Rumo à primeira morte

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● E D I TO R : C l á u d i o A r r e g u y ● E D I TO R D E A RT E : Á l va r o D u a r t e ● E - M A I L : e s p o r t e s . e m @ u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 6 3

D OM I N G O, 3 1 D E M A R Ç O D E 2 0 1 3

REPORTAGEM

RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS

ESPECIAL

RUMO À PRIMEIRA MORTE


‘‘O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira, quando para de jogar’’ n

Paulo Roberto Falcão

RENAN DAMASCENO

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e repente, não há mais gritos da torcida, as crianças não lhe pedem autógrafo nas ruas, o dono do restaurante não mais o recebe de braços abertos. As arrancadas ficam escassas, as dores aumentam e o tempo no departamento médico supera o dos minutos em campo. A idade se torna um marcador implacável e a aposentadoria, impossível de ser driblada. A bola que consagra pode se tornar também o cadafalso. "O jogador de futebol morre duas vezes. A primeira, quando para de jogar." A frase do ex-jogador e técnico Paulo Roberto Falcão sintetiza a realidade dos atletas que passam dos 30 anos e estão perto de pendurar as chuteiras. "Acaba de um dia para o outro. É complicado pensar nisso", diz o atacante Fábio Júnior, de 35. "É triste, porque eu amo jogar futebol", confessa Marcelinho Paraíba, de

37, armador do Boa. "Sonhei durante muito tempo que estava no vestiário, fazendo uma jogada ou batendo pênalti...", comenta o técnico do Cruzeiro, Marcelo Oliveira, que se aposentou aos 30, em 1985. Autor da afirmação que se tornou quase um preceito do futebol, Falcão acredita que muitos jogadores vivem um personagem – e como tal creem que a vida de holofotes vai ser eterna. "O futebol tem muita gente envolvida. Amigos, mídia, assédio, exposição... É preciso saber que isso não é para sempre. Para evitar o impacto, ele precisa ter convivência com pessoas de fora desse mundo, se preocupar com a postura longe dos gramados, fazer sempre uma autoanálise", destaca o treinador, que frequentou psicanalista por 17 anos para conviver melhor com o sucesso. "Desde o começo sabia que tudo teria um fim. Aprendi a não ser

escravo do que a vida de jogador me proporcionava", justifica. O Estado de Minas apresenta a série a reportagem especial “Rumo à primeira morte”, com depoimentos exclusivos de jogadores que estão no limiar da aposentadoria. Como eles encaram o fim de carreira e se preparam para quando os holofotes se apagarem. Alguns jogam por amor, outros por necessidade. Longe dos altos salários, atletas que fizeram a vida em times do interior recorrem aos livros, a concursos públicos e aos pequenos empreendimentos. Jogadores de sucesso internacional, por sua vez, buscam reconstruir a carreira, driblando a desconfiança e tomando fôlego para disputar vaga com os mais novos. Embora trilhem caminhos diferentes, o destino apresenta a mesma interrogação: qual a melhor hora de parar?


FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS


TINGA PAULO CÉSAR FONSECA DO NASCIMENTO 35 ANOS Nascimento: 13/1/1978, em Porto Alegre l Altura e peso: 1,70m e 62kg l Posição: volante l Clubes: Grêmio, Kawasaki Frontale (JAP), Botafogo, Sporting (POR), Internacional, Borussia Dortmund (ALE), Internacional e Cruzeiro l

‘CHOQUE SERÁ INEVITÁVEL’ RENAN DAMASCENO

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inga chegou ao Cruzeiro em maio do ano passado e já impôs respeito. Exemplo para os mais novos, o volante de 35 anos assinou contrato até dezembro de 2014, quando estará prestes a completar 37. Pretende cumpri-lo integralmente, se possível com título. Em seguida, quer curtir a família, tocar projetos sociais que mantém em Porto Alegre, estudar e desfrutar de uma vida tranquila – de preferência, longe do futebol. "Estou me preparando para parar de jogar desde os 32 anos, quando terminou meu contrato com o Borussia Dortmund. E minha mente começou a trabalhar em função disso. O choque vai ser inevitável, mas vai ser menor. Comecei a estudar inglês, já que falo alemão fluentemente, faço curso de oratória. Eu me preparo para ter outro ambiente longe do mundo da bola e fazer amizades com pessoas que, quan-

do eu parar de jogar futebol, vão continuar comigo, porque não me conhecem apenas como jogador", comenta o volante, que cuida de dois projetos sociais em bairros carentes da capital gaúcha: o Esporte Clube Cidadão, em parceria com Dunga, e o Aspirantes de Cristo, com o zagueiro Leo, companheiro no Cruzeiro. Nascido no Bairro da Restinga – que originou o apelido –, Tinga é um líder nato. Aconselha os mais novos, principalmente sobre as ilusões e armadilhas do futebol. Por causa dos cinco anos na Europa e pelas passagens em grande clubes, tem conhecimento tático que arranca elogios de treinadores. No entanto, não pensa em se tornar técnico, apesar de não esconder a curiosidade pelas funções administrativas dos clubes. Quando chegou ao Cruzeiro, fez

questão de conhecer todos os detalhes do funcionamento dos oito andares da sede administrativa, no Barro Preto. "Conhecimento nunca é demais. A coisa mais valiosa que a gente tem é o aprendizado. Na vida, a gente estando pronto, pode competir em qualquer área do mercado. Sou curioso, gosto de aprender." DESGASTE Tinga acredita que os jogadores brasileiros são vítimas da rotina pesada de jogos e treinos e por isso chegam aos 30 anos já próximos da aposentadoria. "Todo atleta com mais de 30 que joga em alto nível hoje no futebol brasileiro esteve pelo menos dois anos no exterior. Aqui fazemos 80 jogos. Lá fora, 40. No exterior, treinamos uma vez por dia, você pode viver. Jogou, treinou, acabou. Aqui, psicologicamente, você fica desgastado", compara.


