Textos e artigos produzidos no âmbito da Unidade Local de Análise de Imprensa

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POR OUTRAS PALAVRAS

Janeiro 2013

Textos e artigos produzidos no âmbito da Unidade Local de Análise de Imprensa

IN OTHER WORDS é um projecto financiado com o apoio da Comissão Europeia. A informação contida nesta publicação (comunicação) vincula exclusivamente o autor, não sendo a Comissão responsável pela utilização que dela possa ser feita.


in other words O projecto IN OTHER WORDS Web Observatory and Review, for Discrimination Alerts and Stereotypes Deconstruction visou chamar a atenção para o papel e realidade dos media na Europa, para a presença de discursos discriminatórios e estereotipados, de vários tipos, nas notícias que difundem, que criam representações sociais erróneas e podem influenciar comportamentos intolerantes.

cesso de monitorização e análise dos media; todos estes boletins estão disponíveis on line a partir da página de internet do projecto: http:// www.inotherwordsproject.eu/ e os 17 boletins Iinformativos Portugueses POR OUTRAS PALAVRAS também estão disponíveis em http://issuu.com/ieba. Foram ainda publicadas 5 newsletters Europeias, sobre: 1. desconstrução de estereótipos; 2. Roma & Sinti; 3. LGBT; 4. Islamofobia e

Este projecto desenvolveu uma metodologia e implementou uma acção piloto que procurou reduzir o impacto de notícias discriminatórias e estereotipadas, produzidas pelos media. Para isso, foram constituídas 7 Unidades Locais de Análise de Imprensa, em 6 países Europeus (Espanha, Estónia, França, Itália, Portugal e Roménia), cuja tarefa foi a monitorização da imprensa local e nacional, por um período de 15 meses, entre Novembro de 2011 e Janeiro de 2013. Cada Unidade Local de Análise Imprensa publicou mensalmente boletins informativos, com o resultado do proVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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5. Migrantes. Estas newsletters integram informação temática complementar e uma selecção de análises de notícias produzida pelos vários parceiros; são editadas em Inglês e estão disponíveis on line em: http://www.inotherwordsproject.eu/?q=node/155.

nos 6 países da parceria e os principais resultados obtidos; 2. abordagem teórica e empírica relativa à grelha de análise para monitorização dos media; 3. análise dos aspectos problemáticos da comunicação dos media, incluindo orientações para uma e comunicação jornalística efectiva e com diversidade e 4. uma análise detalhada sobre a criação e gestão de unidades locais de análise de imprensa; 5. os anexos incluem referências bibliográficas, terminologia relevante, glossário de termos pejorativos, incluindo uma tabela com os termos nas 6 línguas do projecto. Esta publicação está acessível on line em http://issuu.com/ieba e também no website do projecto.

Foi editada uma publicação final do projecto, em Inglês, intitulada “Grassroot Antidiscriminatio - The Role of Civil Society in Media Monitoring Policies”. Este livro integra os seguintes conteúdos: 1. construção de estereótipos e exemplos para a sua desconstrução, incluindo os métodos e as práticas de monitorização desenvolvidas POR OUTRAS PALAVRAS


por outras palavras Em Portugal foi constituída uma Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI), da qual fazem parte as seguintes entidades: IEBA (parceiro português do projecto), APAV - GAV de Coimbra, APPACDM de Coimbra, GRAAL, NÃO TE PRIVES e SOS RACISMO. As reuniões da ULAI decorreram na Casa de Chá da APPACDM, no Jardim da Sereia, em Coimbra, de forma aberta e pública, podendo qualquer pessoa ou entidade interessada participar nestas reuniões. Durante o ano de 2012, a ULAI reuniu mensalmente para analisar a selecção de notícias dos jornais monitorizados em Portugal: 3 regionais: Campeão das Províncias, Diário As Beiras e Diário de Coimbra e 7 de referência e âmbito nacional: Diário de Notícias, Jornal i, Jornal de Notícias, O Expresso, O Público, Primeiro de Janeiro e Sol. A análise das notícias pela ULAI constitui-se como um processo participado, de debate, reflexão e desconstrução, identificando os discursos (conteúdo escritos) e os elementos (as imagens) discriminatórios e/ou estereotipados, dos mais variados tipos. Complementarmente, a ULAI apresentou propostas, sugestões e recomendações, de modo a que as notícias se centrassem na informação essenPágina 3

cial, cumprindo a sua função informativa, de forma objectiva e inclusiva, contribuindo para a formação de uma opinião pública informada e com capacidade crítica, bem como para a adopção de boas práticas de escrita jornalística. Após a análise das notícias, a ULAI seleccionava as consideradas mais relevantes, para integrarem o boletim informativo POR OUTRAS PALAVAS do respectivo mês. Entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2012, foram analisadas 149 notícias dos 10 jornais monitorizados, categorizadas de acordo com o tipo de discurso discriminatório que continham: 45 - estereótipos, 39 xenofobia, 12 - racismo, 12 - LGBTfobia, 9 discriminação de género, 8 ciganofobia, 8 - Dia internacional da Mulher, 7 - intolerância religiosa, 6 - outros, 2 - orientação sexual, 1 - nacionalismo. Foram publicados 12 boletins POR OUTRAS PALAVAS mensais e 5 temáticos, sobre 1. Ciga-

nofobia, 2. Deficiência, 3. Imigrantes; 4. Género e 5. LGBTfobia, que são acessíveis no sítio da Internet do projecto, também a partir da página do Facebook, em: http:// www.facebook.com/ PorOutrasPalavras e na prateleira de publicações on line do IEBA, em http://issuu.com/ ieba. A presente publicação integra uma compilação de textos, apresentações, artigos e outros produzidos no âmbito da ULAI e dos eventos organizados pelo projecto, destacando-se a apresentação de todas as entidades da ULAI, a apresentação de Maria João Silveirinha feita no Colóquio de 28 de Maio de 2012, organizado no CES Centro de Estudos Sociais e os artigos de Diana Andringa, Carla Cerqueira e Rita Basílio, apresentados no seminário final do projecto, realizado em 14 de Janeiro de 2013, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. POR OUTRAS PALAVRAS


ieba O IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais (www.ieba.org.pt) é uma associação de desenvolvimento local, com sede no concelho de Mortágua, na região Centro de Portugal, que foi criada em 27 de Dezembro de 1994.

Esta associação foi criada por um conjunto de pessoas e de entidades do meio local, comprometidas com a promoção do desenvolvimento do seu território, das pessoas e das organizações. De acordo com os seus estatutos, o IEBA tem por objetivo “(...) o desenvolvimento da sua área de intervenção, nomeadamente através de apoio técnico e promoção das atividades económicas, culturais e sociais, dos recursos humanos, do ensino e formação profissional, bem como a criação e gestão de empresas (...). “ Objetivos Estratégicos: - Conceber, gerir e participar em projetos e atividades de âmbito Europeu, nacional, regional e local, que contribuam para o desenvolvimento do território, das pessoas e das organizações. - Informar e prestar serviços técnicos especializados às empresas, entidades da economia social, autarquias e a empreendedores/as. - Melhorar as competências e Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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elevar a qualificação das pessoas através do planeamento, organização, execução e avaliação de ações de formação profissional. - Promover o emprego, através do aconselhamento profissional e apoiando a procura ativa de emprego. Áreas de Atuação: Formação Profissional: melhorar as competências, elevar os níveis de qualificação dos recursos humanos; Emprego: facilitar o encontro entre a procura e a oferta de emprego e apoiar a procura ativa de emprego; Inclusão Social: favorecer a inclusão social de grupos sociais desfavorecidos; Igualdade de Género e de Oportunidades: contribuir para a igualdade de entre homens e mulheres e combater todas as formas de discriminação. Animação e Divulgação: contribuir para a animação sóciocultural, divulgar o território e os produtos locais. Empreendedorismo: aumentar o espírito empreendedor, apoiar a criação de empresas e o autoemprego. Desporto: promover estilos de vida saudável, o bem-estar, a qualidade de vida e a prática de actividades desportivas. TIC: tornar acessíveis, aproveitar as potencialidades, formar e disseminar a utilização das TIC. Qualificação das organizações: intervenções de melhoria e capacitação organizacional, realizadas em empresas e em entidades da economia social, através

de processos e formação e consultoria. Qualidade: desenvolver processos de certificação de qualidade nas empresas e em organizações da Economia Social. Competitividade e Produtividade: elaborar candidaturas a sistemas de incentivo ao investimento e à criação de emprego. Mobilidade Europeia: organização de intercâmbios europeus para profissionais da formação e para pessoas no mercado de trabalho. Internacionalização: apoiar processos de internacionalização, através da organização de missões e do estabelecimento de parcerias. Projectos mais recentes: NACIONAIS Q3 Qualificar o 3º Sector III Ser ou Não Ser Igual III Plano Anual de Formação Programa Formação PME Corpo São, Mente Sã EUROPEUS INSIGHT http://www.insight-training.eu/

CRISTAL http://cristalgrundtvig.wordpress.com

Q3.eu www.q3-eu.info

VALIDAID http://www.validaid.eu

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apav - gav coimbra A APAV Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (www.apav.pt) é uma instituição particular de solidariedade social, pessoa colectiva de utilidade pública, assente no voluntariado social, que tem como objectivo estatutário promover e contribuir para a informação, protecção e apoio aos cidadãos vítimas de infracções penais.

