CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS

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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE

projetos editoriais

Organizadores: Josélia Carvalho de Araújo Maria José Costa Fernandes Otoniel Fernandes da Silva Júnior

CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas

1ª edição - 2013

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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE

projetos editoriais


ORGANIZADORES

Josélia Carvalho de Araújo Maria José Costa Fernandes Otoniel Fernandes da Silva Júnior

CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas

1ª edição

Duque de Caxias ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE

projetos editoriais

2013


ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE

C

projetos editoriais

2013, Espaço Científico Livre Projetos Editoriais

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Ficha Catalográfica A658

Araújo, Josélia Carvalho de (Org.); Fernandes, Maria José Costa (Org.); Silva Júnior, Otoniel Fernandes da (Org.). aaaCONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas / Josélia Carvalho de Araújo; Maria José Costa Fernandes; Otoniel Fernandes da Silva Júnior – Duque de Caxias, 2013.

aaa2,97 MB; il.; PDF aaaISBN 978-85-66434-08-8 aaa1. Geografia. 2. Educação. 3. Prática. I. Construções geográficas: teorizações, vivências e práticas. II. Araújo, Josélia Carvalho de. III. Fernandes, Maria José Costa. IV. Silva Júnior, Otoniel Fernandes da. CDU 370 _______________________________________________________________________ Organizadores: Josélia Carvalho de Araújo; Maria José Costa Fernandes; Otoniel Fernandes da Silva Júnior Revisão: Verônica C. D. da Silva Capa: Verano Costa Dutra / Imagem: David Taisniers (http://commons.wikimedia.org/wiki/File:David_Teniers_d._J._006.jpg) Coordenador: Verano Costa Dutra Editora: Monique Dias Rangel Dutra Espaço Científico Livre Projetos Editoriais é o nome fantasia da Empresa Individual MONIQUE DIAS RANGEL 11616254700, CNPJ 16.802.945/0001-67, Duque de Caxias, RJ espacocientificolivre@yahoo.com.br / http://issuu.com/espacocientificolivre


ORGANIZADORES

Josélia Carvalho de Araújo Rua Porto de Tubarão, 1291 – Soledade II – Potengi – Natal/RN – 59.127-360 Fone: 84 9987 0177 – E-mail: joseliacarvalho@gmail.com Universidade do Estado do Rio Grande do Norte Professora Assistente III do Departamento de Geografia – Campus Central Áreas de interesse: geografia urbana; ensino de geografia Maria José Costa Fernandes Rua Pedro Falcão, 25 – Vingt Rosado – 1ª Etapa –Rincão – Mossoró/RN – 59.626-460 Fone: 84 8848 8176 – E-mail: zezecosta1980@gmail.com Professora Adjunta I do Departamento de Geografia – Campus Central Áreas de interesse: geografia agrária; ensino de geografia; geografia do Rio Grande do Norte Otoniel Fernandes da Silva Júnior Avenida Presidente Dutra, 1212 – Apartamento 104 – Alto de São Manoel – Mossoró/RN – 59.628-000 Fone: 84 9605 1358 – E-mail: otonielfsj@gmail.com Professor Assistente III do Departamento de Geografia – Campus Central Áreas de interesse: geografia cultural; ensino de geografia

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SUMÁRIO PREFÁCIO .................................................................................................................... 8

AS BASES E OS RUMOS DA GEOGRAFIA DO PÓS-GUERRA Josélia Carvalho de Araújo .......................................................................................... 10

ALGUNS FUNDAMENTOS DA EVOLUÇÃO URBANA DE MOSSORÓ-RN Jionaldo Pereira de Oliveira ........................................................................................ 19

O HOMEM, A MORADIA E AS ÁGUAS AO LONGO DOS TEMPOS E DOS ESPAÇOS Moacir Vieira da Silva .................................................................................................. 28

TURISMO, PRODUÇÃO E CONSUMO DO ESPAÇO Carlos Rerisson Rocha da Costa ................................................................................ 41

CIDADE E CAMPO, URBANO E RURAL E SUAS RELAÇÕES: PERSPECTIVAS TEÓRICAS Rita de Cássia da Conceição Gomes & Rosa Maria Rodrigues Lopes ....................... 51

UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE A PARTIR DA COMUNIDADE RURAL BARRINHA EM MOSSORÓ/RN Jakeline de Oliveira Barbos & Maria José Costa Fernandes ..................................... 62

IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO SOBRE O MICROCLIMA NA CIDADE DE MOSSORÓ-RN Suellen Cristiane Tavares Neres & Tarcísio da Silveira Barra .................................... 75

A IMPORTÃNCIA DA ARBORIZAÇÃO PARA O MEIO AMBIENTE URBANO EM MOSSORÓ-RN Ismael Costa da Silva & Tarcísio da Silveira Barra ..................................................... 88

DINÂMICA URBANA NAS PEQUENAS CIDADES NORTERIOGRANDENSES: PENSANDO A GEOGRAFIA DO PRESENTE DA CIDADE DE CARAÚBAS (RN) Jomara Dantas Pessoa ............................................................................................. 103

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OS DESAFIOS DO ENSINO DA GEOGRAFIA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Otoniel Fernandes da Silva Júnior ............................................................................ 112

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA Robson Fernandes Filgueira ..................................................................................... 121

ENSINO E PESQUISA ESCOLAR: FORMAÇÃO E PRÁTICAS DOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA NAS ESCOLAS EM MOSSORÓ-RN Ana Luiza Bezerra da Costa Saraiva, Andreilson Fernandes de Castro, Carlille Webster S. Ferreir & Jamilson Azevedo Soares ....................................................... 127

AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NO ENSINO DE GEOGRAFIA: FILME E MÚSICA Juciely Marques Cirilo & Maria José Costa Fernandes ............................................. 138

LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL Mara Renata Barros Barbosa & Maria José Costa Fernandes ................................. 150

O DESAFIO DE FAZER DIFERENTE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GEOGRAFIA Josélia Carvalho de Araújo, Juciely Marques Cirilo, Mara Renata Barros Barbosa & Moacir Vieira da Silva................................................................................................. 162

PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA: EXPERIÊNCIAS DO LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA FÍSICA DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Robson Fernandes Filgueira ..................................................................................... 174

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PREFÁCIO

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saber geográfico, cada vez mais, faz-se necessário diante as mudanças que constantemente estão ocorrendo, seja nas cidades, seja no campo. Para suprir essa necessidade a academia tem estado continuamente presente, disponibilizando-nos ideias e informações que nos ajudam, não somente a conviver com as mudanças, mas principalmente, compreendê-las e explicá-las. Este é um dos objetivos do livro CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas organizado pelos professores da UERN, Josélia Carvalho de Araújo, Maria José Costa Fernandes e Otoniel Fernandes da Silva Júnior. A diversidade temática abordada caracteriza bem a proposta do livro, fato este que engrandece a obra, uma vez que fica implícita a compreensão da complexidade que é o temário geográfico; e, por sua vez, o quanto diverso é o saber geográfico e a sua compreensão por meio de teorias e conceitos, bem como da realidade social que se revela a partir das práticas e vivências que se desenvolvem e se reproduzem no território. A preocupação para com a explicação do urbano e sua relação com o campo é marcante no livro, expressando assim a sua atualidade, visto que valoriza o estudo da realidade vivida pela sociedade, na qual práticas se confundem, fazendo-nos ver a evolução e as transformações dos espaços, monitoradas pelo sistema de produção vigente – o capitalismo. Nessa mesma direção, os estudos de turismo, refletem as preocupações de alguns colaboradores do livro em levantar questões de grande significado na explicação da produção do espaço sob a orientação de novas economias, no caso específico, o turismo, que em conjunto com as economias tradicionais, não apenas reproduzem o espaço, mas o reinventam, criando assim motivações para que novas práticas sociais, e, por conseguinte, novas vivências possam ser realizadas. Por fim, ressaltamos a preocupação com o ensino de geografia exposta em alguns capítulos. Dada a escassa bibliografia que contempla o ensino de geografia como tema de debate, o livro CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas é visto sob a condição de leitura obrigatória para professores de geografia em geral e para os estudantes de licenciatura em geografia – futuros professores. Isto porque as preocupações levantadas pelos autores preocupados com tal questão conduzem o leitor a trilhar caminhos complexos, por meio dos quais os desafios existentes entre a teoria e a prática são evidenciados, abrindo novas perspectivas, dentre elas, a do debate e da reflexão, que seguramente são pontos de partida para mudanças e avanço na construção de um novo saber-fazer geografia. É na direção de um novo saber–fazer geográfico que as reflexões sobre o livro didático, enquanto instrumento auxiliar da prática docente no processo de ensinoaprendizagem de geografia, bem como sobre o do estágio supervisionado são encaminhadas. Com intuito de ajudar na construção de um novo caminho em busca desse novo saber-fazer, a elaboração de material didático coerente e atualizado também é apresentado. Finalmente, o livro convida o leitor a trilhar novos caminhos metodológicos. E, para tal apresenta uma discussão sobre as múltiplas linguagens no ensino de geografia, colocando em destaque a música e o filme.

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Assim, o livro CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas, sem pretensão de ser manual, é na realidade uma fonte na qual os profissionais da geografia podem encontrar diversas possibilidades de não apenas refletirem sobre, mas de serem efetivos sujeitos de novas práticas e novas vivências, frente às novas configurações territoriais que se apresentam no mundo atual, marcada por processos modernos e pós-modernos. Rita de Cássia da Conceição Gomes Primavera de 2013 – Natal/RN

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AS BASES E OS RUMOS DA GEOGRAFIA DO PÓSGUERRA Josélia Carvalho de Araújo1

INTRODUÇÃO

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raçar um perfil dos caminhos trilhados pela Geografia do pós-Guerra aos dias atuais. Esse é o objetivo ao qual nos propomos por meio deste estudo.

Com base em pesquisa bibliográfica, encaminhamos investigações no sentido de compreender as diversas nuanças assumidas pelo pensamento geográfico ao longo dessa última metade do século XX, época essa marcada por profundas transformações no modo como o ser humano produz a sua sobrevivência na sociedade capitalista, que se impõe sobre o sistema econômico mundial, unificando sociedades, culturas e economias. Daí, a necessidade de a Geografia se fazer presente nos mais diversos espaços de debate do conhecimento científico. Ao longo dessas últimas décadas, após a Segunda Guerra Mundial, assistimos à adequação da Ciência, em especial, a Geografia, ao status quo vigente na sociedade capitalista, ora atendendo aos interesses do Estado; ora, aos do sistema capitalista, sendo este último amplamente apoiado pelo primeiro. É nesse contexto de expansão do capitalismo e da evolução do poder das classes dominantes sobre as dominadas, internamente, e dos países desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos, externamente, que a Geografia vai desenvolver o seu pensamento, dando respostas aos chamamentos de cada época, de cada contexto sócio-econômico-político vigente, passando por algumas rupturas e criando novas formas de construir o saber geográfico. Do pós-Guerra aos dias atuais, tivemos a ruptura da Nova Geografia, suplantando a Geografia Tradicional, que até então se pusera a fazer descrições. Veio então esta última, a Teorético-Quantitativa, servir aos novos impulsos do capitalismo mundial, com o projeto de “reconstrução” do mundo arrasado pela Guerra, qual seja, a Europa Ocidental e o Japão – para precisar a área de influência do sistema capitalista no pósGuerra. Da crítica às formulações matemático-estatísticas da Geografia Quantitativa, surgiu um novo pensar do geógrafo, dividido em dois grupos distintos: os da Geografia do Comportamento e da Percepção e os da Crítica ou Radical. O primeiro grupo, preocupado em fazer uma leitura do mundo em questão, mas sem aprofundar sua análise; o segundo, preocupado em penetrar as raízes que geram toda a desigualdade social nas sociedades capitalistas, propondo-se inclusive, a uma militância do geógrafo enquanto cientista social engajado nas transformações das estruturas sociais. Discorremos então sobre cada uma dessas vertentes que a Geografia tomou neste período, enfatizando o contexto histórico e espacial, os debates desenvolvidos em torno da natureza da Geografia e dos seus métodos de análise. 1

Licenciada, bacharela e mestra em geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; professora do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, na área de ensino de geografia e geografia humana.

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A GEOGRAFIA NO CONTEXTO DO PÓS-GUERRA

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s caminhos desencadeados pela geografia no pós-Guerra são uma legado de uma sociedade que se formou sob as relações capitalistas de produção do espaço, em que o acentuado desenvolvimento tecnológico suprime o ser humano como agente principal desse espaço. Nas sociedades essencialmente capitalistas, como os Estados Unidos da América e o Reino Unido, para citar as mais expressivas desse desenvolvimento tecnológico, a força de trabalho humana já não se fazia mais necessária, uma vez que a tecnologia reduzia cada vez mais a participação do ser humano no processo produtivo, o que lhe garantia auferir lucros cada vez mais volumosos. Nesse contexto, a geografia se apresenta como uma ciência confusa, com forte tendência a multiplicidades de percepções e análises as mais diversas e efêmeras. Daí, toma forma um intenso movimento de renovação da mesma, de reformulações no pensamento geográfico. Assistimos, nesse período a uma rápida transformação de uma sociedade industrial para uma pós-industrial, dada a velocidade com a qual se desenvolvia a tecnologia. É, igualmente, um momento de crise na cultura ocidental, verificada nos centros do poder mundial, formados a partir da expansão do capitalismo. Ao período posterior à Segunda Guerra Mundial – sempre assinalado em nossos estudos sob a denominação “pós-Guerra” –, seguiu-se a ascenção das duas superpotências mundiais que passaram a disputar o poder econômico-político-militar mundial; as quais, Estados Unidos da América, disputando espaços mundiais segundo interesses capitalistas; e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, representando os interesses socialistas. Dessa disputa, convencionou-se dividir o mundo em “Primeiro”, correspondente aos países capitalistas desenvolvidos; o “Segundo”, aos países de economia planificada; um “Terceiro” mundo estaria representado pelos países subdesenvolvidos, que viriam a ser “mananciais” da exploração capitalista dos recursos naturais e da força de trabalho tão necessárias ao desenvolvimento das suas indústrias de tecnologia avançada. Há ainda que se destacar uma especial atenção a uma não menos desprezível “potência”: o Japão, que desponta não sob o estatuto atômico da Guerra Fria, mas, aos poucos, conquista espaço na economia mundial, dado o grande avanço tecnológico que conseguiu desenvolver enquanto as duas potências rivais partilhavam o mundo. Ao nível da sociedade mundial, observa-se a crescente formação de uma sociedade de consumo cada vez mais homogênea. É a sociedade de massa, da coletivização e uniformização do consumo, em escala até então pouco observadas. Isso, por falar das sociedades desenvolvidas, mesmo porque aos países denominados “Terceiro Mundo”; neles, imperavam a fome e a desigualdade social. E é em face dessa condição “terceiro mundista” que se dá a produção e reprodução ampliada do capital. Para que o capital continuasse a sua expansão, fazia-se necessário um planejamento sistemático de todas as áreas do globo terrestre. A partir de então, os geógrafos ganharam expressão no mercado de trabalho por meio de uma geografia que contemplasse o projeto de “reconstrução” econômica dos países arrasados pela Guerra e dos países de “Terceiro Mundo”. É, então, que surge a geografia teoréticoquantitativa. Pois se fazia necessário mapear os potenciais mundiais de recursos naturais, de força de trabalho, e até mesmo, da pobreza gerada pelo próprio desenvolvimento capitalista, para que se procedesse a um planejamento detalhado, contribuindo assim para a reconstrução econômica mundial. Essa nova corrente da

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geografia surge como uma revolução à Nova Geografia, acusada de tradicional e defasada frente aos novos impulsos da sociedade. Os geógrafos são, portanto, convocados a contribuir com a retomada da expansão capitalista pelo mundo. Nesse contexto de desenvolvimento/subdesenvolvimento, haveria que se levar em consideração que planejar significava atender aos interesses dos grupos dominantes, posto que a sociedade vigente se apresentava bem distinta segundo duas classes: burgueses fracassados e operários conscientes dos seus direitos. Esse quadro é próprio dos países capitalistas, onde o capital estrangeiro, especificamente, o americano é introduzido com bastante aceitação pela economia local. Enquanto isso, nos países socialistas, o choque de classes não se fez presente nesse momento, nem tampouco o capital estrangeiro em questão. Cumpria então ao geógrafo, [...] indicar como as atividades econômicas e a população se distribuem pelo espaço dos vários países e as possibilidades de se estimular melhor distribuição, através de uma relocalização das indústrias, das comunicações e da utilização agrícola do território. A necessidade de realização de trabalhos nesta área era um desafio constante aos que vinham desenvolvendo trabalhos sobre a distribuição espacial da população e das atividades econômicas, desde o século XIX (ANDRADE, 1992, p. 95).

Surgem então no trabalho do geógrafo novas perspectivas de trabalho, novas posturas, saindo do trabalho individual do ensino nas universidades, para o trabalho coletivo do planejamento. É uma via à multidisciplinaridade, ao diálogo com outras ciências, tais como a sociologia, a economia, a antropologia etc. E uma condição à aptidão do geógrafo a esse novo caminho que se delineava era a necessidade de uma revisão em suas categorias de conhecimento. A geografia passa então da descrição à quantificação, pois esta última contribuía para o novo quadro social em questão, em que se faziam necessários dados estatísticos e mapas temáticos. Outro aspecto é a mudança de posição de uma geografia agrária para a urbana e econômica. Na França, essas transformações foram explicitadas por Pierre George, que dedicou especial atenção em estudos como: as indústrias, as cidades, o comércio, os transportes e o consumo; temas esses correlacionados à nova realidade que despontava, frente a uma sociedade cada vez mais industrial e urbana. Como marxista, utilizou a dialética como análise nessa nova conjuntura. No Brasil, a presença de Pierre George se fez por meio do XVIII Congresso Internacional de Geografia, que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1956. E, por meio dos seus discursos, acusou a geografia até então praticada de descritiva, despolitizada e sem engajamento social. Inúmeras outras contribuições de Pierre George propiciaram a renovação da geografia por meio dos seus estudos de população e economia. O planejamento no qual os geógrafos estavam envolvidos não se propunha ao estudo da problemática social e das soluções de desigualdades; antes, ao compromisso com o desenvolvimento econômico e com a modernização das sociedades dominantes. A essa nova fase da geografia convencionou-se chamar de “Geografia Aplicada”. A função do geógrafo não era de decisão. Apenas da compilação de dados, e da colocação destes a serviço de decisões por parte de engenheiros e economistas,

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atores principais na reconstrução do mundo. Daí, [...] o geógrafo ia transformando-se de humanista em especialista, ia deixando a síntese pela análise, [...] ameaçava afasta-lo de sua profissão para dedicar-se ao trabalho em áreas restritas (ANDRADE, 1992, p. 98). Tal influência passa a se refletir no pensamento geográfico, quando os geógrafos planejadores tecem críticas sobre o ensino desenvolvido nas universidades, exigindo uma formação mais técnica, que atendesse às necessidades que ora se impunham. É a chamada Geografia Quantitativa, que ganha prestígio nos anos de 1960 no mundo. Essa vertente da geografia já ganhara corpo no Brasil por meio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por volta dos anos de 1930, tendo como base central a quantificação e a exposição da realidade por meio de tabelas e gráficos; enfim, dados estatísticos. Os geógrafos presentes no IBGE contribuem também para a redefinição territorial do Brasil. Vê-se, portanto, que os geógrafos estavam comprometidos com as questões levantadas exclusivamente pelo IBGE, não compromissados com a análise dos problemas sociais que afligiam a população brasileira. O movimento renovador da geografia no Brasil se faz sentir nas universidades, sob a liderança de Milton Santos, numa busca de compreensão da nossa realidade. Observou-se ainda nessa renovação da Geografia, a retomada da Geografia Política, que versava acerca das fronteiras dos Estados-nação e do papel do Estado na produção do espaço, contribuindo para que o planejamento levasse em conta os interesses locais e regionais. Foram desenvolvidos estudos do poder político, sob os pontos de vista social, econômico e antropológico, interessando aos geógrafos por estarem inseridos no uso do território. Tais estudos se deram na França, com Paul Claval, Jean Dresch e Reffestin; e nos Estados Unidos com Walter Izard. Desenvolveu-se igualmente no Brasil, quando se fez necessário investigar acerca das estruturas que freavam a modernização e a necessidade de ocupação de espaços vazios. O papel do geógrafo na União Soviética se fez pela necessidade de sua participação na planificação da economia; contribuindo igualmente com estudos em geografia física e sobre recursos naturais. Havia necessidade de planejadores para indicarem a reorganização do espaço que apresentava áreas densamente povoadas ao lado de outras despovoadas. Tal necessidade se verificou também na China. Na França, os geógrafos também se puseram a reorganizar as atividades econômicas, reconstruindo atividades industriais e cidades arrasadas pela Guerra. Foi então largamente utilizada a Teoria dos Pólos de Desenvolvimento de François Perroux, a qual foi aplicada também ao Brasil. Nos Estados Unidos, destaca-se Walter Izard, que se dedicou ao estudo regional, utilizando métodos estatístico/matemáticos, estimulando os geógrafos a utilizarem métodos quantitativos. No Brasil, tais métodos são adotados pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), sob o comando de Fernando de Oliveira Mota. Vê-se assim, que a utilização de métodos estatísticos na geografia faz parte da sua contribuição para o crescimento do capitalismo e a reconstrução econômica do pósGuerra. Em nome da reconstrução, os Estados Unidos exercem forte influência sobre a Europa Ocidental e sobre o Japão; o que, sob a ameaça do avanço do socialismo, criam um verdadeiro isolamento em relação aos países do Leste Europeu. Está configurada a Guerra Fria. Nesse contexto, surge a Guerra da Coréia, que acentuou

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as desigualdades entre os países industrializados e os do “Terceiro Mundo”, pela retomada da exploração dos recursos naturais, na expansão da indústria bélica. É em toda essa gama de acontecimentos que requeriam uma análise matemática da economia mundial e do levantamento dos recursos naturais, que a Geografia Teorética ganha espaço por meio da utilização de modelos matemáticos, o que foi considerado uma “revolução” na Geografia Tradicional, passando-se ao que se chamou de Nova Geografia.

A CONSTRUÇÃO DA GEOGRAFIA SOB NOVOS PARADIGMAS

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o pós-Guerra, a Geografia se desloca das universidades para os órgãos de planejamento. Fez-se necessária uma reflexão sobre a natureza científica da mesma, fazendo alguns geógrafos reformularem seus princípios científicos.

Nesse contexto, surgem: a teoria geral dos sistemas, o estruturalismo, o embasamento teórico da cibernética e a teoria dos conjuntos. Ganham espaço igualmente, modelos estatísticos e matemáticos. Surgem discussões acerca da natureza e da metodologia da geografia, no sentido de refutar as ligações ideológicas do pensamento geográfico. No final da década de setenta do século XX, precisamente, em 1978, ganha lugar no Encontro Nacional de Geógrafos, em Fortaleza, uma forte angústia sobre os caminhos percorridos pelos geógrafos até então. Tais preocupações são apresentadas por Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, que desenvolvera estudos climatológicos aplicando alguns aspectos da Teoria Geral dos Sistemas. Milton Santos também participou ativamente dessas discussões, o que retomaremos posteriormente. Dessa renovação na Geografia, podemos apontar algumas correntes: a teoréticoquantitativista, a do comportamento e da percepção e a radical. Sobre as quais passaremos a discorrer.

A CORRENTE TEORÉTICO-QUANTITAVISTA

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ssa corrente, como já apontamos em algumas considerações anteriores, ganha destaque no pós-Guerra, dada a sua definição do uso de modelos matemáticos e estatísticos, diagramas, matrizes e análise fatorial. Foi um momento de rompimento com a Geografia Clássica, dando início à Nova Geografia. Nessa nova corrente, o trabalho empírico foi desprezado; e o laboratório, onde se processavam os procedimentos matemáticos e estatísticos, onde tabelas e gráficos eram confeccionados, substituiu o campo; não havendo mais espaço para estudos de campo em Geografia. Para reafirmar essa ruptura, uma ala dessa corrente se autodenomina “Teorética”, propondo ser dedicada exclusivamente com a teoria, fazendo frente ao empírico, ao campo. Tal corrente se desenvolveu em diversos países, os quais podemos citar: Suécia, Estados Unidos, e Grã-Bretanha; com repercussões na União Soviética e na Polônia. Penetrando ainda na Alemanha e na França, mas encontrando forte resistência nestes últimos. Na Suécia, Torsten Hargerstrand dedica especial atenção na década de 1940, com estudos na agropecuária, no estudo do meio urbano e do rural. Lança mão para esse fim de dados estatísticos e de cartas temáticas. Apesar de ter sido o pioneiro dessa corrente, seus estudos tiveram pouca difusão por ter escrito em sueco.

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Nos Estados Unidos, Edward Ulmann desenvolveu estudos urbanos e de comunicação sob os princípios teórico-quantitativistas. Mas é com a Universidade de Chicago que a difusão das ideias teorético-quantitativistas se expande. Willian Bunge publica um livro que servirá na divulgação do pensamento teórico. Na Escola de Chicago, destaca-se Brien Barry, que retomou as proposições de Christaller no estudo de questões urbanas. Brien Barry exerceu influência nos Estados Unidos, na Europa e no “Terceiro Mundo”. Na Inglaterra, destacam-se Peter Hagget, Michael Chisholm e Ricard Chorley desenvolvendo estudos através da utilização da pesquisa operacional, da cibernética e da teoria dos jogos. Tais estudos contribuem para o desenvolvimento capitalista. Mas é David Harvey a personagem principal da Geografia Teorética. Este publicou um livro que refletia sobre o caráter científico da Geografia e sobre a “evolução” que vinha se configurando. Apesar de após a publicação deste, ter aderido à Geografia Radical, seu legado foi de grande importância para os geógrafos neopositivistas. Na Alemanha e na França, a penetração das ideias teorético-quantitativistas, tidas como “revolução” a Geografia não foi bem assimilada. Mas um grupo de professores adere a essas novas formulações da Geografia, difundindo tais ideias. No Brasil, a Geografia Teorético-quantitativa conquistou espaço no final da década de 1960 e início dos anos 1970. Sob o comando do governo militar, que procurava integrar a então dependente economia brasileira às demais economias mundiais, o que levaria o país – segundo o discurso corrente – à posição de grande potência. O IBGE tornou-se o aliado do governo nesse projeto, visto que dispunha de informações estatísticas detalhadas acerca de cada região do país, e de um significativo número de geógrafos que se dispunham a tal empresa. Estes desviaram a sua formação de influência ligada à escola francesa e se puseram a fazer pós-graduação nos Estados Unidos, de onde a Geografia Teorético-Quantitativa emanara. Ainda no Brasil, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) contribui com a divulgação dos trabalhos desenvolvidos nessa nova vertente da Geografia. A Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, também se destaca no apoio à Geografia Teorética, desenvolvendo larga produção científica na área da pós-graduação. Também em Rio Claro foi fundada a Associação de Geografia Teorética, em 1971, que passou a divulgar a metodologia estatística aplica à Geografia por meio de publicação própria. Os geógrafos quantitativistas só despertaram para a fragilidade de suas formulações após a desaceleração do processo de crescimento capitalista, quando surgiam problemas de recessão econômica e de queda de governos ditatoriais no “Terceiro Mundo”. Daí então, se dividiram em dois grupos: um primeiro, tendo David Harvey como líder, aderindo ao marxismo e fazendo uma leitura positivista do mesmo; de outro lado, Brien Barry desenvolveu reflexões menos inflamadas na Geografia, utilizando com moderação as matrizes, a análise fatorial e todos os instrumentos matemáticos legados pela Geografia Quantitativista. No Brasil, a reação se faz por meio de grupos que, desde a década de 1940, refletiam acerca do compromisso social do geógrafo. Destacam-se os trabalhos desenvolvidos por Caio Prado Júnior e Josué de Castro. Esse grupo de geógrafos se organiza em torno do Boletim Paulista de Geografia, e publica artigos que criticam severamente o uso da quantificação na geografia brasileira. Formava-se, no Brasil, um ambiente de discussões em defesa da quantificação, fazendo frente aos que a ela se opunham. É o grupo de geógrafos de Rio Claro que vai possibilitar uma abertura desse ambiente de disputa, com a publicação da revista Geografia, na qual coexistem várias orientações. A partir de então, toma forma também a Geografia do Comportamento e da Percepção com Livia de Oliveira, que traduz duas obras de Yi-Fu Tuan.

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GEOGRAFIA DO COMPORTAMENTO E DA PERCEPÇÃO

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ssa corrente da Geografia surge no final da década de 1960 e início dos anos de 1970, num contexto em que o crescimento do capitalismo desigual e combinado gerara um ambiente de desigualdade social entre os países, tendo lugar, ao lado do desenvolvimento, o subdesenvolvimento. O crescimento da pobreza da população, face à opulência das empresas capitalistas, tornava inviáveis as condições de vida nas grandes cidades. Bem como se acelerava o processo de degradação do meio ambiente, principalmente nos países explorados pela industrialização capitalista do mundo desenvolvido. Os geógrafos passaram a perceber que a utilização de estudos técnicos, despreocupados com a reais condições de crise na humanidade não condiziam com o equacionamento dessa problemática. Dá-se então uma nova ruptura entre os geógrafos quantitativistas e os que ora se propunham a desencadear uma nova ciência geográfica. Tal ruptura gera dois grupos: o daqueles que vão à raiz do problema, às causas sócioeconômicas de geração da pobreza, daí chamados de “radicais”; e outro, que não se propunha a discutir as causas dos problemas; antes, apontar caminhos que amenizassem a crise da humanidade – é o grupo a que se chamou de Geografia do Comportamento e da Percepção. Essa ala se desenvolveu na América Anglo-saxônica e no Brasil. Em pauta nas preocupações dos geógrafos da percepção estão as migrações causadas por fatores econômicos, a forma urbana e a percepção do espaço. Na linha behaviorista, desenvolveram-se trabalhos de educação ambiental e de interpretação do meio ambiente. Tais estudos levavam os geógrafos a buscarem a percepção do lugar por parte dos indivíduos. Daí, uma formulação idealista de espaço, em que teríamos tantos espaços, quantos fossem os indivíduos a percebê-los. Não havia uma noção de espaço coletivo, mas a superposição de espaços num mesmo lugar. Destacam-se na defesa da Geografia da Percepção nos Estados Unidos: David Lowenthal, Yi-Fu Tuan e Anne Buttimer. Estudos esses que tiveram repercussão no Brasil, com a Livia de Oliveira. A Geografia da Percepção é amplamente combatida pelos geógrafos radicais, que lhe fazem acusações de que, comprometida com teorias ligadas ao psicologismo, não vai à raiz dos problemas sociais, contribuindo inclusive para com as ditaduras. A Geografia da Percepção desenvolve três áreas de pesquisa: a percepção regional, o desenvolvimento da percepção espacial da criança e a percepção da forma urbana. Na área da percepção regional, cumpre fazer uma análise subjetiva da região, a fim de caracterizá-la. Quanto à preocupação com o espaço da criança, revela-se uma preocupação com relação ao futuro da humanidade, aproximando-se dos estudos desenvolvidos por Piaget acerca do comportamento humano. Na área da forma urbana, cumpre estudar as formas internas e externas das cidades, em trabalho comum com arquitetos e urbanistas. São enfocados problemas relativos às relações cidade-campo, cidade-região. A Geografia da Percepção preocupa-se igualmente com os problemas ambientais gerados pela crescente exploração dos recursos naturais por parte da produção capitalista do espaço. Daí a defesa na criação de parques ecológicos e da preservação de cidades históricas. São formulações que denunciam os problemas da humanidade, mas não vão ao cerne da questão, não ameaçam a ordem social estabelecida.

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GEOGRAFIA CRÍTICA OU RADICAL

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ssa corrente da Geografia é formada por um grupo de geógrafos que tomam consciência dos problemas de desigualdade social configurada em nossa sociedade. Tais geógrafos acusam as geografias precedentes, a saber, a tradicional, a quantitativa e a da percepção de, denominando-se “neutras”, contribuírem para a manutenção do status quo da sociedade capitalista. Os geógrafos radicais compreendem que é preciso penetrar nas raízes dos problemas sociais, ou seja, investigar a formação da sociedade capitalista vigente. É postura do geógrafo radical analisar as injustiças sociais, os bloqueios ao desenvolvimento social, e assumirem seus compromissos ideológicos, fazendo frente à tão propalada “neutralidade” científica. Essa corrente se subdivide em dois grupos: os não-marxistas e os marxistas. O primeiro grupo, de formação anarquista, ligado a Elisée Reclus e a P. Kropotkin, tecendo críticas à sociedade burguesa e propondo uma evolução libertária. O segundo, formado pelos geógrafos marxistas, aqueles que aceitam Marx como pensador, como filósofo e procuram aplicar a sua práxis ao analisar situações então em questão. Estes últimos dão grande relevância ao estudo das estruturas socioeconômicas e dos modos de produção. Estudos desenvolvidos por Marx na Europa, adaptando suas postulações adequadamente ao tempo e ao espaço ora estudado. A Geografia Radical nos Estados Unidos é o resultado da reflexão de geógrafos que despertaram para o comprometimento que a geografia teorético-quantitativista apresentava ao desenvolvimento da sociedade capitalista. Destacam-se como radicais William Bunge e David Harvey. Com relação David Harvey, destaca-se a sua contribuição por meio da publicação dos seus livros A justiça social e a cidade (1973) e outro, Os limites do Capital (1982). Enquanto Bunge teve sua contribuição marcada por suas “expedições geográficas”, através das quais analisava realidades sociais juntamente com seus alunos e a população de bairros pobres nos Estados Unidos. Desta sua postura resulta a perda da cadeira de professor em universidades dos Estados Unidos e do Canadá, bem como o fechamento de cursos por ele promovidos. Destacamos ainda como repercussão da Geografia Radical nos Estados Unidos por meio da publicação da revista Antipode (1969) e a fundação da União dos Geógrafos Socialistas (1974). Ambas contribuindo para a discussão e a difusão das ideias marxistas aplicadas à análise espacial. Na Europa, a Geografia Radical tem suas raízes nas obras de Karl Marx, Friedrich Engels, Karl Kautski, V. Lênin, Élisée Reclus e Kropotkin – autores estes que tiveram suas contribuições negligenciadas pela Geografia Tradicional e pela Nova Geografia. No quadro do pós-Guerra, vários geógrafos franceses se destacam no interesse pelo marxismo, entre os quais: J. Tricart, J. Dresch, Pierre George, Michel Rochefort, Bernard Kayser e Yves Lacoste. É este último que lidera forte corrente, publicando inclusive a revista Herodote (1967), versando sobre temas como a paisagem, o problema do trabalho no campo, os problemas urbanos, o imperialismo e o colonialismo, problemas ecológicos, entre outros. Faz-se mister destacar aqui o seu livro “A Geografia: isso serve antes de mais nada para fazer a guerra”, no qual faz uma profunda reflexão como a Geografia é utilizada para fazer a guerra e a espoliação no “Terceiro Mundo”. Por fim, cabe-nos analisar como a Geografia Radical desenvolvida nos Estados Unidos e na França repercutiram no Brasil, no final dos anos 1970. Tal tendência já vinha sendo desenvolvida em nosso país por meio das obras de Caio Prado Júnior “Formação do Brasil Contemporâneo” (1943), de Sérgio Buarque de Holanda em

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“Raízes do Brasil” e de Gilberto Freyre com “Casa grande & senzala”, versando todos esses temas, entre outras produções, sobre a problemática socioeconômica brasileira. Mas o contexto de crise no Brasil se observa só no campo econômico, no político se faz sentir pelo regime da Ditadura Militar. Pensadores que dedicavam atenção à problemática em questão foram exilados, sob a perseguição do regime militar. É memorável o Encontro Nacional de Geógrafos realizado no ano de 1978, em Fortaleza, no qual, Milton Santos de volta do exílio, associa-se a outros geógrafos e diversos estudantes de perspectiva marxista, inflamando os debates dentro do Encontro, acusando o grupo de geógrafos do IBGE de coniventes com a situação de desigualdade social e de privações de liberdade política por que passava a população brasileira. Mais uma vez, os geógrafos são surpreendidos contribuindo na manutenção do status quo que se impõe na sociedade capitalista. Tal discussão teve repercussão significativa nos novos rumos da Geografia no Brasil, que tomando esse grupo o comando da AGB, passou a difundir uma geografia comprometida com as causa sociais, com a militância e solidariedade junto às camadas populares da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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omada em seu quadro histórico, vemos a Geografia num processo evolutivo, passando da simples descrição – Geografia Tradicional, à análise de dados – Geografia Teorético-Quantitativa, encaminhando-se na reflexão do uso do espaço – a Geografia do Comportamento e da Percepção; e, por fim, a Geografia comprometida com a interpretação das estruturas socioeconômicas que geram o espaço geográfico, um espaço de desigualdades sociais, dada a sua formação capitalista sob a lógica da produção e reprodução ampliada do capital. Identificamos nesta última, a Geografia Radical. Esta analisa a sociedade à luz do método dialético, com base nas formulações de Heráclito (540 a. C.), baseadas na instabilidade imanente do ser. Mais tarde, tais formulações ganham forma científica com Hegel. O mesmo pondera que nada estava isolado, todas as coisas estavam interrelacionadas e interdependentes; para Hegel, tudo é movimento, tudo é mudança. Tal processo se verifica na formação da sociedade capitalista. Uma sociedade formada por classes sociais antagônicas, em que aos interesses de uns, corresponde a negação dos interesses de outros. Isto posto numa escala de dominantes/dominados, faz-se necessário o método dialético para analisar essas relações de contradição. A depender do enfoque a ser dado a determinado estudo, outros métodos podem ser utilizados. Mas para cumprir a “missão” do geógrafo comprometido com a sociedade é o método dialético e a opção pela Geografia Radical que dão melhor resposta ao trabalho do geógrafo enquanto cientista social.

REFERÊNCIAS ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: Ciência da Sociedade – uma introdução à análise do pensamento geográfico. São Paulo: Atlas, 1992. CHRISTOFOLETTI, Antonio. As Características da Nova Geografia. In: CHRISTOFOLETTI, Antonio (Org.). Perspectivas Geográficas. São Paulo: Difel, 1982. TUAN, Yi-Fu. Geografia Humanista. In: CHRISTOFOLETTI, Perspectivas Geográficas. São Paulo: Difel, 1982.

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Antonio

(Org.).


ALGUNS FUNDAMENTOS DA EVOLUÇÃO URBANA DE MOSSORÓ-RN

ALGUNS FUNDAMENTOS DA EVOLUÇÃO URBANA DE MOSSORÓ-RN Jionaldo Pereira de Oliveira2

INTRODUÇÃO

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uando Rolnik (1988) enfatiza a importância do conteúdo histórico contido no traçado arquitetônico da cidade busca mostrar que o papel do tempo tem marcante influência na definição do espaço urbano. Para ela o desenho das ruas, casas, praças e construções é significativo por trazer as experiências de seus construtores, o que também revela seu mundo. Assim o espaço da cidade conta sua história. Como muito já se falou (e se escreveu), o papel do tempo na análise do espaço é determinante para a definição de sua consistência enquanto fato. Desta feita, falar do tempo em sua fundamentação no espaço é, ao mesmo tempo, resgatar sua reconstituição enquanto evolução histórica e processual da ocupação social no meio, no ambiente de vivência. Para se alcançar uma abordagem satisfatória, é determinante não abrir mão da reconstituição dos períodos em que se baseiam as etapas almejando recompô-las na sucessão do que é central na proposta de análise sendo atento aos fatos socioespaciais determinantes. Tempo e espaço, natureza e sociedade, são proposições de tratamento da questão espacial e suas respectivas especificidades, que são normalmente oferecidas como componentes de metodologias coerentes da intricada cadeia de elementos que formam a realidade. O espaço social é complexo, por isso sua análise implica cautela e domínio dos fundamentos teóricos, metodológicos e do objeto em questão. É o nosso permanente desafio. Neste sentido propomos aqui uma análise dos principais fatores históricos que tiveram marcante influência na produção do espaço urbano de Mossoró, inclusive no que diz respeito à sua centralidade regional que é secular. Dividido em dois tópicos, abordamos no primeiro trazemos as origens da formação espacial da cidade que encontrou estabilidade nesta condição com a constituição do empório comercial entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, sendo substituído pelo processo agroindustrial, que resiste até a década de 1960. No segundo colocamos em discussão os fundamentos da modernização do espaço urbano mossoroense, sua modernização e inserção na dinâmica produtiva nacional e seus reflexos socioespaciais. Finalizamos com a abordagem de Mossoró na política urbana do Brasil.

DO EMPÓRIO COMERCIAL À REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA AGROINDUSTRIAL: PRIMEIROS MOMENTOS DA CIDADE

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espaço urbano mossoroense revela, em sua constituição, uma estruturação resultante de uma complexa correlação de fatores históricos cujas escalas de ocorrência têm marcantes variações. Isto porque encontramos neste contexto uma variedade de elementos e processos cujas dinâmicas evoluem, indo da influência 2

Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente e professor Adjunto do Departamento de Geografia do Campus Central da UERN.

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local à nacional, sendo notório, também, vetores motivados por forças externas ao país. Na sua formação é possível perceber uma direta inter-relação entre os processos e fatores que determinam suas transformações com as dinâmicas e movimentos que proporcionaram a reprodução do espaço nacional, que por sua vez, também têm intrínseca vinculação com movimentos que foram basilares no processo de reprodução capitalista no planeta. Considerando que Mossoró, fundamentalmente, se constituiu enquanto lugar que agregava certa importância espacial (regional) a partir da segunda metade do século XIX, podemos considerar que esta evolução é dada num momento em que a economia e os processos sociais brasileiros continham notórias especificidades, considerando sua inserção no sistema capitalista mundial. Um marco desta análise tem apresentado a específica correlação de fatores que compõem a formação espacial brasileira a partir da composição rural e urbana. A origem do lugar “Mossoró” é centralmente influenciada pela agropecuária, mas o comércio e a atividade mineral do sal foram fundamentadores de sua diferenciação regional. Definindo sua evolução até se tornar cidade emancipada. Assim, quando é usada uma acepção genérica para afirmar que a cidade no Brasil se forma concomitantemente ao espaço rural ou camponês, levando em consideração que o processo colonial buscava a articulação do espaço e suas dimensões ou facetas aos interesses que a exploração determinava, sendo a interrelação produtiva de ambos em fator estratégico para a prática da dinâmica colonizadora portuguesa, a formação espacial de Mossoró assume correlações e compatibilidades com esse entendimento, mesmo considerando as particularidades espaçotemporais próprias. A começar pelo período de constituição que se dá na fase final da vigência da colonização das terras brasileiras por Portugal. A “primeira quadra de rua” de Mossoró é constituída em 1772 quando o Sargento-Mor Antônio de Souza Machado ocupa a área da fazenda Santa Luzia, mais uma possessão das muitas que possuía. Uma notificação, da formação do povoado é descrita por SILVA, quando da passagem de Henri Koster, viajante europeu pelas terras mossoroense em 1810: Assim, conta o viajante na sua memória de itinerante: ‘A 7 de dezembro, às 10 horas da manhã, chegamos ao arraial de SANTA LUZIA, que consta de 200 ou 300 habitantes. Foi edificado num quadrangulo, tendo uma igreja e pequenas casas baixas. SANTA LUZIA está situada a margem de um rio sem água’ (SILVA, 1975, p. 11. Grifos do autor).

Com este relato se percebe que desde o final do século XVIII se deu a formação do povoamento, que progride lentamente conforme os processos históricos que determinam sua espacialidade. Neste sentido as atividades agropastoris e o extrativismo têm destacada influência nos processos produtivos locais, marcos da dinâmica espacial sertaneja de então. O sal demonstram os relatos históricos, é contemporâneo da origem da ocupação destas áreas. Um fato a confirmar este traço é revelado quando a literatura que aborda a formação espacial mossoroense trata da submissão e dependência econômica que a capitania do Rio Grande do Norte tem em relação à Paraíba e Pernambuco. As oficinas de carne seca assumem o centro da questão quando estas capitanias proíbem àquela de desenvolver esta atividade, devido a abundância da produção artesanal de sal. O então governador de Pernambuco, José César de Menezes, em 1784, requisita a um Marques de Portugal sua intervenção para reprimir esta atividade e ela é feita. Rocha afirma: “Mesmo afastada da liderança do comércio de carne seca, Mossoró continuou a utilizar o sal como mercadoria promotora e fomentadora de Economia do lugar” (ROCHA, 2005, p. 28).

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Outra referência que assume destaque na evolução local é a constituição de Mossoró como empório comercial, cujo marco de definição é dado quando a Companhia Pernambucana de Navegação Costeira em 1857 é autorizada a fazer escala comercial no então porto de navegação local, o Porto Franco situado na foz do rio ApodiMossoró, hoje cidade de Areia Branca. Conforme aborda Felipe (1988), se trata da primeira espacialização econômica local, constatando-se tal feito em decorrência seus reflexos na organização espacial, quando se nota o crescimento do fluxo de mercadorias agrícolas, extrativas e artesanais produzidas no entorno, sendo muitas delas voltadas ao comércio que passou a se intensificar com esta nova condição, atingindo praças importantes do Brasil, do Nordeste e até do exterior. No aspecto urbano a morfologia da cidade passa a traduzir este novo momento quando tem-se o aumento da construção de armazéns e casas comerciais, principalmente na área central que se forma, sendo a referência espacial para este momento de intensificação do comércio. Daí o traçado das ruas e a estrutura da cidade em formação passam a revelar os interesses e determinações comandados pelos que arregimentam este processo, isto é, os comerciantes. É importante notar que não se falava de Mossoró como cidade, isto somente ocorre em 11 de novembro de 1870, tendo antes sido influenciada antes disso pelo município de Martins. Depois, já como Freguesia, passa a depender do município de Apodi em 1842 e pelo município de Açu em 1852. Como é compreensível, esta situação atravancava a fluidez da circulação de mercadorias, a produção em geral e os trâmites políticos que, nesta altura, o lugar já demandava, considerando que após a década de 1850 há a intensificação das circulações, para as quais o momento econômico, em que se encontrava, isto é, de empório comercial, também impunha um volume maior de pleitos e requerimentos visando solucionar tais questões. A emancipação política que lhes permitiu a condição cidade. Neste período Mossoró já exercia marcante influência regional que alcançava, além da expressiva faixa da região oeste do estado do Rio Grande do Norte, áreas do médio e baixo Jaguaribe no estado do Ceará e trechos do rio do Peixe e do rio Piancó no estado da Paraíba. Na medida em que ocorria a expansão das atividades econômicas e comerciais, Mossoró também tinha a ampliação de sua área urbana, condição também que contribuía para esta regionalização. É importante buscar a interrelação dos fatores que, reconhecidamente, são preponderantes para a formação e fundamentação das peculiaridades deste espaço em questão. Neste sentido, por exemplo, a análise do processo de formação do espaço urbano não deve se limitar a delimitação estrutural de sua expansão, pois, como resultado, deverá ser explicada principalmente pelos fluxos e movimentos políticos, econômicos e sociais que se compõem com específicas articulações. Com esse novo status de cidade emancipada, Mossoró passa a ter acesso a políticas públicas e ações governamentais que se somavam às iniciativas privadas considerando os interesses e conveniências das classes sociais dominantes. Apenas ressalvando que, conforme relata a literatura, não havia, a partir daí, uma radical intervenção a ponto de serem atendidas amplamente todas as carências locais, essencialmente àquelas que poderiam ser consideradas como centrais às condições satisfatórias de vida da população. Um exemplo que pode ilustrar este ponto se define com a ocorrência das secas periódicas que, nesta fase de empório incentivava o afluxo intenso de migrantes, chamados retirantes, em busca da sobrevivência nos maiores centros regionais, como era o caso de Mossoró. O período de seca de 187779 foi revelador, quando nessa condição, a cidade passou a receber marcante quantidade de pessoas, das quais, grande parte foi aproveitada como mão-de-obra barata e mal remunerada pelos comerciantes e empresários salineiros que os

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empregavam. Em razão de sua expressividade regional, esta seca proporcionou à Mossoró algumas consequências, como descreve Felipe (2001, p. 51): A postura cosmopolita ficava comprometida pela pobreza da maioria da população, naquele momento, bastante acrescida pelos anos de seca -1887-1889- chegando a concentrar na cidade ‘25.000 pessoas, cuja ocupação [...] era terem fome e morrerem de miséria ou de peste’ (GUERRA; GUERRA, 1909, p. 38), gente que requisitava [infraestrutura] que não existia na cidade: é o caso da água que era retirada de cacimbas cavadas no leito do rio seco. As pessoas abastadas faziam cisternas que coletavam as águas chuvas através do telhado das casas (Grifos dos autores).

A evolução da cidade, seu crescimento urbano, desde o início da ocupação da fazenda Santa Luzia até este período do empório comercial são retratados no trabalho de Silva (1975) quando o mesmo expõe alguns croquis que demarcam essa expansão no tempo. Mossoró possuía, até o final do século XIX, período de destaque de sua abordagem e análise, um dinamismo econômico muito importante para o contexto regional em que se situava. A importância do comércio permitia um marcante fluxo de mercadorias através de venda inclusive para o exterior através do Porto Franco e o recebimento de bens importados. Sem esquecer que a cidade, nesta altura era entreposto de negócios que evoluía motivado, essencialmente, pela localização que favorecia tal crescimento. A esse respeito Felipe fala: A geografia da cidade passa a ser marcada pela sua localização espacial, pela sua transição entre a economia do litoral e a economia do sertão, condições privilegiadas naquele contexto histórico, que viabilizam a cidade a participar da divisão internacional do trabalho, como centro sertanejo de exportação e importação de mercadorias (FELIPE, 2001, p. 35).

A entrada do século XX era ensejada como perspectiva para as desejadas mudanças de infraestrutura visando o atendimento de demandas que a classe empresarial estabelecia. A demora na chegada da estrada de ferro, que somente é inaugurada em 1915, assim como o fortalecimento de praças comerciais que competiam com Mossoró como Campina Grande na Paraíba, e o aparecimento de novas redes de intercâmbio comercial com sistemas de transportes rodoviários que viabilizava a interligação entre lugares, foram fatores preponderantes para a decadência do empório comercial de Mossoró. É importante notar que esses acontecimentos históricos continuam refletindo na morfologia urbana da cidade. Até a eclosão da crise que anula o empório comercial de Mossoró, a qual toma forma e acontece nas primeiras décadas do século passado, a estrutura urbana passou por condicionamentos ao longo de aproximadamente cinco décadas de vigência desta fase de colapso econômico, onde até hoje podem ser observadas: nas áreas do centro da cidade ou em suas proximidades a presença de ruas largas conforme demandava o comércio; a supressão do transporte de mercadorias pelo rio Apodi-Mossoró até o Porto Santo Antonio (porto de fundo fluvial próximo à cidade que justificava o acesso do transporte ferroviário para viabilizar a ligação com o porto principal, Porto Franco em na cidade de Areia Branca) a partir da construção de barragens submersíveis na área urbana, com o propósito de represar a água do rio e abastecer a cidade que tinha população em crescimento; a presença de grandes armazéns e edificações comerciais ao longo do trajeto da ferrovia na área urbana ou em suas proximidades, visando a facilitação dos intercâmbios de

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mercadorias com o trem. É em função desta estruturação que são ocupadas as áreas do “Alto do Pão Doce”, hoje parte do bairro Bom Jardim, e “Alto dos Macacos”, área atualmente incluída no bairro Alto da Conceição. Com a decadência do empório comercial a economia local passa por momentos de redefinições. Não ocorre a decadência absoluta dos processos que definiam a cidade como referência econômica e espacial de uma ampla área regional que evoluíram historicamente. Assim, mesmo passando por rupturas, havia internamente uma base estrutural que viabilizava a permanência da cidade como lugar de destaque neste contexto. O que ocorreu foi a entrada de Mossoró numa nova divisão social e territorial do trabalho, tendo como ênfase, agora, a escala nacional. Mossoró assume um novo papel, isto é, o de centro repassador de matérias primas para o centro-sul do país, que muito as demandava para incrementar o seu processo de industrialização (ROCHA, 2005). A burguesia local, detentora de reservas de capital oriundas da fase econômica precedente, tomou novamente o controle deste processo, estabelecendo uma nova especialização, definindo uma nova organização espacial atrelada a relações sociais diferentes da anterior (FELIPE, 1988). Qual a base desta nova especialização? Capitais tanto locais quanto regionais, atividades extrativistas que fundamentaram as agroindústrias e as refinadoras de sal (FELIPE, 1982) que, entre outras coisas, deram à cidade novos elementos para sua configuração espacial. A partir deste momento, principalmente década de 1920 em diante, algumas indústrias vão se instalar nas proximidades do rio Apodi-Mossoró, outras nas imediações da linha ferroviária. Como resultado deste momento surgem os chamados bairros operários das indústrias salineiras, como Paredões e Bom Jardim; do outro lado da cidade surgem os bairros Alto da Conceição, São Manoel, Pereiros, cuja maior influência para sua ocupação foi a presença dos trabalhadores das fábricas de processamento de algodão, fábricas de óleos de oiticica e algodão, fábricas de sabão, beneficiamento de cera de carnaúba, tecelagem, fiação e produção de cordas. Também se formam os bairros ou logradouros Doze Anos e Rabo-da-Gata, ocupados naquele momento pelos operários das moageiras de sal e trabalhadores ferroviários.

