tecia diversas consi-


© Nick Upton (rspb-images.com)

derações sobre as aves e a sua migração. Algumas eram bastante razoáveis. Já outras nem por isso. Por exemplo, Aristóteles acreditava que os rabirruivos-de-testa-branca se transformavam em piscos durante o Inverno e que as andorinhas hibernavam.

tradição dos bestiários medievais e procurava transmitir sobretudo noções de moralidade e religião, dizia-se sobre a andorinha «voa para além dos mares e aí vive no Inverno» e sobre as cegonhas «voam para além dos mares e encaminham-se para a Ásia em bando unido».

A Idade Média

As Idades Moderna e Contemporânea

Durante a Idade Média, o conhecimento sobre a migração continuava a ser muito vago. São dessa época as primeiras notas escritas em Portugal que mencionam o fenómeno migratório. Encontram-se no Livro das Aves do Mosteiro do Lorvão (datado de 1184) e denotam pelo menos alguma noção sobre o assunto. Nesta obra, que seguia a

Com o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, os portugueses aventuraram-se no mar e desencadearam o processo de globalização. As aves, sobretudo as marinhas, tiveram um papel preponderante nas Descobertas, pois a sua observação revelava-se de extrema importância para guiar

os navegadores para as novas terras que procuravam. Não sendo propriamente estudiosos, pode dizer-se que fruto das suas observações empíricas os portugueses tinham um conhecimento ornitológico assinalável e conheciam perfeitamente o fenómeno da migração como é óbvio num notável excerto da obra Crónica da Guiné, escrita no século XV por Gomes Eanes de Zurara «E a esta terra passam geralmente todalas andorinhas e assim todalas aves que por certos tempos aparecem em este nosso reino: cegonhas, codornizes, rolas, torcicolos, rouxinoes e folosas e assim outras aves desvairadas; e muitas há que por razão da friura do Inverno se partem desta terra e se vão buscar aquela, por causa da sua quentura...».

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uma cegonha-branca perto da povoação de Klütz, no estado de Mecklenburg-Vorpommem, na Alemanha. O facto em si seria irrelevante, tirando tratar-se de uma barbaridade e não fosse dar-se o caso de a cegonha ter uma azagaia atravessada no pescoço. O caçador achou isso tão bizarro que resolveu levar o corpo à Universidade de Rostock. Quando o artefacto foi examinado, os cientistas não tiveram dúvidas, era de origem africana. Estava esclarecido o mistério que os portugueses já tinham decifrado alguns séculos atrás.

A pesca das andorinhas segundo o arcebispo sueco Olaus Magnus in Curious Creatures in Zoology

Anilhagem e Tecnologia Como os navegadores portugueses não eram cientistas e nunca se preocuparam em disseminar os seus conhecimentos, a ciência e o conhecimento geral na Europa continuaram a basear-se em grande medida na herança de Aristóteles. Em 1555, no livro Historiae Gentibus Septentrionalibus (História e Natureza dos Povos do Norte), o arcebispo sueco Olaus Magnus descrevia como as andorinhas hibernavam no fundo dos lagos e como os pescadores as podiam pescar com redes: «os pescadores inexperientes tentarão aquecê-las e reanimá-las mas estas morrerão rapidamente. Pescadores experientes deixá-las-ão imperturbadas».

tish Birds (História das Aves Britânicas) publicado em 1797, escreveu sobre o assunto: «as andorinhas reúnem-se frequentemente em dormitórios junto a rios e charcos, após começarem a concentrar-se, facto que originou a suposição errada de que elas se retiram para a água» A primeira cegonha-branca recuperada na Europa com um artefacto espetado no corpo Universidade de Rostock

O grande naturalista sueco Carl von Linné ainda acreditava que as andorinhas passavam o Inverno debaixo de água. Por incrível que pareça, nos inícios do século XVIII o grande naturalista sueco Carl von Linné ainda acreditava que as andorinhas passavam o Inverno debaixo de água e só nos finais desse século é que essa ideia veio a ser desmistificada. O maior responsável por essa mudança de pensamento terá sido o ornitólogo inglês Thomas Bewick. No seu livro A History of Bri-

