Media+Igual - Boletim 4 - Dezembro 2013

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Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media

Janeiro de 2014

Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 31 de Dezembro de 2013, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita portuguesa: - dois de âmbito regional:

As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3/4. Visibilidades positivas 5. Desigualdades e estereótipos 6/7. Violência doméstica 8/9. Análise: Happy Woman 10. Análise: Men’s Health 11. Em poucas palavras 12. A fechar/ Agenda/ Agir +

MEDIA +igual A fechar 2013, este boletim, referente às publicações de Dezembro dos nove títulos monitorizados, vem apresentar um conjunto de 23 análises, de outros tantos 23 artigos selecionados pela Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI). Destacamos a existência de 7 artigos a que a ULAI atribuí visibilidade positiva, evidenciando o papel positivo do algum discurso jornalístico relativamente à temática da violência doméstica, às questões de direitos de cidadania para a minoria transexual e à discrepância salarial entre homens e mulheres na União Europeia. As restantes 16 análises reflectem uma consensualização de cometários críticos e que queremos construtivos relativamente a notícias/artigos onde se reforçam desigualdades, estereótipos e assimetrias de género, bem como se utilizam abordagens sensacionalistas. A violência doméstica continua a ser um tema de destaque dada a sua predominância noticiosa, uma vez que a sua representação se mantém limitada (enfatizando situações isoladas, desculpabilizando agressores, promovendo o sensacionalismo) e porque não é enquadrada num contexto continuado de abusos. Ainda neste número, as análises da linha editorial e do discurso dominante das revistas Happy Woman e Men’s Health. A fechar, uma análise que apresenta como, embora dificilmente neutra, o uso da linguagem no discurso jornalístico (e não só) pode contribuir negativamente para reforço de estereótipos e julgamentos morais, agravados pela legitimidade dos media na opinião pública.

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visibilidades positivas O artigo “Respostas a inquérito papal ‘filtradas’ por padres e bispos”, publicado no Diário de Notícias a 31 de Dezembro, destaca-se, pela positiva, no corpus de análise relativo ao último mês de 2013. Em evidência, a forma como a jornalista Fernanda Câncio noticia as adaptações portuguesas ao inquérito papal (lançado pelo Vaticano e destinado aos católicos do mundo) e acaba por dar o alerta à invisibilidade do tema da violência doméstica, no contexto de “situações críticas no seio da família”. Com maior pormenor, a jornalista relata que o Patriarcado de Lisboa optou por transformar as perguntas de resposta aberta em opções de resposta, de forma a facilitar o processo. E, desta forma, a problemática da violência doméstica ficou ausente das respostas possíveis a dar pelos católicos, contribuindo para a sua invisibilidade pública. O tratamento noticioso do tema — que, à primeira vista, poderia não estar directamente relacionado com questões de assimetrias de género, — e a desconstrução do mesmo, contribuem assim para romper a invisibilidade conferida à violência doméstica. Além disso, a própria construção discursiva do artigo põe em evidência contradições sobre o tema. Primeiro, a jornalista descreve um documento emitido pela própria Conferência Episcopal Portuguesa,

no qual são referidas assimetrias de poder entre géneros, descritas como algo que potencialmente pode limitar “a própria realização da mulher”. No entanto, como realça a jornalista em seguida: “as opções de resposta [do inquérito papal] escolhidas pelo patriarcado passam ao largo dessas constatações, nunca colocando qualquer hipótese de resposta relacionada com a diferença de poder entre a mulher e o homem e as dificuldades

que tal pode ocasionar na família”. Por fim, como nota final: a listagem dos vários métodos contraceptivos naturais (como caixa) serve tanto para colmatar a linguagem hermética usada no inquérito papal (que usa a nomenclatura científica dos métodos contraceptivos sem contextualização), mas também como verdadeiro contributo público para uma melhor informação sobre o assunto para os/as leitores/as.