REDEFINIÇÕES SOCIOESPACIAIS E AS NOVAS PERSPECTIVAS URBANAS

A

chegada da década de 1960 traz consigo a decadência desta fase da agroindústria. A expansão urbana, em sua vigência, recebeu notória contribuição deste processo econômico. Um exemplo que ilustra este momento se deu em meados da década de 1940 quando a ponte Jerônimo Rosado, primeira via de ligação da margem esquerda do rio, bastante ocupada, com a direita, fora inaugurada. A decadência da agroindústria no Nordeste brasileiro coincide e é incentivada por uma nova conjuntura de fatores que redefiniam a oferta de matérias primas fazendo com que as atividades extrativistas não concorressem eficientemente com as fibras sintéticas que começavam a ganhar espaço no mercado produtivo mundial. Novamente a cidade de Mossoró passa pela exigência de redefinir os processos econômicos para angariar sustentação, na medida em que a crise das agroindústrias e o processo de modernização das salinas dão às décadas de 1960-70 a condição de marco referencial para uma nova conjuntura da cidade, baseada agora no processo de reprodução espacial comandada pelo poder político local revelando desdobramentos bem peculiares.

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Se até esta altura Mossoró se estruturava predominantemente nas imediações do trajeto da linha ferroviária, desde a saída para São Sebastião (atual cidade de Governador Dix-Sept Rosado) até a saída para o porto Santo Antonio a caminho da cidade de Areia Branca, assim como pelo percurso do caminho que dava acesso a estrada para a cidade de Aracati no Ceará, sem esquecer do incremento que a agroindústria propiciou dando origem a novos bairros, esse novo momento tem como referencial a ação do Estado e a disponibilização de políticas públicas que exerceram marcante influência no espaço urbano. Tal processo teve marcante contribuição para o incremento da expansão urbana. Não é possível, para efeito de coerente compreensão, isolar Mossoró e sua dinâmica espacial dos movimentos próprios que viabilizam a evolução do espaço brasileiro, inclusive com sua inserção no processo capitalista internacional. O século XX foi determinante para a afirmação do que se convencionou a chamar de espaço único nas teorizações sobre as mudanças na realidade, produto das interligações resultantes dos processos econômicos que, ao mesmo tempo, legitimam as assimetrias, desigualdades e diferenças do conjunto de países componentes desse modelo, que se refletem também internamente no contexto de cada país, com suas peculiaridades. Dessa forma os vetores da mudança que o espaço mossoroense revela, podem também ser oriundo de outras escalas espaciais. Nesse sentido, Santos diz que, “[...]cada lugar é ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente” (SANTOS, 1997, p. 273). A segunda metade do século XX foi um período marcante na transformação espacial brasileira, principalmente nas áreas urbana, em decorrência do processo de industrialização e suas consequências econômicas e produtivas. Algumas faixas do território como a litorânea e suas proximidades, principalmente, viram surgir áreas metropolitanas e densas redes de relações. A cidade de Mossoró já refletia no seu espaço urbano a movimentação produtiva que as dinâmicas comercial e agroindustrial lhes haviam proporcionado. Com as crises que ocasionaram a decadência desses processos na década de 1960, a intervenção do Estado foi determinante para algumas mudanças na cidade e a busca de manter sua hegemonia regional. Na década de 1970 a cidade possuía 97.245 habitantes, revelando uma evolução demográfica acentuada desde as décadas precedentes, considerando que em 1960 o número era de 50.783 pessoas e, em 1950, de aproximadamente 40.000 habitantes (PINHEIRO, 2008). Estas tendências não são exclusivas de Mossoró, pois grande parte destas mudanças se configuravam como reflexos das (re)definições econômicas e políticas que o Brasil atravessava. Propondo conter problemas consequentes de um crescimento acentuado das cidades, o país começava a desenvolver ações políticas para a urbanização em andamento, num período em que o regime militar era o marco histórico. Em 1964 é criado o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), produto do Banco Nacional da Habitação (BNH). Ambos atuaram intensamente nas mudanças que o espaço urbano enfrentou. Para se ter uma ideia do que representou, no intervalo entre 1964 e 1986 foram edificadas mais de 4 milhões de moradias e implementados muitos sistemas de saneamento no país (ROCHA, 2005). Não se tratava somente de construir casas pois a infraestrutura urbana, rede elétrica e de canais de acesso a ela também foram desenvolvidos em muitas áreas de intervenção. Da mesma forma deve ser dito que essas políticas não beneficiavam a todos indistintamente, havia segmentos sociais como a classe média que era alvo frequente destas intervenções, sendo privilegiadas em grande parte.

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Na segunda metade da década de 1970, ainda na fase dos resultados do chamado “milagre econômico brasileiro”, foi elaborada a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, que compreendia um conjunto de programas e suas estratégias, entre eles o Programa de Cidades de Porte Médio, que, no Rio Grande do Norte, envolveu as cidades de Natal e Mossoró. Nesta cidade foram disponibilizados equipamentos urbanos que propiciaram melhorias nas condições de vida à população. Em Mossoró foram construídos o Terminal Rodoviário, conjuntos habitacionais que atenderam parcelas das classes médias e baixa e implantação de infraestruturas. Também obteve-se a abertura de agências bancarias e ampliação de serviços especializados em razão das novas demandas surgidas com o crescimento da população. Desde o final dos anos 1960 a cidade já dispunha de unidades de ensino superior como a Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte - FURRN (atual Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN) e a Escola Superior de Agricultura de Mossoró - ESAM (atual Universidade Federal Rural do Semi-árido UFERSA). Havia na cidade demandas específicas que motivaram estas mudanças de ordem estrutural. É deste contexto que é elaborado o primeiro Plano Diretor para a cidade, o qual passa a vigorar a partir de 1975, visando acompanhar o crescimento da cidade e viabilizar o zoneamento de atividades e ocupações para, daí, verificar alternativas de ordenamento. Este documento dividiu a cidade em dez zonas e estabeleceu diretrizes políticas para a ação do Poder Público na cidade, embora seus resultados não tenham demonstrado efetiva aplicação. A década de 1980 foi marcante para a economia nacional visto que o aumento do endividamento externo e a dificuldade de se estabelecer o controle das financias públicas fez com que, a exemplo da maioria das economias subdesenvolvidas, o país afundasse em problemas econômicos e financeiros ratificando a denominação de “década perdida” dada a esta fase. Os dramas decorrentes deste período são sentidos em Mossoró, mas aqui a década é marcada pelo acentuado crescimento de algumas atividades econômicas que incrementavam sua economia, como a produção de petróleo e a fruticultura irrigada, que até hoje são propulsores da economia local principalmente por serem fatores de colaboração na diversificação do setor terciário e atração de unidades industriais e atividades de prestações de serviços. Depois desta etapa nota-se que a iniciativa de redefinição econômica nacional deixa seus reflexos neste espaço, considerando que o processo conhecido como globalização assume novas formas intensificando os movimentos de troca e acumulação econômico-financeira. A atual dinâmica socioespacial de Mossoró se fundamenta, entre outros aspectos, pelo reforço de sua condição histórica de centro regional. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que em 2007 Mossoró possuía 39 municípios do Rio Grande do Norte em sua região de influência. Incluindo a população mossoroense, este conjunto ultrapassava os 638 mil habitantes (IBGE, 2008), cerca de 21% dos residentes no estado. Outro fundamento consistente para esta abordagem é o da condição de cidade média definido para cidades de determinado porte, em que Mossoró se insere. Sua justificativa perpassa a análise do crescimento e da diversificação das atividades econômicas, que são cada vez mais presentes nos espaços organizados por Mossoró, os quais reforçam sua condição de cidade média em que, no seu espaço intraurbano, emergem processos que intensificam as desigualdades socioespaciais (ELIAS; PEQUENO, 2010).

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Como perspectiva para o enfrentamento desta questão a cidade dispõe de um Plano Diretor, aprovado em 2006 no bojo da efetivação das diretrizes e instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257) que regulamenta os artigos 182 e183 da Constituição Federal de 1988 referentes a política urbana nacional. Mossoró, como grande brasileiros, tem muitos desafios nesta questão. É amplamente visível o processo de desigualdades em sua realidade. É evidente que a existência da legislação não estabelece qualquer garantia à solução de problemas. Neste sentido Maricato (2007, p. 147) afirma que “[...] não é por falta de planos e nem de legislação urbanística que as cidades brasileiras crescem de modo predatório.” Inserida num contexto histórico em que a apropriação oligárquica do lugar perdura praticamente por mais de seis décadas, cujo principal expoente deste processo é a família Rosado, sendo um aspecto que tem muitas convergências com a evolução histórica nordestina. E este traço, que é imperativo para as suas questões sociais, econômicas e políticas, se constitui em mais um fator determinante para os problemas urbanos do presente. A assimetria social tem muitas implicações de variadas tendências que cada vez mais interagem podendo intensificar as consequências.

CONCLUSÃO

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questão urbana é complexa em razão de muitos aspectos. O espaço urbano, atualmente hegemônico na opção de moradia da população mundial, tem sido definido também como contraditório. Uma importante característica do urbano aborda a interrelação, muitas vezes contraditória, dos fatores e/ou processos definidos como totalidade e fragmentação. A realidade brasileira se constitui como importante contexto desta abordagem, Cada vez mais tratados pelas ciências sociais. Mossoró tem se revelado, coerente com esta proposição, um centro que não desfaz dos seus traços e características particulares que muito contribuem na formação de sua identidade, contudo sua complexidade cada vez mais ampliada se baseia na presença de aspectos e fatores sociais, econômicos e políticos que há até pouco tempo eram predominantemente visíveis nos centros maiores como os centros metropolitanos. Mossoró é considerado um amplo laboratório em razão de sua dinâmica espacial e sua contextualização histórica. Sua relação entre os processos históricos e contemporâneos podem estabelecer favoráveis perspectivas para a fundamentação de ideias e, no caso da abordagem geográfica, viabilizar produções que interajam com metodologia que permitam tanto fundamentos teóricos quanto práticos ou a correlação de ambos.

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O HOMEM, A MORADIA E AS ÁGUAS AO LONGO DOS TEMPOS E DOS ESPAÇOS

O HOMEM, A MORADIA E AS ÁGUAS AO LONGO DOS TEMPOS E DOS ESPAÇOS Moacir Vieira da Silva3

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o longo da história da humanidade são inúmeras as formas e os espaços destinados a moradia. Passando pelas cavernas habitadas pelos homens do período pré-histórico; pelas tendas e cabanas armadas no deserto pelos povos nômades; pelos castelos e fortalezas construídos no período medieval; e pelas mansões e barracos erguidos sobre o mesmo espaço nas atuais cidades; a condição “morar”, que nada mais é do que uma necessidade inerente aos indivíduos (RODRIGUES, 2003), vem sofrendo metamorfoses ao longo da história e dos espaços. Dentro desse contexto, a moradia deixou de ser apenas uma necessidade do homem, que as construíam para se proteger das intempéries do meio, e ganhou uma nova roupagem, que tem em seu cerne, ligação direta com o sistema capitalista vigente. A moradia passou a ser uma mercadoria, na qual é dada a mesma um valor-de-troca, sendo que o seu “uso” dependerá da possibilidade ou não que o sujeito terá de pagar por esse bem, ou seja, ela passa a ser um bem cujo acesso é seletivo (CORRÊA, 2002) e reflexo do status social de cada indivíduo. Este caráter alocado a moradia impossibilita a uma grande maioria da população mais pobre/carente - o acesso à habitação digna e adequada, sendo que as mesmas veem-se sujeitas a ocuparem os lugares mais inapropriados e inabitáveis para se morar, tais como áreas de encostas, favelas, cortiços, áreas susceptíveis a alagamentos entre outros exemplos. Analisando o caso específico das moradias em áreas vulneráveis a alagamentos, percebe-se que esta problemática não é um fato recente, mas um episódio que vem sendo escrito desde o surgimento do homem. Mudaram-se as formas e os contextos da condição do “morar” durante o transcorrer do tempo, porém a moradia “nas” águas (ou o “morar nas águas”) perdurou até os dias atuais, com as especificidades históricogeográficas de cada momento. Assim, contextualizado a partir da variabilidade espaço-temporal do “morar”, o presente artigo trata-se de uma leitura histórico-geográfica acerca do processo de ocupação das áreas susceptíveis a alagamentos para a construção de moradias ao longo dos tempos e dos espaços. O objetivo central deste artigo é fazer um breve resgate histórico-geográfico da condição do “morar nas águas”, ou seja, demonstrar os limites, as (im)possibilidades, as dependências e as condições que vem margeando o “morar nas águas”. O desenvolvimento do mesmo deu-se a partir da leitura de diferentes literaturas que abarcam a temática proposta. Como forma de pensar esta condição e as dinâmicas estabelecidas as suas margens, este texto foi organizado em duas partes: na primeira, resgata-se a condição do “morar nas águas” a partir de um olhar (escala) global, enfatizando-se a importância dessa condição para o surgimento das primeiras cidades e civilizações; em seguida, destacase a importância dessa condição para o processo de formação territorial do Brasil. 3

Graduado em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN.

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Para tanto, analisa-se o processo de ocupação do Brasil, Nordeste, Rio Grande do Norte, e de maneira específica, da cidade de Mossoró, sempre focando a interligação desses processos com a proximidade das águas, ou seja, a “dependência” dessas dinâmicas com as áreas margeadas por águas.

O “MORAR NAS ÁGUAS” EM TEMPOS E TERRAS PASSADAS

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om o transcorrer da história, os homens passaram a utilizar técnicas que foram facilitando o seu convívio com o meio natural. No período caracterizado como pré-histórico, especificadamente no período paleolítico, que se estendeu da origem da humanidade até cerca de 10 mil a.C., eles viviam apenas da coleta de frutos e da caça de animais para sua sobrevivência; não produziam excedentes; não possuíam um espaço específico; e suas moradias eram provisórias, pois os mesmos utilizavam as cavernas como forma de abrigo para se protegerem momentaneamente dos agentes do meio, como chuva, vento e sol, bem como para outras utilidades, como por exemplo, o acasalamento e rituais simbólicos (MUMFORD, 1982). Segundo Carlos (2001), a relação desses povos com a natureza era de “dependência” e de passividade, de forma que, recuando ainda mais na história, percebe-se que os indivíduos eram cada vez mais condicionados pelos elementos da natureza. No período neolítico, que se estendeu de 10 mil a.C. (fim do paleolítico) até cerca de 6 mil a.C., percebe-se que os povos apresentaram mudanças significativas no seu modo de vida. Eles deixaram de ser nômades, fixaram-se em determinadas regiões e passaram a viver na condição de ser ativo perante a natureza. Estas mudanças foram possíveis graças ao desenvolvimento e aprimoramento das técnicas, mesmo que primitivas, tais como o uso da cerâmica e de certos metais, que agregado principalmente ao desenvolvimento (início) da agricultura e da domesticação dos animais, proporcionaram mudanças significativas tanto do ponto de vista social como espacial, pois segundo Carlos (2001, p. 31) “[...] ao mesmo tempo em que através do processo produtivo a sociedade produz sua existência, ela produz o espaço”. Nesse contexto evolutivo, percebe-se a inserção da condição do “morar nas águas” desde os primórdios da humanidade, pois, analisando que, a agricultura atrelada a outros fatores influenciaram a fixação/ocupação do homem no espaço, esta só poderia ser desenvolvida naquele período, nas áreas que apresentassem disponibilidade de recursos hídricos. Assim, os primeiros espaços ocupados pelos povos primitivos que formariam adiante as primeiras civilizações, foram às margens das águas (rios, mares, oceanos), ou seja, foram exemplos concretos desta condição do “morar nas águas”. Ainda inserido nesse momento histórico de transformações sociais e espaciais, surgem às primeiras aglomerações humanas, as aldeias e as moradias primitivas, sendo que estas foram indispensáveis ao surgimento das primeiras cidades e civilizações. Sobre tais fatos e a relação entre o “morar” e as águas, Mumford (1982, p. 23) enfatiza que “[...] a mais primitiva moradia que já se descobriu na Mesopotâmia, segundo Robert Braidwood, é um buraco cavado no solo e ressecado pelo sol até ganhar a consistência de tijolos”, sendo esta, uma prova do aprimoramento das técnicas (uso da cerâmica primitiva) desenvolvido por esses povos e um vestígio contundente do “morar nas águas”, pois, para o desenvolvimento da técnica da cerâmica é necessário a utilização de água para moldar a argila. Carlos (2001) também enfatiza esta evolução dos povos do neolítico e demonstra a interligação deles com “águas”, a partir do momento em que a mesma aponta a importância dos rios para o desenvolvimento da agricultura e por consequências dos povos. A referida autora destaca:

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Por volta de 8000 a.C. o homem aprofunda suas relações com o meio circundante aproveitando a terra para o plantio, iniciando um rudimentar principio de organização. Aproximadamente no ano de 6000 a.C., inovações técnicas, tais como o arado de relha, aliadas ao deslocamento para os vales fluviais [...] cuja inundação deixava – em extensas áreas alagadas um lodo bastante fértil, dão à agricultura um notável impulso (CARLOS, 2001, p. 60).

E ela ainda ressalta: Ao fixar-se num pedaço de terra o agricultor cria uma propriedade, surge a tribo sedentária, a qual deve manter-se unida para defendese dos nômades e camponeses sem terra. Do acampamento de barracos surge a aldeia onde muitos homens vivem num pequeno espaço, aproveitando a fertilidade da região (CARLOS, 2001, p. 61).

Outro vestígio expressivo dessa condição do “morar nas águas” é destacado por Mumford (1982, p. 25), quando o mesmo relata que, a maior parte do que se “[...] sabe da estrutura e do modo de vida das povoações e aldeias neolíticas vem dos restos rudes conservados em pântanos poloneses, no fundo de lagos suíços, na lama do delta egípcio [...]”. Assim, percebe-se que, desde o período mais antigo a ocupação de áreas alagadas já era uma prática eloquente entre os povos ditos não-civilizados, seja para o desenvolvimento de certas atividades ou simplesmente para morar. Esses homens primitivos continuaram com o processo de aprimoramento das técnicas, transformando o espaço no qual estava inserido. Estabeleceram novas relações sociais e uma divisão do trabalho mais expressiva; começaram a desenvolver a escrita, mesmo que rudimentar; e produziram excedentes alimentares, sendo que a partir deste excesso, foi iniciada a prática da troca de mercadorias, constituindo-se uma forma de mercado. Inseridos nesse leque de mudanças, surgem o que se pode chamar de primeiras civilizações – já que, segundo Burns; Lerner; Meacham (1997) a civilização é um estágio no processo de desenvolvimento humano em que a escrita se faz presente, bem como, há o progresso na arte e na ciência; e existe uma organização social solidificada, capaz de resolver problemas de cunho político, econômico e social – bem como outros aspectos peculiares, tais como, as primeiras cidades, a divisão de classes entre outros acontecimentos. Essas transformações citadas, específicas do período de passagem da Pré-História para a Idade Antiga, não ocorreram dispersas pelo globo, mas concentradas em certas áreas que se apresentaram dotadas de certas vantagens geográficas. Partindo-se dessa contextualização, desenvolver-se-á adiante, um resgate histórico sobre o surgimento dessas primeiras civilizações, enfocando o contexto geográfico na qual as mesmas estavam inseridas, sendo que no caso em estudo, a abordagem voltar-se-á especialmente para a compreensão do “morar nas águas”. Existem divergências quanto à certeza do surgimento da primeira civilização. Uns argumentam que, a primeira civilização apareceu nas margens do rio Nilo (Civilização Egípcia), e outros afirmam que, a primeira civilização surgiu nas áreas margeadas pelo rio Tigre e Eufrates (Civilização Mesopotâmica). Mas, apesar das controvérsias, uma ideia central converge a um só ponto: foi às margens de águas de rios que os povos primitivos deram seus primeiros passos rumo à cultura civilizada. Há uma explicação para o fato dessas civilizações terem surgidos às margens desses rios, e essa resposta está nas condições geográficas em que as mesmas estavam inseridas. Ambas as civilizações, tanto egípcia quanto mesopotâmica, estavam localizadas em áreas extremamente secas, de clima semiárido, e necessitavam das

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águas dos rios para o desenvolvimento da agricultura e para a domesticação dos animais. Desta forma, Spósito (2000, p. 18) aponta que as primeiras cidades e as primeiras civilizações “[...] tiveram suas localizações determinadas pelas condições naturais [...] em que o desenvolvimento técnico da humanidade ainda não permitia a superação destas imposições”. Partindo-se para uma análise mais detalhada dos fatos histórico-geográficos, a Civilização Mesopotâmica, considerada por muitos historiadores como a mais antiga da humanidade, surgiu às margens dos rios Tigre e Eufrates, tendo em seu próprio nome o reflexo de sua posição geográfica – Mesopotâmia significa em grego “terra entre rios” (meso = no meio, potamos = rio). A proximidade dessa civilização com os rios citados possibilitaram a produção de alimentos, bem como, o desenvolvimento do comércio (as águas desses rios eram utilizadas como “estradas”, rotas para o comércio de mercadorias), que em conjunto, constituíram-se a base da economia mesopotâmica. As mesmas águas que deram o alimento para a subsistência dos povos mesopotâmicos e os fizeram surgir como civilização, também permitiu o seu desenvolvimento socioeconômico, bem como avanços espaciais, isso porque, foi nessa região que surgiu a primeira cidade – Ur, (CARLOS, 2001; SPÓSITO, 2000), bem como outras de grande destaque, como por exemplo, a cidade da Babilônia. Ainda inserido nessa questão, vale salientar que, essa região foi um grande centro de difusão do fato urbano, refletindo seus aspectos para outras áreas do globo, como por exemplo, o Egito Antigo (Tebas e Mênfis), vale do rio Indo (Mohenjo-Daro), o interior da China (Pequin e Hang-Chu) entre outros pontos (SPÓSITO, 2000). De maneira análoga a área da Mesopotâmia, o povo egípcio nasceu para a cultura civilizada a partir das águas, dos fluidos que correm e cortam uma região de extrema aridez (desértica) e de temperaturas expressivas, eles “surgem” a partir do rio Nilo. São muitos os relatos sobre a importância desse rio para o povo egípcio, destacandose nesse caso, o pensamento do historiador grego Herótodo (VI a.C.), que refletindo sobre a condição dessa civilização em relação a esse rio, diz ser o Egito uma “dádiva do Nilo”. O rio Nilo proporcionou a civilização egípcia, terras férteis para o desenvolvimento da agricultura, sendo esta atividade, a base do sistema econômico dessa região (BURNS; LERNER; MEACHAM, 1997); rotas para o comércio dos excedentes produzidos, como por exemplo, o trigo; subsídios para o desenvolvimento da indústria, dentre elas as interligadas a construção naval e a manufatura de cerâmicas. Em síntese, ele deu a esse povo a possibilidade de escrever suas marcas na história da humanidade. É interessante destacar que, essas mesmas águas que deram o sopro da “vida” para a cultura civilizada nessas duas regiões, a partir da fertilidade dos solos provenientes da matéria orgânica (húmus) depositada as suas margens, também fizeram as mesmas sofrerem com as forças da natureza. As inundações periódicas assolavam estas civilizações colheita após colheita, devastando suas terras, lavouras e construções ribeirinhas. Porém, essas civilizações mostraram-se amplamente desenvolvida cientificamente para esse período, no sentido em que, utilizando sua criatividade, inteligência, cooperação, capacidade de organização e dinamismo, elas desenvolveram técnicas que permitiram o convívio “pacifico” entre os homens e a natureza. Dentre essas técnicas, destacam-se as hidráulicas, tais como as construções de diques e canais, que além de livrá-los das

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inundações, também permitiam a ampliação das áreas a serem cultivadas e armazenagem dessas águas para futuros períodos de estiagem. Os trechos abaixo representam de maneira expressiva essa relação mantida entre os povos civilizados e o meio natural, relação de dependência e ao mesmo tempo de sabedoria. Neles, Mumford (1982) enfatiza a ação da natureza, dos rios, sobre as civilizações egípcias e mesopotâmicas e como as mesmas se adaptavam a essas “imposições”: Se os habitantes, em verdade, não moldavam a terra de forma ordenada, a natureza o fazia à sua própria maneira, mais crua, pela inundação anual com formações sedimentares, no vale do rio Nilo, ou pela enchente e violenta destruição, vedando a passagem e mudando o curso de rios, no vale do lento Eufrates e do turbulento Tigre (p. 70).

O referido autor ainda aponta que: Para evitar os extremos do deserto e do charco, os habitantes da Mesopotâmia, começando provavelmente em aldeias isoladas, passaram a construir redes locais de valas de irrigação, canais e locais de moradia junto de represas, fazendo o uso de madeira e do betume do vale superior, no norte, como abrigo e proteção contra as águas. Esse domínio da água foi o preço da sobrevivência comunal; isso porque havia uma natural ameaça de escassez de água, no começo da estação de crescimento, e a probabilidade de tempestades e enchentes no tempo da colheita. A produtividade agrícola apoiava-se, ali, na incessante vigilância e no esforço coletivo (MUMFORD, 1982, p. 70).

Outras civilizações, ainda nesse período da Idade Antiga, “nasceram” interligadas a possibilidade de morar nas proximidades de águas, sejam elas de rios ou de certos mares. Pode-se destacar as seguintes civilizações e a relação direta delas com as “águas”: a Civilização Fenícia; a Civilização Persa; Civilização Hebraica; Civilização Helenística e a Romana. Da Idade Antiga, que se estendeu da invenção da escrita até a queda do império romano, adentra-se no período conhecido por muitos pensadores como Idade das Trevas – Idade Média. Nesse momento, o mundo, principalmente “europeu”, viveu sobre o modo de vida feudal, caracterizado segundo Sodré (2002), por uma sociedade marcada pelos grandes senhores de terra, na qual o Estado estava aos seus serviços e o rei era apenas mais uma figura ilustrativa. Mas, qual era a relação desse período com a condição do “morar nas águas”? Segundo Leray (1982) apud Silva (1998), a Idade Média apesar de ser “taxada” como período das trevas (de atraso), a mesma também foi caracterizada com a Idade das Águas, isso porque, as águas serviram de ponto de reencontro entre as principais atividades deste período, ou seja, o transporte hídrico tornou-se essencial para a vida econômica nesse momento da história. Porém, a questão do “morar nas águas” nesse período não tem ligação somente com a possibilidade de transporte, pois, os cursos d’águas também foram essenciais para a fixação dos povos nesse momento histórico, pois, conforme (SILVA, 1998, p. 31) “[...] nos séculos X e XI, as cidades se formavam às margens dos cursos d’água e, posteriormente, os pântanos foram sendo drenados e aterrados, servindo para novas ocupações”. Dessa assertiva, percebe-se que da mesma forma em que, as águas colaboraram na antiguidade para o desenvolvimento dos primeiros povos, a mesma

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perdurou no tempo levando as diferentes contextualizações históricas, a possibilidade de desenvolvimento. Ainda cabe destacar, de maneira mais específica nesse período, a importância das águas para a economia, pois a mesma colaborou para o desenvolvimento de atividades industriais rudimentares já desenvolvidas nesta época, como se pode observar a partir dos trechos relatados por Silva (1998), no qual o mesmo destaca: A água foi se tornando, cada vez mais, elemento vital para o desenvolvimento econômico. Tal fato pode ser comprovado através da implantação dos moinhos, especialmente projetados para fornecer força motriz, impulsionando as atividades industriais de transformação, na época (p. 31).

O referido autor ainda enfatiza: A água era o ‘nervo’ econômico da urbanização pré-industrial e sem ela não seria possível o desenvolvimento de atividades como moagem, tecelagem, tinturaria, cortume, nem a existência das ‘comunas’. A economia desse período coincide com a concentração das habitações e a [infraestrutura] artesanal, onde o abastecimento era feito pela captação direta da água nos rios (SILVA, 1998, p. 32).

Seja na pré-história, antiguidade ou na Idade Média, o “poder” das águas sempre esteve presente ao longo do transcorrer da história do homem, estabelecendo possibilidades de vida social, econômica, cultural e política aos povos de cada período. Dando continuidade a esse resgate histórico-geográfico do “morar nas águas”, o foco desse estudo centrar-se-á em outras escalas temporais e espaciais. Na próxima parte deste texto, a abordagem retrospectiva dessa condição do morar terá uma ótica mais especifica, na qual o desenvolvimento desta temática ocorrerá a partir do contexto nacional, variando de forma decrescente essa análise, ou seja, partir-se-á do estudo da colonização do Brasil (primeiros povos, processo de colonização), que está ligada diretamente ao processo de ocupação do Nordeste; depois, a ocupação do Rio Grande do Norte e da cidade de Mossoró, sempre interligando essas dinâmicas espaciais ao foco principal desta análise, ou seja, a condição do “morar nas águas”.

O “MORAR NAS ÁGUAS” EM TEMPOS E TERRAS BRASILEIRAS

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té meados do século XV, os povos europeus tinham sua concepção de mundo apenas centrada nas regiões habitadas pelos mesmos. Marcados por uma série de mutações, entre elas pode-se destacar a unificação do poder dos reis; criação de Estados modernos (monarquias nacionais); o surgimento do capitalismo mercantil e de um novo estrato social ligado a ele, a burguesia; e avanços na arte, nas técnicas e nas ciências, eles “passaram” da denominada Idade Média para a Idade Moderna. Foi inserido nesse contexto de mudanças, que os europeus “lançaram-se” ao mar, tendo como razões para tal ato, fatores econômicos, dentre eles, a expansão do comércio e a obtenção de metais preciosos. Nessa viagem em busca de novos “horizontes” econômicos, os europeus encontraram terras ainda não descobertas (na ótica europeia), povos ditos “não-civilizados” e riquezas naturais ainda não exploradas, estando o Brasil, por acaso ou não, na rota dessa odisseia.

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Dentro desse quadro histórico de expansão dos europeus, as terras brasileiras juntamente com o seu povo nativo (os indígenas), foram “descobertas”, (re)ocupadas e exploradas com a chegada desses povos, principalmente os portugueses. Suas riquezas naturais, tais como pau-brasil, ouro, pedras preciosas e alimentos tropicais, foram extraídas de suas terras para atender aos interesses externos, ou seja, para abastecer o mercado europeu (ANDRADE, 1981). Porém, essa onda de dominação das terras e riquezas brasileiras não foi iniciada de forma dispersa por esse território, pelo contrário, houve um processo de ocupação gradual e extremamente interligado ao desenvolvimento de certas atividades econômicas. A condição de “morar nas águas” teve, inserido nessa dinâmica, um papel primordial no desenvolvimento de todo esse processo, pois, os primeiros pontos (vilas, cidades e povoados) de desenvolvimento desse espaço surgiram em áreas com disponibilidade d’água, seja para os fins sociais (sobrevivência) e/ou econômicos, como se observará adiante. Inicialmente, a ocupação do Brasil começou pela zona litorânea (Região Nordeste litoral). As vantagens naturais dessa área, tais como a posição geográfica próxima aos grandes centros “dissipadores” da colonização e a presença de uma intensa floresta úmida, fizeram com que os colonizadores desenvolvessem a extração e a exportação de madeira, em especial o Pau-Brasil, dessa mata para a Europa. De maneira paralela a esta atividade, ocorreu neste mesmo espaço, à implantação da cultura canavieira, que conforme Becker; Egler (1993), teve seu desenvolvimento margeado por três fatores principais, a saber: primeiramente, o desmate da floresta existente nessa área fornecia madeira e lenha para a construção dos engenhos de açúcar; segundo, os povos nativos como fonte de trabalho, apesar de ter sido um prática frustrada com o tempo; e o terceiro fator, as várzeas úmidas litorâneas, que proporcionaram solos férteis (provenientes nas inundações periódicas) e garantiam a possibilidade de escoamento fluvial da produção açucareira. Na contextualização destes fatores, é perceptível que desde o inicio da ocupação do território brasileiro, especificadamente o litoral nordestino, a questão das “águas” já entra em destaque, fornecendo subsídios ao desenvolvimento da atividade canavieira e dos povos. Andrade (2005) enfatiza essa possibilidade de “morar” nas proximidades das águas e demonstrar como o desenvolvimento de certas atividades econômicas esteve naquele momento ligado a esse fator, podendo ser vista tal assertiva no seguinte trecho: Imitando a natureza e seguindo as imposições de suas forças, o homem ao colonizar a região derrubou a mata, drenou as várzeas encharcadas e construiu casas, engenhos e canaviais. [...] as lagoas marginais do principal rio do nordestino, que recebem as águas do mesmo no verão, durante a enchente, e que as vão devolvendo ao rio à proporção que o nível da enchente vai baixando, são áreas escolhidas pelos habitantes ribeirinhos para a cultura (p. 38-42).

A conquista das terras brasileiras pelos colonizadores portugueses não se restringiu somente ao litoral, pelo contrário, os mesmos avançaram nas terras interioranas e transformaram profundamente esses espaços, sendo que, a ocupação dessa região, o sertão em especial, teve como principal fator impulsionante, o desenvolvimento da pecuária.

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No inicio, essa atividade era desenvolvida nas vizinhanças das grandes culturas canavieiras, isso porque, ela era uma peça-chave ao desenvolvimento da produção de açúcar, pois, da mesma se obtinha a força de trabalho dos animais (essencial nos engenhos), couro e a carne (fonte de alimentação para os povos) (BECKER; EGLER, 1993). Entretanto, a atividade canavieira via-se em constante crescimento e necessitava ocupar novas terras para continuar seu processo de expansão. Diante dessa situação, a pecuária foi “empurrada” para as terras do interior, isso porque, o gado tinha como ser transportado até a zona mercantil (litoral). Inserindo-se nesse contexto, dos dois principais centros geradores e, por conseguinte, dissipadores da pecuária - Salvador e Olinda - saíram diversos rebanhos de gado para áreas do interior, que tinham como rumo principal, a terras do sertão e do agreste nordestino e o sul do Brasil, que posteriormente ficaria conhecida pelas famosas charqueadas (comércio de carne salgada). No sertão nordestino, região caracterizada como uma zona de clima semiárido, com poucas chuvas, escassez de água e temperaturas relativamente elevadas, existindo poucos rios permanentes, o desenvolvimento da pecuária esteve diretamente relacionado à condição do “morar nas águas”, isso porque, as primeiras fazendas de gado, conhecidas por ribeiras, tiveram suas origens, pelas “necessidades” geográficas da região, nas margens das águas de alguns rios, que posteriormente tornaram-se os primeiros povoados, vilas e cidades. Novamente, as águas foram essenciais ao surgimento e ao povoamento de diversos espaços nas mais diferenciadas escalas espaciais. A ocupação dessa área do Nordeste foi marcada por muita violência, caracterizada principalmente por “guerras” disputadas em índios e colonizadores – Guerra dos Bárbaros. Essas batalhas tinham em sua essência, ligação direta com a disputa por terras férteis, geralmente localizadas nas margens de rios, sendo perceptível nesse contexto, a importância da questão das águas, ou seja, do morar entorno de áreas margeadas por águas. Sobre essa questão, Andrade (2005, p. 186) informa que “[...] os vários grupos de indígenas que dominavam as caatingas sertanejas não podiam ver com bons olhos a penetração do homem branco que chegava com o gado, escravos e agregados e se instalava nas ribeiras férteis [...]” e nesse processo de ocupação, o referido autor ainda expõe que, os colonizadores “[...] construíam suas casas, levantavam currais de pau-a-pique e soltavam o gado no pasto, afugentando os índios para as serras ou para as caatingas dos interflúvios, onde havia falta d’água durante quase todo o ano” (p. 186). Outras atividades econômicas desenvolvidas nessa região tiveram ligações com as águas, dentre elas cita-se, a atividade salineira, que agregada à pecuária, fez surgir às famosas oficinas de carne seca, responsáveis naquele momento, juntamente com outras atividades econômicas, pelo surgimento de várias cidades, como poderá ser observado mais adiante com o detalhamento da ocupação do Rio Grande do Norte e o surgimento da cidade de Mossoró. À porção do Nordeste localizada mais ao oeste do litoral, conhecida como a subregião do Meio-Norte, também apresentou em seu processo de ocupação, relações diretas com as “águas”, no sentido em que, nessa área foi desenvolvida a pecuária nas margens dos rios, bem como outras atividades agrícolas, tais como, a canavieira, fumo, frutas entre outros (ANDRADE, 2005). Em síntese, o processo de ocupação do Nordeste, que ocorreu em consonância com a colonização do Brasil, foi marcado por dinâmicas econômicas que impregnaram especificidades históricas e geográficas a cada área, estando à condição do “morar

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nas aguas”, presente de forma intensa no processo de configuração espacial desse território. Como forma de exemplificar detalhadamente a dependência e a importância do “morar nas águas” no contexto da colonização e ocupação do Brasil em períodos pretéritos, desenvolver-se-á uma análise do processo de ocupação do território norte-riograndense, focando em específico, seus principais fatos histórico-geográficos e mantendo sempre o desenvolvimento desse resgate centrado na temática estabelecida como objeto de estudo. A ocupação do Rio Grande do Norte ocorreu inicialmente a partir do desenvolvimento de duas atividades econômicas já citadas anteriormente, a pecuária e a cultura canavieira. Cada uma dessas atividades surgiu em pontos específicos desse território, porém, em ambos os casos, observa-se a importância dos cursos d’águas para a constituição espacial dessas atividades, e consequentemente das aglomerações humanas. O povoamento desse território deu-se a partir do desenvolvimento da cultura canavieira na parte litorânea e pela pecuária na parte sertaneja (ANDRADE, 1981). Esta primeira atividade adentrou-se no território norte-rio-grandense a partir da expansão da mesma por novas terras, provenientes originalmente das terras pernambucanas. O processo de expansão da cultura canavieira teve como rota de dispersão principal, as margens dos rios, destacando-se entre eles, os rios Curimataú, Trairi, Potengi e Ceará-Mirim. O desenvolvimento de engenhos nessas áreas flúvias, trouxe carregado consigo, as fontes para o aparecimento de várias cidades ao longo dessa área, citando-se como exemplos, as cidades de Natal, Ceará-Mirim, Canguaretama entre outras. Percebe-se desta forma que, estes espaços tiveram como alicerce de sua configuração espacial, o desenvolvimento da cultura canavieira, que por sua vez, como já foi destacado anteriormente, esteve imbricada diretamente ao processo de ocupação das áreas próximas as margens de rios, ou seja, a condição do “morar nas águas”. Agregada a essa expansão da cultura canavieira ao longo do litoral, ocorreu no espaço norte-rio-grandense neste período, o processo de expansão para o oeste das atividades pastoris. Essa expansão ocorrida na área sertaneja teve como rota principal, os rios dessa região, entrando em destaque, os rios Apodi-Mossoró e Piranhas-Açu. Nessas áreas de desenvolvimento da pecuária apareceram as primeiras fazendas de gado, estando estas localizadas também as margens desses rios. Essas fazendas serviram de base para o surgimento de várias cidades do Rio Grande do Norte, como por exemplo, a cidade de Mossoró, que será detalhada mais adiante, entre outras, como por exemplo, Açu e Apodi. Sobre a importância dessas atividades citadas para a organização do Rio Grande do Norte, Felipe; Carvalho (1999) destacam: Assim, surgiram as primeiras vilas e povoados, no litoral sul, nas proximidades dos engenhos de açúcar, e, no sertão, nas imediações das fazendas de gado. Muitas cidades do nosso Estado se formaram a partir dessas vilas e povoados, locais de moradia das pessoas que trabalhavam nos engenhos de açúcar e nas fazendas de gado (p. 10, grifo nosso).

Outras atividades também tiveram grande expressividade na ocupação desse território, principalmente na área do sertão, citando-se como exemplos, a cultura

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algodoeira, a salinicultura, as oficinas de carne seca, a extração de cera de carnaúba (ANDRADE, 1981). Em face dessas atividades, merece destaque a salinicultura, pois a mesma deve papel bastante expressivo na configuração do espaço norte-rio-grandense, em especial nas áreas próximas ao litoral setentrional. O desenvolvimento dessa atividade nessa área deu-se principalmente pelo fato dessa região apresentar condições naturais satisfatória, dentre elas: temperaturas elevadas, alto índice de luminosidade, alta variação das marés, relevo relativamente plano (ANDRADE, 1995). Essas condições permitiram que essa atividade fosse desenvolvida, em sua essência, nas margens dos rios a partir da entrada da água salgada do mar, que formavam verdadeiras salinas naturais, permitindo desta forma, a exploração desse recurso (sal). Novamente, observa-se a interligação das atividades econômicas com as águas, que por consequências, também estavam conexas a condição do “morar nas águas”, pois, a exemplo do que nos fala Andrade (1995), existiam as margens dos rios do sertão norte-rio-grandense, pequenas salinas, nas quais o pequeno produtor vivia no seu entorno, ou seja, em “vivia” em meio ao “sal” e as “águas”. É perceptível ao longo desse resgate, o destaque expressivo que “morar nas águas” teve na configuração da cidade de Mossoró, principalmente no sentido em que, as várias atividades econômicas aqui mencionadas, que estão diretamente conectadas a questão das águas, estiveram presentes na dinâmica espacial dessa cidade. Assim, partindo-se desse contexto, o foco do texto se centrará na compreensão do processo de formação do espaço mossoroense (processo de ocupação) a partir de uma breve (re) leitura espaço-temporal. Originada a partir da concentração da população entorno de uma capela, a cidade de Mossoró começou a se constitui em 1772, derivada de um povoado originado pela ocupação, às margens do Rio Mossoró, do Sítio Santa Luzia pelo Sargento-Mor Antonio de Souza Machado (ROCHA, 2005). Esse pequeno aglomerado de indivíduos foi exemplo do processo de ocupação das margens dos rios para o desenvolvimento da pecuária ocorrido no Nordeste (Rio Grande do Norte). Em 1810, ocorreram mudanças significativas e notáveis neste espaço. Segundo Silva (1983), o inglês Henry Koster – cronista e viajante estrangeiro – registrou em passagem pela ribeira de Mossoró, cerca de 200 a 300 habitantes, sendo esse espaço edificado em um quadrangulo, tendo uma igreja e certo número de casas. Pelos relatos expostos por Silva (1983), a presença de edificações as margens e nas proximidades do rio era cada vez mais acentuada. A produção do espaço de Mossoró foi se configurando em consonância com questões políticas (relações de dependência - status de empório, ribeira, freguesias, vila – e de conflitos, a exemplo do já comentado a respeito da proibição do desenvolvimento das oficinas de carne seca) e econômicas (desenvolvimento da salinicultura e das oficinas de carne seca, derivadas da abundancia de sal e das atividades agropastoris desenvolvidas nesta área, da pecuária, da cultura algodoeira). Na medida em que o tempo passa, Mossoró foi adquirindo morfologias particulares para cada momento. Novas edificações foram construídas – casas, armazéns entre outros tipos de edificações - e Mossoró ganhou uma nova roupagem espacial, tendo como ponto centralizador destas mudanças, as águas do rio Mossoró. Entre 1860 e 1870, a ainda vila de Mossoró passa por um período de expansão, ocorrendo nessa época, um aumento significativo de casas, armazéns e estabelecimentos comerciais. Essa década é chamada por Câmara Cascudo, com a

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“década do expansionismo” em decorrência dos processos inseridos nesse espaço durante esse período, caracterizado pelo aumento no comércio. Com a emancipação em 11 de Novembro de 1870 (SILVA, 1983), Mossoró passou a ter acesso às políticas públicas que, em conjunto com as iniciativas privadas, configuraram esse espaço como centro de expansão e ao mesmo tempo, um ponto de atração populacional, a exemplo do período de seca ocorrido entre 1877-1879, no qual Mossoró tornou-se um centro polarizador das populações afetadas por essa questão climática. A evolução de sua população foi bastante expressiva ao longo dos anos, sendo que, de 1772 (ano do surgimento do Sítio de Santa Luzia) a 1873, a população saltou de 50 habitantes para 7748 habitantes (PINHEIRO, 2007). Inseridos nesse contexto, foram visíveis às mudanças no espaço da cidade de Mossoró a partir de sua emancipação política, a começar pelo aumento no número de residências, sendo que estas, em sua maioria foram edificadas as margens do rio Mossoró. A partir dos trechos a seguir, transcritos do livro Evolução Urbanística de Mossoró de Raimundo Nonato da Silva (1983), evidencia-se a questão das moradias localizadas as margens do rio Mossoró. Esses trechos demonstram a relação da população com as águas desse rio, configurando-se o mesmo como indispensável à sobrevivência desse povo, diferentemente do que ocorre nos dias atuais, pois as águas estão poluídas, sem possibilidades de uso humano. O referido autor enfatiza: E então, como lugar, a vila, a cidade, tudo cresceu desproporcionalmente, de um dia para o outro, a vista do tempo, quando as coisas foram se desgarradas da ‘quebra tradicional e guerreira’ para se afundarem no mato, criando ajuntamentos novos e nucleando novos grupos em pontos mais distantes, levando os velhos ou novos moradores para moradias, casas, ranchos, ou palhoças que se enficavam [sic!] preferentemente pela beira do rio, onde pudessem pegar água com a mão. [...] Ninguém morava longe das cacimbas, do bebedouro, do Rio! Pois não havia como lá na Terra Santa profetas que fizessem jorrar água dos rochedos com simples pancada de cajado (SILVA, 1983, p. 23).

Silva (1983) ainda cita exemplos de ruas que tiveram suas nomenclaturas interligadas a questão do “morar nas águas”. Sobre tais ruas, ele comenta: RUA DOS AFOGADOS: local onde Manoel Francisco do Nascimento solicitava a Câmara Municipal, licença para construir uma casa. Onde era essa rua meu Deus? Certo que devia das águas... [...] RUA DO RIO: esta bem mais antiga, pois nela se fala em documento anterior como a outra, não podia ficar distante da correnteza (SILVA, 1983, p. 23; grifos nossos).

De Sítio de Santa Luzia a cidade de Mossoró, o espaço mossoroense, dentro do quadro histórico e geográfico exposto até agora, apresentou diferentes nuances urbanas ao longo dos tempos, sendo que, a configuração do seu espaço urbano foi constituindo-se como reflexos das dinâmicas econômicas estabelecidas nessa área. Porém, nesse contexto evolutivo, foi perceptível também o quanto a questão das águas foi importante na constituição desse espaço, pois nos primórdios desse processo, as mesmas eram responsáveis por dar vivacidade a essa área. Das águas do rio Mossoró surgiu o Sítio de Santa Luzia, o empório comercial, a ribeira, a freguesia, a vila, a cidade, ou simplesmente, a vida do povo mossoroense.

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Hoje, essa mesma prática exercida ao longo dos tempos e dos espaços é para a sociedade e para cada individuo que “habita” as águas, um dos muitos reflexos de um sistema perverso e cruel, que maltrata e castiga sem pena uma grande parcela da sociedade, que por falta de condições e/ou de possibilidade, não se adaptaram a esse “contexto”. O “morar nas águas” passou a ser uma imposição, um reflexo da sociedade desigual que foi se formando ao longo da historia da humanidade; passou a ser a forma encontrada por uma enorme parcela da sociedade para resolver o problema habitacional. Porém, apesar de apresenta-se como uma solução, esta condição só fere ainda mais os indivíduos relegados pelo sistema, indivíduos que habitam as “águas escuras” de uma sociedade “marcada” pelos contrastes sociais, por chagas que dificilmente saram.

CONSIDERAÇÕES FINAIS condição do “morar nas águas” não é um fato recente na história da humanidade, pois, como foi exposto neste texto, desde o surgimento dos primeiros povoados e civilizações ao “nascer” das primeiras cidades, esta condição sempre esteve presente no “desenhar” dos acontecimentos históricos.

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O “morar nas águas” aparece essencialmente na história como uma limitação do homem frente à natureza, como forma de “dependência” em relação ao meio natural, isto porque, o nível de desenvolvimento técnico dos mesmos não era tão expressivo a ponto de “romper” todos os limites e imposições naturais. Ao mesmo tempo, esta condição também se apresentou como sinônimo de “sobrevivência”, pois foi a partir da proximidade com as águas que os povos edificaram suas moradias, suas cidades, sua cultura, seu espaço e retiraram desta fonte, os elementos basilares para o seu desenvolvimento. Exemplos contundentes destes fatos estão escritos na história das sociedades, a começar pela formação das civilizações egípcias e mesopotâmicas, pois, estes processos ocorreram às margens do rio Nilo e dos rios Tigre e Eufrates, respectivamente, sendo que, as águas estes rios deram o “sopro” da vida a estas civilizações, ou seja, foram exemplos “concretos” da importância e da existência da condição do “morar nas águas” na antiguidade. Essa “dependência” e conexão dos povos com as águas também estiveram presentes em tempos e terras brasileiras. Foi trilhando os cursos d’água que os europeus conquistaram o território brasileiro, desenvolveram seus engenhos (cultura canavieira), construíram suas fazendas (pecuária), exploraram metais preciosos (atividade mineradora) e ao mesmo tempo, edificaram suas moradias. Desta condição, foram “edificados” alguns dos primeiros povoados, vilas, cidades, bairros e comunidades na história dos homens e dos espaços brasileiros, a exemplo da cidade de Mossoró, originada as margens do rio que lhe cedeu o nome. Entretanto, o que era uma imposição “natural”, uma condição do homem frente à natureza no passado, mesmo que recente e uma forma de sobrevivência, reveste-se atualmente com outra face. A condição do “morar nas águas” passou a ser sinônimo do mais claro processo de desigualdade socioespacial, da dinâmica mercantil que foi estabelecida acerca da moradia. O “morar nas águas” constitui-se atualmente em uma condição imposta pela lógica capitalista, na qual, sobrevivem sob tais condições, quem não têm como pagar por um espaço adequado, digno a vida humana, ou seja, os “moradores das águas” são indivíduos relegados pelo sistema, sujeitos que são “obrigados”, a partir de suas limitações econômicas, a habitarem espaços insalubres, sem arrimos urbanos, ou simplismente espaços segregados.

