MEDIA + Igual - Boletim N.º 7 - Março 2014

Page 1

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media

Março de 2014

Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 31 de Março de 2014, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita portuguesa: - dois de âmbito regional:

As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2. Dia Internacional da Mulher 3/4/5. Desigualdades e estereótipos 5. Pela positiva 6/7. Visibilidades LGBT 8. A fechar/ Agenda/ Agir +

07

MEDIA +igual O mês de Março é particularmente relevante para a monitorização e consequente análise de conteúdo à visibilidade das mulheres no espaço mediático. Isto porque se celebra, a 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher, um ‘pretexto’ para reforçar a sensibilização pública das assimetrias existentes entre homens e mulheres. Para assinalar a data, o boletim MEDIA+Igual relativo ao mês de Março não irá, intencionalmente, apresentar uma análise sobre artigos de violência doméstica. Não porque não tenham sido monitorizados — porque o foram, continuando o tema a dominar a visibilidade das mulheres na esfera mediática — nem tampouco por ausência de crítica em relação ao discurso usado (até porque continua a notar-se um discurso sensacionalista, que utiliza a narrativa como glorificação da violência). A decisão foi tomada pela ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa como forma de chamar a atenção à construção da imagem pública da mulher. Tirando a violência, qual o retrato das mulheres feito pelos media? Sem esse discurso mediático assente na ideia da vítima, como é que as mulheres estão presentes nos jornais? O resultado está espelhado nas páginas seguintes, com a apresentação dos conteúdos monitorizados.


02

Dia Internacional da Mulher No Dia Internacional da Mulher, celebrado a 8 de Março, foram poucas as referências no espaço mediático às assimetrias de género. O momento poderia ter sido aproveitado pelos media para desconstruir estereótipos e chamar a atenção para as desigualdades sociais existentes (até porque este dia é marcado, originalmente, como forma de reinvidicação de igualdade económica, social e laboral entre homens e mulheres). Ao invés, as notícias monitorizadas acabaram por enfatizar o carácter festivo da efeméride, associada a eventos específicos. Nesse contexto, surgiram vários exemplos. Tanto na notícia “ADIBER celebra 20 anos com atenção à mulher” (Diário de Coimbra, edição de 8 de Março), como no artigo “Um olhar feminino sobre o sistema de saúde” (Diário As Beiras, edição de 11 de Março), o dia da Mulher surge como pretexto prati-

camente acessório ao qual se ancora um evento. Note-se, a esse respeito, que apesar do título do Diário As Beiras evocar a “um olhar feminino”, a continuação do artigo não contém explicações sobre esta suposta perspectiva distinta das mulheres em relação ao sistema nacional de saúde. A notícia apresenta apenas a descrição das sete mulheres participantes do debate, organizado pela Ordem dos Médicos no Dia da Mulher. Mais ainda, a única fonte citada — longe de oferecer mais pormenores sobre o tal “olhar feminino” — é o presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes. Problemas idênticos tem a notícia do Diário de Coimbra: uma nota de agenda das comemorações de aniversário da ADIBER — Associação de Desenvolvimento Integrado da Beira Serra, no qual o Dia da Mulher surge como pretexto e não como motivo principal de análise à

realidade circundante. Foi necessário ir além do âmbito da monitorização do MEDIA+Igual para encontrar notícias pela positiva, que usaram o Dia da Mulher como forma de alerta público para uma maior igualdade entre homens e mulheres. Na análise à versão digital do Público (de sublinhar que o projecto apenas monitoriza diariamente a versão impressa do jornal, desde Setembro de 2013), foi possível encontrar a notícia “Dia Internacional da Mulher ainda é assinalado entre desigualdades mas há progressos” (edição de 8 de Março), no qual são retratados progressos e assimetrias ainda existentes entre homens e mulheres. Este é, portanto, um artigo que, de forma positiva, usa a efeméride de 8 de Março não como nota de agenda acessória, mas como ‘âncora’ para a sensibilização da opinião pública para este tema.


