MEDIA+Igual - Boletim 9 - Maio-Junho 2014

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Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media

Maio e Junho de 2014

Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita portuguesa: - dois de âmbito regional:

As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3. Pela positiva 4/5. Em análise: revista Vidas 6/7. Visibilidades LGBT 8/9. Violência doméstica 10/11. Em poucas palavras 12. A fechar/ Agradecimentos finais

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MEDIA +igual Foi enriquecedor o percurso que nos trouxe aqui, quase dez meses após as primeiras semanas de monitorização de imprensa, ao abrigo do projecto MEDIA+Igual. Dez meses depois, sabemos mais sobre como é que as desigualdades de géneros são representadas (e reforçadas) nos principais jornais e revistas nacionais. Perante uma realidade problemática, preferimos agarrarmo-nos à esperança de que, dos conteúdos analisados com os nossos parceiros, 15% marcam abordagens positivas e inclusivas. Sabemos, claro, que 15% é um número minoritário e que há ainda muito a fazer para promover uma comunicação social mais inclusiva. Mas também sabemos que esta é a prova de que é possível fazer melhor, com mais informação, mais respeito pelos/as envolvidos/as e retratados/as nas notícias, mais inclusão. Por isso, ao fim destes 10 meses, preferimos não olhar apenas para o número impressionante de notícias analisadas (221, escolhidas a partir de uma pre-selecção de 649 artigos) e sim problematizar o que ainda é necessário fazer no futuro. Isto porque, depois de identificados os problemas, é preciso continuar a acção no terreno, com novas aproximações aos/às jornalistas de âmbito nacional e, na sequência da vocação principa do IEBA, de âmbito regional. O projecto MEDIA+Igual termina aqui, ao fim destes dez meses de uma maior literacia mediática, mas o nosso objectivo não se esgota. Encontrar-nos-emos, certamente, nesse percurso!


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pela positiva No período de monitorização, que abrange os meses de Maio e Junho, o projecto MEDIA+Igual deparou-se com visibilidades positivas no discurso mediático que contribuíram para uma reflexão pública em torno das igualdades de género. Exemplo disso foi, por exemplo, o artigo “Mutilação genital passará a ser investigada sem queixa”, publicado no Diário de Notícias a 11 de Junho. Trata-se de um artigo extremamente positivo, que centra a atenção da esfera pública na problemática da mutilação genital feminina, esclarecendo a importância da mesma passar a ser vista como crime autónomo de natureza pública, na sequência de projectos de lei do PSD, CDS-PP e do Bloco de Esquerda. Neste contexto, é particularmente relevante o paralelismo estabelecido, no discurso mediático, entre a mutilação genital feminina e a violência doméstica, assumindo-se que ambos são crimes de violência contra mulheres e violações dos direitos humanos. É por isso notório, da leitura do texto,

que são apontadas causas de índole social e cultural, ao nível de assimetrias de género, para as duas problemáticas. Tal é reforçado com recurso ao depoimento de diversos/ as especialistas, que frisam que “quer a mutilação genital feminina quer a violência doméstica configuram formas de violação dos direitos humanos”, nas palavras da procuradora Helena Gonçalves, citada

pelo Diário de Notícias. Em paralelo com as fontes humanas, o artigo está também reforçado com questões do direito internacional, sublinhando a importância de tratados e convenções, ao nível europeu e mundial, no enquadramento com a violência doméstica – uma perspectiva positiva e contextualizada que foi caso único na monitorização realizada ao longo do projecto.

No artigo “Suspeitas de tráfico de seres humanos em Portugal mais do que triplicaram” (Público, 14 de Maio), estamos perante um tema cuja visibilidade pública é urgente e necessária. A notícia, a partir de dados constantes no relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos do Ministério da Administração Interna, permite perceber o impacto desta problemática em Portugal. Assim, é possível desconstruir ideias erróneas de que o

tráfico de seres humanos é uma realidade apenas presente em países terceiros. Apesar da visibilidade positiva, considera-se que seria necessário um maior esclarecimento da opinião pública quanto ao número de vítimas portuguesas exploradas para fins sexuais, para que não se marginalizasse a questão como algo que só diz respeito a cidadãos/ãs estrangeiros/as.


