Revista F | Ano 9 | 2023 | n. 14

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14ª Edição - XIV ano

A questão de acesso e preservação de arquivos preocupa todo o mundo da fotografia. Mas como toda a produção social, aquilo que é produzido por mulheres tem empecilhos acentuados: há maior dificuldade na preservação e acesso de arquivos, seja por recursos ou valorização.

Nessa 14º edição da Revista F, a publicação traz uma série de produções de mulheres fotógrafas, justamente para formar um contraponto a esse cenário, contribuindo para um registro histórico, social, jornalístico e, principalmente, visual.

No Especial, por meio de fotos e palavras, conta a história de Heloisa Vecchio e sua íntima relação com a fotografia analógica. O ensaio traz imagens de seu processo criativo, fotográfico e de direção de modelo.

Gabriela Teixeira é uma das entrevistadas e mostra sua diversidade fotográfica na medida em que conta como a prática pode atuar subjetivamente, especialmente, por meio do autorretrato.

A fotografia de moda, área tão mercadológica, também está presente. Larissa Felssen explica a importância de se posicionar frente a estereótipos

Já Dani Antunes conta sobre o @fotografademulheresreais, que mais do que um projeto é uma perspectiva de como encarar o mundo de desigualdade de gêneros e aparências.

Um pouco disso e mais. Boa leitura!

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Editorial
de todos os cantos 06 Entre-vistas 11 Especial: Poesia em filme 20 Perfil 40 Frame 46
SUMÁRIO Brasil

Mineirão: o berço do futebol de Belo Horizonte

O estádio é um importante ponto turístico da capital mineira além de ter sido palco de grandes momentos da história do futebol brasileiro.

Por Guilherme Marques Pacheco Andreata

O Estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido como “Mineirão”, está localizado na região da Pampulha, em Belo Horizonte. Com capacidade para 62 mil torcedores, o estádio já recebeu grandes nomes do futebol brasileiro e mundial, eventos esportivos dos principais clubes de Minas Gerais, shows, além de pessoas que visitam diariamente a Esplanada.

O fotojornalista Rodney Costa, na profissão há mais de 20 anos, descreve sua identificação com o Gigante da Pampulha. “Lá, vivi grandes momentos na minha carreira. Conheci pessoas, me envolvi com grandes personalidades e amadureci como

ser humano e profissional. Foi onde meus familiares me ensinaram a amar o futebol e tudo que o envolve”, comenta.

O Estádio do “Mineirão” foi inaugurado no dia 5 de setembro de 1965 e entre os anos de 2010 e 2012, passou por reformas estruturais para a Copa do Mundo de 2014.

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Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão. Foto: Guilherme Marques Pacheco Andreata

Secretaria de Cultura de Lagoa Formosa cria Museu Municipal e reativa Biblioteca

Com o novo espaço criado pela Secretaria de Cultura, os lagoenses passarão a ter acesso a uma vasta diversidade cultural.

A Casa da Cultura de Lagoa Formosa, o Museu Municipal e a Biblioteca Pública estão atualmente dividindo o mesmo espaço.

A deia de unir os três espaços partiu da Secretaria Municipal de Cultura, com o objetivo de proporcionar maior acessibilidade aos lagoenses nos locais públicos. A cidade tem uma vasta diversidade cultural, fica situada no Alto Paranaíba, em Minas Gerais e possui mais de 18 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com informações da coordenadora de Cultura, Érika Castanheira, os novos projetos culturais que serão desenvolvidos no município necessitam de contribuição dos moradores para que as ações apresentadas obtenham êxitos. “Queremos contar com a participação de todos os habitantes no intuito de adquirir, livros, objetos históricos, fotos, documentos, relíquias, utensílios domésticos e objetos que tenham referências históricas e culturais de nossa região”, comenta Castanheira.