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visibilidades positivas Também este artigo do Diário de Notícias, publicado a 29 de Dezembro, é realçado pela positiva. O texto, da autoria de Céu Neves, é dedicado às vítimas de violência doméstica que residem na casa de abrigo da UMAR — União de Mulheres Alternativa e Resposta. Assim, o discurso mediático dá visibilidade às casas de abrigo como meio para sair de um contexto familiar de violência. Esta visibilidade acaba por ser particularmente positiva tendo em conta a realidade mediática em torno do tema. Por norma, no decorrer deste projecto de monitorização dos títulos de imprensa, a violência doméstica apenas ganha

visibilidade mediática em casos de homicídio ou detenção dos agressores após um acto de violência extremo. Esta perspectiva de mulheres que conseguiram sair de um contexto de violência, com a possibilidade de poderem ‘dar a volta’ à sua vida, assume um tom de esperança — tão raro no discurso mediático relacionado com a violência doméstica. Em paralelo, o recurso a testemunhos de mulheres vítimas de violência doméstica contribui para um maior conhecimento da problemática, desconstruindo estereótipos e lugares-comuns. E este é um discurso na primeira pessoa que acaba também por estar ausente na maioria dos artigos sobre este tema.

Não obstante, o título escolhido peca por não usar linguagem inclusiva (“estar vivo”, usando o masculino como universal) e por trazer alguma ambiguidade. Não são estas mulheres que ameaçam, pelo que a linguagem pode prejudicar a mensagem pretendida. Seria mais correcto trocar o termo “ameaça” por “risco”. Tendo em conta a caixa “Perguntas&Respostas” sobre este tema — muito positiva porque dá informações concretas sobre associações de apoio à vítima — seria também relevante que surgissem os contactos das entidades. De qualquer das formas, é um artigo positivo também para as associações, porque lhes dá legitimidade e credibilidade.


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visibilidades positivas Na edição de 21 de Dezembro do Jornal Público, o artigo “Casal com um parceiro transexual vai poder fazer inseminação artificial” traz a público uma notícia intimamente relacionada com questões de direitos de cidadania para a minoria transexual. É, portanto, uma visibilidade positiva no conjunto das representações mediáticas, em que a transexualidade está muitas vezes ausente. No entanto, apesar da visibilidade positiva do tema, a construção do texto é confusa e a informação prestada pouco clara, podendo contribuir para uma percepção errónea da questão. Isto porque a notícia em si (que o procedimento de inseminação artificial seria feito numa mulher cujo companheiro é

Na sequência da informação fornecida pela Comissão Europeia, Público e Diário de Notícias publicaram, a 10 de Dezembro, breves relacionadas com a discrepância salarial entre homens e mulheres na União Europeia. O tema, pertinente, é uma das

transexual) acaba por ser atravessada por outras informações (descrição do processo de mudança de sexo, possibilidade de congelação dos ovócitos antes que os procedimentos clínicos represen-

faces visíveis das assimetrias de géneros na esfera laboral e tem conseguido alguma relevância mediática (tendo em conta o período de monitorização do projecto MEDIA+Igual). Não obstante, o título do Público (“Mulheres ganham em média

tem infertilidade irreversível, …). Além disso, a caixa de texto, intitulada “O homem grávido”, acaba também por perturbar a leitura do artigo, ao introduzir um elemento de carácter sensacionalista.

menos 16,2 por cento do que homens na União Europeia”) acaba por ser mais directo do que o título escolhido no Diário de Notícias (“Mulheres na UE trabalham 59 dias ‘grátis’”). Neste último, não é imediatamente perceptível a mensagem de assimetrias de género na esfera laboral, já que estes “dias grátis” podem remeter para trabalho doméstico não remunerado. A ausência de contexto pode, portanto, contribuir para a perturbação da mensagem. Ambas as notícias não deixam, contudo, de ser destaque pela positiva, ao denunciarem mediaticamente estas diferenças salariais.


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desigualdades e estereótipos Neste artigo do Público, de 5 de Dezembro, “Cinco grávidas dizem ter sido coagidas a abortar por terem VIH/Sida”, o destaque é sobre a discriminação de pessoas infectadas com o vírus VIH/Sida. A visibilidade a este tipo de discriminação é positiva, embora o título acabe por explorar o sensacionalismo e a discórdia ideológica inerente ao tema da interrupção voluntária da gravidez (IVG). Das várias áreas onde a discriminação é sentida (trabalho, serviços de saúde, escola, família) e que foram abordadas pelo estudo Stigma Index Portugal, que serve de fonte ao artigo, a questão da coacção ao aborto foi a escolhida para título. Uma vez que a percentagem de casos ocorridos é residual, a chamada ao título sugere uma forma de aproveitar a controvérsia que o tema da IVG suscita. É Este artigo, dedicado à caracterização dos trabalhadores sexuais masculinos de Lisboa , foi publicado na edição de 21 de Dezembro do Correio da Manhã. Sob o título “Casados procuram sexo”, o discurso jornalístico apresentado é equívoco e contribui para o reforço de preconceitos contra a população brasileira emigrante em Portugal. Ao longo da notícia, os prostitutos de Lisboa são caracterizados apenas como sendo “brasileiros e jovens de 29 anos”. Por outro