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pela positiva Dentro das representações mediáticas de violência doméstica, o artigo “Há 186 mulheres protegidas com ‘botão de pânico’ contra violência” (Diário de Notícias, 11 de Junho) ganha também destaque pela positiva. O artigo divulga os procedimentos de teleassistência a vítimas de violência doméstica, uma medida prevista há cinco anos, que reforça o sentimento de protecção e segurança. Só pelo tema abordado, já seria significativo destacar o artigo. Afinal, ao longo destes meses de monitorização, esta foi o único artigo dedicado à eficácia do chamado “botão de pânico”, naquele que é um acompanhamento da problemática da violência doméstica longe da descrição sensacionalista das agressões. Contudo, a notícia é

ainda trabalhada numa perspectiva inclusiva e positiva, com recurso a testemunhos directos de quem utiliza o serviço de teleassistência, além da contextualização informativa sobre o funcionamento do serviço e as regras para a sua aplicação (em duas caixas de texto distintas). É crucial a referência do artigo de que se trata de um “serviço gratuito e permanente”, sendo também de congratular a inclusão de estatísticas sobre a implementação da medida: hoje, há quase quatro vezes mais vítimas protegidas com um sistema de “botão de pânico” do que em 2012. Trata-se, portanto, de um artigo bem estruturado, com uma forte componente informativa e não sensacionalista. Além disso, opta por seguir um tom mais optimista

sobre o procedimento, permitindo que o mecanismo seja visto pela opinião pública como uma medida que realmente pode ajudar as vítimas – e, desta forma, fortalecendo uma atitude de exemplo positivo que pode beneficiar um sentimento de esperança de eventuais vítimas que ainda se encontrem em contexto de violência. Tal é feito, por exemplo, com reforço, ao longo do discurso, do efeito psicológico da teleassistência no restaurar da confiança das vítimas, diminuindo a ansiedade sentida. Nesse sentido, é de evidenciar que essa nota positiva mantém-se na conclusão do texto, com uma citação directa de uma das beneficiárias do “botão de pânico”: “As pessoas podem pensar que não vale a pena apresentar queixa, que a justiça não funciona. Mas isto funciona mesmo”.


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em análise: revista Vidas Neste boletim que encerra a actividade de monitorização do MEDIA+Igual, apresentase também um comentário final à revista Vidas – publicação integrante do Correio da Manhã, distribuída aos domingos – e, sobretudo, à rubrica “OPSSS”. Na totalidade dos conteúdos monitorizados, esta publicação revelase extremamente sexista na representação que faz das mulheres, reduzidas ao seu corpo, de forma passiva, e menorizadas num estatuto de mulher-objecto. Apesar de ser parte integrante de um jornal, torna-se óbvio que esta publicação pouco tem a ver com o conceito de jornalismo e com o cuidado que este deve ter em representações inclusivas de todos os géneros. Muito pelo contrário, o conteúdo da revista Vidas é abusivo e definese como um reforço perigoso das desigualdades de género existentes, promovendo comportamentos sexistas e uma visão redutora das mulheres. Tal postura é particularmente problemática tendo em conta a tiragem do Correio da Manhã e a dimensão da sua audiência, o que pressupõe um efeito negativo deste tipo de conteúdos sexistas na construção de uma representação de géneros na opinião pública. Estas constatações materializamse, por exemplo, nos conteúdos da rubrica “OPSSS”, que todos os meses têm chamado a atenção, de forma preocupante, desta Unidade Local de Análise de Imprensa. Trata-se de uma página fixa da revista que, em todas as edições, junta fo-


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em análise: revista Vidas grafias de mulheres ditas ‘famosas’ (personalidades publicadas ligadas, sobretudo, ao mundo do espectáculo) a pequenas frases, de conteúdo brejeiro e sexista. No global, o discurso produzido na junção de imagem e texto, resulta no reforço de assimetrias de poder e na definição de perspectivas sexistas – expressa em linguagem coloquial e assentes em trocadilhos – que se impõem na leitura do mundo quotidiano. Desta forma, fotografias que poderiam até ter significados inofensivos vêm a sua leitura fixada pelo texto que acompanha as imagens. De pendor altamente sexualizado e brejeito, o discurso encerra também uma devassa da vida privada para as mulheres fotografadas, em muitas das situações monitorizadas. É o caso, por exemplo, da edição em que a modelo Ana Braga é fotografada de biquíni, a comer uma banana, com o seguinte texto ilustrativo: “[…] a modelo brasileira parece ter-se juntado também à onda de solidariedade, com aquilo que, na gíria futebolística, poderia muito bem chamar-se de lance em… profundidade” (ver página ao lado). Em paralelo, a revista também parte de fotografias tiradas em contexto profissional para fomentar o sexismo e, até, o julgamento moral sobre as visadas. Tal é notório numa das edições de Junho, a respeito da cantora e actriz Miley Cyrus: “depois dos carros descapotáveis, dos tectos de abrir e dos panorâmicos, a actriz norteamericana criou uma nova solução