FOTOS: RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS


GILBERTO SILVA GILBERTO APARECIDO DA SILVA 36 ANOS l

Nascimento: 7/10/1976, em Lagoa da Prata l Altura e peso: 1,84m e 74kg l Posição: volante l Clubes: América, Atlético, Arsenal (ING), Panathinaikos (GRE), Grêmio e Atlético

‘ESTOU BUSCANDO CONHECIMENTO’ RENAN DAMASCENO

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ilberto Silva é a voz baixa e mansa da experiência. Volante da Seleção Brasileira em três Copas do Mundo – titular em 2002 e 2010 e reserva em 2006 –, o mineiro voltou ao estado natal em dezembro, com contrato de uma temporada com o Atlético, depois de uma década longe do alvinegro, defendendo Arsenal, Panathinaikos e Grêmio. Aos 36 anos, afirma estar "preparando bem a cabeça para virar uma página importante da vida", que é como costuma tratar a aposentadoria. Por enquanto, se cuida nos treinos para desempenhar bem a função de zagueiro ou volante, quando solicitado pelo treinador Cuca. "Não é só o corpo que precisa de cuidado. A cabeça também, para lidar com as diversas pressões. Por ser mais experiente, a gente passa a ser mais cobrado em deter-

minadas situações e, se você não consegue desempenhar bem a função dentro de campo, as pessoas começam a achar que você não está mais apto para ajudar. Você tem de ter a cabeça no lugar para não se frustrar", comenta. Gilberto sempre teve estrela. No primeiro ano como profissional, em 1997, ajudou o América na conquista do título da Série B do Brasileiro. Em 2000 conquistou a Copa Sul-Minas pelo Coelho, antes de se transferir para o Atlético e ser campeão mineiro. Depois do título da Copa do Mundo’2002, atuando nos sete jogos, foi negociado ao Arsenal. Na estreia no clube londrino, fez o gol do título da Copa da Inglaterra. Após nove temporadas na Europa, acertou com o Grêmio em 2011, voltando ao Galo no fim do ano passado. Segundo ele, o respeito que conquis-

tou é fruto de sua postura. "Sempre cultivei uma imagem positiva na minha carreira, trabalhando sério. E é assim que vou continuar, para cumprir bem meu contrato com o Atlético." CURSOS ON-LINE A chance de ficar perto da mulher e dos filhos pesou para Gilberto Silva aceitar a proposta do Galo e retornar a Minas. Depois da aposentadoria, que ainda não tem data marcada, pretende se dedicar aos filhos e descansar. Continuar no futebol é uma possibilidade, mas não é a prioridade do atleta. "Estou buscando conhecimento fora do futebol. Quando tenho tempo, faço cursos on-line de administração, marketing e recursos humanos. Quero dedicar mais tempo aos estudos para seguir carreira de administrador depois de parar."


FOTOS: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS


FÁBIO JÚNIOR FÁBIO JÚNIOR PEREIRA 35 ANOS Nascimento: 20/11/1977, em São Pedro do Avaí l Altura e peso: 1,86m e 76kg l Posição: atacante l Clubes: Democrata-GV, Cruzeiro, Roma (ITA), Palmeiras, Vitória de Guimarães (POR), Atlético, Kashima Antlers (JAP), Al Wahda (EAU), Bochum (ALE), Hapoel Tel Aviv (ISR), Brasiliense e América l

‘ESTOU BUSCANDO CONHECIMENTO’ RENAN DAMASCENO

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atacante Fábio Júnior conseguiu algo raro no futebol: conquistar o respeito de três torcidas rivais da mesma cidade. Em Belo Horizonte, é recebido com reverência pelos torcedores de América, Atlético e Cruzeiro. Aos 35 anos, o camisa 7 do Coelho espera jogar por mais duas temporadas antes de se aventurar à beira do gramado. "Tenho vontade de continuar trabalhando no futebol, com garotos na base, mas, para ser sincero, tenho muita vontade de treinar. Vou ficar nesse meio porque minha vida foi toda dedicada ao esporte." Além de ter marcado época no futebol mineiro, Fábio Júnior jogou em seis países diferentes. Em 2010, voltou a Belo Horizonte para defender o América. Em três anos vestindo a camisa alviverde, o goleador fez 67 gols – é o 13º maior artilheiro da história do clube, a 11 de entrar no top-5. Nascido em São

Pedro do Avaí, distrito de Manhuaçu, atuou nas categorias de base do Democrata, de Governador Valadares, e depois de se destacar no Cruzeiro foi vendido à Roma por US$ 15 milhões – segunda maior negociação da história celeste, superada apenas pela do armador Geovanni, atual companheiro no Coelho, que saiu por US$ 18 milhões para o Barcelona. Quando pensa que o fim de carreira está próximo, Fábio Júnior se entristece. "De repente, aquela rotina acaba de um dia para o outro. É complicado pensar nisso. Hoje já consigo parar e pensar nessa situação. E confesso que, ao pensar que vou parar daqui a dois anos, bate uma angústia, por mais que a gente se prepare. Vai ser complicado..." VANTAGENS E DESVANTAGENS A braçadeira de capitão e o respeito dos

companheiros refletem o respeito conquistado por Fábio Júnior no Coelho. Com a experiência, ele aprendeu a "cortar caminho" em campo, poupando fôlego para os momentos certos. Fora de campo, dedica-se à mulher, Cristina, aos dois filhos – Isadora, de 6 anos, e Enzo, de 2 – e aos imóveis que administra. Apaixonado pelo futebol e dedicado à rotina de treinos, Fábio Júnior entende bem as vantagens e desvantagens da idade. "Quando a gente chega aos 35, começa a passar pela cabeça que está chegando ao fim. Por mais que a gente se esforce, se dedique, acaba sentindo um pouco. Hoje em dia, quando você se cuida, você tem uma carreira mais longa. Pelo lado positivo, tem a experiência: a gente passou pelas dificuldades e ensina isso para os garotos. É isso que me motiva a cada dia."


FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS


MARCELINHO PARAÍBA MARCELO DOS SANTOS 37 ANOS Nascimento: 17/5/1975, em Campina Grande-PB l Altura e peso: 1,77m e 70kg l Posição: armador l Clubes: Campinense-PB, Paraguaçuense, Santos, Rio Branco-SP, São Paulo, Olympique de Marselha (FRA), Grêmio, Hertha Berlin (ALE), Trabzonspor (TUR), Wolfsburg (ALE), Flamengo, Coritiba, São Paulo, Sport, Barueri e Boa l

‘É TRISTE. EU AMO JOGAR’ RENAN DAMASCENO

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arginha – Marcelinho Paraíba tinha poucas referências terrenas sobre Varginha antes de desembarcar no Sul de Minas para defender o Boa, em outubro. Da cidade, conhecia apenas histórias de discos voadores e extraterrestres, que tornaram a região conhecida em todo o mundo na metade da década de 1990. Aos 37 anos, com contrato renovado até novembro, caso o Boa suba para a Série A do Brasileiro, o armador vai cobrar da diretoria compromisso por mais uma temporada. Em boa forma, Marcelinho já se arrisca em nova função. “Tenho trabalhado mais como empresário de jovens atletas. Tenho os direitos de alguns jogadores. Estou começando agora, não são muitos, mas tenho três ou quatro para começar”, comenta o jogador, agente do arma-

dor Esquerdinha (emprestado ao Patrocinense), do armador Fernandes (Campinense) e de alguns jovens da base do Sport. Marcelinho teve carreira de destaque no Brasil e na Europa. No Velho Continente, destacou-se no Hertha Berlin, onde ficou cinco temporadas, vencendo a Liga da Copa Alemã em 2001 e 2002. De volta ao futebol brasileiro desde 2008, ao sair do Flamengo em 2009 esteve bem perto do Cruzeiro, mas não chegou a acordo. VIDA NO INTERIOR Apesar de estar bem fisicamente, o armador se diz incomodado com a proximidade da aposentadoria. “Tenho 20 anos de carreira e é difícil chegar próximo de encerrá-la. A gente já começa a pensar no futuro, como vai ser

quando parar. É triste, porque amo jogar futebol. Meu condicionamento físico está bom, pois se não estivesse eu não me esforçaria.” Morando com a família em Varginha, ele alugou uma casa ampla e vive aos cuidados da mãe, dona Elita, que acompanha de perto sua carreira. Constantemente parado nas ruas para dar autógrafos, não foge das cobranças quando o time vai mal. “É um pouco parecido com Campina Grande, apesar de menor. Estou acostumado com o interior. Morei em Paraguaçu Paulista, Americana... Todo mundo se conhece. Aqui, gostei do carinho que o povo teve comigo e com o Boa. É um time novo na cidade e quero abrir as portas para outros grandes jogadores virem para cá.”


FOTOS: RAMON LISBOA/EM/D.A PRESS


DITINHO FRANCISMAR ROSA DOS SANTOS 41 ANOS l

Nascimento: 21/3/1972, em São José dos Campos-SP l Altura e peso: 1,70m e 66kg l Posição: atacante l Clubes: Guarulhos, Noroeste, Paulista, URT, Passos, Funorte e Hortolândia-SP

‘É DIFÍCIL FICAR ASSISTINDO DA ARQUIBANCADA’ RENAN DAMASCENO

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s 12 anos dedicados à URT renderam a Ditinho 1.386 votos nas eleições municipais do ano passado, votação suficiente para elegê-lo vereador em Patos de Minas, no Alto Paranaíba. Maior artilheiro da história da URT, com 103 gols em mais de 200 jogos, o atacante abandonou os gramados aos 40 anos para se dedicar exclusivamente ao Legislativo. A ideia de se lançar candidato era antiga e tomou força depois de problema de saúde que o tirou de combate. Em março do ano passado, Ditinho passou mal durante partida contra o Araxá, pelo Módulo II do Mineiro. Após o jogo, foi levado para a UTI, onde se submeteu a vários exames. A tomografia mostrou uma obstrução do canal do rim direito, totalmente com-

prometido, obrigando a retirada do órgão. "Coincidiram o período de recuperação, a idade avançada e a vontade de me candidatar. Queria retribuir à cidade todo o carinho que recebo nas ruas desde que cheguei aqui. É um trabalho completamente novo, mas aos poucos estou aprendendo direitinho", comenta o vereador, que tem dois filhos que sonham ser jogadores de futebol: Luiz Henrique, de 15 anos, e Ially Henrique, de 14, vão fazer teste nas categorias de base do Cruzeiro no mês que vem. POSSÍVEL RETORNO Habituado à nova rotina e totalmente recuperado, Ditinho sonha em voltar a defender as cores azul e branca. Cogitou disputar o Clássico do Milho, com

o arquirrival, Mamoré, marcado para hoje, mas a falta de tempo para os treinos e divergências com membros da diretoria adiaram seu retorno. "Estou jogando, mas não profissionalmente. Tenho vontade de defender a URT, mas está faltando tempo para treinar. É difícil conciliar, sempre tem uma coisa nova para fazer, um compromisso ou alguma reunião na Câmara." Para Ditinho, ficar de fora do duelo que o consagrou – é o maior artilheiro do clássico com 12 gols – ainda é difícil. "A gente sente falta de jogar. É difícil ficar assistindo da arquibancada. Apesar de ter feito 41 anos, ainda estou bem e teria condições de voltar a jogar. Às vezes, dá vontade de descer, calçar a chuteira e correr com a bola rumo ao gol."


FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS


LUIZINHO ANTÔNIO LUIZ FERREIRA DOS SANTOS 34 ANOS Nascimento: 8/3/1979, em Santa Inês-BA l Altura e peso: 1,64m e 61kg l Posição: armador l Clubes: Vitória, Bahia, Montes Claros, Uberlândia, Rio Branco, Caldense, Villa Nova, Uberaba, Nacional e Caldense l

‘QUERO CONTINUAR NO FUTEBOL’ RENAN DAMASCENO

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oços de Caldas – Banco para Luizinho, só se for o da escola. Desde o ano passado, o armador da Caldense divide seu tempo entre treinos, jogos e estudos. O baiano, de 34 anos, pretende fazer faculdade depois de se aposentar e sabe que o caminho é longo e requer dedicação. "Meu sonho é fazer o Enem e cursar faculdade na minha área, educação física, porque quero continuar no futebol", conta o jogador, que completou o segundo grau por meio de curso supletivo em 2012. Nascido na cidade baiana de Santa Inês, Luizinho veio para Minas em 1998, por indicação do técnico Célio Costa, das divisões de base do Cruzeiro, e nunca mais voltou ao futebol baiano. No interior mineiro, passou por muitos clubes

antes de chegar a Poços de Caldas, que o adotou há cinco anos. Quando tinha 15 anos, Luizinho conheceu a mulher, Rosângela, à época com 12. Hoje, ela o ajuda a estudar. "Estou lendo os livros. Minha esposa é professora e tem me ajudado muito." Apesar de não ter jogado profissionalmente em nenhum clube de expressão, o atleta se sente realizado. "Não ganhei salários altos, mas a média me possibilitou ter estabilidade. Meu filho estuda em escola particular. Tenho tudo do melhor, sem nenhum abuso." CHUTEIRA 35 Sair de uma cidade de pouco mais de 10 mil habitantes e tentar um lugar ao sol no difícil mundo do futebol não foi a única dificuldade enfrentada por Luizinho. Encontrar uma chuteira do

seu número, 35, sempre lhe deu trabalho. Muitas vezes, só na prateleira dos calçados femininos. A que ele usa no Campeonato Mineiro pertenceu a ninguém menos do que a atacante Marta. "O preparador de goleiros do Nacional de Nova Serrana estava em Londres com a Marta, em Wembley, né? Teve um jogo em que ela deixou a chuteira em um canto para fazer o exame. O preparador foi entregar a ela, que disse: ‘Pode ficar pra você’. No fim do ano passado, quando eu estava jogando em Nova Serrana, o preparador trouxe as chuteiras para todo mundo e perguntei: ‘Professor, não tem uma 35 aí, não?’ Ele me respondeu: ‘Tenho, é da Marta, você se importa?’ Eu disse: ‘Claro que não’. Ainda veio com as gramas de Wembley", comemora.


RAMON LISBOA/EM/D.A PRESS


ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS

RODRIGO POSSO RODRIGO POSSO MORENO 36 ANOS Nascimento: 16/5/1976, em Moreira Sales-PR l Altura e peso: 1,86m e 86kg l Posição: goleiro l Clubes: Cruzeiro, Ipatinga, Rio Branco, Tuna Luso, Remo, ABC-RN, Gama, Uberaba, Ermis Aradippu (CHP), Uberlândia, Social e Nacional l

‘EU PAREI E VOLTEI’ RENAN DAMASCENO

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goleiro Rodrigo Posso já experimentou os dois lados do futebol. Chegou a se aposentar em 2009 e a atuar como diretor de futebol no Ipatinga, mas a saudade dos gramados e algumas decepções no novo cargo o fizeram voltar. Aos 36 anos, vive a incerteza se vai continuar jogando no segundo semestre, o que pode levá-lo à aposentadoria definitiva. "O calendário é pequeno: quatro, cinco meses. Se o time não conseguir vaga na Série D, estou desempregado. A maioria dos times do interior do Brasil só funciona no primeiro semestre", comenta o goleiro do Nacional, que tem contrato até o mês que vem. Rodrigo Posso saiu de casa, em Moreira Sales-PR, aos 15 anos, abdicando do convívio com a família, para se tornar jogador de futebol. Ele fez parte das categorias de base do Cruzeiro, assumindo a vaga de

Dida no time profissional em 1999, mas se destacou no Ipatinga, sendo titular na ascensão meteórica do time do Vale do Aço entre 2004 e 2008, sendo campeão mineiro em 2005, vice estadual e semifinalista da Copa do Brasil em 2006. Trocou as luvas pelas funções burocráticas depois de passar pelo Chipre em 2009 e ajudou o Tigre a ser campeão do Módulo II. "Parei em uma decisão errada, precipitada, para ficar mais com a família. Quando meu filho nasceu, eu queria que ele me visse jogando. E o cargo de diretor de futebol não era o que imaginava", conta. VIDA DE ESTUDANTE Rodrigo Posso ficou quase uma temporada longe dos gramados e retornou para defender o Uberlândia em 2010. Jogou ainda no Social, de Coronel Fabriciano, antes de chegar ao Nacio-

nal. Garante que a idade lhe faz bem. "O trabalho de reação e velocidade é a mesma coisa. Treino o mesmo tanto que os mais jovens, mas me cuido mais." Apesar de não pensar em assumir cargo de diretor de futebol novamente, Posso não quer abandonar o futebol. Sonha em ser auxiliar técnico. Na metade do curso de Educação Física, na Unileste, de Ipatinga, teve de trancar a matrícula para voltar aos gramados. Garante que leva uma vida tranquila, apesar de ter jogado boa parte da carreira no interior. "O salário não é o que todo mundo imagina. E às vezes se pode ficar cinco ou seis meses sem jogar ou defender um clube que não paga direito. É uma aposta, que vale a pena para os mais jovens. Tem de ir atrás do sonho, mas se preparar, estudar, para ter outra saída."


FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS


GLAYSSON GLAYSSON LEANDRO RODRIGUES 34 ANOS Nascimento: 1/3/1979, em Belo Horizonte l Altura e peso: 1,84m e 92kg l Posição: goleiro l Clubes: Cruzeiro, Ipatinga, Democrata-GV, Grêmio Mauaense-SP, Olympic de Barbacena, Guarani, Democrata-SL, Mixto-MT, Uberlândia, Rio Branco, Villa Nova, Legião-DF, Uberaba, Volta Redonda, Nacional, Araguari e Caldense l

‘EU PAREI E VOLTEI’ RENAN DAMASCENO

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oços de Caldas – Poucos jogadores conhecem tão bem o interior de Minas como o goleiro Glaysson. Basta começar o aquecimento no estádio de um dos 13 clubes mineiros que ele defendeu em duas décadas de carreira, para ser lembrado e aplaudido pelos torcedores locais. Há três temporadas na Caldense, sabe como poucos da realidade do futebol longe dos grandes centros. "Ficar rico a gente não fica, não. Se pegar um time que paga em dia, dá para ter um carro, uma casa. Vive tranquilamente. O ruim é que tem muito time que acerta tudo e não paga. A gente entra na Justiça e, mesmo assim, fica sem receber. Tenho uma dívida com o Democrata, de Sete Lagoas, desde 2007, que não recebo. Ficou para trás. Uns R$ 100 mil...", lembra o jogador, que viveu

situação semelhante no Araguari. "Eles me pagaram só o primeiro mês, depois ficou só no papo..." Aos 34 anos, Glaysson pensa em atuar até os 40. "Pretendo jogar bola até quando os times me quiserem e as pernas aguentarem. Por enquanto, estou indo bem, aguentando", comenta o goleiro, que se preocupa com a forma. "Por ter tendência a engordar, tenho de me cuidar bem. Não posso comer de tudo. Às vezes, a gente viaja e fica em hotel bom, com churrasco bacana, e tenho de me segurar." VIDA DE EMPRESÁRIO Ao contrário da maior parte dos jogadores, Glaysson não pensa em seguir carreira no futebol depois de se aposentar, apesar de sempre brincar com o diretor de futebol da Calden-

se, Alex Joaquim, que ainda vai "arrumar uma mesinha no escritório do clube". Ele se sente realizado na profissão, pelas amizades e "causos" do futebol. No Cruzeiro, dividia o armário com o também goleiro Dida e, sempre que chegava, tinha de tirar as cartas de fãs do titular para acomodar suas roupas. Lembra e conta muitas histórias, sempre com sorriso largo. Mesmo sendo um cigano do interior, o atleta pretende viver em Belo Horizonte quando parar, para tocar os negócios da família. "Graças ao futebol, consegui minha casa, meu carro, montei uma empresa de aluguel de mesa para festa, uma loja de calçados, de que minha esposa toma conta. Quero abrir mais negócios, mexer mais com aluguel, terreno..."


FOTOS: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS


ANDRÉ LUÍS ANDRÉ LUÍS GARCIA 33 ANOS Nascimento: 31/7/1979, em Bagé-RS l Altura e peso: 1,92m e 88kg l Posição: zagueiro l Clubes: Santos, Fluminense, Benfica, Olympique de Marselha (FRA), Cruzeiro, Botafogo, Barueri, São Paulo, Fluminense, Portuguesa e Boa l

‘NÃO TENHO PROJETO’ RENAN DAMASCENO

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arginha – Tricampeão brasileiro por Santos (2002 e 2004) e Fluminense (2010), André Luís chegou ao Boa no mês passado com o objetivo de reconstruir a carreira e pôr a cabeça no lugar. Aos 33 anos, o zagueiro estava desempregado havia seis meses, tempo suficiente para repensar a profissão. "Fiquei procurando trabalho. Meu empresário tentou me empregar em vários times, mas estava difícil. Fiquei esse tempo todo sem jogar. Bate a preocupação, pois todo jogador quer estar na ativa." A carreira do defensor de 1,92m ficou marcada mais pelas polêmicas do que pelos títulos. Em 2008, defendendo o Botafogo, teve decretada voz de prisão depois de ser expulso contra o Náutico, nos Aflitos. Ele havia sido expulso e, inconformado, chutou uma garrafa em di-

reção à arquibancada, acertando uma torcedora. Perseguido por policiais, foi detido por desacato. Em novembro do mesmo ano, tirou o cartão amarelo da mão do árbitro Carlos Chandía ao ser expulso contra o Estudiantes, pela Copa SulAmericana. "Hoje sou um cara mais tranquilo. Aprendi muito com as duas passagens. Penso que não fiz nada de errado. A única coisa é que chutei a garrafa na tela e ela acertou a torcida. No Rio, fui apartar a briga com o Carlos Alberto e o juiz veio me expulsando. Fiquei nervoso, mas exagerei. Entendo que exagerei. No futebol, se não tem a cabeça no lugar, você só se prejudica." VOLTAR À ELITE O gaúcho nunca havia ouvido falar de Varginha. Segundo ele, parece um pouco Bagé, a

cidade natal. Conhece pouco do Boa, apesar de ter jogado com o atual técnico, Sidney Moraes, no Fluminense, e com Marcelinho Paraíba no São Paulo. "Cidade tranquila, não tem zoeira, não tem festa. Bom para trabalhar. Gosto de sair. Sou solteiro, não vou esconder, saio bastante. Sou um cara que não bebe muito, bebo pouco. Mas, quando estou em atividade, procuro me cuidar melhor", garante. Fora de campo, apesar de já ter passado dos 30, André Luís não se dedica a outra atividade. "Até agora, não trabalhei com nada. Estou bem tranquilo, não tenho com o que me preocupar. A gente sabe que depois que o jogador para é difícil, mas nunca me preocupei. Por enquanto, não tenho nenhum projeto. Vamos ver... Quem sabe, de repente, eu vire um treinador?"