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Esta outra face do “morar nas águas” merece “mergulhos” mais profundos, estudos e análises que esclareçam as múltiplas facetas desta condição, pois, assim como o ciclo das águas, que não tem início nem fim, mas que apenas se renova constantemente, o processo de pensar a condição do “morar nas águas” não está esgotado.

REFERÊNCIAS ANDRADE, Manoel Correia de. A Produção do espaço norte-rio-grandense. Natal: UFRN, 1981. ______. A Terra e o homem no Nordeste. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2005. ______. O Território do sal: a exploração do sal marinho e a produção do espaço geográfico no Rio Grande do Norte. Natal: UFRN/CCHLA, 1995. BECKER, Bertha K; EGLER, Claúdio G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. BURNS, Edward McNall; LERNER, Robert E.; MEACHAM, Standish. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 38. ed. São Paulo: Globo, 1997. CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Cidade. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2001. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço urbano. 4. ed. São Paulo: Ática, 2002. FELIPE, José Lacerda Alves; CARVALHO, Edilson Alves. Atlas escolar do Rio Grande do Norte. João Pessoa: Grafset, 1999. MUMFORD, Lewis. A Cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1982. PINHEIRO, Karisa Lorena Carmo Barbosa. Processo de urbanização da cidade de Mossoró: histórico da expansão urbana da cidade de Mossoró desde de 1772 até os dias atuais. Natal: CEFET-RN, 2007. ROCHA, Aristotelina Pereira Barreto. Expansão urbana de Mossoró: período de 1980 a 2004. Natal: UFRN, 2005. RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2003. SILVA, Elmo Rodrigues da. O Curso da água na história: simbologia, moralidade e a gestão de recursos hídricos. 1998. 201 f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1998. SILVA, Raimundo Nonato da. Evolução urbanística de Mossoró. 2. ed. Mossoró-RN: Coleção Mossoroense, 1983. SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 2002. SPÓSITO, Maria Encarnação B. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 2000.

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TURISMO, PRODUÇÃO E CONSUMO DO ESPAÇO

TURISMO, PRODUÇÃO E CONSUMO DO ESPAÇO Carlos Rerisson Rocha da Costa4

INTRODUÇÃO

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evido a crescente importância do turismo e intensificação de seus impactos na produção do espaço, a Geografia tem se dedicado nos últimos anos ao estudo das dinâmicas associadas à inserção e ao desenvolvimento desta atividade nos mais diferentes lugares. O número crescente de eventos, trabalhos e artigos publicados dedicados à apreensão geográfica do turismo pode ser apontado como um importante indicador disso. O turismo traz consigo dinâmicas características da modernidade, embaladas na busca pelo novo, o que incide diretamente sobre a produção do espaço. Ao introduzir lugares nos moldes da competitividade mundial insere nesses espaços normas e objetos que alteram as relações sociais, engendra outras lógicas de produção do espaço. Um espaço agora produzido pelo e para o consumo. Espaço valorizado, não apenas por novos usos, mas por seu valor de troca. Esse espaço é cada vez mais um espaço abstrato, tendente a homogeneização dos lugares, reunindo-os como mercado ou como mercadorias. Compreender tal processo perpassa pelo entendimento do conceito de produção do espaço. Partindo desse conceito o espaço é produzido por (e produtor de) relações sociais. Assim, aquelas novas dinâmicas induzidas pelo turismo materializam-se no espaço e os novos espaços concebidos pelos planejadores da atividade, na sua arte de elaborar simulacros de paraísos padronizados, engendram novas relações sociais. Embora a partir da década de 1970 as preocupações sociais no seio da Geografia tenham se intensificado cada vez mais, como fruto do movimento de renovação arquitetado naquela década, o conceito de produção do espaço pouco tem sido discutido diretamente. Tangencia discussões, ilustra títulos de trabalhos, sem estar presente efetivamente uma compreensão ou precisão conceitual acerca do processo de produção do espaço agora entendido como espaço social. No intuito de contribuir com os estudos sobre o turismo, especialmente aqueles elaborados no seio da ciência geográfica, tendo como foco a produção e o consumo do espaço, iniciamos breve apresentação da teoria espacial de Henri Lefebvre, visando subsidiar uma compreensão do conceito de produção do espaço e, após esta aproximação teórica, situamos o turismo em tal processo. A partir daí apresentamos as dinâmicas que consubstanciam o processo de valorização do espaço, o que incide sobre novos usos, agora arregimentados pelo valor de troca.

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO: UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICA NECESSÁRIA

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e início, convém ressaltar que a relação “insinuada” no título deste texto entre turismo, produção e consumo do espaço tem como pressuposto que este é mais que uma superfície sobre a qual as coisas e objetos são alocados,

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Geógrafo, Mestre em Geografia (UECE) e Doutorando em Geografia Humana (USP). Professor Substituto do Departamento de Geografia – DGE/FAFIC/UERN.

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inofensivamente imutável ao longo do tempo. No prefácio da edição brasileira de espaço e política5 (LEFEBVRE, 2008) Margarida Andrade e Sérgio Martins apresentam que o espaço, a partir das concepções de Henri Lefebvre “nada tem de inocente e inofensivo” (LEFEBVRE, 2008, p. 8). Esse espaço não é visto como um passivo, mas como lugar da reprodução das relações de produção. São essas relações (sociais) de produção que dão sentido ao espaço; elas o produzem ao mesmo passo em que também são produzidas por este. Neste sentido, nega-se o espaço enquanto mero palco dos atos humanos, dado estático, receptáculo. Gottdiener (1997), em outros termos, explica que o espaço “[...] recria continuamente relações sociais ou ajuda a reproduzi-las” (p. 133). Para ele o espaço “[...] tem a propriedade de ser materializado por um processo social específico que reage a si mesmo e a esse processo” (p. 133). Nesse entendimento o espaço é então, ao mesmo tempo, “[...] objeto material ou produto, o meio de relações sociais, e o reprodutor de objetos materiais e relações sociais” (p. 133). É desse entendimento que dá ao espaço a dimensão de produto social que parte Lefebvre, refletindo sobre a produção do espaço a partir da reprodução das relações (sociais) de produção. É também nesse entendimento que se apóiam as ideias ora apresentadas. Lefebvre propôs a elaboração de uma teoria do espaço que visa alcançar um conhecimento do espaço, não somente das coisas no espaço6. O interesse é deslocado então das coisas no espaço para a própria produção do espaço, vinculando-a a reprodução das relações sociais de produção (LEFEBVRE, 2008; CARLOS, 1996). Evidentemente, o espaço não se coloca como um produto comum. Esse espaço, agora entendido como algo produzido, não se configura como “[...] objeto ou soma de objetos, coisa ou coleção de coisas, mercadoria ou conjunto de mercadorias” (LEFEBVRE, 2008, p. 48). O produto-espaço é um processo contínuo movido por relações sociais. "Não é passivo nem vazio, não tem a troca e o consumo como única finalidade e sentido, como se dá com outras mercadorias” (OSEKI, 1996, p. 111). Entendido como produto, destaca Oseki (1996, p. 111): [...] o espaço intervém na produção social (organização do trabalho, dos fluxos e estoques de matérias-primas e energias, das redes de distribuição dos produtos). O espaço, entretanto, também é produtor. [...] O produto torna-se produtivo, passando pela extrema abstração. Essa produção do espaço, portanto, dá-se cotidianamente, nas ações dos sujeitos sociais, dos mais hegemônicos aos hegemonizados (Grifo do autor).

Este entendimento tem nos trabalhos de Lefebvre (2000, 1991, 2008) e de autores como Gottdiener (1997), Smith (1988) Carlos (1994, 2007a, 2007b), Limonad (2003), Seabra (1996) e Martins (1996) um importante referencial. 5

A edição em português desta obra, publicada originalmente como “Le droit à La ville: suivi de Espace et politique” fora traduzida e prefaciada pela professora Maria de Andrade e pelo professor Sérgio Martins, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesta instituição, estes professores e outros pesquisadores do Núcleo de Geografia Urbana têm desenvolvido estudos a respeito da obra de Henri Lefebvre no âmbito do Grupo as (im)possibilidades do urbano na metrópole contemporânea. 6 Essa “teoria espacial” lefebvreana pode ser encontrada destacadamente em seu La Production de l’espace de 1974 (LEFEBVRE, 2000), embora seja o eixo de outras de suas obras, como O Direito à Cidade (1991) e Espaço e Política (2008).

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A produção do espaço, portanto, dá-se cotidianamente, nas ações dos sujeitos sociais, dos mais hegemônicos aos hegemonizados. Lefebvre destaca-se enquanto pensador marxista que se dedicou ao estudo da problemática do espaço. Sua vasta obra e sua releitura de categorias de análise marxistas fazem de sua trajetória uma verdadeira “aventura intelectual”, como bem destaca Martins (1996, p. 9). Reler criticamente Marx, além de lhe render conflitos no contexto do Partido Comunista Francês, o fez um inimigo dos vulgarizadores do marxismo. Martins (1996, p. 13) indica que Lefebvre dedicou-se a um “[...] retorno a Marx, o retorno à dialética”. Não apenas uma leitura, mas uma releitura, “[...] um retorno crítico [...] a um Marx datado, situado no tempo e na historia”. Para Soja (1993), a principal contribuição de Lefebvre vem de sua postura contrária ao reducionismo, sobretudo aquele de cunho geográfico, tão presente nos trabalhos baseados no marxismo tradicional. Lefebvre busca, segundo Soja, (1993, p. 63) "[...] dialeticamente, combinar as contradições relacionais do pensar e do ser, da consciência e da vida material, da superestrutura e da base econômica, da objetividade e da subjetividade". É nesse caminho que Lefebvre torna-se “[...] o mais importante teórico espacial do marxismo ocidental e o defensor mais vigoroso da reafirmação do espaço na teoria social crítica” (SOJA, 1993, p. 62). Aqui, quando se fala em produção do espaço tem-se em mente uma produção que não é restrita à fabricação das coisas, como habitualmente é pensada. Requer pensar a produção numa acepção mais ampliada, tomando como referência a “reprodução das relações de produção, e não a produção no sentido restrito dos economistas, isto é, o processo da produção das coisas e seu consumo” (LEFEBVRE, 2008, p. 22). Enquanto a sociedade se reproduz, produz o espaço. Nas palavras de Lefebvre (2008, p. 55): “[...] toda sociedade produz ‘seu’ espaço, ou, caso se prefira, toda sociedade produz ‘um’ espaço”. Cada sociedade, dependendo do modo de produção, engendrará seu espaço à sua maneira. Destarte, os interesses da acumulação capitalista produzem um espaço, agora fatiado e posto à venda, onde o uso é constantemente açambarcado pela troca. A partir disso, Lefebvre apresenta o espaço em três dimensões: o percebido, o concebido e o vivido. O espaço percebido é o espaço empírico, material, que remete a experiência direta, prático-sensível. O espaço concebido refere-se às representações do espaço, ao espaço planejado (da tecnocracia, dos urbanistas, por exemplo). É o espaço preparado e que no seio do modo de produção capitalista serve, na maioria das vezes, a acumulação. Para Souza (2009, p. 3) o espaço concebido é “[...] uma representação abstrata traduzida no capitalismo pelo pensamento hierarquizado, imóvel, distante do real”. Esta representação do espaço é fruto de um saber técnico – mas que nem por isso é menos ideológico – e que privilegia “[...] a ideia de produto devido à supremacia do valor de troca na racionalidade geral.” Por sua vez, o espaço vivido é o espaço da prática cotidiana, espaço das diferenças e das possibilidades. Enquanto experiência cotidiana, o espaço vivido vincula-se “[...] ao espaço das representações através da insurreição de usos contextuais, tornando-se um resíduo de clandestinidade da obra e do irracional” (SOUZA, 2009, p. 03). No

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cotidiano é travado um constante embate entre o concebido e o vivido, entre as representações do espaço e os espaços de representação. É importante salientar que estas três dimensões não são dados isolados, mundos separados. Maia (2008, p. 1232) destaca que a força da análise a partir das contribuições teóricas de Lefebvre vem justamente do fato deste autor “[...] negar o privilégio particular de uma das partes sobre a outra”. A produção do espaço não se dá apenas no econômico, no material, como acumulo de objetos. Ela se processa na relação indissociável entre essas três dimensões apresentadas. Destarte, não se trata de distribuir sobre o espaço as atividades e a vida de modo geral, como peças num tabuleiro. O “tabuleiro” é aqui produto do próprio movimentar das peças, evidentemente regido sob as normas de quem as move.

A ATIVIDADE TURÍSTICA E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO

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relação entre turismo e produção do espaço tem se manifestado cada vez mais intensamente, visto que esta atividade vem ganhando maior força nos últimos anos. Além dos incentivos dados a partir das políticas públicas voltadas ao setor, a aplicação do capital de grandes grupos de empresários, com forte presença de grupos internacionais, vem mantendo crescente a participação do turismo na economia capitalista. Andrade (2004, p. 12) expõe que qualquer análise a respeito do turismo deve ter como pressuposto que “[...] o homem, o espaço e o tempo constituem os três pré-requisitos para qualquer reflexão equilibrada a respeito do fenômeno”. Partindo dessa “base” para a reflexão acerca do fenômeno turístico, pensar a produção e o consumo do espaço nos moldes apresentados até aqui, refletindo-se acerca da inserção e do desenvolvimento da atividade turística nas mais variadas partes do território, coloca-se como procedimento cabível e promissor de reflexões importantes para a compreensão de processos que têm se manifestado nos lugares. Concordando-se com Coriolano (1998, p. 22), compreende-se aqui que o turismo “[...] é, antes de tudo, uma experiência geográfica”. Esta atividade coloca-se dessa maneira ao “[...] representar uma relação direta entre o homem e os espaços” (p. 22). Tal relação se dá na medida em que o turismo passa a figurar como importante prática social que “[...] envolve o deslocamento de pessoas pelo território e que tem no espaço geográfico seu principal objeto de consumo” (CRUZ, 2003, p. 5). Assim, a atividade se reproduz como prática socioespacial, como aponta Castilho (1999), redefinindo-se segundo os interesses dominantes na sociedade. Essa participação do turismo na produção do espaço se dá mediante o consumo do espaço, daquilo que passa a ser denominado de atrativo turístico. Estes atrativos podem ser das mais variadas ordens (naturais, arquitetônicos, religiosos, etc.). Entretanto, o que é considerado atrativo hoje pelo turismo, não era no passado e talvez não seja no futuro (CRUZ, 2003). E a cultura mostra-se aqui como tendo papel substancial para a “invenção” de lugares e paisagens turísticas. Harvey (2001, p. 148) destaca que a flexibilização da acumulação foi desenvolvida “[...] na ponta do consumo”, e por isso passou-se a dar “[...] uma atenção muito maior às modas fugazes” (p. 148), mobilizando “[...] todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso implica” (p. 148). Associado a isso está a “mercadificação de formas culturais”, a supervalorização dos espetáculos e eventos. Harvey (2005, p. 221) enfatiza que “[...] a cultura se

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transformou em algum gênero de mercadoria.” Para ele, “algo muito especial envolve os produtos culturais”, e por isso é necessário colocá-los “à parte das mercadorias normais, como camisas e sapatos” (p. 221). Yúdice (2004) demonstra que o papel da cultura foi expandido para as esferas política e econômica, ao passo que as noções convencionais de cultura esvaziaram-se. Isto devido ao fato de a cultura estar sendo cada vez mais dirigida como um recurso para a melhoria sociopolítica e econômica, ganhando legitimidade, deslocando ou absorvendo outros conceitos a ela conferidos. Essa apropriação da cultura enquanto recurso, enquanto “nova ferramenta” de desenvolvimento social, político e econômico gerou aquilo que Yúdice chama de “economia cultural”. Para ele, a economia foi culturalizada, não sendo esse processo algo natural, mas sim, cuidadosamente construído e coordenado por acordos comerciais e de propriedade intelectual. Nesse processo, a culturalização da “nova economia”, baseada no trabalho cultural e mental (na expropriação do valor da cultura e do trabalho intelectual), tornou-se auxiliada pelas novas tecnologias da informação, a base de uma nova divisão de trabalho. O turismo não se encontra alheio a esses mecanismos. Auxiliado pelo marketing e pelo planejamento estratégico, apropria-se ou evidencia culturas para a sua realização, internalizando inclusive resistências, tidas antes como externalidades negativas. Nessa complexidade, característica do atual momento histórico, o turismo realiza-se como prática social, como parte da reprodução ampliada do capital, como elemento de produção e consumo do espaço. Tem representado de forma substancial o movimento em busca do novo característico da modernidade (mesmo que o novo esteja na “volta ao antigo”), na constante procura por novos lugares e culturas a consumir. Destaca-se na economia capitalista por vir proporcionando resultados econômicos atrativos, somados, é claro, a processos desenvolvidos a partir de sua inserção nos espaços em que se realiza, como alterações em dinâmicas socioculturais, na produção do espaço e nos significados de lugares e paisagens. Em seu desenvolvimento, o turismo tem mobilizado diversos agentes produtores do espaço, como o Estado e as empresas, por exemplo. Por ter importantes resultados econômicos, tem movido ações grandiosas no sentido de dotação de condições favoráveis à sua prática, apropriando-se de esforços dos poderes públicos para isso. Configura-se assim, de acordo com Rodrigues (2001, p. 30), como uma: [...] nova investida do capitalismo hegemônico que deixara extensas áreas de reserva de valor, que agora são chamadas para desempenhar o seu papel, contando com volumosos recursos públicos e privados e apoiado por agressivas campanhas de marketing e de publicidade [...]. Cria-se a fábrica, cria-se a metrópole, cria-se o estresse urbano, cria-se a necessidade do retorno à natureza. Onde não há natureza, ela é fabricada.

São concebidos então espaços que figuram como simulacros de uma realidade a ser consumida. Rodrigues (2006, p. 23) ressalta que “[...] ao observador desavisado ou mesmo aos habitantes da cidade, frequentadores ou não destes espaços, passa despercebido o aspecto político que permeia a implantação de um equipamento público e a sua situação geográfica.”

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Esses aspectos implícitos na dotação de condições favoráveis a prática do turismo são imbuídos das mesmas contradições inerentes ao modo de produção capitalista. Isto por que a produção do espaço a partir do turismo se dá na velocidade das mudanças da dinâmica atual do capital. Moesch (2000, p. 9) afirma que “[...] o turismo nasceu e se desenvolveu com o capitalismo. A cada avanço capitalista, há um avanço do turismo”. Nesse mesmo sistema capitalista, o espaço é produzido de acordo com a funcionalidade de mercado, com a localização ou disponibilidade dos meios de produção. Conforme Garcia (2007, p. 123), a atividade turística “[...] se aperfeiçoou e está investida das estratégias de mercado para auferir lucros maiores, para atender a exigente demanda, num mercado segmentado e estratificado”. Na sociedade do lucro, da corrida incessante pelo progresso, a economia é uma das principais direcionadoras das ações dos homens, logo, tem papel destacado na produção do espaço. O turismo, como importante segmento da economia, ao introduzir lugares nos moldes da competitividade mundial engendra outras lógicas de produção do espaço, alterando-o em todas suas dimensões. No Brasil, esse processo tem se dado numa velocidade e intensidade crescente e frenética, sobretudo nos espaços litorâneos. A apropriação de parcelas desse espaço para a dotação de infraestrutura necessária ao desenvolvimento da atividade turística tem inserido diferenciadas ordens lógicas de uso, incidindo diretamente sobre as práticas anteriormente estabelecidas. Neste cerne, há uma constante transformação do espaço em mercadoria que, como aponta Carlos (1999, p. 186), [...] impõe ao uso a existência da propriedade privada das parcelas do espaço. Assim, o processo de reprodução do espaço aponta para a tendência da troca sobre os modos de uso, o que revela o movimento do espaço de consumo para o consumo do espaço.

No espaço engendrado pelo capitalismo, espaço abstrato, o valor de troca – “[...] impresso no espaço-mercadoria – se impõe ao uso do espaço na medida em que os modos de apropriação passam a ser determinados, cada vez mais, pelo mercado” (CARLOS, 1999, p. 175). É esse movimento que vai do uso à troca, materializado pela crescente fragmentação do espaço para venda no mercado (de terras, turístico, de simulacros de realidades paradisíacas) que leva ao consumo do espaço. O turismo figura como prática intimamente ligada ao consumo do espaço. À medida que esta atividade e as demais atividades ligadas ao lazer consomem paisagens e lugares, estas têm o próprio espaço como elemento de consumo direto. Lefebvre (1977, p. 247) destaca que os espaços de lazer “constituem objeto de especulações gigantescas, mal controladas e frequentemente auxiliadas pelo Estado (construtor de estradas e comunicações, aval direto ou indireto das operações financeiras, etc.)”. Assim, acentuam a valoração e a valorização do espaço. Moraes (2007, p. 23) esclarece distinção entre esses dois conceitos e assere que “[...] a valoração é o ato de atribuição de valor, isto é, de mensuração qualitativa ou quantitativa de um bem ou conjunto de bens”. Ela resulta, portanto, em representação (um constructo, nas palavras de Moraes) que se fundamenta em equivalências e padrões gerados a partir da realidade ao serem apropriados intelectualmente (imaterialmente). Nesse sentido, “[...] o ato de valorar inscreve-se no universo das práticas discursivas, portando suas formas de expressão e legitimação próprias [...]”. O

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estabelecimento do preço enquanto unidade capaz de produzir equivalências aparece como boa exemplificação do ato de valorar (MORAES, 2007, p. 23). Por seu turno, valorizar “[...] significa a realização (objetivação) do valor, sua apropriação material. É o ato de transformar materiais da natureza em valores de uso, dando-lhes uma utilidade para a vida humana” (MORAES, 2007, p. 23). Assim, a valorização figura como um resultado do trabalho, “ao transformar recursos naturais em produtos e ao materializar-se em objetos criados”. A valorização é ação com fim previamente estabelecido. Nas palavras de Moraes: “[...] o processo de valorização implica no estabelecimento de fins e na avaliação de alternativas e meios, logo tem a valoração como um de seus momentos constitutivos” (MORAES, 2007, p. 23). Partindo desse pressuposto, a atribuição de um preço à terra é apenas parte do processo de valorização dos espaços. Como bem destaca Moraes (2007, p. 25-26): “[...] o preço da terra não traduz o valor total de um lugar, mas fornece uma indicação precisa dos vetores que comandam o uso do solo e seu ritmo de ocupação”. Assim, o preço da terra acaba por figurar como “[...] a expressão de um dos agentes estruturantes do ordenamento espacial de maior poder na atualidade: o mercado” (MORAES, 2007, p. 23). A valorização do espaço, portanto, é um processo mais amplo que a simples atribuição de preço, mas sim a construção do valor total deste, conforme suas utilidades, formas de uso, estas construídas e desenvolvidas a partir de ações teleológicas. Como colocam Dantas; Panizza; Pereira (2008, p. 1): “A valorização, como produção social, não se define apenas pela criação de valor caracterizada pelas teorias econômicas”. Essa valorização é processada a partir de diversos aspectos “simbólicos, culturais, tecnológicos e ambientais” (p. 1). Estes mesmos autores indicam que a valorização e a re-significação são auxiliadas pelos meios de comunicação de massa7 que “constroem imagens, caracterizando as zonas de praia como paraísos terrestres” (DANTAS; PANIZZA; PEREIRA, 2008, p. 1). E o Estado assume papel crucial em tal processo. O Estado induz relações sociais de produção imbuídas das mesmas contradições inerentes ao modo de produção o qual representa, consequentemente, produz um espaço favorável à reprodução de tal modo de produção e também contraditório e desigual. Diz Lefebvre (2008, p. 57) que “[...] as contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático e social e, especificamente, do conteúdo capitalista” (Grifos do autor). Esse espaço contraditório da sociedade capitalista, diz ele, “[...] pretende-se racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas” (p. 57). Assim, o Estado legitima e induz determinadas formas de reprodução social e consequentemente de produção do espaço. Nas palavras de Todesco (2010, p. 4) é o Estado “[...] em última instância, quem legitima as formas de uso do território, sendo sua ação e ‘não-ação’ contundentes nesse processo, que é social e histórico”. Ação e “não-ação” do Estado entram como indutoras de processos desencadeados a partir de sua participação direta, por meio das políticas públicas (neste caso, de turismo), e/ou

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Para uma melhor compreensão sobre o papel dos meios de comunicação especificamente na atividade turística, conferir Nielsen (2002), principalmente as partes I e II.

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pelas dinâmicas desencadeadas a partir disso, reproduzidas pelos conflitos de agentes hegemônicos e grupos sociais não hegemônicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A

compreensão da produção e do consumo do espaço a partir do turismo pode subsidiar os habitantes dos lugares onde tal atividade se instalou ou pretende se instalar a arquitetar um espaço onde o uso prevaleça (Espaço diferencial, nos termos de Lefebvre). Um espaço que se oponha ao espaço abstrato do Estado e do capital, que não tenda à homogeneidade e à eliminação de diferenças ou particularidades existentes nos mais diversos lugares. Tal intento tem importância para as comunidades onde esta atividade já se instalou e se desenvolve, por possibilitar o entendimento do papel e do poder do conflito entre o vivido e o concebido na produção do espaço; mas também nos espaços onde tal processo ainda se dá de maneira mais lenta ou mesmo naqueles que se encontram na condição de espaços de reserva, figurando como instrumento capaz de auxiliar na construção de resistências. Cabe ressaltar que o âmago dessas dinâmicas não está associado apenas ao turismo. As relações sociais mediadas pelo trabalho organizado sob as leis do modo de produção capitalista produzem esses espaço para consumo também na agricultura (agora assentada sob bases técnicas e científicas), na indústria, no mercado de cidades, na guerra dos lugares, embora o turismo destaque-se face a suas características de reprodução e seus impactos. Essa participação crescente do turismo na produção do espaço ainda suscitará muito debate na Geografia. Antes de defender a atividade como salvadora dos lugares ou denunciá-la como destruidora da natureza, culturas e tradições, a realização de análises centradas na produção do espaço pode conferir um importante caminho para uma interpretação consistente dos processos desencadeados a partir do desenvolvimento desta atividade. A apreensão geográfica do turismo (ou como se convencionou chamar, a Geografia do Turismo) requer, cada vez mais, um escopo teórico que dê subsídios às análises desenvolvidas. Muitas produções já iniciaram essa construção, embora sejam escassos os trabalhos dedicados à análise do turismo na produção do espaço, nos termos aqui expostos. Muitas vezes, a produção do espaço está presente somente nos títulos dos artigos e trabalhos, mas notoriamente sem uma compreensão mais aprofundada do referencial que dá base a essa discussão, já posta e extremamente necessária. Acreditamos contribuir nesse caminho, sem a pretensão de esgotar tais reflexões, sugerindo sim o contrário disso, provocar e incitar o debate aqui proposto, colaborando com pesquisas vindouras.

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CIDADE E CAMPO, URBANO E RURAL E SUAS RELAÇÕES: PERSPECTIVAS TEÓRICAS

CIDADE E CAMPO, URBANO E RURAL E SUAS RELAÇÕES: PERSPECTIVAS TEÓRICAS Rita de Cássia da Conceição Gomes8 Rosa Maria Rodrigues Lopes9

INTRODUÇÃO

O

texto que se apresenta busca resgatar o entendimento referente às relações cidade-campo e urbano-rurais como perspectivas teóricas que necessitam ser evidenciadas nos estudos geográficos acerca da composição espacial e dinâmica territorial desses espaços. Trata-se, portanto, de uma breve exposição de encaminhamentos teóricos que têm se constituído campo de discussão não somente no âmbito da ciência geográfica, mas também, de outras ciências como a sociologia, com especial destaque para a linha de abordagem da sociologia rural. A discussão está dividida em dois momentos. O primeiro momento resgata o entendimento teórico inicial dado aos termos cidade e campo; urbano e rural, o que justifica os aspectos contraditórios que comumente são dados aos termos como categorias de análise. Buscamos ainda, realçar as relações funcionais estabelecidas entre esses espaços, levando em consideração que tais relações acabam por contribuir para o entendimento de suas complementaridades e justaposições. No segundo momento, procuramos expor algumas concepções teóricas que compõem os estudos recentes sobre o rural e sua relação com o urbano. Nessa perspectiva, é relevante destacar as contribuições e limitações de ordem metodológica que assinalam esses estudos mais recentes. Como categorias de análise, o texto propõe uma abordagem relacional, complementar, dinâmica e complexa que suscita a realidade presente, marcada, em grande monta, pelo processo de expansão do capital. Nesse sentido, é importante frisar que qualquer abordagem urbana e/ou rural, que se pretenda completa, necessita considerar essas relações.

O ENTENDIMENTO ORIGINAL DOS TERMOS COMO PONTO DE PARTIDA

I

nicialmente, cabe trazermos uma discussão que tem como elementos basilares a cidade e o campo. Delimitamos esses elementos como instâncias espaciais separadas que se unem nas relações urbano-rurais. Do ponto de vista original, essas categorias espaciais foram construídas separadamente no âmbito da história da divisão do trabalho, onde a cidade detinha o trabalho intelectual com as funções política, militar e de construção do conhecimento, e o campo era responsável pelo trabalho material. 8

Doutora em geografia; professora do Departamento de Geografia e do Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; pesquisadora 2 do CNPq; coordenadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Urbanos e Regionais. 9 Mestre em geografia; professora do Departamento de Turismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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Nesse ínterim, consideramos relevante apontar para o fato de que mesmo com o surgimento da cidade como resposta à divisão social do trabalho, a sociedade urbana somente ganhou realce com a industrialização e o movimento de urbanização verificado muito tempo depois do surgimento das cidades da Antiguidade. Isso posto, avançando na análise, o autor vai mostrar que a sociedade urbana tal como conhecemos é resultado do duplo processo de industrialização e de urbanização que teve início na Europa, por exemplo, a partir do século XVI. Esse momento é visto como o ponto crítico das relações sociais no espaço urbano, pois elas se difundem, explodindo território afora, abarcando áreas rurais, como condição, meio e produto do processo de reprodução do capital e dos conflitos dessa reprodução e das necessidades da sociedade como um todo, tudo isso, dando maior complexidade à realidade urbana. A cidade, nessa análise, estaria relacionada à morfologia material, a um sentido prático-sensível, arquitetônico; e o urbano a uma morfologia social, uma realidade composta de relações particulares, mas interdependentes, em movimento, em constante transformação. Um ponto que merece ênfase nessa discussão teórica está na grande importância atribuída ao processo de urbanização da sociedade, fato que nos incita a fazer uma exposição das diferentes vertentes de tratamento sobre o assunto, que se apoiam na cidade, no urbano como ponto de referência. Ao fazer uma análise da questão cidadecampo, Sposito (2006), mostra que essa discussão tem se dado por várias vertentes que consideram a cidade como ponto de partida. Essas abordagens estão apoiadas em atributos como a concentração demográfica, a diferenciação social, a unidade espacial e as descontinuidades territoriais. Considerando a relação cidade-campo a partir da concentração demográfica, Sposito (2006) vai apontá-la como o atributo mais usual na classificação da cidade, mostrando que a partir dessa classificação a cidade é entendida como concentração de pessoas, enquanto o campo se contrapõe à cidade com a característica da dispersão populacional. A diferença entre esses espaços se dá, então, como responsável pela definição e distinção de ambos. Na perspectiva da cidade enquanto espaço de concentração leva-se em consideração, também, o adensamento de obras, objetos, infraestruturas, ideias, valores, possibilidades etc. Do ponto de vista da diferenciação social, temos, segundo a autora, uma caracterização fruto da divisão social do trabalho que colocou em âmbitos diferentes e em contraposição esses espaços, desempenhando papéis díspares no contexto “[...] das sociedades, das relações entre as sociedades, e os espaços apropriados e transformados por elas.” (SPOSITO, 2006, p. 115). Como nessa vertente de análise, a diferenciação é atributo tanto da cidade quanto do campo, do ponto de vista analítico, a oposição pode ser entendida a partir do enfoque na relação de complementaridade entre cidade e campo. A esse respeito Sposito (2006, p. 116) salienta: “Não há diferenciação social sem divisão social e territorial do trabalho e a divisão territorial do trabalho mais elementar é a que se estabelece entre a cidade e o campo. Na divisão do trabalho há divisão, separação, mas há também complementaridade.” Tomando como pressuposto a concentração inerente à cidade, atributo exposto anteriormente, e a sua relação com a diferenciação social, a autora enfatiza que fica clarividente a relevância da diferenciação social para se compreender as cidades, tendo em vista que é nelas onde os conflitos de diferenciação emergem, onde as contradições de uma sociedade de classes se expressam, pois a concentração gera proximidade e ressalta as diferenças.

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Na análise da unidade espacial cidade-campo, Sposito (2006) diz que esse atributo vem também sendo utilizado em sua associação com os espaços urbanos desde a Antiguidade, onde, em termos territoriais, a cidade se materializava separadamente do campo. Tal morfologia era demarcada por muros ou muralhas que separavam esses territórios e, também, pelas funções comerciais, políticas e militares; pelas representações artísticas; pela baixa mobilidade espacial que dava à cidade, um caráter de densidade, de compactação. Contudo, a unidade/homogeneidade direcionada à cidade era incompleta em razão das descontinuidades representadas pelos subúrbios urbanos. Desse modo, ainda na visão de Sposito, [...] apesar da tendência histórica da cidade de estender seus domínios sobre as áreas de seu entorno, sua morfologia era mais integrada, sua fisionomia urbana mais definida e distinta dos campos que a circundavam o que respondia por uma unidade espacial da cidade que se estabelecia, no plano objetivo e no plano subjetivo, e que resultava de sua contraposição ao campo (2006, p. 120-121).

A unidade espacial estaria, pois, reservada a uma análise restrita a uma morfologia, a um espaço delimitado, diferenciado que atende uma visão contraditória entre cidade e campo. Contemporaneamente, a autora afirma que a discussão cidade-campo ganha relevo se analisada do ponto de vista das descontinuidades territoriais, mostrando que a área de transição entre cidade e campo tem se ampliado, evidenciando um nível maior de incongruências e dificultando, por conseguinte, a diferenciação entre espaços urbanos e espaços rurais. Por essa vertente, essas formas espaciais são analisadas em superposição, constituindo um contínuo, cidade-campo. São, portanto, áreas de transição e contato entre esses espaços que se caracterizam por uma complementaridade entre ambos no mesmo território ou em “micro parcelas territoriais justapostas e sobrepostas, de usos do solo, de práticas socioespaciais e de interesses políticos associados ao mundo rural e ao mundo urbano.” (SPOSITO, 2006. p. 121). Esse é o sentido que procuramos resgatar nessa discussão, tendo em vista que as descontinuidades territoriais nos permitem abordar as categorias cidade-campo, urbano-rural no campo das relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas entre ambos. Segundo essa lógica, no decorrer do processo de urbanização, a unidade espacial urbana se refez em sua relação com o rural como resultado e condição das formas de produção territorial da cidade, no contexto do modo capitalista de produção, o que acabou por deixar imprecisos os limites entre esses dois espaços. Essa imprecisão cria, então, condições favoráveis a se pensar numa nova unidade espacial que contém, contraditoriamente, os dois espaços – o urbano e o rural – superpostos, amalgamados e intrinsecamente relacionados, razão pela qual são agora espaços urbanos/rurais (SPOSITO, 2006, p. 122. Grifos nossos).

A imprecisão acontece, por exemplo, quando há uma expansão territorial urbana por intermédio de loteamentos e implantação de equipamentos industriais, comerciais e de serviços. Entretanto, essa superposição se dá, também, para além do plano material, a partir da articulação entre esses espaços acontecendo pelo viés da expansão dos meios de comunicação que superam as morfologias cidade-campo em sua contradição. A temporalidade é outro aspecto que aproxima cidade e campo em razão da maior mobilidade dada entre esses espaços, estreitando relações sociais e culturais e ampliando a superposição entre eles.

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Entendendo esses espaços a partir das descontinuidades territoriais, estaremos analisando-os do ponto de vista de um processo, de um movimento, de uma dinâmica que reveste a análise de uma complexidade. Assim, a abordagem não se constrói de forma estanque e sim de forma fluida escapando o limite espacial e apresentando uma sobreposição, um enlace espacial entre o urbano e o rural. Em relação ao urbano, cabe pensá-lo, também, como um modo de viver da sociedade que, em consórcio com a ideia de sobreposição acima citada, supera os limites da cidade e atinge o campo. Assim, no que pese as discussões acerca da definição de cidade, o urbano o extrapola, tornando a tarefa de conceituação dupla, sendo preciso pensar na cidade e no urbano, como salienta Endlich (2006) ao estudar as perceptivas sobre o urbano e o rural e, ainda, de acordo com o pensamento de Lefebvre anteriormente exposto. Esse modo de vida urbano se estende, geograficamente, por força da reprodução do capital, abraçando espaços de acordo com os interesses presentes na cidade. Contudo, Endlich (2006) salienta que ilhas de ruralidades persistem, revelando o caráter contraditório da urbanização. Assim, a noção de urbano extrapola a cidade e se revela na relação cidade-campo como entreposto.

OS ESTUDOS RECENTES

N

o tocante à ruralidade, destacamos os estudos efetuados por Abramovay. Na busca de uma definição, esse autor faz a seguinte afirmação: A ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a ser superada com o avanço do progresso e da urbanização. Ela é e será cada vez mais um valor para as sociedades contemporâneas. A importância entre nós da agricultura não deve impedir uma definição territorial do desenvolvimento e do meio rural. Esta definição não é útil apenas para as áreas mais desenvolvidas do país, ela pode revelar dimensões inéditas das relações cidade-campo e sobretudo mostrar dinâmicas regionais em que as pequenas aglomerações urbanas dependem de seu entorno disperso para estabelecer contatos com a economia nacional e global, seja por meio da agricultura, seja por outras atividades (2000, p. 25-26).

É nesse ponto de mediação que pretendemos nos colocar, não considerando as especificidades, as diferenças entre cidade e campo, mas sim os considerando do ponto de vista de suas relações urbano-rurais que são dinâmicas, são fluidas, são interdependentes. Superando essa visão contraditória, dicotômica, e considerando a relação cidadecampo, ao longo do tempo essa relação se transformou, ficou mais sutil. A cidade em expansão dissolve o campo e a vida urbana penetra na vida camponesa despojando-a de elementos tradicionais, mas não destruindo-a por completo, pois o campo tem suas resistências, alinha-se com a cidade, porém resistindo-a em alguns momentos. A respeito do avanço da urbanização sobre o espaço rural. Nesse sentido, o campo parece se dissolver no seio da expansão urbana, contudo, tal visão é somente aparente, pois o campo, o modo de vida rural, persiste/resiste e, também, se refaz nessa relação com o urbano. No Brasil, alguns estudos, como veremos adiante, vão inclusive apontar para as permanências rurais, as representações rurais frente ao processo de urbanização da sociedade. Em sua dissertação que procura desmistificar o fim do rural, Blume (2004) destaca três abordagens importantes nas discussões acerca das relações rural-urbanas. A primeira delas corresponde à abordagem do novo rural brasileiro que se refere às contribuições

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dadas por estudos que têm no Professor José Graziano da Silva a sua referência; a segunda, trata o rural como uma categoria social realizada e que faz parte das discussões promovidas por estudiosos como Maria José Carneiro e Maria de Nazareth Baudel Wanderley; e a terceira abordagem, mais recentemente desenvolvida, relaciona-se ao enfoque territorial que tem sido bastante trabalhado pelo sociólogo José Eli da Veiga. As três abordagens apresentam um ponto de conexão: reconhecem as novas dinâmicas nos espaços rurais e suas relações com os espaços urbanos. Todas estão direcionadas para a emergência de uma nova configuração no meio rural que vem se processando no Brasil, algumas vezes de forma intensiva e outras, de forma bastante incipiente. O fato é que mudanças substanciais estão ocorrendo nessa área e o que diferencia as abordagens está nas diferentes interpretações extraídas desse processo de transformação. José Graziano da Silva, coordenador de um importante projeto chamado de Rurbano, vem desenvolvendo seus estudos em consórcio com muitas outras instituições em todo o Brasil, a respeito dessas novas dinâmicas no meio rural brasileiro. Com uma vasta produção acadêmica que tem como temática norteadora “O novo rural brasileiro”, e com base em dados estatísticos retirados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), o autor derruba alguns mitos que faziam parte do senso comum, como: rural sinônimo de atrasado e; caracterizado pelas atividades agrícolas. E constata, ainda, a emergência de uma nova dinâmica, proporcionada por novas atividades agrícolas e não-agrícolas no meio rural enquanto resultado do processo de industrialização da agricultura e do transbordamento dos espaços urbanos, uma extensão do mundo urbano no mundo rural, levando, consequentemente, a uma urbanização destes espaços. A industrialização e o transbordamento do mundo urbano no mundo rural são, portanto, na visão de Graziano da Silva, os dois pilares que nos permitem falar em urbanização do campo, em integração, em interdependência econômica urbano-rural. Em seus estudos, o autor, procurou evidenciar em que termos o rural brasileiro vem mudando em relação à organização de suas atividades econômicas o que explicita a importância crescente de atividades não-agrícolas em detrimento das atividades agrícolas. No tocante às formas de ocupação no meio rural, o autor destaca que essas ocupações não-agrícolas (Orna’s) têm apresentado uma crescente participação ao passo que as atividades agrícolas tradicionais têm perdido importância. Essas têm aparecido como uma forma de subsistência para algumas famílias, mas, no entanto, consorciada com outras atividades não-agrícolas ou até mesmo novas atividades agrícolas, é a chamada pluriatividade. Com o intuito de fundamentar essas informações, o grupo de estudos sobre o novo rural, recorreu aos dados das PNAD’s que revelaram rendas não-agrícolas ultrapassando o montante de rendas agrícolas em 1998, o que significa que as atividades agropecuárias não são mais responsáveis pela maior parcela de renda da população rural, abrindo espaço para outras atividades. Porém, é importante frisar que dentre essas atividades não-agrícolas, as transferências da Previdência Social ocupa um lugar de relevo no total da renda familiar. A renda familiar depende fortemente dos trabalhos de conta-própria agrícolas, das transferências de renda na forma de aposentadorias e pensões que chega a representar entre um quarto e um terço da renda familiar; já entre as pluriativas, essa proporção é bem menor, situando-se na faixa dos 10% a 15% entre as famílias que possuem menores áreas (SILVA; GROSSI; CAMPANHOLA, 2002).

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Dentre as diversas ocupações constatadas pelos estudos no meio rural, vale destacar, também, as novas atividades agrícolas como, por exemplo: criação de plantas e animais exóticos; e as atividades não-agrícolas como, por exemplo: empregos em condomínios rurais de alto padrão e em loteamentos clandestinos, o turismo, o agrobusiness, etc. (SILVA, 2001). A corrente do novo rural brasileiro traz considerações bastante importantes para o debate sobre as mudanças que vêm ocorrendo nos espaços rurais brasileiros. Essa abordagem entra em cena, refutando ideias de atraso enraizadas no imaginário da população acerca desses espaços; contribuindo de forma substancial para um necessário debate sobre as relações rural-urbanas; aponta para alguns importantes encaminhamentos relacionados às políticas públicas rurais; e encaminha uma discussão do ponto de vista metodológico para a análise de um novo rural. Contudo, os estudos dessa corrente se assentam em um fator setorial que por si só não abrange a complexidade de relações que caracterizam o rural brasileiro. Nesse sentido, chamamos atenção para outros enfoques que complementam a dinâmica socioeconômica que tem se constituído na linha condutora dessa abordagem do Rurbano. No momento que considera o rural como um espaço de múltiplas dimensões, essa corrente enfatiza as atividades produtivas e suas influências na organização social local, mas negligencia aspectos inerentes ao rural, que os diferencia dos espaços urbanos. A contribuição de Rua (2006) encaminha para essas outras questões de natureza mais subjetiva. Nesse sentido, a relação urbano-rural encontra-se baseada na ideia de “urbanidades no rural”, como uma expressão dessa interação, dessa relação que dá outro significado ao rural, ressignifica-o. A ressignificação do rural, através da [ideia] de ‘urbanidades no rural’ inclui uma série de representações que re-apresentam este espaço como um ‘outro rural’. Este, concebido, primordialmente, na cidade, como uma nova mercadoria, comporta a face ‘natural’ da natureza e porta uma virtualidade, que se torna real. Virtual e real se confundem nas recriações que as novas representações do rural carregam (2006, p. 95).

Contudo, o autor enfatiza que essa ressignificação não resulta somente de criações urbanas, mas também, de interpretações particulares dos habitantes rurais que dá um caráter híbrido ao território e às identidades baseadas em “[...] componentes ‘rurais e urbanos’, usados, estrategicamente, como discursos e reivindicações predominantes, de acordo com o momento vivido pelos agentes sociais locais [...]” (RUA, 2006, p. 95). Considerando a identidade rural, outros estudos brasileiros surgiram, também, no encaminhamento de considerações acerca de novas relações rural-urbanas, entretanto, com um enfoque direcionado para as representações sociais próprias dos espaços rurais. A autora Maria de Nazareth Baudel Wanderley é uma representante dessa vertente de pensamento, que ressalta uma permanência do rural nas sociedades modernas como espaço específico e diferenciado. Assim, em sua concepção, essa categoria é tida como um pólo extremo ao pólo urbano, e esses pólos, apesar de extremos, se complementam. Apesar de campo e cidade apresentarem semelhanças, as relações rural-urbanas não destroem as especificidades gestadas originalmente em cada um desses espaços, o que nega veementemente uma possível homogeneização socioespacial. Ao realizar um estudo sobre a ruralidade no Brasil moderno, Wanderley (1996, p. 33) salienta: A afirmação da permanência do rural, enquanto espaço integrado, porém específico e diferenciado, é reforçada quando se leva em conta as representações sociais a respeito do meio rural. Considero

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particularmente fértil, nesta reflexão, a [ideia] de que, mesmo quando se atinge uma certa homogeneidade, no que se refere aos modos de vida e à chamada ‘paridade social’, as representações sociais dos espaços rurais e urbanos reiteram diferenças significativas, que tem repercussão direta sobre as identidades, os direitos e as posições sociais de indivíduos e grupos, tanto no campo quanto na cidade. O que parece mais importante a registrar é que estas diferenças se dão não mais ao nível do acesso aos bens materiais e sociais, que seriam, então, de uma certa forma, similarmente distribuídos entre os habitantes do campo ou da cidade, nem mesmo no que se refere ao modo de vida de uns e de outros. As diferenças vão se manifestar no plano das ‘identificações e das reivindicações na vida cotidiana’, de forma que o “rural” se torna um ‘ator coletivo’, constituído a partir de uma referência espacial e “inserido num campo ampliado de trocas sociais.

Partindo dessas considerações, a autora afirma a necessidade de um recorte campocidade que tem como objetivo a possibilidade de um melhor entendimento das diferenças espaciais e sociais nas sociedades modernas. Essa é, portanto, uma abordagem que se contrapõem à supracitada, tendo em vista, que defende a permanência e a afirmação do rural, por meio das representações sociais, frente aos processos que nesse espaço vêm ocorrendo. Estudando a ruralidade como um modo de vida nos Assentamentos Pitanga I e II, localizados nos municípios de Abreu e Lima e Igarassu, na Região Metropolitana de Recife (RMR), a autora constata por meio de entrevistas, o ponto que certamente norteia seu pensamento, a ideia de que a sociabilidade fundamenta as relações familiares dando ao espaço rural uma característica singular que retrata um modo de vida coeso. Assim, sua contribuição ultrapassa a dimensão econômica e dar relevo à dimensão social e cultural quando faz uma leitura subjetiva do modo de vida, das representações sociais tipicamente rurais. Nessa linha de pensamento, a autora firma que: Não se trata de uma simples relação econômica com a terra, em que esta se torna apenas um objeto de investimento ou mesmo um simples meio de subsistência. Em sua dimensão social e cultural, a propriedade da terra é a condição para que se viva em família, para que se garanta através dela a sua reprodução em condições de dignidade e em conformidade com um padrão que se considera ideal. A terra é um patrimônio desejado, na medida em que se torna propriedade familiar e ponto de referência que, real e simbolicamente, aproxima e une a família (WANDERLEY, 2004, p. 72,).

A moradia e o trabalho garantem, nessa perspectiva, o pertencimento a uma sociedade rural, fato que se distingue da vida urbana, onde “morar e trabalhar são vistos como dissociados” pelas pessoas que moram nas áreas rurais. Analisando a ruralidade a partir da construção de novas identidades, Carneiro (1997) sustenta a ideia de que o rural está se refazendo/mudando em resposta à crise da economia provocada pela modernização tecnológica. No entanto, afirma que sua população não reage uniformemente a tais injunções, pois não são atingidas com a mesma intensidade e proporção, revelando uma heterogeneidade que complexifica esses espaços, dando-lhes singularidades, o que não significa necessariamente o rompimento do sistema simbólico e de valores inerentes à ruralidade. Assim, a autora afirma que essas reflexões,

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[...] nos leva a pensar a ruralidade como um processo dinâmico de constante reestruturação dos elementos da cultura local com base na incorporação de novos valores, hábitos e técnicas. Tal processo implica um movimento em dupla direção no qual identificamos, de um lado, a reapropriação de elementos da cultura local a partir da releitura possibilitada pela emergência de novos códigos, e no sentido inverso, a apropriação pela cultura urbana de bens culturais e naturais do mundo rural, produzindo uma situação que não se traduz necessariamente pela destruição da cultura local, mas que, ao contrário, pode vir a contribuir para alimentar a sociabilidade e reforçar os vínculos com a localidade (CARNEIRO, 1997, p. 61).

No que pese a grandeza da contribuição, a discussão teórica empreendida por esta corrente, encontra limitações do ponto de vista metodológico, uma vez que a natureza subjetiva das relações sociais e, por conseguinte, sua heterogeneidade aponta para ruralidades diversas. Nessa vertente, Wanderley (2004, p. 61) ressalta a necessidade de uma tipologia refinada para compreendermos melhor a diversidade de “[...] situação de ruralidade no interior do próprio mundo rural brasileiro”. No tocante à última abordagem, Blume (2004), destaca que o sociólogo José Eli da Veiga tem, num período mais recente, discutido uma outra questão acerca do rural e urbano, apresentando, assim, uma outra visão que perpassa por um enfoque territorial surgido como questionamento à delimitação normativa brasileira. De acordo com Veiga (2002), o decreto-lei nº 311 de 1938, utilizado pelo Brasil como base formal para a delimitação desses espaços, não responde à realidade brasileira, tendo em vista que, de acordo com essa delimitação e segundo o IBGE, em 2000, a população urbana brasileira estava contabilizada em 81,2%. Seguindo as projeções estatísticas, em 2030 o Brasil teria a totalidade de sua população morando em áreas urbanas. Assim, toda e qualquer sede de município e de distrito é considerada como urbana sem levar em consideração, por exemplo, fatores estruturais e funcionais como propõe Veiga (2002). O autor confirma a atualidade da contradição rural-urbana e chama a atenção para metodologias normativas que incidam com mais veracidade sobre a realidade brasileira. Os equívocos proporcionados pelo aspecto normativo brasileiro são, portanto, seriamente criticados enquanto fator de caracterização do que é urbano e rural na medida em que não refletem a realidade do país. Assim, com o intuito de viabilizar o adequado direcionamento das políticas públicas Specht; Blume (2004, p. 6) sugerem que, A revisão e atualização das revisões normativas que servem de base aos enumeradores demográficos é de fundamental importância para o planejamento estratégico das instituições governamentais, por isso, é necessário investir recursos no desenvolvimento de melhores metodologias para precisar as fronteiras entre o rural e o urbano. Na verdade, o que se busca alertar é que já está em tempo de se reavaliar a normativa. É difícil aceitar que áreas de características rurais, de um dia para outro, deixam de ser ‘rurais’ para se tornarem ‘urbanas’, sem que nestas tenham-se alterado sequer alguma de suas características espaciais, demográficas ou econômicas.

