Revista RAIZ. 7

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ISSN 1808-9488

cultura do brasil • agosto 2007 • R$ 7,50 • www.revistaraiz.com.br

DRAGÃO DA MALDADE E O BEIJA-FLOR GUERREIRO

A doçura da cultura popular contra o prato-feito do mercado

Pierre Verger na sombrinha do frevo Baccaro, o bom maldito Dona Zélia e seus dois ofícios E MAIS:

Cururu, o duelo caipira Café açucarado Artes e ofícios de um museu


DAR DAR AA BICICLETA BICICLETA QUE QUE ELE ELE TANTO TANTO QUERIA? QUERIA?


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Publisher Edgard Steffen Jr. Editor Chefe Ricardo Soares INFLUENCIADORES Guilherme Kujawski, Helena Sampaio, Leonardo Brant, Marcelo Manzatti, Maria Lúcia Montes, Roberto Vital Anau, Roberto Rugiero, TT Catalão Redação Fábio Rayel (repórter); Thereza Dantas (editora assistente). direção de Arte Fernando Balsamo arte Lúcia Paiva e Bruna N. Moreira Publicidade Edgard Steffen Jr. Internet programação Eduardo de Araújo Internet conteúdo Fábio Rayel e Thereza Dantas Administrativo Janaina Ávila Colaboradores Antônio Cruz (fotografia), Carlos Eduardo Oliveira, Carlos Minuano, Carlos Pantaleão (fotografia), Cido Garoto, Eduardo de Carvalho, Eduardo Fals (fotografia), Fábio Domingues, Gal Oppido (fotografia), Gilmara Dias, Isabel Lopes, João Caldas (fotografia), José Eduardo Mendonça (fotografia), Josie Moraes, Lara Linhalis, Leonardo Burgos (fotografia), Leonardo Lepesch (fotografia), Marcelo Manzatti, Maurício Fonseca, Nice Lima, Plínio Mello (fotografia), Railídia Carvalho, Raul Lody, Renata Lobato, Renato Soares (fotografia), Roberto Araújo (fotografia), Roberto Pereira (fotografia), Roberto Rugiero, Sérgio Sá Leitão, Valéria Barros, Vilma Balin, Vito D’Aléssio (fotografia), Yves Tadeu (fotografia), Edições Demócrito Rocha. RAIZ. é uma publicação da Editora Cultura em Ação

Rua Girassol, 927, 05433-022, São Paulo, SP, Tel: (11) 3039 3060 e-mail: info@revistaraiz.com.br Portal RAIZ. www.revistaraiz.com.br AGRADECIMENTOS AOS PARCEIROS DA 7ª EDIÇÃO DA REVISTA RAIZ.

Apoio institucional

Tiragem desta edição: 20 mil exemplares Impressão: Gráfica Parma Proibida a reprodução, total ou parcial dos textos, fotografias e ilustrações, sem autorização da Editora Cultura em Ação.


colaboradores.

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1 Raul Lody nasceu em 1952, na cidade do Rio de Janeiro, RJ. Antropólogo, museólogo, cursou Etnografia e Etnologia no Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra, Portugal. É membro efetivo de várias instituições acadêmicas e científicas e, como autor já publicou 370 títulos.

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2 Renata Lobato é jornalista com formação complementar em Belas Artes pela UFMG e especialização em Crítica e Produção Cultural pelo IEC - PUCMINAS. Editora fundadora do Jornal Varal de Idéias. Foi assessora de comunicação da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais de 2005 a 2007. 3 Antônio Scarpa é jornalista, fotógrafo e especialista em organização de acervos fotográficos e jornalísticos. Atualmente é fotógrafo da Assessoria de Imprensa e Comunicação – Ascom, da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (www. unicamp.br). 4 Alex Senna é ilustrador influenciado pela mãe, artista plástica, e por toda a cultura dos anos 80. Cresceu lendo todo tipo de HQ. Multimídia, seus trabalhos já foram vistos nas revistas Ocas e Pancrom, no videoclipe "Barão das Árvores" da banda Cordel do Fogo Encantado. Recentemente participou da exposição coletiva no Bazarte, promovida pelo Espaço iDCh, em São Paulo. 5 Yves Tadeu é fotografo free lancer, curioso e manipulador de imagens estáticas e em movimento.

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O paulistano 6 Carlos Minuano é repórter do 100 Canais - jornalismo cultural independente. Desde 97 trabalha na área cultural colaborando em diversos veículos, Folha de S. Paulo, Editora Abril, entre outros. RAIZ 5


detalhe da obra de chico da silva

sumário .

DRAGÃO DA MALDADE E O BEIJA-FLOR GUERREIRO

Como nossa cultura se reinventa e se perpetua com qualidade, criatividade e novos processos na sua produção e distribuição

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radicais

Andamento 08 Acontecimentos que fazem parte da pauta cultural do país Figuras 14 Gilberto Freyre, Dona Lira, Gentes e Batuques e Jota Borges Figura especial 18 Dona Zélia e seus dois ofícios Raiz da questão 20 A cultura popular e o mercado sob olhar de artistas e intelectuais

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tronco

Mercado Livre 28

mercado.........................................

Às margens da indústria fonográfica e no centro do consumo popular

Frevo 34

ensaios...........................................

Nos passos inéditos do antropólogo Raul Lody e do mestre Pierre Verger

Tudo que é sólido flutua pelo ar 44

cenários.........................................

Afinal, é arraia, cafifa, pandorga, quadrado, papagaio ou pipa?

viagens..........................................

Em tempos de etanol fomos atrás do agronegócio do século XVI

sons................................................

A trilha do açúcar 50

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Cururu 60

Nem rap nem repente, é a poesia ritmada caipira

copa

A arte do ofício e o ofício da arte 66

políticas.........................................

Museu mineiro conta a história dos artesãos e seus instrumentos

O potencial da Cultura 70

Alternativas viáveis para uma economia cultural

referenciais..................................

Giuseppe Baccaro 74

O olhar que consolidou o valor da nossa arte popular

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frutos

Era uma vez um grão de café 80

Sabor, aroma e tradição como destino


RAIZ. É FRUTO! RAIZ. é fruto do saber jovem e condensado em um vida intensa entre a natureza e a poesia. Fruto da crença do faça você mesmo, porque não é de outro jeito que tem acontecido ao longo da história. Fruto de muitas mãos que semeiam e fazem germinar em um coletivo de muitos coletivos. Fruto dos frutos de seus artistas e artesãos na realização da sabedoria moldada no barro, na pedra, na madeira e em tramas, tintas, danças, giros, meneios , rodas e cores. Trama lúdica , diversidade do imaginário. Fruto do texto, das fotos, do papel, dos bits, do retrato parcial de um mundo que não cabe em todas as grandes angulares juntas. É preciso de observar de longe para se enxergar mais perto. Por isso Raiz também é fruto do espelho. Fruto do desconhecido. RAIZ. dialoga com o mundo no seu contato umbilical gerando tantas emoções e pensamentos que nos mantemos firmes ao projeto de uma revista de cultura popular brasileira. Um tema em construção intensa e, portanto, prato cheio para estampar nossa complexidade e perplexidade diante de tantas múltiplas opções de qualidade e quantidade. Na realização da sua missão, de dinamizar cadeias artísticas da cultura mais praticada em todo nosso território, expandimos nossa atuação para uma abordagem multimeios do tema. RAIZ. é fruto em DVD, Internet, Celular, Eventos, Debates, Shows e Leitura, buscando a água e os nutrientes para o diálogo de seu universo desafiador. Nesse processo inúmeros apoiadores entenderam a importância da cultura popular posicionada em sua devida dimensão. Gostaria de homenagear portanto a Raul Lody, Marcelo Manzatti, Maria Lúcia Montes, Helena Sampaio, Gilberto Freyre Neto, Célio Turino, Roberto Rugiero, Leonardo Brant, Valéria Barros, Guilherme Kujawsky, TT Catalão que com suas capacidades e inteligências construiram a pauta para essa edição da RAIZ. Muitos formam de maneira espontânea o Conselho Editorial da Revista . Meus votos que ele se efetive e expanda suas ações. Nessa edição também se junta aos nossos esforços como editor- chefe o escritor e jornalista Ricardo Soares que durante muitos anos de trajetória profissional colocou a cultura popular brasileira como uma causa a ser defendida. A RAIZ. 7 representa a mudança de paradigmas editoriais necessárias para a independência da Revista no seu dilálogo com a mídia e a sociedade. Buscamos modelos que atendam ao nosso público e a nossa missão. O Portal RAIZ. (www.revistaraiz.com. br) conta com expressivo volume de internautas impactados e em franco crescimento. A série de Debates nacionais promovidos como “Fronteiras entre o Popular x Erudito” (www.revistaraiz.com.br/fronteiras) e o Estado-Nação (www.revistaraiz.com.br/estado) levaram nossa pauta presencialmente por todo o país. A série de 23 entrevistas disponiveis em podcasts do e-Vento, a Cultura Popular e o Mercado (www.revistaraiz.com.br/cultura) atendem todos usuários do protocolo IP. A versão em papel, agora representada nessa leitura, não é mais soberana. A RAIZ. mais do que ser lida é para ser vivenciada. Bom proveito. Edgard Steffen Junior RAIZ 7


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ORQUESTRA CONTEMPORÂNEA DE OLINDA Nova banda promove o encontro de 12 interessantes nomes da música de Pernambuco Foi da vontade de reunir experiências que o percussionista olindense Gilson do Amaral (ex- Bonsucesso Samba Clube) resolveu criar a banda Orquestra Contemporânea de Olinda, em fevereiro de 2006. Ao observar os músicos do tradicional Grêmio Musical Henrique Dias, Amaral teve o estalo de unir diferentes gerações em uma verdadeira orquestra moderna. Hoje, seis músicos do grêmio são integrantes do projeto, entre eles o maestro Ivan do Espírito Santo, que ajuda na composição de arranjos de sopro. A formação é composta também por Maciel Salú e José Henrique Neto (Tiné) nos vocais, Hugo Gila (baixo), Juliano Ferreira de Melo (guitarra), Luiz Antonio Barbosa dos Santos (trompete), José Abimael de Santana (trombone), Luís Henrique Vieira da Silva (sax alto), Rafael Beltrão (bateria) e Adriano Ferreira Pinto (trombone). Sem a intenção de conceder rótulos ao trabalho, Amaral afirma que o estilo vem da influência da “música do mundo” que se mistura com a música brasileira, presente naturalmente no dia-a-dia dos músicos. Na hora de compor tudo se torna inspiração, maracatu, frevo, 8 RAIZ

coco, samba, afrobeat, ska, jazz, mazuca, gafieira. O foco é promover shows dançantes e divertidos com um som rico e diverso. “Não gosto da palavra resgate, gosto da palavra vivência. Sempre escutei maracatu, coco e ciranda, quando toco só estou mostrando na música quais são as minhas referências”, confirma Amaral. Com a intensa valorização da música pernambucana, que toma conta de outras regiões do Brasil e invade outros países, as expectativas da banda são as melhores. Em agosto a banda grava o primeiro disco, ainda incertos de assinarem com gravadora ou lançarem de forma independente. O CD com 12 faixas está previsto para até o final de 2007. Ao falar de mercado, Gilsinho não esquece de quem já fez história nos anos 90. “Temos uma música muito peculiar, as pessoas notam e gostam. As bandas estão conquistando o mercado devagar, isso é resultado de muito trabalho. Temos uma cena musical muito forte que o manguebeat e o Chico Science ajudaram a abrir as portas para o mundo”, afirma. As intervenções e presenças fortes de cada integrante da Orquestra Contemporânea de Olinda ficam evidentes no som, que cumpre a proposta de articulação entre ritmos nordestinos tradicionais e hibridização com a música moderna e dançante. Agora resta aguardar o CD para

conferir. (Josie Moraes). Contato: José Oliveira Júnior - joj10@uol. com.br

MARkETING JUNINO Foi-se o tempo em que bandeirinhas, fogueira e comidas de milho eram apenas elementos típicos dos festejos juninos no nordeste. Desde o início dos anos 80 eles também estão sendo incorporados às estratégias de marketing de empresas, na grande maioria, privadas. Este é o tema do livro A festa junina em Campina Grande PB: uma estratégia de folkmarketing do pro-


fotos: Divulgação Orquestra/Rafinha / Imagens Divulgação

A nova banda: Orquestra Contemporânea de Olinda

fessor da Universidade Federal da Paraíba e doutor em Comunicação e Cultura pela PUC-RS, Severino Alves de Lucena Filho. O livro, apresentado pelo pesquisador de cultura popular Roberto Benjamim, é resultado de quatro anos de pesquisa para a tese de doutoramento do professor Severino Lucena. Nele, o autor mostra que em Campina Grande, a 120 Km da capital paraibana, João Pessoa, a maior e mais tradicional festa da cultura popular nordestina se tornou fonte para que as empresas tirassem delas elementos típicos que são utilizados em suas propagandas. São empresas de bebidas, alimentos, telefonia e até ligadas a saúde que utilizam símbolos e ícones tradicionais como o milho, as danças, balões e os santos homenageados no período junino transformando-os em elementos mercadológicos para incrementar as vendas nesta época do ano. O livro serve não só para a comunidade acadêmica, mas também para as pessoas que se interessam em entender um pouco mais sobre as transformações que a cultura popular está passando e a forma como as indústrias estão fazendo uso disso. (Gilmara Dias). Livro: A festa junina em Campina Grande - PB (Editora Universitária- UPFB/2007. 219p.) Informações complementares: O livro teve vários lançamentos. O próximo será em Ponta Grossa (PR); no dia 19

de setembro no Congresso Brasileiro de Folclore, em Fortaleza (CE); e no dia 06 de novembro, no Congresso Internacional de Comunicação, na PUC-RS. Serviço: Telefone: (83) 3224-9809. E-mail: recifrevo@uol.com.br

Para ler, dançar e cantar. A época é do Império. Chegam os estrangeiros em região habitada por índios de diversas tribos. Quem vem de fora é implacável com a mata, os índios, os negros. Pouco consideram o que se produz em termos de “cultura” seja o cultivo da terra, do pensamento, da alma, do corpo. Apesar de continuadas agressões, a mata nativa resiste aos trancos e solavancos. Assim como resiste a cultura popular tradicional da região, através de folguedos e festas. O que resiste, está vivo. Precisa ser performático e dinâmico. E é justamente a cultura vivificada que interessa ao projeto “O Registro do Folclore da Zona da Mata Mineira”, sob coordenação geral do antropólogo Oswaldo Giovannini Júnior, iniciado no ano de 2002 e que segue até hoje através de diferentes produtos e ações. Voltemos ao início, para depois seguir em frente. As cenas imaginadas pelo leitor ao pousarem os olhos nas primeiras linhas deste texto, são imagens comuns a centenas de processos de colonização, aqui e acolá. As linhas divi-

sórias entre tais destinos surgem quando se decide por preservar e valorizar diferentes formas de resistência ou quando se prefere deixá-las navegar ao sabor das marés. Não foi a última opção que Oswaldo e sua equipe escolheram. Em 67 cidades percorridas, foram cadastrados mais de 130 grupos. Folia de Reis e de São Sebastião, Congado, Mineiro-Pau e Caxambu compõem parte do mosaico de manifestações culturais vivenciadas pelo povo da Mata e atentamente observadas pelos integrantes do projeto. Observadas e divulgadas através de diferentes frutos.

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Pandeiro do Mestre e a música dos índios do sertão nordestino

Dois desses frutos prontos a serem saboreados com prazer e atenção são: o livro “Folguedos da Mata”, um inventário de folguedos tradicionais da Zona da Mata mineira e o cd “Sons da Mata”, com o repertório originário das pesquisas de campo. Atualmente o projeto tem continuidade com oficinas em comunidades da região, valendo-se de uma participação maior dos moradores. “As pessoas querem ser sujeitos de seus próprios inventários e nós pesquisadores queremos passar esta bola”, observa Oswaldo. Além das oficinas, está em fase de finalização um vídeo-documentário, registro audiovisual dos caminhos percorridos pela equipe. Mais que uma reunião de informações para ler e para ouvir, o livro, o cd, e outras atividades envolvidas no projeto são convites à folia, ao batuque, à dança. Mais ainda, funcionam como mediadores e despertadores de uma cultura viva, que quer se manter como tal. Os frutos mais maduros do “Registro do Folclore da Zona da Mata mineira” são distribuídos pelo correio gratuitamente, embora tal distribuição dependa de alguns patrocínios em potencial. Quem estiver interessado, deve enviar mensagem com dados pessoais ao email indicado a seguir. (Lara Linhalis). Projeto: O Registro do Folclore da Zona da Mata Mineira. 10 RAIZ

Coordenação geral: Oswaldo Giovannini Júnior. Contato: oswaldo@leopoldina.com.br. www.folguedosdamata.art.br

A BELEZA DO COCO DE TORÉ NO RITMO DO PANDEIRO DO MESTRE A música tem motivos para comemorar e todos que fazem parte de sua cadeia produtiva devem ficar atentos: é que acaba de chegar às lojas o cd “Pandeiro do Mestre – Coco de Toré”, primeiro trabalho do Pandeiro do Mestre, grupo de uma sonoridade única e promissora na atual cena do Estado de Pernambuco. O CD foi gravado e mixado entre agosto e novembro de 2006 no Estúdio Carranca, em Recife, por Gera e Júnior Evangelista, e masterizado em dezembro de 2006 no Classic Master em São Paulo, por Carlos Freitas, depois de ter projeto aprovado no Sistema de Incentivo à Cultura da Cidade do Recife. Para a realização do projeto idealizado há tanto tempo, o Pandeiro contou com a participação de amigos músicos. O Pandeiro do Mestre começou como trabalho paralelo de alguns membros do grupo Chão e Chinelo, há mais ou menos 10 anos (o Chão e Chinelo tinha um trabalho centrado no forró, coco e brinquedos de Pernambuco). Com o tempo, o que era um plano B, passou a ser a prioridade e várias

formações se sucederam até chegar à formação atual que já dura cerca de quatro anos (Nilton Jr - voz, maracás, bombinho e apito; Bruno Vinizoff - bombo; José Batista maracás e sax; Isael Araújo - matraca e tarol; Jackeline Alves, Joana Velozo e Silvana Café - coro e apito). O Pandeiro, quando surgiu como trabalho paralelo, interpretava cocos de artistas antigos e novos e, aos poucos, um repertório autoral de cocos e cirandas foi tomando o lugar de clássicos dos gêneros. Coco de Toré - O Toré é uma paixão antiga do músico Nilton Jr. que, há mais de dez anos, convive e participa das manifestações dos índios do sertão de Pernambuco. O Toré é a música dos ancestrais e dos ainda viventes índios do sertão. É um sistema de crenças muito antigo que é praticado ainda hoje por populações inteiras de índios aldeiados entre o agreste e o alto sertão nordestino. Possui uma expressão artístico-religiosa de canto e dança também denominada Toré, célula máter de muitas formas de música e dança que se tornaram gênero e se popularizaram pelo país afora, a partir de seu ponto original de irradiação. Coco de Toré é uma expressão de música e dança que reúne elementos da musicalidade e da dança religiosa dos indígenas nordestinos e quilombolas africanos foragidos na inacessibilidade do sertão. Em sua formação instrumental original, o coco de toré era praticado apenas com a percussão dos pés