03

desigualdades e estereótipos A realização do salão erótico na Exponor foi pretexto para o Correio da Manhã expor imagens em grande plano — de forma objectificada — do corpo feminino, com o artigo “Sexo — Salão Erótico com 80 atores pornográficos “ (3 de Março). Além das imagens de grande destaque, o discurso aposta numa exacerbação sensacionalista do bizarro. Os destaques apresentados ao longo do texto reforçam, exactamente, esse carácter exótico do certame. “Anão”, “casal de gays” e “amante de Silvio Berlusconi” são usados como rótulos que remetem para um imaginário ‘freak show’, no qual as pessoas são reduzidas a uma atracção de feira, de forma caricatural. Não obstante, enquanto o texto opta por esta descrição do exótico, as imagens escolhidas reforçam a objectificação do corpo

feminino, algo usual nesta publicação. Perante a oportunidade de dar visibilidade à sexualidade de forma positiva através da cobertura do Em análise à revista semanal Vidas, parte integrante do jornal Correio da Manhã, surge esta página inteira dedicada à modelo norte-americana Jennifer Nicole Lee (edição de 15 de Março). A acompanhar a imagem em grande plano da modelo, explorando o seu corpo de maneira objectificada, surge um texto de linguagem brejeira que apelida o rabo de Jennifer Nicole Lee de “mealheiro”. Trata-se, por isso, de um conteúdo sem qualquer valor jornalístico (não existe qualquer ‘notícia’ a ser explorada, sendo meramente um tema de devassa da imagem públi-

Salão Erótico, a abordagem do artigo acaba por ser negativa, ao destacar o ‘fora da norma’. Algo que, ao ser identificado como exótico, acaba por servir para reforçar a norma social vigente. ca da modelo, numa fotografia tirada sem o seu consentimento), com uma abordagem marcadamente sexista. Esta é, refira-se, uma abordagem comum na revista Vidas, que todas as semanas se centra na exploração do corpo feminino para um público-alvo marcadamente masculino. Como resultado, a mulher é apresentada apenas como objecto associado à satisfação sexual do homem, reduzida ao seu aspecto físico e retratada de forma completamente assimétrica em comparação com o corpo masculino. Desta forma, a publicação reforça estereótipos entre os géneros.


04

desigualdades e estereótipos Na edição de Março da revista Men’s Health, o artigo alargado “O sexo que elas querem” retrata as diferentes perspectivas das mulheres em relação à forma como encaram o sexo, de acordo com a faixa etária em que se encontram. O artigo assenta em generalizações e na heteronormatividade dos exemplos apresentados. Apesar da aparente desconstrução dos estereótipos ligados ao género feminino (colocando a mulher num papel activo da relação sexual, como agente de decisão), o discurso jornalístico acaba por reforçar novas assimetrias . Entre as várias ideias presentes no artigo, a mulher surge como mais carente emocionalmente (reforçando o binarismo emoção/razão entre mulheres e homens) ou com maior interesse em constituir família (associação da mulher à esfera familiar). Assiste-se, portanto, ao reforço de ideias comuns ligadas a identidades de género, que acabam por ser legitimadas pelos psicólogos e sexólogos citados. Já as imagens do artigo (todas do corpo feminino) têm uma carga sexualizada. Nesta categorização generalista das mulheres, o artigo acaba por remeter à invisibilidade a sexualidade a partir dos 50 anos . O discurso ignora a descrição do comportamento sexual destas mulheres, pressupondo que o mesmo não existe ou é incomum. Desta ausência, usual nos media, resulta a associação do sexo à juventude como idade “ideal”, sobretudo no que diz respeito às mulheres.