Exemplificando, seus estudos se baseiam na metodologia normativa adotada pela Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE) que estabelece categorias classificatórias para os aglomerados humanos em função de dois níveis de análise (local e regional), que tem por base a densidade demográfica (BLUME, 2004).

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O enfoque territorial de Veiga (2002) salienta uma metodologia resultante do cruzamento de três critérios, a saber: localização, tamanho e densidade; dando como resultado cinco tipologias de municípios que provariam que o Brasil não caminha para um fim inevitável do rural, e sim que esse rural está se refazendo no contexto de um processo de globalização do capital. Assim, algumas atividades surgem nessas áreas em decorrência da necessidade de expansão do capital e esses espaços assumem novas formas em função de uma nova demanda econômica, política e social. No tocante ao aspecto metodológico, a abordagem territorial assume papel instigante para o encaminhamento de ações governamentais. Entretanto, ela vem sendo fortemente criticada por muitos pesquisadores que acreditam que tal delimitação é insuficiente para enquadrar essas categorias, negligenciando características mais complexas que resultaram no processo de reprodução do capital e suas contradições nos espaços rurais. Nessa perspectiva, Carlos (2004) salienta que a discussão deve ser pautada no âmbito do território entendido como o conjunto de espaços articulados e combinados no sentido da expansão do capital. Ao abordar a relação rural-urbana, Verde (2004) propõe considerar o rural do ponto de vista de sua territorialidade que integra um contexto mais amplo inserido em uma economia globalizada. Partindo dessa concepção, a autora o compreende como uma categoria de análise que deve ser apreendida a partir de sua diversidade, caracterizada pela reciprocidade das dimensões espacial, ambiental, demográfica e cultural. Em sua concepção, O enfoque territorial permite pensar o desenvolvimento para além dos centros urbanos, onde os pequenos municípios são estrelas de uma constelação. Procurar entender as motivações e os processos que lavaram a essa perspectiva analítica é poder refletir sobre o futuro, seja ele nas aglomerações urbanas, seja ele no espaço rural (VILLA VERDE, 2004, p. 5).

A análise territorial, dessa forma, seria mais abrangente e consideraria suas múltiplas realidades, além de facilitar o adequado direcionamento de ações públicas e privadas em função das particularidades locais. Essa perspectiva complementa a noção de território enquanto categoria de análise para uma abordagem normativa, na medida em que promove o rural em sua relação com o urbano; insere esse rural em um contexto mais amplo do ponto de vista espacial, superando a noção setorizada da agricultura; e ainda considera as singularidades de uma forma de viver, de uma identidade que apesar de ser influenciada pelo modo de vida urbano, é muitas vezes própria do mundo rural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O

texto buscou ressaltar a complexidade e necessidade de se estabelecer e reconhecer as relações existentes entre a cidade e o campo e entre o urbano e o rural, no contexto da expansão do capital. Nesse sentido, consideramos que somente a partir dessa abordagem ampla é que se pode contar com um estudo mais rico, conciso e completo. A apresentação dos estudos empreendidos recentemente, nos mostra os múltiplos entendimentos acerca das discussões que muitas vezes são complementares. Esse

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fato evidencia, portanto, a necessidade de conexão das ideias que compõem os estudos sobre a cidade e o campo; o urbano e o rural e suas relações, considerando, assim, sua análise múltipla e dinâmica. Isso posto, cabe ressaltar que o texto foi construído tendo por base ideias diversas que comportam uma complexidade ainda em debate. Nesse sentido, as contribuições são variadas, contudo, carecem, ainda, de um entendimento teórico-metodológico mais consistente, que consiga abranger as múltiplas realidades que compõe o território, nas suas mais diversas escalas. Considerando o fato de que o urbano e a cidade têm sido alvo de inúmeros estudos empreendidos pelos geógrafos, principalmente, a partir das três últimas décadas, em razão do processo acelerado de urbanização, é preciso termos em consideração que o estudo sobre o urbano e/ou a cidade não se encerra no sentido de urbano e/ou cidade. No Brasil, observamos, ao longo da história, que o processo de urbanização se constrói em sua relação com o rural. Muito embora, em diversos momentos tenhamos uma leitura que dar créditos à urbanização do país em contraposição ao rural. Assim, a sua compreensão clama pelo contexto no qual a relação com o campo e/ou o rural é estabelecida. Dessa forma, pensamos que ao avançar em seus estudos, a ciência geográfica pode dar substancial contribuição à discussão.

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UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE A PARTIR DA COMUNIDADE RURAL BARRINHA EM MOSSORÓ/RN

UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE A PARTIR DA COMUNIDADE RURAL BARRINHA EM MOSSORÓ/RN Jakeline de Oliveira Barbosa10 Maria José Costa Fernandes11

AS MODIFICAÇÕES NA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE NO ESPAÇO BRASILEIRO

O

espaço brasileiro tem passado por mudanças consideráveis quanto à configuração de seu território, sobretudo, a partir de meados do século XX, quando profundas alterações ocorrem na distribuição de sua população, impulsionadas pela expansão do processo de industrialização do país, através do investimento no setor industrial, atraindo grandes quantidades de pessoas para as cidades. Isso vem caracterizar o Brasil como um país em que a maioria dos seus habitantes passou a viver nas cidades em detrimento de um crescente esvaziamento do campo. Vejamos tal discussão: Na medida em que a urbanização atribui ao campo novas funções produtivas, residenciais, turísticas, geradoras de novas dinâmicas demográficas e econômicas [...] se traduzem em um conjunto de mudanças [socioespaciais] englobadas sob a designação genérica de urbanização do campo (SILVA, 2003, p. 61).

Com isso o desenvolvimento urbano-industrial acaba afetando as atividades rurais, através da demanda crescente por produtos agrícolas, ampliando a oferta de serviços à sua produção. E essas transformações processadas no campo repercutem sobre o urbano através da geração de empregos indiretos, seja na indústria, seja no setor terciário. Esses e outros fatores contribuíram para o uso de novos mecanismos de produção no campo, fazendo aumentar a produção agropecuária, mas também causando impactos negativos sobre o nível de vida da população rural, que antes produzia para sua subsistência e vendiam os produtos excedentes para as cidades, acentuando o processo de migração rural-urbana. Toda essa modernização no campo ocorre sobre formas diferenciadas, sobre a exclusão de alguns grupos sociais, sobre isso bem coloca Fajardo (2004, p. 136) “[...] a seletividade dos investimentos e políticas publicas age, assim, no conjunto das cadeias produtivas (elegendo setores) e no território (privilegiando espaços e regiões).” Percebe-se que nas últimas décadas vem ocorrendo um maior distanciamento sobre a visão da teoria clássica da dicotomia para o meio rural brasileiro. Pois essa visão torna-se cada vez mais distante de representar a realidade em evidencia. “Sendo assim a ideia de continnum rural-urbano se apresenta como a formulação teórica mais

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Licenciada em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em 2010. Mestre em Geografia pela UFRN e Professora Assistente IV do Departamento de Geografia da UERN. 11

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coerente para o caso brasileiro [...] e abolir de vez qualquer perspectiva dicotômica” (REIS, 2005. p. 83. Grifo do autor). Com isso através da expansão urbana, são levadas até o campo várias características, que de acordo com as definições clássicas, são exclusivamente urbanas. Com isso o urbano deixa de ser lócus, quase que exclusivo da indústria, do comércio e dos serviços. Passando o campo a ter forte influência sobre tais setores. É constatada a emergência de uma nova dinâmica, proporcionada por novas atividades agrícolas e não-agrícolas no meio rural, como resultado do processo de industrialização da agricultura e da expansão dos espaços urbanos, observando-se uma ampliação do mundo urbano no mundo rural, em consequência ocorre à urbanização desses espaços. Dessa forma entendemos que o campo não pode mais ser considerado apenas como um suporte para aquilo que a cidade não pode produzir, pois novas funções produtivas vêm sendo atribuídas a esse espaço, como a construção de residenciais, valor turístico, áreas de lazer, englobando um conjunto de mudanças socioespaciais que causam a configuração do espaço produzido. Várias são as formas de tentar compreender o que vem a ser espaço urbano e espaço rural no Brasil, tarefa atribuída a diversas ciências, dentre elas a Geografia. Isso por que há uma complexidade de diferenças existentes atualmente na dinâmica ruralurbana. Tornando-se tal complexidade motivo de muitas discussões por aqueles que procuram compreender melhor essa temática nos dias atuais. No dizer de Ferreira; Maciel (2007, p. 43), “A apropriação da terra são fundamentais no processo de produção desses espaços”. Com isso percebe-se que a terra produz rendas diferenciadas, de acordo com seu uso e condição natural, influenciando na produção do espaço social seja ele rural ou urbano. Podemos perceber isso através do processo de urbanização que não aconteceu de forma igualitária sobre o território brasileiro, como exemplo disso temos a região Nordeste que teve sua ocupação marcada pela concentração da renda e da terra, contribuindo com pobreza e miséria tornando-se cada vez mais difícil uma urbanização significativa com menos desigualdades entre a população: No entanto na região sul do país, onde a industrialização se apresenta com maior intensidade, a urbanização ocorreu de forma mais intensa, marcada pela densidade de suas relações, sendo bastante intenso o fluxo de mercadorias, capitais e informações nessa região. Tornando-se a metrópole paulista uma cidade global e com influência sobre o território nacional. Percebemos que as mudanças ocorridas no espaço brasileiro, sobretudo, no tocante ao processo de urbanização, se deram de formas contraditórias, podendo ser percebidos através das diversas formas e tamanhos de algumas cidades, que variam significativamente em seus aspectos econômicos, sociais ou políticos. Contudo tais mudanças influenciam também o meio rural, que passa por um processo de esvaziamento de sua população, como também em sua estrutura paisagística que visa seguir o modelo de vida encontrado nas cidades, através da urbanização das áreas rurais brasileiras. O que se observa é que o meio rural hoje não pode ser resumido apenas à prática da agricultura, pois o setor industrial também esta presente nessas áreas devido às

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exigências do capital-industrial. Deixando diante disso a realidade socioespacial cada vez mais complexa. Sobre tais determinações do espaço, segundo Veiga (2001), a maior organização internacional de países de Primeiro Mundo, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), considera como zona rural qualquer localidade com densidade populacional inferior a 150 habitantes por quilômetros quadrado, se utilizássemos esse mesmo critério no Brasil muitos municípios brasileiros não seriam considerados urbanos. No Brasil a definição legal de cidade é regida de acordo com o Decreto-Lei n° 311/1938. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão Federal responsável pelo senso demográfico, é considera cidade toda sede administrativa de um município, ou seja, onde se localiza a prefeitura, independente do número de habitantes, de sua dimensão ou funcionalidade. Considerando urbano todo domicilio encontrado nessa área ou ligado ao município e rural tudo a área que estiver fora dos limites urbanos (VEIGA, 2001). Ainda de acordo com Veiga (2001) dos 5.507 sedes de municípios existentes em 2000, havia 1.176 com menos de dois mil habitantes e 3.887 com menos de 10 mil, todas com estatuto legal de cidade, tornando o Brasil um dos países mais atrasado do mundo do ponto de vista territorial, devido às dificuldades na formação política de desenvolvimento rural e na distribuição de recursos entre a população. Dessa forma Veiga (2001) afirma que tal distorção nos levaria a denominar de cidade o que na realidade seriam aldeias, povoados e vilas. Para ele isso se resulta numa superestimação de nosso grau de urbanização, sendo de grande importância repensar sobre os verdadeiros critérios de definição de urbano e rural em nosso país. Nesse sentido Silva; Weid; Bianchini (2001) acham que seria razoável um critério de população total residente na sede do município para classificar as cidades. Como ocorre em alguns países de primeiro mundo. Não confundindo o tamanho das cidades com a taxa de urbanização do município. Porque segundo ele o fato da população residir em maior ou menor proporção na sede do município tem muito a ver com a forma histórica com que se procedeu a sua colonização e com o uso agropecuário que se faz do solo na região. No dizer de Ferreira (2007) o urbano não se caracteriza apenas pelas peculiaridades da paisagem, mas de formas acrescidas decorrente das mudanças do próprio desenvolvimento social e econômico da sociedade. Enquanto que o espaço rural vai além de simplesmente tomar o espaço agrícola como objeto. Segundo ele o campo hoje abriga também atividades de lazer, repouso, preservação de modo de vida e costumes, tornando-se multifuncional. O rural acaba se integrando ao urbano, mas sem perder algumas de suas qualidades. Nos últimos anos através das novas tecnologias na agricultura tradicional, cresceu a produtividade agrícola, proporcionando o aparecimento de diferentes serviços nas áreas rurais, como serviços de mecanização, produção de mudas, bens e serviços. Essas novas tecnologias aumentam a possibilidade de serviços não-agrícolas em áreas rurais. Cresce em todo o mundo uma revalorização de um rural multifuncional e isso exige um novo olhar sobre a população que ali se encontra: O desenvolvimento rural passa a exigir, [...] um conceito espacial e multissetorial e a agricultura como parte dele repousa sobre três grandes funções indissociáveis: a função de

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produzir bens e serviços (econômica), a função de gestão do meio ambiente (função ecológica) e a função de ator do mundo rural (função social). (SILVA; WEID, BIANCHINI, 2001, p. 84).

As fronteiras entre o rural e o urbano tornam-se cada vez mais imprecisas, onde anteriormente a ideia de rural significava o oposto ao urbano, observando-se que inúmeras críticas surgiram a essa caracterização que adotava limites rígidos entre esses espaços. Assim, através de uma visão político-econômica, o rural deixa de ser entendido apenas do ponto de vista das práticas agrícolas. Com isso segundo Lopes (2006) reconhecidamente, atividades não agrícolas e populações pluriativas passaram a fazer parte, também, de sua realidade. Dessa forma se constata a emergência de uma nova dinâmica, proporcionada por novas atividades agrícolas e não agrícolas no meio rural, isso em resposta ao processo de industrialização da agricultura e da expansão dos espaços urbanos, “[...] uma extensão do mundo urbano no mundo rural, levando, consequentemente, a uma urbanização desses espaços” (LOPES, 2006, p. 141). Segundo Borin; Veiga (2001) em alguns países desenvolvidos, o emprego industrial está mais presente nas regiões relativamente rurais e os serviços têm praticamente a mesma distribuição entre as áreas essencialmente urbanas e as relativamente rurais, ou seja, as relações mantidas são de muita proximidade entre ambos os espaços. Percebe-se que são as mudanças no modo de produção que vem a influenciar na formação espacial das cidades e, sobretudo também no campo, que torna-se o lócus de produção e abastecimento dessas cidades. Percebendo que e a intensificação das relações campo-cidade é a forma aparente que assume o próprio desenvolvimento capitalista na agricultura. Observamos que a nova fase de relações campo-cidade se caracteriza pelos investimentos de capitais no campo e nas pequenas cidades, através da qual ocorre uma modernização no campo. As divergências de ocupação dos espaços no Brasil sejam eles rural ou urbano, de acordo com Silva (1998) tem seus reflexos viabilizados pela inserção de alguns desses espaços que se modernizam e globalizam, mas também pela exclusão e marginalidade de grande parte do território com o surgimento de lugares de tempo lento, que não conseguem se modernizar e com isso não acompanha a ordem global. Assim podemos perceber que quanto mais modernizadas a atividade agrícola, mais amplas são suas relações e mais longínquo é o seu alcance, pois as difusões dos transportes e das comunicações criam a possibilidade de espacialização produtiva. Compreendemos que são muitas as tentativas dos autores para definição de rural e urbano, mas o que se percebe é que ambos os espaços não podem mais ser analisados separadamente, em decorrência das inúmeras mudanças que se configuram sobre eles. Assim sendo, ao se pensar sobre as relações campo-cidade, que estão cada vez mais próximas é importante perceber que tais mudanças acompanham um segmento histórico, como forma de respostas as necessidades encontradas em cada momento vivido pelo homem. E estamos em um momento em que o campo vem ganhado grande importância e investimentos, funcionando como lócus também da instalação de indústrias e outras atividade, como podemos perceber de forma clara esses investimentos, através da comunidade rural Barrinha, que tem grande destaque sobre outras comunidades rurais, devido a um pequeno “Distrito Industrial”, localizado em

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sua área, estabelecendo fortes relações com o meio urbano do município de Mossoró. Permitindo, então, uma maior aproximação entre o campo e a cidade.

A COMUNIDADE RURAL BARRINHA E SUA DINÂMICA SOCIOESPACIAL

A

origem da comunidade rural Barrinha está muito ligada ao crescimento do município de Mossoró, uma cidade considerada a “capital do semiárido” e detentora de uma importante economia para o Rio Grande do Norte, já que se constitui a segunda maior cidade do estado. O município de Mossoró limita-se ao Norte com o Estado do Ceará e o município de Grossos; ao Sul com os municípios de Governador Dix-Sept Rosado e Upanema, ao Leste com Areia Branca e Serra do Mel e a Oeste com Baraúna. Algumas atividades foram importantes para o crescimento do município, como a atividade salineira e a agroindustrial. Segundo Rocha (2005) ainda no inicio do século passado, a economia do Rio Grande do Norte era voltada para a produção de culturas como o algodão, a pecuária, a produção canavieira e a produção de sal no litoral. A cultura do agave e o extrativismo da carnaúba e da oiticica eram atividades de grande importância produzidas no Vale do rio Apodi – Mossoró. Nessa época a zona rural de Mossoró repassava sua produção para cidade que a comercializava, o que acabou dando início à industrialização, através da fabricação de óleo (oiticica e algodão) pelas agroindústrias, repassando esses produtos para outras regiões. A partir de então a cidade passou a ser mais valorizada que o campo. Pois os investimentos ocorriam em grande parte no espaço urbano, fenômeno que se encontra presente na realidade brasileira durante a expansão industrial e também na atualidade. Nos dias atuais Mossoró possui uma economia bastante diversificada, pois se destaca na produção de sal, exploração de petróleo e fruticultura irrigada, o que ocasiona uma expressiva dinâmica do setor terciário, colocando a cidade em uma posição privilegiada na hierarquia urbana, com destaque sobre a região Oeste do RN e no dizer de Santos “[...] os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos (SANTOS, 2008, p. 247). De acordo com dados do Instituto Brasileiro de município de Mossoró possui uma população população dividida da seguinte forma: 214.238 área rural, onde podemos evidenciar um presenciado em todo o restante do país.

Geografia e Estatística (IBGE, 2007) o de 234.390 habitantes, estando essa hab. na área urbana e 20.152 hab. na intenso processo de urbanização,

Apesar desse intenso processo de urbanização podemos dizer que o município de Mossoró ainda apresenta comunidades rurais bastante significativas. Nesse contexto encontra-se a comunidade rural Barrinha que está localizada a 6 km da zona urbana do município de Mossoró, sobre as margens direita e esquerda da rodovia RN 015 Mossoró/Baraúna e segundo documentos fornecidos pela Unidade Básica de Saúde da referida comunidade, em 2009 a população local girava em torno de 251 famílias e cerca de 850 habitantes, dessa forma apresentando uma população bem considerável. De acordo com entrevistas realizadas com moradores mais antigos da comunidade podemos dizer que o povoamento do território que deu origem a comunidade rural Barrinha se deu com a chegada da família do senhor Luiz Borges e em seguida das famílias dos “Franquilinos” e “Balduinos” por volta de 1930. No ano de 1932 foi perfurado o primeiro poço da comunidade pelo Departamento Nacional de Obras

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Contra a Seca (DNOCS), órgão do Governo Federal, fator que contribuiu bastante para a atração de mais pessoas para a comunidade. As únicas fontes de sobrevivência do povoado eram a caça, a pesca e a agricultura de subsistência. Não havendo nenhum tipo de infraestrutura básica, como luz elétrica, água encanada, estradas asfaltadas, dentre outros. Na década de 1950 todas as terras nas proximidades da comunidade foram compradas e passaram a ser propriedade do senhor Tarcísio de Vasconcelos Maia, figura importante no cenário político estadual, onde foi fundada a Fazenda São João. De acordo com Gomes da Silva (1995) essa fazenda tinha uma área total de 5.000 hectares de terras, dessas 600 hectares no geral eram áreas irrigadas sendo que 500 ha estavam voltadas para o cultivo do melão, destinado a exportação, além do cultivo irrigado de outras frutas como manga, melancia e banana. A instalação da fruticultura irrigada na Fazenda São João gerou uma demanda por mão-de-obra e passou a atrair pessoas para residirem na comunidade Barrinha que se localizava próxima a mesma. Esse aumento na edificação de casas na localidade contribuiu para o crescimento da comunidade e aos poucos foi crescendo e adquiriu a categoria de povoado. Dessa forma muitos dos moradores da comunidade que antes sobreviviam praticamente da agricultura tornaram-se mão-de-obra assalariada para a fazenda, bem como muitas pessoas de demais localidades vizinhas. A infraestrutura da comunidade foi se organizando ao longo das décadas. No aspecto da educação foi construída a primeira escola da comunidade na década de 1970, pelo então prefeito da época João Newton e teve por nome Escola Municipal de 1° Grau Professor Manoel Assis, com apenas duas salas de aula, considerada um avanço para o povoado que precisavam se deslocar até Mossoró para conseguir concluir o ensino de 1° grau. Em relação à saúde os moradores tinham a necessidade de se deslocarem até a zona urbana de Mossoró, dificultando bastante a vida dos moradores, principalmente os de menor condição financeira. Com a chegada da energia elétrica na década de 1980 foi proporcionado um incremento de vida urbana nas áreas rurais, de modo que as pessoas começaram a adquirir eletrodomésticos e utilizá-los em suas residências. Com isso foi instalada, então, uma televisão na praça pública, que hoje tem por nome Manuel Francisco do Nascimento, sendo um acontecimento bastante significativo para as pessoas da comunidade, tendo em vista que nem todos podiam possuir sua própria televisão. Em relação à via de acesso da comunidade, existiam apenas estradas viscinais, onde o principal destino dos moradores era a cidade de Mossoró, sendo a carroça o meio de transporte mais utilizado por estes. Por volta de 1986 teve início a construção da rodovia RN 015 pelo governo do Estado. Que liga o município de Mossoró ao de Baraúna. Considerada uma das mais importantes vias de aceso entre o Estado do Rio Grande do Norte e o Estado do Ceará. Ao longo dos anos a comunidade foi avançando em infraestrutura e adquiriu a instalação de uma rede de linha telefônica, onde a principio foi instalado apenas um telefone fixo de uso para toda a comunidade na residência do senhor Francisco Xavier da Silva, meio mais avançado de comunicação da época e em seguida com o aumento do número de habitantes foram implantados quatro orelhões, além de telefones fixos em algumas residências.

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Outro aspecto importante para a organização da comunidade foi a fundação do Conselho Comunitário em 11 de novembro de 1986, no qual o primeiro presidente eleito foi o senhor Francisco Xavier da Silva. A Associação atualmente dispõe de sede própria, com 229 associados e de acordo com o novo regulamento as eleições que ocorriam a cada dois anos, passarão a acontecer a cada quatro anos. Segundo o presidente da associação, as reuniões acontecem semestralmente, onde são tratados diversos assuntos e todos tem direito a voz e voto nas reivindicações para a comunidade. Com todas as transformações pelas quais passou a comunidade, a mesma passou por um grande impacto sofrido pelo desemprego com a falência da fazenda São João mais precisamente em 2003 e segundo informações conseguidas com alguns dos ex – trabalhadores se deu devido à má administração dos que estavam à frente da empresa. Esse acontecimento modificou bastante o modo de vida dos moradores. A fazenda São João funcionou por cerca de 50 anos, sendo a principal fonte de renda das famílias. Muitos agricultores ficaram desempregados e tiveram que sair em busca de trabalho na cidade de Mossoró, em outras cidades, como Baraúna e até mesmo em outro estado como no Vale do Jaguaribe no Ceará. Percebemos, então que a comunidade ao longo dos anos vem evoluindo e obtendo traços cada vez mais próximos da vida urbana, com melhorias na infraestrutura e consequentemente na vida dos moradores.

ASPECTOS INFRAESTRUTURAIS DA COMUNIDADE E SUA RELAÇÃO COM A ZONA URBANA DE MOSSORÓ

C

om o avanço e o crescimento da cidade de Mossoró melhorias chegaram também a algumas comunidades rurais e a zona rural de Barrinha encontra-se nesse contexto, pois possui uma localização bastante estratégica por ficar entre as margens direita e esquerda da rodovia RN 015 que dá acesso a cidade de Baraúna e ao estado do Ceará. Dispõe hoje de melhorias na infraestrutura da comunidade, nos aspectos de moradia, da saúde, da educação e lazer. A percepção que se tem do campo como um local atrasado começa a ser repensada, pois esse espaço vem sendo modificado, não mais funcionando apenas como lócus da produção agrícola e adquirindo cada vez mais características que outrora pertenciam apenas as áreas urbanas. Ao longo dos anos a comunidade foi sendo beneficiada com alguns serviços básicos que outras localidades rurais não dispõem, tornando-se esta cada vez mais próxima e caracterizada com os traços do modo de vida urbano. Ocorreram mudanças nos aspectos de moradia da comunidade, através de um convênio entre o Governo Federal e a Prefeitura, onde todas as casas de taipa da comunidade foram erradicadas e construídas de alvenaria, visando uma melhoraria nos aspectos de moradia. E logo em seguida o sistema de abastecimento de água, que antes era através de chafariz, passou a ser encanada sem pagamento de nenhuma taxa, como funciona até os dias atuais e atendendo as necessidades de toda a comunidade. A comunidade dispõe também de coleta de lixo, onde o carro passa três vezes por semana, beneficiando a todos, pois antes o lixo era jogado em terrenos baldios ou queimados, causando doenças em época de inverno. Além da coleta de lixo

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observamos que algumas ruas encontram-se pavimentadas e todas as casas possuem fossas sépticas. Podemos citar que outra mudança importante para a melhoria das condições de vida dos moradores da comunidade foi a melhoria de serviços como a educação, por exemplo, pois nos últimos anos a escola foi completamente reformada com ampliação e aumento do número das salas de aula que antes eram quatro e hoje possui sete. Seu nome também foi modificado passando a ser chamado de Escola Municipal de 1° Grau Sindicalista Antonio Inácio. E de acordo com documentos da Secretaria da mesma, apresenta 360 alunos matriculados no decorrente ano letivo, sendo muitos desses alunos de outras comunidades, são elas Riacho Grande, Riachinho, Serra Mossoró, Rancho da Caça e Assentamento Nova Esperança, que se deslocam até a Barrinha, através de transporte escolar, pois algumas dessas comunidades oferecerem apenas o ensino infantil, tendo a escola da comunidade capacidade de atender a essa demanda de alunos. Além da escola Antonio Inácio a comunidade dispões também da Unidade de Educação Infantil Alvorecer que atende crianças a partir de 3 anos de idade, com cerca de 60 alunos matriculados. Segundo o atual presidente da Associação Comunitária, o senhor Francisco Antonio da Silva, “Para os níveis de ensino que não existem na comunidade os alunos são encaminhados até a zona urbana de Mossoró, através de transporte escolar fornecido pelo Governo do Estado” (SILVA ANTONIO, 2009. Informação verbal12). Além da melhoria nos aspectos educacionais destacamos que no ano de 2005 foi construído o primeiro Posto de Saúde da comunidade, onde o médico vem diariamente atender as pessoas o que vem facilitando bastante a vida dos moradores que não precisam mais se deslocar a outras comunidades ou até Mossoró para realizar uma simples consulta. O posto de saúde também passou a coletar materiais destinados a exames laboratoriais de sangue, fezes e urina, facilitando mais ainda a vida dos que não dispõe de recursos para se deslocarem até a cidade. Os casos que não são resolvidos na comunidade são encaminhados até a zona urbana de Mossoró. O Posto de Saúde atende também a outras comunidades como, sítio São Francisco e Assentamento Nova Esperança, e de acordo com documentos fornecidos pelo mesmo são atendidas de forma geral um total de 1.472 pessoas na Unidade. Possui dois agentes de saúde que realizam visitas diárias, não sendo suficiente para atender a demanda da comunidade. Apresenta o Programa de Saúde da Família (PSF) e serviços básicos de odontologia. São encontradas na comunidade duas áreas de lazer, funcionando como espaços de encontro entre os jovens para praticar esporte, sendo elas uma quadra de futebol e o campo de futebol este onde geralmente ocorrem torneios, tornando-se para aqueles que apreciam tal modalidade momentos de prazer e descontração. Além desses espaços destinados à prática de esportes a comunidade não apresenta outros espaços de socialização. Em relação ao comércio a comunidade dispõe apenas de alguns bares, salão de cabelos, lanchonetes e pequenas mercearias, que são muito importantes para o cotidiano dos moradores. Mas diariamente há um grande fluxo de pessoas se deslocando para Mossoró em busca de outros serviços e outros produtos do comércio não encontrados na comunidade. 12

Entrevista concedida em janeiro de 2010.

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Segundo o senhor Francisco Antonio da Silva, presidente da associação, a forma de deslocamento dos moradores até a zona urbana de Mossoró se dá através de transporte próprio ou alternativo, como “táxi de lotação”. Diz que a comunidade apresenta uma grande dependência em relação a Mossoró e que o fluxo dos moradores até o centro da cidade é muito intenso, tanto dos que já se encontram trabalhando na cidade, quanto dos que vão em busca de serviços bancários, de serviços de saúde que não são resolvidos na comunidade, dos supermercados, além da busca constante por trabalho, seja no setor comercial ou na construção civil. No tocante as atividades econômicas existentes na comunidade, podemos dizer que as atividades relacionadas a agropecuárias são cada vez menos frequentes. Apesar disso a agricultura se faz presente com o plantio de milho e feijão, onde a prefeitura disponibiliza tratores para o corte de terras e distribui as sementes para o cultivo, durante o período de inverno. Em relação a pecuária os animais mais criados são bovinos e caprinos. Esse quadro de referência é uma evidência de que não podemos mais considerar o campo apenas como um espaço de produção agrícola. Diante de todas as modificações elencadas pelas quais vem passando o campo brasileiro e mais especificamente a comunidade rural Barrinha, podemos dizer que seu espaço começa a ser ocupado por atividades de outros setores até então localizados apenas nas áreas urbanas. Nesse aspecto chamamos atenção para o fato da existência de um pequeno “Distrito Industrial” na comunidade, onde estão instaladas quatro empresas de pequeno e médio porte atuando em setores diferenciados e empregando uma parcela considerável da população local. Com o objetivo de conhecer melhor o papel dessas empresas na comunidade aplicamos formulários com os dirigentes dessas 4 empresas. São elas: Integral Agroindustrial de Mossoró Limitada, Associação do Comércio Agropecuário do Semiárido (ACASA), Granja Filadélfia Limitada LTDA, Mossoró Indústria e Comércio de Pré Moldados Limitada. A empresa Integral Agroindustrial de Mossoró Limitada produz fertilizante orgânico e foi instalada em 2000. É considerada como empresa de médio porte, empregando homens e mulheres, todos com carteira assinada, contratando trabalhadores temporários quando o número de pedidos aumenta. São empregados no geral 24 funcionários, sendo 12 moradores da Barrinha, 4 da comunidade de Riacho Grande, 2 do Riachinho e 6 da zona urbana de Mossoró. A remuneração mensal varia entre um e dois salários mínimos. O grau de instrução dos funcionários varia em 1° e 2° grau completo e nível superior. São oferecidos Equipamento de Proteção individual (EPI) a todos os funcionários. A principal matéria-prima utilizada é material orgânico de origem animal e vegetal. Tem como principais mercados consumidores os estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Pará. A energia elétrica é fornecida pela Companhia Energética do Rio Grande do Norte (COSERN) e a água utilizada é do poço público da comunidade. O combustível utilizado para queima é a lenha e seu fornecimento ocorre junto a licenciamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Possui licença ambiental do Município, do Estado e do Governo Federal. Recebe fiscalização do município e do estado, através do IBAMA e Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (IDEMA). A empresa foi instalada na comunidade devido à disponibilidade do terreno pela prefeitura. Sua produção mensal varia de acordo com a demanda do mercado consumidor. Atendendo a produção as necessidades também de outros estados.

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Outra empresa também localizada na comunidade é a ACASA, é uma empresa de pequeno porte em que a atividade praticada é o recebimento e processamento de recipientes vazios de agrotóxicos. Os recipientes vêm de todas as áreas da proximidade, que trabalham principalmente com fruticultura irrigada. Eles são trazidos pelos próprios agricultores e nem sempre os mesmos se dispõem a trazem ao ponto de recolhimento. A mão de obra empregada é apenas de homens, todos com carteira assinada, tendo como requisito para ser contratado um pouco de conhecimento na área ambiental. Os trabalhadores se distribuem em 3, dois da comunidade e um de Mossoró. A remuneração varia entre 1 e 3 salários mínimos. São oferecidos EPI, aos funcionários que entram em contato direto com as embalagens vazias. A empresa oferece aos funcionários capacitação para adaptações sobre o manuseio das embalagens, para que os mesmos possam melhorar no rendimento. A matériaprima utilizada são as embalagens vazias e tem como destino final a cidade de São Paulo, devido ao estado não oferecer instalações para fazer a incineração e reciclagem do material. Não havendo estrutura legal no estado para esse tipo de serviço. A empresa apenas recolhe e separa os frascos. A energia utilizada é fornecida pela COSERN, com consumo mensal de 180 quilowatt (kw) e tendo um custo de R$ 72,00. A água é fornecida pelo poço público da comunidade. Possui licença ambiental estadual e é constantemente fiscalizada pelo IDEMA e IBAMA, tendo sua última visita em agosto de 2009, não sendo feita nenhuma notificação. O destino dos resíduos é reciclado. Segundo informações do entrevistado a empresa se instalou na comunidade devido a Mossoró ser considerada como pólo fruticultor e porque era o único terreno que a prefeitura tinha disponibilizado no momento e o cedeu para implantação da mesma. Diante das informações colhidas junto a essa empresa percebe-se o quanto ela contribui para a dinamicidade da comunidade, pois ela apresenta total influência sobre todas as áreas que se destacam na fruticultura em Mossoró e Baraúna e ganha destaque também por ser o único ponto de recolhimento de tais recipientes no município de Mossoró. Outra empresa presente na comunidade chama-se Granja Filadélfia Limitada LTDA, considerada a de localização mais próxima e instalada em 2008, onde a principal atividade praticada é a avicultura, considerada uma empresa de médio porte. A mãode-obra empregada é formada por homens e mulheres, todos com carteira assinada, segundo o entrevistado. Tem como requisito para contratação de funcionário o nível de escolaridade com 2° grau completo. A empresa tem um total de 27 funcionários, onde 20 são da própria comunidade e 7 são da zona urbana de Mossoró. A remuneração mensal varia 1 e 3 salários mínimos. Ainda em relação a essa empresa todos os funcionários são munidos de EPI. A matéria-prima mais utilizada é a ração para animais. A empresa tem como principais mercados consumidores a área urbana de Mossoró, Tibau, Baraúna, Areia Branca e Caraúbas. A energia utilizada é fornecida pela COSERN e a água utilizada, segundo o entrevistado, é de poço próprio. Possui licenciamento ambiental do município e recebe fiscalização ambiental também do município, com última visita em dezembro pelo IDEMA sem nenhuma notificação. O lixo produzido é reciclado. O motivo da instalação da empresa na comunidade, segundo o entrevistado, além da escolha do proprietário foi feito acordo com a prefeitura tendo em vista que iria gerar oportunidade de emprego aos moradores.

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Encontra-se presente na comunidade também a empresa que tem por nome Mossoró Indústria e Comércio de Pré Moldados Limitada, e de acordo com dados coletados junto à empresa, também foi instalada em 2008, pratica a atividade da fabricação de estrutura de pré moldados. Considerada como uma empresa de médio porte. A mãode-obra empregada é de homens e mulheres, todos com carteira assinada, com um total de 60 funcionários, distribuídos em 30 moradores da comunidade, 9 da comunidade rural de Riacho Grande, 8 da zona urbana de Mossoró e os demais de outros municípios. Tem como requisito para contratação experiência na área de construção civil. A renda varia entre 1 e 3 salários mínimos. O grau de instrução fica entre analfabeto, 2° grau completo e técnico. São oferecidos EPI. As principais matérias-primas utilizadas são o cimento, a brita, a areia e o ferro. A empresa produz para todo o Estado, tendo como principal comprador a COSERN. A energia utilizada é fornecida pela COSERN, tem um consumo mensal de 3.241 kw, com custo em torno de R$ 1.800. O fornecimento de água se da através do poço público, com um consumo mensal de 200.000 litros mês. Utiliza como combustível para queima o óleo, com um consumo de 80 litros mês. Apresenta licenciamento ambiental do estado e município e recebe fiscalização do município pelos órgãos do IBAMA e IDEMA. Nunca recebeu nenhuma notificação. A escolha da instalação da empresa na comunidade se deu devido à pressa de ser instalada e devido à prefeitura ter apenas esse terreno disponível no momento e pela oferta de emprego aos moradores. A produção mensal fica em torno de 7.400 peças, distribuídas em postes, peças de galpão, bloco de concreto, estaca entre outros, mas a produção pode dobra dependendo da demanda do mercado consumidor, com isso a mão-de-obra empregada pode dobrar também. A empresa descrita anteriormente apresenta relações de muita dependência com a área urbana de Mossoró, pois apesar de ser instalada no território da comunidade, mas é da cidade que são contratados os técnicos, engenheiro e de onde vem à matéria-prima para fabricação das peças produzidas, pela empresa. Havendo uma relação de muita interdependência entre ambos os espaços urbano e rural. A partir das nossas pesquisas podemos contatar que instalação dessas empresas na comunidade veio contribuir de forma significativa para a questão econômica dos moradores, tendo em vista que as mesmas são responsáveis pela geração de emprego para os moradores principalmente após a falência da Fazenda São João. Observa-se que as empresas se localizam na comunidade, mas a contratação de funcionários não se restringe apenas aos moradores que residem nesse território, empregam-se também pessoas da área urbana de Mossoró, que se deslocam todos os dias da cidade para ser mão-de-obra no campo, dinamizando cada vez mais essa aproximação. [...] a delimitação do que é urbano e rural não diz respeito unicamente a uma questão de delimitação territorial, mas, sobretudo das relações que são mantidas entre o conjunto dessas populações, ou seja, a vida de relações que configura cada espaço (PESSOA, 2009. p. 25).

Através da pesquisa realizada podemos perceber que as relações entre o campo e a cidade no Brasil estão tornando-se cada vez mais complexas por que o campo vem adquirindo traços cotidianos comparados ao modelo de vida encontrado nas cidades, seja nos serviços oferecidos, na mecanização da agricultura ou na própria (re)

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estruturação do espaço geográfico, a partir do estudo empírico da comunidade Barrinha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A

nossa pesquisa evidenciou que ao longo dos anos o espaço rural que era considerado para muitos como atrasado, começa a ganhar importância e a ser percebido além do seu sentido agrícola. Isso em decorrência da expansão do sistema capitalista, onde as relações campo-cidade começam a se aproximarem estabelecendo novas formas de relações, de modo que ambos os espaços não mais podem ser analisados separadamente. O crescimento e desenvolvimento de algumas cidades implicam também no desenvolvimento de algumas comunidades rurais, como o caso da comunidade rural de Barrinha, que teve uma maior dinamização principalmente com a instalação da Fazenda São João, e partir disso começaram a ocorrer mudanças significativas nas condições de vida dos moradores e infraestrutura da comunidade. Essa comunidade deve ser entendida como uma das expressões concretas do processo de aproximação entre o campo e a cidade, pois nesse espaço ocorre uma presença muito grande de traços urbanos e de alguns problemas sociais e também de pobreza da população evidenciado pelos próprios moradores do campo, que não recebem ajuda do governo para se manterem e suas terras. A instalação das empresas já citadas anteriormente na comunidade começa a dispensar o pensamento antigo de que o desenvolvimento e o avanço só se dão nos centros urbanos e que o espaço rural é onde se concentra apenas o atraso. De modo que os fluxos de pessoas qualificadas estão acontecendo também em direção ao campo para vender sua força de trabalho, pois nas áreas rurais nem sempre existem pessoas qualificadas para a execução de algumas funções. Percebemos, a partir, de então que as evidencias de aproximação de ambos os espaços encontram-se bastante presentes, sobretudo no objeto de estudos desse trabalho. Todavia se faz necessário que cada vez mais sejam elaborados estudos e análises da discussão que envolve a relação campo-cidade, principalmente que se adéque a realidade brasileira, com a ampliação de debates referente à temática, uma vez que esta assume uma grande complexidade. A complexidade acerca das questões que vem sendo estabelecidas entre o campo e a cidade, retrata bem a atual situação encontrada na comunidade de Barrinha, espaço que vem sendo bastante influenciado pelo modo de vida urbano, sobretudo com a instalação de empresas, que antes se encontravam apenas nos centros urbanos, dinamizando as relações estabelecidas entre esses dois espaços, de modo que atualmente não é apenas o homem do campo que busca emprego ou outros serviços na cidade, existe também a disponibilidade de emprego encontrado em algumas áreas rurais.

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IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO SOBRE O MICROCLIMA NA CIDADE DE MOSSORÓ-RN

IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO SOBRE O MICROCLIMA NA CIDADE DE MOSSORÓ-RN Suellen Cristiane Tavares Neres13 Tarcísio da Silveira Barra14

INTRODUÇÃO

D

esde os tempos mais remotos, procurava-se desvendar a origem de certos eventos climáticos que ocorriam na natureza. Os raios, trovões e os demais fenômenos atmosféricos eram explicados a partir de mitos, lendas características das primitivas tradições humanas. Com a descoberta e o advento das novas tecnologias, o clima passa a ter importância fundamental, tanto para desmistificar as incoerências oriundas dos costumes dos povos antigos, como para estudar e explicar com exatidão, os fenômenos ocorridos e os processos que acontecem na camada atmosférica. O clima, então, é analisado como um fator preponderante para a sobrevivência dos indivíduos seja ela natural ou econômica. Hoje, com o desenvolvimento de novas tecnologias e o advento da informação, pode-se prever, com antecedência e precisão, a ocorrência de períodos ou eventos atmosféricos, minimizando assim seus efeitos sobre as atividades cotidianas. As consequências climáticas agem na disponibilidade física, psicológica e até na saúde dos indivíduos, como em suas atividades diárias, no trabalho, no lazer, no desenvolvimento de determinados cultivos à criação de animais, na duração e na qualidade de máquinas ou de seus produtos, no tipo de vestuário nos materiais e formas de construções propícias a abrigar os aglomerados humanos. O clima é o resultado de um ciclo atmosférico necessário ao ritmo da natureza e a manutenção da vida na terra, haja vista a importância do seu estudo. Assim, o desenvolvimento humano criou não só novas possibilidades de se proteger dos eventos climáticos, mas a ampliação de suas atividades acabou impactando consideravelmente no clima, este que é afetado e modificado pela emissão de gases poluentes provindos dos automóveis, indústrias, lixo e no aumento das temperaturas e derivados também do alto grau de urbanização e dos poucos espaços destinados as áreas verdes, dificultando o conforto térmico dos citadinos. Há então um clima próprio, criado pelo incremento das atividades humanas e pela intensificação das estruturas designadas para atender as necessidades das aglomerações urbanas. Um clima urbano, característico principalmente das grandes e médias cidades. A cidade de Mossoró atravessou várias mudanças ao longo de sua história. Suas atividades econômicas iniciais auxiliaram para o seu crescimento e desenvolvimento e hoje é a segunda cidade mais importante do Estado do Rio Grande do Norte. O desenvolvimento ampliou também a sua urbanização, a fim de atender a população crescente. Houve o aumento da verticalização, o incremento de atividades econômicas, o surgimento de novos bairros e habitações, a pavimentação de ruas, a 13

Licenciada em geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Graduado em geografia (UERN), mestre em meteorologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV); professor da área de geografia física (climatologia), Departamento de Geografia da UERN. 14

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construção de praças e o intenso fluxo de automóveis. O resultado é a existência, em determinados lugares, de microclimas próprios, intensificando as altas temperaturas existentes na cidade, aumentando o desconforto térmico dos citadinos, consequência do seu crescimento e desenvolvimento. Portanto, torna-se importante destacar como o aumento dos espaços urbanizados, com suas estruturas e edificações, pode impactar nas temperaturas de alguns locais, proporcionando o surgimento de microclimas com características de altas temperaturas, desconfortantes para a saúde e qualidade de vida das pessoas. O presente trabalho teve como objetivos: analisar as diferenças microclimáticas no perímetro urbano de Mossoró – RN face às transformações ocorridas em seu espaço; Relacionar o crescimento e o desenvolvimento da urbanização da cidade de Mossoró RN ao surgimento de microclimas existentes em determinados lugares; Reconhecer como o uso, a ocupação do solo, a forma e os tipos de materiais utilizados na constituição das edificações e a ausência de arborização podem influenciar na existência das altas temperaturas em certos espaços da cidade; Apresentar as diferenciações de temperatura e umidade existentes em locais próximos ou afastados que oferecem peculiaridades ambientais distintas e Identificar quais as características dos espaços propensos ao conforto térmico para os habitantes da cidade de Mossoró RN. Foram verificadas diferenças microclimáticas de alguns locais da cidade de Mossoró, enfocando como as características estruturais de forma, uso, tipos de materiais e ocupação do solo, naturais e de localização influenciam na determinação de microclimas no espaço urbano de Mossoró.

DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DO CLIMA

C

onhecer os agentes formadores de determinados eventos climáticos e tentar esclarecer a origem dos mesmos sempre foi um objeto de curiosidade para o homem. Ao longo do tempo, muitas teorias e mitos foram criados para explicar a procedência dos fenômenos relacionados à atmosfera tais como o granizo, tempestades, furacões, raios e trovões e que foram evoluindo a partir das transformações do conhecimento humano, aliado aos estudos técnico-científicos e ao advento da informação. No decurso da história, o homem começou a perceber a importância do clima e a necessidade de se conhecer as suas características, tanto para a sua sobrevivência, como a fim de se precaver quanto às consequências ocorridas diante de fenômenos extremos. Para Ayoade (2007), a atmosfera compreende a esfera gasosa do planeta sendo o resultado do resfriamento da terra, quando do seu período de formação. Suas camadas compreendem a troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e exosfera. Dentre os seus principais gases estão o nitrogênio, o oxigênio, o argônio, o bióxido de carbono, o ozônio e o vapor d’água, tendo também o neônio, o criptônio, o hélio, o metano, o hidrogênio, esses últimos de menor proporção. É a partir dessa concentração de gases que a vida na terra é possível. Mendonça; Danni-Oliveira (2007, p. 28) mostram que: Outra importante característica da atmosfera terrestre é a variação de sua temperatura na distribuição vertical, dada pela interação de seus componentes com a entrada de energia proveniente do sol e a saída de energia proveniente da terra, o que possibilitou compartir a atmosfera em esferas concêntricas com distintos comportamentos

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térmicos [...]. As camadas apresentam em seus nomes a terminação osfera, e seus topos, a terminação pausa.

Os elementos pertencentes ao clima propiciam o crescimento das plantas, influenciam os hábitos e a saúde humana, determinam a adaptação de espécies vegetais e animais em determinados lugares e modificam paisagens. A atmosfera atua sobre a superfície terrestre e esta, devido às atividades que estão sendo desenvolvidas continuamente ao longo dos tempos, afeta sua dinâmica e a intensidade de seus fenômenos.

O CLIMA E O HOMEM

D

iante dos avanços obtidos dos estudos referentes ao clima, o homem passa a conhecer e a adaptar as suas práticas cotidianas às condições atmosféricas. A atmosfera, por sua vez, a partir da sua dinâmica, proporciona eventos essenciais para a vida. O movimento do vapor a partir da evaporação vai formar e alimentar as nuvens, propiciando a precipitação; a temperatura de diferentes regiões acarretará na adaptação de algumas espécies animais e vegetais; a produção de vários produtos, correspondentes a cada tipo de clima, facilitará para a economia dos lugares. O clima assim possui importância preponderante tanto para a série natural da terra como para a vida de suas diferentes espécies e para os hábitos humanos, influenciando na maneira de viver das pessoas. Alguns aspectos da importância do clima podem ser citados: o tipo de vestuário, determinando assim o conforto fisiológico dos indivíduos; a agilidade do homem para certas atividades em virtude dos elementos climáticos de suas regiões; os tipos de moradia; a agropecuária praticada e adaptada a zonas climáticas diferenciadas auxiliando na economia; as atividades esportivas e de lazer dos indivíduos; os sistemas de transportes, que podem ter os seus acessos comprometidos; os afazeres diários, desde ir ao trabalho ou na prática de atividades pessoais cotidianas, como também o comércio que pode sofrer impactos em suas vendas em virtude dos rigores climáticos. O clima também pode causar efeitos no comportamento humano. As condições atmosféricas podem trazer também alguns danos para as pessoas. A intensificação de certas doenças em alguns períodos do ano, diante da proliferação de vetores causadores de epidemias, a má qualidade de certos cultivos, devida mudanças bruscas no tempo, causando prejuízos para alguns ramos do setor econômico, o tipo de coloração do solo sendo os mais claros (neve ou áreas desérticas, causados pela falta de radiação na maior parte do ano ou intensidade da mesma) que provocam, diante da reflexão provinda do solo, alguns tipos de cegueira, assim também como os desastres naturais que modificam paisagens e afetam os indivíduos. As doenças respiratórias são exemplos mais comuns da influência do clima sobre a saúde das pessoas. Segundo Souza; Sant’anna Neto (2008) os estudos sobre a relação do clima com as doenças respiratórias tem uma grande associação com as características do clima das grandes metrópoles.