A Irmandade dos mineiros Berimbrown

e das mãos ou com uma maracá, ou com um ganzá. (Nice Lima). CD: Pandeiro do Mestre - Coco de Toré Média de preço: R$ 19,90 - 20 faixas. Direção Musical: Nilton Júnior. Como comprar? Lojas do Recife- PE, ou ainda através dos telefones (81) 34481155 / (81) 88552635/ (81)88566611 e pandeirodomestre@yahoo.com.br Em breve, através do www.pandeirodomestre.com

FOTOS: Divulgação/Berimbrown e Plínio Mello

Os irmãos do groove. Com a chegada do novo CD do Berimbrown, Irmandade, a música brasileira acaba de ganhar uma novidade, talvez nunca vista antes. Muito além dos batuques africanos, o grupo bebeu de outra fonte: a influência dos coros africanos. Mestre Negoativo, voz, percussão e berimbau do grupo, fala um pouco sobre a origem dessa fórmula. “Sempre estive antenado à cultura matriz africana e sou freqüentador assíduo de manifestações quilombolas. Por ter vivenciado isso foi natural cantar essas cantigas”, diz. Segundo ele, a banda chegou a essa sonoridade porque convidou o produtor musical senegalês Mamour Ba que inclusive cedeu uma música para o grupo, Djebola, cantado no seu dialeto senegalês. Nesse show, Irmandade, o grupo remete ao Século XVIII, destacando a antiga Vila Rica (Ouro Preto) de Aleijadinho e Chico Rei, o antigo Tijuco (Diamantina) de

Chica da Silva, o garimpo e as cantigas (Vissungo, Congado e Candombe) da labuta diária cantadas na língua do povo Banto, no país das Gerais. Claro, tudo isso com muito suíngue. O Berimbrown surgiu em 1997, através de um projeto sócio-cultural na periferia de Belo Horizonte. O grupo sempre esteve ligado às questões afrobrasileiras, na mistura de samba, soul, reggae e tambores de minas com a clássica luta, dança, jogo, a arte da Capoeira o Maculelê, que foram praticados a princípio pelos escravos no Brasil, nas plantações de cana de açúcar. “A Capoeira que me fez ser um multiplicador nas comunidades de contar nossa história e ter atitude no momento exato. O Berimbrown é uma ferramenta de transformação, firmar a cidadania negra através da arte.” conclui Negoativo. (Fábio Rayel). CD: Irmandade Site: www.berimbrown.com.br

tando caiçaras para resgatar conhecimentos tradicionais e criar uma rede de troca de informações. Gerenciado pela organização não-governamental Mongue - Proteção ao Sistema Costeiro, o Olhar Caiçara pretende promover o intercâmbio cultural entre as diversas comunidades e usará o audiovisual para o registro das manifestações tradicionais das populações do litoral sudeste brasileiro. “A partir do próprio ponto de vista, eles poderão conhecer, registrar e preservar suas tradições", explica o secretário-executivo da ONG, Plínio Mello. Nos últimos anos moradores das comunidades tradicionais

O Olhar Caiçara O projeto cultural Olhar Caiçara, criado pela comunidade caiçara da Juréia, no litoral sul paulista, conquistou o apoio financeiro da Petrobras por meio da Lei de Incentivo à Cultura do MinC e ao longo de 12 meses promoverá a visita de representantes das comunidades litorâneas existentes entre Parati, no Rio de Janeiro, até Paranaguá, no Paraná. Caiçaras visiRAIZ 11


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A primeira exposição individual de artista popular Alcides

transferiram-se para a cidade por causa das restrições ambientais. Com isso, perderam os vínculos com a tradição caiçara, caracterizada pela transmissão oral dos conhecimentos. “O projeto Olhar Caiçara quer, através do trabalho de resgate cultural, melhorar as condições dos caiçaras e criar uma ação de preservação ambiental responsável e sustentável”, afirma Plínio. No dia 3 de junho aconteceu a primeira ação, na cidade de Cananéia, litoral sul de São Paulo. Olhar Caiçara registrou a Domingueira de Fandango, uma festa com dança e grupo de violeiros, em praça pública da cidade. A finalização de todas as etapas de gravações acontece no dia 29 de setembro durante a Festa de São Miguel, na Cachoeira do Guilherme, no coração da Juréia. O Olhar Caiçara conta com o apoio de professores do GENS, uma empresa de consultoria em educação e comunicação e da ONG Cala-boca já morreu. A coordenadora da ONG Cala a Boca, Gracia Lopes Lima, acredita que hoje no país é necessário democratizar as ferramentas da comunicação. “Construímos filmes a partir das idéias das pessoas da própria comunidade. É muito mais fácil a comunicação a partir das imagens.” A idéia é gerar um DVD com curtas ficcionais, entrevistas e shows das comunidades que participam do projeto. (Thereza Dantas). Projeto: Olhar Caiçara - Festa de São 12 RAIZ

Miguel, na Cachoeira do Guilherme, Juréia – São Paulo - dia 29 de setembro – www.mongue.org.br

traços da alma Trate como quiser: popular, regional, naif. Primitiva, até. Fato é que todos esses adjetivos se encaixam como lego nas telas de Alcides Pereira dos Santos. Seus trabalhos estão em cartaz até final de setembro na Galeria Estação, em São Paulo. Recentemente falecido - aos 75 anos, trata-se da primeira exposição individual do criador baiano que viveu a maior parte da vida em Mato Grosso e radicou-se na Paulicéia no início dos anos 90. Autodidata, evangélico, homem simples e humilde, Alcides pintava pela necessidade que lhe impunha a alma – daí não ter optado nem à esquerda ou à direita na infinita discussão entre erudito versus popular. De características como o uso de cores fortes – com predominância do preto – e singular geometria, - escolha mais intuitiva do que racional, sua pintura reflete inicialmente o provimento do homem pela natureza, através das relações mútuas no cultivo da terra e na pecuária. Ostenta, também, outros traços recorrentes, não tangíveis: doses de singeleza e pureza, às quais ele costumava se referir como "obra de Deus”. Essas “marcas” despontaram na ainda na déca-

da de 70. E ainda que permanecessem inalteradas nas décadas seguintes. Mais tarde o grafismo e o geometrismo se acentuaram, em detrimento da figura humana, e é o todo da paisagem como criação macro que importa. A partir dos anos 80, é quase impossível falar-se de uma tela sua desimportante. Justamente por isso, muitas delas integraram catálogos de maiúsculas exposições país afora (Pinacoteca do Estado de São Paulo, Mostra dos 500 Anos do Brasil – Arte Popular, etc). Em 2006, teve relevantes trabalhos vendidos para a Espanha (Valência), onde, tudo indica, faria uma individual em 2008. Nos últimos tempos, com a saúde fragilizada após cirurgia na próstata, pintou uns poucos trabalhos em 2006, mas tinha planos de em breve retomar os pincéis, como revelou na vernissage da Galeria Estação. Dois dias depois, em 7 de julho, um derrame fulminante nos privou desse talento. (Carlos Eduardo Oliveira). Exposição: Individual Alcides - de 5 de julho a 29 de setembro, na Galeria Estação, R. Ferreira de Araújo, 625, São Paulo, SP - fone: 11 3813-7253)

Do Tamanho do Brasil As cores da terra estão em toda a parte do Espaço Terceiro Andar do Sesc Avenida Paulista em São Paulo na exposição “Do Tamanho do Brasil – Mostra de Arte


FOTOS: Divulgação/Gal Oppido e Roberto Araújo/Som das Águas

A cena de casamento nas mãos do mestre Vitalino

Popular”. A origem foram as peças escolhidas cuidadosamente pela arquiteta e pesquisadora pernambucana Janete Costa, que trabalha com arte popular há aproximadamente 40 anos. São cerca de 300 obras em cerâmica e madeira, ex-votos (objetos ofertados à igreja em cumprimento a promessas) e brinquedos artesanais de várias regiões para apresentar um abrangente painel da criação popular brasileira. “Essas peças da arte popular trazem não só a beleza de fora, mas também a beleza interna porque elas contam uma história. A história de uma tradição”, explica Janete. A mostra é gratuita e fica em cartaz até o dia 2 de setembro. Janete Costa é conhecida no Brasil e no exterior por seu trabalho de valorização da arte popular brasileira e por atuar na recuperação e divulgação das obras dos artistas tradicionais populares. A arquiteta também trabalha em projetos para promover auto-sustentabilidade da produção desses artistas populares e artesãos. As peças que integram a exposição foram selecionadas a partir de coleções particulares e galerias de arte de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio de Janeiro e São Paulo. Do Tamanho do Brasil – Mostra de Arte Popular reúne trabalhos de Alcântara, do Amazonas; Nino, do Ceará; Mestre Vitalino, Lídia, Nuca, Galdino, Lourenço e Nicola, de

Pernambuco; Manuel da Marinheira, Rezendio, Aberaldo, José Cícero, José Bispo e Irinéia, de Alagoas; Zé do Chalé e Véio, de Sergipe; Agnaldo e Louco, da Bahia; Arthur Pereira, GTO, Isabel e Ulisses, de Minas Gerais; Conceição dos Bugres, de Mato Grosso do Sul; Chico Tabibuia, do Rio de Janeiro; e Laurentino, do Paraná. (Thereza Dantas). Exposição: Do Tamanho do Brasil - Mostra de Arte Popular, até dia 2 de setembro Espaço: Terceiro Andar - Sesc Avenida Paulista - Av. Paulista, 119 - São Paulo Entrada: Gratuita Mais informações: 11-3179-3700

SONS QUE SE ENCONTRAM. MÚSICOS SULISTAS SE REÚNEM E GRAVAM CD RECHEADO DE MÚSICA REGIONAL. Um duo inédito de viola 10 cordas e acordeão intitulado “Encontro das Águas”. O projeto, assinado pelo violeiro Valdir Verono e pelo acordeonista Rafael De Boni, foi financiado pelo projeto Fundo Pro Cultura e Prefeitura de Caxias do Sul (RS) – Secretaria Municipal da Cultura. Formado 11 composições próprias e um pout-pourri com temas do folclore gaúcho, o CD reflete a experiência dos músicos em música regional, além da nítida influência da música erudita e ritmos

característicos de países vizinhos. Juntos interpretam temas como chamarras, milongas, tangos, chamamés e choros. “A música regional é muito forte aqui. Tem muitos jovens tocando. A viola foi deixada um pouco de lado com a ascensão do acordeão e até do violão. Com a combinação dos dois instrumentos extremos, conseguimos uma força maior para resgatar o som da viola e abrir novos caminhos para a nossa música regional”, afirma Verono. A dupla que se uniu por afinidade de referências musicais, agora tem o objetivo de divulgar o trabalho Brasil afora. (Josie Moraes). CD: Encontro das Águas Vendas e Informações: www.violaeacordeon.com.br Contato: Valdir Verono - valdir@violaeacordeon.com.br Telefones: (54) 9979.1524 / (54) 3028.1746

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Reprodução: detalhe da Aquarela de Gilberto Freyre

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do mucambo à casagrande. Numa rara oportunidade de observarmos o reverso da medalha, Raul Lody nos prestigia mostrando uma das muitas faces de Gilberto Freyre, ainda pouco conhecida, a de ecólogo. Precursor de uma ecologia social, Gilberto nos insere no meio-ambiente da monocultura, do latifúndio e da escravidão, que nos força à difícil adaptação ao trópico.Tornamonos a maior civilização tropical do planeta e é no habitar que marcamos boa parte da nossa cultura. É onde sonhamos, pensamos e agimos. É onde nos vestimos, comemos e festejamos. É onde amamos, protegemos e procriamos. Gilberto viveu cada um destes momentos e Lody captou cada um deles. gilberto freyre neto

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FOTO: Vilmar Oliveira

As muitas Liras. A pesquisadora, artista plástica e integrante do coral Trovadores do Vale, Maria Lira Marques, é uma mulher que nasceu e vive em Araçuaí, cidade de 18 mil habitantes, uma entre as 80 cidades que formam o Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais. Suas cerâmicas são em tons de vermelho, cores da terra, que lembram o desenho das esculturas africanas. Começou a trabalhar com o barro aos 4 anos de idade ao lado de sua mãe. Com a Joana Poteira se aperfeiçou. Suas pinturas, flores e “bichos do sertão”, como ela gosta de chamá-los, também tem a cor do Vale do Jequitinhonha. A artista plástica já participou de várias exposições, mas seus bichos do sertão são rastros de animais pré-históricos que contam sua origem. Desenhos criados de sua “imaginação e com a textura de minha terra”. Com frei Francisco van der Poel, frei Chico, outro personagem importante na história da região, é parceira de extensa pesquisa da cultura musical da região. São dezenas de cantos de louvor, para pedir chuva, benditos e batuques. “ô beira-mar, adeus dona adeus riacho de areia/ adeus, adeus, dona adeus/ eu já vou m'embora/eu morava no fundo d'água/ não sei quando voltarei/ eu sou canoeiro/eu não moro mais aqui/ nem aqui quero morar”, são os versos que os corais e músicos cantam mostrando a beleza das águas numa terra que sempre se considerou tão seca e pobre. thereza dantas

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FOTO: Sérgio Luiz Silva

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Gentes e Batuques é um ensaio construído entre os anos de 2005 e 2006 em passagens por festividades como Congo, Jongo, Maracatu, Folia de Reis, Festa da Lapinha e Blocos de Rua. A idéia do fotógrafo e sociólogo, Sérgio Luiz Silva foi centrar o registro nas expressões gestuais e comportamentais dos indivíduos que fazem parte de tais festejos, valorizando através do retrato e do movimento, a identidade desses sujeitos. “A beleza que existe nestes grupos seja nas cores escolhidas, nas vestimentas e nos movimentos é fascinante”, diz o sociólogo. As imagens foram produzidas nas cidades de Ouro Preto (MG), Salvador (BA), Nazaré da Mata (PE), Recife (PE), Olinda (PE), Rio de Janeiro (RJ), Serra (ES). Sérgio desenvolve um trabalho de pesquisa sobre "identidade, cultura e política” que tem o objetivo de identificar os processos de reconhecimento da nossa raiz cultural, com suas dicotomias e especificidades. “A afirmação cultural destas comunidades não deixam de ser uma afirmação política”, termina. FÁBIO RAYEL Sérgio Luiz P. Silva é sociólogo, fotógrafo e professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense. e-mail: slps2@uol.com.br 16 RAIZ


FOTO: INÊS CAMPELO

O mundo segundo J. Borges “Minha história é essa: nasci e me criei aqui em Bezerros.” Assim se define o artista do cordel José Francisco Borges, o J. Borges. Nasceu em 1935, até os 17 anos viveu no sítio com os pais no interior pernambucano. Na seca de 1952, mudaram para o sul do estado e aí começou a carreira de J. Borges como gravador. Sua primeira história versejava sobre a disputa de dois vaqueiros pelo amor de uma moça-donzela. Quem o descobriu foi não menos que o romancista Ariano Suassuna. “Foi ele que me considerou o melhor gravador popular do nordeste. Me dei bem depois disso!”, conta o gravador. São 40 anos de xilogravuras, em que o mestre afirma já ter perdido a conta de quantas já produziu e quantas já viajaram o mundo. As xilogravuras, criadas pelos artistas de cordel nordestinos, fazem parte de um processo de gravação em relevo que utiliza a madeira como matriz e possibilita a reprodução da imagem sobre papel. Essas ilustrações são utilizadas para decorar as capas dos livretos e assim chamar a atenção do público para a estória narrada. A mulher, o diabo, o sertão, as lendas e as crendices do povo são as inspirações do artista que já contabiliza 242 originais de cordel publicados. “Já viajei o mundo, já vi muita coisa interessante por aí mas não me interesso pela história dos outros, o que me interessa são as coisas daqui desse sertão”. Que o digam suas moças, suas putas, os monstros que J. Borges faz questão de mostrar nos desenhos do muro que circunda a casa onde mora em Bezerros. thereza dantas RAIZ 17


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. figura especial

DOnA ZÉLIA E SEUS DOIS OFíCIOS FOtO ZÉLIA GAttAI

ZÉLIA GATTAI andou de braços com Jorge Amado na literatura e na vida. Mas não cruzou os braços como autora nem se intimidou com a angústia da influência do marido célebre e fez vir à tona aos 63 anos de idade sua vocação de memorialista com livros como “Anarquistas Graças a Deus”. Zélia desde então andou de braços com o sucesso editorial e amealhou muitos admiradores a alguns detratores como o também notável repórter e escritor Joel Silveira. Não acusou o golpe e mostra agora aos 91 anos de idade seu talento como fotógrafa na exposição “Zélia Gattai Amado- Um Olhar Imortal” inaugurada em 7 de julho, na reserva Imbassaí, litoral norte da Bahia. A mostra dessas belas fotos funciona até 30 de setembro e pode ser visitada das 9 às 17 hs. Entre os muitos negativos selecionados imagens inéditas do poeta chileno Pablo Neruda, o casal Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir além de Pablo Picasso, Oscar Niemeyer, Caribe, Glauber Rocha e Carlos Sclyar. E a foto que ilustra essas nossas páginas, o obelíssimo flagrante em branco e preto de Jorge Amado com o Pelourinho ao fundo. Só faltaram vadinho, o farmacêutico Teodoro e dona flor para compor o cenário de fundo. RICARDO SOARES 18 RAIZ


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Foto: ZÉlia gattai


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. raiz da questão

A propriedade intelectual da cultura popular Climério de Oliveira Santos é etnomusicólogo e autor do livro Batuque Book onde uma tradição cultural pernambucana virou pauta musical. A experiência do autor com os músicos das Nações de Maracatu são um bom exemplo de uma parceria entre a produção musical e os artistas. Para Climério o livro é um exemplo de respeito e ética na relação com os grupos musicais de Pernambuco. “Esse é um bom exemplo de como o encontro do mercado – a demanda de estudantes de música e músicos brasileiros e estrangeiros – com a arte tradicional brasileira (o maracatu) pode ser respeitosa!”,diz. O músico quer discutir o tema Domínio Público. “Ora, se é domínio público, qualquer um pode pegar e usar?”, explica. “O procedimento, no caso do “Batuque Book”, foi o seguinte: nós sentamos com os grupos, falamos o que queríamos, como é que poderíamos fazer isso, estabelecemos valores para que os grupos recebessem pelo trabalho deles e estabelecemos uma tiragem limitada em duas mil cópias. Qualquer nova tiragem terá que ser feita com um novo acerto, um novo contrato com o grupo. Sobre a remuneração, o que nós fizemos: não podemos remunerar do jeito que deveria ser, mas pagamos 2.600 reais para cada um dos seis grupos. Dentro das possibilidades que nós temos aqui, é digna e estabelecemos cotas de 1.500 exemplares por grupo e ainda estabelecemos um percentual de rendimento nas vendas”. Dessa forma o autor garantiu a confiança dos artistas populares e já está preparando seu segundo livro. Agora sobre os Caboclinhos.

FOTO: Antônio Scarpa

O músico, etnomusicólogo e pesquisador cultural arremata: “O que a gente observa é que quando os artistas tomam os exemplos musicais da cultura popular e gravações in loco da pesquisa de campo, utilizam aquilo na sua gravação e sequer citam, sequer colocam de onde veio, como veio e como ocorreu o registro. Pode ser por descuido ou não, mas isso não é ético. Porque não é ético? Porque viola, lesa, fecha possibilidades de quem vinha de dentro de uma tradição e entregou aquilo que os outros utilizaram, ganharam dinheiro ou ibope.”