de arejamento para automóveis. São os chamados carros com… abertura fácil”. Mais uma vez, estamos perante uma linguagem dúbia, repleta de trocadilhos e conotações sexuais, cujo objectivo passa por acicatar uma visão sexista e objectificada perante as fotos apresentadas. O projecto MEDIA+Igual m anifesta o seu total repúdio pela presença deste tipo de conteúdos indexados a um jornal que obedece a critérios e obrigações jornalísticas.


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visibilidades LGBT A celebração de um casamento entre duas reclusas numa prisão foi mote para um artigo a 29 de Maio do Correio da Manhã (“Reclusas lésbicas casam na cadeia”). Apesar de ser uma notícia aparentemente positiva, por dar visibilidade ao casamento homossexual, apresenta problemas em termos discursivos, sobretudo por haver contornos insuficientemente explicados em torno dos factos. A abordagem da notícia centra-se na ideia de que foi autorizada uma condição especial para as duas reclusas (depois do casamento na prisão, foi-lhes permitido viverem juntas numa “cela especial”, com “mais espaço e maior comodidade”). Uma vez que os motivos para estas disposições não são claramente explicados – havendo, até, uma ausência de contexto informativo sobre se este é um procedimento previsto previamente para este tipo de casos –, a leitura do artigo aponta para uma situação de privilégio em relação a outras reclusas, o que até pode originar considerações discriminatórias na opinião pública. Mais grave, no entanto, é a patologização assumida – e descontextualizada – em relação à homossexualidade. O jornal apresenta, em caixa destacada, a informação de que “as duas noivas foram examinadas por um ginecologista”, sem apresentar motivos para este procedimento, promovendo conclusões erróneas por parte dos/as leitores/leitoras. A leitura integral do texto mantém o mesmo carácter dúbio e pouco explicativo em relação à necessidade

de exames ginecológicos. O artigo adianta que os mesmos são obrigatórios “nestes casos”, mas sem adiantar exactamente que casos são estes: casamentos entre pessoas do mesmo sexo nos estabelecimentos prisionais ou qualquer casamento que abranja uma reclusa? Fica a dúvida. Por fim, o último parágrafo peca pela descontextualização. Pode lerse que “Jorge Alves, do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, denuncia a falta de adaptação dos guardas para estes casos. ‘Os guardas não estão adaptados. A direcção-geral devia acautelar estas situações’”. No entanto, uma vez que esta questão da formação profissional esteve ausente no resto do artigo, permanecem dúvidas se haveria informações não divulgadas sobre casos concretos de falta de adaptação dos/as agentes

prisionais. Em conclusão, há uma preocupante falta de contexto informativo na peça jornalística, que aparenta estar mais focada em criticar, de forma subentendida, supostos privilégios do casal, do que em prestar uma informação exacta sobre os procedimentos tomados – deixando assim que seja o/a leitor/a, devidamente informado, a formar o seu juízo crítico. À semelhança de outros artigos de visibilidade LGBT de publicações de teor mais sensacionalista, analisados em edições passadas do boletim MEDIA+Igual, verifica-se que há uma maior preocupação do discurso mediático em evidenciar as orientações sexuais dos/as envolvidos/as nas notícias, do que em fornecer todos os dados relevantes para a compreensão dos factos ocorridos.


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visibilidades LGBT Na sequência da vitória de Conchita Wurst, travesti que conjuga um aspecto tipificadamente feminino com a permanência de uma barba, e no âmbito deste projecto de monitorização, foram seleccionados, três artigos do Diário de Notícias

curso directo de representantes de associações portuguesas da sociedade civil. Neste âmbito, foi importante que o discurso construído sobre os acontecimentos tenha surgido dos próprios movimentos LGBT, ao invés de ter sido imposta uma leitura exterior e possivelmente errónea.

Pese muito embora a consciência de que, em outros títulos de imprensa não monitorizados, o tom predominante da cobertura do Festival possa ter sido discriminatória e homofóbica, estes artigos do Diário de Notícias apresentamse como globalmente positivos: “Associações LGBT festejam vitória da diversidade” (13 de Maio), “Conchita gera agressividade por ‘baralhar estereótipos’” (14 de Maio) e “Nova heroína austríaca provoca fúria na Rússia” (12 de Maio). No geral, trata-se de um discurso mediático bastante sóbrio, que identifica claramente a actuação e as declarações públicas de Conchita Wurst como uma reivindicação pelo direito à diferença e pela desconstrução de estereótipos e heteronormatividades. No artigo de 14 de Maio, é particularmente importante a tentativa de desconstruir o binarismo de género, muito embora seja notória alguma confusão de conceitos entre orientação sexual e identidade de género.