CLIMA URBANO

O

homem sempre atuou na natureza a fim de transformá-la em prol da sua sobrevivência. Assim, desde os tempos mais remotos, através da agricultura, ele modificou as paisagens, fazendo com que elas passassem de um espaço natural a um local adequado as suas formas de exploração, avançando conforme a

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evolução de suas técnicas. As cidades foram os resultados posteriores da sua sedentarização, implicando cada vez mais nas transformações dos lugares. A esses ambientes ocupados e transformados pela ação humana denominamos de espaço geográfico, resultando em profundas alterações e inovações nos lugares, realizados pelas sociedades. Carlos (2007), afirma que o espaço geográfico, produzido pelo processo de trabalho, não é exterior à sociedade, mas um produto dela. O espaço geográfico nasce do processo de construção da sociedade. As modificações nas porções terrestres antes eram menos agressivas, já que os ambientes eram explorados apenas conforme a necessidade das pessoas. À época, a subsistência na agricultura e o pastoreio demandavam pequenas porções de terra, resultando em impactos ambientais consequentemente menores. À proporção que foram nascendo e crescendo, as cidades também modificaram as suas funções, passando de centros comerciais para aglomerados urbanos - industriais, aumentando assim a intensidade das transformações na natureza pela humanidade. Carlos (2007) afirma que no momento em que o homem deixa de ser nômade, fixando-se no solo como agricultor, é dado o primeiro passo para a formação das cidades. Quando o homem começa a dominar um elenco de técnicas menos rudimentares que lhe permitem extrair algum excedente agrícola, é um segundo impulso para o surgimento das cidades, visto que ele pode agora dedicar-se a outra função que não a de plantar. As primeiras cidades vão surgir exatamente nos locais onde a agricultura já apresentava certo estágio de desenvolvimento, ou seja, na Ásia, e só mais tarde, na Europa. A partir da Revolução Industrial do século XVIII ocorrida na Inglaterra, o ritmo do crescimento populacional cresceu bastante nas grandes cidades, tendo em vista o acelerado processo de industrialização. A esse crescimento da população que vive nas cidades denominamos de urbanização, sendo esta diferenciada das áreas rurais, superando- a em maior número de habitantes e funções. Brandão (2003) apud citado por Monteiro; Mendonça (2003), afirma que a preocupação com a qualidade do ambiente urbano remonta ao período da Revolução Industrial, em virtude do estado de deterioração dos aglomerados industriais que se desenvolveram, principalmente, na Inglaterra, na França e na Alemanha. Dentre alguns dos problemas que afligem as cidades é a relação destas com a atmosfera, especificadamente com o clima. Este se apresenta como objeto central, pois, o ambiente das cidades, com suas atividades, acabam gerando um microclima próprio, ultrapassando muitas vezes, as suas fontes de origem e atingindo proporções bem maiores. Em virtude do acelerado nível de urbanização das cidades, acontecimentos como ilhas de calor são comuns. Para Sant’anna Neto (2002), a ilha de calor é um fenômeno típico das grandes áreas urbanizadas do mundo atual porque reflete as formas de intervenção do homem no meio ambiente urbano reconstruindo uma nova “atmosfera” sobre as cidades, pois é bastante percebível a elevação das temperaturas nas áreas centrais em detrimento das porções periféricas, que geralmente registram temperaturas menores. As emissões de gases poluentes, associados a muito asfalto, concreto, prédios envidraçados retransmitindo calor para a atmosfera, a verticalização dos prédios alterando a circulação do ar e geralmente, a ausência de áreas verdes que agiriam como amenizadores do calor acarretam em um clima urbano, originado em ambientes concentrados e envoltos pelas características já citadas:

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O fenômeno ilha de calor urbana caracteriza-se pelo aumento da temperatura do ar nas cidades em relação ao meio rural e as áreas menos urbanizadas. Habitualmente, ocorrem nos centros das cidades, onde as construções formam um conjunto denso e compacto [...] Há várias causas que originam as ilhas de calor e dentre elas destacam-se: o armazenamento de calor durante o dia na cidade, graças às propriedades térmicas e caloríferas dos materiais de construções e sua devolução para a atmosfera durante a noite; a produção do calor antropogênico (circulação de veículos e pessoas); diminuição da evaporação decorrente da substituição da superfície original por concreto e asfalto e a canalização fechada de rios e córregos e a menor perda de calor sensível, devido a redução da velocidade do vento originada pelas edificações (AMORIM, 2005, p. 122).

Os climas urbanos podem ser estudados e identificados por alguns aspectos. Estes correspondem a padrões físico - químicos (qualidade do ar), subsistema hidrodinâmico (impacto meteórico) e termodinâmico (conforto térmico). No Brasil, as grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro são vistas, por esses enfoques, tendo em vista seus elevados níveis de urbanização e industrialização. Monteiro; Mendonça (2003), afirmam que inúmeras outras cidades de porte médio, e mesmo pequeno, aparecem como objetos de estudo de pesquisadores do clima urbano no Brasil. Na grande maioria delas o enfoque principal do estudo volta-se ao campo termodinâmico, o que se justifica tanto pela baixa ou ausência de industrialização das mesmas, portanto menor contaminação do ar por poluição industrial, quanto pela condição de tropicalidade que, em muitos casos, produz situações de elevado desconforto térmico em momentos de intensificação do calor. O campo hidrometeórico aparece como sendo também de importante interesse de estudos no caso das cidades médias e pequenas brasileiras. Porém é sobre as grandes cidades localizadas na porção litorânea do país que sua investigação tem sido mais acentuada. As populações destas cidades são vitimadas sazonalmente pelos excessos pluviométricos da estação de verão tropical associados a ocupações em áreas de risco.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O

trabalho foi desenvolvido no perímetro urbano de Mossoró - RN que fica localizada na região Nordeste do Brasil, no Estado do Rio Grande do Norte, na mesorregião do Sertão, encontrando-se a 5°11’ de latitude sul e 37°20 de longitude oeste, sendo a segunda cidade mais importante do Estado. Está assentada às margens do rio Apodi - Mossoró e sua vegetação é a caatinga, com clima semiárido constando de altas temperaturas (temperaturas médias de 24°C a 27°C anuais, porém, a média das máximas pode atingir 33°C (MENDONÇA; DANNIOLIVEIRA, (2007). A temperatura máxima absoluta já registrada na cidade foi de 38°C e a mínima de 16°C, obtendo chuvas escassas e irregulares durante o ano, predominando de 7 a 8 meses de período seco e nos demais de um período chuvoso. Este iniciando em fevereiro e obtendo o seu término em abril, com uma precipitação em torno de 600 a 650mm por ano, umidade relativa de 70% com 2.700 horas de insolação e um índice de evaporação acima de 2000mm (INSTITUTO..., 2008). Possui uma área de 2.110,207 km² e população de 244.287 habitantes (IBGE, 2009) com densidade de 114,5 habitantes/km². Seu IDH é de 0, 735 (RN: 6°)- médio (PNUD/2000), com um PIB de R$ 2.676.568 mil (IBGE, 2007) e um PIB Per Capita de R$ 11.419.00 (IBGE, 2007). Por todas essas suas características é considerada a vigésima maior cidade da região Nordeste. Mossoró tem como municípios limítrofes Tibau (ao Norte), Grossos e Areia Branca (a Nordeste), Serra do Mel (a Leste), Assu

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(a Sudeste), Upanema e Governador Dix - Sept Rosado (ao Sul), Baraúna (a Oeste) e Icapuí (a Noroeste). Foi feita a escolha de alguns locais com o objetivo de verificar as diferenças de temperatura e umidade entre eles, no mesmo dia e hora determinados. Para isso, foram utilizados termo - higrômetros da marca INCOTERM, de código 7663.02.0.00, suspensos sobre uma haste de madeira com uma altura de 1,30m do solo. As pesquisas ocorreram no mês de fevereiro de 2010, nos dias 02, 07, 08, 14 e 15, nos períodos da manhã, tarde e início da noite, durante 06 a 10 horas por dia (entre 06:00 e 10:50 da manhã a 15:00 e 20:10 da noite), com intervalos para as medições a cada dez minutos. Escolheu-se lugares com características e localização diferenciadas, a fim de se obter distinções térmicas e hígricas de tais pontos nos mesmos dias e horários, tentando-se comprovar a existência de microclimas urbanos e quais as localidades e as formas espaciais mais propensas a esses fenômenos. No dia 02 de fevereiro, as medições aconteceram na Praça Rodolfo Fernandes (Praça do Pax) no Centro, com latitude de 5°11’36 S e longitude de 37°20’35 O, apresentando uma altitude de 15m, das 06:00 às 09:00 horas da manhã e das 16:00 às 19:00 horas da noite, mostrando as diferenças térmicas existentes entre o interior da cúpula fixada na Praça e no exterior dela. O objetivo aqui é indicar se, e como, essa estrutura arquitetônica pode influenciar para o aumento das temperaturas. Ainda nesse local, observou-se a temperatura e a umidade próxima da superfície do solo da Praça composto pela calçada com revestimento cerâmico, e aquelas porções recobertas por grama, no turno da manhã entre 09:10 à 10:50 e a noite das 19:10 às 20:10. Em outro momento no dia 07, buscou-se diferenciações de temperatura e umidade entre a Praça Vigário Antônio Joaquim (Praça da Catedral) de latitude 5°11’32 S e longitude de 37°20’28 O, com altitude de 15m, no Centro e um campo aberto e sem vegetação, no conjunto Santa Delmira II, localizado na porção oeste da cidade, apresentando uma latitude de 5°9’7 S e longitude de 37°21’38 O com altitude de 30m, entre 06:30 e 09:30 da manhã e das 16:00 às 19:00 da tarde e início da noite. Aqui, objetivou-se apresentar como dois lugares relativamente distantes e nos mesmos dias e horários podem apresentar diferenciações ou semelhanças térmicas a partir do uso, do revestimento e ocupação do solo e das proximidades ou não, de muitas construções. A influência da arborização e das porções líquidas também pode ser identificada nessa pesquisa. Esta se realizou ainda no dia 08 entre a quadra de esportes Kênia Felipe de Souza e a margem do rio Apodi - Mossoró, ambos localizados ao lado do início da ponte Jerônimo Rosado, que liga o Centro ao bairro Alto de São Manoel e seus adjacentes, apresentando coordenadas geográficas de 5°11’41 S e 37°20’32 O e altitude de 10m, no período de 06:10 às 10:30 da manhã e das 16:00 às 19:00 horas da noite. Procurou-se mostrar como em localidades tão contíguas, as características térmicas e hígricas podem ser alteradas em virtude do revestimento do solo e das proximidades de fontes com suprimento de umidade e fluxo de ventos consideráveis. As medições também ocorreram entre o Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN, localizado no bairro Costa e Silva, com latitude e longitude de 5°12’20 S e 37°19’0 O, respectivamente, e altitude de 29m e a Rua Coronel Gurgel, no Centro no dia 14, de latitude 5°11’33 e longitude 37°20’33 O, com altitude de 14m, entre 06:15 e 09:15 da manhã e das 15:00 às 18:00 horas da tarde. Nessas, a atenção foi dada para o conforto térmico existente entre um local de maior altitude, com parca urbanização e um maior fluxo de ventos e vegetação e um espaço com várias edificações com características ambientais contrárias ao do campus.

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Ainda como parte das localidades da cidade escolhidas como objeto de pesquisa, buscou-se observar as características de temperatura e umidade do Campus Central da UERN de coordenadas geográficas já citadas, e o estacionamento do Campus da Universidade Potiguar-UNP, no dia 15, apresentando latitude de 5°10’31 S e longitude de 37°22’15 O e altitude de 43m . Semelhanças térmicas-hígricas podem ser encontradas entre bairros totalmente distantes e com características espaciais diferenciadas. É importante se destacar que além dos artefatos espaciais e naturais dos espaços destinados à pesquisa, os sistemas de tempo atuantes nos dias dos registros também foram considerados, influenciando e promovendo para determinados resultados.

ASPECTOS MICROCLIMÁTICOS DO PERÍMETRO URBANO DE MOSSORÓ-RN

A

cidade de Mossoró vem se caracterizando pelo seu crescimento desenvolvimento urbano. São edifícios, habitações, praças, pavimentação ruas, campos abertos sem vegetação, assim também como o aumento pessoas e da frota de veículos. A presente pesquisa mostra os resultados temperatura e umidade registrados em alguns pontos da cidade durante o mês fevereiro de 2010, para verificar a influência das construções urbanas, do uso e ocupação do solo para a formação de microclimas.

e de de da de da

O primeiro ponto a ser visitado foi a Praça Rodolfo Fernandes (Praça do PAX). Na mesma, os dados foram registrados no dia 02 de fevereiro de 2010, no período de 06:00 às 09:00 horas da manhã e de 16:00 às 19:00 horas da noite. Aqui foram analisadas as variações de temperatura e umidade entre os dois turnos. As medições foram feitas na Praça e dentro da cúpula existente na mesma. Foi possível observar que no período da manhã as temperaturas na parte interna e externa à cúpula aumentaram conforme o passar das horas e da intensidade solar. Nesse período, as temperaturas sempre permaneceram um pouco maiores na parte exterior à cúpula. Isso se deu em virtude do termo higrômetro está diretamente exposto a radiação solar, ao contrário do aparelho que estava localizado no interior da estrutura. Este recebia menores conteúdos de insolação em virtude de sua estrutura protetora minimizar a entrada dos raios solares em seu interior. A maior temperatura registrada ocorreu às 08:30 da manhã na porção exterior à cúpula, com uma temperatura de 35°C. Aqui, a radiação solar era intensa sem a presença de nuvens e ventos. Entre 06:00 e 06:40 e de 08:40 às 09:00 horas, as temperaturas em ambas localidades apresentaram-se equivalentes sendo um pouco maiores na parte externa da cúpula, pois havia bastante nebulosidade e fraca ou nenhuma radiação solar. No final da tarde e início da noite, as temperaturas no interior e exterior da cúpula foram mais diferenciadas. Aqui, as maiores temperaturas registradas aconteceram no interior da cúpula. Nesse período a tendência é a diminuição da insolação e o resfriamento da superfície terrestre com a emissão de ondas longas para a atmosfera. Assim o interior da cúpula que está protegido com sua estrutura não permite que o calor emanado da superfície seja liberado rapidamente, impedindo um menor fluxo de ventos em seu interior e que, devido também a sua maior facilidade de guardar o calor, dificulta a sua dispersão para outras áreas contribuindo assim para o aumento das temperaturas nesse ambiente. No termo - higrômetro da porção externa à cúpula

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as temperaturas foram mais amenas em virtude da sua localização em um local mais arejado, sem a intervenção de estruturas que impeçam o fluxo de ventos e o consequente aumento de calor. Ainda no mesmo dia e local, foram verificadas a umidade e a temperatura próximas da superfície calçada da Praça e daquela coberta com grama, nos horários de 09:10 às 10:50 da manhã e das 19:10 às 20:10 da noite, com as medições ocorrendo a cada dez minutos. O objetivo aqui é diferenciar as características térmico - hígricas do comportamento do solo coberto com uma calçada, daquele coberto por uma vegetação. Durante a manhã, as temperaturas entre as duas superfícies foram bastante semelhantes, sendo em alguns momentos maiores na superfície da Praça coberta pela calçada. As condições atmosféricas aqui oscilavam com nebulosidade, ventos e insolação de médios a fracos, ocorrendo muitas vezes a ausência do último. As maiores diferenças aconteceram às 09:30, quando a superfície calçada estava com 35,5°C e a coberta pela grama com 34,8°C e às 09:50 quando a superfície calçada ficou com 33,8°C e aquela coberta por grama estava com 32,9°C . A maior diferença de temperatura registrada entre esses dois espaços ocorreu às 10:50, quando a temperatura próxima ao solo da superfície com grama estava com 35,9°C e a superfície coberta pela calçada chegou à 37,1°C, sob sol forte e sem ventos. À noite, quando a superfície está liberando a quantidade de calor que recebeu do sol durante o dia, ocorreu as maiores diferenças de temperaturas nas proximidades do solo coberto pela calçada e daquele coberto pela grama. Aquele calçado apresentou sempre as maiores temperaturas. Isso representa que ao longo do dia, ele conseguiu receber e armazenar a maior quantidade de energia provinda do sol. As maiores diferenças térmicas aconteceram às 19:30 quando nas proximidades do solo coberto pela grama estava com 28,9°C e aquele coberto pela calçada estava com 30,3°C e as 20:00 horas, quando a temperatura próxima a calçada estava a 30°C e nas proximidades da grama ficou com 28,3°C. A umidade também foi bastante representativa nos períodos registrados. Nos dois turnos, as maiores umidades estiveram na superfície da Praça coberta pela grama. Foi verificado que pela manhã, as maiores diferenças ocorreram às 09:10, estando a superfície calçada com 48% e a da coberta pela grama com 54%; às 09:30, estando a calçada com 44% e a com grama 50% e às 10:20 quando nas proximidades da calçada registraram-se 46% e nas da grama chegando a 51%. À noite, as diferenças de umidade foram ainda mais atenuantes. As maiores ocorreram às 19:30, quando a superfície da Praça coberta pela calçada apresentou 63% e a com grama 71%; às 19:50, sendo a calçada com 63% e a com grama com 72% e às 20:10, quando a calçada apresentou 66% e a superfície da Praça coberta pela grama chegou a 74%. Diante desses resultados obtidos a partir do tipo de cobertura do solo da Praça do PAX, torna-se importante destacar a importância de se preservar os espaços cobertos por vegetação, incluindo também aqui a arborização. Serão neles onde estarão as melhores condições de conforto térmico essenciais para uma melhor qualidade de vida dos habitantes da cidade de Mossoró. No dia 07 de fevereiro, as medições de temperatura e umidade ocorreram na Praça Vigário Antônio Joaquim (Praça da Catedral - Centro) e em um campo aberto sem vegetação localizado no conjunto Santa Delmira II, entre às 06:30 e 09:30 da manhã e entre 16:00 e 19:00 horas da noite.

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Foi verificado que no período da manhã, as temperaturas foram equivalentes em ambas as localidades. A maior temperatura da Praça aconteceu às 09:30, com 37,9°C, com períodos de nebulosidade, sendo a maior registrada ocorrida no campo aberto sem vegetação às 09:30 de 38,2°C. Neste, as altas temperaturas explicam-se devido a ausência de vegetação e a forte incidência de radiação em seu espaço, havendo pouca nebulosidade e maiores períodos de insolação, com a superfície se aquecendo rapidamente. Sendo assim, as temperaturas têm por efeito se equipararem a de superfícies edificadas, pois ambas apresentam maior facilidade de acumular calor. É importante se destacar nesse momento que não adianta minimizar o crescimento de estruturas ou construções sem se pensar em um planejamento que priorize a arborização de tais espaços. No período da tarde e início da noite, as maiores temperaturas foram registradas no termo - higrômetro localizado na Praça, onde a máxima registrada foi de 35,1°C às 16:40. Por ser uma superfície edificada e de estar localizada em uma área central e entre prédios, com um menor fluxo de ventos, possui uma maior concentração de calor provindo do resfriamento terrestre e das edificações que começam a acontecer nesse horário, se comparado a um espaço aberto, ventilado e sem vegetação, que se resfria deslocando o seu calor rapidamente. Segundo Mendonça; Danni-Oliveira (2007, p. 77), [...] a rugosidade do solo é um fator redutor da velocidade dos ventos em superfície, uma vez que desempenha um efeito de fricção sobre os ventos. [...] os continentes, devido a heterogeneidade da cobertura de suas superfícies (vegetação, presença de cidades) e às suas caracteristicas geomorfológicas tendem a reduzí-la. A maior temperatura no campo aberto foi de 34,4°C às 16:00. O céu apresentava-se com as mesmas condições naturais em ambas às localidades, constando de nebulosidade de média a fraca e com a presença de sol.

O comportamento da umidade também apresentou variações obtendo aquela sentido inverso à temperatura. No período da manhã, os maiores conteúdos de umidade se deram na Praça chegando a 68% às 06:30, sob uma temperatura de 27,1°C, pois apresentou temperaturas um pouco menores do que as registradas no campo aberto sem vegetação, sem falar também da presença de algumas árvores próximas ao termo - higrômetro, sendo aquelas fonte de umidade. À tarde e no início da noite, a umidade se mostrou mais alta no campo aberto sem vegetação, obtendo a máxima às 19:00 horas, com 75%, sob uma temperatura de 29,3°C. Apesar da inexistência de árvores ou de qualquer outro suprimento de umidade, nesse horário este local se resfriou rapidamente devido a inexistência de nuvens, de cobertura do seu solo e da ausência de construções em suas proximidades, liberando a energia recebida ao longo do dia rapidamente para a atmosfera, e apresentou também temperaturas menores do que as registradas na Praça do Centro, aumentando assim o seu conteúdo de umidade. Conforme Mendonça; Danni-Oliveira (2007), os processos de troca de energia e umidade entre o solo e o ar são mais diretos e efetivos naquelas superfícies marcadas pela ausência de vegetação, como desertos e rochas aflorantes. Já nas áreas urbanizadas, esses processos assumem ampla complexidade, em decorrência da diversidade espacial que as superfícies urbanas apresentam e da dinâmica das atividades desenvolvidas nas cidades. No dia 08, as pesquisas foram realizadas na margem do rio Apodi- Mossoró e na quadra de esportes kênia Felipe de Souza, ambos localizados no início da ponte

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Jerônimo Rosado, que liga o Centro ao bairro Alto de São Manoel. As medições ocorreram entre 06:00 e 10:30 pela manhã e de 16:00 às 19:00 horas da tarde e início da noite. Foi observado que nos dois turnos as temperaturas foram maiores na quadra de esportes. Esse fato ocorreu devido a cobertura do solo ser composta por cimento, material que acumula bastante calor no período de entrada de energia solar e por não ter nenhuma arborização que minimizasse a entrada da insolação. Os ventos eram muito fracos, e não proporcionavam um fluxo considerável que abrandasse as altas temperaturas. No período da manhã as maiores diferenças térmicas aconteceram às 08:40 quando no termo - higrômetro localizado na margem do rio apresentou uma temperatura de 31,3°C e no da quadra de esportes com 36,6°C. Nesse momento, não existia a presença de nuvens e o sol apresentava- se forte; às 09:20, quando na margem do rio a temperatura esteve sob 31,7°C enquanto na quadra estava com 37,6°C; às 09:40, quando a margem do rio ficou com 33,3°C e a quadra de esportes com 38,8°C; ás 09:50, sendo a margem do rio com 34,1°c e a quadra com 38,6°C; às 10:00, quando a mergem do rio esteve com 32,7°C e a quadra de esportes com 38,7°C e às 10:30, com a margem do rio sob uma temperatura de 33,9°C e a quadra de esportes chegando a atingir 39,7°C, estando ambos os locais sem nehuma insolação e sob a presença de uma insolação intensa. À tarde, enquanto havia a presença do sol, as temperaturas foram bastante diferenciadas, mais quando da ausência daquele, os contrastes térmicos não foram tão atenuantes. As maiores diferenças térmicas ocorreram entre 16:00 e 17:00 horas com a presença solar e nebulosidade de média a alta, as maiores diferenças ocorreram às 16:10, quando a margem do rio apresentou uma temperatura de 32,2°C e a quadra de esportes 33,1°C ; às16:30, estando a margem do rio com 31°C e a quadra com 33,1°C; e às 16:50, ficando a margem do rio com 31,2°C e a quadra de esportes com 31,7°C. Depois desse horário, a forte presença da nebulosidade impossibilitou a entrada dos raios solares, diminuindo assim as diferenças de temperaturas entre os dois locais. Quanto a umidade, foi verificado que esta foi sempre maior no período da manhã na margem do rio. Isso ocorreu em virtude da localização do termo - higrômetro está bastante próximo ao rio, e entre árvores, sendos esses fontes de umidade. As maiores diferenças ocorreram às 07:30, quando a quadra estava com 63% e a margem do rio com 68%; às 08:20 estando a quadra com 54% de umidade e a margem do rio com 63%; às 09:20, momento em que a quadra apresentou uma umidade de 44% enquanto na margem do rio estava com 57% e às 10:20 estando a quadra com uma umidade de 39% e a margem do rio com 51%. À tarde, as diferenças hígricas não foram tão acentuadas devido a ausência solar na maior parte dos registros e da grande presença de ventos, que traziam umidade vindas do rio e das árvores, para a quadra. Esta, se localiza próxima àquele suprimento de umidade. No dia 14 de fevereiro do referido ano, as medições realizaram-se no campus da UERN e no Centro. Objetivou-se descobrir a diferença da temperatura e umidade entre esses dois locais, nos horários de 06:15 às 09:15 da manhã e 15:00 às 18:00 horas da tarde. No período da manhã acontece a entrada de energia solar aquecendo a superfície terrestre. Os ambientes então proporcionarão determinadas temperaturas em virtude

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da cobertura ou não do solo e do uso e ocupação do mesmo. Aqui, as temperaturas se equipararam, sendo a máxima registrada no aparelho localizado na UERN às 08:25 de 33,6°C . Neste horário, a insolação permaneceu forte e constante nesse local. Esse aumento de temperatura também se deu devido a ausência de nuvens no campus da UERN nesse momento. Os fatores ambiental e de localização em relação ao sol contribuíram para as poucas diferenças térmicas nesse turno. O termo - higrômetro da universidade foi instalado em um campo aberto, longe de vegetação e exposto diretamente a radiação. O aparelho do Centro foi instalado entre as lojas comerciais, em um local amplamente edificado, funcionando assim como um proporcionador para alguns momentos de fricção aos raios solares. Sabe-se que no solo desprovido de vegetação e com a presença direta e constante da radiação solar as temperaturas são bastante elevadas, comparando-se assim locais com muitas construções. Sendo assim, mesmo com a presença de algumas nuvens em certos momentos, as temperaturas obtiveram pequenas diferenças em virtude das características naturais e de localização dos termo - higrômetros. A maior temperatura no termo - higrômetro localizado no Centro aconteceu às 08:25, sob uma temperatura de 33,7°C. As diferenças térmicas foram mais atenuantes no período da tarde, quando a superfície começa o seu processo de resfriamento. Aqui a nebulosidade atuou sendo a presença solar mínima e as maiores temperaturas registraram-se no termohigrômetro do Centro. Devido a densidade de construções, a energia provinda do sol durante o dia se acumulou nas estruturas, e retardando assim o seu resfriamento. As edificações agiram também com um efeito de fricção, dificultando a circulação dos ventos e concentrando o calor naquele local. Comparando-se ao aparelho instalado no campus da UERN, localizado à uma altitude maior que segundo Mendonça; Danni-Oliveira (2007), considerando dois lugares de mesma latitude, porém com altitudes diferentes, aquele que tiver mais elevado terá sua temperatura diminuída, contendo um fluxo de ventos maiores, sem pavimentação e vegetação, liberando assim o calor recebido do sol com mais rapidez e facilidade. Os conteúdos de umidade acompanharam os níveis de temperatura em ambas localidades, diminuindo conforme o aumento das temperaturas. Durante a manhã, as diferenças foram pequenas, embora a umidade sendo um pouco maior na UERN, obtendo a máxima de 75% às 06:25, com uma temperatura de 26,8°C. Nessa a presença maior de ventos abrandam o calor do sol, aumentando assim os seus conteúdos de umidade em alguns momentos. À tarde, a umidade foi mais elevada também no campus da UERN, local de menores temperaturas e próximas a algumas árvores, chegando à 71% às 18:00 horas. No dia 15 de fevereiro, as medições termo - hígricas ocorreram nos campus da UERN e UNP nos horários de 06:25 às 09:25 da manhã e de 15:00 às 18:00 da tarde. Os aparelhos foram localizados num ambiente aberto sem vegetação e longe de edificações na UERN e no estacionamento da UNP. No turno matutino, houve poucas diferenças nas temperaturas dos termo - higrômetros localizados nas duas universidades, sendo elas um pouco maiores no estacionamento da UNP. Nesse horário, houve a presença de nuvens que oscilaram de médias a fracas. Para Mendonça; Danni-Oliveira (2007), a nebulosidade atua de forma significativa na diminuição das amplitudes térmicas diárias, e sua ação bloqueadora à perda de radiações de ondas longas na Troposfera produz uma certa uniformização na distribuição da temperatura do ar.

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Quando há ausência de nuvens e com presença de sol mais forte, as carácterísticas térmicas foram mais acentuadas e diferenciadas nos dois locais, ocorrendo assim as mais elevadas no estacionamento da UNP, chegando a obter uma máxima de 34,2°C, às 08:25. Os espaços escolhidos para as observações (um espaço aberto e com solo nu e outro com calçamento) apresentam características de aquecimento semelhantes nesse período de entrada de energia solar, embora sejam um pouco maiores no calçamento, diferenciando-se apenas pela altitude, cobertura de nuvens e a circulação de ventos, que foram sempre maiores no aparelho instalado na UERN. No período da tarde e início da noite, as temperaturas sempre foram maiores no termo - higrômetro instalado na UNP. Apesar da alta nebulosidade, da presença de ventos e da ausência do sol durante os registros nas duas localidades, o estacionamento dessa universidade por manter o seu solo coberto com um calçamento, acumulou bastante calor que, nem mesmo sob as mesmas condições atmosféricas que o instrumento localizado no campus da UERN, conseguiram abrandar ou diminuir suas temperaturas comparando-se as daquele local. Os maiores valores de umidade registradas nos dois turnos ocorreram no termo higrômetro instalado no campus da UERN, devido obter menores temperaturas e uma maior proximidade de árvores, do que no estacionamento da UNP. No período da manhã no campus da UERN o maior conteúdo de umidade ocorreu às 06:35 com 90%, sob uma temperatura de 26°C e a menor umidade registrada ocorreu às 09:25, com 56%, com nebulosidade média e sol fraco. No campus da UNP a maior umidade registrada ocorreu às 06:35 com 75%, sob uma temperatura de 27,3°C e o menor conteúdo de umidade ocorreu às 09:25 com 53%, sob as mesmas condições naturais do campus da UERN. À tarde, as menores umidades foram registradas no campus da UNP em virtude da presença de temperaturas maiores e da falta de suprimento de umidade. A maior umidade ocorreu entre 17:40 e 18:00 horas com 77%, sob uma temperatura de 26,5°C. O menor conteúdo de umidade registrou-se às15:00 horas com 53%, com uma temperatura de 36,1°C. No campus da UERN nesse mesmo turno, o maior conteúdo de umidade aconteceu às 18:00 horas com 80%, sob uma temperatura de 25,9°C e a menor umidade foi registrada às 15:30 com 59%, sob uma temperatura de 29,9°C.

CONCLUSÕES

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crescimento e a modificação dos espaços urbanos é um processo em curso no mundo contemporâneo. A transformação da cidade de Mossoró não aconteceu apenas em níveis estruturais, mas também trouxe algumas alterações, principalmente referentes ao clima. A arborização, a forma e os tipos de materiais utilizados na constituição de determinadas edificações necessitam de maiores atenções, haja vista sua importância para o conforto térmico e na promoção de uma melhor qualidade de vida dos habitantes da mesma, considerando-se em especial os fatores naturais da cidade como a existência de um clima com características de altas temperaturas. Ao longo do seu processo histórico, a cidade de Mossoró evoluiu e hoje atravessa um período de crescimento. Este que é estrutural, populacional e econômico, responde as atividades e consequências do progresso da atualidade. Com características geográficas bastante específicas, a cidade possui alguns microclimas em seu espaço urbano, derivados do uso e ocupação dos espaços, bem com da construção e ampliação das edificações nascentes, que acabam por influenciar no aumento das temperaturas e nas diferenças térmicas existentes em alguns locais da cidade.

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A urbanização provocou alterações microclimáticas em alguns de seus espaços. Dentre os locais pesquisados, as altas temperaturas e os baixos índices de umidade foram mais atenuantes naquelas localidades onde prevalecem um solo com revestimentos cerâmicos, sem cobertura vegetal, de cimento, lugares com densidades de edificações (lojas, comércio, intenso fluxo de automóveis e pessoas, pavimentação e a consequente impermeabilização do solo, praças sem ampla arborização possuindo assentos de granito e outros materiais que acumulam bastante calor), contribuindo assim para a formação de microclimas urbanos incoerentes com a situação do semiárido nordestino. Assim, torna-se importante enfocar a importância da preservação das áreas verdes na cidade, a utilização de materiais de construções adequados as suas peculiaridades térmicas, a disposição das edificações, como também um planejamento urbano que priorize as condições de bem estar da população, levando-se em consideração as suas características climáticas já existentes, fazendo de Mossoró não só um exemplo de cidade modelo, mas tornando esse espaço adequado para ser ter uma boa qualidade de vida.

REFERÊNCIAS AMORIM, M. C. C. T. Ilhas de Calor em Birigui-SP. Revista Brasileira de Climatologia, vol.1, n°1. dezembro, 2005. AYOADE, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. Tradução de Maria Juraci Zani dos Santos. Revisão de Suely Bastos. Coordenação editorial de Antônio Christofoletti. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. CARLOS, A. F. A. A Cidade. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2007. INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE (IDEMA). Perfil do seu município-Mossoró, 2008 MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, Inês Moresco. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 2007. MONTEIRO, C. A. F.; MENDONÇA, F.. Clima urbano. São Paulo: Contexto, 2003. SOUZA, C. G.; SANT’ANNA NETO, J. L. Rítmo climático e doenças respiratórias: interações e paradóxos. Revista Brasileira de Climatologia. Agosto, 2008. SANT’ANNA NETO, J. O Clima das cidades brasileiras. Presidente Prudente: [s.n.], 2002.

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A IMPORTÃNCIA DA ARBORIZAÇÃO PARA O MEIO AMBIENTE URBANO EM MOSSORÓ-RN

A IMPORTÃNCIA DA ARBORIZAÇÃO PARA O MEIO AMBIENTE URBANO EM MOSSORÓ-RN Ismael Costa da Silva15 Tarcísio da Silveira Barra16

INTRODUÇÃO

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esde muito tempo, o homem vem substituindo o meio rural pelo meio urbano. O aparecimento das indústrias, o crescimento populacional e o consequente aumento das cidades, na maioria das vezes, de forma muito acelerada e desordenada, sem um planejamento adequado do solo urbano, vem provocando inúmeros problemas que interferem sobremaneira na qualidade de vida do homem citadino. Nesse meio, os espaços verdes ganham novas funções, deixam de ser destinados apenas para o lazer, e tornam-se necessidade urbanística, de higiene, de recreação e de preservação do meio ambiente urbano. No entanto, esses espaços vêm sendo subtraídos dos centros urbanos através das ações humanas, cedendo lugar às áreas edificadas que impermeabilizam o solo, refletindo de forma mais intensa o calor e tornando as cidades cada vez mais quentes. A valorização da arborização urbana nos centros urbanos é de extrema importância para a qualidade de vida da população, pois atua sobre o conforto humano no ambiente por meio das características naturais das árvores, sendo fundamental para abrandar os microclimas mais quentes, elevando a umidade do ar, reduzindo a reflexão da luz solar junto às calçadas, proporcionando sombreamento e diminuindo a poluição atmosférica, sonora e visual. A arborização urbana tem sido um fator indispensável para melhoria do bem estar das pessoas, mas o seu processo de planejamento urbano, ainda se encontra restrito a alguns órgãos públicos, excluindo a participação da população nessa gestão. Diante disso, surge a importância da análise da percepção ambiental dos moradores de alguns bairros da cidade de Mossoró-RN, frente à qualidade ambiental da arborização urbana das calçadas residenciais. O presente trabalho tem por objetivo diagnosticar a percepção ambiental dos moradores sobre a arborização urbana das calçadas residenciais, buscando compreender como estes se inter-relacionam com o seu meio ambiente, conhecendo suas satisfações e insatisfações. E também, analisar a compreensão desta população sobre o valor da arborização urbana de calçadas, principalmente no que se refere ao seu interesse e participação nos assuntos de planejamento de gestão de arborização urbana. Contudo, diante das vantagens e desvantagens apresentadas pelos moradores, percebe-se que a maior parte observa os benefícios que arborização traz para a melhoria do microclima do ambiente urbano, conforto térmico que proporciona qualidade de vida para população. Todavia, estes veem a árvore mais como um elemento constituinte do espaço urbano, com funções de abrandamento do clima, do que um elemento natural, com funções favoráveis à manutenção, sustentabilidade e equilíbrio das relações entre os seres vivos. 15

Licenciado em geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Graduado em geografia (UERN), mestre em meteorologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV); professor da área de geografia física (climatologia), Departamento de Geografia da UERN. 16

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HISTÓRIA, DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA ARBORIZAÇÃO URBANA

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iante dos inúmeros registros que se tem sobre a história dos espaços verdes urbanos, representada inicialmente pelos jardins, é possível traçar um perfil de sua evolução. Partindo desde seu caráter mítico-religioso, o paraíso prometido no livro de Gênesis da Bíblia, passando por mitos e lendas, estudando os jardins suspensos da Babilônia, até chegar aos jardins modernos, pode-se notar a grande importância de cada momento histórico cultural desses espaços formadores da estrutura urbana (LOBATO; ANGELIS, 2005). Na Grécia, os espaços verdes foram utilizados não só para passeios, mas também para encontros e discussões filosóficas, tais espaços faziam parte da vida da Grécia Antiga, eram o mundo paradisíaco, jardins dos deuses. Em Roma, as áreas arborizadas eram vislumbradas para o prazer dos mais ricos. Na Idade Média, as áreas verdes surgiam no interior das quadras e depois desapareceria com as edificações em decorrência do crescimento das cidades. No Renascimento transformam-se em gigantescas cenografias, evoluindo, no Romantismo, como parques urbanos e lugares de repouso e distração dos citadinos (SILVA, 1997). Na Europa, o desenvolvimento urbano iniciou-se na metade do século XV com o declínio do feudalismo e o início da expansão marítima, afirmando-se uma nova tendência, o capitalismo comercial. Cada vez mais ganhavam espaço a economia de mercado, as trocas monetárias, a preocupação com o lucro e a vida citadina. No século XVII surgi os espaços verdes urbanos. A construção dos passeios ajardinados públicos se deu nas várias cidades da Europa, como por exemplo, as cidades de Amsterdã aproveitaram um charco, transformando-o na “Nieuwe Plantage”, Berlim em 1647, teve a “Unter den Linden”, alameda arborizada ligando a cidade ao parque de caça, Madrid e Lisboa implantaram os passeios públicos arborizados (SEGAWA, 1996). O estilo francês destacou-se no século XVII, o estilo inglês, no século XVIII, ambos evidenciando árvores (FARAH, 1999). No Brasil, o interesse por jardins nasce somente no fim do século XVIII, com o objetivo de preservação e cultivo de espécies, influenciado pela Europa (TERRA, 2000). Com a chegada da Família Real ao Brasil e sob a influência europeia, os jardins públicos brasileiros eram destinados para o lazer e voltados para a integração da paisagem urbana do país. Verdeavam em números bastante numerosos os jardins privados nos maiores centros urbanos do país enriquecidos pelo café, sobretudo no Rio de Janeiro e São Paulo. De modo geral, a análise histórica representa não apenas a forte influência do paisagismo sobre o desenho urbano, mas também a sobreposição existente entre esses campos. E ainda, esclarece o momento em que a arborização e os elementos vegetais passam a ser compreendidos como elementos estruturadores do espaço urbano, adquirem uma força de tal forma, que passam a definir novas tipologias e estilos de paisagem e desenho urbano (FARAH, 1999). Neste contexto, o aumento desordenado das cidades brasileiras e as consequências ocasionadas pela ausência de planejamento urbano despertaram nos planejadores e na população o interesse pela vegetação como elemento necessário ao ambiente urbano. A arborização passou a ser vista como importante elemento normal reestruturador do espaço urbano, pois as áreas bastante arborizadas representavam uma aproximação maior das condições ambientais naturais em relação ao ambiente urbano que oferece, entre outros, temperaturas mais elevadas, particularmente, nas

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áreas de altos índices de edificação e desprovidos de cobertura vegetal (CARVALHO, 1982). Assim, com a ascensão da concentração populacional nos centros urbanos, os impactos ambientais são mais recorrentes. Um dos efeitos mais hostis que se reflete nesses espaços é o processo de eliminação da vegetação para a construção de infraestrutura urbana. Com as mudanças do ambiente original, as árvores preservadas no processo de urbanização e as implantadas nesse novo cenário passam a lidar com condições ambientais desfavoráveis, muito diferentes do seu ambiente original. Em meio a essas condições adversas pode-se destacar a compactação e impermeabilização do solo, ilhas de calor e o aumento consequente da temperatura, concentração de poluentes, alterações na pluviosidade, concorrência por espaços com os elementos urbanos, bem como a depredação dos espaços verdes praticada por vândalos, todos estes fatores diminuem a expectativa de vida da vegetação no meio urbano. Outro fator também preocupante é a subtração da biodiversidade, gerada, sobretudo pelo plantio insuficiente de espécies, uma vez que torna as árvores mais suscetíveis a doenças e pragas. Por essas razões é que se deve dar importância ao plantio e a manutenção correta e permanente das árvores, criando ações que visem o envolvimento da população nas atividades de gestão ambiental, a fim de contribuir no alcance da qualidade ambiental urbana. A arborização urbana pode ser definida como o conjunto da vegetação arbórea natural ou cultivada que participa na configuração da paisagem urbana. Esta é constituinte de áreas particulares, praças, parques, vias públicas, e em outros verdes complementares. A árvore é elemento essencial no planejamento urbano, está representada na definição e estruturação do espaço. Tem influência crucial na qualidade de vida das cidades e, portanto, na saúde das populações (SANCHOTENE, 1994). A vegetação, em especial a arbórea traz um papel fundamental para o aumento da qualidade de vida do homem da zona urbana. Santos; Mor (1999) acrescenta como vantagens da arborização nas áreas urbanas, a absorção da poluição atmosférica, neutralizando os seus efeitos na população e a diminuição da poluição sonora servindo de barreiras contra o barulho dos carros, comércios, indústrias, etc.. Sanchotene (1994) e Vidal; Gonçalves (1999) apresentam como fatores positivos da presença de árvores e arbustos no ambiente urbano a melhoria do microclima por meio da diminuição da amplitude térmica dos centros urbanos, favorecendo um conforto térmico aos usuários desses espaços, principalmente por meio da evapotranspiração, da interferência na velocidade dos ventos e pela presença de sombra. Os autores ainda admitem o embelezamento paisagístico da cidade, redução das poluições atmosféricas, sonora e visual e contribuição para a melhoria física e mental do ser humano no espaço urbano. Sanchotene (1997) continua com os pontos positivos da arborização no meio urbano, a promoção da diversidade de espécies, a economia nas despesas com condicionamento térmico, a qualificação ambiental e paisagística dos imóveis valorizando-os no mercado econômico, da mesma forma que notou Biondi; Althaus (2005). Pode-se ainda mencionar, a ambientação oferecida aos pássaros servindo de abrigo e a integração social entre os homens, constituindo espaços de lazer, descanso, passeios, encontros, etc. Assim como diz Martins (1994) facilita o acesso de todos, independentemente da classe social, promove a relação entre os homens. Diante dos inúmeros benefícios apresentados, a floresta urbana é essencial ao ambiente e à qualidade de vida, e por isso deve fazer parte de forma efetiva nas políticas públicas. O manejo, visando à manutenção da floresta urbana sempre

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saudável, com a redução dos riscos provenientes de um planejamento urbano ineficaz, como acidentes em função de quebra de galhos e a queda de árvores, e mantendo seus benefícios ambientais, é essencial e deve ser valorizado.

PERCEPÇÃO AMBIENTAL

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onhecer a percepção ambiental dos sujeitos sociais envolvidos na dinâmica das relações do processo de arborização de sua cidade, começando a partir do seu espaço local, espaço vivido, é um dos primeiros passos para se realizar um trabalho de estudo socioambiental. A percepção ambiental pode ser definida pelas diferentes maneiras sensitivas que o homem apreende, percebe e se sensibiliza pelas realidades, ocorrências, manifestações, fatos, fenômenos, processos ou mecanismos ambientais observados “in loco”. Destaca-se o valor da percepção ambiental principalmente por ser a mesma, considerada a precursora do processo que desperta a conscientização dos indivíduos em relação às realidades ambientais observadas (MACEDO, 2000). Para Trigueiro (2003), percepção ambiental é uma tomada de consciência do ambiente pelo homem no qual ele se encontra inserido, aprendendo a proteger, respeitar e cuidar do ambiente da melhor maneira possível. O conceito de percepção pode também estar vinculado à representação que uma determinada população tem sobre o seu meio ambiente, acrescentando a esse conceito, termos como valores, identidade, interpretações sobre as relações e conhecimentos acumulados dos processos vitais (PACHECO; SILVA, 2006). A percepção ambiental abrange a compreensão das inter-relações entre o meio ambiente e os atores sociais, ou seja, como a sociedade percebe o seu meio circundante, expressando suas opiniões, expectativas e propondo linhas de conduta. Deste modo, os estudos que se caracterizam pela aplicação da percepção ambiental objetivam investigar a maneira como o homem enxerga, interpreta, convive e se adapta à realidade do meio em que vive, principalmente em se tratando de ambientes instáveis ou vulneráveis socialmente e naturalmente (OKAMOTO, 1996). Neste sentido, o estudo da percepção ambiental, principalmente a dos residentes dos bairros, Alto da Conceição, Alto de São Manuel, Bom Jardim e Santa Delmira da cidade de Mossoró é de fundamental importância para que possamos compreender melhor as inter-relações entre homem/meio, conhecendo suas expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, valores, regras, julgamentos e condutas dos indivíduos. A partir da compreensão do nosso meio podemos planejar melhor o ambiente em que vivemos, organizando-o de acordo com nossas necessidades, sem prejudicá-lo, mantendo uma relação harmônica com os outros seres vivos.

QUALIDADE AMBIENTAL E QUALIDADE DE VIDA

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cidade é uma construção humana, produto social, trabalho objetivado, materializado, apresentando-se através da relação entre o construído (casas, ruas, avenidas, estradas, edificações, praças) e o não construído (o natural). O seu modo de ocupação se dá a partir da necessidade de realização de determinada ação, seja produzir, consumir, habitar ou viver (CARLOS, 2001). Assim, a paisagem urbana ganha novas feições, cores e elementos, ela é reproduzida de acordo com a necessidade humana se materializando concretamente e constantemente no espaço geográfico. Carlos (2001, p. 98) continua com o conceito de paisagem urbana:

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[...] histórica e social; existe e se justifica pelo trabalho do homem, ou melhor, da sociedade. É produzida e justificada pelo trabalho enquanto atividade transformadora do homem social, fruto de um determinado momento do desenvolvimento das forças produtivas, e aparece aos nossos olhos, por exemplo, através do tipo de atividade, do tipo de construção, da extensão e largura das ruas, estilo e arquitetura, densidade de ocupação, tipo de veículos, cores, uso, etc.

Nos últimos anos percebemos grandes transformações mundiais nos centros urbanos, no quesito social, econômico, político, cultural e ambiental. Com o crescimento das cidades acompanhadas do aumento populacional, dos rápidos avanços tecnológicos, e com a intensificação da reprodução e do consumo do capital, estabelece-se nesses espaços um desequilíbrio entre os ecossistemas naturais e os ecossistemas urbanos. Para Mendonça (2002) a degradação do meio ambiente compromete a qualidade de vida da população de várias maneiras, sendo mais percebível na alteração da qualidade da água, do ar e nos acidentes ecológicos ligados ao desmatamento, queimadas, poluição marinha, lacustre, fluvial e morte de inúmeras espécies animais que atualmente se encontram em extinção. A degradação do ambiente e a consequente queda da qualidade de vida se acentuam onde o homem se aglomera, nos centros urbano-industriais. Como resultado desse desequilíbrio entre os ecossistemas surgem os impactos ambientais ocorridos na paisagem urbana, sendo gerados conforme a necessidade e intensidade das relações socioespaciais. Na maioria das vezes é condicionante desses impactos ambientais a ausência de critérios de planejamento para ocupação dos espaços e a sua falta de planejamento adequado sem o envolvimento da população. Contudo, com o crescimento populacional e o uso de recursos naturais e tecnológicos, a urbanização tem se intensificado, gerando diversos problemas socioambientais. Entre os inúmeros de ordem ambiental está a retirada da vegetação natural para a ocupação de encostas e áreas de várzeas por populações marginalizadas, o desmatamento descontrolado para a expansão da agricultura ou habitações, a produção intensa do lixo, entre outros. A qualidade de vida está consideravelmente ligada ao meio ambiente no qual vivemos, uma vez mudado o meio ambiente vivido, é também alterado a qualidade de vida. Como enfatiza Oliveira (1983), qualidade ambiental é uma expressão de uso corrente, mas de difícil definição; está intimamente ligada á qualidade de vida, pois a vida e meio ambiente são inseparáveis. Há uma interação e um equilíbrio entre ambos que varia de escala, tempo e lugar. Pires; Santos (1995) definem qualidade ambiental como a soma dos padrões encontrados em uma série de componentes que nos cercam e influenciam diretamente nossa vida: qualidade da água, do ar, estética, etc.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

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presente estudo foi realizado no mês de setembro e início de outubro de 2010 nos bairros Alto da Conceição, Alto de São Manuel, Bom Jardim e Santa Delmira, localizados no município de Mossoró-RN. O presente município localiza-se na Mesorregião Oeste Potiguar e na Microrregião Mossoró, na região Nordeste do país. Apresenta coordenadas 05°11’16,8” de latitude sul e 37°20’38,4” de longitude oeste, com uma altitude média de 100m. O município possui um clima tropical semiárido, com estação chuvosa concentrada entre o verão e o outono, precipitação pluviométrica com média anual de 695,8mm, período chuvoso de fevereiro à abril, com temperaturas médias anuais variando de 27,4° acompanhada de uma umidade relativa média anual de 70% e 2.700 horas de insolação (RN – Instituto..., 1999).