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bnegão desafinando o coro dos contentes

FOTO: divulgação / bnegão

. raiz da questão

“O jabá é sinistro” O músico BNegão foi integrante da banda Planet Hemp . Atualmente vive uma fase carreira solo, dois CDs e muito ativismo no ciberespaço. Músico que acredita na força da cultura brasileira, BNegão trabalha contra a corrente. Foi através de um amigo produtor musical que iniciou-se na Cultura Digital e fala dela com entusiasmo. Disponibilizou pela Internet todas as músicas de seu último CD Enxugando o Gelo e acredita na rede como um meio de divulgação sem a negociata do jabá. “O negócio fica assim: só pode ser apresentado o que foi gravado pelas grandes gravadoras. Uma parcela que representa 20% ou 10% da cultura brasileira. Você ser representado por 10% é bizarro. É a mesma relação que está acontecendo nessa história da elite brasileira que cada vez mais concentra a renda”, critica o músico. Nessa conversa o músico descreveu as relações que precisam mudar para que o brasileiro tenha acesso ao que o brasileiro produz. “Uma galera que concentra mais renda do que 92% da população... Isso se reflete nessa história da música, destoa geral, porque chega nesse ponto de você não saber mais quem é você”. Não se reconhecer é uma preocupação do músico. “O que considero como arte popular é o que é feito pela população e que está dentro da raiz brasileira. Da raiz que digo não só musical ou cultural, mas a raiz de vivência mesmo, da galera que vive o dia-a-dia realmente no Brasil. É o que a galera faz de todos os jeitos possíveis”, explica BNegão. Outra preocupação é com os valores que são cobrados no mercado formal ao consumidor final. “Pela indústria é o seguinte: a gente está pagando esse salário para lhe enganar, um salário sinistro, e você tem que comprar o disco porque senão você é o criminoso. Não é o jabá que eles pagam para a rádio que é criminoso. É você que é criminoso por não pagar os 40 reais para um CD”. Para BNegão a conta sempre estoura do lado mais fraco, que é a população. Por isso a adesão ao Creative Commons e ao download gratuito de suas músicas. O músico aposta na divulgação na rede virtual para participar de festivais e shows pelo mundo afora. “Você não vai achar o meu disco pirata ou o disco do músico Sapopemba. Não é o disco dele que vai estar na parada, com milhões de cópias. É o disco do cantor que já vende muito, que já está milionário”. 22 RAIZ


FOTO: Antônio Scarpa

A arte da fusão na cultura popular brasileira Romero de Andrade Lima nasceu em Recife, Pernambuco, em 1957. É artista plástico. Começou a desenhar, pintar e esculpir quando era criança. Autodidata, mas sempre com a orientação de seu tio e padrinho Ariano Suassuna. Freqüentou as reuniões do Movimento Armorial que durante a década de 70 reunia, na casa de Ariano Suassuna, pintores, escultores, escritores, os artistas de Pernambuco que acreditavam na importância das raízes da arte popular brasileira. Para o artista a marca do que é brasileiro é muito comentada fora do Brasil. “Nós estamos dentro de um caldeirão e todo dia esse padrão é recriado, e coisas novas vão sendo adicionadas. Novas misturas, novos elementos vão sendo colocados nesse caldeirão e no fim tudo isso tem uma cara”. Romero avalia que a fusão cultural é uma característica antiga e popular brasileira, que independe dos movimentos artísticos que fazem parte da história da arte brasileira. “Uma das coisas que eu gosto muito do Movimento Armorial é que quando Ariano Suassuna lançou as premissas do Movimento, ele observou que já existia - desde o nascimento do Brasil - essa fusão. Essa arte popular já era o resultado dessa fusão, ao contrário de quase todo movimento artístico em que os artistas se juntavam para lançar bases novas de uma estética e começar a exercitá-la”. O artista acredita que os muros do preconceito contra o valor da cultura popular brasileira estão caindo a cada década. “Na minha geração (tenho 49 anos), eu já assisti a essa discussão aos 13 ou 14 anos, na casa de Ariano. Lembro que ele tentou numa dessas reuniões pela primeira vez fazer um congresso de cantadores no Teatro Santa Isabel, um teatro que nasceu um pouco voltado para a ópera e para a encenação de peças clássicas. Então ele propôs, na década de 70, o congresso de cantadores e a direção do teatro não permitiu, porque achou que aquilo era uma arte menor. Hoje em dia acontece o encontro de cantadores e às vezes, nem acontece lá no teatro porque a platéia é tão grande que não cabe mais. Hoje você pega qualquer músico do pop ou do rock e ele já incorporou o elemento da cultura popular”. Para Romero de Andrade Lima “o repente, o maracatu ou a embolada”, já estão completamente incorporados na nossa cultura de consumo. RAIZ 23


FOTO: JOÃO CALDAS

. raiz da questão

Cultura popular não é arte menor A Secretária do Estado da Cultura de Minas Gerais Eleonora Santa Rosa é jornalista e produtora cultural. Valoriza a cultura popular e define aqui como acha que o Estado pode ajudar. Antes de ser nomeada, trabalhou tanto na iniciativa privada como na área governamental sempre divulgando, formulando e criando projetos culturais. Para ela a cultura passa por um processo de florescimento. “No final do ano passado, o governo fez uma pesquisa. O nosso projeto cultural ficou em terceiro lugar. É genial. Há uma percepção da população mineira agora sobre os projetos da pasta da Cultura.”, avalia a Secretária que entende ser precisa uma ação do Estado para apoiar, dar acesso, mais no sentido de fomentar os festejos populares, colocá-las no calendário, ajudá-las a serem viabilizadas. “Há um preconceito de que cultura popular é arte menor ou arte singela, quase simplória”, critica Eleonora Santa Rosa. E a Secretária sabe da importância da Cultura na estratégia política de qualquer governo. Cultura é boa de marketing tanto do ponto de vista econômico, como na construção da cidadania, identidade e referência . “Muita gente imaginava que ia pegar recursos de Lei de Incentivo para poder patrocinar projetos de artistas e ponto. Houve uma mudança, uma maturidade. Ainda não consolidada, mas a caminho de entender que a Secretaria de Cultura não funciona somente com o financiamento de projetos geniais de artistas, mas que ela tem uma noção muito mais complexa”, explica Eleonora Santa Rosa. Essa complexidade envolve implantação da uma rede de cultura, o fomento à produção cultural, o intercâmbio das diversidades, a capacitação de recursos humanos, democratização de acesso, interiorização de políticas públicas na área da cultura, que para ela ainda está concentrada nas capitais. No entanto ela cita o exemplo dos artistas populares do Vale do Jequitinhonha, na região norte do estado de Minas Gerais. “De um tempo para cá essa questão vem se amadurecendo, e entendendo-se que artesanato também é arte. E que há vários aspectos do que é chamada a dimensão da cultura popular, que é de altíssimo nível artístico. Estou aqui acabando de dar como exemplo a questão do Jequitinhonha. Hoje as obras dos artistas estão não só no Brasil, em Minas, mas estão no circuito europeu, americano. São reconhecidas e valoradas como obras de arte, e não apenas como uma peça de utensílio ou de enfeite básico.” 24 RAIZ


as obras dos artistas brasileiros estão no mercado nacional e internacional ENTRE BALI E CARUARU

Como hoje a sociedade brasileira vê a cultura popular enquanto objeto de consumo? “Diria que esse objeto não é valorizado. Se você pensar em cultura material, nós nos encontramos na mesma situação de Bali, por exemplo. Lá você vai ver objetos maravilhosos, vai trazer para casa e colocar na parede. Tenho um Barong e uma Rangda em casa, personagens de uma representação teatral sagrada que envolve comunidades inteiras de balineses num combate simbólico entre o bem e o mal. Só que li antes sobre tudo isso, e até sei o que eles querem dizer. Mas é enorme a quantidade de gente que foi lá, comprou mascarazinha do Barong e da Rangda e não tem a menor noção do que é aquilo, mas está na casa deles: é exótico... Se você vai para o Nordeste, você vai achar umas ceramicazinhas engraçadinhas, você vai comprar, com o mesmo espírito de quem vai para um lugar que não conhece. Para esse mundo urbano no qual a gente vive, para a elite, para a cultura erudita - a turma do “salto alto” da cultura erudita - esse mundo é tão estranho quanto Bali. Aliás, Bali é capaz de ser até mais conhecido, porque você vai fazer um bom surfe lá, mas você não vai para a feira de Caruaru, em Pernambuco: para quê, se é a troco de nada? Acho que existe esse mal entendido cultural de base, que tem a ver com o distanciamento, o desconhecimento, e que então exotiza, e valoriza porque é exótico. Bali é exótico. A cerâmica do Nordeste é “bonitinha”. Isso entra em toda aquela discussão anterior: é popular, é artesanato, não tem arte porque é artesanato. Isso se reflete na hora do mercado, você não escapa dessa relação de poder. Essa é a primeira coisa que diria em termos de cultura material. Pensando em mercado, eu diria: tem que se criar estratégia de valoração dessas coisas que são estranhas, “exóticas”, incompreensíveis ou “engraçadinhas”, “bonitinhas” da cultura popular e, sobretudo, coisas de que a pessoa não quer muito saber, porque isso é “do interior”, isso é coisa “popular”. O que a gente faz então?”

FOTOs: JOÃO CALDAS

Sobre cultura popular brasileira os conceitos são muitos e variados como afirma a antropóloga Maria Lucia Montes . Nessa área em que ela se especializou e sobre a qual escreve e pesquisa seu conhecimento e curiosidade sobre as culturas populares fazem com que se perceba a complexidade da formação da nação brasileira. A seguir um trecho da entrevista que ela concedeu a jornalista Thereza Dantas, para o e-Vento levantando a bola da Cultura Popular Brasileira. A conversa está disponível no Portal RAIZ e faz parte dos oito depoimentos sobre Cultura e Mercado que norteia a seção RAIZ da Questão.

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FOTO: sérgio sá leitão

. raiz da questão

Generoso século 21 O professor Ronaldo Lemos é o responsável pelo projeto Centro de Tecnologia e Sociedade – CTS, ligado à Fundação Getúlio Vargas que gere o Creative Commons no Brasil. A licença CC, criada pelo professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stanford, tem por objetivo expandir a quantidade de obras criativas disponíveis ao público, permitindo criar outras obras sobre elas, por meio de licenças jurídicas. Se criação gera atrito e atrito gera discussão vem pela frente muita polêmica pois segundo raciocínio de Ronaldo a s periferias globais estão se apropriando da tecnologia para produzir sistemas de produção cultural próprios e autônomos Mas se à primeira vista tudo parece correr na mais perfeita ordem tempos difíceis virão em nome da “segurança”. Esse embate, do novo conceito de economia do século 21 e do antigo conceito do século 20, está acontecendo agora, sob nossos pés. “A indústria cultural tradicional do século 20, é uma indústria que foi construída sobre o conceito de escassez. Por exemplo: o que faz com que um disco ou uma música possua um valor de mercado para ser comprado em uma loja? É o fato de aquele disco ser escasso, de que, se eu não comprar o disco na loja, não consigo comprar em nenhum outro lugar. Essa é a fonte do valor dentro da indústria tradicional do século 20. No século 21 isso muda completamente, porque esses bens deixam de ser escassos. Por exemplo: hoje, você compra a música na loja, ou baixa da Internet, ou compra no camelô. Há várias formas de se ter acesso àquele mesmo bem, graças à tecnologia digital. O valor econômico não é mais a escassez. É uma outra coisa que estamos descobrindo no século 21. Por exemplo, o valor econômico é dado hoje pelo que a gente chama de efeito de “rede” segundo avalia Ronaldo Lemos. Ele cita o modelo de negócio do Tecnobrega. ( ver matéria nessa edição) “Estamos em Belém do Pará numa pesquisa empírica de um ano em busca de aprender com algo que já está acontecendo na prática, quais as lições que o “tecnobrega” pode ensinar para a indústria musical do século 21. Várias das perguntas que estamos buscando para a reestruturação da indústria musical ou do cinema nesse novo século já podem ser encontradas. Há grandes contribuições que a gente pode buscar nas periferias não só do Brasil, mas também do mundo e que abrem possibilidades que a gente sequer pensava. Isso é uma das coisas que acho mais extraordinárias que está acontecendo hoje”. 26 RAIZ


A “cara brasileira” no mercado internacional O gestor do projeto “Goiás é Bom Demais!”, Décio Tavares Coutinho é um dos coordenadores do novo projeto Sebrae para a Cultura Brasileira. O Sebrae é uma instituição sem fins lucrativos coordenada por representantes da iniciativa privada e do setor público com o objetivo de estimular e promover entre outras coisas o fortalecimento das empresas de pequeno porte nos estados da Federação. A instituição só desenvolvia um trabalho com artesanato. Esse conceito está sendo reformulado. “O Sebrae não tem histórico de atuação dentro da cultura, é uma coisa nova dentro do sistema. Não temos tradição de atuação nessa área, então o que está acontecendo são iniciativas pontuais nos Estados. Em alguns de forma mais importante, outros menos. Em cima dessas atuações nós estamos tentando construir uma referência”, avalia. “A gente está num processo de maturação, de construção, porque essa história dentro do Sebrae é muito nova”. Essa iniciativa começou em 2001 com um projeto chamado “Cara Brasileira”, que basicamente consistiu numa pesquisa de como trabalhar a questão da brasilidade nos negócios. “Cada Estado baseado nessa pesquisa fez e está fazendo atuações. Alguns mais na economia da cultura, na música, no audiovisual, e outros com foco mais na cultura popular. Agora estamos tentando reunir essas experiências, e pegar experiências de fora também para tentar criar alguns eixos, algumas referências do que fazer e do que não fazer também”.

FOTO: Érico Hiller

Para Décio Tavares Coutinho, a instituição deve ter um papel mais importante e destacar cada vez mais a importância da cultura popular brasileira como forma de se diferenciar no mercado internacional. “Temos diversos exemplos de comunidades, como a Olhos d’Água, perto de Brasília. Lá foi feito um trabalho muito bacana e hoje eles estão em revistas, multinacionais, vendendo para empresas. Temos alguns produtos com a farinha, com o arroz, que já têm uma colocação no mercado. Existem algumas comunidades como a Cedro, em Minas Gerais, que trabalham com fitoterápicos, onde foi instalado um laboratório. E hoje o pessoal vende, fabrica e exporta também. Em alguns casos o Sebrae nem atua mais.”, conta. “O Sebrae começou, deu aquele empurrão, e hoje as pessoas caminham com as próprias pernas”, explica o administrador. Para ele é importante a intervenção para uma melhora no produto “cultura popular brasileira”. “Você vai hoje em algumas comunidades e você vê a farinha, sente o cheiro da mandioca, coisa que a gente não percebe mais nas grandes cidades. E você vê que pelo cheiro e pela cor a farinha é diferente. A pessoa serve na mão ou numa lata de óleo enferrujada. Você tem que tentar pegar aquela farinha e pôr num saco para que possibilite ao produtor ter uma colocação no mercado”. RAIZ 27


. mercado

tronco

MERCADO LIVRE

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às margens da grande indústria fonográfica, produtores independentes reinventam O produto cultural

FOTO: Eduardo Fals

por carlos minuano Largo de Pinheiros, ou da Batata para os mais íntimos, Zona Oeste de São Paulo. A confusão do trânsito mistura-se ao fluxo não menos caótico das pessoas que correm em todas as direções, quase sempre apressadas. O ‘quase’ se deve a algumas exceções. É o caso da banca de CDs e DVDs do Lucival, ou “Bahia” como é mais conhecido. Em torno dela, durante todo o dia, permanece um aglomerado de pessoas que se revezam na conversa à vontade, sem correria, ao som estridente de alguma banda de tecnobrega, forró, ou da mais nova moda que acaba de chegar da Bahia, a pegadinha. Igual a tantos outros, há cerca de 15 anos, Lucival da Silva deixou sua cidade natal, o pequeno município de Ribeira do Pombal, nordeste baiano, para tentar a sorte na “cidade grande”. Por aqui, trabalhou doze anos em uma empresa. Ao ser despedido decidiu ir “literalmente” pra rua e fazer dela seu ganha-pão. Há mais de três anos, com a ginga típica baiana dribla a fiscalização, atende uma clientela de dar inveja a qualquer loja de discos e ainda abastece outros vendedores da região. “Já cheguei a vender mil reais num dia só!”, revela com orgulho, o vendedor. RAIZ 29


.mercado

O modesto negócio é um exemplo de como o produto cultural está sendo reinventado nas ruas e periferias do Brasil e do Mundo. Enquanto as grandes gravadoras insistem em manter o velho formato e, invariavelmente, os mesmos artistas, evitando riscos a qualquer custo, Lucival, uma vez por ano, viaja por cidades do Norte e Nordeste, em busca de novidades. “Nesses lugares, faço contato com os artistas durante os shows e combino a gravação ao vivo, com meu equipamento, em áudio e vídeo”, explica o comerciante. O nível de informalidade pode sugerir tratar-se de uma atividade ilegal, a tal pirataria, alvo de freqüentes campanhas publicitárias. Mas por trás do pequeno comércio de Lucival, e de vários outros que se espalham por todo o país, no entanto, cresce um novo modelo de indústria cultural com uma força produtiva que chama a atenção: artistas trabalhando sem cessar, uma quantidade enorme de CDs e DVDs vendidos nas ruas, e o detalhe mais importante: a preços acessíveis para a população. Em alguns casos, Lucival conta que nem precisa gravar, pois ganha o material da banda, ou dos donos das aparelhagens, responsáveis pelo som que agita as festas paraenses de tecnobrega, a versão eletrônica da música brega tradicional na região. Dessa outra ponta da cadeia produtiva, em Belém do Pará, o DJ Beto Metralha confirma a informação do vendedor do largo da batata. “Quando os vendedores ambulantes nos procuram gravamos para eles ou deixamos eles gravarem”. Assim, segundo ele, um lançamento espalha-se e pode começar a fazer sucesso sem nenhum trabalho de publicidade. 30 RAIZ

FOTO: Eduardo Fals

artistas trabalhando sem cessar, uma quantidade enorme de cd's e dvd's vendido nas ruas, e o detalhe mais importante: a preços acessíveis para  a população


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. mercado

“NÃO TEMOS DINHEIRO PARA PAGAR JABÁ"

O fim do “jabá” Um dos mais famosos DJs paraenses, considerado o responsável pelo sucesso das festas de aparelhagens conhecidas como tecnoshow - devido ao capricho nos efeitos audiovisuais-, Beto Metralha explica que a produção totalmente independente - gravam em casa e vendem nos shows, obriga-lhes pensar novos caminhos para atingir o público. “Não temos dinheiro para pagar “jabá” para as rádios, colaboramos com os vendedores de rua e eles nos ajudam”. A parceria deu tão certo que acabou com o conhecido “jabá”, que é a execução de música em rádio ou TV por meio de pagamento do artista ou da gravadora. “A música toca nas festas e começa a fazer tanto sucesso que o público obriga as rádios a tocarem”, informa Metralha. No entanto, como as músicas são distribuídas em várias versões ele não ganha nada pela execução, e sim com as festas, o mesmo ocorre com as bandas, a maioria nunca teve contrato com uma gravadora. Apesar de ignorado pelo eixo “mainstream” Rio-São Paulo, o novo modelo movimenta milhões de reais e emprega milhares de pessoas. Iniciativas como esta ganharam o nome “mercado aberto”, ou “open business”. Uma fórmula criativa que equaciona informalidade com formalidade, gera empregos e amplia o acesso à cultura, tudo isso impulsionado pela contribuição fundamental das novas tecnologias. Para compreender como se organiza esse novo formato, a Fundação Getulio Vargas [FGV], em parceria com a Fipe e o site Overmundo, encabeçado pelo antropólogo Hermano Vianna, foram até o lugar onde emerge esse fenômeno: as periferias. A pesquisa mapeou mais de 20 casos de mercado aberto no Brasil, nas áreas de moda, literatura, mídia, cinema, software, outros 20 na América Latina - Argentina, México e Colômbia-, e ainda a indústria cinematográfica nigeriana. “Na maioria dos casos observamos que a tecnologia acabou com a necessidade de intermediação, gerando autonomia para os artistas”, conta Oona de Castro, da FGV, uma das coordenadoras do estudo. 32 RAIZ


"COLABORAMOS COM OS VENDEDORES DE RUA E ELES NOS AJUDAM”

Revolução do simples

FOTO: LÉO Burgos

“O que tá pegando no Nordeste agora é a pisadinha!”, revela Lucival. Ao que tudo indica, lá e aqui. Afinal, o dia ainda não havia terminado e todos os CDs que ele trouxe do novo ritmo, versão do forró tocado apenas com teclado, já haviam sido vendidos. Enquanto isso, no Norte, outra evolução faz-se notar, o cibertecnobrega. Segundo o DJ Ivan, um dos criadores do novo estilo, trata-se de uma variante simplificada do tecnobrega. “Nossos equipamentos resumem-se em teclado e computador”. Em ambos, uma marca fundamental: a necessidade de uma produção mais barata. Em todos os casos a presença da tecnologia digital é fundamental e os direitos autorais abertos tornaram-se a mola propulsora de uma revolução que a periferia parece não ter problemas em compreender. “Tipos diferenciados de licença, como o Creative Commons, [que permite a um artista liberar parte de seus direitos autorais], são novas formas de negócios, essas comunidades já entenderam isso”, ressalta Cláudio Prado, coordenador de políticas digitais do MinC. Para ele, a questão da legalidade, ou da ilegalidade, é transitória. “É preciso transgressão para haver avanço, no mundo digital as coisas acontecem antes que o sistema capitalista as enxergue”.