A participação da comunidade será através de doação e/ou empréstimo dos acervos. Ainda, a coordenadora ressalta a importância de preservar a memória da comunidade. “Esperamos que nossos esforços sejam vistos como uma oportunidade de estarmos todos unidos

para o bem e a preservação de nossa cultura”, finaliza.

O local escolhido para a nova sede fica na Rua Eurípedes Ribeiro, no Centro.

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Érika Castanheira, coordenadora de Cultura. Foto: Vanderlei Gontijo
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A grandeza do Parque Ecológico de Americana

Ponto turístico da pequena cidade no interior do estado de São Paulo se mostrou forte perante a pandemia da Covid-19.

Quando um cidadão americanense é perguntado sobre pontos turísticos de sua cidade, provavelmente o primeiro lugar a vir em mente é o Parque Ecológico. Fundado em 1984, sempre foi bastante frequentado, em excursões escolares ou nos passeios em família. Servindo até para estudos infantis e universitários, a pandemia também afetou o local em 2020 e 2021.

A estrutura é grande em relação ao tamanho da cidade, já que, segundo o site oficial da prefeitura, o lugar abriga 101 diferentes espécies de animais. Inclusive, o diretor do Parque, João Carlos Tancredi, deixou bem claro em entrevista que “a preocupação não é o turismo, mas sim a preservação dessas espécies, que são nativas em maioria.”

É de conhecimento geral a polêmica em relação à existência de zoológicos. Mas o que muitos não sabem é que eles são diferentes de parques ecológicos. Enquanto no primeiro a intenção é o turismo, usando animais como atração, no segundo o objetivo principal é preservar, simulando habitats e criando uma área verde para a cidade.

Apesar dos impactos da pandemia do novo coronavírus, o parque ainda é o maior ponto turístico de Americana (SP), servindo também para aprendizado de crianças e até mesmo de universitários. Por mais que a fase da pandemia tenha sido difícil para o funcionamento do local, Tancredi garante que o público está voltando a frequentar e que essa é uma crescente clara.

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Parque Ecológico localizado em Americana- SP. Foto: Luís Eduardo Giraldi
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Por Luís Eduardo Giraldi

Da redação jornalística para o campo de pesquisa científica

A jornalista, Taís Seibt, iniciou os estudos sobre fact-checking no Brasil e, atualmente, é uma das principais referências da área.

Formada em Jornalismo pela Unisinos em Porto Alegre (RS), a jornalista Taís Seibt, que já atuou em veículos como o jornal Zero Hora, iniciou os estudos relacionados à área de fact-checking em 2015. Atualmente, é referência na área. Em entrevista à Revista F, a jornalista conta o porquê escolheu o jornalismo, os desafios e obstáculos que os(as) pesquisadores(as) enfrentam no Brasil e os próximos passos da sua pesquisa.

Revista F: Por que decidiu trabalhar com jornalismo?

Taís: Nos primeiros anos da escola, logo comecei a me destacar nas aulas de redação. Ganhei vários concursos literários, fui “Jornalista por um dia” do jornal Zero Hora (ZH) mais de uma vez. Quando visitei a redação do ZH, em Porto Alegre, que era uma das premiações do concurso, eu fiquei encantada. E tudo isso fez sentido quando, mais tarde, me tornei repórter e trabalhei naquela redação por vários anos. Acho que não sei responder exatamente por que decidi trabalhar como jornalista, parece que sempre fui jornalista.

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Por Paulo Pessoa Foto: Taís Seibt

Revista F: E quando se interessou pela pesquisa acadêmica?

Taís: Desde o início da faculdade eu já trabalhava para me manter. Entrei na pesquisa acadêmica quando surgiu uma oportunidade de entrar na iniciação científica como bolsista, o que também me ajudava a pagar o curso. Essa configuração fez com que, desde o começo, eu estivesse sempre com um pé na academia e outro no mercado de trabalho. Isso nunca mudou, até hoje vivo assim. Peguei gosto pela pesquisa, tanto que resolvi fazer mestrado logo depois de formada. Mas ao mesmo tempo, nunca deixei de ser repórter.