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Quanto à vegetação, o município possui Caatinga Hiperxerófila - vegetação de caráter mais seco, com abundância de cactácea e plantas de porte mais baixo e espalhado. Carnaubal - vegetação natural onde a espécie predominante é a palmeira, a carnaúba (Copernicia prunifera). Vegetação Halófila - vegetação que suporta grande salinidade em decorrência da penetração da água do mar nas regiões baixas marginais dos cursos d’água. Pode-se notar a presença desse tipo de vegetação típica desta formação, o pirrixiu e o bredo, às vezes consorciados com carnaubais (RN – Instituto..., 1999). Os solos predominantes na região são: Cambissolo Eutrófico, Rendzina e Latossolo Vermelho Amarelo Eutrófico. O município de Mossoró situa-se em área de abrangência da Bacia Potiguar e Grupo Barreiras, onde predominam de calcarenitos e calcilutitos bioclásticos, cinza claros a amarelados, com níveis evaporíticos na base, depositados em extensa planície de maré e numa plataforma rasa, da Formação Jandaíra (Bacia Potiguar) de Idade do período Cretácea, 80 milhões de anos (RN – Intituto..., 1999; RN – Secretaria..., 2007). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FUNDAÇÃO..., 2010), Mossoró é o segundo município mais populoso do estado do Rio Grande do Norte e décima nona maior cidade do Nordeste. O município abrange uma área de 2.110,207 km² e uma população de aproximadamente 254.032 habitantes. O IDH é de 0,735, o sexto do RN (PROGRAMA..., 2000) e um PIB Per Capita de R$ 11.419.00 (FUNDAÇÃO..., 2010). Tem como municípios limítrofes Tibau (ao Norte), Grossos e Areia Branca (a Nordeste), Serra do Mel (a Leste), Assu (a Sudeste), Upanema e Governador Dix – Sept Rosado (ao Sul), Baraúna (a Oeste) e Icapuí (a Noroeste). Mossoró é uma das principais cidades do interior nordestino que passa por uma veloz expansão urbana e atualmente vive um intenso crescimento econômico e de infraestrutura. Segundo dados da revista “Você S.A”, a cidade é a 26º melhor do país para se trabalha, se destaca como uma das cidades de médio porte brasileiras mais atraentes para investimentos no país e os seus principais investidores são grupos empresariais de outros estados e grupos estrangeiros. Esta passa por grandes investimentos, onde se encontra pólos de desenvolvimento econômico importantes, tais como fruticultura, petróleo, cimento, sal, entre outros e vive atualmente uma grande expansão no setor turístico e imobiliário. Atualmente possui 28 bairros e 51 conjuntos residenciais. Dentre os 28 bairros, o Alto da Conceição foi um dos escolhidos para a realização do estudo. Situado na Zona Sul da cidade de Mossoró é um dos mais populosos e está localizado nas proximidades do Centro. Anteriormente era denominado como Alto da Mariseira, Mariseira dos Macacos e Alto dos Macacos, e, em 03/12/1896, por deliberação oficial, o local passou a chamar-se de Alto da Conceição. No bairro Alto da Conceição encontra-se a Igreja do Alto da Conceição e em sua volta se encontra os bairros Pereiros, Lagoa do Mato, Carnaubal e Alto do Xerém. As ruas selecionadas para a realização do estudo foram 11: Alberto Maranhão, Almirante Barroso, Antônio Francisco dos Reis, César Campos, Coelho Neto, Coronel Fausto, Coronel Gurgel, Joaquim Nambuco, José Bonifácio, José de Alencar e a Rua Tiradentes. O Alto de São Manuel foi outro bairro estudado. Cortado centralmente pela Av. Presidente Dutra, localiza-se na Zona Leste da cidade de Mossoró. É o maior bairro da cidade em termo de população e em tamanho. Anteriormente era chamado de Alto do Balbino, sendo proposta a mudança para Alto de São Manuel pelo primeiro bispo da Diocese de Mossoró, 1935, em homenagem a Manuel Cirilo dos Santos que fez a doação do terreno para construção da capela São Manuel. Atualmente, engloba o

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conjunto habitacional Inocoop, lugar onde foi realizada boa parte das entrevistas, escolhido por se tratar de um conjunto constituído em sua maioria pela população de classe média. Escolheram-se 10 ruas principais e centrais para realização da pesquisa: Rebouças, Bodoca, Chico Linhares, Dr. Charley, Dona Mariínha Mendes, Eng. Carlos Domaresque, Francisco Holanda, Maria Neura de Melo, Souza Pinto, Travessa 1°de Maio. Outro bairro também escolhido para o experimento da percepção ambiental foi o Bom Jardim. Está localizado na Zona Central da cidade de Mossoró, possuindo a maior parte do comércio da cidade. Trata-se de um bairro que foi criado pelos primeiros trabalhadores salineiros, composto ainda por antigas salinas e que está cedendo seus espaços para condomínios e centros comerciais. As ruas são largas, com muitas casas residenciais, alguns comércios, muitos bares, com algumas escolas e dois postos de saúde. O Bom Jardim se encontra próximo do Centro da cidade, apresentando seus limites com os bairros: Barrocas, Santo Antônio, Paredões e Centro. As ruas escolhidas para a realização do estudo foram 10: Alberto Maranhão, Antônio Soares do Couto, Crokatt de Sá, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Geraldo Couto, Juvenal Lamartine, Luiz Colombo, Melo Franco, Nilo Peçanha. Por fim, o último bairro do estudo é o Santa Delmira localizado na Zona Oeste da cidade de Mossoró. Faz fronteira com os bairros Abolição IV, Integração, Promorar e Parque das Rosas. O Santa Delmira é um conjunto habitacional projetado, composto por dois outros conjuntos menores, o Santa Delmira I, e Santa Delmira II, divididos pela Av. Principal Santa Luzia. Nos últimos anos o bairro tem passado por um intenso processo de desenvolvimento do comércio local, com muitos estabelecimentos econômicos na Av. Principal Santa Luzia. Foram 12 ruas que fizeram parte do estudo: Antônio Mota da Silva, Francisco Virginio da Costa, João Fernandes da Costa, José Mozart E. Menescal, Nossa Senhora da Consolação, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora das Mercedes, Nossa Senhora das Neves, Santa Brigida, Santa Luzia, Santa Terezinha, Tomás de Senna Filho. A metodologia empregada para realização do presente estudo foi pelo método qualitativo descritivo, tendo como população-alvo os moradores dos bairros Alto da Conceição, Alto de São Manuel, Bom Jardim e Santa Delmira sendo de ambos os sexos e maiores de 16 anos. Esta se fundamentou na aplicação de um questionário estruturado com 14 questões objetivas de múltipla escolha e/ou subjetivas (baseadas em respostas de opinião própria), onde foram dialogadas com os moradores, a fim de perceber como estes interagem com o seu meio e como percebem a arborização da sua calçada e rua. A aplicação dos questionários se baseou na análise sistemática, escolheram-se dez ruas de cada bairro e aplicava-se as questões com um intervalo de cinco residências. No geral, o total dos questionários era de três á seis por rua. É relevante destacar que a base de sucesso de uma pesquisa é a percepção ambiental aliada diretamente a um questionário de qualidade, considerando os objetivos da pesquisa e o tipo/nível dos entrevistados. O questionário contemplou os seguintes assuntos: localização, número de moradores por residência, grau de instrução, vantagens e desvantagens da arborização das calçadas. Tratou das questões sobre o encaminhamento das necessidades e reclamações à órgãos públicos ou privados (Prefeitura Municipal, Companhias elétricas e telefônicas, o IBAMA e outros.) inerentes à implantação e manutenção da arborização. E ainda, sobre a indicação de espécies que os moradores desejariam que fosse implantada na sua rua e se estes estariam dispostos a contribuir financeiramente com a arborização e quanto daria, caso esta fosse efetivada.

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Depois do recolhimento dos dados (efetuação das entrevistas), procedeu-se a sua compilação e análise, através de planilhas de cálculo do software Excel Microsoft.

PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES A RESPEITO DA ARBORIZAÇÃO

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oram realizadas 240 entrevistas, sendo distribuídas 60 para cada bairro, o Alto da Conceição, o Alto de São Manuel, o Bom Jardim e o Santa Delmira. O número total de moradores das residências entrevistadas foi 831. Das 240 residências entrevistadas, 108 não possuíam arborização de calçadas e 132 mantinham uma árvore na calçada. Os bairros com o maior índice de calçadas sem arborização foi o Alto de São Manuel e o Santa Delmira (das 60 residências entrevistadas de cada bairro, 33 não apresentaram árvores na calçada). Dos indivíduos entrevistados 71% são do sexo feminino e 29% do sexo masculino. Os entrevistados apresentavam idades que variavam de 16 a 90 anos, sendo que mais da metade da amostra geral foi constituído por sujeitos acima de 41 anos (62%), confirmando que a maior parte da população entrevistada é representada por adultos e idosos Em relação ao grau de escolaridade da população entrevistada, observou-se que o maior índice encontrado foi o do Ensino Fundamental Incompleto com 32%, dos quais 37% no bairro Bom Jardim, 34% no bairro Alto da Conceição, 25% no bairro Santa Delmira e 32% no bairro Alto de São Manuel. Em seguida está o Ensino Médio com 25% do valor total dos entrevistados. O Ensino Fundamental Completo foi o menor índice encontrado na população estudada, com 1%. Quando realizadas as entrevistas nos bairros através das informações do total geral de moradores entrevistados, verifica-se que o grau de arborização dos bairros e suas respectivas ruas analisadas foram classificados, em sua maioria, como pouco arborizados (48%) à razoavelmente arborizadas por 35%. Dos restantes, 17% responderam a rua é muito arborizada, no entanto, notou-se que a maior parte destes nem chegavam a observar a sua rua e outros a observavam de maneira brusca e afirmavam que a mesma era muito arborizada, apesar da pouca presença de árvores nas calçadas. Percebe-se que esse tipo de avaliação é muito subjetiva, pois está relacionada, em grande parte, a menor ou maior vivência do morador no local, levando em conta que muitos avaliavam a arborização da sua rua a partir da arborização em frente a sua casa ou mesmo observando a casa do vizinho. Podem-se observar algumas vantagens na arborização das calçadas dos moradores dos quatro bairros, os moradores apontaram a sombra como vantagem, com 63% do total e 29% evidenciavam a redução de calor, sendo que muitos associavam a redução de calor com o vento, a ventilação, o ar fresco e a melhoria do meio ambiente, entre outros. Das vantagens apresentadas por estes, percebe-se que a maioria observa os benefícios que arborização traz para a melhoria do microclima do ambiente urbano, conforto térmico que proporciona qualidade de vida para população. Os remanescentes da população que não apontaram nenhuma das vantagens apresentadas acima correspondem um total de 9%, responderam a presença de flores e frutos (2%), outros (5%), nenhuma vantagem (1%) e nenhum respondeu redução de poluição sonora. Dentro dos aspectos observados pelos moradores, notou-se a grande relevância que os mesmos deram a questão da importância que a arborização traz

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para o abrandamento dos microclimas urbanos, principalmente se tratando de uma região de clima semiárido, com a presença do sol o ano inteiro e a copa das árvores são essenciais para a formação de sombra. Segundo Santos; Teixeira (2001) ainda que a vegetação não possa controlar completamente as condições de desconforto, ela pode, de forma eficiente, amenizar a sua intensidade. A vegetação favorece índices mais altos de umidade do ar e os maiores valores estão presentes no verão quando a planta encontra-se com a folhagem, responsável pelo efeito da evapotranspiração. A maior desvantagem indicada na arborização urbana dos bairros foi a calçada ou casa destruída, com 33 %. No geral das indicações, estas representavam o levantamento das calçadas ocasionadas pelas raízes aéreas de plantas como das espécies fícus (Ficus benjamina), a castanhola (Terminalia catappa), a mangueira (Mangifera indica) e outras. Ressaltou-se também, a presença de galhos no telhado e rachaduras na estrutura do imóvel, trazendo dessa forma, sérios prejuízos econômicos e ambientais para essa população. Ainda com relação às desvantagens da arborização, os bairros apresentaram valores equiparados com percentuais de 31 a 35%, o que representou o menor percentual foi o bairro Bom Jardim, 31% apontaram a destruição de calçadas e casas. Em segundo lugar, a desvantagem mais marcada pelos moradores foi a calçada suja (13%), produzida principalmente pela quedas das folhas que se acumulam na calçada, aumentando na época mais seca do ano, período não chuvoso. Dos entrevistados, 9 % responderam outros, indicando as quedas de árvores presentes no período chuvoso, as copas de árvores servindo como esconderijo para assaltantes, a escuridão ocasionada por uma copa densa, o impedimento de visão, entre outros. Estas desvantagens podem estar associadas à falta de informação da população sobre o planejamento da arborização urbana e a ausência de orientação técnica para recomendações ao plantio de árvores adequadas para se evitar transtornos nos bens alheios ou interferências nos bens e serviços públicos, em virtude que grande parte das espécies foram implementadas pelos próprios moradores. Conforme Santos; Teixeira (2001), a árvore, um elemento estruturador de espaços, com a sua beleza visual e responsável pelo bem estar das pessoas, quando não planejada de forma eficiente no espaço urbano, sem políticas públicas no setor, com improvisos e falta de conscientização, passa a constituir um problema urbano. Pequenas diferenças no planejamento de arborização do espaço físico das ruas denotam uma grande diferença na taxa de sobrevivência das plantas. Segundo Spirn (1995) as ruas poderiam ser projetadas para fornecer às raízes das árvores, o espaço, o ar e a água que elas carecem para as suas funções fisiológicas. Em vez disso, presencia-se no ambiente urbano, árvores plantadas em pequenas covas, a pavimentação impermeabiliza a superfície do solo não permitindo a água ou o ar alcançar as raízes das plantas, a incompatibilização entre o espaçamento dos passeios, recuos prediais e a arborização é praticamente inviável. Neste mesmo âmbito, Bueno; Souza (2002) acreditam que a conscientização das pessoas sobre o valor das árvores, além de conhecê-las, é importante para transformar a arborização em um valor sociocultural, da mesma forma que o valor da educação ambiental com as suas metodologias participativas é muito importante para esse processo, além do reconhecimento por parte das prefeituras municipais da necessidade da implantação da arborização urbana. Neste sentido, é primordial o envolvimento e conexão das diferentes esferas públicas, privadas e não governamentais, objetivando o planejamento urbano.

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Quando entrevistada, 32% da população não observam desvantagens na arborização da sua calçada, o que pode demonstrar que boa parte desse público reconhece a importância de se realizar a manutenção e poda permanente da arborização da sua calçada ou então, acredita realizar de maneira correta o planejamento da arborização urbana. Outra conclusão a que se pode chegar é que essa mesma população nunca tenha se deparado com os problemas inerentes da arborização do ambiente urbano, deixando desse modo de mencioná-los. As principais instituições públicas ou privadas para as quais os moradores direcionam as questões referentes à arborização urbana. Do total geral dos entrevistados, 21% disseram que procurariam a Prefeitura Municipal através da Secretaria de Gestão e Meio Ambiente, 18% direcionariam as reclamações ao IBAMA, enquanto que 1% encaminharia às companhias responsáveis pela energia elétrica e telefônica, 5% se referiam a outros órgãos e por fim 55% dos entrevistados não opinaram, pois afirmaram não saber a quem encaminhar as suas reclamações. A falta de conhecimento da população em não saber a quem reclamar, tirar suas dúvidas ou dar sugestões, se alia também a ausência de orientação técnica aos mesmos, gerando um grande desequilíbrio ambiental entre o morador e a arborização. O planejamento arborístico inadequado associado ao despreparo da população, a negligência das orientações técnicas de arborização, e ainda ao improviso vicioso, reflete na implantação de espécies inadequadas, nos danos mecânicos às árvores sem a orientação da poda correta, acarretando desconfiguração na harmonia da copa da árvore e a redução do seu efeito paisagístico, além da sua incompatibilização com a rede elétrica. É essencial a implantação de um plano de arborização às áreas não arborizadas do bairro, com o treinamento de uma equipe responsável pela implantação e manutenção das árvores, mais o cadastramento das espécies para que se possa acompanhar o seu crescimento com saúde e vigor satisfatório. Deve-se levar em conta a adesão da população no plano de arborização, pois o desconhecimento dos órgãos públicos e privados dos reais anseios e necessidade da população local pode levar a uma grande possibilidade de insucesso no planejamento. Segundo Silva et al. (2007), o desconhecimento dos moradores em saber quem é o responsável pela arborização urbana é um problema que repercute na paisagem. Assim, o papel do responsável se reflete nos moradores de duas formas: a instrução do manejo adequado e a aplicação da sanção aos infratores. Dessa maneira, as pessoas plantam de forma incorreta sem saber o tipo de espécie mais adequada, preparam a cova sem saber o tamanho suficiente, e utiliza uma muda de altura imprópria e ainda pior, acredita que pode extrair a árvore quando bem desejar. Em relação à participação da população na colaboração da promoção e manutenção da arborização urbana do seu bairro, 49% declarou não colaborar, enquanto que 51% afirmaram colaborar de alguma forma. A principal forma de colaboração apontada pelos moradores é a realização do plantio voluntário nas vias públicas (canteiros, praças e espaços desocupados), com 16% do total de entrevistados. Esta forma de colaboração repercute muito na implantação de espécie inadequadas, causando muitas vezes a destruição de calçadas e o comprometimento da estrutura do imóvel e da rede aérea. Outra forma de colaboração alegada pelos moradores é a manutenção e poda das árvores (13%). Eles próprios plantam nos espaços públicos próximos às suas moradias e fazem a manutenção dos espaços arborizados. Essa mesma população revela grande insatisfação com a demora ou negligência do poder público com a manutenção e promoção na arborização do seu bairro. Tal característica revela que

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esses demonstram grande preocupação com a arborização do seu bairro, em especial as árvores da sua residência, realizando podas frequentes sem a orientação técnica, adubando e fazendo a aguação. A realização de podas de forma desnecessária ou desordenada em indivíduos muito jovens na maioria das vezes pode ocasionar a mutilação da árvore, que segundo Castro (2004), além de danificar a copa, deixa a árvore propensa ao ataque de pragas e doenças pelo estresse fisiológico imposto pela prática, o que habitualmente ocorre em cidades interioranas. Por conseguinte, as outras formas de colaboração mencionada pela população são: a não danificação da arborização urbana do bairro (10%), o incentivo ao plantio de árvores (8%) que se reflete ora no diálogo com as pessoas, ora na doação de mudas para amigos, e por último 4% afirmou colaborar de outras formas. Quando questionados sobre o nome popular da árvore plantada em sua calçada, dos 132 moradores que possuíam arborização de calçada, 34% não conhecem o nome das suas árvores. No passeio pelas ruas dos bairros estudados, foram observadas 17 espécies. O fícus (Ficus benjamina) é a árvore de maior incidência com 73 indivíduos (38%). A segunda árvore mais abundante é o nim indiano (Azadirachia indica) com 36 indivíduos (19%). As demais espécies que aparecem em menor número são: a castanhola (Terminalia catappa) com 14 indivíduos (7%), a acássia (Acassia sp) com 9 indivíduos (5%), a mangueira (Mangifera indica) com 8 indivíduos (4%). Noutros casos, aparece apenas 1 indivíduo, como é o caso da goiaba (Psidium guajava), acerola (Malpighia emarginata), monguba (Pachira aquatica), falso pau-brasil (Caesalpinia tinctoria), tamarindo (Tamarindus indica), albízia (Albizia lebbeck), chuvade-ouro (Cassia fistula), algaroba (Prosopis juliflora). Quatro árvores encontradas nas calçadas não foram identificadas segundo a espécie. Numa visão ampla e generalizada da arborização de cidades brasileiras, nota-se certa uniformidade quanto ao emprego de certas espécies, fato que supõem ser uma consequência normal de uma cidade, geralmente, tentar copiar a arborização de outra. Deste modo, vem a pouca diversidade, concentrando-se a maioria em um número reduzido de espécies, sempre acompanhadas dos mesmos problemas (SOUZA, 1994). Com relação às preferências dos moradores quanto ao tipo de espécie a ser implantada na arborização da sua rua, evidenciou-se um grande percentual (17%) por espécies do gênero fícus (Ficus sp.) e 11 % pelo nim indiano (Azadirachia indica). A preferência dos moradores por figueiras (Ficus sp) se torna um fator muito agravante, uma vez que estas espécies apresentam um sistema radicular muito agressivo, podendo acarretar, futuramente, inúmeros problemas no sistema de tubulação subterrânea, destruição e levantamento de calçadas e deterioração na estrutura do imóvel, entre outros. Além desses fatores, pode gerar na população um antagonismo ou antipatia com a implantação da arborização nas vias públicas ou em frente da sua residência. Um dos principais motivos da população pela preferência por espécies figueiras (Ficus sp.) e nim indiano (Azadirachia indica) pode estar relacionado ao desconhecimento da mesma sobre o comportamento das espécies sobre o ambiente e, também, aos “modismos passageiros” por uma determinada espécie, disseminado por profissionais não qualificados. Segundo Monico (2001) a maior fonte de rejeição da arborização pela população está relacionada aos “modismos” seguidos pelas prefeituras e

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moradores nas cidades que selecionam as espécies levando em conta os valores estéticos e esquecem-se da funcionalidade e relação da árvore no ambiente urbano. Dentre outras espécies arbóreas, verificou-se uma preferência acentuada dos moradores pelo tipo frutífero em geral (15%). O tipo frutífero mais destacado pelos moradores (15%) foi o da espécie mangueira (Mangifera indica) que além de oferecer um grande sombreamento possui um grande potencial frutífero. Dos bairros estudados o que apresentou o maior percentual por esse tipo de espécie foi o bairro Bom Jardim (18%) e pelo tipo frutífero em geral, o bairro que mais se destacou foi o Santa Delmira (18%). O bairro que apresentou o menor percentual em espécies frutíferas foi o Alto de São Manuel (8%), o principal motivo de rejeição dos moradores por esse tipo de espécie se dá em razão da possível procura do fruto no período de frutificação, podendo trazer desse modo alguns incômodos para os moradores. Milano; Dalcin (2000) consideram, por exemplo, que as condições viárias urbanas não constituem ambiente adequado para o plantio de árvores frutíferas, pois além de oferecer sujeira, são atrativos para inúmeros vetores de doenças como moscas, baratas e ratos. Uma boa alternativa para substituição de espécies frutíferas, que em sua maioria são inadequadas para a arborização urbana, é a implementação de árvores nativas frutíferas. Santos; Teixeira (2001) asseguram que algumas espécies vegetais, com evidência nas frutíferas nativas, são responsáveis pela ambientação e alimentação da avifauna, garantindo-lhes condições de sobrevivência. Além disso, as árvores nativas oferecem melhor equilíbrio ecológico, em geral são muito bem adaptadas ao clima e às condições da região e terão crescimento vigoroso.

CONCLUSÕES

A

principal função da arborização urbana para a população dos bairros avaliados aponta para a melhoria do conforto térmico, pela produção de sombra (63%) e pela redução de calor (29%) nos meses mais quentes do ano. A maioria dos moradores demonstraram possuir uma percepção ambiental positiva com relação à importância da arborização, seus benefícios e qualidade de vida para o espaço urbano. Portanto, estes consideram a árvore mais como um elemento estruturante do ambiente urbano, com funções amenizadoras do clima, do que um elemento natural, favorável à manutenção e sustentabilidade das relações entre os seres vivos, e à aproximação do homem com o meio natural. Percebeu-se que a população vem sofrendo as consequências com a falta do planejamento da arborização urbana, evidenciado, sobretudo pelo plantio de espécies inadequadas em locais indevidos como calçadas estreitas, próximas de postes de luz e embaixo de fiação elétrica, deste modo a principal desvantagem ressaltada pelos moradores foi a calçada ou casa destruída, representou 33%. Dos moradores entrevistados, quase 80% declararam-se condescendentes com a contribuição financeira para a implantação e manutenção da arborização urbana. A população apresentou os maiores valores ofertados pela pesquisa, estando estes valores entre R$5,00 à 50,00. Todavia, o bairro Bom Jardim foi o que apresentou o menor valor monetário para a contribuição financeira da arborização urbana, R$1,00 anual. De acordo com os resultados evidenciou-se que a população é bastante favorável com a arborização urbana, a sua implantação e manutenção. Estes percebem a qualidade de vida oferecida pelos espaços verdes, valores denotado nos índices de contribuição financeira para os cuidados com a arborização urbana do seu bairro. Para que haja um planejamento e manutenção da arborização urbana é necessário considerar a percepção ambiental da população, pois a falta da sua participação e

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conscientização da importância da arborização urbana estar frequentemente relacionado aos fracassos dos plantios em áreas urbanas. Assim, os resultados desse trabalho devem servir para incentivar o Poder Público local a desenvolver medidas corretivas quanto aos cuidados com o solo urbano e cumprir com os princípios e diretrizes já existentes no Plano Diretor. Segundo o Estatuto da Cidade (Artigo 24 inc. III, 2001) é dever do Município através da sua Agenda 21 Local implementar estratégias de desenvolvimento sustentável para incentivar e proteger a arborização de vias e logradouros públicos, com prioridade para espécies nativas. Evidenciou-se a necessidade de uma maior responsabilização das companhias de energia e telefônica quanto aos cuidados com a arborização urbana na manutenção e poda de árvores. É essencial que estas companhias possuam um corpo técnico especializado em serviços de arborização urbana para o atendimento da população em geral, evitando dessa maneira as podas drásticas permanentes e outros problemas inerentes ao manejo inadequado da árvore. É de extrema necessidade que o Poder Público Municipal dê importância a um plano de arborização especial, um programa de orientação técnica à população dos bairros quanto ao assunto de plantio, poda e manutenção, assim reduziriam os diversos equívocos realizados pelos moradores pela ausência de conhecimento sobre o assunto. Faz-se necessário um programa de educação ambiental implementado junto à população sobre a importância da arborização urbana para a melhoria da qualidade de vida, com a parceria das diversas instituições inseridas nesse contexto (Prefeitura Municipal e pessoal técnico, Companhias de energia e telefônicas, Companhias de água e esgotos, Universidades). O programa de educação ambiental pode ser inserido nas escolas dos municípios nos ensinos fundamentais abordando a importância das espécies da flora e fauna nativa e a sua inseparável relação de manutenção biológica presentes nas áreas que circunvizinham a cidade. O presente estudo envolvendo a percepção ambiental da população em relação ao meio ambiente deve ser utilizado como um instrumento necessário à administração municipal, podendo utilizá-lo no planejamento e gestão de áreas verdes. Este deve atender aos pedidos da população por meio de políticas públicas, estabelecendo programas de educação ambiental afim de que possa contribuir na sensibilização destes num processo lento e continuo e incentivando estudos acadêmicos na área.

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DINÂMICA URBANA NAS PEQUENAS CIDADES NORTERIOGRANDENSES: PENSANDO A GEOGRAFIA DO PRESENTE DA CIDADE DE CARAÚBAS (RN)

DINÂMICA URBANA NAS PEQUENAS CIDADES NORTERIOGRANDENSES: PENSANDO A GEOGRAFIA DO PRESENTE DA CIDADE DE CARAÚBAS (RN) Jomara Dantas Pessoa 17

INTRODUÇÃO

A

pesar das pequenas cidades não representarem no cenário urbano nacional centros de desenvolvimento econômico, de atração e concentração populacional, estas, no entanto se configuram em fenômenos “urbanos” importantes, espaços que requerem ser pensados, pois a complexidade que congrega denota profundas e significativas diferenças, constituindo-se em grandes desafios no âmbito da pesquisa do urbano no Brasil. Essas cidades, apesar da aparente tranquilidade numa apreensão a priori, há muito tempo que se manifesta a tendência para a perda do caráter bucólico e pacato presentes até então, e onde em suas paisagens de certa forma já se vislumbram externalidades e aspectos negativos como, a violência crescente, a formação de um incipiente e preocupante processo de favelização em suas periferias e o aumento dos desequilíbrios sociais. Apesar de todo um conjunto de problemas que já as assolam, as pequenas cidades ainda possuem amenidades, se comparadas às grandes cidades, sobretudo quando se considera o seu cotidiano, cujas relações interpessoais apresentam-se estreitas, bem como as tradições, festejos, as crenças no padroeiro e as relações de compadrio e amizade permanecem e são reproduzidas pelo conjunto de sua população, o que se pode pensar, de modo equivocado, que seus habitantes vivem num eterno marasmo e fundamentalmente tomadas como um perfil homogêneo. A relação tempo-espaço é diferenciada dos grandes centros, contudo as contradições e desigualdades sócioespaciais estão cada vez mais presentes e articuladas, só que em diferentes escalas. Em vista disso, a análise do processo de urbanização brasileiro deve envolver também o entendimento dessa realidade, cuja formação, desenvolvimento e dinâmicas atuais não podem ser compreendidos a partir dos mesmos parâmetros em que se analisam as médias e as grandes cidades brasileiras, apesar de também apresentarem problemas de natureza econômicas e sociais relevantes como se observa nesses espaços. Além disso, ressalta-se que poucos são os estudos relacionados à estruturação do espaço urbano e às condições de vida nas pequenas cidades. Desse modo, ao tomarmos como objeto de estudo o entendimento da dinâmica urbana das pequenas cidades, tivemos de sobrepor obstáculos consideráveis e de natureza diversa, onde a questão teórico-metodológica foi à principal. Em face disso, não pretendemos nesse texto formular definições ou estabelecer teorias gerais que dêem conta da total explicação dessa realidade, pretendemos apenas incitar o debate 17

Graduada em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Especialista em Geografia do Nordeste: Gestão do Território e Desenvolvimento (UERN). Professora de Geografia da Educação Básica em Caraúbas.

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acerca desse fenômeno urbano, contribuindo para sua reflexão de modo que cada vez mais essas discussões possam ser enriquecidas, sobretudo, a partir de estudos específicos que possam possibilitar uma melhor compreensão dos seus aspectos teóricos. Nessa linha de discussão, buscamos estudar a dinâmica urbana das pequenas cidades brasileiras e, em especial, as norteriograndenses, tendo Caraúbas como referencial empírico da pesquisa, buscando produzir dados socioeconômicos que possibilitem o conhecimento do seu atual estágio de desenvolvimento urbano. Este trabalho é resultado da discussão realizada no âmbito da produção monográfica elaborada na especialização em “Geografia do Nordeste: Desenvolvimento e Gestão do Território”, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, este texto, propõe de início, uma leitura acerca das pequenas cidades brasileiras e para tanto, foram revisadas bibliografias que discutem a temática em tela como subsidio nas questões teóricas que apontam para um entendimento da realidade específica das pequenas cidades. Em seguida, discute-se a dinâmica urbana específica da cidade de Caraúbas-RN, delineando seu perfil social e econômico, tendo como subsidio os dados estatísticos disponíveis, às informações obtidas junto à população local e às observações sistemáticas realizadas nessa cidade durante os estudos de campo. Para tanto, fizemos uma análise do processo de formação e expansão urbana de Caraúbas, embora nos determos, especialmente, a partir da década de 1950 chegando ao ano 2008. A escolha desse recorte temporal deve-se ao fato de nesse período Caraúbas apresentar no seu território, atividades agroindustriais como a produção algodoeira e a cajucultura que propiciaram uma dinamização econômica e social, mesmo que de forma bastante incipiente. E por fim, teceremos algumas considerações sobre os principais aspectos visíveis do espaço e as impressões que obtivemos sobre a vida cotidiana predominante em Caraúbas. Portanto, entender a geografia do presente da cidade de Caraúbas é algo de grande relevância para os estudos urbanos locais, uma vez que propiciará a ampliação do conhecimento de sua atual configuração no espaço urbano e, por conseguinte dos problemas advindos com seu processo de urbanização.

A DINÂMICA URBANA BRASILEIRA AS PEQUENAS CIDADES: TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O

território brasileiro ao longo de sua trajetória histórica passou por um intenso processo de urbanização, que se deu sob importantes diversificações regionais, de modo que segundo Santos (2008), as diferentes taxas de urbanização das várias regiões têm uma relação com a forma como cada uma delas adentraram na divisão inter-regional do trabalho. A região Nordeste, por exemplo, constitui uma realidade bem específica, advinda do seu passado histórico no processo de ocupação do território brasileiro, tendo este sido marcado por relações arcaicas, concentradoras de rendas e de terras, o que impedia o desenvolvimento e promovia a pobreza dos seus habitantes dificultando assim uma urbanização mais expressiva. Notadamente muitos são os questionamentos que permeiam as discussões inerentes as pequenas cidades, ou cidades locais, como denomina Santos (1979), iniciando pela própria denominação, que recebe essa nomenclatura porque segundo ele quando se fala em cidade pequena, o número restrito de habitantes é o primeiro a se pensar, não levando em consideração a importância deste núcleo para a região:

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A cidadezinha constitui a célula-máter que atende às necessidades de uma população; tais necessidades variam em função da densidade demográfica, das comunicações e da economia da região, bem como do comportamento [socioeconômico] de seus habitantes. Porém, cada uma dessas cidades constitui um caso específico quando se leva em conta sua função principal (SANTOS, 2008, p. 27).

Além da denominação, outra questão circunda os estudos que envolvem as pequenas cidades – a sua relação com o espaço rural, ou seja, o estabelecimento de limites que caracteriza e diferencie essas duas dimensões, algo que se torna bastante complexo, tendo em vista a estreita relação entre essas realidades. Essa discussão inclusive nos lança a um debate sobre o que é urbano e rural no Brasil, contudo não queremos adentrar nessa definição, mas também, não poderíamos nos furtar a discutir a relação dessas cidades com seu espaço rural, sobretudo no que se refere aos municípios potiguares. Mudanças importantes são verificadas no território brasileiro advindas da evolução socioeconômica fruto da etapa atual do modo produção capitalista, ressaltando ainda mais o teor dessa discussão. Contudo, como bem coloca Endlich (2006), apesar da precarização que verificamos nas cidades brasileiras, resultante principalmente do processo contraditório de sua urbanização, não é se negando o caráter urbano das mesmas que esses problemas serão resolvidos. Baseada em Lefebvre, a autora afirma que a conquista dessa urbanidade, preterida deverá ser alcançada, sobretudo, como uma das etapas de evolução social: “Contudo, permanecem ilhas de ruralidades e as cidades brasileiras revelam o caráter contraditório de sua urbanização” (LEFEBVRE apud ENDLICH, 2006, p. 29). Fica perceptível assim a dificuldade que é estudar esse objeto requerendo, portanto maiores reflexões científicas, tanto em nível teórico-conceitual, bem como metodológico, de modo que se possa contribuir no âmbito da elaboração das políticas voltadas ao desenvolvimento socioeconômico desses espaços, que em sua maioria carecem de planejamento urbano e como consequência apresenta um quadro complexo de problemas socioeconômicos, infraestruturais e ambientais, configurandoa, numa análise a priori, como espaços de estagnação e atraso. Reconhecidamente essas cidades têm experimentado mudanças substanciais na sua composição econômica. Do mesmo modo, vêm ocorrendo o processo de dinamização de sua vida urbana, com a expansão de áreas habitacionais, ocupação de espaços antes utilizados apenas por atividades essencialmente agrícolas tradicionais, realizadas próximas ao perímetro urbano. No entanto, apesar dessas mudanças, não conseguiram modificar o seu quadro socioeconômico. Esse cenário nos coloca diante de uma diversidade de pequenas cidades marcadas pela pequena expressividade econômica onde muitas apresentam um quadro de extrema pobreza, sendo uma das dimensões socioespaciais geradas pelo processo histórico de produção do espaço urbano regional. No Brasil, uma expressão dessa diversidade pode ser notada a partir da análise dos dados da população de parcela dos municípios brasileiros, onde segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - 2000) dos 5.561 municípios brasileiros, 4.074 (73,2%) têm menos de 20 mil habitantes, concentrando 19,7% da população brasileira, sendo um reflexo da onda de urbanização do país. Já os municípios com mais de 500 mil habitantes são apenas 31 (0,5% do total), mas concentram 27,5% da população. Notadamente o problema reside no aumento considerável do total de

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pequenos municípios, onde dos 1.070 novos municípios surgidos de 1991 a 2000, 57% têm menos de 5.000 habitantes, e 96,2% têm menos de 20 mil habitantes. (IBGE, 2000). Na região Nordeste houve um reforço considerável a essa tendência, pois quando comparado a outras regiões brasileiras, de acordo com o IBGE (2000), a formação e a distribuição territorial dos municípios na região Nordeste revela o quadro de uma população regional distribuída entre 1.787 municípios, aproximadamente 32% do total de municípios brasileiros (sendo a região brasileira com o maior número de municípios) correspondendo a 28% da população nacional. Quando se analisa o contexto norteriograndense, esses dados também são expressivos e preocupantes, tendo em vista que cerca de 80% dos municípios apresentam o total populacional inferior a 20.000 habitantes, e, em 32% desses o número de habitantes é inferior a 5.000, sendo apenas três cidades que apresentam um total de habitantes superior a 100.000. A análise desses dados reforça a fragilidade da rede urbana norteriograndense, marcada pela formação bem como a consolidação de pequenos núcleos urbanos e pela ausência de centros urbanos que possam funcionar como pólos dinamizadores regionais, que são, em grande medida, resultado da produção do espaço e da sua dinâmica socioeconômica, advindos com o processo de (re)produção do espaço urbano regional e nacional. O quadro acima se evidenciou substancialmente com o fechamento das atividades algodoeiras e de todo um complexo que dinamizou economicamente as pequenas cidades do Estado. Com isso diversas cidades interioranas, e em especial, as do semiárido do Rio Grande do Norte, como Caraúbas passaram a enfrentar uma desestabilização econômica, principalmente devido à ausência de atividades que promovessem certa dinâmica urbana, já que o complexo gado – algodão – agricultura de subsistência, que eram responsáveis pelo desencadeamento desse processo, deixou de serem implementados. Nesse sentido, de acordo com Felipe (1988), após essas mudanças aumentam as reivindicações pela presença do Estado, seja criando instituições e mesmo fortalecendo outros serviços importantes, como é o caso da educação e da saúde. Dessa forma há a ampliação do emprego público que junto com as aposentadorias dos trabalhadores rurais e os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) aparecem como substituto dos empregos e capitais perdidos com a falência da agroindústria algodoeira. Advindo dessas mudanças evidencia-se também a formação de uma classe média formada por profissionais liberais, funcionários públicos especializados, bem como o empresariado local, grupos que, pelo poder aquisitivo que apresentam, tem efetivamente real acesso à cidade em detrimento da maioria sem direito a cidade. Notadamente a dinâmica socioeconômica de grande parcela das pequenas cidades norteriograndense evidenciam-nas no cenário nacional com inúmeros problemas sócioespaciais e econômicos: são comunidades pobres, cujo crescimento econômico beneficia grupos já privilegiados, ampliando as desigualdades sociais, de maneira essas cidades passam cada vez mais a apresentar problemas semelhantes aos centros maiores no que tange a emprego, educação, habitação meio ambiente entre outros. Além disso, são carentes de infraestrutura, a maioria marginalizadas das políticas públicas urbanas, cuja estrutura política marcada pelo “mandonismo local”, desprovidas de qualquer planejamento que propicie o seu desenvolvimento urbano, cuja desigualdade de acesso a renda promove o sofrimento coletivo de parcela considerável de sua população. Esse cenário fica bastante perceptível quando se analisa a dinâmica urbana de pequenas cidades como Caraúbas.

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PENSANDO ASPECTOS DA DINÂMICA SOCIOECONÔMICA ATUAL DA CIDADE DE CARAÚBAS (RN)

C

araúbas é uma pequena cidade, do estado do Rio Grande do Norte, cujo processo de ocupação do seu espaço inicia-se na época do Brasil Colonial, no final do século XVIII, apesar de nesse momento não apresentar características que a denotasse o status de urbano. No entanto, representava um entreposto comercial de criação e venda de gado, tendo sido essa atividade inclusive o fator determinante de sua formação inicial. E foi subsidiada pelos ciclos econômicos dessa, e de outras atividades econômicas, que foi se moldando o espaço urbano de Caraúbas. Dentro dessa perspectiva histórica de formação do espaço urbano caraubense ressalta-se a contribuição da atividade algodoeira, que associada à pecuária propiciou durante certo período, década de 1940 até fins da década de 1980, uma dinâmica econômica importante ao município de Caraúbas, tendo nesse período o seu espaço urbano experimentado algumas modificações, como a presença de um empreendimento industrial. Entretanto, advinda de uma crise regional, houve a desestabilização das atividades algodoeiro-pecuário, base da economia caraubense. Com a decadência dessas atividades a cidade experimenta uma retração principalmente no que diz respeito ao seu desenvolvimento econômico, haja vista o implemento dessas atividades dinamizarem todo o município de Caraúbas: tanto seu espaço rural, através da criação do gado e da produção de algodão, como também o espaço urbano sendo esse o lócus para comercialização e num dado momento, da produção industrial facilitado pela proximidade do centro regional de Mossoró. Propiciada por uma reformulação de sua base produtiva, notadamente marcada pela presença de um novo empreendimento industrial, uma fábrica de beneficiamento da castanha, na sua dinâmica de (re)produção do espaço, a cidade de Caraúbas passa a experimentar novamente mudanças consideráveis na formatação do seu espaço urbano evidenciado, sobretudo pelo aumento da população que passa a ocupar a sua área urbana. Quadro esse que se mantêm até meados da década de 1990 quando a fábrica deixa de realizar suas atividades na cidade sendo transferida para Mossoró. Com a retirada da fábrica, Caraúbas sofre mais uma vez forte retração econômica, advinda, sobretudo da perda dos empregos gerados pela fábrica, fazendo com que essas pessoas passassem a depender unicamente das aposentadorias, do funcionalismo público e dos poucos empregos gerados por um incipiente comércio local. Dessa forma fica perceptível que o processo de urbanização de Caraúbas proporcionou o aumento da população residente na cidade em detrimento da população residente no campo. No entanto, não houve na cidade a implementação de nenhuma atividade econômica que viabilizasse seu desenvolvimento e amenizasse o quadro de pobreza gerado pelas sucessivas crises das economias tradicionais aliada à insuficiente atuação do poder público. Além desses dados, que notadamente expressam a fragilidade econômica que essa cidade vivencia, o social do mesmo modo reflete esse quadro onde cerca 70% de sua população vive na pobreza, segundo os dados do IBGE (2000).

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Em face disso a dinâmica socioeconômica de Caraúbas e de grande parcela das pequenas cidades norteriograndenses, evidenciam-nas no cenário nacional com inúmeros problemas socioespaciais e econômicos: são comunidades pobres, cujo crescimento econômico beneficia grupos já privilegiados, ampliando as desigualdades sociais, de maneira essas cidades passam cada vez mais a apresentar problemas semelhantes aos centros maiores no que tange a emprego, educação, habitação meio ambiente entre outros. Além disso, são carentes de infraestrutura, a maioria marginalizadas das políticas públicas urbanas, cuja estrutura política marcada pelo “mandonismo local”, desprovidas de qualquer planejamento que propicie o seu desenvolvimento urbano, cuja desigualdade de acesso a renda promove o sofrimento coletivo de parcela considerável de sua população. Os números referentes à dinâmica populacional também são um reflexo condicionante dessa situação de fraco dinamismo observado no âmbito das pequenas cidades. Os dados do total populacional de Caraúbas segundo IBGE (2010) contabiliza um total de 19.582 habitantes, desse total, 13.709 residem na zona urbana e 5.873 na zona rural. Esses dados reforçam a tendência de concentração da maioria da população dos municípios na zona urbana, bem como evidencia ainda a intensa migração do campo para a cidade, nas ultimas décadas, em virtude da crise que envolveu as bases produtivas da região. Nesse sentido, pode-se considerar também que a expansão urbana de Caraúbas e os problemas advindos desse processo apresentam estreita vinculação com as desigualdades em outros espaços, como por exemplo, o seu entorno imediato, o campo, e acaba contribuindo para a migração dessa população para cidade, em busca, sobretudo do acesso ao emprego e a renda. E a exemplo do que se observa em outros centros urbanos do país, esse processo ocorre paralelo a elevados níveis de desemprego, subemprego e instalação de pessoas em submoradias, uma vez que não é acompanhado pelo aumento da infraestrutura urbana, acarretando sérios problemas sociais como: aumento do número de moradias em locais impróprios e em péssimas condições; aumento do desemprego; da violência; e principalmente a pobreza de sua população. Com isso através tanto do quadro econômico e como também da dinâmica populacional, a falta de dinamismo em Caraúbas também pode ser atribuída à configuração atual dos principais indicadores sociais, onde, por exemplo, conforme os números do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD, 2000) o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Caraúbas é de 0,614, o que configura a cidade no limite entre o baixo e o médio desenvolvimento, estando também abaixo do IDH estadual que é de 0, 705. Segundo dados do IBGE, em reportagem divulgada pelo Jornal Tribuna do Norte (2008), Caraúbas apresenta-se líder no ranking estadual como detentora dos mais baixos indicadores socioeconômicos, onde 68,2% de sua população vivem na pobreza. Ainda sob o prisma dos dados, o Instituto de Desenvolvimento e Meio Ambiente (IDEMA) (INSTITUTO..., 2005) relativos a renda da população caraubense, demonstram que mais da metade do total da população, ou seja, 58,12%, só recebem até um salário mínimo e esses somados aqueles que se declaram sem rendimentos, 14,14%, representam um total de 72, 26%. Esses aspectos configuram a cidade, quando se analisa o ranking de desenvolvimento no contexto estadual, em 113º lugar no estado (113/167 municípios) e em 4.411º lugar no Brasil (4.411/5.561 municípios). Sabe-se que o processo de produção do espaço urbano em Caraúbas é resultante da forma como esse se deu no âmbito do contexto estadual, regional e nacional, e que também é condicionada pelas diferentes funções que sua economia vem assumindo

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dentro do processo de produção capitalista, bem como dos interesses dos agentes sociais que atuam na organização do seu espaço e que impõem dinâmicas e estruturas diversas. Sendo assim, Caraúbas é marcada por essa contradição, característica essencial da cidade capitalista, uma vez que a atuação dos agentes produtores espaço urbano (Estado, agentes imobiliários e sociedade civil) nesta cidade, tem contribuído para a manutenção e (re)produção das desigualdades socioespaciais.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

F

oram muitas as pequenas cidades que, assim como Caraúbas, tiveram em sua gênese a função de intermediação comercial da produção agrícola, evidenciando a importante relação entre os espaços urbanos e rurais no âmbito dos pequenos municípios brasileiros, tendo sido, inclusive, esse processo que subsidiou a cidade de Caraúbas num dado momento histórico, quando a mesma assumiu a função de intermediação de atividades industriais e comerciais de produtos agrícolas, como foi o caso do algodão e da castanha. Com a decadência dessas atividades esse dinamismo econômico é interrompido, tendo em vista a ausência de uma atividade econômica substitutiva das agroindústrias. Em decorrência desse processo o espaço urbano de Caraúbas se especializa na prestação de serviços, sobretudo para o seu entorno, o espaço rural. Esse contexto é facilmente apreendido quando analisamos a dinâmica urbana e econômica atual de Caraúbas, cujas características denotam a importância do setor terciário principalmente no que diz respeito ao fluxo econômico e populacional na cidade. Os recursos financeiros que sustentam a cidade hoje são, em sua maioria, advindos do FPM, e do funcionalismo público municipal, estadual ou federal, bem como no incipiente comércio local. E somado a esse quadro, há também uma parcela considerável da população que recebem as aposentadorias e os benefícios do governo. Tudo isso faz com que essa cidade se configure nas estatísticas de desenvolvimento econômico e social com índices bem abaixo dos parâmetros que garanta a sua sustentabilidade urbana. Esse quadro de dificuldades socioeconômicas que Caraúbas enfrenta acaba condicionando diretamente a formatação do seu espaço urbano, sobretudo, quando analisamos o conjunto de suas características, tais como o exercício de suas funções propriamente urbanas que são marcadas pela precariedade dos serviços como saúde, infraestrutura - como ausência de pavimentação em diversas ruas da cidade, sobretudo nos bairros periféricos - que reforça a fragilidade de seu processo de urbanização. Além disso, a ausência de atividades que congreguem tecnologias permite configurar Caraúbas como um “espaço opaco”, tendo em vista a mesma não apresentar densidades técnicas e informacionais consideráveis, além de não atrair atividades com maior conteúdo em capital e tecnologia (SANTOS; SILVEIRA, 2006). Outro dado diz respeito a importante presença do rural no cotidiano da cidade, como por exemplo, a realização das feiras livres aos sábados que acaba reforçando as trocas comerciais entre esses espaços. Além desses aspectos destacamos ainda a dinâmica da sociabilidade local evidenciada através das relações cotidianas de conhecimento mútuo entre as pessoas. Sendo assim, essa cidade deve ser entendida como uma das expressões concretas do processo de segregação socioespacial, sobretudo no âmbito regional e nacional, já que, entre outros fatores, essa é a triste realidade da grande parcela dos pequenos

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municípios, e em especial, do sertão norteriograndense. Nesses espaços ocorre uma ausência de atividades que garantam sustentação econômica aos mesmos, o que propicia uma certa estagnação econômica, bem como um quadro complexo de problemas sociais evidenciado, sobretudo, pela pobreza de sua população. Essa conjuntura condiciona também a manutenção de estruturas arcaicas que permanecem no poder político local, situação essa que se amplia ainda mais, uma vez que a atuação do poder público funciona subsidiada pela “política de barganha” que há muito configura como sendo uma das tristes realidades do nordeste brasileiro, baseada no imediatismo e no improviso, objetivando a permanência das elites dominantes ou dos seus apadrinhados políticos. A reflexão acerca da dinâmica urbana de Caraúbas é reveladora na medida em que permite compreender que o seu espaço urbano ainda se encontra em fase de construção, expressando, desse modo, particularidades. Mesmo diante da relativa ampliação da infraestrutura de serviços sociais básicos, como foi possível perceber ao longo do trabalho, na cidade ainda há uma forte carência de infraestrutura urbana, que se explica em função do grande descompasso existente entre o crescimento da população que reside na cidade e a estrutura espacial, situação esta evidenciada pela existência de bairros segregados, como é o caso do Leandro Bezerra notadamente estigmatizado como sinônimo de pobreza no contexto da cidade. Contudo, por se tratar de um urbano ainda em construção, torna-se possível acreditar que existe ainda uma grande possibilidade de promover o seu adequado crescimento, tendo em vista as experiências vivenciadas em centros maiores. Para tanto, se requer a vontade e compromisso de todos os setores da cidade e das esferas políticas de modo a implementar e financiar estas políticas. Além disso, a ausência de projetos de desenvolvimento pelo poder público local faz com que a construção desse espaço continue marcada pela deterioração não só do ambiente urbano, mas, sobretudo das condições de vida dos que nele residem. No entanto ressalta-se que a preocupação com o crescimento econômico deve-se se dá face também a melhorias sociais principalmente no que diz respeito a distribuição de renda. De modo que só a partir da efetivação e ampliação das políticas sociais que incentivem o resgate da cidadania, despertando a sociedade no tocante as capacidades, competências e habilidades das pessoas no que diz respeito às mudanças urgentes e necessárias para as melhorias nas condições de vida no urbano, e em especial, nas pequenas cidades como é o caso de Caraúbas. Tudo isso subsidiará as mudanças necessárias tendo em vista esta só ser possível através, sobretudo dos fatores político-administrativos no sentido de identificar e solucionar os problemas e as necessidades de cidades como Caraúbas para o desenvolvimento do seu espaço urbano e com isso propiciar a melhoria na qualidade de vida de sua população. No entanto, o que se tem verificado no vigente processo de urbanização do Estado é que esse se dá de forma concentrada, isso porque enquanto os grandes centros urbanos do Estado vêm ampliando os investimentos no sentido da melhoria de sua infraestrutura para melhor atuação do capital privado em seus espaços, as pequenas cidades norteriograndenses como Caraúbas são esquecidas no âmbito dessas políticas fato esse que as configuram no cenário urbano como sinônimo de estagnação e subdesenvolvimento. Nesse sentido, é importante que se pense no desenvolvimento de tais cidades, isso porque são essas cidades que se bem estruturadas funcionariam como um foco potencial para alavancar o desenvolvimento regional e, por outro lado, representam

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também uma alternativa para que se desafoguem os já tão saturados ambientes urbanos das grandes cidades. Todavia se faz necessário que cada vez mais sejam elaborados estudos e análises da problemática que envolve essas cidades, além da adoção de uma nova política urbana, que vise, antes de tudo, à promoção social dos indivíduos, à garantia das necessidades básicas e ao acesso aos serviços necessários a uma vida digna. Do contrário estará se contribuindo para que cada vez mais aumente os problemas urbanos brasileiros, haja vista a base dos mesmos não estar sendo devidamente assistidas para que se possa transformá-las. É certo que as dificuldades inerentes a reversão dessa situação existe e são de uma complexidade considerável, mas em face disso as possibilidades de novos caminhos também são inúmeras, basta que se dê o olhar que a questão merece.

REFERÊNCIAS ENDLICH, Ângela Maria. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER. Arthur Magon (Org.). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. FELIPE, J. L. A. Elementos de geografia do Rio Grande do Norte. Natal: Universitária, 1988. INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE IDEMA. Perfil do seu município. Disponível em: <http://www.rn.gov.br/secretarias/idema/>. Acesso em: 18 de dezembro de 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censos demográficos de 1970, 1980, 1991, 2000, 2010. Disponíveis em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 20 dez. 2010. SANTOS, M. Espaço e sociedade. São Paulo: Vozes, 1979. ______. A Urbanização brasileira. 5. ed., São Paulo: Edusp, 2008 SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: território e sociedade no inicio do século XXI. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

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OS DESAFIOS DO ENSINO DA GEOGRAFIA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

OS DESAFIOS DO ENSINO DA GEOGRAFIA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Otoniel Fernandes da Silva Júnior18

INTRODUÇÃO

O

texto ora apresentado parte de considerações e reflexões teóricas acerca das influências da dinâmica sociedade da informação no contexto educacional. As perspectivas teóricas levantadas encaminham o debate no sentido de entender que contexto é esse em que vemos a substituição da base do poder capitalista, que antes era representado pelos recursos naturais e agora passa a ser a informação a matéria prima desse novo período de revolução tecnológica. Nesta perspectiva contemplou-se as muitas indagações deste texto em três dimensões que se constituem em condições para reflexão do temário da geografia escolar. Em um primeiro momento contextualiza-se historicamente as origens da Era da informação, evidenciando sua peculiaridades e contradições, bem como expondo a interação de processo que culmina na lógica das redes que vigora nesse período de revolução da técnica e da informação. A segunda dimensão encaminha a discussão das imposições da sociedade da informação ao contexto escolar, evidenciando a inevitabilidade e penetrabilidade das novas tecnologias, que modificam por sua vez as formas de interrelação com o mundo de forma individual e coletiva. Ainda é posto em debate como essas novas tecnologias influenciam os comportamentos humanos a partir da discussão do conceito de ciberespaço associado a cibercultura que estrutura a lógica de comunicação em redes. Apesar das resistências os espaços escolares devem ensaiar e projetar momentos de diálogos com esses novos mecanismos na produção da comunicação e informação. A terceira dimensão enfoca os desafios que se colocam ao ensino da geografia através do acesso a formas variadas de informação que chegam a escola, por meio de mídias, estabelecendo muitas vezes o pensamento único. Destaca-se nesse sentido o papel do professor frente aos conteúdos da geografia, para desconstruir as ideias hegemônicas e desvendar a realidade. A inserção de novas tecnologias no cotidiano dos alunos levanta o desafio ético que as contraditoriedades do processo contribuindo para aprofundar as desigualdades sociais.