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. ensaios

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FREVO 100 AnOS SEM SAIR DA SOMBRInhA 34 RAIZ


POR RAUL LODy FOtOS PIERRE VERGER

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. ensaios

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QUERO IMBICAR NA RECA ABAFANÉTICA E VIVER MEIO AMOSTRADO, AFULEIMADO NESSA COISA ARRETADA QUE É O PASSO. SE AVEXE NA BACAFUSADA SE DERREINHANDO ENCANGADO NA ALEGRIA INFLUÍDO NA MASSA, COM MUNGANGA EM VUCO-VUCO E RUGI-RUGI VOU SENTINDO O FURDUNÇO, FREGE DA MULTIDÃO. ASSIM, ARAPUÁ, ACOCHADO, DESTABOCADO, MEIO CABREIRO DIGO: EITA! É O FREVO. GLOSSÁRIO PERNAMBUQUÊS ABAFANÉTICA OFEGANTE ACOCHADO DESTEMIDO AFULEIMADO EM ESTADO DE EXCITAÇÃO AMOSTRADO EXIBIDO ARAPUÁ CABELO ASSANHADO ARRETADA COISA BOA AVEXE SE APRESSE BACAFUSADA CONFUSÃO CABREIRO DESCONFIADO DERREINHADO APAIXONADO DESTABOCADO EXALTADO EITA SURPRESA ENCANGADO INSEPARÁVEL FREGE REBOLIÇO FURDUNÇO AGITAÇÃO IMBICAR MERGULHAR INFLUÍDO ANIMADO MUNGANGA JEITO RUGI-RUGI ESFREGA-ESFREGA RECA GRUPO DE PESSOAS QUE SEGUE UMA DIREÇÃO VUCO-VUCO EMPURRA-EMPURRA RAIZ 37


. ensaios o "frevo", é música, e o "passo", é a dança do frevo Os dois, juntos, coladinhos, ziguezagueando na tradição popular e fazendo suar de alegria mais de três gerações comemoram cem anos. Uma explosão fermentada por tantos caminhos e processos sociais, econômicos e políticos das classes trabalhadoras, herdeiras do ‘tipo cafuçu’ – trabalhador braçal – continuador dos ‘ofícios de canto’, geralmente exercidos por homens negros, afrodescendentes, que carregavam coisas, transportavam cargas, como se fossem mulas, e assim se expressaram pela linguagem do corpo, criando o ‘passo’ – conjunto de passos, maneiras de dançar o ‘frevo’. Das origens fala-se do final do século XIX, após o ato da assinatura da Lei Áurea (1888), quando a massa ex-escrava invadia e crescia nas cidades do Recife, Salvador, Rio de Janeiro. No Recife os ‘cabras de engenho’ – trabalhadores do eito, das moendas, das casas de purgar açúcar, de fazer rapadura, de fazer mel-de-engenho – também se adaptam às necessárias formas de sobreviver na cidade. É a continuação do trabalho físico, em que o corpo é a principal ferramenta. Corpo para trabalhar, corpo para identificar tipos etnossociais, corpo para se defender, capoeira; corpo para expressar fé religiosa, xangô; corpo para sempre criar, vadiar, brincar: corpo para viver a festa; largar, soltar o sentimento, ganhar as ruas, os cenários da cidade. Se há festa que seja a festa de todas as festas é o ‘carnaval’. Momento que permite romper as divisas da ordem e das hierarquias, dos símbolos dominantes, momento de trazer ao novo tempo que antecipa a exclusão do corpo, ‘quaresma’ para os católicos, e de viver intensamente a carne ‘carnavalis’ – quando quem manda é o corpo.No Recife, esses cenários social e urbano vão-se formando por meio das instituições populares: maracatu, pastoris, ‘bois’, terreiros de xangô, clubes e agremiações, espaços que se constroem com a capoeira, experiências do mundo masculino, destacando-se os ‘brabos’. Os ‘brabos’, capoeiristas que protegiam os ‘cordões’ dos clubes carnavalescos, quando seguravam as cordas que criavam os espaços dos fantasiados e dos conjuntos musicais, e, se necessário, para defender o grupo, faziam ‘aú’, ‘rabo-de-arraia’, ‘meia-lua’, ‘martelo’ e o que fosse preciso para os foliões ‘brincarem’ o carnaval. Os encontros com as identidades africanas e com os processos que constroem as identidades afrodescendentes vão-se fortalecendo, e o processo de ‘caldeira’ social explode com uma dança que é síntese e quentura de tacho de cobre com caldo de cana em temperatura que quase cozinha o corpo. É o passo. Dança masculina, forte, viril, para romper e dar voz à festa que já vivia nos ‘maracatus’ o espaço possível da afrodescendência. 38 RAIZ

Se há dança, há música, certamente. As bandas militares formadas, sobretudo por homens negros, muitos também ‘ogan ilú’ dos terreiros de xangô, se apropriam dos ‘metais’, instrumentos de sopro, e da percussão, tão próxima e conhecida com os ‘ilús’, ‘batás’ dos xangôs e ‘gonguês’, ‘bombos’ ou ‘faias’ dos maracatus. Juntam-se os mesmos elementos tão conhecidos, e explode na rua, como lembra Capiba, um dos mais importantes compositores de Pernambuco: “É uma dança que vai e vem. Que mexe com a gente. É o frevo, meu bem”. A orquestra (conjunto musical) foi feita para a rua, para o passo, que é dança itinerante. É dança de visitar, revisitar anualmente o Recife, movendo e comovendo sua população.

FREVENDO O CORPO O passo é dança pessoal – embora plasticamente exuberante, é intimista, pois o passista tem que exercer concentração e diálogo permanente com os sons das tubas, dos trombones de vara, dos trompetes, com as caixas, surda e clara. O sentimento de mexer, de pulsar imaginários regionais, sem dúvida dá ao ‘frevo’, enquanto realização musical, a capacidade de viver uma permanente explosão que faz ‘ferver’ multidões, ‘frevendo’ o corpo – talvez daí o nome ‘frevo’. ‘Frevo coqueiro’, para os sons agudíssimos da orquestra; ‘frevo ventania’, rápido, rapidíssimo, como se a multidão fosse arrastada no impulso do ar; e ‘frevo abafo’, que com a força do som quer abafar a orquestra próxima ou que é encontrada na rua; um desafio de quem toca mais alto; pura ‘arengação’. O frevo é também gênero que nasce do confronto com os ‘corsos’, cortejos de carros abertos em que a burguesia esbanjava confetes, serpentina e lança-perfumes – o povo assistia, e restava apenas aplaudir a alegria vitoriosa de alguns. Aí chega o ‘frevo’, que dá nó nas tripas, fura a sola do sapato, se precisar dá cotovelada, explode no sol de meio-dia numa quentura que derrete o quengo anunciando que a orquestra vai passar e com ela a multidão fervendo, as ‘fanfarras’, clarins . E de maneira cerimonial vão dizendo: agüenta, que a rua vai mexer! Mesmo que com o sol a pino. Viria daí a lendária sombrinha do frevo ? Certamente o evento da publicação original, no Jornal Pequeno, do Recife, em 9 de fevereiro de 1907, da palavra ‘frevo’, segundo os ‘frevólogos’, comove e promove celebrações justíssimas. Contudo, o ‘frevo’ é, além do centenário, muito mais antigo, mas o que importa é que é vivo, cresce e aparece cada vez mais. Fervente, incendiando, fazendo do corpo a expressão plena da alma pernambucana.


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NO RECIFE EM 12 DE FEVEREIRO DE 1947 UM DOS MAIORES FOTÓGRAFOS E HUMANISTAS QUE JÁ SENTOU PRAÇA NO BRASIL CLICOU E ASSIM VIU O NOSSO FREVO PIERRE VERGER E O FREVO Visitei igualmente o Recife onde fiz reportagens sobre os maracatus, que são grupos carnavalescos derivados da antiga instituição dos reis congos que os escravos estavam antigamente autorizados a eleger; sobre o frevo, uma dança semi-acrobática onde o samba se mescla com os pulos e os frenéticos sapateados, acompanhados de orquestras onde dominam os metais ao som estridente e entrecortado sobre os xangôs, nome dado às cerimônias semelhantes ao candomblé da Bahia. Verger, Pierre. 50 anos de fotografia. Salvador: Corrupio, 1982. p. 241.

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CAPIBA, A TEIMOSIA foto TERESA MAIA

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E se aqui estamos cantando essa canção Viemos defender a nossa tradição E dizer bem alto que a injustiça dói Nós somos madeira de lei que cupim não rói Esse é o trecho da composição “Madeira que cupim não rói” do mestre Capiba, de 1963. Um hino do povo pernambucano, tocado incessantemente no período do carnaval. Músico e compositor, Lourenço da Fonseca Barbosa, conhecido como Capiba, nasceu no município de Surubim, agreste pernambucano, em 28 de outubro de 1904. Capiba é um apelido que se dá aos teimosos no sertão nordestino. E o músico teimou na sua defesa em favor do Frevo. Autor de mais de 200 músicas; algumas são canções (Maria Betânia), sambas (A mesma Rosa Amarela), outras são maracatus (Verde Mar de Navegar), mas os frevos chegam a mais de cem composições. São frevos famosos como O Anel Que Tu Me Deste (1965); Cala a Boca Menino (1966); Europa França e Bahia (1968); Oh, Bela (1970); De Chapéu de Sol Aberto (1972) ou Frevo e Ciranda (1974). No dia 31 de dezembro de 1997, o povo pernambucano perdeu seu grande folião. No carnaval de 1988, o teimoso Capiba reaparecia em forma de boneco gigante pelas ruas de Olinda, defendendo a tradição do frevo subindo e descendo as ladeiras da cidade. RAIZ 43


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TUDO QUE é sólido, flutua no ar ensaio fotográfico de leonardo lepsch

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CONTRA A LUZ, A FAVOR DO SOL E DO VENTO,

a pipa desde sempre projeta remotas viagens nos meninos do Brasil, nos meninos do Rio de Janeiro. Leo Lepsch empinou sua câmera e empunhou suas pipas. Ou seria o contrário ? Fato é que projetou para nós em retrato em branco e preto um universo cheio de nuances que muitas vezes nos passa desapercebido. Essa a alma da boa fotografia. Fazer saltar aos olhos aquilo que está diante de nós mas não enxergamos.

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a trilha do açúcar

Civilização de engenho do Nordeste é resgatada em Mapeamento Cultural

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por valéria barros FOTOS Flávio Costa

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a cultura da cana de açúcar inspirou uma pesquisa em três estados do nordeste brasileiro

O Brasil participa de uma corrida importante no atual cenário internacional: a criação de novas formas de energia. Nessa “corrida”, o país contribuiu com bio-combustíveis criados a partir de plantas muito populares na cultura brasileira como a semente de mamona ou a já tradicionalíssima cultura da cana de açúcar. Se os bio-combustíveis ou renováveis têm como conceito utilizar as matérias primas dos elementos da natureza, não é de se estranhar que a cana de açucar venha novamente incrementar a economia do país. O agribusiness da cana de açucar vive seu momento alto na região sudeste, especificamente no estado de São Paulo, onde usinas são compradas a peso de ouro pelo capital internacional. Mas a história do Brasil é feita de melaço e é muito antiga essa relação. O Sebrae, o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas, iniciou um projeto de pesquisa em três estados nordestinos onde a cultura de Cana de Açucar deixou marcas profundas. Paraíba, Alagoas e Pernambuco tiveram o auge de seu agribusiness nos séculos 16 e 17, como explica a antropóloga Fátima Quintas, “é preciso entender que a Civilização do Açúcar se desenvolveu inicialmente em Igarassu, para depois atingir os Estados fronteiriços, como Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, em virtude da sua força econômica e social. Bom lembrar que, nos séculos XVI e XVII, Pernambuco foi o maior exportador de açúcar do mundo.” RAIZ 53


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Turismo cultural Essas marcas podem ser vistas até hoje na cultura da zona da mata, onde a monocultura se desenvolveu e onde hoje o Sebrae quer aproveitar para criar um pólo de turismo cultural. Ainda para a antropóloga e consultora do projeto A Civilização do Açucar, Fátima Quintas, “qualquer política de turismo deve aliar-se à História e à Cultura da comunidade, com vistas a não desvirtuar as suas origens, as suas crenças, os seus passados. Trabalhar o Turismo é trabalhar os elementos de pertencimento que envolvem o povo”. E o Sebrae desde 2003, com o auxílio da ELT Consultoria e da Fundação Gilberto Freyre, decidiu agregar valor ao turismo de sol e praia, produto tradicional da região Nordeste, possibilitando o aumento de fluxo turístico e interiorização da atividade. Iniciou um Mapeamento Cultural que na verdade é o levantamento de dados referentes a atividades, práticas, espaços, manifestações de grupos rurais ou urbanos, através de entrevistas conversas e reuniões com pessoas e movimentos culturais, cujas informações foram analisadas e interpretadas. O Sebrae acredita que o Brasil está, finalmente, curioso com as manifestações antes orientadas e presenciadas apenas por moradores dessa região. Com o apoio de empresas e firmando parcerias, o projeto Rotas Culturais de Turismo tem reavivado a cultura local de três estados do Nordeste – Pernambuco, Paraíba e Alagoas, que encontraram no açúcar sua fonte de sustento e história. Não se trata de um registro frio da realidade, mas de um levantamento das riquezas materiais e simbólicas, uma pesquisa qualitativa com o objetivo de obter dados sobre o consumo cultural de população local. Os profissionais do Sebrae, como os coordenadores Alexandre Ferreira e Isabel Cristina Barcellos, estão estruturando essa nova possibilidade econômica da região baseados na economia da experiência, onde os produtos, serviços e demais novidades tendem a ser adaptadas para as demandas provenientes dos desejos do coração e não mais para as demandas dos pensamentos racionais. O Sebrae acredita que na área do Turismo, isso se expressa pela promoção e venda de experiências únicas e emoções inigualáveis, rompendo-se assim as formas tradicionais de visitar e conhecer uma localidade. Neste sentido, a tendência será que o valor de mercado das experiências estará focado no componente emocional , em produtos e serviços com alto conteúdo cultural, alto conteúdo simbólico , porque em primeiro lugar virá a satisfação de nossos desejos, de nossas fantasias de consumo, com um elenco de serviços do lugar que promovem uma experiência memorável, fascinante, encantadora, inesquecível. 54 RAIZ


arquitetura típica do ciclo da cana de açúcar pode ser vista até na fachada da fundação gilberto freyre no bairro de apipucos, recife, onde o escritor viveu

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O AR COM CHEIRO DE MEL DA CANA A antropóloga Fátima Quintas é pesquisadora e diretora do Departamento de Antropologia da Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco. Está à frente de um Grupo de Trabalho que lida com questões ao redor do legado de Gilberto Freyre. A seguir uma entrevista exclusiva com a antropóloga que coordena o mapeamento cultural da Rota do Açucar. Fátima Quintas nos conta um pouco da história, do movimento e das novas perspectivas que o turismo pode trazer para essa região histórica e cheia de histórias do Brasil.

se que o livro não tem a menor pretensão de esgotar o assunto. Antes pelo contrário: o seu objetivo recai em conceitos que venham a sensibilizar os que lidam com o fenômeno do turismo, assinalando apenas o início de uma longa trajetória. Na qualidade de Documento-Base guarda as suas limitações e carece naturalmente de acréscimos e desdobramentos. A Ciência Social reivindica flexibilização e, principalmente, uma adequação entre a teoria e a práxis. Daí o movimento perene da História para a Antropologia ou vice-versa, o que vem demonstrar a necessidade de estender e aprofundar mais e mais os aspectos aderentes ao Complexo da Civilização do Açúcar.