Revista F: Como surgiu o seu interesse de estudo sobre fact-checking e o fenômeno da desinformação?

Taís: Foi uma consequência de outros olhares de pesquisa. No mestrado, estudei o processo de convergência jornalística na redação do Zero Hora, no qual, ainda era repórter durante o mestrado. Estava investigando as mudanças de rotinas numa redação que estava começando um processo de integração entre o impresso e o digital - hoje é meio louco pensar nisso porque tudo já está altamente integrado ao digital, mas naquela época eram mundos paralelos. Conforme ia avançando nas referências, vendo outros estudos, a realidade em outros países, começou a mwwe chamar atenção a vida fora das redações tradicionais. Até aquele momento, reportagem fora das o jornalista tinha uma visão de carreira de certa forma condicionada a trabalhar em um veículo, e isso estava mudando. Quando fui para o doutorado, direcionei meu olhar para isso. Queria investigar as rotinas de redações o jornalista tinha uma visão de carreira de certa forma condicionada a trabalhar em um veículo,

e isso estava mudando. Quando fui para o doutorado, direcionei meu olhar para isso. Queria investigar as rotinas de redações tradicionais, nos meios nativos digitais, que abriram e seguem abrindo frentes de trabalho diversas para os jornalistas. Terminei o doutorado e não parei nunca de pesquisar, estudar, aprender. Estou ainda, como todos, analisando, interpretando, tentando buscar respostas que não temos para o fenômeno que está diante de nós e não para de se transformar. Tanta coisa já aconteceu desde 2018, e não para de acontecer.

O próprio termo “desinformação” foi encontrando seu espaço nessas transformações, pela necessidade de se adaptar um vocabulário que já não traduzia o que estávamos tentando explicar. O fact-checking se transformou, assumiu outras funções de verificação, foi alçado a um papel de autoridade, podese dizer. Quando comecei os estudos era apenas mais uma prática secundária deste jornalismo nativo digital.

Revista F: O Afonte Jornalismo alterou sua visão sobre o mundo?

Taís: São várias coisas. Por um lado, ser idealizadora de uma iniciativa independente, mesmo que pequena e sem recursos, exige diversificar nossas competências: desde gestão, planejamento, marketing. Não é mais só jornalismo. Então, a primeira mudança de visão de mundo que Afonte me trouxe é sobre propósito. O que fazemos e por que fazemos? Quando a gente se insere em uma organização, vamos fazendo o que fomos contratados para fazer, a nossa “obrigação”. A chave vira um pouco quando nos vemos tendo que investir tempo, que é um bem precioso, criatividade e até dinheiro em uma coisa nossa. Tem que fazer sentido. Todas

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investir tempo, que é um bem precioso, criatividade e até dinheiro em uma coisa nossa. Tem que fazer sentido. Todas as escolhas profissionais que fiz depois de criar Afonte, os projetos em que me envolvi e o quanto me dedico ao que faço, fazem parte dessa visão de mundo.

Revista F: Como a situação da pandemia impactou na produção da sua pesquisa?

Taís: A pandemia teve um duplo impacto no meu tema de estudo: primeiro, ajudou a colocar o tema em evidência, o que foi bom, porque tinha uma pesquisa recente sobre isso; segundo, despertou o interesse de todo mundo sobre o tema, então, pipocaram novas pesquisas aos montes, o que foi complicado, porque ficou muito difícil me manter atualizada sobre as discussões. Toda a escassez de bibliografia que havia antes foi suplantada por uma volumosa produção acadêmica sobre esse tema. Meu grande desafio hoje é acompanhar tudo isso e ficar atualizada, porque tem muita coisa interessante e relevante sendo produzida.

Revista F: Alguma dica para quem deseja seguir a carreira em pesquisa acadêmica na área da comunicação?