05 03

desigualdades e estereótipos Neste artigo do Correio da Manhã, “Mulher liderava rede de droga” (9 de Março) o ênfase é dado à chefia de um grupo de traficantes de heroína e cocaína, exactamente por se tratar de uma mulher. O enfoque dado ao género da líder da rede no título enfatiza a percepção de que tal se trata de algo fora do comum. Desta forma, o título realça uma excepção ao ideal estereotipado de mulher inofensiva e que, por norma, não está envolvida em actividades criminosas — e muito menos se torna uma líder. Ao longo do texto, são apresentados pormenores de funcionamento da rede, sendo que pouco mais é adiantado em relação à líder do grupo. A característica distintiva, para o jornal, é mesmo o seu género.

pela positiva Publicado a 1 de Março pelo jornal Público, este artigo dá visibilidade — e alerta — às assimetrias salariais entre homens e mulheres a nível europeu, destacando a realidade portuguesa. Com o título, “Portuguesas trabalham mais 65 dias para ganhar o mesmo do que os homens”, o discurso mediático aqui presente é sinalizado neste boletim pela positiva. Com um título directo e explicativo, o artigo permite uma sensibilização da opinião pública para as desigualdades de géneros ainda existentes na esfera laboral. Ao usar a metáfora dos dias de salário

(ao invés, por exemplo, do recurso a percentagens), a mensagem é veiculada de forma mais clara e imediata. Além disso, o enfoque do texto na realidade portuguesa, a partir do relatório europeu, frisa que esta é uma questão que respeita a Portugal. Refira-se que as assimetrias salariais continuam a ser um tema, no espaço mediático, no qual são comuns as visibilidades positivas. Quando o assunto é abordado nos jornais monitorizados, são elencadas, por norma, as desigualdades inerentes. Trata-se de um consenso na abordagem jornalística que não é comum a outras desigualdades sociais.


06

visibilidades LGBT Intitulado “Capitão lésbica acaba casamento”, este artigo do Correio da Manhã (13 de Março) é um exemplo negativo da falta de inclusão e da discriminação no espaço mediático. O título sensacionalista, a descrição assente no julgamento de carácter das protagonistas (lésbicas e recentemente divorciadas), numa devassa da vida privada, e a falta de contexto na forma como é feita a análise dos números de divórcios em casais homossexuais contribuem para um retrato mediático estereotipado, no qual as pessoas são marginalizadas em função da orientação sexual. O texto refere-se ao divórcio do primeiro casal homossexual na GNR a optar pelo casamento. Não obstante, toda a descrição narrativa assenta num escrutínio sensacionalista da vida privada das duas mulheres, com julgamentos de carácter implícito. Ao longo do artigo, surgem formulações discursivas como “o seu comportamento no trabalho é descrito pelos colegas como ‘exemplar’ “ ou ainda “já na altura em que se casou, a militar Patrícia Almeida era tida como ‘grande profissional’, merecendo o respeito de todos”. Esta avaliação do caracter — inexistente quando se trata de casais heterossexuais — revela uma escrita discriminatória em relação à orientação sexual, deixando implícito que, por norma, a homossexualidade é contraditória à idoneidade de comportamentos.

Contudo, os problemas de exclusão surgem logo no título. A escolha caricata de palavras distorce o conteúdo do artigo, dificultando a apreensão da imagem em prol de um sensacionalismo vigente. Além disso, a utilização das patentes militares no título (que por norma só têm masculino) resulta numa linguagem não-inclusiva em género gramatical (“capitão lésbica”), sendo recomendável um outro tipo de formulação. A referência final ao número crescente de divórcios em casais ho-

mossexuais não é acompanhada da informação de contexto (que seria essencial) sobre o número de casamentos celebrados e sobre o facto da legalização dos mesmos ser muito recente. Há lacunas jornalísticas na forma como as estatísticas sobre estes divórcios são tratadas, deixando implícitas críticas ao casamento homossexual. Trata-se de uma não-notícia, uma vez que estas questões só ganham visibilidade devido à orientação sexual das envolvidas e, como tal, o discurso reforça estereótipos e descriminação a identidades LGBT.