Entrevista concedida a Thereza Dantas

Fale um pouco sobre a pesquisa que a Fundação Gilberto Freyre conduziu para o Sebrae e sobre o livro que os Srs. pretendem lançar em 2007. O livro é o resultado de uma longa pesquisa com foco na contextualização do Roteiro Integrado da Civilização do Açúcar, um procedimento de todo louvável do Sebrae, com o intuito de evitar possíveis equívocos na implementação do projeto. O entendimento de visões históricas e antropológicas ajudará a traçar conceitos próximos às representações da realidade. Para tanto, quatro Seminários foram realizados, abordando temas relevantes: Cultura, Patrimônio, Família Patriarcal, Gastronomia, Religiosidade, Moda e Presença Judaica em Pernambuco. Frise56 RAIZ

A Civilização do Açúcar compreende que região nordestina? Como se sabe, Duarte Coelho foi o primeiro donatário da capitania de Pernambuco. Em 1534, D. João III, Rei de Portugal, entregou-lhe a Carta Régia de Doação, concedendo-lhe o direito e usufruto da região que se estendia de Itamaracá à foz do rio São Francisco, na Serra da Canastra, atual Estado de Minas Gerais. Em outras palavras: a capitania de Pernambuco alargava-se desde as terras à margem esquerda do Rio São Francisco até à Paraíba, compreendendo uma ampla extensão territorial, que lhe vai sendo subtraída em razão das Revoluções Libertárias de Pernambuco, sobretudo as de 1817 e 1824. É preciso entender que a Civilização do Açúcar se desenvolveu inicialmente em Igarassu, para depois atingir os Estados fronteiriços, como


Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, em virtude da sua força econômica e social. O primeiro engenho de Pernambuco recebeu o nome de São Salvador, posteriormente conhecido como engenho Velho de Beberibe, edificado por Jerônimo de Albuquerque — cunhado de Duarte Coelho —, sob a invocação de Nossa Senhora da Ajuda, em lugar hoje denominado Forno da Cal. Bom lembrar que, nos séculos XVI e XVII, Pernambuco foi o maior exportador de açúcar do mundo. O que nos resta como sinais dessa cultura? A raiz da nossa cultura encontra-se nos imensos canaviais da Zona da Mata, que gerou um complexo sociológico pautado no monopólio do açúcar, na estrutura familiar patriarcal e no regime da escravidão. A mistura dos valores entre índios, brancos e negros se deu na cozinha, no copiar — alpendre —, na linguagem, nas superstições, nos rituais religiosos, nos “modos de homem e modas de mulher”, enfim, na plasticidade de uma cultura híbrida. O Nordeste acolheu e acolhe os ecos de um mundo “plantado” — a cana como alicerce — em bases diversificadas. Seria impossível afastar-se dessa dimensão, quando se deseja entender o todo da realidade nordestina. Como dizia Joaquim Nabuco: o ar de Pernambuco tem cheiro de mel. Mesmo com a globalização e com os avanços tecnológicos, o húmus do massapê, vermelho, escorregadio, “com modos de garanhão”, como afirma Gilberto Freyre, representa a História de todos nós, descendentes do “Império” açucareiro.

Quais os cuidados para uma política de turismo não destruir uma comunidade? Qualquer política de turismo deve aliar-se à História e à Cultura da comunidade, com vistas a não desvirtuar as suas origens, as suas crenças, os seus passados. Trabalhar o Turismo é trabalhar os elementos de pertencimento que envolvem o povo. Sem os traços que perfilam o ethos de um grupo será difícil sustentar políticas sólidas e consistentes. O Turismo está para a Antropologia, ou seja, para os costumes e sua gênese, assim como a Cultura está para a Vivência da comunidade. Um e outro se irmanam na contextualizaão da realidade, uma realidade plena de “vozes e falares” da memória coletiva. Reside, portanto, nessa contextualização a fonte do sucesso das políticas de turismo. Gilberto Freyre funciona como um cicerone intelectual desse mapaeamento cultural? Gilberto Freyre é o grande intérprete do Brasil patriarcal. Com a sua peculiar metodologia, apreendeu os segredos e os sussurros que medravam dentro do ambiente doméstico de um Brasil que germinou por entre unidades familiares. Entender a sua obra corresponde a adentrar nos bangüês mais autênticos de outrora e fisgar os sentimentos de uma ambiência que faz parte da nossa ancestralidade. O seu estudo torna-se imprescindível para desvelar os caminhos do ciclo do açúcar. RAIZ 57


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Empresários e produtores culturais participam desse adocicado turismo Civilização do Açúcar agrega valor Para isso o coordenador do Projeto Rotas Culturais, Alexandre Ferreira, explica o conceito do projeto, “identificamos, dentro do engenho, as manifestações artísticas que englobam a região e estimulamos esses pontos de cultura por meio do turismo”. Ele diz que a mobilização acontece, inicialmente, com empresários e produtores culturais dos municípios, momento em que o Sebrae promove cursos de capacitação a esses agentes da cultura. Assim a Civilização do Açúcar irá agregar valores culturais aos produtos e serviços oferecidos aos turistas em cerca de 20 cidades na região dos engenhos de açúcar, gerando um roteiro comum aos três estados com diferencial cultural. O público-alvo da iniciativa é composto por 200 empresas de segmentos de hotéis pousadas e restaurantes, além de 50 produtores culturais. “Queremos que os agentes econômicos dos locais entendam a importância da cultura para a sua região, não só para o desenvolvimento da economia, como também para o resgate das tradições”, afirma Alexandre. Engenhos de açúcar já são explorados turisticamente nos três estados, mas a idéia é transformar os equipamentos existentes em atrativos conceitualmente interligados, de acordo com a nova abordagem. “A nossa idéia é que o turista tome o café da manhã dentro dos engenhos e, pouco a pouco, conheça a realidade da cultura local”, conta Alexandre, que cita os doces, licores, cachaça e danças, como o maracatu e o cavalo marinho, como parte do acervo cultural da região de engenhos. Para viabilizar a iniciativa prefeituras dos três estados estão firmando parcerias com o Sebrae, com representantes da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH) e Convention Bureau. 58 RAIZ


Serviço Rota da Civilização do Açucar. A seguir algumas localidades para quem quiser conhecer a região da Civilização do Açucar:

Paraíba Agência de Receptivo Mais Brasil Turismo Av. Epitácio Pessoa 3280 - sala 104 - João Pessoa - PB Informações: (83) 3224.3050 Contato: Isaac Batista - (83) 8866.2251 e-mail: isaacfbatista@hotamil.com maisbrasilturismo@gmail.com Restaurante Banguê - Rural Engenho Lagoa Verde - Alagoa Grande - PB Contato: Vicente Lemos - (83) 9982.2917/9982.0407 e-mail: vicente@cachacavolupia.com.br www.cachacavolupia.com.br Pousada Sítio Sabiá - Rural Endereço: Sítio Sabiá - Alagoa Nova - PB Contato: Kaká Azevedo - (83) 9309.8261/3503.1025/3321.4182 e-mail: kaka_sabia@hotmail.com

Pernambuco Hospedagem Engenho Cueirinhas Localizado a 70km do Recife, no município de Nazaré da Mata - PE Informações: (81)9948.1586 / 9617.4969 e-mail: engenhocueirinhas@yahoo.com.br www.engenhocueirinhas.com.br Contato: Romulo ou Nara Passeios Turísticos Martur Viagens e Turismo Ltda. Rua Dr. Nilo Dornelas Câmara 90, Lj 02 Boa Viagem - Recife -PE Informações: (81) 3463.3636 / 8815.4481 e-mail: marta@martur.com.br Contato: Marta ou Marcos Restaurante Parraxaxá Rua Baltazar Pereira 32 1ºJardim - Boa Viagem - Recife - PE Informações: (81) 3325.1875 e-mail: parraxaxa@parraxaxa.com.br www.parraxaxa.com.br Contato: Bruno Catão RAIZ 59


. sons

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Cururu O Duelo Musical por fรกbio rayel fotos yves tadeu

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. sons zĂŠ narciso, na foto maior, ĂŠ um dos representantes mais antigos do cururu

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O Cururu é o desafio trovado ao som da viola caipira O Cururu normalmente começa devagar e sem muita polêmica. Os cantadores se apresentam, fazem saudações, falam sobre a roça e a cultura caipira em geral, mas tem sempre um que dá a primeira alfinetada. No caso, Cido Garoto inaugura o certame:

Zé Narciso, Cido Garoto, Dito Carrara e Andinho estão prontos para duelar no palco do clube Barcelona e propiciar ao público uma festa de Cururu. É domingo, fim-de-tarde no bairro pobre da cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, e o futebol com churrasco e pagode - cujo som ensurdecedor sai de um porta-malas - darão vez a apresentação musical do Cururu, feita por estes senhores. Enquanto isso, na quadra de bocha ao lado, outros senhores estão comprometidos com o esporte, até que um deles avisa que o duelo de Cururu vai começar. Mas que duelo é esse que não é repente nordestino e muito menos briga de mc’s? O Cururu é o desafio trovoado ao som da viola caipira. Os cantadores criam rimas e os objetivos são dos mais diversos, desde louvar a folha (bíblia) até chamar o adversário de corno chifrudo. “É como se fossem dois advogados, cada um defendendo a sua tese”, esclarece Cido que diz que o importante é ser criativo e fazer o público se divertir ou se emocionar. Pois bem, os quatro cururueiros estão a postos. Em comum carregam um dom: a arte do improviso. Zé Narciso de 82 anos é o mais velho. Ele tem dificuldades para andar, herança do trabalho pesado na roça. Mas nada que o impeça de cantar. Respeitado pelos seus oponentes, todos sabem que o senhor negro, alto e forte é o símbolo da resistência do Cururu. Ele fará dupla com Dito Carrara, de 63 anos, outro cururueiro de peso, famoso pelo seu estilo ao modo antigo, quando o Cururu era mais religioso. Eloqüente, Dito proclama versos da bíblia como se discursa num comício político. Faz as pessoas se emocionarem. Eles têm como adversários Cido Garoto, 64, sempre com a língua afiada e o jovem Andinho de 31 anos, o caçula do Cururu, que também não costuma dar mole pros mais velhos. Por trás dos cantadores está a banda composta pelo violeiro Abílio Rosa e o pandeirista Paulete, que normalmente ficam 3 horas tocando sem parar enquanto os cantadores revezam o microfone. Zé Narciso é o primeiro a subir no palco, ele se posiciona pra cantar, pede o tom para o violeiro e eis que ocorre um incidente: Zé fica travado e começa bater com a mão no peito. Ele acabara de apagar um cigarro aceso no bolso da camisa. Logo, todos caem em gargalhadas! Com certeza isso será motivo de chacotas para o resto da noite.

Neste mundo tudo vira Tive prestando cuidado Nuvem negra vira chuva Quando o tempo ta Nublado Acho que o Dito Carrara Deve tá virando viado Pois ja contaro pra mim Que pra ele faze xixi Costuma fica agachado Eu não quis acreditá Comecei sondá o marvado Quando ele foi uriná Eu fui atrais desfarçado Eu vi ele agachá E fiquei admirado Eu pensava que era macho Mas quando eu oiei por baixo Não vi nada pindurado! Logo o público fica atiçado querendo ver sangue de cururueiro escorrendo pelo chão! E aí vem a réplica de Carrara: O Cido foi me sondá Que caboclo desbocado Ele viu eu agachá Só que chegou atrasado Disse que oiô por baxo Não viu nada pindurado Vou conta presta moçada Ele não enxergô nada Por que eu já tinha guardado ! Esse tar Cido Garoto É um sujeito malcriado Ele vive me sondando No lugar que eu tenho andado Um homi que sonda outro Deixa a gente descunfiado Eu ja tive reparano Ele vive me sondano Gosta de me vê pelado RAIZ 63


. sons Muito prazer, esse é o duelo de Cururu. Dito Carrara entrou na brincadeira, mas ele por ser mais religioso não gosta muito de que tirem sarro dele. Mas, não gostar da brincadeira faz parte do espetáculo. Aliás, esse é o grande dilema do Cururu, pois normalmente o público mais velho gosta mais do Cururu antigo, religioso, palavrear florido e poético, enquanto a molecada adora ver o circo pegar fogo. “Eu sinto saudade do verdadeiro Cururu, era bonito de se ver, arrancava lágrimas dos olhos”, diz Antônio Tomé de 80 anos, que assiste Cururu desde garoto. “Já a garotada gosta mesmo é de por lenha na fogueira”, diz Cido Garoto que por ser o organizador dos eventos de Cururu na região, sempre está atento ao público.

A origem Existem muitas versões sobre a origem do Cururu. Uma delas é que os bandeirantes trouxeram quando exploraram o interior do Estado de São Paulo pelo rio Tietê. E por isso o Cururu só existe na região do médio Tietê que abrange as cidades da região de Sorocaba, Cerquilho, Laranjal Paulista, Piracicaba, Botucatu, entre outras. No início ele era apenas religioso e muito provável que os jesuítas já estavam usando-o para catequizar os índios. E como era sagrado, o Cururu era cantado principalmente nas festas religiosas e daí surge uma versão de quando ele passou a ser improvisado. Cido Garoto, autor do livro “Cururu – Retratos de uma Tradição” relembra a entrevista que fez com Nhô Zé, rezador de terço e benzedor, que diz que foi durante a Festa do Divino : (...) "Ói, moço, pelo que vi contá nas minhas rezadas por aí, é que naquele tempo a gente guardava o Divino como se fosse defunto, a noite inteira. E era durante o pouso do Divino, depois da louvação à imagem, o canto dos hinos e agradecimentos aos festeiros donos da casa, e a irmandade cansada das caminhada, pois transportava a imagem tudo a pé - andava de vinte a trinta quilômetro às “veis” para chegar de uma casa noutra - ia se deitar pelos terreiro ou varanda da casa, com suas cobertas que eles mesmo carregava em suas muchilas. Daí ficava na sala só os rezador e vizinhos que continuava a cantar os hino em frente do altar para passar o tempo. Os hino que mais cantava era louvor a Nossa Senhora Aparecida pois era o que mais tinha. Só que iam cantando e repetindo hinos, muitas horas, que chegava um ponto que ficava injuativo repetir tantas veis o mesmo hino, tantas repetição que algum deles começava a mudar a letra dos hinos, tipo paródia, e o resto do pessoal quando gostava aplaudia. Daí começô o interesse pelo improviso, tanto que nem os hinos tradicionais não se cantava mais, e daí foi surgindo os melhores repentistas rezadores que eram sempre procurados pelos festeros para participar do pouso do Divino. E o cururu foi mudano, foi mudano e tá mudano" (...) Outra versão de Cido, baseada na entrevista que fez com Zico Moreira, respeitável cururueiro da cidade de Conchas, é a de que foram os próprios bandeirantes que inventaram : (...) Os bandeirantes utilizavam o canto de improviso para louvar os santos e pedir o sucesso da bandeira. Posteriormente, quando um cantador louvasse o santo de forma equivocada, outro canta64 RAIZ

dor, também repentista, o advertia de seu erro, cantando um verso para chamar-lhe a atenção. O repreendido, por sua vez, respondia, também em versos cantados, a sua defesa. Dessa defesa surgiu, depois, o desafio cantado do cururu (...)

Nos bastidores Nos bastidores dos eventos de Cururu estão duas pessoas que se responsabilizam e se empenham muito em fazer o papel da produção geral dos cururueiros: Miltinho Preá e Dona Bentinha. Ele com 55 anos e ela com 59 esbanjam pique para resolver os assuntos mais diversos: agenda de shows, comida e bebida para os músicos, aluguel da Kombi, som, divulgação, negociar o cachê e ainda sobra tempo para estimular os músicos a cantarem região afora. O empresário Miltinho faz questão de mostrar o escritório multiuso, situado no próprio clube, lugar onde ele improvisa um espaço para a administração do clã, junto ao depósito de bebidas e materiais de construção. Sorridente, Miltinho se orgulha ao falar de sua luta pelo Cururu. “Se não é a gente que faz quem vai fazer?”, diz o simpático empresário. Já Dona Bentinha, apresentadora dos shows do cururueiros, diz que faz tudo isso porque tem muito amor pela tradição. “O Cururu esta no nosso sangue e o carinho do público nos motiva a continuar”, termina a apresentadora.

O fim O Cururu foi cantado na rádio pela primeira vez em 1910 por Cornélio Pires, um dos principais folcloristas brasileiros. Na década de 50 e 60 teve o seu auge na região de Sorocaba, época em que muitos cururueiros cantavam nas rádios da cidade. Hoje, infelizmente o Cururu não tem muito espaço na mídia, mas mesmo assim ele consegue driblar os caminhos difíceis , principalmente pela boa vontade de pessoas como Cido Garoto, cururueiro e autor do livro “Cururu – Retratos de uma Tradição”, uma espécie de enciclopédia sobre o tema, no qual ele fez um levantamento de todos os cururueiros vivos e falecidos da região. “Infelizmente acho que o Cururu é como um animal em extinção. Pela matemática, todos os cururueiros já têm mais de 60 anos, e morrem uma média de 4 ou 5 por ano, e em seis anos surgiram apenas 3 cantadores jovens; dai é só fazer a conta”, afirma. Mas, por outro lado, ele diz que estão surgindo iniciativas de escolas e faculdades afim de propagar o Cururu. Quem incentiva a sobrevivência do Cururu é a prefeitura vizinha de Votorantim que os contrata uma vez por mês, pagando o cachê aos integrantes, e ainda arrumam condução quando o show é fora. “Estamos gratos a eles”, diz Cido. “A gente luta por gostar, e tem vários amigos que também lutam e os que não lutam incentivam a gente”, termina o missionário do Cururu. Ele foi lavrador até aos 14 anos, tintureiro, fiandeiro em fabrica de tecidos, motorista de caminhão , táxi e hoje está aposentado, e além de cantar, trabalha vendendo pinga aos amigos. Difícil saber se o Cururu vai ou nem ter o seu fim. O mais bonito é descobrir que existem pessoas como Cido Garoto, Dito Carrara, Dona Bentinha, Zé Narciso, Andinho, Miltinho e muitos outros cururueiros e simpatizantes do Cururu que lutam diariamente para que ele sobreviva, prospere e continue com o seu lugar ao sol. Serviço: e-mail: cidogaroto@yahoo.com.br


Andinho, o caçula do Cururu

Andinho, o bad boy do Cururu

Andinho com 31 anos é o caçula do Cururu. Mas o que o destoa de todos os seus companheiros de mais de 60 anos não é apenas a idade e sim o visual. Todo tatuado, um piercing no nariz e cabelo raspado, lembrança do tempo em que cantava numa banda de Heavy Metal. “Nós fazíamos covers de Slayers, Sepultura e tudo que era pancadaria”, diz. Mas, quando seu avô lhe mostrou uma fita antiga de Cururu ele ficou eufórico. Encantado com a habilidade dos cururueiros Andinho começou a arriscar uns versos no chuveiro. Quando chegou pela primeira vez para assistir um show de Cururu o estranhamento foi de cara. “Que cê ta procurando aqui rapaiz?” disse um Cururueiro pra ele. Andinho teve que explicar durante um bom tempo que queria simplesmente assistir um show de cururu. “Só quando disse que gostava de Zico Moreira é que o pessoal me deixou entrar na brincadeira”, diz Andinho. Um dia faltou um cururueiro e ele de tanto insistir conseguiu entrar na roda. No final, acabou sendo o vencedor da batalha. Hoje, ele está “firme e forte” no cururu e graças ao seu piercing e a tatuagem acabou ficando famoso por toda a região. “Eles ficam caçoando do meu estilo, mas eu só tiro o piercing no dia em que for derrotado na rima” provoca.

No clube Barcelona, Zé Narciso aproveita pra tocar no seu ponto fraco: E esse tal de Andinho Um sujeitinho exibido Vive usando brinquinho Dando uma de metido Percebi o que ele é Queria nascê muié Nasceu meio dividido Dona Bentinha e seu cão de estimação

Mas, Andinho já tem a resposta na ponta da língua: Esse tal Zé Narciso Tá ficano intrometido Eu uso brinco na oreia Por que eu acho divertido Ele tambem vive usando Quer da uma de sabido Minha gente não confunda Ele usa atrais da bunda Num lugá bem escondido Desavenças à parte, Andinho, por ser um dos únicos jovens a cantar é a esperança do grupo pra levar a chama do cururu adiante.