A notícia “Nova heroína austríaca provoca fúria na Rússia” apresenta -se como o discurso mais problemático entre os três exemplos. Apesar de permanecer a visão que associa Conchita à desconstrução de estereótipos de género, o artigo foca-se na instrumentalização desta vitória numa campanha antiRússia, em pleno período de tensões políticas entre Moscovo e a União Europeia. Nesta perspectiva, a vitória de Conchita é representada como um símbolo da pluralidade, “liberdade” e “tolerância” da União Europeia, contrapondose ao conservadorismo da Rússia.

Já a notícia “Associações LGBT festejam vitória da diversidade” destaca-se pela sua dimensão inclusiva e plural. A actuação de Conchita é contextualizada no âmbito de uma perspectiva LGBT e do direito à diferença, através do dis-

Nesta redução das críticas apenas a vozes russas, esconde-se a discriminação que também existe na União Europeia. Seria de salutar uma postura menos bipolarizada do discurso jornalístico, na forma como faz a cobertura das críticas intolerantes. Se tal tivesse sido a opção escolhida (ao invés de uma visão a “preto e branco” entre União Europeia e Rússia), seria possível demonstrar e desconstruir a transversalidade do preconceito.


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violência doméstica Na sequência de mais um caso trágico de violência doméstica em Portugal, que resultou no assassinato da vítima pelo marido, surgiram vários artigos sobre os acontecimentos. As notícias “Dentista assassinada pelo marido” (Correio da Manhã, 29 de Maio) e “Marcos recusa divórcio e atinge Luana no coração” (Diário de Notícias, 29 de Maio) descrevem os pormenores da agressão.

da Manhã afirma que o agressor esperou pela polícia num café, enquanto o texto do Diário de Notícias frisa que ele foi preso ainda dentro da clínica. Mas as dúvidas estendem-se à própria natureza da relação entre vítima e agressor. Enquanto o Correio da Manhã descreve uma relação assimétrica e provavelmente abusiva (“o homicida era uma pessoa violenta”), o relato do DN mostra este episódio fatal como um comportamento isolado, motivado pelo divórcio

são com uma linguagem associada ao passional, ao amor. Tal é notório no título escolhido que joga com o duplo sentido de “coração”. A notícia reforça ainda o homicídio com episódio único de violência no casal, (o artigo começa com uma citação de uma amiga da vítima nesse sentido: “eles pareciam o casal perfeito, não entendo porque ele a matou”), o que remete para a invisibilidade de possíveis contextos prévios de violência.

São, na sua essência, dois artigos muito diferentes, embora os dois demonstrem – de forma negativa – uma tendência para a descrição narrativa dos acontecimentos, socorrendo-se de um discurso romanceado semelhante ao desenrolar de eventos num universo literário. Existem discrepâncias expressas entre os dois artigos no que concerne aos factos apresentados, que originam dúvidas sobre a veracidade da informação prestada. Por exemplo, a notícia do Correio

eminente. São pormenores discursivos que apresentam a violência doméstica mais próxima do infoentretenimento do que da denúncia desta problemática. É fundamental, no futuro, que os jornais apresentem uma informação mais rigorosa e contextualizada que contribua para uma opinião pública esclarecida sobre a temática da violência doméstica, longe de tendências de sensacionalismo. Verifica-se, por exemplo, que o artigo do DN acaba por romantizar o crime, ao sobrepor a realidade da agres-

Porém, há que valorizar o esforço do artigo em contextualizar a violência doméstica, com recurso a fontes especializadas, mas também a estatísticas sobre o número de mulheres assassinadas. A notícia termina com uma alusão ao impacto internacional da violência doméstica (embora não faça a desconstrução das assimetrias inerentes de género e de poder). Tal é feito com recurso às palavras de um turista que passeava pela baixa de Lisboa na altura do crime: “Também aqui?’”.