30 | pardela n.º 59

No início do século XIX, embora os conceitos antigos sobre algumas aves migratórias tivessem sido já definitivamente esclarecidos, o seu destino continuava a ser algo nebuloso. No dia 21 de Maio de 1822, alguém matou

Continuava contudo a faltar informação mais detalhada. Isso começou a mudar quando em 1899 um modesto professor dinamarquês, de nome Hans Christan Cornelius Mortensen, teve a ideia de colocar anilhas de alumínio nas patas de alguns estorninhos-malhados que capturava. Nas anilhas, Mortensen colocava a sua morada e instruções para o contactar caso fossem recuperadas. Assim nascia a anilhagem moderna. A actividade rapidamente se expandiu e ainda hoje é praticada em larga escala. Ao longo dos anos acabou por se revelar uma ferramenta fundamental para o conhecimento das rotas migratórias das aves. Actualmente, o desenvolvimento de novas tecnologias veio pôr à disposição dos ornitólogos ferramentas poderosas que possibilitam fazer o seguimento de algumas espécies de aves por satélite quase em tempo real, permitindo desse modo esclarecer muitas questões sobre os seus movimentos. Desvaneceu-se assim grande parte da aura de mistério que desde sempre envolveu a migração. No entanto, muito falta ainda saber sobre o assunto. Por essa razão, talvez não seja exagerado dizer-se que este é um tema que irá continuar a fascinar os amantes de aves, e não só, nos tempos vindouros. Autor | Helder Costa NOTA: Este autor não segue o acordo ortográfico


MADEIRA

10 anos a salvar aves marinhas Ajudar cagarras e outras aves marinhas encandeadas na Madeira tem sido um desafio e uma das tarefas mais gratificantes nos últimos 10 anos da SPEA nesta ilha.

Freira-da-madeira

A

minaves, prevê-se que o número venha a aumentar.

s aves marinhas são o grupo animal mais ameaçado do mundo. Captura acidental nas pescas, espécies invasoras, alterações climáticas e poluição luminosa são graves ameaças à sua sobrevivência. São poucas as pessoas que imaginam o impacto negativo que uma simples luz de rua pode ter. Na SPEA Madeira sabemos que pequenos gestos podem salvar vidas. Desde 2009, a campanha “Salve uma

Ave Marinha” tem mostrado como se podem minimizar os efeitos da iluminação pública na biodiversidade e como um cidadão pode ajudar uma ave marinha desorientada a encontrar o seu rumo em direção ao mar. Graças a esta campanha, todos os anos são salvas cerca de 200 aves marinhas na ilha da Madeira* e com a construção do primeiro Centro de Recolha de Aves Marinhas da Madeira, que surge no âmbito do projeto Lu-

Juan Varela

As aves marinhas são um barómetro do estado dos nossos oceanos. Ajudá-las a encontrar o seu rumo natural deve ser uma missão para todos nós. Autora | Joana Domingues SPEA * Dados recolhidos em parceria com o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, que gere a recente Linha SOS Vida Selvagem

Como ajudar uma ave marinha desorientada

Consulte a época crítica para cada espécie.

Caso encontre uma ave, aproxime-se lentamente.

Com um casaco ou manta, cubra a ave de modo a acalmá-la.

Contacte com a rede SOS Vida Selvagem, 961 957 545 e siga as suas indicações.

Caso não consiga contactar deixe a ave dentro da caixa num lugar tranquilo e escuro.

Se estiver em boa condição física, liberte-a à noite e perto do mar.

Boas escolhas A escolha de luzes mais eficientes é fundamental para a redução da poluição luminosa.

Péssima

Melhor

Boa

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ESTUÁRIO DO SADO

Um roteiro ao ritmo das marés Não faltam razões para um passeio entre Setúbal e a Comporta. Neste roteiro pelo Estuário do Sado, vamos dar-lhe algumas, a começar pelas mais de 40 000 aves que passam aqui o inverno.