Taís: A carreira do pesquisador no Brasil é um pouco complicada. Quando você recebe uma bolsa de mestrado ou doutorado, precisa se dedicar exclusivamente à pesquisa, não pode ter vínculo empregatício. Uma bolsa de doutorado atualmente paga R$ 2.200, e não há férias, 13º, vale transporte ou qualquer outro benefício em cima disso. São 48 parcelas mensais de R$ 2.200, equivalente aos quatro anos de curso. Não se fala muito sobre isso, mas precisamos falar. É só fazer as contas: dá para arcar com os custos da pesquisa em si e mais com seus custos de vida, quando você

paga aluguel ou é chefe de família? Esse valor de bolsa é um dos elementos de exclusão social no mundo acadêmico. Faz pesquisa quem tem condições de se manter nessa situação, seja com reservas financeiras ou ajuda familiar. Então, é bem difícil pensar numa dica. Porque se dedicar a um tema, estudar tudo o que pode, criar redes de contato com pesquisadores, participar de congressos acadêmicos e publicar artigos, nada disso garante sucesso na carreira de pesquisa. É fundamental fazer tudo isso, mas tem essa dificuldade de fundo. Precisamos batalhar pela educação, pela ciência, enquanto sociedade mesmo.

Revista F: Tem projetos futuros em relação a checagem de fatos?

Taís: Minha atuação está cada vez mais voltada à educação midiática, que inclui o fact-checking, estou menos na “linha de frente” da checagem. Mas considero que isso também é um projeto relacionado à checagem de fatos, porque formar leitores preparados para este mundo é fundamental.

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Fotografia também é espaço para a versatilidade

As fotos de Gabriela Teixeira exploram diversas áreas e editorias do meio fotográfico.

Atualmente cursando Publicidade e Propaganda, Gabriela Texeira, 25 anos, começou a fotografar por amor e já realizou trabalhos em diferentes áreas da fotografia. Em entrevista especial para a Revista F, a estudante conta como descobriu seu talento e sobre os tipos de foto que realiza. De maneira independente, Texeira possui uma grande variedade de trabalhos. Entre suas produções estão ensaios de gestantes e recém-nascidos, eventos como casamentos, aniversários e shows. Além de outras criações como retrato artístico e street style.

Revista F: Quando surgiu o seu interesse por fotografia?

Gabriela: A fotografia sempre esteve na minha vida desde pequena com aquelas câmeras de filme pretas da Kodak. Minha família não tinha dinheiro para ter uma mas, lembro de brincar com uma preta que não funcionava mais, e ela era o meu brinquedo favorito. Quando as câmeras digitais inshot surgiram, minha mãe conseguiu comprar e me deixava tirar fotos dela se arrumando para sair, da família, e aos poucos eu comecei a me apaixonar por tirar fotos de coisas do dia a dia.

Fui crescendo e esse meu sonho de ter uma câmera e tirar fotos das pessoas nunca mudou. Até que no meu segundo emprego, aos 17 anos, consegui juntar dinheiro o suficiente para comprar uma GE semiprofissional. Eu nunca tinha mexido em uma câmera dessas e foi amor à primeira vista. Depois disso, fui conquistando equipamentos aos pouquinhos, garimpando de usados até conseguir comprar o meu xodó, que é a minha câmera profissional.

Revista F: Quem são suas referências e

quais suas inspirações na fotografia?

Gabriela: Para ser bem sincera, por mais que eu seja extremamente apaixonada por tudo na fotografia, eu nunca tive uma inspiração. Digo uma pessoa que me inspire no mundo da fotografia, claro que admiro muitas fotografas, mas a minha maior inspiração são as pessoas do dia a dia. É eu ver o sorriso de uma criança, uma mulher de etnia diferente, um casal de idosos na rua de mãos dada. Minha inspiração é ver cor e amor em todos os cantos e mostrar esse meu olhar para as pessoas. Fazer elas se apaixonarem por pequenos detalhes que se passassem reto não teriam percebido.