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violência doméstica Com o título “1170 agressores pagam multa para escapar a um julgamento”, este artigo de 10 de Maio, publicado no Diário de Notícias, apresenta uma análise ao mecanismo de suspensão provisória do processo aplicadas em crimes de violência doméstica. Se, por um lado, é muito importante que os procedimentos associados às queixas formais de violência doméstica sejam esclarecidos no discurso mediático, para informação da opinião pública, a verdade é que o título escolhido acaba por, erroneamente, apontar a suspensão como uma má solução. Da leitura do mesmo, advém a sensação de impunidade geral dos agressores, quando o mecanismo de suspensão provisoria do processo tem os seus aspectos positivos – sendo que a última decisão quanto à suspensão do processo tem sempre que partir da vítima.

O título apresenta-se redutor e, até, descontextualizado em relação ao teor completo do artigo. Além disso, resulta uma visão passiva das vítimas. Tendo em conta que muitas vezes são as próprias agredidas a pedir a suspensão do processo, o título retira-lhes poder em termos de visibilidade pública. Este sentimento de impunidade pode até contribuir para um sentimento de medo que impeça outras vítimas de apresentar queixa. Há, no entanto, fortes pontos positivos no artigo. O texto (independentemente do título escolhido) dá uma importante visibilidade aos aspectos processuais do crime de violência doméstica, contribuindo para uma opinião pública mais esclarecida. Em paralelo, podem também ser lidas informações precisas sobre o que fazer perante a agressão/risco (incluindo contactos e referências a associações da sociedade civil que podem

servir de apoio às vítimas). Além das alternativas de ajuda em caso de agressão, o artigo vai mais longe ao elencar soluções de acolhimento temporário a vítimas de violência doméstica, gestão do posto de trabalho, apoios financeiros previstos pelo Estado e apoio específico a casais do mesmo sexo. A notícia é acompanhada de uma infografia detalhada, que ocupa a metade superior da primeira página, com dados relativos às mulheres mortas pelos companheiros ou ex-companheiros. A opção jornalística de identificar cada uma das vítimas permite uma personalização do crime perante o/a leitor/a, envolvendo-o na problemática. Contudo, há que notar ainda o relevo dado à arma do crime – tendência já verificada noutras notícias e jornais –, que acaba por pôr a tónica nos pormenores grotescos dos homicídios, ignorando contextos anteriores de violência.


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em poucas palavras Diário de Notícias, 09/05/2014

Diário de Notícias, 30/05/2014

Trata-se de um artigo que aborda os estereótipos de idade – assimétricos entre géneros - relacionados com uma beleza idealizada. Com o título “Tyra Banks rejeitada porque tem 40 anos”, é positivo o facto de o artigo assumir um olhar crítico sobre o tema, assumindo um certo tom de incredibilidade perante o ocorrido. Não obstante, o discurso jornalístico continua a fazer uso de clichés e ideias estereotipadas. E a imagem seleccionada (de Tyra Banks, em 1998) serve para legitimar, no espaço mediático, a relação errónea entre beleza e juventude.

O título desta notícia remete para um ‘julgamento’ público moralista, que condena associações a festas/diversão (e suspeita implícita de ingestão de bebidas alcoólicas). Acaba, por isso, por ser um título problemático porque envolve a vítima nesta avaliação negativa de “festa” e “noite de diversão nocturna”, quando a celebração seria do agressor. Aliás, não chega sequer a ser perceptível, pela leitura da notícia, se a vítima estaria ou não presente nessa festa. Nesse sentido, o título é erróneo e menoriza publicamente a vítima.

Correio da Manhã , 09/06/2014

Tal como na notícia anterior, há um novo ênfase, ao longo do artigo, na noite de diversão e de festa, como contexto prévio a uma agressão. Além disso, o texto reforça a ideia, mais do que uma vez, que a vítima se encontrava sozinha na altura da violação. Esta repetição parece apontar para uma culpabilização do comportamento da vítima, apontando aspectos de uma suposta imprudência que possibilitou o ataque. Mais uma vez, a descrição dos acontecimentos tem uma forte componente narrativa e sensacionalista.

Correio da Manhã, 28/05/2014 O título escolhido para esta pequena breve na contracapa do Correio da Manhã torna-se relevante, pela positiva, ao usar um número expressivo (e facilmente compreensível) para demonstrar a realidade da violência doméstica em Portugal. Ao invés, por exemplo, de elencar o número de casos totais registados num ano, o jornal optou por uma referência mais imediata. Mesmo tratando-se de uma grandeza menor, acaba por possibilitar ao/à leitor/a uma maior percepção do impacto da problemática a nível nacional.