Moinho de maré da Herdade da Mourisca Jaime Sousa

O

dia começa com uma viagem de ferry-boat entre Setúbal e Tróia; 30 minutos recheados de esperança, pois há a possibilidade de avistar algum golfinho roaz-corvineiro Tursiops truncatus, o símbolo da Reserva Natural do Estuário do Sado, e que tem nesta área protegida a sua única população residente em Portugal. O estuário do Sado é a segunda maior zona húmida do país, com mais de 23 000 ha que se estendem pelos concelhos de Setúbal, Palmela, Alcácer do Sal e Grândola. Além de reserva natural, esta área protegida cujas pradarias marinhas funcionam como uma verdadeira maternidade de uma grande diversidade de peixes, incluindo os ameaçados cavalos-marinhos, integra

32 | pardela n.º 59

também a Rede Natura 2000 e a lista de zonas húmidas de importância internacional da Convenção Ramsar. A paisagem é dominada pela água, e pelas aves aquáticas, que encontram nos estuários da costa portuguesa, autênticas “estações de serviço”. Integrando a rota de migração do Atlântico Leste, são usados para descanso e reabastecimento entre as zonas de invernada e reprodução; como local de nidificação de diversas espécies oriundas de África; ou como destino de invernada para muitas espécies que nidificam no norte da Europa. No estuário do Sado, esta localização privilegiada para receber espécies provenientes do Atlântico norte e do Mediterrâneo resulta numa

incrível abundância: mais de 40 000 aves no inverno. Durante os meses mais frios do ano, o estuário do Sado alberga mais de 1% da população mundial de várias espécies de aves limícolas: pilrito-de-peito-preto Calidris alpina, milherango Limosa limosa, perna-vermelha Tringa totanus, borrelho-grande-de-coleira Charadrius hiaticula, e tarambola-cinzenta Pluvialis squatarola. Destacam-se também flamingos Phoenicopterus roseus, colhereiros Platalea leucorodia, alfaiates Recurvirosta avosetta, garças e várias espécies de patos. Este é ainda um dos melhores locais do país para observar os escassos mergansos-de-poupa Mergus serrator e os mergulhões-de-pescoço-preto Podiceps nigricollis.


O desafio das marés Nos estuários, a vida segue o ritmo das marés. E um observador também. Na baixa-mar, as planícies de vasa ficam expostas, atraindo milhares de aves para a “hora da refeição”. Um espetáculo natural digno de se ver, em que bicos de estranhas formas e tamanhos lembram diversos utensílios “desenhados” para capturar diferentes tipos de presas em diferentes tipos e profundidades de substratos. Nestas zonas entre-marés, há um verdadeiro “space-sharing”: o milherango e o pil-rito-de-peito-preto preferem bivalves e seguem a maré, mantendo-se em zonas com água; já a tarambola-cinzenta e o perna-vermelha, que preferem minhocas poliquetas, são mais frequentes em zonas ainda sem água.

Nos estuários, a vida segue o ritmo das marés. E um observador também.

Quando a maré sobe, estas zonas de alimentação ficam submersas e começam os desafios – há que procurar as margens, sendo os refúgios mais procurados os sapais, campos agrícolas como arrozais e salinas.

Salinas com vida As salinas são ecossistemas artificiais seculares destinados à produção de sal através da evaporação de água salgada pela ação do sol e do vento. Quando exploradas de forma tradicional, podem ser grandes aliadas das aves. A gestão do nível da água permite manter profundidades e graus de salinidade estáveis e diferenciados nos diversos tanques, promovendo o desenvolvimento de grandes densidades de algas, moluscos e crustáceos, que atraem diferentes espécies de aves. Assim, durante a maré-alta, nas salinas é possível observar grandes bandos de limícolas a descansar, a limpar as penas ou a alimentar-se, sendo es-

tes espaços refúgios de maré muito importantes durante a migração. Os cômoros, que delimitam os vários tanques das salinas e têm reduzida cobertura vegetal, são locais de nidificação para aves como os pernilongos Himantopus himantopus, borrelhos-de-coleira-interrompida Charadrius alexandrinus, alfaiates, chilretas Sternula albifrons e perdizes-do-mar Glareola pratincola. No estuário do Sado, apesar de a produção de sal ter tão antiga como as ruínas romanas de Tróia, que constituíram o maior centro de produção de salgas de peixe do Império, a atividade é hoje quase inexistente. Com o aparecimento de outras técnicas de conservação de alimentos e de métodos de produção de sal industrial, a produção de sal tradicional deixou de ser economicamente rentável. Isto levou ao abandono e degradação das salinas ou à sua reconversão em tanques para aquacultura, fazendo esquecer o tempo em que o estuário do Sado foi