Revista F: Qual o seu tipo de trabalho fotográfico favorito de realizar?

Gabriela: Com toda a certeza o meu tipo de trabalho favorito é quando o meu cliente me dá total liberdade para criar em cima da temática que ele escolheu. Onde eu posso usar itens e lugares não convencionais e fazer fotos em que eles se enxerguem de uma maneira totalmente única, acredito que as experiências dessas fotos se tornam gostosas na memória.

Revista F: Para você, quais os pontos mais marcantes e característicos nos seus trabalhos?

Gabriela: Eu acredito que o meu ponto mais marcante dentro da fotografia é uma mistura de criatividade junto com uma edição simples. Gosto que as pessoas se vejam como elas são e gostar do que veem através da minha fotografia. Acredito que alterações drásticas em fotos não mostram quem a pessoa é de verdade e a verdadeira essência de uma pessoa é ela ser quem é, com cicatrizes, marcas e manchas, da vida de cada um nesse mundo, que te torna

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Créditos das fotos: Gabriela Teixeira

extremamente único. Então, eu sempre prezo pelo bem-estar dos meus modelos, onde eles se sintam confortáveis comigo e que eles se vejam lindos como são. Acho que é o meu ponto mais marcante.

Revista F: Qual o trabalho ou foto mais marcante que você já realizou?

Gabriela: Até o presente momento o trabalho que mais me marcou foi quando fotografei o meu primeiro show e finalmente fui reconhecida como fotógrafa. Eu entrei na área onde eles ficavam e consegui ficar ao lado do palco tirando fotos dos cantores. Para mim foi surreal ter esse reconhecimento e ver que aos poucos eu estou conquistando o meu espaço.

Revista F: O que você considera ser o maior desafio no meio da fotografia?

Gabriela: Acredito que ter oportunidades, justamente por eu não ter um estúdio e estar tentando conquistar o meu lugar, as pessoas temem que as fotos fiquem “amadoras” por eu não ser conhecida o suficiente para isso. Chega a ser frustrante quando desmarcam ou fazem fotos com alguém que é maior nas mídias mas, não desanimo pois sei que ainda chego lá e irei conquistar meu lugar nesse meio tão concorrido e sem oportunidades no Brasil.

Revista F: Como fotógrafa, o que ainda gostaria de realizar?

Gabriela: Gostaria muito de fazer ensaios que tragam reflexões sobre certos assuntos e alertar sobre. Um exemplo muito claro seria sobre os transtornos psicológicos, sobre desastres naturais, mas representar isso em pessoas. Eu tenho a vívida ideia de como quero fazer mas ainda me faltam recursos para pôr em prática e quem sabe um dia expor esses trabalhos em uma galeria.

Revista F: Uma dica para quem quer iniciar na fotografia:

Gabriela: Comece, nem que seja com a câmera do celular, mas comece. Você nunca vai saber o seu potencial se ficar no “e se”. Coloque em prática hoje, não precisa começar sabendo tudo sobre iluminação, posicionamento de câmera e tudo mais. Precisa só de vontade de querer pôr em prática; os equipamentos e sabedoria, você conquista com o tempo.

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Poesia em filme

Conheça o trabalho de Heloisa Vecchio, uma artista que tem uma relação intensa com a fotografia analógica e que descobriu no uso do filme uma realização pessoal e profissional.

Heloisa Vecchio descobriu a fotografia analógica por meio de processos internos de autoconhecimento. Quando estava no 9º período de Arquitetura e Urbanismo, decidiu fazer um intercâmbio, pois sentiase exausta do curso e sabia que não era aquilo que gostaria de seguir como carreira. Na Itália, em 2018, ao procurar por algo que realmente queria fazer, encontrou a fotografia. Após comprar uma câmera analógica – a Pentax MX – começou a fotografar e nunca mais parou.