É missão primeira da APAV apoiar as vítimas de crime, suas famílias e amigos, prestando-lhes serviços de qualidade, gratuitos e confidenciais e contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas, sociais e privadas centradas no estatuto da vítima. Na APAV as vítimas podem encontrar o apoio emocional, prático, jurídico, social e psicológico que necessitam para ultrapassar as consequências da vitimação. No início dos anos 80 alguns países começaram a debater a problemática da vítima de crime, nomeadamente, qual o lugar da vítima no direito penal de cada país, a organização dos serviços de apoio às vítimas, e quais as questões éticas e problemáticas específicas das vítimas. Página 5

Em Portugal, e apesar da legislação penal e processual penal conferirem à vítima um estatuto e direitos ímpares, não existia, na ocasião, qualquer organização para apoiar as vítimas de crime e os seus familiares e/ou amigos. Assim, em 25 de Junho de 1990, por iniciativa de um grupo de 27 associados fundadores, foi criada a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, com sede em Lisboa. O Gabinete de Apoio à Vítima de Coimbra (GAV-Coimbra) surge em 1994, num momento ainda inicial da vida da APAV. Sendo a APAV uma organização cujo objectivo é apoiar todas as vítimas de crime era, no entanto, previsível que os crimes contra as pessoas, e em particular os crimes de violência doméstica (conjugal, contra idosos e crianças), tivessem um maior relevo nos pedidos de ajuda dirigidos aos gabinetes locais. E, de facto, assim tem sido ao longo dos anos: como demonstram as mais recentes estatísticas nacionais da APAV relativamente ao ano de 2011, 85% dos apelos dirigidos à APAV referem-se a crimes de violência doméstica (em sentido lato, ou seja, incluindo outros crimes em contacto doméstico, além do crime de violência doméstica do art. 152º do Código Penal). O GAV-Coimbra não escapa a esta evidência, e também nas estatísticas de 2011, tal como tem vindo a suceder no passado, verificamos 91% de pedidos de apoio relativamente a crimes de violência doméstica. Natural-

mente tornou-se imperativo, desde o surgimento da APAV, dar uma especial atenção a estes crimes, tendo sido desenvolvido projectos específicos nesta área, como o Projecto Alcipe, do qual resultou um manual de boas práticas (disponível online). Desde então a APAV tem vindo a desenvolver e colaborar em projectos e campanhas em diversas áreas. Destacamos os projectos realizados relativamente à violência contra as crianças e jovens, (Projecto Core, Projecto Musas, Projecto Iuno, APAV 4D, Projecto “Corta com a violência”) e a violência contra pessoas idosas (Projecto Títono). Salienta-se também a campanha de sensibilização e informação sobre a violência doméstica entre pessoas do mesmo sexo, bem como o Projecto Caronte – apoio a familiares e amigos de vítimas de homicídio, entre muitos outros projectos e campanhas e o Projecto Unisexo – prevenção da violência sexual no ensino superior, sendo que este último, com financiamento do POPH, se encontra a ser dinamizado no GAVCoimbra até Agosto de 2013.

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appacdm - coimbra a

de Coimbra a obter uma Certi-

Coimbra

tem

ficação de Qualidade, funda-

área.

1969, mas apenas constituída

APPACDM

em 2000 como Instituição autó-

como repostas sociais o Colégio

mentada

nos

noma, a APPACDM de Coim-

de Santa Maria, o Centro de

EQUASS

e

bra (www.appacdmcoimbra.pt)

Recursos para a Inclusão, o Cen-

APPACDM do País.

é uma das mais importantes e

tro de Atividades Ocupacionais,

reconhecidas

a

Instituições

de

Neste

sentido,

Remoto o seu início ao ano de

de

Formação

Profissional,

Residenciais,

o

Princípios a

primeira

os

apoio ao cidadão com deficiên-

Lares

Apoio

cia mental, quer na sua envol-

Domiciliário e um Centro de

vente, quer a nível nacional.

Medicina Física e de Reabilita-

Atualmente, a APPACDM de

ção. Para além disto, possui ain-

Coimbra cobre os concelhos de

da empresas de economia social

Coimbra, Arganil, Montemor-o-

nas áreas de Jardinagem, Lava-

Velho e Cantanhede, podendo

gem-auto, Recolha de óleos usa-

ainda prestar apoio a indiví-

dos, Lavandaria, Hotel Quinta

duos ou famílias de outros con-

da Fonte Quente, Jardinagem,

celhos.

Produtos de Artesanato e/ou culinária e uma Casa de Chá situada no Jardim da Sereia, em Coimbra. Tendo como mote a missão: criar condições para que cada

pessoa

mental

(ou

com em

deficiência situação

de

exclusão), possa atingir a sua plenitude como ser humano e Ao longo dos anos a Associação

social, potenciando a sua indivi-

foi-se desenvolvendo, procuran-

dualidade e consolidando a sua

do criar respostas adaptadas às

participação efetiva na socieda-

diferentes necessidades, que ao

de, a APPACDM de Coimbra

longo do ciclo de vida as pes-

orgulha-se também de ter obtido

soas portadoras de deficiência

a 21 de Dezembro de 2010 a cer-

mental e suas famílias vão sen-

tificação EQUASS Assurance,

tindo em sintonia com a pró-

para todas as suas respostas

pria evolução de conceitos e

sociais. Sendo, desta forma, a

modelos de intervenção nesta

primeira instituição do distrito

Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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graal - coimbra O GRAAL (www.graal.org.pt) é um movimento internacional de mulheres motivadas pela procura espiritual e empenhadas na transformação do mundo numa comunidade global de justiça e paz, conforme o sentido simbólico da lenda que deu origem ao nome do movimento. É uma corrente de ideias e iniciativas partilhada por mulheres de diversas gerações e culturas, que unem os seus talentos numa rede que amplia a capacidade para “mudar a vida”, respondendo aos sinais dos tempos e à realidade de cada lugar.

Este movimento começou na Holanda, em 1921, com um grupo de estudantes cristãs que acreditaram ser necessário tornar visível e operacional a presença das mulheres na sociedade. Espalhou-se pelos cinco continentes, cresceu em diversidade e em experiência multicultural e está, atualmente, ativo em 17 países em todos os continente. O movimento chegou a Portugal, e a Coimbra, em 1957, com Maria de Lourdes Pintasilgo e Teresa Santa Clara Gomes. Desde então muito aconteceu. O Graal constituiu-se como Associação de Caráter Social e Cultural em 1977, reconhecida como Pessoa Coletiva de Utilidade Pública em 1985. Página 7

Ao longo destes mais de 50 anos de experiência na dinamização e organização de iniciativas, o Graal tem procurado proporcionar à sociedade portuguesa, e em particular às mulheres, condições de valorização e educação permanente que conduzam ao desenvolvimento de competências de análise crítica e de mobilização para uma intervenção transformadora. Nos últimos anos, os Centros da Golegã, do Terraço/Lisboa e em Coimbra têm promovido programas e projetos que visam a igualdade de oportunidades entre as mulheres e os homens, a conciliação da vida profissional com outras esferas de vida, o reforço do papel das mulheres na liderança e tomada de decisão, a luta contra todas as discriminações, a educação para a vivência multicultural e para a cidadania planetária, a reflexão sobre o desenvolvimento e a cooperação com países africanos de língua oficial portuguesa. O Graal procura responder aos desafios que resultam de uma sociedade em processo de globalização em que as diferenças sociais tendem a ser acentuadas. Para isso, propõe o reforço da intervenção, proporcionando à sociedade portuguesa, e em particular às mulheres, contextos que promovam o seu potencial transformador e o seu sentido de responsabilidade, nos quais está sempre presente a dimensão de sensibilização e conscientização. Também a formação de adultos é transversal na atuação do Graal, recorrendo a princípios metodológicos que

estimulem a capacidade de iniciativa e de intervenção na sociedade. As principais áreas de ação são: • A igualdade de oportunidades entre as mulheres e os homens; • A conciliação da vida profissional com outras esferas da vida; • A diversidade e o diálogo intercultural e inter-religioso; • A intervenção comunitária e a construção de relações de solidariedade; • A educação para o desenvolvimento; • A cooperação com países africanos de língua portuguesa. O Graal, a nível internacional, tem assento no Conselho Económico e Social da Organização das Nações Unidas e é membro da UFER – Movimento Internacional pela União Fraterna entre Raças e Povos. Enquanto associação, o Graal em Portugal tem representação na Secção das Organizações Não-Governamentais do Conselho Consultivo da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. Está registado como Organização NãoGovernamental para o Desenvolvimento no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, I. P. do Ministério dos Negócios Estrangeiros. E é ainda acreditado como Entidade Formadora pela Direção de Serviços de Qualidade e Acreditação da Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social.

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não te prives A 14 de fevereiro de 2012, Dia dos Namorados e das Namoradas, a associação NÃO TE PRIVES – Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais (http://naoteprives.org/) celebrou 10 anos de existência em Coimbra.

A NTP é uma associação de pessoas voluntárias a trabalhar na área dos direitos humanos, com dois eixos principais. Por um lado, investe no fortalecimento dos direitos das mulheres e na afirmação de novas masculinidades, desconstruindo estereótipos de género e promovendo a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. Por outro lado, trabalha em prol dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (LGBT), combatendo todas as formas de discriminação legal, política, cultural e social com base na orientação sexual e na identidade de género. Para assinalar uma década de trabalho, a NTP preparou 10 dias de actividades, desde a exposição “10 Anos a Mudar Coimbra” e a Festa Fora do Armário com a Plataforma Anti Transfobia e Homofobia, passando por debates e sessões em escolas sobre género e feminismo, acções de rua, leituras de poesia e prosa homo/erótica e sessões de contos infantis inclusivos ‘De Pequenin@ Se Torce a Discriminação’, e culminando num jantar com sorteio de um Cabaz de Direitos Sexuais. Chamemos-lhe activismo, miliVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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tância ou voluntariado – o fundamental é acreditar que se pode fazer a diferença, mesmo que de grão em grão. A diversidade de iniciativas e públicos abrangidos por estas temáticas demonstrou a importância de trabalhar sobre género e sexualidade de forma séria e pedagógica, mas sem cedências ao (hetero)sexismo. Coimbra hoje é uma cidade bem diferente de há 10 anos atrás, e é com muito orgulho e redobrado sentido de responsabilidade que assumimos o nosso contributo para tornar esta cidade mais inclusiva para todas as pessoas. Ao longo da última década, desenvolvemos um conjunto de actividades na cidade. Entre estas destaca-se a parceria com a Campanha Fazer Ondas, que trouxe a Portugal o barco das Women on Waves em 2004, e a co-realização das Marchas contra a Homofobia e Transfobia em Coimbra desde 2010. Em 10 anos juntámos centenas de pessoas em debates que aproximaram a academia dos movimentos sociais e da sociedade civil. Em 10 anos organizámos lançamentos de livros, realizámos ciclos de cinema e campanhas, fizemos sessões em escolas secundárias e instituições de ensino superior. Em 10 anos produzimos material informativo sobre igualdade, justiça e cidadania. Em 10 anos estivemos nas ruas, em protesto, em celebração ou a distribuir material preventivo de ISTs. O nosso ponto de partida é 2002. Estamos ainda muito longe do ponto de chegada, mas quere-

mos prosseguir a caminhada, com a participação de quem se indigna contra a discriminação. Até porque uma sociedade mais justa é aquela em que todas/os caminhamos iguais em dignidade, expectativas e direitos.