Flamingos Bernard Dupont

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Perna-vermelha Jaime Sousa

Colhereiro

Borrelho-de-coleira-interrompida

Frans Vandewalle

o maior produtor de “ouro branco” do país, que galeões setecentistas transportavam com o peixe rio acima. Este abandono resulta numa perda de riqueza biológica, ecológica, histórica e cultural e numa profunda alteração na paisagem. A perda deste habitat é precisamente um dos principais fatores que conduziu ao acentuado declínio populacional em muitas espécies de aves migradoras, sobretudo limícolas. Para reverter este cenário, a SPEA, a Vogelbescherming/BirdLife Holanda e parceiros mediterrânicos da BirdLife, juntaram-se no projeto Saltpan Recovery, que continua agora com o apoio da fundação MAVA, sob o nome “Salinas com Vida”. Em andamento na Herdade da Mourisca, o projeto pretende sensibilizar o público em geral e atores locais para a importância das salinas tradicionais e a suas potencialidades,

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Jaime Sousa

bem como promover o seu restauro e a gestão tradicional e sustentável, e ser o ponto de partida de um longo trabalho que culmine na recuperação e reativação das salinas, compatibilizando os seus diversos usos e produtos com a conservação das aves.

E é aqui que terminamos o nosso roteiro: no café do Moinho da Mourisca, depois de um passeio pelos observatórios, e com a certeza de que ainda ficou muito por ver na região. Autores | Jaime Sousa e Vanessa Oliveira SPEA

O potencial das salinas para o birdwatching é tremendo. Verdadeiros oásis para as aves... O potencial das salinas para o birdwatching é tremendo. Verdadeiros oásis para as aves, podem albergar milhares de indivíduos durante a maré alta, podendo mesmo concentrar-se num único complexo de salinas o grosso das populações que se encontram no estuário.

Quando visitar Setembro a abril, durante a preia-mar

Outros pontos de interesse Reserva Botânica das Dunas de Tróia; porto palafítico da Carrasqueira; Águas de Moura; Herdade da Gâmbia; Pinheiro Torto; zona industrial da Mitrena


IDENTIFICAÇÃO DE AVES

Pardais Todos nós reconhecemos o pardal pela sua presença frequente, quer na cidade quer no campo. Mas aquilo a que chamamos pardal pode na verdade ser uma de várias espécies. Estas aves são extremamente sociais, formando pequenos grupos mesmo durante a época de reprodução. Em Portugal há quatro espécies de pardal residentes e frequentemente observadas. Em todas elas, as diferenças entre machos e fêmeas são notórias. sendo os padrões dos machos a forma mais fácil de distinguir as várias espécies.

Pardal-comum Passer domesticus

Topo da cabeça e faces cinzentas

Pardal-comum © Juan Varela

Babete preto estende-se até à garganta

Pardal-espanhol © Juan Varela

• Presente em todo o território • Mais comum em meio urbano • Pode ser observado em pequenos grupos,

Topo da cabeça castanha, faces brancas Garganta preta Pintas pretas e grossas no peito e barriga

onde por vezes se encontram fêmeas das outras espécies

Pardal-espanhol Passer hispaniolensis

• Pouco maior do que o pardal-comum • Prefere habitats mais arborizados • Ocorre ao longo de toda a fronteira Este,

podendo estender-se para o interior da Raia Transmontana e das Beiras, Alentejo e Algarve

Pardal-montês

Cabeça castanha Faces brancas com mancha preta Pequeno babete preto

Pardal-montês © Juan Varela

Passer montanus

• O mais pequeno dos pardais • Prefere habitats rurais, bosques e sebes perto de zonas agrícolas