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em poucas palavras Diário de Notícias, 12/05/2014 Apesar de ser uma entrevista – e, como tal, apresentar a opinião do entrevistado, a maneira como o discurso mediático é apresentado acaba por ser problemática. Numa entrevista ao sub-secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, Mohammed AlSaud, o artigo destaca uma questão de assimetrias de género para título, por opção jornalística. No entanto, verifica-se no texto a ausência de desconstrução das afirmações do responsável saudita. Perante a resposta, usada como título, não há qualquer tentativa de explorar a questão.

Correio da Manhã , 11/06/2014

Não obstante a relevância do tema e da visibilidade ao debate público sobre a legalização da prostituição (tantas vezes ausente do discurso jornalístico), a única perspectiva presente neste artigo está reduzida a aspectos economicistas. Note-se que, em tempos de crise, torna-se evidente a tendência de avaliar tudo pelo seu aspecto económico. É de criticar, por isso, a ausência de pontos de vista mais inclusivos e abrangentes, com recurso a fontes diversas, sobre a legalização da prostituição.

Correio da Manhã, 15/06/2014

Mais uma vez, este é um exemplo de como, numa abordagem jornalística sensacionalista, o artigo apenas serve de pretexto para apresentar imagens do corpo feminino. A partir de uma queixa financeira, a abordagem do Correio da Manhã centra-se em pormenores relacionados com um vídeo pornográfica, apresentado vários pormenores de índole sexual ao longo do texto e, sobretudo, diversas imagens explicitamente eróticas.

Correio da Manhã, 15/06/2014

Num julgamento moral, o artigo “Irina diverte-se sem Ronaldo” baseia-se em fotos da vida pessoal de Irina Shayk, praticamente reduzida na sua representação mediática à relação amorosa com o jogador de futebol Cristiano Ronaldo (o título da rubrica na qual se insere o artigo é “Clã CR7”). Além do escrutínio da vida privada, o título reforça uma crítica à “diversão” (mais uma vez, palavra com uma conotação claramente negativa no discurso mediático analisado) da mulher na ausência do namorado, contribuindo para a cristalização acrítica de estereótipos de género e da formação de uma opinião pública sexista.


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a fechar A fechar, uma notícia relacionada com a política regional da zona Centro. Mais uma vez, o título escolhido (“Pela primeira vez uma mulher lidera coordenação regional”, As Beiras, 27 de Maio) representa uma redução das mulheres em cargos políticos ao seu género. Ao longo do artigo, são exploradas várias ideias de Ana Abrunhosa para a presidência da Comissão de Coordenação Regional, mas o título prefere enfatizar o seu género — reforçando essa presença como algo fora do comum. Esta ideia do ‘fora da norma’ surge novamente elencada no primeiro parágrafo, no qual a questão do género é novamente elencada. No artigo, pode ler-se que “uma mulher presidente é novidade. Uma

mulher, de matriz universitária e vocação tecnocrática, ainda por cima vencedora de concurso público é grande novidade”, numa construção discursiva que enfatiza um carácter quase bizarro da situação. Apesar de, provavelmente, a intenção do artigo seja a de louvar este acto pioneiro, a verdade é que a forma como o texto está construído questiona até, de forma inerente, a atribuição do cargo a Ana Abrunhosa. Por outro lado, o segundo parágrafo acaba por levantar novas questões, desta feita à autonomia e competências da nova presidente, ao dar a entender que foi o antecessor (homem) a possibilitar o novo cargo “[...] bem como do seu antecessor, curiosamente o responsável por levá-la da Faculdade de Economia para o palácio dos Lóios”.

Agradecimentos finais Por ocasião do encerramento do MEDIA+Igual, ao final de nove meses de monitorização intensiva de conteúdos jornalísticas e respectiva análise em função de uma perspectiva de igualdade de género, a coordenação do projecto agradece a todos os parceiro envolvidos na Unidade Local de Análise de Imprensa (APAV, APPACDM, GRAAL, SOS Racismo, Não Te Prives e UMAR), assim como à Escola Superior de Educação de Coimbra, por toda a dedicação, envolvimento e entusiasmo nas actividades relacionadas com a iniciativa. Graças à experiência de todos as entidades, em áreas diferentes mas transversais à problemática da desigualdade de género, foi possível alcançar um trabalho pertinente e de excelência. O balanço da monitorização é, desta forma, claramente positivo, permanecendo as análises consensualizadas para futura consulta online de todos/as os/as interessados/as, em issuu.com/ieba.

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créditos Edição: IEB A—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Junho 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | ieba@ieba.org.pt


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