O empresário Miltinho no seu escritório RAIZ 65


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O OFÍCIO QUE SE TRANSFORMA EM ARTE, A ARTE QUE SE CONVERTE EM OFÍCIO por renata lobato FOTOs: Miguel Aun

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a arte do ofício e o ofício dA ARTE

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O qUE EStAVA nOS qUIntAIS tAMBÉM DEVERIA SER PRESERVADO

Há praticamente um ano e três meses o Museu de artes e ofícios (Mao), belo Horizonte (Mg), trabalha a partir desta lógica .Essa história se inicia com o engenheiro Flávio gutierrez, que pelas suas andanças pelo interior brasileiro, resgatava os instrumentos de trabalho abandonados nas fazendas. “Meu pai me dizia que aquilo que era guardado dentro das casas – os santos, os oratórios - estava protegido pelas famílias, mas que o que estava nos quintais, também deveria ser preservado. Mal sabia ele que, com esta iniciativa, dava partida ao que se tornaria o primeiro museu desta qualidade no país” relembra angela gutierrez, colecionadora e fundadora do Mao, que herdou o gosto pelo colecionismo por acompanhar o pai desde pequena dando continuidade à sua coleção.

ao todo, são 2.147 PEças, rEuNidas EM 27 catEgorias E 14 ÁrEas tEMÁticas QuE Vão do PEríodo PrÉ-iNdustrial do sÉc. XViii ao iNício do XX a opção por esta época não se dá só pelo acervo guardado por ângela, mas também porque são peças que contam a história de um tempo em que o homem respondia por todo o processo de produção do trabalho, da confecção do seu instrumento ao produto final. os objetos foram organizados a partir da museografia do experiente Pierre catel (Musée National des arts et traditions Populaires, Museu do oratório em Mg, entre outros). o museógrafo trazia em mente a idéia de “um grande palácio popular no centro da capital mineira. um lugar que pudesse se aproximar do um milhão de usuários da estação onde foi construído, mostrando a eles a qualidade do trabalho do povo brasileiro”. as peças são acompanhadas de multimídias que mostram os seus contextos no passado e no presente. responsável pela museologia do Mao, célia corsino, conta que “a representação dos ofícios não se dá por sua encenação, procuramos criar o seu ambiente, com o vestuário, os instrumentos do trabalhador, mas permitindo que o visitante o preencha com sua emoção”, explica célia. como toda capital, belo Horizonte recebeu um êxodo rural intenso. Na cidade grande, o homem do campo sentia que o trabalho que desempenhava era menor, porque manual. Hoje,

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quando estas pessoas chegam ao museu e vêem objetos que faziam parte do seu cotidiano, reconhecem a importância de seu ofício, alçando-o a outro patamar. Quem relata a transformação é Helena Mourão, coordenadora do Educativo do MAO, que ainda destaca a importância da troca entre os que viveram aquela história e os mais jovens. “Eles chegam aqui e começam a encenar o trabalho que desempenhavam. As peças parecem provocar esta memória. Quem não a possui, poderia se restringir a um olhar estético para os objetos, mas o que acontece, é que eles ouvem a narrativa, e acabam enriquecendo a experiência estética com ela.” A visão de museu como o lugar onde se deposita a história se perde no MAO. Pensando num conceito de museu vivo, o espaço também traz um diálogo com a arte a partir do ofício do artista. Além de exposições temporárias onde se têm palestras sobre o processo desenvolvido pelo artista, o museu investe em projetos como o Ofício da Palavra e o Ofício da Música, em que o público pode conhecer o trabalho de escritores e músicos. O artista, neste sentido, perde o lugar do mito vendo o seu ofício como os demais, a arte se transforma em ofício. Projeto de vanguarda, o MAO é um museu do homem através do seu instrumento de trabalho. Num tempo em que cada vez mais o trabalho está ligado a sua primeira origem, objeto de tortura (do lat. tripulium), ele se torna a lembrança do prazer do ofício, da arte de trabalhar.

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Museu de Artes e Ofícios Praça Rui Barbosa, s/n, Centro - Belo Horizonte- MG Tel: 55 [31] 3248 8600 - www.mao.com.br

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FOTOS: Divulgação/Museu Artes e Ofícios

1. Roca: Século XX 2. Estribos de Prata: Século XIX 3. Ferro de Passar à brasa: Século XIX 4. Tambores para curtir couro: Século XIX 5. Prensa de mesa do século XVIII 6. Fogareiro de barro: Século XX

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o potencial da cultura

empresas descobrem as vantagens de investir nesse segmento Por Sérgio Sá Leitão FOTOS VALMIR SANTOS

O BNDES aprovou recentemente um financiamento de R$ 7 milhões para a construção em São Paulo de um complexo de estúdios e serviços dedicados à produção de filmes, comerciais, séries de televisão e outros conteúdos audiovisuais. Trata-se de um “Projac” das produtoras independentes, com tudo o que é necessário para a realização de uma filmagem, incluindo câmeras, lentes, equipamentos de luz e som, camarins, gruas e trilhos, alimentação, marcenaria, escritórios e companhia. A responsável pelo projeto, que deve ser inaugurado ainda em setembro de 2007, é a Quanta, uma das principais empresas do segmento de infra-estrutura de produção da indústria brasileira do audiovisual, com mais de três décadas de atuação. Alem da geração direta de dezenas de empregos especializados, espera-se que a iniciativa tenha outras conseqüências importantes, como o aumento da qualidade e a redução do prazo médio e dos custos das produções realizadas nas novas instalações. O empreendimento fica na Vila Leopoldina, epicentro de uma região que, após anos de esvaziamento econômico, começa a transformar-se na Hollywood de São Paulo, reunindo diversas empresas relacionadas à economia da cultura. Pode-se encontrar hoje no bairro diversas produtoras de audiovisual e de eventos, agências de propaganda, escritórios de design e de fotografia. Os velhos galpões são reformados e passam aos poucos a abrigar espaços marcados pela tecnologia de ponta. Em breve, a Vila Leopoldina receberá a nova sede da Academia de Filmes, uma das maiores produtoras de comerciais do país, que recentemente passou a fazer longas, documentários, séries de televisão e conteúdos para novos meios audiovisuais. O projeto da Quanta e os demais empreendimentos localizados na Vila Leopoldina são indícios do crescimento da economia da

cultura no Brasil, um fenômeno que o BNDES e o Ministério da Cultura não apenas constataram, mas decidiram estimular. Em 2005, o MinC formulou as bases do seu Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Economia da Cultura, que a partir de 2006 passou a integrar o Plano Plurianual da instituição e ganhou recursos próprios, além de recursos oriundos do PNUD e do BID. Entre as ações do Prodec, destaca-se o apoio aos Programas de Exportação de Música, Cinema e Produção Independente de TV, realizados em parceria com a Apex, o Sebrae e entidades setoriais, e a realização da Feira Música Brasil, em Recife. O BNDES, por sua vez, criou em julho de 2006, em estreito diálogo com o MinC, o seu Departamento de Economia da Cultura; e lançou, em novembro do mesmo ano, o Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual, orçado em R$ 175 milhões. O Procult reúne linhas de financiamento para empresas dos segmentos de produção, comercialização, exibição e infra-estrutura. O patamar para operações diretas é R$ 1 milhão; e os juros variam entre 1,8% a 3,8% ao ano + TJLP (hoje em 6,5% ao ano). Alguns meses depois de sua criação, o Decult apresenta um desempenho significativo. Além do financiamento ao projeto da Quanta, há duas operações em vias de aprovação, ambas relativas ao setor de exibição de cinema, e outras 20 em curso. A performance inicial do Decult indica que o BNDES acertou ao apostar no potencial de expansão do setor e tomar medidas relativamente ousadas, como a criação de um departamento próprio e a adaptação de regras gerais a peculiaridades deste mercado.O objetivo central do BNDES é fazer com que as pequenas, médias e grandes empresas do setor cultural usem seus mecanismos de estímulo ao crescimento, que já funcionam em outros setores da economia brasileira, com excelentes resultados. Refiro-me a quatro mecanismos básicos: crédito de longo RAIZ 71


. políticas prazo a juros baixos, participação no capital de empresas, investimentos de risco através de fundos e crédito de curto e médio prazo para aquisição de bens de produção (Cartão BNDES). A tarefa não é simples, pois se trata de uma iniciativa nova, tanto para o BNDES quanto para as empresas-alvo; e o setor, embora emergente, ainda apresenta um grau baixo de capacitação e produtividade; e elevada dependência de incentivos fiscais. Como se sabe, a atuação do poder público na área da cultura baseou-se, historicamente, num sistema de financiamento público que destina recursos não-reembolsáveis, oriundos do Orçamento ou de renúncia fiscal, a projetos culturais. Este sistema mostrou-se adequado para viabilizar uma parte da nossa produção cultural, mas insuficiente para estimular de modo sustentável o desenvolvimento das indústrias culturais brasileiras (e também a necessária expansão do consumo). Para enfrentar o desafio de trabalhar com a economia da cultura, e não apenas com patrocínio, o BNDES precisou primeiro desenvolver massa crítica interna; depois, teve de adaptar suas regras e prospectar novos negócios, com uma postura ativa. Agora, além dos programas e ações do MinC, das leis de incentivo e de outras fontes tradicionais de recursos, as empresas brasileiras que lidam com bens e serviços culturais podem contar com o BNDES para expandir e dinamizar seus negócios. O Decult está avaliando diversas operações de crédito no âmbito do Procult, pode investir em novos fundos dedicados à indústria do audiovisual, a exemplo do que fez no Funcine RB 1, da Rio Bravo, e estimula o uso (e a adequação) do Cartão BNDES. Sua próxima tarefa será a formulação de um programa para a cadeia produtiva da música, com a mesma meta do audiovisual: ajudar a expansão das empresas do setor, elevando sua capacidade de gerar renda, emprego qualificado e inclusão ao consumo. Este compromisso do BNDES (e do MinC) com o crescimento e a diversificação da economia da cultura no Brasil nasce da percepção de que a produção, a difusão e o consumo de bens e serviços culturais são estratégicos para o desenvolvimento do país. A sociedade brasileira manifesta uma óbvia vocação para a cultura. Poucos países apresentam um conjunto de expressões culturais tão amplo, diverso e intenso quanto o que se verifica aqui. Trata-se de um diferencial competitivo do Brasil. Este diferencial pode (e deve) ser devidamente explorado, já que as atividades econômicas ligadas à cultura formam, nos dias atuais, o setor da economia que mais cresce, gera renda e emprego, exporta e impacta outras áreas; e melhor remunera. Trata-se ainda de um setor que lida com matérias primas inesgotáveis (e abundantes no Brasil): valores, talento, capacidade de transformação e criatividade. E meios cada vez mais rápidos, baratos, diversificados e acessíveis, graças às novas tecnologias. A economia da cultura já é responsável por 5% dos empregos no país, segundo o Ipea. Seu impacto no PIB ainda não foi devidamente mensurado, mas não deve ser inferior ao que se encontra hoje na Europa (3%), nos EUA (5%) e no Canadá (6%).Há um vasto potencial de crescimento interno e de internacionalização, que as primeiras operações do BNDES no setor evidenciam. O Brasil está diante de uma oportunidade. A cultura pode ser um novo front de desenvolvimento. Vamos encarar? 72 RAIZ


Vale-cultura Empresas privadas utilizam a arte para chamar a atenção dos consumidores Cultura Pass é uma inovação em incentivo à cultura. Uma espécie de ingresso para a inclusão cultural, porque estimula o público a ir onde o artista está, ampliando o acesso ao cinema, teatro, shows, museus e espetáculos, e a aquisição de livros e outras formas de expressão e arte. O interessante dessa iniciativa de uma empresa privada é que o Cultura Pass pretende, a pedido do empresário, fomentar a cultura através das escolhas individuais dos trabalhadores nas suas horas de lazer. “O empresário brasileiro pediu e nós criamos o Cultura Pass”, afirma Geraldo França, diretor geral da Sodexho, empresa ligada a cheques e cartões de serviços para os trabalhadores. Inédito no país, primeira experiência na América Latina, o produto funciona nos moldes dos benefícios de alimentação, mas destinado exclusivamente à compra de ingressos para cinema, teatro, shows, museus, aquisição de livros, CD's, DVD's e outras formas de expressão artística. O Cultura Pass chegará aos funcionários das empresas na forma de um pequeno talão de cheques com cinco folhas apresentando o valor facial de R$ 7,00 cada uma. No total, corresponderá a R$ 35,00 – 10% do salário mínimo - que poderão ser utilizados na rede de estabelecimentos culturais credenciados pela Sodexho, que inclui livrarias, teatros, museus, cinemas, circos, zoológicos, exposições de arte, casas de shows e espetáculos.

do Sul, e mantém um importante trabalho de divulgação dos artistas do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, através do projeto Viva o Vale!

Cultura sem perfumaria

De acordo com o presidente da Avon Brasil, Luis Felipe Miranda, a empresa busca, principalmente, premiar iniciativas que sejam transformadoras da realidade social, que impactem localmente, proponham mobilização, fortaleçam a participação social e apontem novos olhares . “Acreditamos no poder da realização e da articulação em redes sociais e nos projetos que se pautem pela construção de uma sociedade regida pelos princípios da não-violência, no respeito à diversidade cultural, na construção de alternativas econômicas solidárias e sustentáveis”, ressalta Miranda. Para Cida Medeiros, coordenadora de comunicação institucional da Avon, iniciativas da empresa como esse Prêmio Avon fazem parte de uma metodologia de investimento cultural privado, “mais centrado em formas de fazer e pensar que representem mudanças de mentalidade, do que em vantagens promocionais ou produtos acabados. E também porque está alinhado com a política cultural atual do país, que, entendendo a cultura como diversidade e transversalidades, é por si só de vanguarda”.

A multinacional de cosméticos Avon Brasil lançou no mês de junho em São Paulo, o primeiro prêmio brasileiro de fomento cultural voltado à valorização da vida com foco simultâneo em desenvolvimento humano, trabalho e Cultura de Paz. Trata-se do Prêmio Avon Cultura de Vida, cuja finalidade é apoiar a realização de projetos e iniciativas de caráter cultural, que atuem em áreas ligadas às artes cênicas, audiovisual, música, artes visuais e patrimônio cultural imaterial, totalizando investimentos de R$ 2 milhões. Mas o Prêmio Avon Cultura de Vida não é a primeira incursão da empresa nessa área. Segundo a coordenadora de Comunicação Institucional da Avon Brasil, Cida Medeiros, “a Avon já realizou diferentes incursões na área cultural, com apoio a projetos distintos”. O Circuito Avon de Cinema, resultado de uma parceria entre a empresa a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult) ofereceu sessões de filmes brasileiros em 31 cidades do Ceará e 28 bairros de Fortaleza em 2006. Nesse mesmo ano apoiou o Dança Alegre Alegrete, no Rio Grande

Refinados funcionários Para a Sodexho, o Cultura Pass é um instrumento de inclusão cultural. “Numa ponta, o produto vai beneficiar aquelas pessoas que não têm acesso à cultura porque este item nem sempre cabe no seu orçamento. Na outra, também permitirá acesso a um circuito cultural de porte mais limitado”, avalia o diretor geral da Sodexho. Quem vai investir neste benefício são as empresas que acreditam que cultura, além de ser uma questão de cidadania, contribui para estimular a criatividade, a sensibilidade, o conhecimento geral, o desenvolvimento pessoal e profissional. Como retorno, terão o aprimoramento dos funcionários e a possibilidade de contar com equipes de trabalho com mais informação e melhor preparadas para os desafios cotidianos dos seus negócios. “Esse modelo de serviço já é oferecido na França, Inglaterra e Alemanha, mas há um ano os empresários brasileiros vêm nos cobrando algo parecido para seus funcionários”, diz Geraldo França.

Revendedoras da Cultura

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giuseppe baccaro o homem que poliu a arte popular 74 RAIZ


FOTO: Roberto Pereira

por roberto rugiero Giuseppe Baccaro foi uma referência no universo artístico brasileiro nas décadas de 60, 70 e meados de 80, período em que esteve mais ativo. O italiano que nasceu em 1930 em Molisse, nos Abruzzi, e em 1956 chega no Brasil, promoveu os leilões e exposições que amplificaram o interesse pela setor e arregimentaram um público que até hoje impressiona. Descobriu novos valores e incentivou a carreira de inúmeros artistas. Trabalhou com os grandes mestres e os criadores mais humildes e desconhecidos, sem distinção, pois sabia reconhecer um talento como ninguém. Solidificou a idéia de se colecionar arte, formou notáveis acervos privados e institucionais, e sua contribuição foi decisiva para que o mercado de arte se consolidasse. Aqui ele fala um pouco de sua vida e de sua carreira, partes de nossa História. Conheci Giuseppe Baccaro em 1966 e sua influência foi decisiva para que eu trocasse o jornalismo pelo mercado de arte. Lembro-me perfeitamente da sensação que me invadiu quando apertei sua mão pela primeira vez na sala onde ele placidamente degustava um Chianti e examinava com atenção uma pilha de guaches de Ismael Nery , adquiridos minutos antes. Armaduras japonesas, telas dos grandes mestres do Modernismo por todos os lados, gravuras e desenhos em quantidade, cusquenhos, esculturas de Brecheret, centenas de documentos históricos e grossos volumes de livros antigos, todos os espaços estavam tomados, numa maravilhosa parafernália. Freqüentei muitos seus leilões, ainda que não tivesse meios para adquirir coisa alguma. Lentamente fui captando a ordenação de seu raciocínio e me familiarizando com artistas, escolas e estilos. Conheci os primeiros artistas populares nos pregões e comecei a apaixonar-me por Chico da Silva, Heitor dos Prazeres, José Antonio da Silva, Maria Auxiliadora. E ainda tive o privilégio de ouvir muitos ensinamentos e opiniões daquele humanista generoso, divertido e permanentemente indignado por injustiças cometidas contra os mais humildes. Assim como eu, muitos marchands e artistas que fizeram carreira no mercado foram decisivamente influenciados por ele. Em São Paulo poderia citar Mônica Filgueiras, Benjamin Steiner, Ricardo Camargo. No Rio, Max Perlingeiro, Ralph Camargo, Jean Boghici, Evandro Carneiro e muitos outros tiveram suas carreiras marcadas pela personalidade e direcionamento apontados por Baccaro. Sua influência perdura e permeia o mercado até os dias de hoje. Os leilões do eixo Rio/São Paulo eram todos montados por ele. Enquanto residiu na capital paulista ninguém se atreveu a competir com ele. Somente quando mudou-se para Olinda, onde foi concedida esta entrevista, começaram a aparecer outros organizadores, como a Petite Galerie, a Collectio e a Bolsa de Arte. Mas aí já havia um mercado, formado por obra e graça de sua histórica contribuição. RAIZ 75