07

visibilidades LGBT Em novo artigo relacionado com identidades LGBT, a abordagem do Correio da Manhã continua a privilegiar títulos sensacionalistas e, muitas vezes, de caracter bizarros. Desta feita, trata-se da notícia “Expor relação gay atenua homicídio”, de 23 de Março, cujo título volta a passar uma mensagem errónea em relação ao conteúdo do texto, apostando no entretenimento em detrimento da informação.

num julgamento por homicídio, o colectivo de juízes entendem a dificuldade do outing, sobretudo quando feito por terceiros), a forma como o texto está construído acaba por desvirtuar a notícia.

Num tema que até teria um potencial de visibilidade positiva (já que,

Ao invés de, a partir dos factos noticiados, ser feita a desconstrução

Os factos narrados tornam-se confusos, numa construção que volta a fazer uso de uma narrativa ficcionada, na qual se alicerça o sensacionalismo da linguagem (“Carlos andava furioso” ou “disposto a colocar um ponto final na situação”, por exemplo).

da complexidade das relações homossexuais face aos preconceitos sociais existentes, o discurso optapor manter uma mensagem errónea. A falta de contexto acaba também por reforçar o caracter confuso da notícia. Tendo isto em conta, e perante a falta de desconstrução do preconceito social, o discurso jornalístico abre caminho a um reforço dessa mesma exclusão. Em conclusão, verifica-se — como já assinalado noutras ocasiões — uma linguagem sensacionalista na descrição de relações homossexuais, com um discurso confuso e pouco informativo.


08 04 2

a fechar Ao longo do trabalho de monitorização do MEDIA+Igual, a atenção da Unidade Local de Análise de Imprensa tem se centrou-se, sobretudo, em questões de linguagem. Não obstante, e dada a natureza específica do espaço mediático, é também importante chamar a atenção à forma como a informação tem que ser questionada e reflectida, de forma a construir uma opinião pública esclarecida. É disso exemplo o artigo “Empresas com maior igualdade salarial privilegiadas no acesso a fundos comunitários”, publicado no Público a 6 de Março. Ao longo da notícia, o destaque é dado à adopção de um conjunto de medidas para promover a igualdade de género, em sede de Conselho de Ministros.

No entanto, o discurso não desconstrói, nem providencia contexto para as medidas aprovadas. Tratase de uma reprodução acrítica da mensagem governamental, com uma inversão da prioridade de informação ao longo do texto. Na leitura da notícia, fica a necessidade de maiores pormenores sobre as exigências requeridas às empresas, para garantir a igualdade entre homens e mulheres em contexto laboral. Em termos de contexto, seria também relevante perceber quais as discrepâncias salariais no sector privado e no sector público, nos vários cargos da hierarquia. Mesmo tendo em conta os condicionalismos da profissão de jornalista — necessidade de rapidez na produção noticiosa ou urgência de cumprimentos de prazos— estas seriam informações relevantes para explorar em dias posteriores ao do comunicado oficial.

agir + Conversas sobre a (in)visibilidade das mulheres nos media Em paralelo com a monitorização de títulos de imprensa, o MEDIA+Igual está também a dinamizar dois dias de debates sobre o papel dos media na promoção da igualdade de género e o seu contributo para a (in)visibilidade das questões que afectam as mulheres. Para tal, cada uma das associações da sociedade civil que faz parte do projecto tem oportunidade de apresentar as suas perspectivas sobre o tema. Depois de uma primeira conversa a 11 de Junho, um novo debate está agendado para dia 18 de Junho, na Cafetaria do Museu da Ciência, em Coimbra. A entrada é livre e gratuita, sendo destinada a profissionais da comunicação social, estudantes, docentes, investigadores/as, técnicos/as sociais, activistas e demais pessoas interessadas na temática.

agenda Conversas sobre a (in)vibilidade das mulheres nos media 11 e 18 de Junho

15h30m —18h30m Cafetaria Museu da Ciência (Coimbra) Seminário Final MEDIA+Igual 30 de Junho Coimbra

na internet Siga-nos no Facebook, em:

www.facebook.com/mediamaisigual Conheça outras iniciativas IEBA:

www.ieba.org.pt/

créditos Edição: IEB A—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Março 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | ieba@ieba.org.pt



Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.