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sos racismo O SOS RACISMO (http://sosracis.wordpress.co) existe desde 1990 e propõe uma sociedade mais justa, igualitária e intercultural onde todos, nacionais e estrangeiros, com qualquer tom de pele, possam usufruir dos mesmos direitos de cidadania. Constituímos uma associação sem fins lucrativos, tendo-nos sido atribuído o estatuto de utilidade pública em 1996. Esforçamo-nos no sentido de colaborar com outras associações anti-racistas e de imigrantes a nível nacional.

O SOS RACISMO desenvolve, igualmente, actividades e acções em conjunto com outras associações de países europeus, estando actualmente activamente envolvido numa rede anti-racista europeia, em conjunto com vários países da Europa. Para isso: - Cooperamos na criação de uma política concreta de inserção das minorias étnicas na sociedade portuguesa; - Lutamos pela concepção de um quadro jurídico-legal susceptível de punir eficazmente comportamentos racistas e xenófobos; - Agimos no sentido da consciencialização e responsabilização das autoridades e população portuguesa face à problemática da discriminação racial Página 9

e xenófoba; - Estabelecemos uma acção concertada, com as diversas associações de direitos humanos, de imigrantes e anti-racistas; - Alertamos para que os imigrantes e minorias étnicas conheçam e reivindiquem os seus direitos. Por isso, privilegiamos as seguintes áreas de intervenção: - Na área da educação participamos em projectos educativos relativos à problemática do racismo e da xenofobia promovendo a interculturalidade, nomeadamente através de formações, workshops e debates em Escolas. - O trabalho jurídico foi adquirindo ao longo dos anos enorme importância na associação dada a necessidade manifestada pelas comunidades imigrantes e minorias étnicas que a nós recorrem. Qualquer pessoa pode contactarnos telefonicamente, ou então através de carta ou e-mail, pedindo informações, ou informando-nos, por exemplo, de situações de racismo de que tenham conhecimento. - Tomamos posições públicas contra todos os actos racistas ou que promovam o racismo, quer por parte dos diversos poderes instituídos, quer por parte dos órgãos de comunicação social. - Desenvolvemos acções concretas para promover os direitos humanos, quer através da apresentação de propostas, tendo em vista a inclusão sócio-económica das minorias étnicas em Portugal, quer pela contestação e pela alteração de leis, relativas a estrangeiros, que se revestem de

teor racista e xenófobo. - A participação em debates, colóquios, campanhas de informação e esclarecimento é também uma das formas de actuação que privilegiamos na construção da sociedade que defendemos. - Os projectos nacionais e internacionais em que o SOS RACISMO participa permitem à associação realizar acções concretas como actividades em conjunto com as comunidades, eventos culturais, edição de publicações e participação em programas de formação. - Mantemos ainda um vasto centro de documentação na sede de Lisboa com os principais livros publicados por nós ou por outros sobre as temáticas em que trabalhamos, bem como o arquivo de imprensa, aberto a qualquer pessoa que o deseje consultar. Sobretudo na área de Lisboa, desenvolvemos intervenção comunitária, trabalhando directamente com a população local de alguns bairros, promovendo a inserção escolar e social das crianças, dos jovens e dos familiares dos residentes, promovendo e/ou integrando projectos que visam a educação para a igualdade entre todos os cidadãos e cidadãs e ao combate aos

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o projeto in other words pelos olhos e pela reflexão de uma estagiária Enquanto aluna de mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra integrei um estágio curricular de quatro meses (Outubro de 2012 a Janeiro de 2013) no IEBA – Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais. Após a escolha do local de estágio, a etapa seguinte foi selecionar o projeto, dentro daqueles em desenvolvimento no IEBA, adequado a um estágio no âmbito da Sociologia. O projeto In Other Words – Por Outras Palavras chamou-me desde logo a atenção, pelos seus objetivos e temática, uma vez que esta é passível de um vasto leque de abordagens sociológicas. O projeto In Other Words tem como objetivo chamar a atenção para o papel e para a realidade dos media na Europa, tentando perceber de que forma estes incutem comportamentos intolerantes e como, pelo contrário, podem contribuir positivamente para combater a discriminação, a intolerância e fomentar a diversidade cultural. Assim sendo, para combater a discriminação o projeto recomenda aos media a utilização de uma linguagem positiva, objetiva e intercultural, reduzindo deste modo o impacto da comunicação pública com mensagens incorretas que são frequentemente difundidas pelos mesmos. Os media são uma forma de acesso ao espaço público mas, além disso, são potenciais agenVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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tes de divulgação dos processos de formação discursiva da opinião e da vontade. “São eles que permitem estender e sistematizar as micro-comunicações quotidianas do mundo vivido e, dessa forma, preservar os espaços públicos das tendências colonizadoras dos sistemas económicos e político, mantendo a sua autonomia” (Silveirinha, 2004: 229). No entanto, os discursos construídos pelos media não constituem, de modo algum, a totalidade dos elementos que contribuem para a construção da realidade mas unicamente uma parte dela. A discriminação é um comportamento ou convicção que tem usualmente na base preconceitos, sem fundamentos e, a maior parte das vezes, inconscientes. Podemos, assim, referir alguns tipos de discriminação, tais como, o racismo/xenofobia, ciganofobia, LGBTfobia, discriminação de género, discriminação das pessoas com deficiência. São estes os principais tipos de discriminação que foram encontrados no escrutínio a que vários meios de comunicação foram submetidos ao longo de todo o projeto In Other Words. Durante o meu período de estágio no IEBA, no âmbito deste projeto, fui desempenhando várias tarefas, tais como, a colaboração na organização, redação e publicação dos cinco boletins informativos temáticos sobre os tipos de discriminação já mencionados anteriormente; participação nas reuniões da Unidade Local de Análise de Imprensa; participação em colóquios, seminários, conferências e formações realizados no âmbito do projeto ou que contribuam para a sua divulgação e disseminação; elaboração de entrevistas e inquéritos; monitorização de notícias

nos jornais regionais (As Beiras, Diário de Coimbra, Campeão das Províncias). Em todos os jornais monitorizados (os três regionais e os 7 de referência nacionais: Expresso, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Sol, Público, O Primeiro de Janeiro e o Jornal i) foram encontradas várias notícias que continham discursos discriminatórios, acabando assim por me aperceber da realidade da comunicação social. Posto isto, refiro que fiquei perplexa quando me apercebi melhor da situação, talvez porque nunca tinha tido a noção de que através da imprensa escrita se praticassem atos de discriminação, de forma tão sistemática. Posso afirmar que, antes de conhecer e trabalhar no projeto, nunca tinha dado conta da incidência destes atos que agora percebi que são discriminatórios e inaceitáveis. Em suma, posso enunciar que ao longo deste tempo ainda não houve uma mudança no sentido de a comunicação social se empenhar em disseminar representações sociais que respeitem a diversidade e as diferenças de forma não discriminatória. As práticas registadas nos media pela análise não ajudam à necessária mudança de mentalidades. Assim sendo, e na minha opinião, seria importante, para combater a discriminação, que os media dessem o devido valor ao projeto para que dessa forma conseguíssemos diminuir a discriminação, dada a importância dos media no reforço e vulgarização de estereótipos. Soraia Correia Aluna de Mestrado em Sociologia, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra POR OUTRAS PALAVRAS


ulai - resultados 10 Jornais de referência, nacionais e regionais, foram monitorizados e, mensalmente, são identificadas as notícias consideradas mais problemáticas.

12 Reuniões mensais da ULAI, para debater as notícias identificadas como mais problemáticas, consensualizar a análise e o comentário crítico e seleccionar as que vão integrar o Boletim Informativo; é também feita uma validação do Boletim a publicar.

Distribuição das 149 notícias analisadas pela ULAI, entre Janeiro e Dezembro de 2012, pelos 10 jornais monitorizados Campeão das Províncias; 1

Diário As Beiras; 3 Sol; 9

Diário de Coimbra; 17 Público; 28

17 Boletins Informativos 12 Mensais entre Fevereiro e Dezembro de 2012

Primeiro de Janeiro; 10

Diário de Notícias; 41

5 Temáticos Ciganofobia, Deficiência Imigrantes Género LGBTfobia

Jornal I; 7

Jornal de Notícias; 27 Expresso; 6

Distribuição das 149 notícias analisadas pela ULAI, entre Janeiro e Dezembro de 2012, por categorias de conteúdos Intolerância religiosa; 7

Outros; 6

Nacionalismo; 1

Disponíveis em:

http://issuu.com/ieba

Dia Internacional da Mulher; 8

Orientação sexual; 2

Discriminação de género; 9

Estereótipos; 45

LGBTfobia; 12

Ciganofobia; 8

Racismo; 12

Xenofobia; 39

Distribuição das 149 notícias analisadas pela ULAI, entre Janeiro e Dezembro de 2012, por grupos visados Não especificado; 3 Muçulmanos; 7

Eventos

Outros; 9

Sessão pública de apresentação do projecto e da ULAI Casa de Chá - 13/01/2012 Colóquio Media e (Não)Discriminação CES - 28/05/2012

Ciganos; 6 Mulheres; 34

Pessoas com deficiência; 10

Estrangeiros; 13

Vítimas; 14

Seminário Por Outras Palavras, nos Media FEUC – 14/01/2013 LGBT; 18 Imigrantes; 35