No segundo mês fotografando em filme, realizou uma oficina de revelação p&b e desenvolveu uma paixão profunda por essa arte. Ali percebeu que não tinha mais volta e, com a fotografia analógica, sentiu a realização pessoal e profissional.

Aprofundou os estudos e experimentou diversas áreas de fotografia até entender o que realmente gritava em seu coração: os ensaios de nu artístico.

Heloisa se considera uma artista multifacetada, pois gosta de muitas coisas e permite fazê-las. Atualmente trabalha com casamentos, ensaios, marcas, still em audiovisual, vende obras e também é professora de fotografia.

Sua relação com a fotografia analógica é intensa. Desde que iniciou na área, teve um envolvimento profundo com o filme. E nesse processo se envolveu de corpo e alma. Quando via o resultado dos rolinhos que clicava, tinha a certeza que era aquilo que deveria fazer da vida. “Eu me encanto pelos ensinamentos que a fotografia analógica me proporciona, desde a espera, a falta de controle, o pensar antes de clicar, as surpresas e suas transformações”, conta.

A fotógrafa já revelou muitos filmes p&b de forma caseira, com a receita de Caffenol CL que tem o café como base. “Hoje em dia,

pela quantidade de trabalho que realizo, eu sempre envio meus filmes para um laboratório revelar”, explicou.

Em seu processo criativo, sempre pensa primeiro no sentimento que quer transmitir: “Depois crio um esboço do que imagino. Aos poucos o roteiro do ensaio ganha forma e detalhes. Faço os desenhos das cenas e das composições que desejo criar”.

Esse planejamento é essencial para trabalhar com analógica, pois cada clique deve ser pensado muito antes de ser de fato clicado. Mas também faz fotografias sem tanto planejamento, sente a atmosfera do momento e clica. Sua fotografia é sobre sentir, sobre reviver uma memória e um sentimento: ‘’São registros poéticos e sensíveis’’.

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ESPECIAL
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Fotos analógicas de Heloisa Vecchio

A importância da participação feminina na fotografia de moda

O portfólio de Larissa Felsen coleciona trabalhos para diversas grifes nacionais e internacionais. Nos últimos anos, ela também passou a estudar sobre espaço das mulheres na fotografia de moda.

“A partir do momento que você fotografa, você impõem seu repertório com a sua visão”.

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Foto: Larissa Felsen
Perfil

A fotógrafa Larissa Felsen (34) é um dos grandes nomes da fotografia de moda, beleza e publicidade no Brasil da atualidade. Com 12 anos de carreira, ela conta com campanhas e publicações para grandes marcas e revistas como Arezzo, Calvin Klein, Kryolan, Claudia, Marie Claire e L”Officiel Hommes. Atualmente, Larissa não só fotografa, mas também se empenha em discutir o espaço das mulheres no mercado de trabalho artístico. Natural de Atibaia (SP), sua relação com a fotografia começou no ano de 2004, junto com as primeiras câmeras digitais. Teve, então, a ideia de transformar o que era um hobby em sua profissão, pois seu desejo era contar histórias através da narrativa visual da fotografia de moda. Em 2010, após concluir sua graduação em Jornalismo, se mudou para a Grande São Paulo para trabalhar. Recém pós-graduada em História da Arte, seu trabalho de conclusão de curso abordou a presença feminina na fotografia dos séculos XX e XXI. Em sua pesquisa, uma profissional que se destacou foi a fotógrafa norte-americana Jill Greenberg, que já fotografou personalidades internacionalmente conhecidas e carrega em seu portfólio diversas capas de revistas. Jill deu uma palestra na conferência TED intitulada “The Female Lens” (em tradução literal: “A Lente Feminina”), que questiona o fato de fotógrafos homens terem mais espaço no mercado. Segundo dados de 2021 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), embora as mulheres sejam maioria nas faculdades, isso não garante contratação por parte das empresas, que ainda dão preferência ao gênero masculino.