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DESTINO – BRASIL E ANITA RR - Como você se envolveu com arte? Foi na Itália, no Brasil? E por qual razão você escolheu o Brasil para morar? GB - Eram os anos 50 e na época eu fazia Filosofia, primeiro em Pisa, depois fui para Nápoles. No último ano comecei a pensar: o que vou fazer? Vou ficar a vida toda lecionando Platão e Aristóteles? Deus me livre! Eu já tinha uma grande vontade de sair da Itália, tanto que em todas as férias eu viajava para algum lugar que não conhecia. Aí decidi ir embora. Eu já tinha uma enorme fascinação pelo Brasil, desde que comecei a ter contatos com os salesianos e ouvia seus relatos. Os índios me atraiam muito e como todo europeu eu alimentava uma grande fantasia em relação ao Brasil. Aí me decidi e em 1957 tomei um navio e desembarquei no Rio de Janeiro, disposto a ficar. Quando o dinheiro acabou, fui para São Paulo e comecei a estabelecer contatos com a colônia italiana, à procura de trabalho. Como gostava muito de livros, aceitei um emprego na Livraria Italiana, no Centro da cidade, onde fiquei 2 anos. Resolvi publicar um jornal, em italiano, que se chamou Progresso Italiano, similar a um jornal que existe desde 1900 nos Estados Unidos, chamado Progresso Ítalo-americano. Nesse jornal publiquei textos vertidos de vários escritores brasileiros e também traduções para o português de escritores italianos. Era um bom jornal e foi publicado por 3 anos consecutivos. Paralelamente fundei uma agência de Publicidade, que se chamou Novissima Publicità d’Italia. Na época havia muitos empresários italianos no Brasil, muito mais do que hoje. Os negócios iam muito bem, mas eu gostava mesmo de arte e comecei a aprofundar os conhecimentos nessa área. Eu já havia lido sobre a Semana de Arte de 22, sabia de Tarsila, Portinari, Di Cavalcanti, enfim, os grandes nomes da época. E resolvi montar uma galeria. RR - Com que artistas você começou a trabalhar? GB - O primeiro nome que me chamou a atenção foi Anita Malfatti, pelo papel que ela exerceu na eclosão da Semana de Arte Moderna. Havia em São Paulo, nessa época, 2 ou 3 gale76 RAIZ

rias de Arte, mas muitos desses nomes do Modernismo já não faziam parte do circuito. Ninguém sabia onde estava Anita. Finalmente alguém me disse que conhecia sua irmã Georgina e que ela morava na Rua da Consolação. Exatamente onde, essa pessoa não sabia. Pergunto daqui e dali e finalmente encontro Georgina. Para minha decepção Anita não morava com ela nem a irmã tinha o endereço certo, mas sabia que morava numa casinha próxima à Represa de Guarapiranga. Ela tinha um problema físico, seu braço direito não tinha movimento, pintava com a mão esquerda. Foi difícil encontrá-la, mas finalmente, depois de um dia inteiro andando pela região da Represa, encontrei a artista, morando sozinha numa casa minúscula. Tinha consigo dezenas de quadros. Imediatamente propus fazer uma grande exposição em minha galeria, que se chamava Selearte e estava localizada na Rua Augusta. RR - E Tarsila, praticamente se deve a você sua redescoberta, não? GB - Por incrível que pareça,Tarsila estava um pouco esquecida na época. Quando a localizei ela tinha uma infinidade de desenhos e pinturas. Ainda tinha o Abaporu, que logo depois Pietro Maria Bardi comprou, por minha indicação. Foi nessa época que o mercado de arte surgiu, um período de grande desenvolvimento no Brasil. Os capitalistas nativos começavam a querer mostrar seu bom gosto, seu progresso, adquirindo obras de arte para decorar suas casas. Comecei a vender muito bem e em pouco tempo já começava a me interessar pela obra de outros artistas. Fui ao Rio em busca da obra de Portinari. RR - Você teve uma ligação muito forte com o Professor Bardi, não? GB - Eu estive estreitamente ligado com a galeria que o Bardi tinha, a Mirante das Artes. Ele comprou o Abaporu por U$ 22.000 --- e que foi vendido ao colecionador argentino Costantini por 1.500.000 de dólares ---. Ele foi a pessoa que mais conhecia arte que encontrei em toda minha vida. Fiz várias exposições no Masp, com ele. Ele tinha um conhecimento de erudito, mas tinha também uma coisa instinti-


FOTOs: divulgação / museu afro

"Eu nunca havia vendido arte, mas gostava muito, tanto assim que desenhava" va. Ele olhava uma tela antiga e sabia de onde era, de que século, de que lugar. E se era o trabalho de um mestre. Descobriu um pintor popular notável, o Agostinho. Sua esposa, Lina, também era uma pessoa intensa, espetacular. Muito ligada à cultura popular, tanto que foi a fundadora do Museu Solar do Unhão, em Salvador, um centro de arte e cultura populares que foi fechado pelos militares em 1967. Meu Deus, que absurdo! A Bahia merecia ter o mais importante Museu de Arte Popular. Aliás, nunca mais surgiu outro. O Brasil, com essa cultura tremenda, de raiz, não tem um Museu que cuide desse setor. Nada. RR - Mas, Bacaro, você nunca havia trabalhado com arte, como foi esse passo profissional? GB - Eu nunca havia vendido arte, mas gostava muito,tanto assim que desenhava, fazia aquarelas e lia, estudava a linguagem artística. Naquele momento eu já tinha em mãos 3 artistas e aí descobri a obra de Gomide, adquirindo quase a totalidade de seu acervo. O próximo artista que incorporei foi Ismael Nery, de uma forma muito curiosa. Em Copacabana, num antiquário onde eu ia com freqüência, vi certa vez 2 aquarelas belíssimas, assinadas com um N cortado por um I. O dono do lugar não sabia dizer quem era o artista, mas comprei mesmo assim. Comecei a indagar quem poderia ser o autor e ninguém sabia, até que Augusto Rodrigues me deu uma pista: “deve ser um artista que morreu muito jovem, e foi casado com Adalgisa Nery, uma poetisa que mora aqui no Rio, não sei exatamente onde”. Demorei para localizar a escritora, mas quando entrei em seu apartamento, as paredes estavam forradas com obras de Ismael. Estava tudo lá. Levei tudo embora, fiz uma grande exposição, que obteve o maior sucesso. Nessa altura, já tendo relações com dezenas de artistas, resolvi começar a fazer leilões. Aluguei um palacete na Avenida Paulista, ao lado do Masp e fundei a Casa dos Leilões. RR - Que ano foi isso? GB - Era meados dos anos 60. O leiloeiro era o Florestano.

Foi uma época de se ganhar muito dinheiro. Paralelamente, eu me interessava muito também por problemas sociais e costumava freqüentar uma paróquia na Vila Maria. Tive a idéia de propor ao padre uma ajuda para os meninos da favela próxima, em sua maioria nordestinos: oferecer duas, três mil refeições diárias para eles. Fui em frente e comprei todo o necessário, montei toda a estrutura e quando estava tudo pronto para a inauguração, o padre, muito contrafeito me disse: “Seu Baccaro, o senhor me desculpe, mas o Bispo me proibiu de me meter com isso, pois parece coisa de comunista”. Era o tempo dos militares e ajudar os pobres estava sempre associado à idéia de comunismo. Fiquei desgostoso e depois de um impasse, de um momento difícil, resolvi sair de São Paulo e ir para o Nordeste. Comprei algumas casas em Olinda , despachei tudo o que tinha para lá e depois de um ano estava definitivamente na cidade. Adquiri um terreno de 40.000 m2 e fui construindo a Casa das Crianças de Olinda. Era uma época fantástica para os leilões, todo mundo queria colecionar e dinheiro não faltava. Eu mesmo ia às favelas e selecionava as crianças mais pobres. Dávamos assistência a mais de 500 crianças, em média, e chegamos a ter 14 cursos: marcenaria, cerâmica, horticultura, restauração de sapatos, vários tipos de artesanato. Montamos uma gráfica e editamos muitos livretos de cordel, muita xilogravura, que na época era pouco difundida. Fazíamos também serviços tipográficos para terceiros. Esse projeto durou 29 anos e por lá passaram vinte, vinte e cinco mil menores. Altri tempi. Em 96 infelizmente tive de parar, pois se vendia pouco. Abri esta galeria ao lado de minha casa e me liguei aos artistas locais: José Cláudio, Samico, Guita Charifker, João de Barros, Eduardo Araújo. Eram 8 artistas e fazíamos como os impressionistas, pintando ao ar livre nos arredores da cidade. Eu era o cozinheiro do grupo. Todos éramos figurativos, numa época em que o abstracionismo dominava. Durou uns 4 anos, daí nos dispersamos, alguns se mudaram. RAIZ 77


. referenciais EX-VOTOS, XILOGRAVURAS E BAJADO RR - Vamos falar um pouco de Arte Popular. Você chegou a ter uma coleção fantástica de ex-votos, não foi? GB - É uma coisa incrível o que acontece com os ex-votos. Pra mim é uma das manifestações mais importantes da arte popular, pois nem são feitos com intenção artística, mas religiosa. Quando os santuários que recebem muitos peregrinos estão cheios, eles queimam os ex-votos. Então eu ia até lá e comprava os melhores, enchia vários sacos e trazia tudo de ônibus. Cheguei a ter quatro, cinco mil. Paralelamente comecei a abrir espaço para os xilogravadores: Costa Leite, J. Borges, em cuja família tem uns 6 ou 7 artistas bons. Valderedo Gonçalves, outro gravador fundamental. Fizemos uma grande exposição deles, na França, depois na Alemanha, através de Ceres Franco, galerista em Paris. Foi a primeira vez que a xilogravura popular foi mostrada no exterior. RR - Como foi a tua relação com o pintor Bajado? Sabe-se que foi você quem deu a ele a dignidade e a consideração sobre sua importância. Como isso ocorreu? GB - Bajado ganhava a vida como pintor de placas publicitárias, cartazes, mas também fazia quadros e desenhos, que não eram classificados como arte. Quando vi o primeiro desses trabalhos me interessei muito e fui atrás. Bajado era muito pobre, morava numa favela. Trouxe-o para Olinda, dei-lhe uma casa, onde viveu até falecer. Hoje ele já é reconhecido internacionalmente, esteve em Bratislava, onde havia aquela Bienal de Primitivos. Um pintor tremendo: genuíno, puro, talentoso. RR - Para mim Bajado é, além de tudo isso que você mencionou, também dança, gesto. Seus persongens andam cada um com seu passo peculiar, ou estão dançando o frevo, o maracatu, o pastoril. Ele é um ilustrador que faz arte. Do lado popular, um J. Carlos. Mas Baccaro, você também teve muita obra de Heitor dos Prazeres, muitos Chicos da Silva, alguns Agostinhos e Auxiliadoras e lembro-me que você os colocava nos leilões em seguida a obras de Portinari, Di, Tarsila, vidros Gallé, enfim, os chamados “primeira linha”. Queria que você falasse um pouco deles. GB - Chico da Silva eu conheci logo que cheguei ao Brasil. Morava no Pirambu, uma zona muito pobre de Fortaleza. Era um índio, descendente de peruanos, vinha do Acre para o Ceará. É o maior artista amazônico que o Brasil já teve. Trouxe o Chico para São Paulo, onde ele pintou grandes painéis, ficou muito tempo morando comigo. Me interessou também muito a obra do Heitor dos Prazeres, que conheci no Rio. Ele morava na favela Dos Prazeres, daí que pegou o nome. Estimulei muito a pintura dele, fiz várias exposições dele em São Paulo. Ele pintava uns quadros, vinha com as pastoras e se apresentava. Era uma loucura, vendia tudo, uma farra tremenda! O Agostinho de Freitas foi o Bardi que introduziu. Tive bons trabalhos dele. Mas ele não pintava tanto naquela época, quanto veio a pintar depois. Era eletricista e vivia disso. Tinha a Auxiliadora, de quem eu tive muitos quadros, que morreu tão cedo, coitada. 78 RAIZ

Não tinha essa distância que veio ocorrer depois entre os populares e os outros, no mercado de arte...Outro que ajudei muito a fazer o mercado foi o Bruno Giorgi. A escultura no Brasil tem poucos nomes de peso. Eu gostava muito de seu trabalho, fomos amigos íntimos, quando eu ia ao Rio ficava na casa dele. Ele trabalhava no quintal, não tinha nem atelier. Tinha um outro que morava na Oscar Freire, que eu também vendi muita obra,...como se chamava? Meu Deus, a memória está se apagando. RR - Já faz muito tempo que provavelmente você não fala mais nisso, talvez seja difícil recordar... GB - É, são uns 35 anos que não falo sobre isso. E a memória está indo embora, uma desgraça. O grande instrumento que a gente tem é a memória. E ela faltando, eu me sinto perdido. Lembro-me que eu ia muito a Santos onde morava um artista importante. Quem era mesmo? E quando ia a Santos ia também a São Vicente, onde a Anita Malfatti tinha uma casinha.

FASCÍNIO POR TARSILA RESPEITO PELA ARTE POPULAR RR - Desses artistas todos que você representou, qual o que mais te fascinou, do ponto-de-vista humano, e qual o que mais te tocou, artisticamente falando, se é que as duas coisas caminham separadas? GB - Acho que Tarsila do Amaral. Era uma mulher generosa, um coração imenso. E belíssima! Na época em que convivemos já tinha uns 60 anos, mas era uma figura impressionante. Volpi também era uma figura marcante, pela simplicidade, pela leveza. RR - Como você vê a arte atual, você que além de conhecer e acompanhar a arte brasileira, também não perde de vista o circuito internacional? GB - Acho que é um dos piores momentos da cultura mundial. Na Arte praticamente não tem mais nada. Porque o que forma a base verdadeira de uma Arte é uma cor particular de terra, são os costumes do povo que mora nesse lugar. Arte egípcia: é inequívoca! Arte Chinesa! Arte Romana! Você é capaz de reconhecer cada uma delas imediatamente, porque é o lugar. Os materiais, a técnica, tudo influenciado pelo lugar. E hoje não existe nada mais disso. Uma época me chamaram para o Conselho de Cultura e eu comecei a questionar conceitos. Aí propus uma coisa: vamos chamar 10 artistas contemporâneos de diferentes lugares, sem revelar seus nomes e o tipo de arte que fazem. E aí vamos submeter a várias pessoas os trabalhos que eles fizerem e vamos ver se alguém reconhece de onde eles vêm. Impossível, porque tudo é quadrado, mancha, merda, retângulo. Acho que é o fim da arte, detestável do ponto-de-vista humano. Por isso tenho cada vez maior respeito pela arte popular. Ela está ligada à sua terra, ao seu material, aos seus costumes, à sua imaginação, à sua luz. Aí temos do que falar. Ela me convence e me comove.


Obra de Chico da Silva em destaque na capa dessa edição

FOTOS: ACIMA, Chico da Silva produzindo em seu atelier e AO LADO, uma de suas obras mais famosas

Popular: O Índio que reinventou a Pintura

Chico da Silva é artista popular porque nasceu em Alto do Tejo, no Acre, filho do caboclo peruano Domingos da Silva e da cearense Minervina Félis de Lima, no início do século passado. Suas pinturas, descobertas pelo artista plástico suíço Jean Pierre Chabloz, coloriam os muros da praia de Formosa, na capital cearense. No seu universo; os animais, flores e plantas, seres mitológicos viviam todos numa terra distante, Juberlano. Chico da Silva é artista popular porque sua obra viajou o mundo, conheceu as paredes de galerias e museus de vários países. Chico da Silva é artista popular porque sua pintura

colorida gerou seguidores, copiadores e muita controvérsia. Bate-bocas no melhor estilo brigas de rua, acusações de fraudes, alguns amigos e muitos inimigos. Seus quadros espalharam-se pelas ruas de Fortaleza, obras de vários Chicos da Silva, oriundos da Escola de Pirambu, bairro miserável onde o artista morou na capital cearense. Chico da Silva foi e é um artista popular brasileiro. Suas pinturas freqüentaram salões e seu criador faleceu em 1985, brigando pelo direito de ser reconhecido como o verdadeiro autor de seus próprios. Há algo mais popular do que ser imitado? RAIZ 79


. café

frutos

80 RAIZ


Livro “CAFÉ – UM GRÃO DE HISTÓRIA”, conta a fábula do “descobrimento” do café na Etiópia até os nossos dias por thereza dantas FOTOS Vito D’Aléssio

RAIZ 81


. frutos o livro é luxuoso e conta a história de um dos melhores e mais queridos produtos brasileiros. café – um grão de História, editado pela dialeto, chega às livrarias do país com um destaque notável: representa uma nova referência de leitura para os amantes do café. com ineditismo, a publicação revela histórias saborosas sobre esse grão que se espalhou pelo mundo, levando riquezas; provocando conflitos e admiração; promovendo mudanças econômicas e culturais por onde passou. o livro traz fotos produzidas especialmente para este trabalho e imagens históricas até então nunca publicadas. o texto é de sérgio túlio caldas e as fotografias são de Vito d’aléssio.

sE o caFÉ Não É origiNÁrio das tErras brasilEiras, coM cErtEZa gErou MudaNças sigNiFicatiVas Na Nossa cultura a origem do café ainda está perdida em um labirinto de suposições. Porém, evidências botânicas sugerem que o cafeeiro é originário da atual Etiópia. com o passar do tempo, a planta desceu aos vilarejos da planície costeira daquele país para transformarse em uma bebida muito apreciada pela gente local. dali, o café alcançou os portos do Mar Vermelho, onde ganhou interesse particular de governos e de agricultores. a disseminação do grão dava naquele instante seus primeiros passos para conquistar o mundo árabe. após conquistar o oriente médio e gerar muita riqueza, as sementes ganharam as terras do Egito, síria, turquia e grécia. Na turquia, Europa e países árabes, as casas de café consagravam-se como ponto de encontro de comerciantes, intelectuais, religiosos e artistas. No outro lado do atlântico, o grão conquistava os Estados unidos, dando combustão para sua independência – mais tarde, o país se tornaria o maior consumidor de café do planeta. através de caminhos clandestinos, as sementes alcançaram a guiana Francesa. E foi da colônia da França, nas proximidades da linha do equador, que o café seria trazido também por “vias ocultas” para brotar em solo brasileiro. a publicação é bilíngüe em português e inglês, e representa uma nova referência para o ambiente editorial brasileiro. Em uma parceria inovadora no mercado, o livro já está à disposição na maior rede de cafeteiras do brasil, o ‘Fran’s café’ onde é vendido com desconto a r$ 83,00. a seguir uma pequena entrevista com os autores do livro café - um grão de História, o fotógrafo e jornalista Vito d’aléssio, coordenador da Editora dialeto e do jornalista adepto ao pé na estrada, sérgio túlio caldas, concedida a thereza dantas. O livro Café - Um grão de história deu muito trabalho na parte da pesquisa iconográfica? Vito d’aléssio: a pesquisa cobriu todos os acervos do brasil diretamente relacionados ao café, além de todos os principais acervos do eixo rio - são Paulo. como resultado, tivemos imagens absolutamente inéditas, datadas do século 17 até os dias de hoje que foram identificadas em documentos que a primeira vista não se relacionavam com o tema. Por exemplo: a imagem do porto de Moka, no iemem, do desenhista holandês Vander aa. O público tem acolhido com interesse os lançamentos dos chamados "livros de arte"? Vito d’aléssio: Existe uma lacuna na identificação do que hoje é um livro de arte. o fato de um livro buscar o requinte no acabamento não significa que ele deva abrir mão do conteúdo. os livros da dialeto priorizam sempre a questão documental e seu papel como obras de referência para o público interessado e trabalhos de pesquisa, porém estimular a percepção dos leitores através de um projeto editorial arrojado, linguagem poética, ergonomia adequada à leitura, é absolutamente adequado a exigência desta nova sociedade em plena revolução da comunicação ( que convive com uma super oferta de informação )e que espera sempre mais dos produtos relacionados aos temas com os quais se identificam. 82 RAIZ