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ulai - balanço do projecto Questionámos as entidades da ULAI sobre o balanço que fazem do projecto In Other Words, designadamente, da metodologia aplicada e do tipo de análise que tem sido elaborada. Eis as respostas das 5 entidades que integram ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. APAV-GAV Coimbra: “Considero que o balanço do projecto é muito positivo. A metodologia aplicada permite uma discussão aberta e abrangente sobre as várias temáticas, o cruzamento de informações e novos olhares gerados pelas sinergias criadas entre os vários participantes.” APPACDM Coimbra: “Em primeiro lugar achamos que o projeto em si é muito inovador e que deverá ter uma continuidade quer em Coimbra como deveria ser disseminado por outras cidades do país. No que diz respeito à metodologia utilizada pareceu-nos muito interessante e produtiva, uma vez que atempadamente todos os parceiros tinham acesso às notícias selecionadas e as eram reuniões bastante participadas por todos.” GRAAL: “Consideramos que este projecto teve uma metodologia adequada baseada na análise crítica partilhada por especialistas de várias áreas. O convite a organizações que trabalham no terreno com as pessoas traz uma visão realista.” Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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Não Te Prives: “Este projecto revelou-se um sucesso a vários níveis, alguns deles mais inesperados que outros. Desde logo, a possibilidade rara de colocar em diálogo regular, e sem pressa, várias organizações da sociedade civil, todas empenhadas em lutas pelos direitos humanos, mas que nem sempre encontram espaço ou tempo para construir conjuntamente massa crítica. Não se tratou de trabalho pontual para a organização de um evento ou de uma manifestação, mas sim a troca de ideias, a disponibilidade para aprendizagens mútuas, para criar pontes e traduções entre aquilo que nos move individualmente, para consolidar solidariedade. O método foi excelente, porque permitiu apoiar a discussão numa digestão prévia dos materiais, facilitada pelo excelente profissionalismo e impressionante capacidade reflectiva da Ana Rita Alves. As mentoras do projecto em Portugal (IEBA) também desempenharam um papel fundamental, identificando interlocutores/as, criando todas as condições, gerando um ambiente sério e simultaneamente estimulante. O que funcionou pior foi o envolvimento de jornalistas e a nossa incapacidade em dar maior visibilidade aos boletins. Com exceção dos 2 momentos de colóquio – iniciativas da maior importância – corremos o risco de ter estado a trabalhar para nós, a falar para convertidos/as. Não temos respostas sobre como evitar isso mesmo, mas acredito que este terá sido um primeiro passo

importante no sentido de aproximar e sensibilizar públicos novos.” SOS Racismo: “Tratou-se de uma iniciativa muito enriquecedora, em que foi possível conjugar experiências pessoais diversificadas e entidades associativas com modos diferentes de olhar a realidade social, embora convergentes numa ação continuada contra as discriminações. A metodologia aplicada foi eficaz e proveitosa porque permitiu articular muito bem o trabalho organizativo e dinamizador das técnicas do IEBA, sobretudo da Carla Duarte e da Patrícia Silva, a ação exigente de pesquisa e promotora de debate aberto da Rita e os contributos esclarecidos de todos e todas os/as parceiros/as. O tipo de análise realizado e os resultados elaborados, sem se enredarem em procedimentos demasiado formais, mostraram que a reflexão crítica e o empenhamento cívico se alimentam mutuamente.”

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colóquio “media e (não)discriminação”

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“o mundo a preto e branco” O mundo a preto e branco Representações e os suspeitos do costume Maria João Silveirinha Faculdade de Letras, UC Colóquio Media e (Não)Discriminação CES, 28 de Maio de 2012

3

Jan van Eyck, 1434 4

Media: os suspeitos do costume 

Porquê?

(Re)apresentam-nos Constituem as nossas identidades  Constituem o espaço público  Têm efeitos  

27 Fevereiro 2011

5 Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

Compreensão: Uma abordagem holística 6

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“o mundo a preto e branco” Sociedade Esferas: individual, social, cultural, económica, politica acontecimentos

Economia política

Espaço público

Instituições: Meio, objetivo, forma, género, tom. Regulação: Direito

Media Seleção e produção de significados, linguagem, códigos técnicos, culturais, narrativos

Agendas

Representação

Audiências • audiências-alvo • descodificação

A produção cultural do significado Significado

Tecnologia

Identidades (representações)

O Circuito da cultura Os significados são produzidos em várias instâncias e circulam por vários processos e práticas diferentes.  Importa: como um artefacto cultural é representado, que identidades sociais lhe estão associados, como é produzido e consumido, e quais os mecanismos que regulam a sua distribuição e uso. 

Representação: 3 perspetivas 

Reflexo Quando representamos alguma coisa, estamos a dar o seu verdadeiro significado, tentando criar uma réplica na mente do nosso público - como um espelho

 Intencional Representamos a nossa versão

The Circuit of Culture (Du Gay et al., 1997)

 Construcionista  "The work of representation" (Hall, 1997).

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Construcionista Qualquer representação é uma mistura de:

A construção do significado: princípios

A coisa em si (reflexo)  As opiniões de quem faz a representação (intencional)  A reação do individuo/grupo à representação.  O contexto da sociedade.

Realidade e identidades são construções sociais.  Códigos culturais criam identidades para emissor e recetor.  As crenças são baseadas em perceções da realidade.  A sociedade é marcada por lutas pelo poder (também discursivo). 

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“o mundo a preto e branco” Poder e representação O poder não é apenas político, físico  Também pode ser produzido pela comunicação 

 

Poder e representação

Quem fala - e quem não fala Quem decide como as coisas, pessoas e acontecimentos são descritos ou representados  

Estudos culturais e dos media  

Ou seja, como o mundo é representado Saber/Poder

As imagens dos media não capturam (apenas) alguma distinção categórica pré-existente Elas criam (ou, pelo menos, reforçam) as próprias distinções 

Representações — visuais e linguísticas de comunicação – existem em interceção. Cultura

Cultura

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Poder representação

Identidade

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Representação como constitutiva 

Identidade M/F  

Realidade e significado

A identidade não pré-existe à sua nomeação Não é uma categoria natural, cientifica, ou biológica

A sociedade produz o significado.  Importa: como esses significados são construídos, como constituem e são uma perceção da realidade, não a realidade em si.  Para entender uma cultura, devemos entender como eles definem a realidade. 

Não é um facto do mundo objetivo

Só é uma categoria porque a criamos discursivamente à luz de padrões e de outras criações discursivas como a ‘normalidade’ e os ‘papéis naturais’.

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Múltiplos lugares discursivos 16 de 44

Ex: Acrónimos  

PIGS (PIIGS) GIPSY)

Lutas pelo poder discursivo 

Autoridade: moldar a forma como uma sociedade define o significado.

Relações de poder: formação do que é "certo“; definir os sem-poder como "o Outro“ – (des)igualdade.

Lutas anti-essencialistas: lutas pela afirmação

da diferença

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O poder de contestar, de (re)definir 18 de 44

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“o mundo a preto e branco” Essencialismo e diferença 

Linguística estrutural: diferença é essencial ao significado Só podemos entender "quente" por contraste com seu oposto, "frio“ ("quente" = "não frio") A diferença entre dois conceitos é o que constitui o seu significado Comunicamos estabelecendo fronteiras Nós-Outros.

Códigos, tipos e classificação 

Tipos: classificações gerais e necessárias 

Ligam ou distribuem as pessoas / coisas / eventos segundo esquemas classificatórios gerais onde, de acordo com a nossa cultura, eles se encaixam.

Categorização, classificação e gradação parecem mesmo inevitáveis- inatas?- Traços humanos.

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A estranheza da diferença A ‘naturalização’ da diferença 

 21 21 de 44

Cultura mediática reproduz incansavelmente as relações entre grupos dominantes e subordinados. Apagar a diferença e tornar as representações sexistas, de classe, racistas e coloniais parecerem naturais. Importa: tornar visíveis as ideias sobre género, raça, classe, sexualidade e ‘normalidade que se mascaram como autoritárias e fixas. 22 22 de 44

Tipos tornam-se estereótipos quando: Reduzem  Redução aos traços simples e vívidos  Exageram  Amplificam ou caricaturizam  Simplificam  Características da individualidade são obscurecidas  “Fixam”: não reconhecem a mudança societária 

Problema dos binários Redutores  O mundo não é (apenas) preto e branco 

  23 23 de 44

Muitas zonas de cinzento Todas as distinções são apagadas

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“o mundo a preto e branco” Visões do Outro 

A nossa visão do mundo: os nossos códigos culturais Os que entendemos que não partilham dos nossos significados: “O Outro” Incomunicação e preconceito

Nós

Culture of Origin

Outro próximo Close Other Outro distante Distant Other

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Epistemologia crítica A ideologia funciona tornando as ligações entre símbolos, referentes e ideias parecerem naturais, inevitáveis ou permanentes.  “Senso comum": torna as ideias socialmente consensuais parecem tão óbvias e naturais - de senso comum - que ninguém questiona a sua origem ou implicações. 

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Representação nos media: as suspeitas

O mundo a preto e branco

Estereótipos  Invisibilidade  O ‘outro’ como problema 

Outro = objeto, não sujeito

Assimilacionismo

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O mundo a preto e branco

“"Que impacto ver a minha foto na primeira página do próprio jornal! Revolta-me descobrir a utilização de fotos sem minhaVisita aprovação ou um aviso", Twitter, Março 2012 ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“o mundo a preto e branco” Media e economia política da diferença Diferença não é apenas cultural: tem associadas diferenças materiais e de distribuição.  Recusar o domínio do simbólico sobre o material.  Políticas de reconhecimento da diferença incorporando questões de justiça distributiva 

Comunicação e Justiça Comunicativa 

Garantia material de que o espaço público é inclusivo. 

Internamente: igualdade no acesso à tomada de decisão

Externamente: Igualdade no acesso representação justa e igual - Regulação

Fraser, N. (2003) “Recognition or Redistribution”.

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à 32 32 de 44

Regulação Alguns exemplos de regulação externa

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“o mundo a preto e branco”

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A concluir Por um mundo mediático justo (e a cores) 39 de 45

Os suspeitos do costume 

 

É tentador isolar e exagerar o papel dos media como as instituições-chave onde originam e se mantêm os discursos dominantes. Mas ...!. Um modelo dos media como mera transmissão de informações é indevidamente simplificador. O/a " jornalista", como "sujeito", é constituído pelo discurso e opera dentro dos seus parâmetros conceptuais. No entanto, jornalismo é poder: aparelhos e técnicas institucionais intimamente ligados no complicado nexus poder/saber.

Suspeitos, mas não só: 

 41 de 44

Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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Os media são uma parte indissociável da comunicação comum, baseada no reconhecimento do valor mútuo das vidas que quotidianamente narramos.