Para Larissa, parece problemático que em um universo essencialmente feminino como o da moda, seja um homem que, a partir da sua visão de mundo dentro da fotografia, produza as fotos que irão

moldar o consumo feminino. “A partir do momento que você fotografa, você impõe seu repertório com a sua visão. O olhar nada mais é do que o seu consumo de referências, tudo que você ouve e vê, seu repertório enquanto ser humano. É impossível fotografar imparcialmente. Quando fotografo, coloco meu coração, minha mente e toda a minha criatividade e isso faz parte do que eu sou, do que eu consumo e acredito”, declara.

Enquanto mulher, ela se coloca como usuária do produto. E como fotógrafa, procura desconstruir a direção fotográfica masculina, de forma que o produto na foto fique mais consumível para o público feminino. Larissa explica que a ideia não é vetar homens da fotografia de moda, mas ter mais mulheres atuando no mercado. Para ela, o trabalho das fotógrafas no século 21 é o olhar de desconstrução e há um longo caminho para a democratização da fotografia para as mulheres.

Considerando que vivemos em um tempo bastante imagético, a qualidade artística acaba por diminuir com a velocidade da circulação de imagens e vídeos. Com a ferramenta carrossel do Instagram, tornou-se possível trazer uma grande variedade de fotos nas campanhas digitais. Assim, a marca “ao invés de escolher uma grande foto que vai representar a coleção, escolhe um número maior de fotos para mostrar o produto de todas as formas possíveis”. Neste sentido, Larissa acredita que as redes sociais têm sido prejudiciais para a fotografia do ponto de vista artístico. Para ela, cabe ao fotógrafo, que também é um artista, trazer de volta a qualidade artística independente da grande demanda do mercado.

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Perfil

Dani Antunes, a fotógrafa de mulheres reais

Com frases de empoderamento em suas redes, ela incentiva mulheres a se amarem e aceitarem como são

“Amar-se é um ato de coragem. Aceitar o seu corpo, a sua personalidade, os seus defeitos e os seus medos são coisas que mostram uma força sem igual”.

Essa é a legenda de um ensaio postado nas redes sociais de Dani Antunes, a fotógrafa de mulheres reais. Ela sempre trabalhou com beleza e moda, em especial com maquiagem em estúdios de fotografia. Até que se tornou mãe e começou a fazer registros fotográficos de seu bebê e postar no site Fotolog, rede social que usava em 2009. As fotos fizeram sucesso, então decidiu investir neste talento.

De início, trabalhou como fotógrafa de baladas, pois o mercado de fotografia de moda, que era o que ela mais gostava, era muito fechado onde morava. Em 2012, conseguiu abrir um estúdio para fotografar famílias e bebês, que foi como este projeto começou.Depois, seu foco passou a ser gestantes e tinha também contratos de trabalho para eventos, como formaturas e casamentos. Foi quando a irmã de uma amiga pediu que ela fizesse seu ensaio, pois iria participar de um concurso de Miss Plus Size.

“Nunca tinha feito fotos desse tipo, de estúdio, de mulheres. Já tinha até feito ensaio sensual, mas na casa da pessoa”. Apesar disso, resolveu aceitar o desafio. Ela conta que em 2012 ainda não conhecia o feminismo e chegou a se questionar como a deixaria magra. Em seguida, pensou: “Por que eu tenho que deixar ela magra, se ela está justamente participando de um evento

de plus size?”. A partir de então passou a receber cada vez mais pedidos de ensaios de ‘mulheres reais’ e seu telefone não parou mais de tocar.

Dani explica que os cursos de fotografia ensinam que, além de tirar a foto, parte do processo fotográfico é fazer o photoshop depois. “E eu me sentia muito errada ao fazer isso. Quem sou eu para dizer que a característica da minha cliente não é boa o suficiente?”, questiona. De início, ela relata que algumas pessoas estranharam e que achou que não iriam querer contratá-la. Mas foi justamente por conta dessa proposta que ela fez tanto sucesso.