O CONTEXTO DA ERA DA INFORMAÇÃO

A

ntes de expor algumas considerações sobre o que entendemos por sociedade da informação e sua contextualização histórica, cabe um exemplo ilustrativo para reflexão inicial sobre como as novas tecnologias são incorporadas à Educação. Em um episódio recentemente publicado no site Folha.com (11/06/2011) na seção cotidiano, trazia a seguinte manchete: “Estudante é suspensa no Rio, após colocar lição no Facebook”. A matéria relatava que uma aluna de 15 anos que havia criado uma comunidade na rede social Facebook, para trocar informações sobre tarefas e provas, virou caso de polícia. A comunidade criada pela jovem estudante do 18

Mestre em Geografia pela UFRN, e Professor Assistente II da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.

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1º ano do Ensino Médio, tinha segundo a mesma, um ambiente “construtivo”, apesar de focar na divulgação de respostas das lições que valiam nota. Qual foi a medida pedagógica da instituição privada do Rio de Janeiro? Coação! A aluna foi pressionada a apagar a comunidade sob risco de prisão por crime cirbenético. O constragimento foi além, colocando-a de volta para casa em um taxi, com uma punição de uma suspensão em seus ombros. Antes de analisar o caso sob pontos de vistas de coerência ou ausência dela, faz-se necessário relatar o que a jovem comentou sobre seu ato: “Eu copiei algumas vezes, com outras palavras, mas antes do Facebook, eu me reunia com minhas colegas para fazer o dever. A comunidade só facilitou.” A atitude tomada pela escola segundo um especialista consultado Luli Radfohrer, professor de comunicação digital da USP, expressa o pavor das novas tecnologias que apenas revela o quanto a escola é cada dia mais anacrônica. Não pretende-se aqui tecer julgamentos sobre as decisões tomas pela instituição, mas trazer a tona a discussão de como a escola tem lidado com as novas demandas e situações de aprendizagens postas pelas transformações advindas da revolução tecnológica informacional. Diante do episódio anteriormente exposto, cabe lembrar uma característica da tecnologia atual, destacada por Santos (2006, p. 118) que é a sua imposição como inevitável, para tanto ele discorre: Essa inevitabilidade tanto se deve ao fato de que sua difusão é comandada por uma mais-valia que opera no nível do mundo e opera em todos os lugares, direta ou indiretamente, quanto em razão da formidável força do imaginário correspondente, que facilita sua inserção em todas as partes.

Assim vivemos em um mundo no qual não da para negligenciar ou cercear a força que as novas tecnologias impõe a sociedade. O período atual denominado por Castells (1999) de “Era da Informação” originou-se em meados da década de 70, e coincide com três processos históricos independentes: revolução tecnológica da informação, crise econômica do capitalismo e do estatismo e consequente reestruturação de ambos; e o apogeu dos movimentos sociais e culturais. A interação desses processos fez surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede; uma nova economia a economia informacional/global; e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real. Para Santos (2006, p. 119) a “[...] era da informação em sua forma atual é a matéria prima da revolução tecnológica.” A revolução tecnológica da informação, para Castells (1999) propiciou o aparecimento do informacionalismo, como o substrato material de uma nova sociedade. O principal traço característico desse informacionalismo é a “sociedade da informação”, denominação que passou a ser largamente utilizada pelos meios de comunicação e que remete-se sempre ao desenvolmentismo. Segundo Werthein (2000) a expressão “sociedade da informação’’ passou a ser usadas em substituição ao conceito complexo de “sociedade pós-industrial”. A realidade expressa nos estudos das ciências sociais, sobre sociedade da informação refere-se sempre as transformações organizacionais e administrativas que tem como fator principal os insumos baratos de informação propiciada pelos avanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações. É a informação a força motriz e não mais a energia provinda dos recursos naturais como na sociedade industrial. Desse modo Santos (2006, p. 109) reflete, A informação joga um papel parecido aquele que no passado remoto, era reservada a energia. Antigamente o que reunia as diferentes porções de um território era a energia em estado bruto, oriunda dos próprios processos naturais. Ao longo da história é a informação que

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vai ganhando essa função, para ser hoje o verdadeiro instrumento da união entre as diversas partes de um território.

Contudo Werthein (2000) nos alerta para os equívocos que se pode inferir quanto à constituição da “sociedade da informação”. A primeira delas é acreditar que as transformações em direção a uma sociedade da informação, seriam resultantes exclusivamente da tecnologia, isenta portanto de interferências sociais e políticas. Tal fato se mostra bastante equivocado, pois os processos sociais pré-existentes afetam os avanços tecnológicos e por sua vez são modificados por esses, não ocorrendo portanto esse determinismo tecnológico. O outro equívoco é quanto à difusão da suposta ideia de “evolucionismo” na discussão, onde a sociedade da informação é vista como etapa do desenvolvimento. Ambas visões distorcem o complexo processo de mudanças social fazendo crer que o processo seria natural e homogeneamente absorvido de forma ritmada e sincrônica. A revolução da tecnologia que ocorreu nesses últimos tempos tem através da tecnologia da informação se colocado como processo indispensável para implantação dos processos de reestruturação econômica porque passa o capitalismo financeiro. A lógica nesse caso é a das redes de informação que permitem auto expandir o domínio do capital nos níveis da organização das atividades econômicas. Essas redes promovem a flexibilização e o rejuvenescimento do capitalismo, sistematizando o armazenamento/processamento de informações, atuando de forma concentrada e descentralizadora simultaneamente nas tomadas de decisão no território. Portanto o processo de revolução técnico científico informacional como assim designa M. Santos (2006), onde os objetos são organizados estratégica e ideologicamente para fazer a informação circular onde possa atingir o maior número de pessoas economicamente mais produtivas. Por meio da tecnologia da informação conectou sujeitos e locais valiosos no mundo, ao mesmo passo em que desconectaram populações e territórios pouco interessantes a lógica do capitalismo global. Eis a face perversa desse novo paradigma tecnológico, que atua com forças de exclusão, mesmo mantendo a ideia de uma sociedade integrada a partir da informação e comunicação. Os espaços educativos não estão distantes dessas forças ocultas de exclusão, a reprodução das desigualdades se faz sentir também nos espaços escolares e não escolares, vejamos como esse processo pautado no “informacionalismo” tem penetrado nesses espaços.

O QUE A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO IMPÕE A EDUCAÇÃO fato constatável, inclusive pela matéria anteriormente citada da Folha.com, que os alunos gostam de se comunicar pela internet. As redes sociais passaram a fazer parte do cotidiano, vive-se mesmo uma vida paralela virtualmente. Ações e reações que repercutem no fazer diário, prescindindo de uma nova abordagem no ambiente escolar. Compreende-se, portanto que as novas tecnologias modificam algumas dimensões da nossa interrelação com o mundo, com a realidade, tempo e espaço, nessas a internet representa apenas uma das ferramentas possíveis.

É

O telefone celular permitiu uma mobilidade impressionante, que há alguns anos atrás não era possível. Em um instante conecto-me com um mundo através das ondas de transmissão via satélite. Envio mensagens, registro e publico imagens no mesmo instante em que elas se apresentam. Escuto música, transfiro arquivos, rastreio informações de outros aparelhos em um raio de poucos metros. Todos esses mecanismos possibilitam o acesso a processos de comunicação em tempo real.

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A evolução das redes eletrônicas estabelecem novos elos e formas de interrelação pessoal que não necessariamente precisa ocorrer face a face. Para Setto (2010, p. 90) “[...] esse momento é entendido como virtualização, que serve um novo modo de ser e estar no mundo, criação, relação e contatos sociais, em situação de não presença física”. Através de um notebook ou computador convencional, grupos de pesquisa, estudo, empresarial, se integram e socializam informações estando em partes diferentes do globo. Lévy (1996) refere-se a esse espaço como o ciberespaço, onde define como uma rede, um novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores e das memórias provenientes deles. A ideia de integração em redes de estudo ou redes sociais de relacionamento colocam-se como elementos da cibercultura que seria conjunto de técnicas (materiais e culturais) práticas, atitudes, modos de pensamento e valores que se desenvolvem com a ampliação do ciberespaço. As novas tecnologias que promoveram o surgimento do ciberespaço e da cibercultura surgiram no século XIX, contudo foi na segunda metade deste que uma série de inovações midiáticas, contribuiu para as transformações. Ainda de acordo com especialistas as chamadas novas tecnologias da comunicação e informação surge a partir de 1975, com a fusão das telecomunicações analógicas com a informática. O computador nesse sentido é um símbolo emblemático desse novo processo tecnológico, ele possibilitou a apresentação simplificada dos dados e informações nesse ciberespaço. Para Lévy (1996) ele deve ser entendido como um terminal, um componente na rede universal de comunicação, que cumpre seu papel ao conectar membros dessa sociedade informacional, e influenciam no tecnocosmo. As inovações e avanços tecnológicos passam a influenciar os comportamentos humanos de diversas formas. Santos (2006) já destacava, que a influência das técnicas atua sobre os comportamentos, afetando as maneiras de pensar, agir e comunicar, propiciando uma adaptação a lógica do instrumento. Pensando nas redes sociais que influenciam diretamente os comportamentos dos alunos, vemos a substituição de alguns termos, não existe mais rede de amigos, se tem seguidores ou followers, as antigas mensagens em bilhetes, são agora scraps e podem ser compartilhadas com todos “os seguidores”. Ainda que seja um movimento pontual, as redes de socialização de ideias, atitudes, pensamentos, estão ganhando nos últimos tempos um poder espantoso, em poucos segundos milhões de pessoas “curtem” o mesmo vídeo, a mesma poesia, uma manifestação de algo local que passa a ganhar projeção escalar global. As instituições de educação não podem, portanto, negligenciar o avanço na comunicação, e se portar de forma adversa a esse novo mecanismo, assim como não podem ficar a mercê de toda e qualquer informação sem um parâmetro que esteja dentro do planejamento curricular e das atividades pedagógicas. Desse modo para Lévy (1996), aqueles que se contrapõem ou denunciam o fenômeno das tecnologias da informação e comunicação tem uma semelhança com aqueles que desprezaram o Rock nos anos 60, expressão máxima da resistência cultural e depois tornou-se indústria. Setto (2010) nos lembra que as técnicas guardam consigo projetos, esquemas imaginários, implicações sociais e culturais variadas e segue analisando, “por trás das técnicas agem e reagem ideias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, estratégias de poder, toda gama de jogos dos homens em sociedade” (SETTO, 2010, p. 93). As reflexões acima postas fazem emergir questionamentos que precisam ser analisados. Como no momento atual as instituições de ensino tem se comportado frente a esse novo paradigma das novas tecnologias? Questiona-se ainda porque é

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desejável promover a sociedade da informação e que mediações seriam passíveis de realização para integrar a escola a essas novas tecnologias? Compreendemos que as tecnologias anteriormente citadas, o computador, celular, internet, mp3, câmera digital, começam a afetar a educação, seja pela “invasão” na sala de aula, pelos alunos, ou mesmo da necessidade de debate surgidos a partir delas. A escola ainda mantêm os seus elementos tradicionais que a estruturam: sala de aula organizada de forma hierárquica, cadeiras postas em fila indiana, aula centrada na figura do professor, calendários escolares, avaliações que privilegiam a memorização, currículo e etc. Na medida em que a escola mantêm resistências, não somente a utilização de multimídias como a inserção em seus planejamentos, na mesma medida ela é afetada diretamente pelas novas tecnologias. Como reflete Castells (1999) os efeitos das novas tecnologias tem alta penetrabilidade, a informação e parte integrante de toda a vida humana, individual e coletiva e portanto, todas as atividades tendem a ser afetadas pelas novas tecnologias. As novas tecnologias chegaram às escolas, mas estas sempre privilegiaram mais a modernização da infraestrutura e a gestão que propriamente a mudança. Segundo Moran (1997) apesar das resistências institucionais, as pressões pelas mudanças são cada vez mais presentes, é constatável que a internet e as redes eletrônicas têm revolucionado as formas de ensinar e aprender, e a escola precisam estar atenta e preparada para vivenciar esse novo momento. Contudo, deve-se fazer uma ressalva, a utilização de novas tecnologias, não deverá substituir as aulas expositivas, constitui-se apenas como um recurso que integrará as atividades e planejamento curricular do professor. Nesse sentido destaca-se a importância da figura do educador como mediador da aprendizagem, produzindo conflitos cognitivos, incentivando a analise dos conteúdos, através de mecanismos de aprendizagem como classificação, comparação, observação e etc. Portanto se faz necessário a atuação do professor como mediador das informações para filtrá-las e promover a construção do conhecimento. Aponta-se então um novo paradigma na formação de professores em que espera-se uma nova postura diante dos novos conhecimentos, e uma nova abordagem na relação com os alunos. É fato que muitos profissionais docentes, preferem o distanciamento desses meios digitais, por inexperiência ou por não contemplarem em seus planejamentos. O distanciamento se da pelo não uso dos meios digitais, ocasionando consequentemente da linguagem que os alunos estão habituados a utilizar em seu convívio social fora do ambiente escolar. Se faz necessário, portanto promover a sociedade da informação, segundo Whertein (2000) porque as novas tecnologias permite avanços significativos para a vida individual e coletiva, aumentando o nível de conhecimento e promovendo atividades estimulantes de aprendizagem. Contudo compreendemos que os desafios da sociedade da informação são inúmeros e incluem várias perspectivas, desde a técnica até a ética e filosófica. Deste modo, delineia-se o cenário em que insere-se as novas tecnologias da informação e comunicação no ensino da Geografia, transcorrem de um momento onde vive-se uma linguagem predominantemente informatizada e dotada de equipamentos tecnológicos que chegam aos espaços mais periféricos da cidade, entrando no cotidiano dos alunos, através da difusão das casas de acesso a internet, que preenchem os vazios da alfabetização digital e inserem novas linguagens no

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mundo desses sujeitos. Cabe então a escola atentar para esse momento e se valer das ferramentas possíveis para promover a realização de aulas mais diversificadas e atrativas, bem como desenvolver uma aprendizagem significativa.

OS DESAFIOS DE ENSINAR GEOGRAFIA EM TEMPOS DE REDES SOCIAIS

A

té o momento reconhece-se que muitas das experiências da revolução tecnológica estão sendo realizadas através das novas tecnologias aplicadas a Educação. O professor vem se deparando com a necessidade de modificar sua prática de ensino, buscando para tanto alternativas, para superar os problemas didáticos pedagógicos, e mesmo assim, ainda constatam-se as permanências. A realidade do ensino da Geografia não é diferente, apesar dos avanços nas discussões epistemológicas. Passando de uma visão meramente apoiada na descrição e memorização do “Homem e da Terra”, até uma nova visão em que se contemplem as contradições nas relações entre sociedade, trabalho e natureza na produção do espaço geográfico, ainda vivenciam-se problemas na aprendizagem deste componente curricular. Como ciência e disciplina escolar que acompanha as transformações a partir da discussão que ocorrem nos contextos político e socioeconômico, nas mais variadas partes do mundo a geografia tem desempenhado um papel significativo no debate das grandes questões sociais. Diariamente os meios de comunicação, bombardeiam o cotidiano dos alunos com notícias que “invadem” as discussões das aulas de geografia, a busca de uma explicação ou esclarecimento sobre a geopolítica ou fenômenos naturais, que são espetacularizados nas matérias jornalísticas. Sendo a informação vetor fundamental dos processos sociais, cabe ao professor a tarefa de elucidar, as questões levantadas pelos conflitos sociais, mostrando que os territórios são estratégica e ideologicamente apropriados e equipados para facilitar a circulação dessas informações. Assim as informações que chegam aos espaços das salas de aula precisam ser filtradas, através dos conceitos e categorias de análise da geografia, para não correr o risco de cair em uma geografia jornalística, carregada de ideologias daqueles que promovem os fatos e de quem os divulga. Assim por exemplo ao se comentar uma notícia sobre uma ação dos atores hegemônicos, como foi à invasão das tropas americanas ao Afeganistão após o atentado terrorista de 11 de setembro. Deve-se atentar para alguns elementos que não estão presentes no texto, e construir então com os alunos esse hipertexto, assim como destacar que questões de ordem éticas estão ali apresentadas. É sabido que o jornalismo atual transformou a notícia em mercadoria e esse valor é cada vez mais condicionado pela capacidade de despertar interesse no público. Logo como mostra Leão de Paula; Leão Carvalho (2008) a força com que o discurso dos grandes meios de comunicação acabam construindo uma “única visão do mundo” contribui para o fortalecimento do pensamento único mantenedor do status quo vigente. As imagens utilizadas por esse meios de comunicação são manipulados para causar o efeito da emoção, com o propósito de causar indignação ou penúria. Um exemplo emblemático é colocado por Leão de Paula; Leão Carvalho (2008) em seus estudos sobre ensino de geografia e mídia, o autor faz uma reflexão sobre o poder de manipulação da mídia para passar uma verdade inventada e com o propósito de atender a um projeto a favor dos grupos hegemônicos. Ainda no exemplo anterior após o atentado do 11 de setembro, grandes jornais noticiavam no mundo as repercussões de tal episódio, estampando a fotografia de palestinos comemorando o feito em um campo de refugiado em Beirute. Tal fato casou indignação e revolta

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principalmente dos norte-americanos receptores dessa informação. Assim como deve ter sido abordado nas salas de aulas de todas as partes, a grande “ameaça ao mundo” tomada pelo atentado a apenas uma nação. Mais tarde alguns editores desses grandes órgãos da imprensa admitiram que teria sido vendido a imagem de árabes comemorando um jogo de futebol na copa de 94 como se estivessem vibrando com a explosão do World Trade Center. Tal suposto erro estaria ligado ao chamado furo jornalístico, o momento em que o sensacionalismo ganha fôlego e força e serve para afirmar falsas verdades. Poucos não foram aqueles professores de geografia que diante destas imagens não tenham feito uma leitura condenatória aos palestinos, o que não é incoerente, desde que seja historicamente contextualizado os fatores e grupos que desencadearam tal destruição. Nesse sentido a indicação é que o professor procure evidenciar anteriormente a linguagem jornalística como um discurso carregado de ideologia e que destaque o caráter mercadológico das notícias. Que notícias rendem mais dividendos e, portanto interesse ao público? Quais são as formas possíveis de passar uma suposta verdade, uma visão única do mundo para os seus leitores, espectadores? De que forma os conteúdos e conceitos geográficos podem contribuir, para o desvendamento das questões sociais vigentes? Com na condição de professor de Geografia posso fazer a mediação entre a informação virtualizada ou não e os conhecimentos do mundo real? Essas e outras questões devem integrar-se aos planejamentos dos professores para lidar com as informações que adentram o ambiente escolar. Esta posto nesse sentido o desafio ético, a informação sofre manipulações de toda ordem, para alimentar o ódio e justificar um projeto de ações contra o terrorismo neste exemplo, atingindo escalas cada vez maiores, e fazendo crer que realmente esta informando as pessoas. A inserção dessas informações na sala de aula, é apenas uma das possibilidades de se trabalhar esse novo contexto da era da informação. A utilização de outros equipamentos tecnológicos como softwares que permitem visualizar o planeta em dimensões escalares variadas como o Google Earth, apresenta possibilidades inúmeras de estudos, desde a formação de cadeias montanhosas ate a configuração caótica do espaço urbanizado de uma favela nas cidades da América do Sul. Comumente esse programa é de acesso e uso facilitado ao aluno que tiver acesso a um computador com internet em casa, o que na nossa realidade brasileira ainda é restrito a um grupo privilegiado. A forma desesperada de fazer parte desse novo boom da informatização é permitida aos grupos menos abastados através de ilhas de acesso a internet, denominadas popularmente de Lan Houses. Percebam que até aqui a dominação é marcada, pela linguagem daqueles grupos que detêm a informação, no caso a origem da palavra inglesa, que notadamente faz parte daqueles que criam e vendem suas tecnologias: dos espaços que mandam! Em geral dizemos que os alunos estão mais abertos e preparados para as multimídias que os professores. Moran (1997) alerta que o descompasso no domínio das tecnologias pelo professor tem se revelado o grande motivo das resistências. Embora os professores admitam que precisem mudar suas práticas pedagógicas frente aos inúmeros avanços tecnológicos que “seduzem” os alunos, muitos não sabem como fazê-los. Desse modo, os cursos de formação continuada tentam dar conta dessas lacunas, ou mesmo o professor mais curioso tenta buscar por conta própria os mecanismo que possibilitem facilitar o aprendizado e o tornar mais atraente e significativo para os alunos. Nesse sentido o pensamento de Silva(2002) é alentador, quando enfatiza que a tecnologia torna possível o acesso direto a informação, mas não diretamente ao conhecimento. Cabe então ao professor esta tarefa de mediação transformando a informação em conhecimento.

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Outro desafio ético que se impõe quanto à construção da “sociedade da informação” é quanto às múltiplas perdas: da automação do desemprego, da comunicação interpessoal e grupal, da privacidade, da identidade local associada à tecnologia da informação. Levanta-se ainda outra questão ética que pode ser abordada nas aulas de geografia ao se trabalhar o contexto da terceira revolução, que seria a questão do aprofundamento das desigualdades sociais. A ideia de integração do mundo através das redes eletrônicas, do convívio em uma grande aldeia global, passa a impressão daquilo que Santos (2008) chama da visão “do mundo como fábula”, desse modo a ideia de que a difusão instantânea realmente informa as pessoas, a partir disso cria-se o mito do encurtamento das distancias, assim como a compressão espaço-tempo. Neste contexto, um grande e dinâmico mercado global seria capaz de homogeneizar o mundo, quando o que acontece de fato é o aprofundamento das desigualdades sociais. Para Santos (2008) a criação dessas fabulações seria uma prática necessária para manter o status quo dos atores hegemônicos. A redução dos preços dos computadores e sua difusão nos meio educacionais fazem crer que a sociedade da informação esta atuando em todos os lugares, mas o que se sabe é que não permitiu ainda superar a relação entre nível de renda e o acesso as novas tecnologias. É sabido que a realização das novas tecnologias se da em ritmos e níveis dispares na sociedade, marcando a cisão entre “países ricos e pobres em informação”. Deste modo ao mesmo passo em que se insere políticas de inclusão digital, difusão das informações na nova sociedade globalizada faz emergir novas forças de exclusão social que precisam ser evidenciadas e superadas. Vejo as aulas de Geografia como esse espaço que se propõe a provocar os alunos a pensar sob suas condições no acirrado e competitivo mundo informacional. Despertar a reflexão sob que aspectos as redes sociais as quais participo podem contribuir para dinamizar o meu aprendizado? Até que ponto esses grupos e comunidades virtuais estariam a serviço de grandes grupos hegemônicos que sutilmente procuram se inserir e conhecer o perfil de um novo mercado consumidor? De que forma as redes sociais poderão servir para evocar os anseios dos movimentos sociais, na luta pelo libertarismo, pelos direitos humanos e pelo ambientalismo? Certamente essas são questões de reflexão para se pensar os desafios levantados por essa sociedade da informação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O

s desafios aqui expostos tentaram direcionar o debate sobre as influências da sociedade da informação no contexto educacional, apresentando sua complexidade e reconhecendo as relações existente entre as novas tecnologias e o ensino da geografia. As resistências a esse novo paradigma tecnológico são em muitos casos o motivo pelo qual ocorre o pavor e anacronismo em relação à abordagem das necessidades sociais. A escola por muito tempo manteve uma postura sisuda e pouco aberta às inovações em suas formas de ensinar e aprender, atualmente recebe influências e pressões pelo cotidiano cada vez mais virtual e tecnológico dos alunos. Novas necessidades e demandas são postas, provocando a reflexão e necessidade de mudança em muitos paradigmas tradicionais. Para além de ver esse momento de inovações tecnológicas e acesso a informação como a solução para os problemas didáticos pedagógicos do ensino de Geografia, percebe-se nele oportunidades de rever as bases conceituais e de formação do indivíduo, provocar o olhar crítico mostrando as contraditoriedades dessa “Era da informação” onde ao mesmo tempo em que pretende incluir e conectar o mundo, faz escolha daqueles grupos que serão integrados e os que por sua vez excluídos do processo.

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No presente texto não procurou-se tão somente apresentar os desafios que impõe-ao ensino de geografia pela sociedade da informação, mas a partir deles pensar que mediações seriam possíveis de realizar para desvendar as intencionalidades e projetos por trás das ações de inclusão, e assim estimular ao aluno pensar sua condição de ser e estar no mundo atual.

REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. A Era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. LEÃO, Vicente de Paula; LEÃO, Inês Aparecida Carvalho. Ensino de geografia e mídia: linguagens e práticas pedagógicas. Belo Horizonte/MG: Argvmentvm, 2008. LÉVY, Pierre. As Tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: 34, 1996. MORAN, José Manuel. Como utilizar a internet na educação. Revista Ciência da Informação, v. 26, n.2, maio-agosto, 1997, p. 146-153. SANTOS, Milton. A Natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2006 ______. Por Uma outra globalização: do pensamento único a consciência universal.17. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. SETTO, Maria da Graça. Mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2010. WERTHEIN, Jorge. A Sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 29. n. 2, p.71-77, maio/agosto 2000.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA Robson Fernandes Filgueira19

A

sistematização do conhecimento geográfico em uma ciência distinta teve origem na Prússia (atual Alemanha) no final do século XIX, graças aos trabalhos desenvolvidos por Friedrich Ratzel, Karl Ritter e Alexader Von Humboldt. Desde sua origem, é clara a divisão desta ciência em Geografia Humana e Geografia Física, pois, enquanto os dois primeiros geógrafos focaram suas pesquisas nas sociedades, o último estudou os climas e as formações vegetais do globo. Esta divisão fica evidente na obra Tratado de Geografia Física, publicada, no final da década de 1960, pelo geógrafo francês Emmanuel De Martonne. De fato, conforme observa Suertegaray (2009), embora observe que a especialização exagerada contribua para esconder a essência da ciência geográfica, nesta obra De Martonne acaba reforçando a compartimentação da Geografia, em especial do seu ramo físico. A ênfase dada aos aspectos naturais da paisagem em detrimento dos seus aspectos humanos contribuíram para que, na Geografia tradicional, a Geografia Física fosse quase como um sinônimo da própria ciência geográfica. Isto pode ser percebido em antigos livros escolares de Geografia, nos quais temas como localização da Terra no espaço e movimentos orbitais, clima, relevo, vegetação e hidrografia são tratados mais detalhadamente, enquanto a discussão dos aspectos humanos está restrita a tópicos como área territorial, tamanho da população e principais produtos dos países, sem uma devida análise de causa e efeito. A partir da década de 1970, com o advento da Geografia Crítica, o ramo físico da Geografia passou a ser severamente criticado, chegando mesmo a não ser considerado como Geografia propriamente dita por parte de determinados geógrafos, que baseavam este argumento no fato da Geografia fazer parte das ciências humanas. Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, a complexidade e diversidade dos problemas ambientais resultantes da relação sociedade-natureza resgataram a importância da Geografia Física dentro da ciência geografia. A partir de então, a abordagem descritiva e descontextualizada da paisagem, inerente às antigas concepções da Geografia, cede lugar a uma abordagem que procura explicar as relações de causa e efeito que se verificam na interação do ser humano com a natureza. Para Pidwirny (2006), a geografia é uma ciência abrangente, de natureza holística, o que representa tanto um ponto forte com uma fragilidade. A natureza holística da Geografia constituiria um ponto forte pela sua capacidade de elucidar as conexões entre as interrelações funcionais dos diversos elementos que integram o espaço geográfico, as quais geralmente não são percebidas em áreas do conhecimento bem específicas. Por outro lado, a sua fragilidade reside no fato do conhecimento holístico ser pouco profundo e não perceber detalhes importantes de causa e efeito. 19

Engenheiro Agrônomo (UFERSA), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN), professor Adjunto III do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosófica e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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A Geografia Física, como integrante da ciência geográfica, também tem seus conteúdos, conceitos e metodologias influenciados pela conjuntura político-econômica vigente. Se na Geografia Tradicional a descrição norteava o seu ensino, em virtude de uma conjuntura que não estimulava o cidadão a pensar, mas a obedecer ordens e realizar trabalhos repetitivos, atualmente, em virtude de um ambiente que exige a assimilação de uma vasta gama de conteúdos e a tomada de decisões rápidas e precisas, a análise e a capacidade de relacionar conhecimentos da área física com os da humana e com os de outras ciências é o que mais importa. Diante dessa conjuntura, atualmente, o ensino de Geografia Física enfrenta muitos desafios, como o que se refere à escolha dos conteúdos a serem ministrados, à metodologia a ser adotada no ensino destes conteúdos, à superação das deficiências de aprendizado por parte dos alunos e às limitações de domínio de conteúdo e de metodologia de ensino pelos que lecionam Geografia.

A ESCOLHA DOS CONTEÚDOS EM GEOGRAFIA FÍSICA

O

s conteúdos a serem trabalhados em uma disciplina costumam ser previamente estabelecidos nas ementas dos projetos pedagógicos dos cursos. As ementas são criadas a partir de discussões entre grupos de professores que trabalham com disciplinas específicas. Normalmente, o ementário aborda temática abrangentes - como, por exemplo, processos endógenos e exógenos, classificações climáticas e climas regionais, águas continentais superficiais, entre outros. Devido a abrangência das temáticas surgem dois problemas: há tempo para se trabalhar todos os assuntos inseridos dentro da temática? Dentro do tempo disponível, é possível a transmissão do conhecimento sem ser de forma demasiadamente superficial? A resposta para estas questões vai depender de determinados fatores, em especial da metodologia a ser adotada, do domínio de conhecimento por parte do professor e da capacidade de assimilação deste conteúdo por parte dos discentes, a qual é influenciada pelo conhecimento que têm acumulado. No que tange aos conteúdos, outras questões se impõem, como a que diz respeito a se saber qual deles é o mais relevante, ou, o que deve ser apresentado diante da diversidade de assuntos relacionados à disciplina. Neste caso, o bom senso deve se impor. Conteúdos que trazem informações abrangentes, que facilitam a assimilação de outros conteúdos devem ser priorizados. O conteúdo tectônica de placas, por exemplo, é fundamental para se compreender terremotos, vulcões e a formação do relevo e das bacias oceânicas. Portanto, não se pode descartá-lo de um programa de Geografia Física. Também há casos de tópicos específicos dentro de determinados conteúdos que não costumam ser trabalhados ou são trabalhados apenas de forma superficial, como é o caso de furacões e tsunamis, mas que, todavia, a evidência dos mesmos na mídia desperta a curiosidade dos alunos. Nestas situações, o professor pode aproveitar o assunto em evidência para aprofundar um conteúdo mais abrangente (tectônica de placas e sismicidade, no caos de tsunamis, e circulação atmosférica global, no dos furacões) e também para mostrar a importância da ciência geográfica na compreensão da realidade. Vale ressaltar que, como a Geografia trabalha a relação sociedade-natureza, mesmo temáticas que dizem respeito aos aspectos físicos do espaço geográfico devem ser relacionadas com as que tratam dos aspectos humanos. A relação entre o relevo, o clima e as formas de ocupação do espaço pelas sociedades é uma das maneiras de se procurar integrar estes dois ramos da Geografia. Além disso, como a compreensão dos fenômenos da natureza requer conhecimento de mais de uma ciência, os conteúdos dos programas de Geografia Física podem ser trabalhados de forma interdisciplinar. Assuntos como intemperismo das rochas podem ser ministrados

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juntamente com conteúdos de química, terremotos e campo magnético terrestre com conteúdos de física (ondulatória e magnetismo), entre outros exemplos.

ABORDAGENS METODOLÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA

A

metodologia a ser adotada no ensino de Geografia Física vai depender do conteúdo a ser ministrado, da disponibilidade de infraestrutura física para a sua aplicação, do domínio da mesma por parte do professor e da capacidade de assimilação dos alunos. Embora os conteúdos da Geografia Física possam ser ministrados de várias formas, existem algumas peculiaridades a este ramo da ciência geográfica que devem ser levadas em conta. Uma destas peculiaridades diz respeito ao fato da Geografia Física trabalhar com elementos concretos, normalmente observados a olho nu. Desta forma, embora uma das formas de se trabalhar conteúdos deste ramo da Geografia seja através de textos, a imagem não deve ser descartada. Desenhos, fotos, diagramas, mapas e outros tipos de recursos visuais podem e devem ser utilizados. Processos como a formação de zonas de alta e baixa pressão, o padrão de circulação das águas oceânicas, o deslocamento das placas tectônicas, a formação dos recursos minerais, a dispersão e distribuição dos organismos, entre outros, ficam melhor compreendidos quando têm sua descrição acompanhada de uma imagem. Em virtude disso, as aulas expositivas de Geografia Física exigem bastante do professor no que diz respeito a sua preparação, pois não basta selecionar um texto específico e dominar o seu conteúdo, mas é preciso procurar torná-lo assimilável pelos alunos, especialmente por aqueles que apresentam deficiências de aprendizagem. O processo de tornar o conteúdo assimilável vai exigir tempo e habilidade na seleção e confecção de materiais, como apostilas, transparências, slides, vídeos didáticos, maquetes, apresentações multimídia, etc. Envolver o aluno na confecção deste material é uma estratégia interessante para estimular o seu interesse pelo assunto e aprofundar o conhecimento sobre o mesmo. Aulas práticas, sejam elas de campo ou de laboratório, são essenciais no processo de ensino-aprendizagem em Geografia Física. É através das aulas de campo que o professor estimula os alunos a desenvolverem uma visão geográfica, capaz de interpretar as interrelações entre os aspectos físicos e humanos da paisagem. Por mais didático que seja um texto, nada substitui a experiência de vivenciar in loco a paisagem geográfica. O estudo dos problemas ambientais exemplifica bem isto. Se após uma aula teórica o professor levar os alunos para identificarem os tipos de degradação ambiental a partir da interpretação da relação de causa e efeito inerente à interação sociedade-natureza, com certeza o processo de ensino-aprendizagem será bem mais satisfatório. Um outro exemplo é o estudo do relevo e dos minerais. A assimilação plena destes conteúdos exige aulas de campo, pois, são elementos que têm sua compreensão vinculada à paisagem na qual estão inseridos. A visita a um local que apresenta um tipo de relevo específico, por exemplo, proporciona uma experiência incomparável no que se refere à percepção de processos, formas e paisagens por parte do aluno, estimulando-o a refletir sobre as interações entre os elementos que constituem o tipo de relevo e entre este as formas de ocupação do espaço. Em Geografia Física, a aula de laboratório é necessária para aprofundar temas específicos, exercitar métodos e técnicas de investigação geográficos e mesmo para

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se produzir material didático. Para ilustrar isso, tome-se como exemplo rochas e minerais coletados em uma aula de campo ou trazidos pelos alunos. Este material pode ser identificado, classificado e organizado em uma coleção, a qual servirá de recurso didático e complemento às aulas expositivas. As metodologias de avaliação de conteúdos da Geografia Física podem ser variadas. Mesmo uma avaliação escrita pode ir além do convencional, pois, como se trata de um ramo da Geografia que trabalha com aspectos essencialmente visuais da paisagem, é possível a inclusão de imagens para serem interpretadas. De fato, exercícios do tipo leitura de ambientes, seja a partir de imagens ou de uma visita a campo, representam uma forma de avaliação bem interessante. Neste caso, pede-se aos alunos para explicarem a paisagem, identificando os seus elementos constituintes e suas interações a partir do que vêem. Relatórios de aulas de campo também constituem uma outra forma de se aferir o aprendizado dos alunos. Pode-se, por exemplo, dividir a turma em grupos e solicitar que cada grupo analise a paisagem do trecho visitado sob um determinado aspecto, seja a relação sociedade-natureza, estrutura geológica e relevo, cobertura vegetal, hidrografia ou clima. A assimilação de conteúdos como minerais e rochas pode ser avaliada através avaliações realizadas em laboratório. O professor pode distribuir um ou mais tipos de minerais e rochas para os alunos e pedir para eles os identificarem a partir da descrição de suas propriedades. Para tanto, terão que preencher corretamente uma tabela na qual consta as várias propriedades da rocha ou do mineral em análise. O preenchimento correto levará a identificação dos mesmos. Seminários e a elaboração de material didático (juntamente com a explicação do mesmo) também podem ser incluídos como formas de avaliação do aprendizado.

LIMITAÇÕES NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA FÍSICA RELACIONADAS AOS ALUNOS

T

anto em Geografia-Física, assim como na Geografia Humana e em outras áreas do conhecimento, percebe-se que os alunos apresentam um número considerável de limitações que interferem no processo de ensino-aprendizagem. Muitas destas limitações estão relacionadas à precariedade do conhecimento que acumularam no ensino básico, sobretudo no caso de alunos provenientes de escolas da rede pública de ensino, nas quais é comum o caso dos programas da disciplina Geografia não serem plenamente ou satisfatoriamente ministrados, seja por limitações dos professores ou da infraestrutura e da gestão da escola. O conhecimento prévio do aluno, obtido na escola e no meio em que vive, é muito importante na assimilação dos conteúdos das disciplinas, tanto no que diz respeito à complexidade como à rapidez de assimilação dos mesmos. Uma formação precária dificulta o processo de ensino-aprendizagem muitas vezes pelo fato do aluno não ter, de forma clara, um parâmetro ou referência básicos sobre os elementos e processos que fazem parte da realidade. Isto pode ser percebido nas aulas de Geografia Física quando alunos desconhecem palavras como côncavo e convexo, essenciais à compreensão de termos técnicos como sinclinal e anticlinal. É claro que estes alunos conhecem termos similares, contudo, pertencentes a uma linguagem mais simples. Todavia, o vocabulário restrito dificulta a assimilação do conteúdo. Em situações assim, cabe ao professor inteirar-se acerca do vocabulário dos alunos e procurar introduzir o conteúdo de forma inteligível para eles. Ao final do conteúdo ministrado, é importante verificar se os alunos passaram a dominar a linguagem técnica, pois este é um dos objetivos do ensino-aprendizagem.

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A forma de se perceber a realidade certamente tem muito a ver com o ambiente cultural no qual se vive, o que se reflete no aprendizado do indivíduo. Alunos que vêm de famílias seguidoras de determinadas seitas religiosas mostram resistência em aceitarem certos conhecimentos científicos, mesmo baseados em evidências, como é caso da Teoria do Big Bang e da formação da Terra através da acresção gravitacional. É preciso ficar claro que a crença de cada um é uma questão de foro íntimo e que a sala de aula é um lugar voltado para a difusão do conhecimento científico e não para discussões intermináveis sobre o que cada um acredita. Problemas de cognição e uma alfabetização espacial precária dificultam a assimilação de conteúdos como movimentos orbitais, estações do ano e relação latitude-clima, sobretudo se estes temas não forem trabalhados através de maquetes, vídeos e animações multimídia. Algumas limitações físicas também podem dificultar o processo de assimilação dos conteúdos por parte do aluno, especialmente a deficiência visual. Como já foi mencionado, as características físicas dos elementos que integram a natureza e os fenômenos naturais ficam melhor compreendidos através de recursos visuais. Todavia, os sentidos do tato e da audição podem ser estimulados para suprir uma visão ausente ou limitada, como quando se utilizam maquetes táteis ou se faz uma descrição detalhada. Qualquer que seja a limitação do aluno, o professor deve sempre levar em consideração o conhecimento que ele traz do ambiente em que ele vive. Muitos assuntos podem ser introduzidos tomando como referência a realidade dos alunos. Se a escola está localizada no sertão nordestino, pode-se, a partir de discussões sobre a vegetação da caatinga, introduzir assuntos como circulação atmosférica global e secas, estrutura geológica e água subterrânea, irrigação e salinização dos solos, entre outros.

LIMITAÇÕES NO ENSINO-APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA FÍSICA RELACIONADAS AOS PROFESSORES

E

m geral, os que ingressam nos cursos de Geografia, sobretudo na modalidade licenciatura, são pouco afeitos às ciências naturais e exatas, o que é lamentável uma vez que a ciência geográfica procura compreender a paisagem de uma forma integral, analisando as interações entre fatores ligados à sociedade e à natureza, o que exige conhecimento das mais diversas áreas. Desse modo, é comum entre professores de Geografia a preferência por temáticas ligadas à Geografia Humana. Muitos demonstram desinteresse e mesmo conhecimento limitado por assuntos da Geografia Física e da Cartografia, o que tende a se refletir no processo de ensino-aprendizagem, pois, estes assuntos acabam sendo tratados superficialmente ou omitidos. Este problema fica evidenciado nos depoimentos de alunos dos cursos de Geografia que relatam não terem visto ou que viram de forma muito resumida, nas séries do ensino básico, determinados conteúdos da Geografia Física, embora estes conteúdos estivessem incluídos nos programas escolares. Dessa forma, quando estes estudantes chegam ao ensino superior, especialmente em cursos como Geografia e outros ligados às ciências naturais ou interdisciplinares, apresentam dificuldade de acompanhar os conteúdos das disciplinas, pois não adquiriram o conhecimento básico em Geografia Física. No ensino básico, algo que traz problemas para ensino de Geografia, especialmente o de Geografia Física, é o fato de, sobretudo nas séries do ensino fundamental, muitos professores não terem a formação de geógrafo. Nessas séries, é comum esses

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conteúdos serem trabalhados por pedagogos, que, embora tenham conhecimento de metodologias de ensino de Geografia, não possuem o devido aprofundamento teórico para explicarem de forma satisfatória assuntos relacionados à disciplina. No ensino médio, é mais comum conteúdos de Geografia serem ministrados por geógrafos, embora também possam ser trabalhados por licenciados em História e Ciências Sociais, às vezes até por profissionais de outras formações. Nestes casos também há uma tendência para o privilégio de conteúdos de Geografia Humana em detrimento dos da Geografia Física. Os problemas relacionados às limitações dos professores no ensino de Geografia Física podem ser solucionados através de cursos de atualização e de pós-graduações, no caso de professores que já são geógrafos. No caso de professores que trabalham a disciplina Geografia, mas que possuem outra formação acadêmica seria interessante que fizessem uma segunda licenciatura preferencialmente em Geografia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O

s problemas inerentes ao ensino-aprendizagem de Geografia Física, como de qualquer outra área do conhecimento, estão relacionados à interação entre às peculiaridades deste ramo da ciência geográfica, alunos e professores. Além disso, não se pode deixar de levar em conta a influência da conjuntura política, econômica e cultural sobre o ensino. Todavia, a ampla produção e divulgação do conhecimento que se verifica na atualidade possibilita uma grande variedade de formas de solucionar estes problemas. Cabe, portanto, ao professor de Geografia, inteirar-se e apropriar-se deste conhecimento para tornar suas aulas mais interessantes e capazes de transmitir o conhecimento geográfico de forma clara e precisa. Desta forma, poderá contribuir para formação de cidadãos capazes de compreender as causas e consequências da relação sociedade-natureza.

REFERÊNCIAS PDIWIRNY, Michael. Elements of geography. In: Fundamentals of physical geography. 2. ed. 2006. Acesso em: <http://www.physicalgeography.net/fundamentals/1b.html>. Acesso em: 08 nov. 2011. SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Geografia física e geomorfologia: tema para debate. Revista da ANPEGE, v. 5, 2009. Disponível em: <http://www.anpege.org.br/revista/ojs2.2.2/index.php/anpege08/article/viewFile/25/pdf02>. Acesso em 08 nov. 2011.

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ENSINO E PESQUISA ESCOLAR: FORMAÇÃO E PRÁTICAS DOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA NAS ESCOLAS EM MOSSORÓ-RN

ENSINO E PESQUISA ESCOLAR: FORMAÇÃO E PRÁTICAS DOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA NAS ESCOLAS EM MOSSORÓ-RN Ana Luiza Bezerra da Costa Saraiva20 Andreilson Fernandes de Castro21 Carlille Webster S. Ferreira22 Jamilson Azevedo Soares23

A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA NA ESCOLA

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iariamente as pessoas realizam pesquisa. A ação de estudar preços de um mesmo produto em diferentes lojas buscando o menor preço ou ler a bula de um remédio com o intuito de saber os efeitos colaterais que o mesmo pode causar são ações de pesquisa, porém, são formas rudimentares de pesquisa (BAGNO, 2001). A pesquisa realizada na escola, assim como a realizada nas universidades e centros de estudos, deve ultrapassar a pesquisa rudimentar. A noção de pesquisa que será abordada nesse trabalho refere-se à pesquisa científica, que pode e deve ser realizada tanto nas universidades e centros de desenvolvimento tecnológico, como nas escolas. Corroboramos do conceito de pesquisa científica elaborada por Bagno (2001), sendo ela “[...] a investigação feita com o objetivo expresso de obter conhecimento específico e estruturado sobre um assunto preciso” (BAGNO, 2001, p. 18). A pesquisa nesse entendimento é um instrumento importante para o desenvolvimento da ciência e para o processo de formação intelectual dos indivíduos. Cavalcanti (2005, p. 115) evidencia que o ato de pesquisar deve fazer parte dos diferentes níveis de formação intelectual de uma pessoa, pois a pesquisa “[...] pode ser vista como procedimento de ensino, que tanto vale para o ensino fundamental e médio, que promovem a formação geral dos alunos, quanto para os cursos de nível superior, que formam profissionais”. Concernente as bases que sustentam a escolha da pesquisa como metodologia de apropriação do conhecimento, André (2006, p. 222) nos explica que: A alternativa de usar a pesquisa como uma metodologia de apropriação ativa do conhecimento apóia-se numa perspectiva ao mesmo tempo pedagógica e epistemológica. Parte-se do princípio que o sujeito aprende quando ele se envolve ativamente no processo de produção do conhecimento, desenvolvendo uma atividade mental, usando a linguagem e a comunicação com o outro.

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Licenciada em Geografia pela UERN em 2008. Especialista em Geografia e Gestão Ambiental pela FIP em 2011. Mestranda em Geografia pela UFES. 21 Licenciado em Geografia pela UERN em 2008. Especialista em Gestão Ambiental pela FIJ em 2011. Professor de Geografia da Rede Particular de Ensino de Mossoró. 22 Licenciado em Geografia pela UERN em 2008. Especializando em Geografia do Semi-Árido e Educação Ambiental pelo IFRN. 23 Licenciado em Geografia pela UFRN em 1994. Mestre em Sociologia Urbana pela UFRN em 1999. Doutorando em Geografia pela UFPE. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da UERN.

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Nesse sentido, compreendendo que o sujeito aprende quando produz saber, o seu envolvimento com a produção do conhecimento, através da pesquisa, deve ser realizado desde os primeiros anos escolares. Como Bagno (2001) nos alerta, podem ocorrer consequências negativas na formação intelectual de uma pessoa devido à ausência de pesquisa durante o ensino fundamental e médio: Afinal, existem coisas que, quando não são aprendidas bem cedo, deixam sempre ‘buracos’ na formação de um indivíduo. Quem não aprendeu a pesquisar decentemente no 1° ou 2° grau vai penar muito quando chegar à universidade ou à vida profissional e se vir obrigado a realizar uma pesquisa (BAGNO, 2001, p. 16).

Nos diferentes graus de aprendizado, a aproximação com o conteúdo estudado envolve o aluno diretamente no processo de produção do conhecimento, além de auxiliar o desenvolvimento social desse sujeito, pois implica em aprender a conviver e a trabalhar com o outro, a ouvir e a ser ouvido, expressar ideias e opiniões próprias e respeitar os pensamentos e opiniões divergentes. Nesse sentido, essa é uma oportunidade significativa para incentivar a realização de atividades coletivas, tendo o professor atuação imprescindível. Sobre esse ambiente de atividades coletivas André (2006, p. 223) nos aponta que: Nesse processo é essencial o envolvimento ativo dos participantes, trazendo suas experiências e contribuições, traçando um caminho para reelaborá-las, o que vai requerer muito estudo, reflexão, busca e sistematização de dados, para o que serão imprescindíveis as orientações e supervisão do professor.

Para o ensino de Geografia, a pesquisa pode ser de grande valia, pois podemos partir da problematização do espaço geográfico, ensinando o aluno a pesquisar. Já na etapa final do trabalho, com a análise dos resultados, é possível retornar a problematização do espaço, criando novas interrogações. Porém, como nos afirma Pontuschka (1999, p. 132) essa não é uma tarefa tão simples, pois: O trabalho do professor do ensino fundamental e médio é complexo, pois, além de realizar a leitura do espaço geográfico, ou dos espaços geográficos, precisa fazer a leitura da realidade específica de seus alunos e daquilo que eles conhecem sobre o espaço geográfico; compreender de onde se originaram seus conhecimentos e suas representações, frutos da vivência, do senso comum.

Nesse contexto, é possível estabelecer laços entre os temas e conteúdos geográficos abordados em sala de aula com o cotidiano dos alunos através de diferentes metodologias de pesquisa. Essa é uma oportunidade de estudar e buscar compreender a realidade dos alunos, possibilitando assim a construção de uma personalidade crítica nos mesmos, pois estarão mais íntimos das problemáticas ao qual estão inseridos, tornado-se “atores-ativos” e não mais “espectadores-passivos” da sua sociedade. O professor tem um papel primordial na realização de pesquisa, sendo ele o orientador dessa produção. É tarefa do professor, coordenar as diversas atividades relacionadas à pesquisa, como por exemplo: identificação ou aperfeiçoamento de um problema ou de um questionamento a ser respondido, visto que essas interrogações iniciais podem surgir dos alunos, mas seu aprimoramento é papel do professor. Cabendo também ao docente a busca inicial de fontes e/ou definição das fontes principais da pesquisa, a escolha dos métodos, a seleção das informações e dados mais relevantes, orientação da organização sistemática dos dados e análise crítica dos mesmos. De acordo com

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André (2006), um caminho interessante a ser tomado pelo professor é ensinar seus alunos a pesquisar. Esse autor nos esclarece o que seria esse ensinar a pesquisar, dizendo: Ensinar a pesquisar é o que se propõe, ou seja, criar situações e atividades que propiciem aos alunos aprender a observar, a formular uma questão de pesquisa, a encontrar dados e instrumentais que lhe permitam elucidar tal questão e sejam capazes de expressar os seus achados e suas novas dúvidas. Isso supõe uma mudança no ensinar e no aprender: é na problematização da realidade que se originam as questões a serem perseguidas e é a partir delas que são escolhidos métodos de trabalho e técnicas de coleta de dados (ANDRÉ, 2006, p. 223).

Com base nos autores citados anteriormente, fica claro que o papel didático da pesquisa possibilita a formação de sujeitos autônomos, críticos, criativos e participativos. Dessa forma, a pesquisa, nos diferentes níveis de aprendizado, pode ser definida como um dos procedimentos de ensino mais importantes na construção intelectual de uma pessoa.