FOTOS: ZULEIKA DE SOUZA/CB/D.A PRESS


ALOÍSIO CHULAPA ANDRÉ LUÍS GARCIA 38 ANOS Nascimento: 27/1/1975, em Atalaia-AL l Altura e peso: 1,88m e 93kg l Posição: atacante l Clubes: CRB, Flamengo, Guarani, Goiás, Saint-Etienne (FRA), Paris Saint-Germain (FRA), Rubin Kazan (RUS), Atlético-PR, São Paulo, Al-Rayyn (CAT), Vasco, Ceará, Brasiliense, Brusque-SC, Francana-SP e Gama-DF l

‘NUNCA DECEPCIONAR A MÃE’ LORRANE MELO

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rasília – O amor, "daquele jeito, aquele sentimento", Aloísio Chulapa diz não ter encontrado nem nos braços da ex-mulher, a carioca com quem foi casado por 17 anos. O coração do atacante, que está noivo há quatro de uma alagoana que conhece desde criança, sempre esteve dominado. "O futebol foi minha grande paixão", conta o personagem do sexto capítulo da série "Rumo à primeira morte", sobre jogadores prestes a se aposentar. como se tudo já tivesse chegado ao fim. Como toda relação, vieram a rotina e o cansaço. As pernas já não acompanham os jogadores mais novos. O corpo dói muito depois do jogo. E nos treinos ele precisa ser poupado. São nada menos do que 38 anos. Quando fizer 39, em janeiro do ano que vem, Aloísio quer pendu-

rar as chuteiras. E não tem medo do fim. Depois de dar à mãe, dona Maria, casa, comida, e tudo o que tem de bom, ele precisa atender ao último pedido da única mulher que faz seus olhos marejarem. Todo dia, ao telefone, ela pede ao filho – seu eterno menino – que volte aos seus braços e sossegue. O jogador já perdeu o pai, que, mesmo com o prato de comida contado – "Era só aquele e não tinha mais" –, não viu nada faltar à família e ainda lhe deixou uma casinha de herança. Mais um motivo para não decepcionar dona Maria. Uma casa na praia, com o "danone" – cerveja para os íntimos – gelado, e um clube que comprou em Atalaia (cidade alagoana, a 30 minutos de Maceió, onde nasceu), além de um flat em cada orelha e dois carros importados, estão lhe

esperando, e ele diz estar preparado. Não para deixar o futebol completamente de lado. Mas para aproveitar ainda mais a vida. Além de cuidar dos três filhos (o sorriso se fecha quando pensa que a mais velha, Ana Luísa, pode estar namorando), o atacante quer, só durante a semana, revelar na Associação Aloísio Chulapa um novo "trombador" que leve o nome de Atalaia para o resto do mundo, como ele fez. Os sábados e domingos serão dedicados ao churrasco e à pelada com amigos. E quem sabe entrar para a política, espelhandose no amigo Romário, a quem também homenageou dando o mesmo nome ao filho do meio, de 10 anos? Aloísio ainda quer ter mais um menino para batizá-lo de Rogério Ceni. E ser lembrado para também receber homenagens.


FOTOS: LÉO BORGES/NAJOGADA/AGÊNCIA O GLOBO


RAMON MENEZES RAMON MENEZEZ HUBNER 40 ANOS Nascimento: 30/6/1972, em Contagem l Altura e peso: 1,70m e 70kg l Posição: armador l Clubes: Cruzeiro, Bahia, Vitória, Bayer Leverkusen (ALE), Vasco, Atlético, Fluminense, Botafogo, Al-Gharafa (CAT), Atlético-PR, Joinville-SC, Caxias-RS e Cabofriense-RJ

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‘JÁ TENHO CARTEIRA DE TREINADOR’ PEDRO VENÂNCIO

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io – Prestes a completar 41 anos, Ramon conserva a mesma forma dos tempos em que era titular de um Vasco que conquistou quase tudo no fim da década de 1990. Os objetivos, no entanto, são diferentes. Na Cabofriense, que disputa a Segunda Divisão carioca, ele se diz motivado com a possibilidade de ser campeão pela 16ª vez na carreira. “Não parei porque sinto muito prazer em jogar futebol, da rotina do esporte. Meu corpo ainda responde bem aos exercícios nos treinamentos, e acho que tenho condições de ajudar muito a Cabofriense”, afirma o armador, que chegou ao clube no início do ano. “Fui convidado pelo presidente para o projeto de uma temporada inteira. E estou muito feliz em poder jogar no Rio novamente. Cabo Frio é um lugar muito bom de se mo-

rar”, analisa o jogador mineiro, revelado pelo Cruzeiro, com boa passagem pelo Atlético, famoso pelas cobranças de falta e por se manter em grandes campeonatos por muito tempo. “Entre 1992 e 2010 só joguei na Série A dos países em que estive. A última foi no Vitória. Só em 2011, aos 39 anos, me mudei para o Joinville, para disputar a Série C, e ganhamos. Acho que tive uma carreira vitoriosa, bem construída”, diz. O momento mais marcante, para ele, foi a conquista da Copa Libertadores de 1998 pelo Vasco, quando o time contava também com um veterano em campo. “O Mauro Galvão foi importantíssimo para nos passar segurança naquele período. É importante haver jogadores experientes em um grupo.” Sobre a aposentadoria, o atleta

garante encarar o assunto com tranquilidade. “Sei que em algum momento vai acontecer e que essa hora está chegando. Se tiver de parar amanhã, faço isso sem problemas, pois já vivi muitas coisas boas dentro do futebol e sou muito grato por isso”, afirma Ramon, que, à exceção de uma fratura na fíbula em 2005, quando defendia o Botafogo, não teve muitas lesões sérias na carreira. “Sempre me cuidei e agora estou colhendo os frutos.” Ele já tem ideia bastante clara do que fazer quando deixar os gramados. “Já tenho minha carteira de treinador, mas na vida precisamos nos preparar para tudo o que formos fazer. Então, para iniciar essa atividade, preciso me qualificar mais, buscar mais informações e estudar mais. Meu objetivo é continuar ligado ao esporte”, conclui.