O café é uma bebida quase brasileira, mas sua história é pouco conhecida de quem o aprecia. No Brasil, apesar de sermos exportadores, as variedades na forma de tomá-lo ainda é pouco sofisticada. Você acredita que isso está mudando? Sérgio Túlio Caldas: Não tenho dúvida alguma de que o café, nosso tão agradável cafezinho, está ganhando status, tornando-se cada vez mais uma bebida para ser apreciada e degustada -- e com todo o merecimento! Vamos recordar que até recentemente o café era lembrado principalmente como um dos mais importantes produtos de exportação do país. No entanto, a partir da entrada do século 21, ele "cresceu": surge como café gourmet, feito com grãos selecionados, blends e por meio de processos de alta qualidade. O resultado é que temos então uma bebida para ser degustada com prazer. Pode até ser um pouquinho de exagero (apesar de ter muito apaixonado por café afirmar que não...), mas ele tornou-se uma bebida para ser apreciada como um bom vinho. Outro fenômeno que prova que nosso cafezinho virou "gente grande" são as cafeterias especializadas que se espalham pelas grandes cidades brasileiras. Ali, além dos melhores cafés que são servidos (e em opções variadíssimas e saborosas no cardápio), os ambientes convidam a leituras e encontros com amigos -- um velho hábito na Europa e na vizinha Argentina. Sem falar, claro, das tradicionais casas de café no Oriente, como na Turquia. O café, definitivamente, amadureceu... Você contou a história do café como uma pequena fábula. Existe uma magia em torno dessa bebida para você? Sérgio Túlio Caldas: O próprio descobrimento da bebida, conforme a lenda, já é pura magia. A história do pastor etíope, que descobre os potenciais da bebida por meio das cabras que comem bagas de café, estimula a curiosidade de quem a ouve. O café tem um incrível poder de magia, e há muitos fatos em torno disso. O livro "Café - Um Grão de Histórias", narra muitas delas. Há, por exemplo, um caso muito interessante a respeito do café em Meca, a cidade sagrada do mundo muçulmano. Quando ele ficou conhecido ali, no início do século 16, tornou-se um incrível "pólo" de atração: em torno de um bule e de xícaras de café, músicos, sábios e filósofos se reuniam noites a fio para conversar e discutir os mais diversos assuntos. Tal hábito acabou provocando a ira dos muçulmanos mais radicais, que consideraram a bebida como algo pernicioso. Muitas cafeterias, na época, acabaram devastadas pela fúria religiosa. Outra magia: pergunte a um mineiro se ele não daria seu reino por um pão-de-queijo acompanhado de um café bem quentinho passado no coador. Mais uma: você conseguiria resistir ao cheiro inebriante de cafezinho sendo feito numa cozinha de fazenda do interior do Rio de Janeiro? Só pode ser coisa de magia. O café une o popular e o erudito? Sérgio Túlio Caldas: Está nos quatro cantos do mundo, servido bem quentinho (às vezes, gelado) e saboreado democraticamente: não importa se nos velhos copos americanos dos balcões de padaria do Brasil, ou nas xícaras de fina porcelana chinesa nos salões do Palácio de Buckingham, na Inglaterra -- a monarquia britânica "inventou" o hábito de tomar chá (depois de conhecer os sabores da bebida na Índia), mas é o cafezinho que estimula (também) a realeza.

SERVIÇO Livro: Café – Um Grão de História Texto de Sérgio Túlio Caldas e fotos de Vito D’Alessio Editora: Dialeto Latin American Documentary (www.dialeto.com) 120 páginas Preço: R$ 98,00. A rede Fran’s Café dispõe de display em suas lojas onde o livro pode ser encontrado a R$ 83,00 RAIZ 83


EMBUSCA DA TRADIÇÃO PERDIDA Ministério da Cultura cria prêmio para fortalecer cultura indigena por Railídia Carvalho


FOTO: RENATO SOARES


. raiz da questão

82 iniciativas entre 504 inscritas ano passado Catxêkwyj é uma personagem mítica do povo Krahô. Conta a lenda que uma estrela se transformou em mulher para ensinar os índios a consumir alimentos como o milho, a batatadoce e a mandioca. Catxêkwyj também é o nome da Escola Agroambiental que reúne há dez anos, em terras Krahô, no município de Itacajá (TO), jovens, adultos e, desde o ano passado, crianças, vindos de várias aldeias da região. O objetivo dos encontros é incentivar e recuperar, através de atividades periódicas, práticas tradicionais desse povo, sobretudo, no que diz respeito à alimentação. Assim como a experiência Krahô, existem espalhadas pelo Brasil inúmeras iniciativas de fortalecimento das expressões culturais das comunidades indígenas. Para apoiar, fortalecer e mapear estas ações foi criado ano passado pelo Ministério da Cultura/SID (Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural) o Prêmio Culturas Indígenas – edição Ângelo Cretã, que selecionou 82 iniciativas entre 504 inscritas ano passado. É a primeira vez que as culturas indígenas são beneficiadas por uma ação do Minc através da realização de um prêmio anual. O lançamento da segunda edição (ver box) aconteceu em 19 de abril na aldeia Tenonde Porã (SP), sede da Associação Guarani Tenonde Porã, parceira do Minc na implantação do Prêmio. Para Mauricio Fonseca, coordenador do Prêmio, a ação do Minc surge em um momento em que há crescente demanda nas comunidades pelo fortalecimento das tradições indígenas. “O Prêmio preenche uma lacuna e estimula o protagonismo indígena rompendo com um histórico de tutela nas políticas públicas voltadas para esses povos”, completa. Para concorrer ao Prêmio os trabalhos devem ser idealizados e realizados por comunidades indígenas. O protagonismo também está na origem do Prêmio, que foi proposto pelo Grupo de Trabalho (GT) Indígena, criado pelo Minc em 2005, reunindo representantes indígenas e de entidades da sociedade civil. A posição do Grupo de trabalho foi decisiva para a definição do número de premiados e o valor de cada premiação em 2006. As 82 ações selecionadas na primeira edição, incluindo a experiência da Escola Agroambiental Catxêkwyj, do Tocantins, 86 RAIZ

estarão registradas em um catálogo ilustrado do Prêmio Culturas Indígenas 2006, que será publicado neste ano em parceria com o Sesc São Paulo. Outro produto gerado pelo prêmio é a atualização e incremento do banco de dados do Ministério da Cultura com informações sobre comunidades, organizações e associações indígenas e parceiras existentes no Brasil. Segundo Maurício, são cerca de 400 entidades ligadas à questão indígena mobilizadas pela atuação do Prêmio Culturas Indígenas. Fazem parte da rede de parceiros as principais organizações indígenas do país como Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônica Brasileira), Apoinme (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), Arpin-sul (Articulação dos Povos Indigenas do Sul) e ainda instituições governamentais como Funai, Funasa, Ministério da Educação.e do Meio Ambiente. A rede de parcerias deu resultado e as inscrições chegaram de todos os cantos do Brasil. A comissão de seleção, formada por 15 pessoas, sendo oito indígenas não envolvidos com ações inscritas, considerou, entre outros aspectos, distribuição regional e étnica. Foram premiadas assim ações das cinco regiões somando o Norte 24 selecionados; o CentroOeste, 20; Nordeste, 16; Sudeste, 12 e o Sul teve 10 iniciativas premiadas. “A presença de articuladores divididos nas regiões estabelecendo contato com as organizações indígenas e comunidades foi a forma de fazer o prêmio chegar aos índios”, conta Maurício. Para divulgar o Prêmio também foram realizadas cerca de 15 oficinas de divulgação em 10 estados diferentes. Nos encontros, os articuladores regionais e colaboradores orientavam as inscrições das iniciativas, que poderiam estar inseridas nas seguintes categorias: religião, rituais e festas tradicionais; língua indígena, mitos, histórias e outras narrativas orais; músicas, danças e cantos; alimentação; artesanato; educação e práticas educacionais que valorizem as culturas indígenas, arquitetura tradicional; pinturas corporais, desenhos, grafismos e outras categorias de expressão simbólica; jogos e brincadeiras; áudio-visual: cds, cinema, vídeo ou outros meios eletrônicos; teatro e histórias encenadas e textos escritos.


FOTOs: Acervo do Prêmio Culturas Indígenas

Nova etapa do prêmio Segundo o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), existem no Brasil cerca de 370 mil índios divididos em 220 povos que falam mais de 180 línguas diferentes. Essa parte da população brasileira reivindica há tempos políticas públicas para o fortalecimento de suas expressões culturais. Uma das respostas a essas comunidades veio na forma do Prêmio Culturas Indígenas que lançou no dia 19 de abril, na aldeia Tenonde Porã, em Parelheiros (SP), a edição 2007, revista e ampliada. A nova edição do Prêmio vai selecionar cem iniciativas bem sucedidas e projetos novos, com premiação de 24 mil reais para cada um dos escolhidos. “Nos encontros da edição passada era comum apresentarem idéias e projetos ainda não realizados, mas esse não era o perfil da primeira edição. Em 2007, projetos novos foram incorporados e também podem ser inscritos. Verba e número de premiados não foram os únicos itens reavaliados em relação ao Prêmio 2006. O número de articuladores regionais vai aumentar assim como estão previstas cerca de 52 oficinas de divulgação do prêmio pelo Brasil, o que significa o triplo de oficinas do ano passado. “O tempo de vigência do edital também deverá ser maior. Todas as mudanças têm por objetivo simplificar e facilitar os procedimentos de acesso ao prêmio. Estiveram presentes no evento de lançamento do Prêmio 2007 representantes do Ministério da Cultura (Minc), Secretaria da Diversidade e Identidade Cultural (SID/Minc), Petrobrás, Sesc São Paulo e Grupo de Trabalho Indígena. Houve apresentação de cantos dos Xamãs e dos corais infantis guarani, além de degustação da culinária tradicional da comunidade. RAIZ 87


. raiz da questĂŁo

pluralidade de idĂŠias

88 RAIZ


De 27 e 29 de junho de 2007, Brasília sediou o “Seminário Internacional Sobre Diversidade Cultural – Práticas e perspectivas” que teve a presença, , entre outros de Jesús Martin Barbero, intelectual espanhol radicado na Colômbia, professor em comunicação e cultura; o holandês Joost Simmers, cientista político; o antropólogo argentino Miguel Bartolomé; o economista colombiano Omar Lopez Olarte; o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro. Eles abordaram temas como diversidade cultural no mundo contemporâneo; diversidade cultural nas Américas; comunicação e convergência digital; economia da cultura e setores estratégicos; globalização e cultura. O Ministro da Cultura, Gilberto Gil, abriu o ciclo de debates propondo um “Protocolo de Quioto da Cultura”. “Talvez cheguemos à conclusão de que níveis de uniformização e homogeneização no mercado cultural são mensuráveis como níveis de monóxido de carbono no ar”, afirmou. “Deveríamos incorporar mecanismos de compensação para o impacto cultural de grandes obras de infra-estrutura. Em breve, esperamos que bancos e instituições financiadoras do desenvolvimento em nosso continente incorporem essa avaliação do impacto cultural e ambiental”, disse o ministro que também comparou o a situação da cultura com a do meio-ambiente. “Na cultura também se perdem línguas, saberes tradicionais e crenças”, acrescentou. Depois classificou dez pontos de reflexão e metas para o seminário:

Um balanço sobre o seminário Internacional de diversidade cultural

FOTO: Antônio Cruz/Agência Brasil

por fábio rayel

1 - Construção de políticas abrangentes que tomem a cultura em sentido amplo, de estético a antropológico 2 - Gerar políticas culturais que contribuam com o sistema educacional 3 - Reconhecer a formação cultural e lingüística do continente 4 - Incorporar sistemas de comunicação que potenciali zem a produção de conteúdo por todos. Colocar o lema: muitos conteúdos para cada espectador 5 - Desenvolver a economia da cultura 6 - Ampliar o termo de tecnologia, para que abranja a tecnologia produzida pelos povos tradicionais e demais coletividades. Tirar a hierarquia da relação entres os diferentes saberes 7 - Preservar e pesquisar a pré-história de nosso continen te. Mudar a visão colonial que temos da nossa história 8 - Estabelecer políticas culturais afirmativas para reverter as marcas da escravidão, abandoando o discurso abs trato da meritocracia 9 - Rever, regular e limitar a proteção a direitos autorais. O direito de autores e investidores deve estar em equilí brio com o direito de acesso 10 - Caracterizar a paz como valor cultural, assim como é a liberdade e a democracia RAIZ 89


90 RAIZ

FOTO: josé eduardo mendonça


os territórios dateia por Eduardo de Carvalho

Teia é um encontro dos pontos de cultura do programa cultura viva do ministério da cultura. Esse ano acontecerá em novembro em Belo Horizonte. Organizados por meio de um processo colaborativo que envolve uma rede independente de empresas culturais, os espaços que compõem a TEIA em BH estão divididos para abrigar, tematicamente, cinco Territórios: Expressão, Diálogo, Práxis, Trabalho e Celebração. A construção dos Territórios determina a divisão dos elementos que compõe a TEIA, não necessariamente em uma repartição espacial e geográfica, mas conceitual, simbólica. Estes cinco campos conceituais são perpassados por temas transversais mais abrangentes, notadamente a relação entre Cultura e Educação, além da forte presença da Economia Solidária, mote da TEIA em 2006. O encontro buscará sempre aproximações entre ações que se desenvolvam com a consciência social que incorpora referências simbólicas no processo de construção da cidadania e com os processos de exploração, uso e apropriação de códigos de diferentes meios e linguagens artísticas e lúdicas nos processos educacionais, pretendendo, com isso, ampliar o acesso aos meios de formação, criação, difusão e fruição cultural por meio da ação de agentes culturais, arte-educadores, educadores de rua, artistas, professores e cidadãos que entendem a cultura no seu sentido mais amplo - como direito, comportamento e economia. Os principais espaços de prática política da TEIA são os territórios do Diálogo e o da Práxis. Partindo do princípio de que as formas de fazer dos Pontos são geradoras de uma qualidade de conhecimentos ainda pouco difundidos, a intenção é partir para a tomada de consciência de que é preciso decodificá-los para articular os saberes que eles representam. Assim, é fundamental o Diálogo, como resultado de um processo de cooperação e de trabalho conjunto para construir um significado comum a todos os interlocutores. Nessa lógica, o Seminário Internacional Saberes Vivos terá o objetivo de provocar a troca dos saberes acadêmicos com os dos Pontos. O espaço Conversê, por sua vez, será o ponto de

encontro, reuniões, articulações e contatos entre os Pontos, com suporte multimídia de registro e difusão. No terreno da Expressão, acontecerá o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, que reunirá todos os Pontos para desenvolver a agenda política do Programa Cultura Viva. Além disso, será organizada a Mostra ArteViva, que pretende resignificar o conceito de arte para além da visão elitista e/ou européia. O Território do Trabalho abrigará o Mercado Criativo, um novo conceito de vitrine para os produtos provenientes dos Pontos, organizado para reuni-los pelos tipos de manufatura que desenvolvem, e não por estados, o que propiciará o melhor aproveitamento na troca de saberes. A Feira de Economia Solidária também estará presente e integrada à TEIA com um conceito ativador das capacidades produtivas dos Pontos, numa nova visão de economia e desenvolvimento para o país. Já o Palco em Obras será uma das grandes atrações de público, unindo em apresentações artísticas músicos consagrados em diálogo com artistas dos Pontos. E o último fio da TEIA é o da Celebração. Nele, o Circo Brasil será um palco aberto e administrado pelos Pontos para manifestações artísticas dos Pontos de Cultura. Uma programação especial promete ainda uma grande Parada da Diversidade Cultural e a elaboração do Circuito Cidade Viva, a fim de promover a integração da cidade e de sua população com os visitantes de todos os cantos do país.Um restaurante será especialmente montado para alimentar os mais de 5 mil agentes culturais que participarão do evento. Belo Horizonte, capital mineira, foi escolhida para acolher o maior encontro da diversidade cultural no Brasil por concentrar, em uma área pequena, os necessários aparelhos culturais para garantir a proposta de Tudo de Todos, acolhendo os diversificados tipos de atividades que comporão o encontro presencial dos Pontos de Cultura. Oito locais na região central do município formarão um amplo corredor cultural, ocupando a Casa do Conde, a Estação do Conde, o Centro Cultural UFMG, a Praça da Estação, o Museu de Artes e Ofícios, a Serraria Souza Pinto, o Teatro Francisco Nunes e o Palácio das Artes.


. raiz da questĂŁo

esporte e desenvolvimento

medalha de ouro para a sociedade por clĂĄudia valenzuela

92 RAIZ


FOTO: Antônio Cruz/Agência Brasil

Durante muitos anos as Nações Unidas e seus programas vêm ressaltando a importância do esporte na sociedade. Atletas têm sido convidados pela ONU para apresentar campanhas de mobilização social e outras iniciativas ligadas à defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos. E isso se deve a uma convicção: de que o esporte gera desenvolvimento. E desenvolvimento é o objetivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Mais do que seguir as determinações da Resolução 58/5 da Assembléia das Nações Unidas, de novembro de 2003, que convoca os países a utilizarem o esporte como “meio de promoção da educação, saúde, desenvolvimento e paz”, o PNUD entende que o esporte pode contribuir de forma significativa para o atendimento das metas dos Objetivos do Milênio. O Esporte, por exemplo, contribui para o desenvolvimento econômico, gera empregos, mobiliza mercados e, assim, reduz da pobreza. Ainda, a prática esportiva tem forte impacto na saúde, reduzindo a incidência de várias doenças e pode ser um grande indutor de mobilização social, apoiando campanhas de educação, combate ao HIV/AIDS, prevenção de drogas, de promoção da paz e da cultura e da não violência. O PNUD é parceiro na implantação de projetos de desenvolvimento que trazem o esporte como instrumento de mudança social. Podemos citar o Programa Medalha de Ouro, que vislumbrou o contexto dos Jogos Pan e Parapanamericanos como uma possibilidade de incluir jovens moradores de favelas do Rio de Janeiro em ações sociais. O Programa capacitou mais de 10.000 jovens como Guias Cívicos para orientar os participantes e visitantes dos Jogos sobre a cidade e questões de convívio cidadão. O movimento de inserção desses jovens de comunidades carentes é um exemplo real de inclusão e de participação. Os valores aqui evidenciados, tanto no cerne dos Programas como na orientação das Nações Unidas, são também comungados pelo esporte: perseverança, vontade de vencer, solidariedade, disciplina, tolerância... E é por defender os valores e princípios que nos unem ao Esporte que o PNUD considera este momento esportivo nacional como um marco para o surgimento de uma nova consciência, focada na cooperação, na busca pela coletividade e igualdade, na perseguição de ações sociais que possam dar a medalha de ouro em desenvolvimento que o Brasil merece conquistar.

Claudia Valenzuela Jornalista e Mestre em educação Analista de Programa da área de educação, esporte e cultura PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RAIZ 93





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