SUGESTÕES DE LEITURA  Fürsich, Elfriede (2010) “Media and the representation of Others”, Unesco, [Online]  Siapera, Eugenia (2010), Cultural Diversity and Global Media. The Mediation of Difference, Blackwell  Ross, Susan D e Paul Martin Lester (2011) Images that 43 43 de 44 injure: pictorial stereotypes in the media, Praeger

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seminário “por outras palavras, nos media”

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“preconceito e rotina no olhar dos media” Diana Andringa Jornalista

Embora nem sempre os que trabalham nos órgãos, nomeadamente os jornalistas, vejam com bons olhos que, por uma vez, sejam eles os escrutinados, entendo que o exercício da crítica sobre os media é benéfica para todos, media, jornalistas e público e que todas as iniciativas de análise da produção dos media podem permitir que esses façam melhor o seu trabalho, indispensável à vida colectiva. E digo “façam melhor o seu trabalho” porque não creio que haja, por parte dos media, uma “agenda oculta” que tenha por fim fomentar a discriminação e o estereótipos. Creio, sim, que falta muitas vezes a necessária reflexão crítica sobre o seu próprio trabalho e até, por vezes, a humildade de reconhecer os erros cometidos. Muitos poderão ainda ter presente o caso do pseudo-arrastão de Junho de 2005, quando diversos órgãos de Comunicação Social anunciaram que cerca de quinhentos jovens dos bairros da periferia de Lisboa tinham cometido um gigantesco roubo organizado na praia de Carcavelos. A maior parte deles baseou-se nas mesmas fontes: o gerente de um bar que tinha alertado a polícia ao ver a presença de muitos jovens negros na praia, e um responsável policial no local, onde acorrera alertado pela mesma pessoa. A reforçar a crença dos jornalistas, fotografias tiradas também pelo mesmo cidadão, que lhes atribuiu um significado que veio a verificar-se incorrecto – mas que correspondia aos preconceitos dos jornalistas. Graças, em primeiro lugar, ao jornalista Nuno Guedes, do extinto jornal A Capital, e também ao Superintendente da PSP de Lisboa, que corrigiu a primeira versão policial e também a um vídeo colectivo em que tive o prazer de participar, veio a demonstrar-se que as notícias sobre um arrastão em Carcavelos tinham sido um tremendo erro mediático, que os jovens negros que, a partir das fotografias, tinham sido descritos como ladrões fugindo com o seu saque, fugiam de facto da violência policial com os seus haveres. Mas o curioso é que os grandes órgãos de Comunicação Socil não acharam necessário corrigir o seu erro. Ainda em 2005, a realizadora francesa Véronique Berthonneau entrevistou, para o programa La télévision des Portugais, os responsáveis da Informação da TVI e da RTP, sobre o caso do pseudo-arrastão de Carcavelos. Segundo o então diretor da TVI, “é possível que tenha havido exageros, algum excesso, aqui na TVI, na RTP, na SIC. Eu prefiro que se cometam exageros a que se faça Censura. Portanto, temos de correr esse risco. Não é uma questão de sensacionalismo, é uma questão de fluidez de informação, de velocidade, de vontade de mostrar rapidamente a verdade sobre o que se passa .” O então diretor de Informação da RTP, por sua vez, explicou que “é muitas vezes a tentação da informação, de cobrir a informação muito em cima, sem preparação, na realidade de uma forma muito superficial. Isso não é jornalismo. Assumimos o nosso erro. De facto analisámos a situação de forma muito excessiva, com a cumplicidade da polícia, que depois se quis desculpar com as televisões, o que é um pouco ridículo, mas cometemos todos esse erro, vimos essa realidade, mas compreendemo-la mal.” Ambos explicaram não fazer parte dos hábitos corrigir a informação dada. Aiás, no artigo “O arrastão de Carcavelos como onda noticiosa”, Gonçalo Rosa relata que “no dia 29 de Julho de 2005, mais de mês e meio depois do incidente de Carcavelos, o jornal Meios e Publicidade publicou uma sondagem a editores, coordenadores, chefes de redação e diretores de órgãos de comunicação social nacionais. Mais de metade dos inquiriVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“preconceito e rotina no olhar dos media” dos (53%) defendeu então que os jornalistas não foram manipulados no caso do “arrastão”, traduzindo a ideia bem enraizada de que, se obedecer a normas profissionais aceites pela maioria da comunidade, a prática jornalística é auto-avaliada com mérito. [ Sublinha ainda aquilo a que considerou ] a resistência dos jornalistas a escutar imigrantes ou descendentes de migrantes que, de alguma forma, pudessem rebater as acusações que lhes estavam a ser imputadas e, sobretudo, generalizadas”. (Rosa, 2011: 133, 127-128) (1) Essa diferença de tratamento entre fontes fora já salientada por João Carlos Correia, no artigo “Regresso ao arrastão de Lisboa”: “(...) há um claro défice de diversidade: todas as entrevistas dizem respeito a criminalistas, advogados, polícias, especialistas em segurança, autarcas, preocupados com o turismo, e comerciantes, preocupados com o negócio. Não há, por exemplo, entrevistas com membros das Associações dos bairros problemáticos de onde provinham os jovens que participam no assalto.” (Correia, 2006:10) (2) Não admira, assim, que dois e três anos depois das notícias sobre o pseudo-arrastão, as televisões continuem a incorrer em erros semelhantes. Em Março de 2007, dizendo-se “completamente impressionada com o grau de racismo manifestado pela jornalista” uma espectadora protestou contra uma reportagem de 18 de Março de 2007 sobre a Quinta da Fonte, perguntando se “um bairro é de risco por ter africanos e ciganos” e se “já pensaram que (...) é uma expressão criada nas redações e não nas ruas”. E, a finalizar, comenta: “Depois da barraca do "arrastão" pensei que os jornalistas tivessem a preocupação em investigar em vez de "criar".” Em 2008, é um engenheiro florestal morador em Santarém que se indigna ao ouvir, na RTP, uma referência ao “arrastão”, dizendo: “ (...) já é mais do que provado que aquele arrastão foi uma invenção dos média, habilidosamente aproveitado em termos políticos. Não abona a favor do rigor jornalístico dos serviços noticiários da RTP que volta a insistir na tese do arrastão da praia de Carcavelos, sem benefício nenhum para a peça jornalística (sobre os atos de violência em Loures), cuja única relação aparente é de se tratar de cidadãos Portugueses de origem africana.” O caso do pseudo-arrastão de Carcavelos pode ser em parte explicado por ter apanhado as redacções de surpresa. Mas, infelizmente, não é a surpresa a única explicação para a manutenção de estereótipos. Analisando a forma como a RTP cobriu, em 2007, a campanha para o referendo sobre a IVG, verificaremos a repetição da tendência para as fontes oficiais, a exclusão de determinadas categorias de entrevistados, a utilização, como neutra, de uma linguagem carregada de significado. Em 1979, no decurso de uma reportagem sobre a questão do aborto – que viria a não ser emitida – uma das minhas entrevistadas, membro da organização católica Graal, contou-me ter-se confrontado, num “bairro de lata” de Lisboa, com a curiosa ambiguidade de mulheres que se afirmavam contra o “aborto”, mas revelavam ter feito “desmanchos”. Segundo ela, “desmancho” corresponderia ao aborto clandestino a que muitas mulheres se viam forçadas, enquanto que “aborto” era a palavra usada pela Igreja Católica na sua atitude de condenação. A ser assim, o termo “interrupção voluntária de gravidez” permitiria afastar a noção de pecado de uma decisão que se pretendia ver julgada, sobretudo, em termos de saúde pública. A palavra “desmancho” não foi nunca utilizada no Telejornal ao longo do mês em que o acompanhei. Sublinhando, aliás, outra das características da informação produzida: a ausência de vozes de pessoas pertencentes às classes mais desfavorecidas e de mulheres mais idosas, para quem o “desmancho” foi, muitas vezes, a única solução contra gravidezes sucessivas, impossíveis de suportar por razões económicas e/ou de relação familiar. A utilização da palavra “aborto” foi, aliás, um tema bastante focado nas mensagens ao Provedor do Telespectador, nos dias anteriores ao referendo. Em 21 mensagens relativas à votação de 11 de fevePágina 23

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“preconceito e rotina no olhar dos media” reiro de 2007, seis referem a utilização repetida da palavra, em vez da expressão constante da pergunta a que os cidadãos seriam chamados a responder: interrupção voluntária de gravidez. Verifiquei a ocorrência dos dois termos nas legendas que acompanham as notícias e reportagens relativas ao referendo sobre a despenalização da IVG, nos textos de lançamento – normalmente referidos na RTP por “pivots” – nos textos-off (“offs”) das notícias e nas intervenções de protagonistas das notícias (vivos): Utilização

“aborto”

“interrupção voluntária da gravidez”

Legenda

89

3

“Pivots”

114

18

“Offs”

120

36

Vivos

152

29

Total

457

86

Utilização das expressões “aborto” ou “interrupção voluntária da gravidez”

Verifica-se assim que, apesar de os jornalistas deverem ter em conta o contexto em que usam as palavras e o facto de estas nunca serem “neutras”, os apresentadores do Telejornal usam mais vezes o termo “aborto”, de conotação negativa, do que os entrevistados, muitos dos quais interessados em anatemizar a expressão “interrupção voluntária de gravidez”, considerada mais “neutra”. Bakhtine, no entanto, torna bem claro que não há palavras neutra: “ Na língua não resta nenhuma palavra nem nenhuma forma neutras (...) Cada palavra tem a marca do contexto e dos contextos em que viveu a sua vida social intensa; todas as palavras e todas as formas são habitadas por intenções.” ( in Todorov, 1981) (3) “Aborto” ou “interrupção voluntária de gravidez” não podem, pois, ser usadas como sinónimos, já que, embora ambas se refiram ao processo de pôr fim a uma gravidez, as suas conotações são diferentes. A sua utilização não corresponde, fatalmente, a uma escolha ideológica deliberada do jornalista, sequer da RTP, mas isso não impede que transmita ideologia. Como recorda Fowler, os valores estão já inscritos na linguagem, independentemente do jornalista e do público (2003:19-20). (4) Ou seja, citando Berger & Luckman, a linguagem “concretiza um mundo, no sentido de o apreender e de o produzir.” (1999:160) (5) Mas não são apenas as palavras que transmite valores. A escolha de quem as diz, de quem ocupa o lugar da fala, são também reveladores. Ora um dado imediatamente visível é que, embora a IVG se passe no corpo da mulher, o número de homens ouvidos é muito superior ao de mulheres ouvidas: 149 contra 84. Dividindo depois os diferentes intervenientes em 5 categorias – políticos, movimentos, médicos, igreja, outros – verifica-se que numa só categoria (outros) as mulheres estão em maioria: 15 contra 13. A maior disparidade é nos políticos – 56 contra 12 – refletindo a ausência de paridade nas estruturas político-partidárias. A representação dos movimentos mostra-se bastante mais equilibrada: 45 intervenientes do género masculino, 42 do feminino. Curiosa é a predominância de intervenientes de género masculino numa profissão cuja feminização se vem acentuando: a médica.(6) Já não seria surpreendente que entre as vozes da igreja católica predominassem os homens – 16 contra 3 – visto serem os que formam a sua hierarquia. Mas nem só de hierarquia se compõe uma igreja, e um desequilíbrio de 16 para 3 não permite que os espectadores se apercebam do que, sobre a questão da IVG, pensam as mulheres católicas, confrontadas com as proibições pontifícias não apenas em relação ao aborto, mas também às práticas contraceptivas de maior eficácia. Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“preconceito e rotina no olhar dos media” Vemos assim que, tal como no caso do pseudo-arrastão há vozes – a dos jovens portugueses de origem africana – que não são escutadas, no caso da IVG também a voz das mulheres é menos audível que a dos homens, ainda que o tema lhes diga directamente respeito. Parece, assim, não ser excessivo concluir que, num caso como noutro, a cobertura noticiosa tendeu a discriminar aquelas partes da população já normalmente discriminadas – ou seja, que o jornalismo, que usa assumir-se como contrapoder, funcionou, no caso de minorias étnicas e da componente feminina da população, como um amplificador da voz dos poderes, reforçando a marginalização de sectores já de si marginalizados da população. ***