importante relembrar, por isso, a sensibilidade do tema e o cuidado redobrado com que o mesmo deve ser abordado no discurso mediático, evitando questões ideológicas. Neste caso, nota-se alguma ausência de contexto e de justificação para o destaque do título ter sido lado, os portugueses casados são apresentados como clientes. No entanto, o artigo remete à invisibilidade a proporção de trabalhadores sexuais portugueses. A questão só é mencionada, no texto, de forma ambígua: “homens portugueses estão a encontrar no

este. Mesmo tendo em conta a gravidade — indiscutível — da discriminação por parte de profissionais de saúde, outros casos identificados seriam mais representativos desta realidade (por exemplo: 45 mulheres pressionadas para fazer esterilização; 84 aconselhadas a não ter filhos). negócio do sexo uma solução para as dificuldades económicas”, sem nunca existir uma menção directa a que também existem portugueses a trabalhar como prostitutos — desvirtuando a informação da fonte (projecto ‘Encontros (In) Seguros', da Liga Portuguesa Contra a Sida).


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violência doméstica A violência doméstica continua a ser predominante nos títulos de imprensa monitorizados, no que diz respeito a questões de assimetrias entre géneros. No entanto, a representação desta problemática mantém-se limitada, sem ser enquadrada num contexto de abusos. Exemplo disso foi a cobertura do homicídio de Maria Celina Franco pelo ex-marido, em duas edições consecutivas do Correio da Manhã. No primeiro artigo, “Abate exmulher com tiro na testa” (de 1 de Dezembro), a forma como o discurso está construído levanta dúvidas sobre o historial de violência doméstica do casal. “Há relatos de violência doméstica no casal”, lêse no destaque, numa construção frásica que retira alguma credibilidade aos factos (ao invés, por exemplo, de uma frase afirmativa como “existia um passado de violência doméstica no casal” ). Também o verbo usado no título (“abate”) acaba por ser negativo.

A palavra está muito associada à morte de animais, pelo que o seu uso pressupõe uma despersonalização da vítima.

çado o contexto de violência e a sequência de ameaças de que Celina era vítima — de forma muito mais legitimada e assertiva do que no primeiro artigo.

O artigo do dia seguinte (“A vida da Celina era um inferno”) assume uma dimensão muito oposta. A começar no título, no qual a expressão “inferno” remete para uma continuidade de maus tratos. Ao longo do texto, é também refor-

Esta diferença entre as notícias de um mesmo jornal acaba por demonstrar que, com mais tempo para trabalhar nos artigos, o contexto sai mais valorizado no discurso jornalístico.

No artigo “Marido ciumento ataca à facada”, publicado a 22 de Dezembro no Correio da Manhã, estamos novamente perante um discurso que enfatiza apenas um acontecimento isolado e com carácter justificativo das acções do agressor. Ao longo do início do texto (tanto no título, como na entrada e no primeiro parágrafo da notícia), o texto estabelece um cenário de justificação para o com-

portamento do agressor (“Américo Valente pensava que Elisa tinha outro homem”/“movido por ciúmes”). Contudo, ao longo do texto, acaba por ser descrito todo um historial de violência doméstica que tinha levado, anteriormente, a que a vítima saísse de casa. O início sensacionalista do artigo perturba, portanto, a representação da violência doméstica como problema continuado e injustificado.


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violência doméstica Em mais um artigo, de 30 de Dezembro, do Correio da Manhã dedicado a um caso de violência doméstica, observa-se a representação dos acontecimentos de forma a enfati-

zar o seu carácter insólito, uma opção que retira seriedade ao crime, do ponto de vista da percepção pública.