“Eu vim te procurar para ver se eu sou bonita como eu, não bonita editada”, é o que Dani ouviu de mulheres que a procuraram após terem feito ensaios fotográficos em outros estúdios e não se reconhecerem nas fotos. “Eu trato minhas fotos com cor e tudo mais, o mais real possível. Mas eu não mudo nenhuma característica das minhas clientes, nenhuma; porque o nome do meu trabalho é ‘fotógrafa de mulheres reais’, e quem eu seria fazendo photoshop, mudando elas?”

O processo de aceitação pelo qual algumas mulheres passam ao fazer o ensaio espelhou na fotógrafa: “eu também não me aceitava como eu era”. “Isso me transformou muito, principalmente profissionalmente. Às vezes, eu ficava frustrada com o resultado do meu trabalho na formatura, no casamento. E hoje eu olho minhas fotos, meu trabalho, e tenho

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orgulho dele”.

Dani conta que no decorrer dos anos já recebeu muitas mulheres que sofriam violência doméstica. “O marido usava da violência psicológica dizendo que ela não era nada, que ela era um lixo. E ela aceitou aquilo como sendo a verdade dela”, lamenta.

Algumas faziam o ensaio às escondidas do companheiro. “Ela não está vindo fazer o ensaio para mostrar para ninguém. Ela está vindo para entender que ainda é uma mulher bonita, que independente da violência física e psicológica que ela sofre em casa, ela ainda é uma mulher”.

E ali ela se sente à vontade para “usar coisas que o marido sempre falou que é feio, que é coisa de puta, mas que ela gostava e deixou para trás por conta da violência psicológica, e ela ressignifica tudo isso”. E assim, o esmalte e o batom vermelho, condenados por muitos homens, aparecem.

“Elas não vêm aqui para agradar

homem. A maioria vem por si”. Elas querem ser fotografadas para se verem bonitas novamente, querem saber “se ainda são bonitas”. Para Dani, esse acaba sendo um processo importante de empoderamento e que tem muitos relatos de mulheres que conseguiram se separar depois.

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Foto: Nicole Thessing

Autorretrato: criação e acolhimento

O autorretrato na prática

“Eu sempre tive vontade de ser fotografada e de que as fotos saíssem do jeitinho que eu queria, mas por ter me frustrado muito com alguns fotógrafos, decidi que não deixaria ninguém tirar foto minha e nem eu mesma tiraria. Porém, quando eu estava passando por alguns problemas pessoais, decidi extravasar em forma de foto. Simplesmente me deixei levar pelos meus sentimentos. Peguei tintas, pincel e me pintei inteira como se fosse uma tela em branco. Então, coloquei a câmera em um tripé, coloquei o timer e tirei inúmeras fotos. Quando vi o resultado eu me vi diferente, me vi lidando com o que eu mais tinha medo, que era a minha imagem em uma câmera. Esse foi o maior passo que consegui dar para o meu processo criativo, pois agora eu podia testar em mim, sem medo de olhar para a câmera.” – Gabriela Teixeira, fotógrafa.

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Texto por Fernanda Guedes / Autorretrato por Gabriela Teixeira

Expediente

A Revista F é uma produção laboratorial do curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter.

Chanceler

Prof. Wilson Picler

Reitor

Dr. Benhur Gaio

Coordenador do curso de Jornalismo

Dr. Guilherme Carvalho

Professora responsável

Dra. Marcia Boroski (MTB: 10737/PR)

Projeto gráfico

Núcleo de Imagem Ponto Zero

Diagramação e layout

Fernanda Guedes

Foto de capa

Thays de Stenger

Edição de texto

Nicole Thessing e Fernanda Guedes

Estudantes

Juliana Bernardino, Nicole Thessing, Thays de Stenger, Paulo Pessoa, Guilherme Marques, Vanderlei Gontijo, Luís Eduardo Giraldi e Fernanda Guedes

Contato nucleopontozero@gmail.com

Produção:

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