Referências bibliográficas: (1) Rosa, G. (2011). O ‘arrastão’ de Carcavelos como onda noticiosa. Análise Social, XLVI(198), 115-135. Obtido de http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n198/n198a05.pdf (2) Correia, J. C. (2006). Regresso ao arrastão de Lisboa: algumas reflexões sobre epistemologia do jornalismo. In Telejornalismo: a Nova Praça Pública (pp. 193-219). Florianópolis: Brasil Insular. Obtido de http:// www.bocc.ubi.pt/pag/correia-joao-regresso-ao-arrastao-lisboa.pdf (3) Todorov, T. (1981). Mikhaïl Bakhtine: le principe dialogique suivi de Écrits du Cercle de Bakhtine. Seuil: Collection Poétique. (4) Fowler, R. (2003). Language in the news - Discourse and Ideology in the Press. London and New York: Routledge. (5) Berger, P., & Luckmann, T. (1999). A construção Social da Realidade. Lisboa: Dinalivro. (6) Em Janeiro de 2001, segundo a Ordem dos Médicos, havia em Portugal 34 460 médicos inscritos, 15 117 (43%) do sexo feminino e 19 343 (57%) do sexo masculino. A proporção alterava-se nos grupos etários mais baixos: abaixo dos 45 anos, seriam já 56% de sexo feminino e 45% (? sic) de sexo masculino. Abaixo dos 35 anos a diferença era ainda maior: 62% de médicas, 38 % de médicos. E um estudo levado a cabo em 2003 apontava para uma percentagem de 69% de estudantes de sexo feminino em Medicina. Mas essa presença das mulheres na Medicina Portuguesa não impede que, a falar da IVG no Telejornal houvesse uma predominância do sexo masculino: 19 médicos contra apenas 12 médicas. Página 25

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“mulheres e feminismos na imprensa: continuidades e metamorfoses” Carla Cerqueira Investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho

Um dos grandes desafios colocados ao movimento feminista na década de 1960 foi perceber o poder que os meios de comunicação tinham na construção de identidades, isto é, como agentes de produção das representações e práticas que definem o género (e.g. Betterton, 1987; Silveirinha, 2004; van Zoonen, 1994). Desde essa altura até à atualidade têm sido realizados diversos estudos, em diferentes contextos e com metodologias diversificadas, para compreender de que forma é que as mulheres e os feminismos são representados pelos media e que impactos sociais é que essas representações têm. No domínio mediático, o jornalismo, enquanto campo legitimado da esfera pública e local de debate de várias temáticas, assume um papel preponderante na (re)construção das representações simbólicas de género. Neste sentido, ao analisar os conteúdos jornalísticos é fundamental ter em consideração as complexidades inerentes aos processos que envolvem a (re)construção dos discursos e as suas inerentes configurações de sentido, as quais se encontram imbuídas numa intrincada teia de constrangimentos internos (rotinas profissionais, questões editoriais e pressões económicas/concorrenciais) e externos (estruturas societais enraizadas). Portanto, as produções jornalísticas não estão desligadas do mundo material, muito pelo contrário, uma vez que as representações jornalísticas vão assumir um papel crucial na (re)construção de um imaginário coletivo, e portanto na criação de significados sobre o que é ou o que deve ser e fazer uma mulher e um homem na sociedade como se deve relacionar com o mundo envolvente. Aliás, é de notar que, apesar de ter um potencial de resistência e por isso de desconstrução das representações assimétricas persistentes, diversos estudos apontam para o facto de o jornalismo continuar a ser uma prática genderizada (e.g. Álvares, 2006; Byerly & Ross, 2006; Carter & Steiner, 2004; Cerqueira, 2012; Gallagher, 2006; Gallego, 2009; Ross, 2009; Silveirinha, 2006). Os discursos que reproduzem simbolicamente a manutenção da ordem social vigente (Hall et al, 1999: 229) continuam a ser predominantes, mas começa a revelar-se cada vez com mais incidência o potencial transgressor de algumas representações, embora ainda de forma muito ténue. Num estudo que realizámos sobre a cobertura jornalística da efeméride do Dia Internacional da Mulher em Portugal (de 1975 a 2007) verificámos que a existência de um tratamento noticioso mais episódico e menos substantivo, ou seja, com pouco aprofundamentos das temáticas que giram em torno das mulheres, da (des)igualdade de género e dos feminismos. As fontes oficiais continuam a ser predominantes e as organizações da sociedade civil nem sempre conseguem ter voz nas notícias. Além disso, é de referir uma visão polarizada presente na imprensa, em que as mulheres ou são apresentadas como vítimas da sua fatalidade ou são seres excecionais que conseguiram triunfar num mundo dominado por homens. Neste sentido, as mulheres que passam de objetos a sujeitos fazem-no segundo moldes associados ao masculino, o que revela que a maior parte das mulheres continua a ser excluída dos espaços de representação social e política. Além disso, há a destacar que o modelo de mulher parece ser indissociável da noção de corpo feminino, isto é, continua a verificar-se uma valorização dos aspetos estéticos. Além disso, o tipo de cobertura que é feita revela que as questões de género fazem parte do discurso público, mas parece contribuir para a ideia que as lutas a travar já não têm grande expressão (a efeméride passa de reivindicação a evento meramente simbólico). No que concerne aos feminismos, estes acabam por ter pouca expressão nas narrativas, como se as conquistas e as lutas fossem descoVisita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“mulheres e feminismos na imprensa: continuidades e metamorfoses” ladas desse movimento social. Portanto, sucintamente, pode referir-se que, apesar de predominantes, as representações estereotipadas do feminino coexistem com representações que invertem os papéis tradicionais de género, suscitando uma ambivalência entre discurso dominante e discurso de resistência, sendo esta muito mais visível nas narrativas recentes, as quais aparecem frequentemente mascaradas pelo socialmente correto (Cerqueira, 2012). De realçar que quando um discurso não critica ou questiona o dominante acaba por reproduzi-lo e por isso, legitimá-lo, em maior ou menor grau. Concordamos com Bach et al (2000) quando menciona que alguns artigos dão a impressão que são escritos apenas para cumprir o socialmente estabelecido e não para tornar a informação mais plural, criando aquilo que pode ser definido por uma “equality illusion” (Banyard, 2010: 12). É nos meandros destes discursos contraditórios que se faz a cobertura jornalística, o que nos leva a falar de algumas metamorfoses, mas de várias continuidades. Apraz-nos, portanto, referir que os discursos jornalísticos acabam por transmitir aquilo que são os “novos sexismos” (e.g. Amâncio, 2001; Cabecinhas, 2007; Gill, 2007; Rojo & Gallego, 1997). Isto significa que se verificam alterações nas narrativas veiculadas, mas estas apenas acontecem na superfície, uma vez que às mulheres continua a não ser “atribuído o estatuto de ‘pessoa’ na sua plenitude e diversidade” (Cabecinhas, 2007: 282) e muitas das ‘velhas’ dicotomias continuam a estar bem presentes. É também valorizando esta tónica que Rosalind Gill (2011: 61) escreve um artigo intitulado “Sexism Reloaded, or, it’s Time to get angry again”, onde refere a necessidade de se falar outra vez de sexismo, chamando a atenção para a importância do “retorno a um pensamento mais politizado, intersecional, transnacional e conjuntural”. Posicionamo-nos nesta linha de pensamento, pois consideramos que é preciso desmantelar os discursos que continuam a cristalizar, mesmo que de forma extremamente subtil, as assimetrias de género, sendo estas equacionadas em conjunto com outros eixos de opressão, como a etnia, idade, orientação sexual, classe, entre outros. Em jeito de conclusão, investigações no campo dos estudos feministas dos media revelam que a par dos avanços conseguidos caminham ainda muitas assimetrias. Basta pensar que em 2009, numa conferência em Coimbra, a socióloga Gaye Tuchman procurou refletir sobre a forma como o género e os media se modificaram desde 1978, altura em que editou o livro Hearth and Home: Images of Women in the Mass Media, um dos pioneiros nesta área de investigação, referindo que ficava “espantada ao ver o quanto tanto mudou – e, também, o quanto tanto ficou na mesma”. (2009: 15). Esta expressão é sinal que esta área de investigação tem ainda um longo e complexo caminho pela frente. Assim, consideramos que é primordial fazer a monitorização contínua da produção jornalística nacional, discutindo a complexidade dos conteúdos veiculados, alertando as/os profissionais e as instituições para determinados tópicos de abordagem e abrangência. Outro tipo de notícias, de imagens, de textos de opinião e de fontes de informação, portanto, outro enquadramento, daria uma outra visão do mundo e permitiria reconfigurar os cenários sociais. Paralelamente, entendemos que é essencial enfatizar a importância da literacia dos/nos/para os media. Isto significa que os próprios meios de comunicação e as/os várias/os profissionais que operam nesta área necessitam de ser consciencializados para estas temáticas, podendo funcionar como instigadores da reflexão das/os cidadãs/ãos. Em simultâneo, os públicos precisam de olhar criticamente para os conteúdos veiculados pelos diversos canais de informação, de forma a fazerem uma filtragem mais atenta dos materiais apresentados. Se “o jornalismo é a vida, em todas as suas dimensões, como uma enciclopédia” (Traquina, 2002: 9), os conteúdos que são veiculados também devem mostrar essa diversidade, com carácter emancipatório, através de narrativas que representem as pessoas e os vários grupos sociais em toda a sua plenitude. ***