DEPOIS DA PRIMEIRA MORTE “A aposentadoria representa uma nova vida financeira e social”, diz Paulo Isidoro. Lição bem aprendida por cinco antigos craques


ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS


ARQUIVO EM/D. APRESS

FERNANDO GOMES/AGENCIA RBS/FOLHAPRESS

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CUCA

MARCELO OLIVEIRA

ALEX STIVAL 49 ANOS

MARCELO OLIVEIRA SANTOS 58 ANOS

Foi armador e jogou até os 33 anos. Hoje é técnico do Atlético

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Foi armador e jogou até os 30 anos. Hoje é técnico do Cruzeiro

BOAS LEMBRANÇAS, APESAR DE TUDO RENAN DAMASCENO

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uca e Marcelo Oliveira – técnicos de Atlético e Cruzeiro, respectivamente – trilharam com sucesso o caminho com que muitos jogadores sonham: pendurar a chuteira e treinar grandes equipes do futebol brasileiro. O hoje alvinegro se aposentou em 1996, quando defendia a Chapecoense-SC, e assumiu um time pela primeira vez dois anos depois: o Uberlândia. Já o celeste encerrou a carreira em 1985, no América, e começou na prancheta na década passada, nas categorias de base do Galo. Os dois guardam boas recordações dos tempos de jogador, mas não escondem que sofreram na aposentadoria. Além da dor de deixar o ofício a que se dedicou por mais de uma década, Cuca viveu um drama pessoal. "Já não tinha condição física, que era meu forte, por is-

so parei de jogar no fim de 1996. Aí, pensei: ‘Vou viver um pouco com meu melhor amigo’, que é meu pai, então com 61 anos. Ele era forte, jogava futebol com a gente, no gol. E morreu em 22 de fevereiro de 1997", comenta o treinador, que no ano anterior havia conquistado o Campeonato Catarinense, primeiro título da história da Chapecoense. Cuca recorda o período como um dos mais difíceis da carreira. "A gente entra em parafuso, tentando entender por que a vida é assim: você vive longe do pai e, quando consegue ficar junto, ele morre. E daquele dia em diante passei a cuidar da família." SONHOS Marcelo deixou o futebol, mas a bola nunca o abandonou nos anos em que não viveu à beira

do gramado. "Sou tão apaixonado pelo futebol, que sonhei durante muito tempo com futebol. Sonhava que estava no vestiário, com técnico dando preleção, com uma jogada, batendo pênalti... Agora, já passou. Sonho é com o próximo jogo e com o time que vou colocar em campo e acordo e perco o sono", brinca. O ex-atacante encerrou a carreira cedo, aos 30 anos, por opção própria. Tinha convites para defender o Santa Cruz, jogar nos Estados Unidos ou em um time da Segunda Divisão da Itália. "Era recém-casado e estava desgastado com viagens e concentrações. Então, parei bem consciente, mas depois de um tempo pensei que poderia ter jogado um pouco mais." (com Cláudio Arreguy)


RODRIGO CLEMENTE/EM/D.A PRESS


RAMON LISBOA/EM/D.A PRESS


MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS

EULLER EULLER ELIAS DE CARVALHO 42 ANOS Nascimento: 15/03/1971, em Curvelo (MG) l Altura e peso: 1,71 cm e 72 kg l Posição: atacante l Clubes: América, São Paulo, Atlético, Palmeiras, Verdy Kawasaki (JAP), Vasco, Kashima Antlers (JAP) e São Caetano l

‘SONHO EM ME TORNAR TÉCNICO’ BRUNO FREITAS

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aposentadoria não foi um tabu para Euller Elias de Carvalho. Depois de dois anos tentando “prolongar ao máximo” a carreira, o Filho do vento decidiu no fim de 2011 que era hora de se retirar dos gramados. Apoiado pela família, o atacante deixou o América – que o revelou e onde ganhou o epíteto do locutor da Rádio Itatiaia Milton Naves – com nova vida em mente: ser treinador. A primeira aula veio de ninguém menos do que Luiz Felipe Scolari, em estágio de quatro meses no ano passado, no Palmeiras. “Sonho em me tornar técnico. Faço curso de psicologia do esporte e ainda quero fazer mais dois estágios, de preferência com Vanderlei Luxemburgo e Paulo Autuori, dois caras que admiro. O curso com Felipão foi excelente. Apesar de já conhecê-lo do Palmeiras e da Seleção, pude ver a evolução e o desenvolvimento do trabalho de perto.” Algo do trabalho atual da classe no Brasil, po-

rém, o incomoda. “Andam perdendo muito a identidade dos clubes, o estilo de jogo... Tudo que foi feito vem sendo deixado de lado.” O ex-atacante divide a rotina entre o apartamento em que mora, na Zona Sul de BH, duas escolinhas de futebol e projetos sociais para jovens carentes. Como o Instituto onde a arte se une ao esporte (Auê), quem tem a filha Eduarda, de 11 anos, como promessa, no treinamento de ginástica rítmica a cerca de 50 meninas de escolas públicas. “Ela e meus dois outros filhos (Gabriel, de 12, e Alice, de 2) são meus grandes orgulhos.” Quando pode, Euller vai aos jogos do Coelho ou do Atlético, sempre anotando estratégias no caderninho que leva a tiracolo. Do América e da Seleção vêm suas grandes lembranças e lições – como a frustração por não ter sido chamado por Felipão para a Copa de 2002. “Esperei ser convocado até o último momento.”

A primeira passagem pelo futebol japonês pôs sua permanência no futebol em xeque. Em 1998, no Verdy Kawasaki, uma grave contusão (rompimento do ligamento cruzado do joelho esquerdo) o levou a pensar que iria parar de jogar. O momento mais marcante da carreira para ele, contudo, estaria por vir. “Foi um tempo tão bom que as portas se abriram e pude realizar outro sonho: estar ao lado do ídolo Zico, então diretor de futebol do Kashima Antlers. Nunca imaginei poder ser contratado por ele.” Do Japão também vieram o receio dos terremotos constantes e o gosto pela culinária oriental. “Por coincidência, meu irmão acabou montando um restaurante japonês no Caiçara.” Agora, o Filho do vento, de olho no futuro, quer acompanhar os jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, antes de se tornar técnico em 2015.