• Presente em todo país Pardal-francês Petronia petronia

• Parecido com as fêmeas dos outros pardais • Plumagem mais clara • Prefere habitats rochosos e zonas abertas • Distribuição ao longo da fronteira e a estender-se para o interior

Pardal-francês © Juan Varela

Pequenas manchas brancas nas extremidades da cauda

Lista sobre o olho clara e mais evidente Mancha amarela na garganta Riscas mais grossas no peito e barriga

Autores | Mónica Costa e Rui Machado SPEA

n.º 59 pardela | 35


furos e contacte o SEPNA/GNR ou o centro de recuperação mais próximo, fornecendo informações sobre o local e, se conseguir, de que animal se trata. Estas entidades informá-lo-ão sobre os próximos passos, que podem passar por vir alguém recolher a ave. CENTROS DE RECUPERAÇÃO e

SEPNA - GNR

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Se não estiver ferida

Se a ave não se conseguir movimentar, utilize uma toalha para a apanhar, pois assim evita que se magoe ao tentar levantar voo. Tenha atenção ao bico neste processo, pois a ave poderá tentar defender-se. Coloque-a numa caixa de cartão, com alguns

Se a ave se conseguir movimentar, deixe-a estar onde se encontra (ou se possível, encaminhe-a para um local sossegado) para que possa descansar. Assim que estiver recuperada, ela voltará à sua trajetória. Nos Açores e Madeira, pode dar-se o caso de ser uma cagarra que foi encandeada pela iluminação pública ou por algum carro. Neste caso, apanhe a ave como se estivesse ferida e à noite dirija-se a uma zona pouco iluminada perto do mar. Coloque a caixa no chão, abra a tampa e a ave saberá o que fazer! LINHA SOS AMBIENTE (Açores)

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Jo

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800 292 800

Para mais informação consulte a página do projeto LuminAves (www. luminaves.com) ou a campanha SOS Cagarro (soscagarro.azores.gov.pt) nos Açores.

Cheguei demasiado tarde… Por vezes dão à costa animais já mortos, vítimas de diferentes situações como as condições climatéricas ou artes de pesca, onde ficam presas. No entanto, são um dado importante para perceber a ocorrência e frequência destes eventos, e as possíveis causas de morte dos animais arrojados. Poderá registar estes eventos através do site da SPEA, num formulário próprio.

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www.gnr.pt/ambiente.aspx 808 200 520

Se estiver ferida

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www.icnf.pt/ondeestamos/linhassos

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Estava a andar na praia e encontrei uma ave marinha… o que faço?

É bastante frequente encontrarem-se aves com um ar debilitado nas nossas praias. Por vezes estão feridas, outras vezes só cansadas ou encandeadas pelas luzes.

Si

?

A Spea responde

LINHA SOS VIDA SELVAGEM (Madeira)

FORMULÁRIO ARROJAMENTOS

961 957 545

http://bit.ly/arrojamentos


Pássaro-Tempo 1

Sou uma cagarra e estou a tentar voltar à ilha onde nasci, depois de ter andado a explorar o mar pela primeira vez. Mas parece que tenho alguns obstáculos pela frente. Ajuda-me a seguir o caminho mais seguro! Por Mónica Costa e Vanessa Oliveira (texto) e Frederico Arruda (ilustração)

Com tanta gente, nem sei onde me meter

Que aspeto esquisito tem este peixe Ups, aqui não posso mergulhar, pois emaranhado posso ficar!

Com toda esta luz é difícil reconhecer o caminho.

Esta água escura e pegajosa parece mesmo perigosa!

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Pássaro-Tempo 2

Eu sou o priolo e o único sítio onde vivo é na ilha de São Miguel, nos Açores, numa das zonas montanhosas da ilha. Mas, em tempos, estive perto de desaparecer, pois era caçado e o meu habitat estava ameaçado. Foi por causa das ações de conservação da SPEA e dos seus parceiros que a minha espécie conseguiu recuperar. Hoje felizmente, já existem mais de 1000 priolos. Para pintares este priolo podes inspirar-te na página 21 ou dar asas à imaginação. Por Mónica Costa e Vanessa Oliveira (texto) e Frederico Arruda (ilustração)

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