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“mulheres e feminismos na imprensa: continuidades e metamorfoses” Referências bibliográficas: Álvares, Cláudia (2006) ‘Feminismo e Representação Discursiva do Feminino: A Presença do Outro na Teoria e na Prática’. Ex-Aequo, 14: 35-43. Amâncio, Lígia (2001) ‘O género na psicologia: uma história de desencontros e rupturas’. Psicologia, 15 (1): 9-26. Bach, Marta; Atés, Elvira; Gallego, Joana; Plujá, Marta & Puig, Montserrat (2000) El sexo de la noticia: reflexiones sobre el género en la información y recomendaciones de estilo. Barcelona: Icaria. Banyard, Kat (2010). Equality Illusion: The Truth about women and men today: Faber and Faber. Betterton, Rosemary (1987) Looking On, Images of Feminity in the Visual Arts and the Media. London: Pandora. Byerly, Carolyn & Ross, Karen (2006) Women & Media: a critical introduction. Oxford: Blackwell. Cabecinhas, Rosa (2007) Preto e Branco: A naturalização da discriminação racial. Porto: Campo das Letras. Carter, Cynthia & Steiner, Linda (2004) Critical Readings in Media and Gender. Maidenhead: Open University Press. Cerqueira, Carla (2012). ‘Quando elas (não) são notícia: Mudanças, persistências e reconfigurações na cobertura jornalística sobre o Dia Internacional da Mulher em Portugal (1975-2007)’. Tese de Doutoramento em Ciências da Comunicação – especialidade de Psicologia da Comunicação, Braga: Universidade do Minho. Gallagher, Margaret (2006) ‘Perspectiva feminista sobre os media’. Ex aequo, 14: 11-34. Gallego, Juana (2009) ‘Género e representação pública: realidades e desejos’ in Silveirinha, Maria João (org.) Género Media e Espaço Público, Revista Media & Jornalismo, 8 (2): 43-54. Gill, Rosalind (2007) Gender and the media. Cambridge: Polity Press. Gill, Rosalind (2011) ‘Sexism Reloaded, or, It’s Time to get angry again’. Feminist Media Studies, 11 (1): 61-71. Hall, Stuart et al. (1999) ‘Policing the crisis’ in Tumber, Howard (ed) News: A Reader. Oxford: Oxford University Press: 249-256. Rojo, Luisa & Gallego, Javier (1997) ‘Argumentação e inibição: o sexismo no discurso dos executivos espanhóis’ in Pedro, Emília (ed.) Análise Crítica do Discurso – Uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa: Caminho: 313-352. Ross, Karen (2009) Gendered Media: Women, Men, and Identity Politics: Maryland: Rowman & Littlefield Publishers. Silveirinha, Maria João (2004). ‘Representadas e representantes: as mulheres e os media’. Revista Media & Jornalismo, As mulheres e os media, 5, (3): 9-30. Silveirinha, Maria João (2006). ‘Introdução’. Ex aequo – “Representações Mediáticas de Mulheres: 5-9. Traquina, Nelson (2002) Jornalismo. Lisboa: Quimera Editores. Tuchman, Gaye (1978) Making News. A Study in the construction of reality. Nova Iorque: Free Press. Tuchman, Gaye (2009) ‘Media, género, nichos’ in Silveirinha, Maria João (org.) Género, Media e Espaço Público, Revista Media & Jornalismo, 15, 8 (2): 15-24. Van Zoonen, Liesbet (1994) Feminist Media Studies. Londres: Sage Publications.

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“do escrutínio dos media aos media sob escrutínio: estereótipos de género no espaço público mediatizado” Rita Basílio de Simões Assistente Convidada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

A partir de uma perspetiva psicossocial, entende-se por estereótipo um conjunto estruturado de crenças acerca de um dado coletivo social ou a atribuição de traços psicológicos de caráter geral a um grupo humano amplo. É comum atribuir-se ao fenómeno social de estereotipização três processos basilares de caráter cognitivo, sendo que cada um deles antecipa e ordena de forma relativamente estável a experiência intersubjetiva dos indivíduos. Refiro-me à categorização, nomeadamente através da segmentação do todo social em subconjuntos definidos; à comparação social, através da contraposição ou confronto simbólicos entre os grupos sociais prefixados e definidos; e à atribuição de traços, isto é, à atribuição de características que legitimam a categorização ou o parcelamento estabelecidos.(1) Aos estereótipos assim entendidos é comum outorgar-se duas características fundamentais, a hipersimplificação da realidade social que pelo estereótipo é classificada e a autorreferencialidade, de tal modo que, mesmo em presença de fatores que os contradigam, os estereótipos em uso são assaz resistentes à mudança. Embora não seja pensada de forma unívoca, a primeira daquelas características é amiúde ligada à construção e reprodução de preconceitos responsáveis pela segregação social. Sob este prisma, a hipersimplificação da realidade não favorece apenas a criação de expectativas que frustram os sujeitos desarmonizados com os aspetos psíquicos e cognitivos que o estereótipo valida, assim conformando a autorrepresentação da identidade. Também a representação dos «outros» é marcada por processos de reducionismo e de indiferenciação grupal responsáveis pelo fenómeno que a psicologia denomina de «homogeneização exo grupal», em contraponto com o «favoritismo endo grupal». Assim, sem prejuízo de poderem favorecer a inteligibilidade do mundo fenomenológico, ao reduzir a sua complexidade, os estereótipos constituem uma poderosa âncora do discurso etnocêntrico e preconceituoso. De um ponto de vista cognitivo, uma visão mais matizada dos estereótipos permite reconhecer-se-lhes a capacidade de garantir aos agentes sociais o recurso a mecanismos de ajustamento à vida coletiva e de adaptação nos processos de interação quotidiana.(2) Neste sentido, a segunda característica dos estereótipos acima referida, que remete para o seu papel na cristalização, em categorias estanques, de valores cognitivos que permitam ao sujeito orientar-se no intercâmbio social, freia as idiossincrasias da vida coletiva. Em todo o caso, é precisamente ao fazê-lo que a própria ideia do valor adaptativo dos estereótipos é problemática. Isto porque, se a autorreferencialidade pressupõe que a estereotipia prescinda de evidências empíricas que autentiquem ou desafiem a validade do estereótipo, nem a mais irrefutável das provas o ferirá de morte. Pela autorreferencialidade, os estereótipos sustentam, mais do que factos, juízos a respeito deles, isto é, acerca de «o que é», do mesmo modo que suportam julgamentos de valor, ou seja, acerca do que «deve ser», com considerável imunidade à mudança. Ainda que o conceito psicossocial de estereótipo tenha emergido com Walter Lippman(3), em 1922, no quadro do pensamento sobre a comunicação de massas e a disseminação de crenças de forma abrangente e cumulativa, a estereotipia é um fenómeno com origens longínquas, que se confundem com as da própria sociedade. O elemento novo que a sociedade de massas arrasta é a emergência e intensificação do papel dos media no espaço público como instâncias de mediação simbólica generalizada por excelência. É neste ambiente sócio histórico particular, de trocas comunicacionais em massa, que Página 29