DANIEL GOSTA/GAZETA DO POVO


JORGE GONTIJO/EM/D.A PRESS

ÉLBER GIOVANE ÉLBER DE SOUZA 41 ANOS Nascimento: 23/7/1972, em Londrina-PR l Altura e peso: 1,82m e 90kg l Posição: atacante l Clubes: Londrina, Milan, Grasshoppers (SUI), Stuttgart (ALE), Bayern (ALE), Lyon (FRA), Borussia Mönchengladbach (ALE) e Cruzeiro l

‘A DOR VOLTOU E NÃO AGUENTEI’ BRUNO FREITAS

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e pudesse voltar no tempo, Giovane Élber de Souza não hesitaria em reviver a trajetória nos gramados. Revelado pela Seleção Brasileira de Juniores, vice-campeã mundial de 1991, quando defendia o Londrina e despertou o interesse do Milan, o ex-atacante lamenta ter sido forçado a deixar o futebol aos 34 anos, então no Cruzeiro, devido a uma lesão no tornozelo direito. Hoje com 40, não dispensa uma bola, embora o tempo seja escasso: além de dirigir uma empresa de nutrição animal e uma fazenda próximas a Cuiabá, é secretário de esportes de Londrina desde janeiro. “De vez em quando, a gente bate uma bolinha. Depois da cirurgia que fiz no joelho, por causa da lesão, continuei jogando em ritmo forte durante cerca de um ano, mas a dor voltou e não aguentei. Não conseguia nem brincar com meu filho ao chegar em casa”, recorda Élber. Apesar do vínculo com a terra natal, a maioria das

lembranças vem da Alemanha, onde viveu 10 anos e teve seu melhor momento, defendendo Stuttgart e Bayern e fazendo 108 gols em 190 jogos. É sempre convidado para amistosos da equipe senior do Bayern. Antes de se aposentar, o ex-atacante já pensava em investir fora das quatro linhas. Daí surgiu o interesse em empreendimentos rurais. Antes de assumir a pasta na prefeitura de Londrina, sem pretensões políticas, Élber chegou a assinar contratos com uma emissora de TV alemã para comentar a Copa das Confederações e a Copa do Mundo (como fez nos Mundiais de 2006 e 2010) e como consultor do Bayern para a América do Sul. “Hoje minha agenda é muito mais concorrida do que na época de jogador. Assumi a responsabilidade pessoal de apostar na mudança do esporte em Londrina, mas continuo com um pé na Alemanha. É um país

muito bom de se viver, tranquilo e com muita segurança. Quando digo que vamos viajar para lá, meus filhos vibram”, diz, referindo-se a Camila, de 16 anos, e Victor, de 14. O início na Europa, contudo, foi difícil. “Fiquei pouco tempo no Milan, porque havia poucos estrangeiros e eu só tinha 18 anos. Era um time a ser batido, o Barcelona de hoje. No Stuttgart, fiquei sozinho num mundo frio. Passei por muitas situações difíceis ao lado do meu irmão, mas foi um grande aprendizado.” A passagem pelo Cruzeiro, com o qual conquistou o Mineiro de 2006, é relembrada como “espetacular”. “Se não tivesse construído minha casa em Londrina, estaria morando em BH até hoje. O respeito pelos torcedores era grande, mesmo os do Atlético, e era bem gostoso viver em Minas. Só o tornozelo não ajudou. Não fosse isso, jogaria mais quatro ou cinco anos.”


TULIO SANTOS/EM/D.A PRESS


ARQUIVO/EM/D.A PRESS

MARQUINHOS MARCO ANTÔNIO DA SILVA 41 ANOS Nascimento: 9/5/1966, em Belo Horizonte l Altura e peso: 1,71m e 73kg l Posição: armador l Clubes: Atlético, Internacional, Cerezo Osaka (JAP) e América l

‘A VIDA DE ATLETA ERA CANSATIVA’ BRUNO FREITAS

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amisa 10 do Atlético no Campeonato Brasileiro de 1987 – dono da melhor campanha, o time caiu nas semifinais diante do Flamengo de Zico, Bebeto e Renato Gaúcho –, Marco Antônio da Silva já previa a aposentadoria quando defendia o japonês Cerezo Osaka, de 1994 a 1996. A briga com a balança e a escassez de tempo livre da vida de jogador acabaram por convencer o armador a deixar a carreira no América, dois anos depois, aos 34, para se dedicar ao ramo imobiliário. Motivado a aproveitar a vida, Marquinhos atualmente desfruta o sustento dos imóveis e galpões que construiu em Belo Horizonte, terra natal da qual não abriu mão ao se despedir das quatro linhas. “Foi uma transição bem tranquila parar de jogar. Na minha cabeça, quando estava no Japão, já sabia que não ficaria muito tempo no futebol. Passei boa parte da minha carreira sem os fins de semana livres, não po-

dia comer o que queria. Além disso, a vida de atleta era cansativa”, conta. A dificuldade em se readaptar ao ritmo de jogo brasileiro no América, onde ficou apenas quatro meses, também contribuiu para a aposentadoria. Marquinhos até pensou em seguir carreira em times do interior, mas concluiu que não valeria a pena. Analisando o passado, o elenco alvinegro de 1987, comandado por Telê Santana, foi o que mais o marcou. Para o ex-armador, que foi convocado por Falcão para a Seleção Brasileira quando defendia o Internacional, se o Brasileiro da época fosse em pontos corridos como hoje, o Galo teria maiores chances de ser campeão. “Tínhamos uma equipe marcante, com Luizinho, Renato e João Leite. No primeiro ano no profissional, trabalhei com um dos melhores técnicos do Brasil, Telê, que dispensa comentários, pela qualidade e seriedade. Sinto saudade

da torcida do Atlético, um público apaixonante, que incentiva bastante. No Rio Grande do Sul, tive recepção parecida.” A exemplo de Euller, Marquinhos tirou do futebol japonês um grande aprendizado. Emprestado pelo Inter com a missão de ajudar o Cerezo Osaka a subir para a Primeira Divisão, acabou tendo o passe comprado depois do final feliz. Os filhos, Jéssica (de 21 anos) e Allan (19), então pequenos e a cultura diferente não foram obstáculos. “Não havia a facilidade de hoje em se comunicar, mas nos adaptamos muito bem. A passagem pelo Osaka foi muito importante para minha carreira, principalmente do ponto de vista financeiro.” Apesar de continuar acompanhando o futebol, ele optou por deixar de frequentar estádios. “Não tem a mínima condição, por causa do tumulto. Ver a partida de pé não dá.”


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