Sob o título “Faz queixa à GNR para ter sexo diário”, o artigo realça o ponto de vista do agressor (que veio a ser acusado de violação) e não da vítima. Além disso, ao não existir uma desconstrução desta “queixa à GNR” no título , o discurso acaba por, de certa forma, dar alguma legitimidade às pretensões do agressor. Ainda ao nível da linguagem, e tendo em conta a responsabilidade dos media na formação de uma opinião pública, é de ressalvar negativamente a forma como o texto se inicia: “um homem tem de ter pito de manhã e à noite e a mulher tem de dar”, citando o agressor, mas sem aspas a iniciar a frase. Mais uma vez, a preferência pelo sensacionalismo, ao invés de uma abordagem séria, faz com que se reproduzam nos discursos mediáticos estes usos de linguagem de calão, discriminatórios, sexistas e que — sendo usados para iniciar um texto, de forma acrítica — contribuem para o reforço de assimetrias de género.

doméstica como problemática social. Contudo, falta informação no que concerne à evolução do número de denúncias. Só assim é claro se o aumento do crime de

violência doméstica se deve a um maior número de detenções ou de denúncias. Também o único exemplo apresentado, de um caso específico, surge descontextualizado.

outras perspectivas Por outro lado, o Diário de Notícias abordou o tema da violência doméstica do ponto de vista das forças de segurança. Este artigo (“Crime de violência doméstica aumenta em Lisboa e Porto”), publicado a 23 de Dezembro, dá visibilidade mediática ao facto de este ser o único tipo de criminalidade violenta que tem aumentado, ao invés de um ênfase em casos isolados. Desta forma, há uma maior percepção da violência


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análise: Happy Woman Entre a selecção do mês de Dezembro para o boletim MÉDIA+Igual, salientaram-se vários artigos da revista Happy Woman. Por essa razão, entendeu-se importante fazer uma análise mais aprofundada à linha editorial da publicação e discurso predominante, tal como reflectidos nesta edição de Dezembro. No geral, os artigos aqui seleccionados representam uma visão generalizada e bipolarizada de homens e mulheres. Com um tom frequentemente tutorial, a linguagem usada adopta como incontestável um conjunto de estereótipos e de julgamentos apresentados como “guia prático” a um ideal de mulher moderna, público-alvo da revista. O artigo “Os looks que eles detestam” (ver imagem abaixo) é disso exemplo. Trata-se de um texto em tom tutorial que reforça a ideia de que as mulheres devem vestir-se para agradar os homens, através da apresentação das peças de roupa que “eles” mais detestam que “elas usem”. Os dados reportam-se a um inquérito do site Lovestruck, cuja legitimidade é duvidosa. Aliás, acaba por ser frequente, neste tipo de artigos, o recurso a fontes do tipo documental (estudos, relatórios) como forma de dar credibilidade ao seu conteúdo (muito embora estas fontes careçam de alguma legitimidade pública). Além disso, as opiniões dos elementos masculinos que respon-

deram ao inquérito encontram-se reproduzidas de forma acrítica, sem nenhuma desconstrução. Por exemplo, a frase “Bronzeado artificial: 56% detesta os tons escuros dos auto-bronzeadores, que dão uma imagem «ordinária»” acaba por reforçar estereótipos pejorativos que relacionam o aspecto das mulheres à sua suposta ’promiscuidade’. Um estereótipo repercutido no texto, sem ser questionado, ganhando por isso legitimidade mediática.


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análise: Happy Woman Há também exemplos positivos, como o artigo “Drogas, sexo e anorexia — A verdade que o universo da moda preferia esconder” (na página à esquerda, em destaque), que dá visibilidade à hipocrisia no mundo da moda, desconstruindo o que está por detrás desta ’beleza ideal’ das modelos. Ao longo do texto, são apontados casos de anorexia e bulimia, assim como outras práticas perigosas que estas mulheres adoptam para atingirem uma magreza extrema. Além disso, são também relatados casos de abuso de drogas e de violações por parte de agentes/bookers. Esta visibilidade é importante para desmontar estereótipos sobre a ‘beleza ideal’ associada à magreza extrema e sobre a própria profissão de modelo. Falta explorar, no entanto, as questões de assimetrias de géneros que estão na raiz dos problemas mencionados.