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“do escrutínio dos media aos media sob escrutínio: estereótipos de género no espaço público mediatizado” encontramos o contexto da investigação de diferentes modalidades de estereotipia presentes nos media. Em particular, a pesquisa feminista dos media tem-se ocupado da crítica à forma como os conteúdos mediáticos sub-representam ou projetam as mulheres através de estereótipos de género pelos quais são, com frequência, representadas como objetos em vez de sujeitos participantes ativos em diversos papéis sociais. É também — e, porventura, sobretudo — por esta via que a valorização social diferenciada de homens e de mulheres e a desigualdade baseada no sexo dos indivíduos se veem reforçadas. O feminismo ou o conjunto de perspetivas a que esta designação pode reconduzir, sendo um campo de sistematização do conhecimento, é igualmente um movimento político, que visa espoletar processos de diferenciação social. Por isso, pode tecer-se um firme vínculo entre este edifício intelectivo e o compromisso político com o progresso societário. É em resposta a este desígnio que o feminismo tem mantido sob escrutínio diferentes esferas da vida coletiva, revelando, dessa forma, as desigualdades sociais, os mecanismos de opressão e os prejuízos que ambos representam para as mulheres. De entre as preocupações centrais dos estudos feministas dos media estão as implicações sociopolíticas das construções mediatizadas da identidade de género. Como ferramenta teórico-metodológica, o conceito de género tem sido, portanto, determinante, na medida em que oferece um paradigma para refletir sobre a ordem societária e o estatuto diferenciado que mulheres e homens ocupam nela(4). O género corresponde a uma categoria sociopolítica, bem como a um modelo analítico a partir do qual a longa história da subalternização e dominação femininas foi sendo descrita e as desigualdades e as hierarquias alojadas nas estruturas e nas práticas discursivas combatidas, designadamente através da desconstrução da ideia de que a biologia representa o destino. Através deste conceito, as imagens, os universos semânticos, a argumentação, as representações sociais que, sendo tão comuns, contribuem para criar ou reproduzir uma certa ideia de mulher e de feminilidade, mas também de homem e de masculinidade, podem, de forma estimulante, ser desconstruídos a partir do reconhecimento de que a identidade de género é um produto sociocultural complexo, uma “estrutura ideológica”(5) que, nas sociedades patriarcais, estratifica os indivíduos. Grande parte da reflexão neste domínio utiliza o termo sexo para referir as diferenças biológicas entre homens e mulheres e o termo género para referir as diferenças culturalmente construídas. Assim, se o conceito de sexo traduz o conjunto de características biológicas que distinguem os seres humanos, o conceito de género refere-se às representações sociais e culturais do sexo biológico, muitas vezes traduzidas em traços de género e em papéis de género que se reforçam mutuamente e que «naturalizam» no senso comum a diferença entre sexos baseada na natureza. Esta diferença prestou-se, e presta-se, à construção de uma disparidade histórica, sobre a qual a divisão do trabalho e o acesso à esfera intelectual e simbólica, por exemplo, se organizaram, ao longo do tempo, segundo uma profunda assimetria. A esta luz, se a classe, tal como a raça, a etnia, a religião e a idade, por exemplo, configura uma parte importante do sistema de desigualdade e de privilégios que permeia, de modo mais ou menos dissimulado, todos os campos da vida social, o género, feminino e masculino, é o modelo que, varrendo o universo social por inteiro, auxilia a desconstrução desse sistema. A partir de uma perspetiva feminista, os estereótipos de género configuram, por conseguinte, um tipo de mecanismo social no qual o patriarcado encontra uma importante fonte de auto legitimação. Daí a importância de manter vivas a identificação e a análise crítica da presença de estereótipos nos media, entendidos, como já realçado, como instâncias de mediação simbólica abrangente. A preocupação original da pesquisa feminista dos media centrou-se na identificação dos estereótipos presentes nos textos mediáticos. Em particular, o trabalho dos anos de 1960, de cariz sobretudo quantitativo, procurou documentar o modo como os estereótipos reforçam as noções de diferenciação dos papéis sexuais de homens e mulheres. A convicção de que as imagens «falsas», distorcidas da realidade social, que o discurso estereotipado condensa, sociabiliza os públicos, encorajando-os a aceitar os Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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“do escrutínio dos media aos media sob escrutínio: estereótipos de género no espaço público mediatizado” estereótipos de papéis sexuais como normais, óbvios e naturais estruturou o horizonte teórico então erigido. A importância de estudar as imagens das mulheres e da feminilidade passou, no final da década de 1970, a estar menos ligada à estereotipia ou categorização simplificada do universo feminino — composto por «fadas do lar» ou «objetos sexuais», por exemplo — do que, como refere Maria João Silveirinha(6), à assunção de que essas imagens teriam “inscritas uma dimensão cultural destinada a fazer crer que elas representam o que as mulheres são ou deveriam ser”. Assim, se as primeiras investigações foram feitas com o intuito de “proceder a uma «correção» das representações mediáticas, isto é, devotadas a mostrar que estas têm, de uma forma ou de outra, qualquer coisa de errado, em termos históricos, biográficos, sociais ou sob qualquer outra base de exatidão” (7), o reconhecimento da opacidade da linguagem redirecionou as preocupações com as dinâmicas de distorção para os processos de construção social. É já neste enquadramento que duas influentes hipóteses explicativas da relação entre os media e as mulheres, apresentadas em 1978 por Gaye Tuchman(8), devem situar-se: a invisibilidade e a «aniquilação simbólica» do universo feminino. Mostrou a autora que a representação simbólica das mulheres não as desvaloriza apenas quando as ignora; mesmo quando representadas, as mulheres trabalhadoras, por exemplo, são “condenadas”, “trivializadas”, retratadas como “ornamentos infantis” que carecem de proteção, ou, simplesmente, “desvalorizadas dentro das fronteiras protetoras do lar”(9). A mudança epistemológica que estas propostas arrastam corresponde, com efeito, menos à preocupação com o papel dos media na distorção da realidade do que na própria construção discursiva da realidade através do reforço de sistemas de valores opressivos. Uma forma de analisar a formação das construções «genderizadas» da realidade consiste em pôr em relevo a representação mediática das mulheres e de temáticas feministas elementares. Como essa representação se relaciona com fatores macroestruturais, tais como as conceções patriarcais de feminilidade e as políticas do mercado neoliberal, e micro estruturais, nomeadamente os processos de produção de notícias, são questões que assumem, neste contexto de pesquisa, uma relevância particular e, que desde os anos de 1990, também em Portugal têm sido colocadas. Com frequência, a investigação feminista tem tornado saliente o modo como os seus específicos propósitos são diminuídos ou desacreditados pelos media. Estas visões representam uma parcela do eixo mais cético da pluralidade de propostas de compreensão da relação media-género no espaço público e é a partir delas que, designadamente, a ideia da «deslegitimação» dos propósitos feministas adquire ressonância. A polarização de género é outro dos traços distintivos documentados, que assenta na comparação sistemática homens/mulheres como princípio organizador da vida social e cultural. Na base destas construções está, entre outros, o essencialismo biológico, isto é, a ideia de que a biologia representa o destino, patente, por exemplo, na construção da imagem da mulher objeto sexual, que povoa reiteradamente o imaginário da feminilidade proeminente no universo mediático. Na representação da política formal, onde a presença das mulheres é ainda, manifestamente, reduzida, a feminilidade é também reconduzida à comparação com o masculino. As mulheres são a exceção, o desvio à norma, na medida em que ou são masculinizadas ou reduzidas a padrões de feminilidade. Esta cosmovisão construída do ponto de vista masculino justifica, em parte, o escrutínio permanente menos das qualidades intelectuais e políticas das mulheres estadistas do que dos seus papéis femininos e atributos físicos. O reforço deste estatuto diferenciado entre homens e mulheres é também mensurável pela forma como as mulheres perdem, com frequência, a qualidade de sujeitos autónomos ao serem caracterizadas por referência a uma figura masculina. Neste sentido, os media contam, de forma regular, histórias de «viúvas de», «mulheres de», «namoradas de», «companheiras de», processo discurso que reforça Página 31

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“do escrutínio dos media aos media sob escrutínio: estereótipos de género no espaço público mediatizado” as desigualdades de género, na medida em que afeta a configuração da identidade individual e social de homens e de mulheres. Claro que, a regra, na cultura mediática, é categorizar. Categoriza-se para simplificar a apresentação da realidade cuja complexidade não se compadece, em muitos casos, com as lógicas de produção e de transmissão de conteúdos, especialmente de conteúdos informativos, para o espaço público mediatizado. Os media, em particular os media noticiosos, são, na verdade, altamente seletivos. Todavia, há que reconhecer que essa seletividade carrega conteúdo ideológico ou, dito de outro modo, transporta sistemas de valores em relação às matérias que é importante conhecer, mas também no que diz respeito aos modos como essas matérias são tornadas visíveis no discurso público. Assim, a desigualdade de género construída pelos media não decorre apenas de constrangimentos vários, impostos pela linguagem e por rotinas específicas, mas também de uma visão androcêntrica do mundo, inscrita na cultura, que explica o seu papel na aniquilação simbólica das mulheres. Os media estão, em todo o caso, em condições tanto de desafiar como de reproduzir e reforçar a transhistórica valorização social diferenciada de homens e de mulheres. Ora, a categoria género permite que, de forma sistemática, se analise o seu papel tendo em conta os processos de categorização que desencadeiam e que se interligam com as demais práticas de categorização social. Em particular quando reproduzem estereótipos que, como acima referido, hiper simplificam o contexto sociocultural existente, além de configurarem uma poderosa âncora da estereotipia sexista. A forma como, no espaço público contemporâneo, as questões de género e de status são disputadas não assenta, de um modo geral, em consensos fáceis, nomeadamente porque, pelo menos em parte, os temas e os argumentos prosperam ou fracassam precisamente a partir da gestão contingente que deles é feita por diferentes tipos de media e desempenhos mediáticos. A partir de uma perspetiva feminista, uma das vantagens do envolvimento com a complexidade destes processos é permitir situar os media em intrincadas relações de poder, sem deixar de reconhecer o seu papel na transformação dessas relações, em nome de uma sociedade mais justa. Trata-se igualmente de um desafio que passa, inevitavelmente, por invocar a responsabilidade social destas instituições, que se estende aos planos da formação da opinião pública, da sinalização e configuração de problemas coletivos e da construção das identidades e das relações sociais. Daí a importância de manter viva a análise crítica dos media, à semelhança do que propõe o projeto “Por Outras Palavras”. Mundos simbólicos e reais mais equitativos, solidários e justos são possíveis. É, no entanto, crucial que, “por outras palavras”, os media possam apoiar a sua construção. *** Referências bibliográficas: (1) Sigo o pensamento de Tajfel, H. (1969). “Cognitive Aspects of Prejudice”, Journal of Social Sciences 25, pp. 79-97. (2) Hamilton, D. L. (1981). [ed.] Cognitive Processes in Stereotyping and Intergroup Behaviour, Hillsdale, N. J.: Erlbaum, pp. 1-35. (3) Lippman, W. (1991). Public Opinion, Londres: Transaction. (4) A este respeito, veja-se, por exemplo, Van Zoonen, L. (1994). Feminist Media Studies, London: Sage. (5) Lazar, M.M. (2008). “Language and communication in the public sphere: a perspective from feminist critical discourse analysis” in R. Wodak e V. Koller (eds.) Communication in the Public Sphere. Handbooks of Applied Linguistics Vol. 4, Berlin, New York: Mounton de Gruyter, pp. 89-110. (6) Silveirinha, M. J. (2008). “A representação das mulheres nos media: dos estereótipos e «imagens da mulher» ao «feminismo» no circuito da cultura” in J. P. Esteves (org.) Comunicação e Identidades Sociais, Lisboa: Livros Horizonte, pp. 117-118. (7) Ibidem: 125. (8) Tuchman, G. (2004). “O aniquilamento simbólico das mulheres pelos meios de comunicação de massas” in M. (9) Ibidem: 139-140. Visita ao parceiro da Estónia, Tallinn University

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a ler e a ver Publicações do projecto disponíveis para leitura e download em: http://www.inotherwords-project.eu/ e em http://issuu.com/ieba

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nesta edição Nesta edição In Other Words

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Por Outras Palavras

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4

APAV - GAV Coimbra

5

APPACDM Coimbra

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GRAAL Coimbra

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Não Te Prives

8

SOS Racismo

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O projecto In Other Words pelos e olhos e pela reflecção de uma estagiária

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ULAI - Resultados

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ULAI - Balanço do projecto

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Colóquio “Media e (Não)Discriminação”

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“O mundo a preto e branco”

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Seminário “Por outras palavras, nos media”

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“Preconceito e rotina no olhar dos media”

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“”Mulheres e feminismos na imprensa: continuidades e metamorfoses”

26-28

“Do escrutínio dos media aos media sob escrutínio: estereótipos de género no espaço público mediatizado”

29-32

A ler e a ver

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Nesta edição, Na internet, Créditos

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créditos Edição: IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Janeiro 2013 Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12 - Apartado 38 3450-232 Mortágua, ieba@ieba.org.pt Janeiro 2013

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