Também a caixa relativa a “Escândalos made in Portugal” apresenta informação mais escassa do que o artigo principal, remetendo mais para ‘boatos’ do que dados concretos. No entanto, o aspecto mais crítico é a aparente ausência de consequência do conteúdo do artigo a nível interno. O texto descreve a anorexia e a obsessão doentia das modelos em serem magras. No entanto, o artigo é acompanhado por imagens de modelos num ambiente de glamour, que não combinam com o assunto tratado no texto. Além disso, na própria edição e em edições seguintes, continuam a surgir modelos muito magras associadas a atributos positivos — tanto de forma explícita ou implícita. Desta forma, há uma duplicidade entre aquilo que é publicado no artigo e a forma como o imaginário construído ao longo da revista acaba por reforçar

exactamente o oposto. Por fim, o artigo “One Night Stand — o que eles pensam” apresenta a visão dos homens (representados como um “eles”, generalizados) sobre as mulheres que fazem sexo casual. Num tom narrativo, com recurso a vários testemunhos na primeira pessoa, o artigo recorre, novamente, a uma visão estereotipada das relações, numa óptica exclusivamente heteronormativa. Além disso, pode ler-se em destaque, na segunda página, “Desde que estou sozinho, tenho tido sexo fugaz. Sei que não vou encontrar ninguém ‘decente’ deste modo, mas vou-me entretendo”. A escolha editorial de pôr este testemunho em destaque, ao invés de outros menos sexistas, está a dar legitimidade a estas assimetrias de género, que impõem diferentes ’exigências’ morais às mulheres em relação ao sexo.


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análise: Men’s Health Em paralelo com a análise anterior, aos conteúdos e linguagem usada na revista Happy Woman de Dezembro, optou-se igualmente por uma observação crítica aos conteúdos da Men’s Health. Até porque, em vários aspectos, existem semelhanças em relação à linguagem usada em ambas as publicações, embora tendo em conta públicos-alvo distintos. Ao longo da revista, as imagens das mulheres são, na sua maioria, objectificadas e sexistas. O tom discursivo assume, tal como na Happy Woman, um carácter tutorial, em que a generalização e os estereótipos são constantes. O discurso-guia presente assume regras como “faça isto” ou “faça aquilo”, legitimando a generalização de homens e mulheres, num texto sempre heteronormativo. Devido à legitimidade do discurso jornalístico e à forma como o mesmo é construído na Men’s Health, os conselhos e tutoriais apresentados são reforçados como quase ’ditadura’ sobre aparência, hábitos, saúde e sexualidade. No artigo “Descubra se ela mente pelo Facebook” (ao lado), estamos novamente perante o recurso a fontes do tipo documental numa tentativa de legitimação dos conteúdos apresentados. Neste caso, o artigo refere um estudo conduzido por Catalina Toma, da Universidade de Wisconsin-Madison, como base para enumerar várias formas para descobrir se uma

mulher mente pelo Facebook. Além desta generalização, que não tem em conta a amostra do estudo (não mencionada), é importante realçar como as conclusões do estudo acabam por ser simplificadas e, até, deturpadas. O artigo científico original, “Separating Fact From Fiction: An Examination of Deceptive Self Presentation in Online Dating Profiles”, apresenta tendências de mentiras por parte de homens e mulheres, embora existindo assimetrias sobre os aspectos que são escondidos. Já no texto da Men’s Health, as mulheres são apresentadas como as únicas que mentem na rede social, contribuindo para a construção de estereótipos e novas assimetrias entre géneros. Nos outros dois artigos apresentados, “6 erros a evitar na cama! Cuidado!” (em baixo, à direita) e a lista de vários conselhos de sexo, saúde e fitness (em cima), verifica -se exactamente este carácter tutorial e generalista, em que a relação entre géneros (vista sempre de forma binária e oposta, em

que um “eles” se opõe a um “elas”) é abordada numa lista estandardizada de ‘certos’ e ‘errados’, não havendo lugar para a espontaneidade, nem para a pessoa específica fora do estereótipo legitimado. Este tipo de discurso resulta ainda numa centralidade do homem como único agente responsável pelo sucesso da relação sexual. Por fim, nota à imagem escolhida para ilustrar o artigo em baixo — apesar do corpo feminino ser dominante, a cara não aparece, representando uma despersonalização da mulher, reduzida apenas à sua relação corpo-objecto.


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em poucas palavras Correio da Manhã, 07/12/2013

Este é mais um exemplo explícito de sexismo e objectificação do corpo da mulher nos conteúdos editorais de um jornal. Na secção “Fora de Jogo”, dedicada a notícias ligadas ao desporto, a notícia “Kayra: Preferência por atletas” surge apenas como pretexto para a imagem, em destaque de página inteira, da modelo nua. O próprio texto acaba ainda por reforçar um estereótipo de corpo ideal (“adora fazer musculação sem perder a graciosidade feminina, garante”).

Correio da Manhã, 05/12/2013

À semelhança de vários exemplos anteriores monitorizados, estamos novamente perante uma legitimação dos estereótipos do corpo feminino ideal, associados à beleza e à idade, através do discurso mediático. O entrevistador pergunta à modelo (que tinha, na altura, 29 anos) se esta tem medo de envelhecer e é exactamente esta questão que é mencionada no título. Desta forma, o título subentende que é raro (e, portanto, notícia) que Carla Matadinho lide “muito bem” com a idade.

Diário de Notícias, 15/12/2013

Apesar da visibilidade positiva do tema, este tipo de títulos (“Primeira professora travesti do país”) acaba por reforçar as assimetrias que tenta desconstruir. O percurso de Luma de Andrade é certamente notá-

vel, mas a forma como o título e o texto estão construídos transmitem a mensagem de que Luma atingiu este percurso académico, ‘apesar de’ ser “travesti”. Ou seja, acabam por ser reforçadas características individuais de excepção, num discurso que não é inclusivo. Neste sentido, o artigo recai exactamente nas lacunas discursivas de notícias que destacam “primeiras mulheres” a ocupar certos cargos ou serem distinguidas publicamente. Ou seja, uma redução ao género que menoriza a pessoa em questão. Além disso, há um uso ambíguo da palavra “travesti”, expressada no título e repetida ao longo do texto. A mudança oficial de nome (de masculino para feminino) indica que se trata de uma transexual e não de uma travesti. No entanto, em pesquisas posteriores, verificou-se que a própria Luma prefere ser identificada como travesti. Seria importante que esta desconstrução dos termos (travesti e transexual) estivesse presente no próprio artigo.


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a fechar Dificilmente neutra, o uso da linguagem no discurso jornalístico (e não só) pode contribuir negativamente para reforço de estereótipos e julgamentos morais, agravados pela legitimidade dos media na opinião pública. Exemplo disso é a forma como este caso de violação foi abordado pelos jornais, que reduziram a vítima à sua condição de prostituta. A associação de vítimas ou agressores a profissões acaba por reforçar estereótipos e fomentar julgamentos públicos. Neste caso, a redução da vítima a prostituta descredibiliza a queixa de violação, já que se trata de trabalho sexual. Essa questão já seria visível no título do Público de 13 de Dezembro, “Prostituta violada por três homens em Campanhã”, mas acaba por ser mais negativa no artigo

do DN do mesmo dia, “Prostituta diz que foi atacada e violada por três homens”. Mesmo tendo em conta que qualquer queixa deve ser tratada com cuidado pelos media, até à sua confirmação em tribunal, o facto é que o DN reforça, em múltiplas ocasiões ao longo do texto, o uso de linguagem que instiga desconfiança e discriminações implícitas (“diz que foi atacada”; “suposta violação”; “de acordo com a versão contada pela prostituta”).

agir + Projecto GIRA | Gerar Iniciativas e Realidades Alternativas Com apoio da CIG — Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, a Graal está a promover o projecto GIRA | Gerar Iniciativas e Realidades Alternativas até Junho de 2014. A iniciativa, a decorrer em Coimbra, visa a capacitação de mulheres em situação de desemprego. Para tal, a entidade (que é também parceira do projecto MEDIA+Igual) promove uma intervenção em rede com instituições da cidade, resolvendo problemas e transformando o quotidiano, numa lógica de cidadania participativa e igualdade de género. Nesse âmbito, realizou-se, a 28 de Janeiro, a Tertúlia GIRA, de forma a promover o debate público sobre o desemprego feminino e a inserção de mulheres no mercado de trabalho. Para mais informações sobre o projecto GIRA, consulte: http://graal.org.pt

agenda Reunião MEDIA + Igual 13 de Fevereiro Casa de Chá, Jardim da Sereia Coimbra 14h00

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créditos Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Dezembro 2013 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | ieba@ieba.org.pt


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