O PAPEL DA PESQUISA NA FORMAÇÃO DOCENTE

C

avalcanti (2005) aborda a formação crítica do profissional em Geografia destacando a importância da indissociabilidade entre pesquisa e ensino na formação docente, afirmando que esse é um “princípio norteador da formação do profissional em Geografia, a ser considerado pelos professores formadores desses profissionais, no desenvolvimento de seu trabalho docente, na discussão de um projeto político-pedagógico de um curso” (CAVALCANTI, 2005, p. 114). Pontuschka; Paganelli; e Cacete (2007, p. 95) também evidenciam a necessidade da existência da relação entre formação docente e pesquisa e asseguram que: Se considerarmos a docência como atividade intelectual e prática, revela-se necessariamente ao professor ter cada vez mais intimidade com o processo investigativo, uma vez que os conteúdos, com os quais ele trabalha, são construções teóricas fundamentadas na pesquisa científica. Assim, sua prática pedagógica requer de si reflexão, crítica e constante criação e recriação do conhecimento e das metodologias de ensino, o que pressupõe uma atividade de investigação permanente que necessita ser apreendida e valorizada.

André (2006, p. 221) destaca o papel didático da pesquisa na formação de professores, visto que ela “[...] pode tornar o sujeito-professor capaz de refletir sobre sua prática profissional e de buscar formas (conhecimento, habilidades, atitudes, relações) que o ajudem a aperfeiçoar cada vez mais seu trabalho docente, de modo que possa participar efetivamente do processo de emancipação das pessoas”. O professor que realizou pesquisa durante sua formação estará mais sensível a indagação, ao questionamento, a reflexão, a observação, ao debate sobre a realidade como também na busca de possíveis soluções para diferentes problemáticas. O uso da pesquisa na escola pode auxiliar de forma significativa na mudança da prática pedagógica como simples transmissão de conhecimento, como se os alunos fossem folhas em branco, para uma prática pedagógica onde os alunos podem e devem fazer parte do processo, ensinando e aprendendo conjuntamente. Para que essa mudança ocorra, o professor tem que está preparado para agir dessa maneira, conscientes de suas práticas. Porém, segundo Bagno (2001), os professores (incluindo os de geografia) não estão preparados para realizar essa tarefa e chama a

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atenção para o papel que o processo de formação dos docentes tem com suas práticas na escola. Infelizmente, a grande maioria dos nossos professores de 1° grau não estão muito preparados para assumir essa tarefa de orientadores. Os cursos de formação de professores em geral, deixam de lado esse componente importantíssimo e se concentram nas metodologias que facilitem a tal ‘transmissão de conteúdos’. Nem mesmo os cursos superiores garantem uma boa visão desses problemas (BAGNO, 2001, p. 15).

Suertegaray (2005, p. 111) alerta para as consequências da não inclusão da pesquisa na formação dos professores, dizendo que “[...] se educamos professores sem a prática da investigação científica, não estamos oferecendo-lhe essa forma de convivência e de percepção do mundo, ou seja, aquela que advém da pesquisa”, Bagno (2001) e André (2006) defendem que é de fundamental importância a presença e realização da pesquisa nos cursos de formação docente, ao passo que, se não ocorrer, podem gerar sérios problemas da atuação profissional futura desses alunosprofessores. Sobre essa questão, esses autores afirmam: Se quisermos que nossos alunos tenham algum sucesso na sua atividade futura – seja do tipo que for: científica, artística, comercial, industrial, técnica, religiosa, intelectual... – é fundamental e indispensável que aprenda a pesquisar. E só aprenderão a pesquisar se os professores souberem ensinar (BAGNO, 2001, p. 21. Grifos do autor). Levando em conta que a metodologia investigativa é apenas uma entre as várias possibilidades de envolvimento ativo do sujeito no processo de apropriação de conhecimento, suas vantagens são óbvias. Uma bastante evidente é a possibilidade de que o professoraluno venha a reproduzir em suas aulas o mesmo tipo de prática vivenciada em seu curso de formação (ANDRÉ, 2006, p. 223).

Diante do que foi exposto, reconhecemos o papel primordial da pesquisa na escola e compreendemos que ela só pode ocorrer de forma a tornar o aluno mais consciente e crítico de sua realidade se o seu professor estiver capacitado para conduzi-lo a isso. Nesse contexto, esse estudo teve como objetivo realizar uma investigação sobre a pesquisa na escola básica de Mossoró-RN, desempenhada pelos professores de Geografia. As entrevistas semiestruturadas utilizadas com esses profissionais tiveram como fio condutor questionamentos sobre: a formação desses docentes e o contato com a pesquisa durante a graduação; a opinião dos docentes acerca da pesquisa em Geografia no cotidiano da escola básica; e as suas práticas de pesquisa em suas aulas, destacando as dificuldades encontradas.

FORMAÇÃO DOCENTE DOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA DAS ESCOLAS DE MOSSORÓ-RN

P

ara esse estudo, foram visitadas vinte e três escolas na cidade de Mossoró-RN, no mês de abril de 2008. Porém, as entrevistas só foram realizadas no local de ensino onde o professor já era formado em licenciatura plena em Geografia.

Seguindo esse critério de investigação, deixaram de ser realizadas entrevistas em oito escolas. Nessas oito escolas foi possível encontrar as seguintes situações: o professor que ministrava a disciplina de Geografia não era formado, sendo assim estagiário; ou

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o professor tinha outra formação (História, Ciências Sociais, Filosofia e Pedagogia); ou na escola não havia professor de Geografia. Assim as entrevistas foram realizadas em quinze escolas, sendo três da rede privada e doze da rede pública de ensino, sendo uma federal, três municipais e oito estaduais. Dos quinze professores de Geografia formados em Licenciatura Plena, apenas dois possuem pós-graduação/mestrado. Nessa primeira etapa, surgiu um dado preocupante: existem escolas que têm a disciplina de Geografia ministrada por profissionais de outras áreas, como História, Ciências Sociais, Filosofia e Pedagogia. Apesar de essas ciências estarem inseridas no rol das Ciências Humanas, o ensino da disciplina por não-geógrafos gera uma perda na formação dos alunos, visto que, cada ciência tem um ângulo específico para analisar a sociedade, e uma não substitui a outra.

PROFESSORES DE GEOGRAFIA E EXPERIÊNCIA COM PESQUISA ACADÊMICA

Q

uanto à relação dos professores entrevistados com a pesquisa durante a graduação, ficou evidente que a maioria (treze professores) não a realizou. O que é um dado alarmante, visto que existe uma relação íntima entre as práticas desenvolvidas durante o processo de formação e as atividades desenvolvidas na atuação docente. O Professor A24 relata sua experiência com pesquisa durante a graduação e enfatiza como ela foi fundamental para o seu crescimento profissional e para a realização da sua Pós-Graduação, sendo ele uma das exceções nesse grupo pesquisado: Eu sou a prova viva que a pesquisa na graduação é fundamental. [...] as pesquisas realizadas durante a graduação serviram de base para o meu mestrado. Os projetos, todas as pesquisas realizadas no curso foram ideais, fundamentais para minha Pós-Graduação. Não tem nenhum trabalho que não tenha sido importante. Todos foram 25 importantes (PROFESSOR A, 2008. Informação verbal).

Essa afirmação deixa claro que a pesquisa realizada durante a graduação tem o papel fundamental para a formação continuada do professor. Já o Professor F, o Professor M, o Professor H e o Professor G relatam uma realidade bem diferente da vivenciada pelo Professor A. Esses professores não vivenciaram a pesquisa durante sua formação, sendo esse, infelizmente, o discurso da maior parte dos professores entrevistados. no período que fiz curso superior, licenciatura plena em geografia, a realidade era muito parecida com o 2° grau. era muito parecida, era conteúdo exposto, conteúdo a ser estudado, mas incentivo à pesquisa não existiu. no tempo que entrei na faculdade, ainda era particular, posteriormente é que ela foi estadualizada. hoje eu acredito que [o curso] está muito melhor, uma realidade muito diferente de quando eu fiz o curso (PROFESSOR F, 2008. Informação verbal).

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Optamos por não revelar o nome dos professores entrevistados para preservá-los e deixá-los mais à vontade para falar da realidade docente que vivenciam. 25 Os conteúdos das entrevistas de todos os professores foram redigidos com algumas modificações gramaticais, buscando melhorar a fluidez do texto.

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Pra você entender, eu terminei [o curso de Geografia] em 1983. Se você tem dificuldades agora na UERN [Universidade do Estado do Rio Grande do Norte] imagine naquela época. Os professores trabalhavam com condições muito precárias. Tivemos apenas uma aula de campo. Fomos a Martins, mas foi muito mais uma aula passeio. [...] É por isso que eu estou fazendo a especialização porque eu sou consciente que muita coisa mudou e eu preciso acompanhar essa evolução (PROFESSOR M, 2008. Informação verbal). Vou dizer a você que durante o nosso curso de graduação, nós tivemos muita aula teórica, me recordo que já no último ano do curso, nós conversarmos com o reitor da UERN [Universidade do Estado do Rio Grande do Norte] na época e a gente falou pra ele que estávamos a 4 anos naquela faculdade e íamos sair sem conhecer um mapa. [...] Em termos de pesquisa, como eu terminei a faculdade 1986, só tinha apenas 1 professor mestre, e o resto dos professores eram graduados, que terminava a graduação aqui e aqui mesmo já era professor universitário. É a realidade. E eu falo muito para os meus alunos, que se eu estivesse dando aula como há 21 anos, ninguém me suportaria (PROFESSOR H, 2008. Informação verbal). Faz tempo que eu terminei o curso. Mas eu tenho certeza que não houve pesquisa, porque se tivesse ocorrido, hoje eu estaria incentivado, eu estaria com as lembranças da pesquisa. Eu diria que o meu curso, à minha época, não foi uma época muito feliz. Talvez hoje as coisas estejam modificadas, mas na minha época se limitava ao quadro e ao giz, ao quadro negro e ao giz. Nós não tivemos essa oportunidade na minha época. A minha época foi os anos oitenta (PROFESSOR G, 2008. Informação verbal).

Ficou evidente que houve ausência de pesquisa na graduação da maioria dos professores entrevistados. Eles afirmaram que isso ocorreu devido à falta de incentivo e orientação por parte do corpo docente, resumindo o curso superior a aulas teóricas – expositivas, além de fatores de ordem física e financeira das instituições onde realizaram a graduação, como falta de laboratórios, recursos didáticos e tecnológicos, ausência de bolsas de estudo. Essa realidade é preocupante, uma vez que corroboramos do entendimento de Freire (1996, p. 29) que diz: “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro”. Diante dessa realidade, as deficiências nos cursos de formação desses professores podem ser um dos fatores que hoje prejudicam a realização da pesquisa na escola onde atuam. Mas, além dos problemas devido à formação docente, existem outras problemáticas, oriundas das próprias instituições de ensino e do contexto educacional brasileiro.

A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA NA ESCOLA PARA OS PROFESSORES DE GEOGRAFIA

M

esmo a maioria dos professores não tendo vivenciado a pesquisa durante sua formação, todos consideram muito importante a pesquisa em Geografia no cotidiano da escola básica. Porém, os relatos dos professores deixam claro que as pesquisas realizadas atualmente na sala de aula ainda são incipientes, não explorando totalmente o potencial dessa prática pedagógica. Esses professores afirmam que:

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A pesquisa é importante. O que falta é um apoio mais consistente de materiais que, às vezes, a pessoa não dispõe no colégio. Principalmente materiais que a gente precisa (PROFESSOR E, 2008. Informação verbal). Os alunos não estão preparados para a pesquisa. Não estão preparados porque isso vem da base. Os professores não investem em pesquisa e também a escola não oferece livros. Não só nessa escola, mas em outras que eu já passei, às vezes, os livros estão ultrapassados ou não tem um acervo grande. E essa escola fica em um bairro carente, muitos [alunos] não tem como se deslocar para a rua [centro da cidade de Mossoró-RN], para a biblioteca central. Acho que a pesquisa na escola está muito fraca. Tem que ter a junção de vários fatores para que ela deslanche, não é só o professor. Eu tenho muita vontade de fazer pesquisa de um assunto diferente, investigar, mas não tem condições, o Estado não oferece (PROFESSOR J, 2008. Informação verbal). Por falta de um apoio técnico e também um apoio didático, não é realizado a contento, fica muito a desejar. Agora, tenho que dizer que o professor tem interesse da pesquisa! Ele tem essa boa intenção, mas ele se vê limitado pela falta de apoio (PROFESSOR G, 2008. Informação verbal). A pesquisa é muito válida, porque o aluno vai ficar consciente do que realmente acontece, pra conhecer a questão de onde ele vive. Então é muito importante, porque a gente se prende muito ao livro, mas a gente sabe que o aluno precisa vivenciar (PROFESSOR O, 2008. Informação verbal). A pesquisa é de suma importância. Porque a Geografia de hoje está diferenciada de anos passados que eu estudava, que hoje trabalha com temas atuais (PROFESSOR C, 2008. Informação verbal). Eu acho que os alunos se interessam muito mais pela pesquisa. Quando abre inscrição pra bolsa aqui na escola [Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN] é uma concorrência enorme. Eles são muito interessados. Existe uma aceitação muito grande por parte dos alunos (PROFESSOR L, 2008. Informação verbal). Os professores entrevistados enfatizaram que desejam realizar pesquisa na escola, mas que as condições atuais dificultam essa prática. É importante destacar que ao longo dos depoimentos, os professores da rede pública de ensino alertam para o descaso do Governo, para a falta de infraestrutura e para a carência de investimentos e de incentivos para realização da pesquisa na escola. Nas escolas particulares, o descontentamento com a infraestrutura também existe, porém, as principais queixas relatadas pelos professores são as exigências e pressões, para a produção de aulas expositivas e utilização do livro didático, oriundas das coordenações e direções escolares.

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PRÁTICAS E DIFICULDADES ENCONTRADAS NA REALIZAÇÃO DE PESQUISAS NA ESCOLA

S

egundo Cavalcanti (2005, p. 115), há vários níveis de pesquisa utilizadas no ensino, desde a pesquisa comumente realizada, como os estudos dirigidos, onde muitas vezes os alunos reproduzem o conteúdo da fonte consultada, “[...] até a pesquisa propriamente dita, em que o aluno toma caminhos mais autônomos em relação ao que orienta o professor, rumo à construção de novos conhecimentos”. Segundo a autora, neste último tipo de pesquisa o aluno é envolvido em um problema que quer resolver, que desejar entender e compreender melhor. Em sua maioria, os entrevistados afirmaram que estimulam a prática da pesquisa em suas salas de aula. Porém, como afirma Cavalcanti (2005) para um contexto nacional geral, a grande parte das pesquisas realizadas na escola básica em Mossoró-RN está relacionada a atividades didáticas através de estudos dirigidos, existindo uma deficiência em práticas sistemáticas de problematizarão da realidade. O Professor E, assim como a maioria dos professores entrevistados, afirma que as atividades relacionadas à pesquisa resumem-se a trabalhos temáticos de consulta a internet. Segundo ele: O que estamos fazendo agora são pesquisas pela internet, é pedir aos alunos pesquisas da internet. Fica mais fácil realizar a pesquisa (PROFESSOR E, 2008. Informação verbal). Dessa forma, a pesquisa realizada pelos alunos, orientada pela maior parte dos professores, ficam reféns das consultas temáticas na internet e/ou a resolução de estudos dirigidos, tendo como base livros didáticos. Essa prática, acreditamos, é influenciada pela não realização de pesquisa durante a graduação, visto que o professor vem a reproduzir em suas aulas o mesmo tipo de prática vivenciada em seu curso de formação. Ao serem questionados sobre a pesquisa na escola básica, os professores realizaram verdadeiros desabafos, demonstrando que têm clareza das lacunas de suas práticas docentes, como nos relata o Professor B. Na realidade, o que eu acho, é que ainda falta a realização da pesquisa por parte de alguns [professores]. Não só essa pesquisa de livro, não só essa pesquisa como é feita na internet, falta uma pesquisa em que os alunos busquem informações no seu cotidiano. Está faltando ainda, por parte de nós mesmos aquela pesquisa que o aluno vá a fundo, buscar essas informações (PROFESSOR B, 2008. Informação verbal).

O Professor L, que atua em uma escola federal, faz um desabafo, resumindo e contemplando todas as falas dos professores entrevistados sobre uma das medidas que poderiam auxiliar no desenvolvimento de pesquisa na escola. O que falta pra pesquisa é dinheiro. É verba, porque sem verba você não faz pesquisa. É tanto que, depois que o CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e o próprio CEFET [Centro Federal de Educação Tecnológica atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia] começaram a incentivar a pesquisa pagando a bolsa para os alunos, a pesquisa deslanchou. Não tem essa história de fazer pesquisa porque você acha bonito. Vocês vão ver que sem dinheiro não rola não. De jeito nenhum. Se a pesquisa tem dinheiro rapidamente você vê os resultados, porque você coloca muita gente para trabalhar, você tem muito mais subsídios para você mostrar os resultados. Sem dinheiro você não

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pode nem ir ao centro [da cidade de Mossoró-RN], pois não tem nem uma passagem de ônibus para ir ao centro resolver alguma coisa. (PROFESSOR L, 2008. Informação verbal).

Os professores que realizaram pesquisa durante a graduação (dois docentes), são os mesmos que possuem pós-graduação/mestrado e que possuem as práticas mais sistematizadas, organizadas e direcionadas de pesquisa nas escolas. Ficou evidente a importância que a pesquisa realizada durante o curso superior teve para a continuação dos estudos, e na realização de atividades atuais, envolvendo pesquisa em suas turmas da escola básica. Nesse sentido, apontamos para a necessidade do incentivo do ato de pesquisar durante a graduação, pois a partir dos referenciais apreendidos nessa atividade o professor terá capacidade de propor o desenvolvimento do raciocínio geográfico e análise do espaço através da pesquisa com os seus alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A

pesquisa na escola básica em Mossoró-RN, realizada pelos professores de Geografia encontra-se em uma situação preocupante. Problemas advindos da formação dos professores, pois a maioria (treze professores) não realizou pesquisa no seu processo de formação, problemas de infraestrutura, bibliotecas com acervo defasado e falta de recursos (financiamentos) para pesquisa fazem parte do rol dos problemas existentes, considerando que nessa análise foram incluídas apenas questões envolvendo o professor (sua formação) e a infraestrutura da escola. Nesse contexto, para a superação dessa realidade são necessárias ações conjuntas entre os órgãos de ensino, tais como: Secretarias de Ensino, Ministério da Educação e as Universidades. Sabemos que é muito importante a realização de pesquisa durante o processo de formação, mas se ela não ocorreu nesse período, é necessário curso de capacitação e/ou formação continuada que supra essa lacuna. Conforme abordado pelos autores apresentados nesse trabalho, a pesquisa escolar deve ir além da pesquisa rudimentar, tendo como base a orientação do professor. Mas ele tem que está preparado para isso. Destacamos também a necessidade de investimentos maciços no apoio à pesquisa na escola básica, visto que a falta de apoio técnico, estrutural e pedagógico são alguns dos grandes problemas relatados pelos professores. Essas medidas devem ocorrer conjuntamente. Através das análises e discussões dos dados de uma pesquisa realizada pelos alunos, os mesmos podem ser envolvidos diretamente na aula, na construção de um conhecimento sobre a realidade, sobre o seu cotidiano. Fernandes (2003, p. 19) afirma que a aula é “[...] aquele momento e lugar em que devemos dar o melhor de nós e despertar o que há de melhor nos outros”. Acreditamos que a pesquisa na escola é uma das formas mais ativas de despertar o que há de melhor nos nossos alunos. Por esse motivo, temos a clareza da necessidade de continuarmos a realizar novos estudos sobre a pesquisa na escola, buscando oferecer subsídios para pensar essa prática de ensino na sala de aula, abordando outras perspectivas, como: aceitação da pesquisa por parte dos alunos; metodologias de pesquisa adequadas para a escola; temáticas pertinentes à realidade local; principais dificuldades dos professores na elaboração de um projeto de pesquisa; entre outras temáticas.

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REFERÊNCIAS ANDRÉ, M. E. D. A. Ensinar a pesquisar... Como e Para Que? In: SILVA, A. M. M. et al. (Org.). Educação formal e não formal, processos formativos e saberes pedagógicos: desafios para a inclusão social. Recife/PE: ENDIPE, 2006. BAGNO, M. Pesquisa na escola: O Que é, como se faz. 6. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001. CAVALCANTI, L. S. Geografia e prática de ensino. Goiânia: Editora Alternativa, 2005. FERNANDES, M. Aula de geografia e algumas crônicas. Campina Grande: Bagagem, 2003. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PROFESSOR A. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR B. Pesquisa na escola.Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR C. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR E. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR F. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR G. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR H. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR J. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR L. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb.

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PROFESSOR M. Pesquisa na escola. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PROFESSOR O. Pesquisa na escola. 2008. Entrevista concedida a Andreilson Fernandes de Castro e Carlille Webster S. Ferreira, Mossoró – RN, Abril de 2008. 1 gravador em mp3, 4gb. PONTUSCHKA, N. N. A Geografia: pesquisa e ensino. In CARLOS, A. F. (Org.) Novos caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 1999. PONTUSCHKA, N. N.; TOMOKO, I. P; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender Geografia. São Paulo: Cortez, 2007. SUERTEGARAY, D. M. A. Pesquisa e educação de professores. In: PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. Geografia em perspectiva: ensino e pesquisa. São Paulo: Contexto, 2005.

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AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NO ENSINO DE GEOGRAFIA: FILME E MÚSICA

AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NO ENSINO DE GEOGRAFIA: FILME E MÚSICA Juciely Marques Cirilo26 Maria José Costa Fernandes27

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Ensino de Geografia vem passando nas últimas décadas por momentos de “apreensão” por parte dos alunos que cursam o ensino fundamental, uma das possíveis possibilidades é devido a essa ciência ter ganhado a nomenclatura de caráter decorativo. Isso decorreu em muito pelo uso inadequado do livro didático como único instrumento de ensino da geografia escolar, tornando-a para os alunos uma disciplina desinteressante, decorativa e cansativa. A tentativa de transformar as aulas num movimento interativo, discursivo, de incentivo a pesquisa e de observação direta da realidade, torna-se uma busca necessária para aqueles que se comprometem com a qualidade do ensino de Geografia. Utilizar no ensino fundamental recursos metodológicos diversos é de fundamental importância para o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem, pois facilita a compreensão dos conteúdos e os alunos participam com assiduidade nas aulas devido a proximidade com seu cotidiano. Tendo como preocupação contribuir com o ensino da Geografia no nível fundamental, pretendemos demonstrar neste artigo que o uso de diversificadas linguagens e novas metodologias como, a utilização de músicas e de filmes, incentiva o acesso aos conteúdos como forma norteadora de ensino-aprendizagem e possibilita o desenvolvimento de habilidades para a observação, a criação, o ato de questionar e se posicionar de forma crítica, tornando-se necessário para aqueles que se comprometem com o ensino de Geografia. Buscamos despertar nos alunos o desejo de conhecimento, o interesse pelo saber Geográfico, esperamos com o presente artigo contribuir para facilitar a prática do processo de ensino-aprendizagem, proporcionando a reflexão sobre a necessidade de aulas dinâmicas e criativas, que levem os alunos a pensar e a raciocinar os conceitos e teorias discutidas pela Geografia. Deste modo, as ditas aulas “chatas, cansativas, desinteressantes e decorativas”, podem passar a serem vistas de forma mais atraente, despertando o interesse pelo conhecimento dessa ciência. Entendemos que o ensino, em particular da Ciência Geográfica, não pode ficar restrito ao livro didático, pois esse método da Geografia Escolar (tradicional) a faz ser vista como uma ciência caracterizada pelos aspectos já citados. Sobre tais apontamentos, Castrogiovanni (2008) aponta:

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Graduada em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. 27 Licenciada em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em 2010. Mestre em Geografia pela UFRN e Professora Assistente IV do Departamento de Geografia da UERN.

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A escola não se manifesta atraente frente ao mundo contemporâneo, pois não dá conta de explicar e textualizar as novas leituras de vida. A vida fora da escola é cheia de mistérios, emoções, desejos e fantasias, como tendem a ser as ciências. A escola parece homogênea, transparente e sem brilho no que se refere a tais características. É urgente teorizar a vida, para que o aluno possa compreendê-la e representá-la melhor e, portanto, viver em busca de seus interesses (p. 15).

O professor precisa utilizar os livros didáticos como auxílio no ensino e não como recurso único. Pois, no tocante ao aprendizado dos alunos existe uma necessidade de serem bem direcionados não os deixando a mercê de informações soltas, percebemos a opinião de alguns autores sobre essa questão: Nossos alunos não são os mesmos e acompanham, na maioria dos casos, o ritmo frenético do que acontece no mundo. Assim, a educação precisa ser ‘reajustada’ e o ensino da Geografia não pode ficar à margem dessas transformações. [...] O ensino de Geografia deve oportunizar situações em que o aluno textualize e teorize as suas significações, pois a riqueza da existência humana e a necessidade para fazer Geografia estão no fato de sermos diferentes e de existirem diferentes lugares (GUSMÃO; SAMPAIO OLIVEIRA; SAMPAIO SANDES, 2004, p. 94).

É importante ficar atento a essas transformações, principalmente no que se refere ao ensino da Geografia de modo geral, tanto acadêmica como nos ensinos médio e fundamental, pois é preciso que professores e alunos sejam sempre pesquisadores. De acordo com Dantas (2005), é conveniente que o ensino acompanhe as transformações do globo, pois se percebe a necessidade de inovar as metodologias aplicadas no ensino-aprendizagem, então possivelmente os alunos encontrarão aí uma prova de que a vida não para à porta da classe, deixando de ser um meio artificial. Em concordância com essas ideias os autores refletem: O aluno, quando envolvido em atividade de pesquisa, desenvolve a capacidade de observar, localizar, coletar e sistematizar dados. Aprende também a analisar um objeto a partir de um referencial teórico disponível. É preciso fazer da pesquisa uma atitude cotidiana entre professor e aluno, pois através dela se evita o uso de receitas prontas e se fomenta a iniciativa (GUSMÃO; SAMPAIO OLIVEIRA; SAMPAIO SANDES, 2004, p. 96).

Uma possibilidade para o professor trabalhar com os alunos é envolver os conteúdos geográficos com a realidade vivida, Kaercher (2003, p. 11) ressalta que “[...] a Geografia existe desde sempre, e nós a fazemos diariamente. Romper então com aquela visão de que Geografia é algo que só veremos em aulas de geografia”. Em reforço a este, Somma (2003, p. 165) tem fortes argumentos ao nos apresentar que: O objeto de estudo da geografia está aí, exposta a todos os sentidos de cada aluno, todos os dias. O espaço próximo se vive; forma parte da história pessoal do aluno que lhe atribui uma lógica, a sua maneira. Os significados implícitos, os preconceitos, as noções prévias formam parte do desenvolvimento das inteligências pessoais. Ignorar essa forma de apreender seu espaço real é, além de um erro pedagógico, uma forma de desconhecer o aluno como pessoa.

Então, para que se possa entender o ensino em sua totalidade, deve-se considerar a hegemonia cultural e ideológica dos alunos, bem como observar os aspectos organizacionais e estruturais do espaço a se trabalhar.

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O trabalho do profissional do ensino fundamental e médio é complexo, devido à realização da leitura de espaço geográfico, em que o professor precisa conhecer a leitura da realidade específica de seus alunos e daquilo que eles conhecem sobre o espaço geográfico; compreender de onde se originaram seus conhecimentos e suas representações, frutos do dia-a-dia, do senso comum (PONTUSCHKA, 1999). Então, a partir dessas observações realizadas, o professor poderá selecionar os recursos mais adequados para trabalhar com os alunos de maneira a incentivá-los ao ensinoaprendizagem. Ao nos referirmos ao papel do professor como mediador do processo de ensinoaprendizagem, faz-se necessário compreender a essência deste processo e as práticas desenvolvidas pelo professor em sala de aula. Sendo o intermediador entre o conhecimento e o aluno, o professor tem uma responsabilidade ímpar no processo educativo. Concordamos com as reflexões de Kimura (2008, p. 56) ao assinalar que: [...] é indispensável reconhecer a importância do papel do professor de Geografia enquanto um educador, [...]. A referência é para a importância de um educador que privilegie a formação do aluno, indo ao encontro de suas necessidades de ter um parceiro na busca do desenvolvimento da aprendizagem, a partir da situação em que o aluno se encontra.

É fundamental que o professor não se limite apenas ao ato de ensinar, mas em promover o aprendizado dos alunos. A formação educativa do aluno deve estar de acordo com sua vivência, com seus conhecimentos prévios. O aluno não é para ser considerado receptáculo do saber, mas um sujeito ativo na sua construção do conhecimento, e nesse sentido a importância de existir o professor como orientador na direção correta do aprendizado é indispensável. A sistematização de conhecimentos e conceitos está nas mãos do professor, que precisa conceber o seu ensino de maneira a formar o aprendizado significativo. Encontramos nos apontamentos de Weisz; Sanches (2002, p. 93) suporte para nossa discussão ao ressaltarem que: Quando um professor pensa que ensino e aprendizagem são duas faces de um mesmo processo, faz sentido acreditar que, ao final dele, só existam duas alternativas: o aluno aprendeu, ou não aprendeu. Diferentemente disso, se ele vê a aprendizagem como uma reconstrução que o aprendiz tem de fazer dos seus esquemas interpretativos e percebe que esse processo é um pouco mais complexo do que o simples ‘aprendeu ou não aprendeu’, algumas questões precisam ser consideradas. Uma delas é a necessidade de ter claro o que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresentado um conteúdo novo, já que o conhecimento a ser construído por ele é, na verdade uma reconstrução que se apóia no conhecimento prévio de que dispõe [...].

Apesar de estarem interligados e serem indissociáveis, o ensinar e o aprender, têm distintas características até porque são relativos a sujeitos específicos. O ensinar relativo ao professor e o aprender relativo ao aluno. Contudo, esse não é um padrão fixo e imutável, o professor é um aprendiz constante e o aluno sempre tem algo a acrescentar no conhecimento que o professor expõe em sala. É preciso que o professor motive seus alunos a aprender e a partir das situações cotidianas, ele torne seu ensino mais incentivador, mais atraente e com significado. Sobre isso, Castellar; Vilhena (2010, p. 6) complementam nossas reflexões ao enfatizarem que:

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Espera-se, em uma prática de ensino mais dinâmica, que o aluno possa não só dar significado, mas compreender o que está sendo ensinado. Optando por uma metodologia de ensino que envolva o aluno na construção do conhecimento, espera-se que ele estude a partir de situações do cotidiano e relacione o conhecimento aprendido para analisar a realidade, que pode ser a local ou a global [...].

É nesse sentido que se pauta o processo de ensino-aprendizagem: o professor praticando seu ensino de forma mais dinâmica, com a utilização de diversas linguagens, fazendo com que os alunos sintam-se atraídos pelo o aprender e o saber. As metodologias utilizadas pelos mestres devem ser envolventes, trazendo a Geografia imersa em situações cotidianas, em meios com os quais os alunos têm maior contato, como a música, os filmes, vídeos, entre outros. A relação que o professor deve fazer é associar o que tem de Geografia nesses recursos e começar a analisar com o meio em que vive, o professor tem o papel de direcionar seus alunos nesta tarefa. Abrir caminhos para que eles se tornem sujeitos de sua própria aprendizagem, construindo seu conhecimento constantemente. Ensinar e aprender Geografia com metodologias e recursos inovadores é o meio mais agradável para se conhecer a própria realidade, entendê-la e nela atuar de forma a praticar a própria cidadania. Acreditamos nas potencialidades do enriquecimento no ensino-aprendizagem através da utilização de processos múltiplos no ensino, a exemplo da música e do filme que serviram para fazer com que nossas aulas sejam momentos de críticas da realidade. Dentro desse contexto, enfatizaremos os recursos didáticos – música e filme – como forma de incentivar os alunos a compreender a Geografia, tornando as aulas mais dinâmicas.

OUVINDO E ASSISTINDO A GEOGRAFIA

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m meio de estimular os alunos a pensar e repensar sobre um conteúdo abordado é relacionar de forma direta ou indiretamente a música e o filme com experiências de vida, com fatos presenciados na localidade de vivência deles. E, desta maneira mostrar que os alunos podem passar do conhecimento empírico para o conhecimento científico, atribuindo um novo significado ao seu cotidiano ao sistematizar os dados levantados no espaço de vivencia deles. Segundo os autores [...] uma maneira de motivar os alunos é incorporar o seu cotidiano ao conhecimento abordado em aula; ou ainda tomar à localidade como objeto de investigação retirando delas os elementos necessários à realização de uma análise geográfica (MOREIRA; SILVA; FERREIRA, 2007, p. 74).

Em meio a tantos desafios no ensino o trabalho realizado, o presente artigo busca a inserção do aluno no processo de construção do saber em uma sociedade dinâmica. Percebendo que as músicas, em forma de canção contem textos musicalizados em um contexto. Assim também os filmes em formas de imagens em movimento mostram um determinado contexto histórico, nesse sentido, tornar-se dentro e fora da escola, instrumento imprescindível nas apreensões cognitivas dos jovens em seu dia-a-dia, pois, eles agem em seu emocional e racional como reflete o autor: “O aluno, em seu dia-a-dia na sala de aula e em lugar de moradia, atua, e enquanto sujeito adquire status de ator (social e geográfico), realizando papéis no campo individual e social, os quais determinam seu comportamento e ação” (CORREIA, 2009, p. 47).

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Os alunos são considerados atores geográficos, basta uma emoção e uma lembrança para conceber o mundo vivido. De acordo com Correia (2009), a sala de aula é local onde se acirram questões grupais, e afloram as percepções e representações. Então, os alunos constituem grupos sociais, que tem na música e no filme, uma de suas principais manifestações culturais e maneira de representar suas conquistas e pensamentos. Diante de tais desafios, propomos a partir da construção deste texto, mostrar que a principal capacidade atribuída à música e ao filme é levar o educando a interpretar e representar o mundo em que se vive, pois a música e o filme relatam as transformações que estão se dando e vão se dá na sociedade. Destarte, o emocional toma acento e cumpre papel significativo no processo de ensino-aprendizagem, pois, favorece a aplicação dos aspectos pedagógicos e didáticos na ação educativa, no ensino formal, principalmente no nível fundamental. Trabalhar com as múltiplas linguagens, a música e o filme, no ensino fundamental, muito importante para a interação do conteúdo durante o aprendizado dos alunos. O docente pode através do uso das imagens, explorá-las permitindo uma melhor assimilação dos conhecimentos, quando trabalhando o som, a imagem e o movimento, mediante a classificação do filme trabalhado. Explicando nossas reflexões, Gusmão; Sampaio Oliveira; Sampaio Sandes (2004, p. 102) nos mostra que: Para que se possa trabalhar com a Geografia de forma mais prazerosa e eficaz, relacionando teoria e prática e vivenciando uma nova atuação do professor voltada para a construção de competências e habilidades favoráveis à vida do aluno e que possam ajudá-lo a compreender melhor o espaço na sua diversidade e problema, buscando assim um trabalho completo e eficiente, deve-se pensar inicialmente no planejamento do trabalho.

Como os autores enfatizam, devemos pensar e planejar sempre como usufruir-se dos recursos disponíveis. Na prática dessas propostas metodológicas, o docente deve selecionar as músicas e os filmes cuidadosamente, levando em consideração o tempo, tema e abordagem de acordo com os conteúdos que serão ministrados. Partindo desse contexto, trabalharemos o filme e a posterior a música, demonstrando como esses recursos podem ser inseridos nas aulas de Geografia, facilitando a compreensão dos temas geográficos. O filme como uma expressão artística, pode refletir e antecipar os diferentes contextos e épocas. Quando bem selecionados, criam condições para desenvolver o cognitivo, a criticidade e a capacidade reflexiva dos alunos em relação aos acontecimentos reais e/ou futuros. Encontramos nas reflexões de Passini (2007, p. 105) apoio para esta discussão ao analisar que: Como todo trabalho de sala de aula, a utilização de filmes deve ser cuidadosamente planejada, tanto no tocante a tempo, tema e abordagem como no que se refere às atividades anteriores e posteriores que os alunos executarão. [...] O professor pode ainda elaborar um roteiro da análise e interpretações e principalmente possibilitar o acompanhamento das ações que ocorrem no filme (quer romance, quer documentário) em um mapa.

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Nesse sentido, Barbosa (2009) reflete que o filme nos remete a uma forte impressão de realidade, enfatizando que o papel do filme em sala é de provocar uma situação de aprendizagem para alunos e professores, sendo assim, a imagem cinematográfica precisa estar a serviço da investigação e da crítica a respeito da sociedade em que vivemos. Em apoio as nossas reflexões Vieira; Sá (2007, p. 107) enfatiza que: A música pode ser um complemento auxiliar das atividades desenvolvidas para interação com alunos nos trabalhos de ensinar e aprender Geografia. O professor não precisa conhecer nem compartilhar as preferências dos gêneros musicais de seus alunos, mas pode propor que eles façam um levantamento das músicas que tratem do tema em estudo. Por exemplo, ‘três raças’, de Clara Nunes, pode ser introduzida no estudo da população. A receptividade é quase sempre muito boa e promove a concentração.

Das diversidades de filmes existentes escolhemos três que apresentam utilidade para o ensino de Geografia. Entre eles, citamos o filme “Central do Brasil”. Ele relata a história de Dora, personagem vivida por Fernanda Montenegro, mulher de classe popular que sobrevive escrevendo cartas para os analfabetos na estação “Central do Brasil”. Nos relatos que ela escuta e transcreve, mostra um Brasil ainda não conhecido, evidenciando um cenário de população migrante, que busca manter os laços com os parentes e o passado. Em uma de suas cartas, Dora conhece Ana e seu filho Josué, um garoto de nove anos que sonha em conhecer o pai. Na saída da estação, Ana é atropelada e seu filho acaba sendo acolhido por Dora, que decide procurar pelo pai dele. Nessa viagem em busca do pai desaparecido de Josué, ambos descobrem terras ainda não descobertas, paisagens nunca vista e realidades ainda não vivenciadas por ambos. Este filme é muito rico no que se refere às temáticas geográficas. De inicio, as cenas da cidade de São Paulo, seus prédios, o movimento de “coisas” e pessoas dão significado ao modo de vida urbano. Em contraste a paisagem urbana, os espaços interioranos do Brasil mostram a “outras” realidades do nosso país e de seu povo. O filme ainda relata os fluxos migratórios ocorridos no Brasil, bem como as peregrinações religiosas realizadas por romeiros nos períodos de romarias, ou seja, esta produção cinematográfica demonstra a cultura popular, a riqueza e diversidade espalhada pelos quatro “cantos” do Brasil. Outro aspecto enfatizado neste filme refere-se às condições de vida da população. Podemos observar nesse filme, as precárias condições de vida tanto nos espaços urbanos, na qual se destacam pessoas que moram na estação ou em espaços pobres, como por exemplo, cortiços; bem como as condições de vida difíceis na cidade interioranas, a exemplo da casa dos irmãos de Josué, sendo a mesma humilde e sem grandes aparatos de infraestrutura. Outra produção cinematográfica que pode ser utilizada nas aulas de Geografia é o filme “Tropa de Elite 1”, podendo o mesmo ser utilizado como suporte as aulas de Geografia. Este filme, baseado em fatos reais, descreve a história de quando o Papa João Paulo II visitou o Rio de Janeiro na década de 1990. O personagem principal do filme é o Capitão Nascimento, líder do Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE, sendo o mesmo interpretado pelo ator Wagner Moura.

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Capitão Nascimento almeja afastar-se do posto de comandante, devido esta prestes a ser pai, e precisa encontrar um substituto para o seu cargo, uma tarefa árdua e difícil em meio a uma policia permeada por condutas corruptas. Mas, em meio a tantas dificuldades, ele precisa encontrar uma pessoa que tenha os seus ideais de honra e profissionalismo. O Capitão Nascimento tinha como missão, cuidar de sua família, treinar ao máximo seus substitutos (Neto ou Matias), além de proteger o Papa (o que o deixava bastante apreensivo em sua decisão). A partir desse filme o professor pode interagir com os alunos mostrando que o mesmo, faz uma crítica a corrupção da polícia brasileira, bem como, a violência presente nas cidades brasileiras, a exemplo da ferocidade encontrada na cidade do Rio de Janeiro e suas favelas, em especial. O filme ainda enfatiza o envolvimento da classe média com a violência e as drogas, representado neste filme a partir da participação dos alunos universitários no tráfico e do consumo de drogas. O professor pode, a partir desta produção, abordar a questão da violência e temas afeitos a esta, sendo que, o mesmo pode ainda, partir da realidade vivenciada na escola, no bairro, na cidade, ou seja, em diferentes escalas espaciais, dar significado aos conhecimentos e debates geográficos, fazendo com que o aluno ultrapasse a linguagem do que é discutido na sala de aula, e esteja apto a discutir e refletir sobre tais questões em sua realidade. Outra produção cinematográfica, é o filme “Tempos Modernos”, sendo que o mesmo relata a história de um homem-operário de uma linha de montagem, que testa uma “máquina revolucionária” para evitar a hora do almoço, portanto é levado a loucura pela “monotonia frenética” do seu trabalho. Devido a tanto trabalho, ele tem uma crise nervosa e passa um longo período internado em um sanatório, e em consequência disso fica desempregado. Ao deixar o hospital para começar uma nova vida, encontra uma crise generalizada, é confundido e preso como um agitador comunista. Neste filme, podemos perceber a “monotonia frenética” em que vive o trabalhador da época, ressaltando-se a questão dos movimentos repetitivos, pois cada trabalhador tinha um tipo de função específica, a exemplo, ele apenas apertava parafusos. Podemos também, mostrar como ocorreu a implementação das máquinas no sistema produtivo, evidenciando como se dava a mais-valia (ele trabalha e come ao mesmo tempo, de forma a produzir mais e diminuir o tempo pedido como a alimentação, sendo que o objetivo maior disto é aumentar o lucro do proprietário da indústria). O professor poderá trabalhar com os alunos, as transformações que ocorre no espaçotempo dando enfoque ao capitalismo que se percebe no filme, como na realidade atual. Percebemos desta forma, o quanto o uso de filme em sala de aula pode proporcionar uma aprendizagem mais eficaz dos conhecimentos sistematizados. E, de maneira especial, a Geografia, só tem a ganhar com a utilização desse recurso. Isso porque, como a mesma é a ciência que estuda o espaço e suas dinâmicas, os fatos que normalmente são apresentados nos filmes, partem de acontecimentos reais, de fatos que são, serão ou que já estiveram presentes no espaço. Na prática, a utilização dos filmes como uma ferramenta metodológica no auxilio do ensino de Geografia tornam as aulas mais dinâmicas, interativas e reflexivas permitindo uma maior assimilação dos conteúdos dessa disciplina.

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Segue abaixo um quadro demonstrativo que expõem alguns possíveis filmes que podem ser utilizados nas aulas de Geografia. FILME

TEMAS GEOGRÁFICOS

Uma Verdade Inconveniente

Evolução do aquecimento global

Viagem ao centro da Terra

Estrutura e dinâmica da Terra

A última hora

Problemas ambientais e consumismo

A era do gelo

Aquecimento global

Os sem-floresta

Questões ambientais; conceitos de lugar e espaço geográfico.

Robôs

Migração, tecnologia, produção, consumo e temas urbanos.

Diamante de Sangue

Continente africano

Jurasick Park

Eras geológicas (período jurássico)

Terra para Rose

Questões agrárias

2012

Aquecimento global

Twister

Furações, circulação atmosférica

Aí que vida

Cidades interioranas (modo de vida) e questões políticas.

O menino de pijama listrado

Nazismo

O caçador de pipas

Oriente Médio

Rio Biodiversidade, cultura Brasileira e etc. Quadro 01: Filmes e possiveis temas geográficos Fonte: Organizado pela autora (2010) Neste mesmo sentido, Castro; Saraiva (2009) enfatizam que, assim como o filme, a música estimula nos alunos a participação ativamente das atividades que pretendem ser discutidas em sala, relacionando aos ensinos da geografia. Deste modo a música pode despertar o senso crítico dos alunos, que é imprescindível a sua formação de cidadão, sendo a mesma uma importante ferramenta metodológica no exercício do ensino de geografia. Dentre o universo de músicas de variados gêneros, uma gama diversificada de canções que podem ser utilizadas como suporte para se trabalhar os temas geográficos. Entre elas, enfatizamos a música “Faroeste Caboclo” de Legião Urbana, criada em 1979, sendo lançada em 1987 e com composição de Renato Russo. A música apresenta várias possibilidades de trabalhar com os temas geográficos, pois se observam nos versos os temas relacionados a migrações, a violência/racismo, e as desigualdades sociais. O professor pode relacionar esses assuntos fazendo um paralelo com o livro didático e demonstrando a realidade próxima que se vive. Sobre a migração pode-se trabalhar os diferentes tipos de migrações, como o êxodo rural; as migrações entre estados e regiões (intraestadual e intrarregional); e entre nações. Podemos trabalhar ainda a questão do racismo, da violência, das drogas, as desigualdades sociais e as precárias condições de vida da população.

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A música “Asa Branca” composto por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, tem como tema central da canção, a região Nordeste. Percebe-se nas estrofes as características do clima do Nordeste, em específico a região do Sertão; a seca que assola esta região; e a questão da migração como forma de solução e ação frente a esta problemática. Sendo assim, trabalhar músicas que abordem os conteúdos relacionados ao cotidiano dos alunos; à exemplo do clima do Sertão Nordestino, as secas que obrigam as pessoas a migrarem sazonalmente e até mesmo os animais à migrarem em busca de sobrevivência; é impotante para a interação dos alunos em sala de aula. Outra música que pode ser trabalhada nas aulas de Geografia é “Lourinha Bombril” – Paralamas do Sucesso, pois a mesma é um exemplo explícito da relação que se pode estabelecer entre a música e o processo de ensino-aprendizagem da Geografia. Esta música apresenta em seus versos, fragmentos que se relacionam as temáticas geográficas. Observa-se nas estrofes desta canção, o processo de colonização do Brasil, seu povoamento e miscigenação, bem como, o processo de globalização e suas dinâmicas. Para os alunos interiorizarem os conteúdos, trabalha-se a capacidade de análise e cognição dos alunos mostrando a riqueza da miscigenação dos povos, ou seja, a mistura de cultura e raças. Sobre a globalização, o professor pode ainda interpretar nas estrofes, a diversidade cultural entre os diferentes povos e a difusão da economia pelo mundo (capitalismo-globalização). Deve-se utilizar a música de forma contextualizada com a realidade do dia-a-dia do aluno, isso porque, conforme Castrogiovanni (2003), se os nossos alunos puderem ter na Geografia um instrumento útil de leitura do mundo, ajuda-se a construir não só uma escola como uma sociedade mais crítica. Segue abaixo um quadro com músicas e possíveis temas que o professor de Geografia pode trabalhar em sala de aula, atribuindo significância dos mesmos por meio da música.

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MÚSICA Nordeste independente Composição: Bráulio Tavares / Ivanildo Vilanova Asa Branca Composição: Luiz Gonzaga/ H. Teixera Planeta água Composição: Guilherme Arantes Vento ventania Composição: Indisponível Todo dia era dia de índio Composição: Jorge Ben Rosa de Hiroshima Composição: Vinicius de Morais / Gerson Conrad Geração coca-cola Composição: Renato Russo / Fê Lemos Encontros e despedidas Composição: M. Nascimento / F. Brant Disneylândia Composição: Indisponível O Cio da terra Composição: Chico Buarque / M. Nascimento Alagados – Os Paralamas do Sucesso Composição: Herbert Viana / Bi Ribeiro

TEMAS GEOGRÁFICOS Nordeste brasileiro Potencialidades Cultura popular Nordeste brasileiro Estações climáticas “Problemática da seca” Ciclo hidrológico Problemáticas socioambientais Atmosfera terrestre Furações; Vendavais Colonização brasileira O índio no Brasil. FUNAI 2ª guerra mundial Guerras mundiais Armamento bélico Sociedade de consumo Capitalismo Fluxos migratórios Imigrantes Emigrantes Globalização Meios de transportes e de comunicação Problemáticas ambientais Conflitos de terra MST Urbanização Problemas sociais Religião Injustiças sociais

Racismo é burrice Composição: Gabriel o pensador Quadro 02: Músicas e possiveis temas geográficos. Fonte: Adaptado de CASTRO; SARAIVA (2009)

Deste modo, percebe-se a importância que estes recursos possui no ensino de Geografia, sendo que, o uso destes instrumentos pedagógicos estimula e motiva o aluno, tornando o processo de ensino-aprendizagem em Geografia mais significativo, atraente e interessante para os mesmos. A reflexão acerca do uso dos recursos metodológicos música e filme contribuem para que o ensino de Geografia exerça um papel enquanto instrumento social, na medida em que permite discutir temas do cotidiano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A

Geografia, transformada numa disciplina dinâmica, deve propiciar a observação, percepção, análise e compreensão do espaço geográfico enquanto espaço de ação humana. O artigo teve como finalidade, prestar o cumprimento de ser um instrumento pedagógico na busca de uma Geografia estimulante ao desenvolvimento do raciocínio, da interpretação e do pensamento crítico dos alunos. Este texto evidenciou que, trabalhar com processos múltiplos de ensino no fundamental aguça o aprendizado dos alunos, especificadamente através dos

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recursos, música e filme, facilitando desta forma, a relação entre o professor e aluno; demonstrando o quanto à motivação pode facilitar o processo de aprendizagem. Nesse sentido a proposta metodológica desse texto está calcada na interpretação de músicas e filmes, como instrumentos pedagógicos, tornando o processo ensinoaprendizagem em Geografia mais significativo. Todavia, faz-se necessário que cada vez mais sejam elaborados estudos e análises de discussão, que envolvam os recursos didáticos e os pedagógicos, principalmente na maneira de utilização dos mesmos, pois, as diversidades do cotidiano são os maiores desafios que os professores tem que enfrentar. É o poder de difusão que faz com que a música e o filme sejam uma das principais manifestações culturais do Brasil. Então, torna-se viável a utilização dessas linguagens no ensino, pois a associação desses procedimentos é considerando um recurso didático muito vantajoso. Propõe-se, portanto, junto aos conteúdos da grade curricular da Geografia, a inserção das letras, dos temas de filmes e suas interpretações de músicas no tocante aos temas geográficos. Então, essas metodologias reviverão o entusiasmo pela disciplina. Deste modo elas serão utilizadas como possibilidades de ensino-aprendizagem no ensino de Geografia.

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LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL

LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL Mara Renata Barros Barbosa 28 Maria José Costa Fernandes29

O

livro didático, como instrumento auxiliar da prática docente no processo de ensino-aprendizagem de Geografia, tem-se tornado o principal e em muitos casos o único recurso no desenvolvimento das atividades didáticopedagógicas. Exerce papel ativo no processo educativo do Ensino Fundamental, como material didático de apoio às atividades do professor. O ensino de Geografia em sala de aula é baseado em sua utilização, sendo este o recurso mais presente, é considerado a principal fonte de atualização e consulta de muitos docentes. Os livros didáticos de Geografia são utilizados no ambiente escolar de várias maneiras, em alguns casos permite que o aluno faça uma reflexão sobre os conceitos geográficos, em outros trabalha com a Geografia de modo tradicional e não-reflexivo. Essas formas de utilização são baseadas por alguns motivos, dentre os quais podemse destacar a relação entre a formação geográfica e didático pedagógica do professor, suas condições de trabalho, as características da escola, os discentes que a frequentam. A construção do conhecimento geográfico através do livro didático propõe-nos relevantes reflexões. Qual é então o papel do livro didático no ensino-aprendizagem de Geografia? O discurso contido no livro está relacionado à realidade vivida pelo aluno? Há distância entre o discurso do livro didático que se elabora e as práticas implementadas em sala de aula? A estruturação do livro em si é suficiente para facilitar a apreensão de conceitos geográficos? Há a necessidade ou a dependência dos livros didáticos no processo educacional em Geografia? Qual a geografia que se apresenta nos livros didáticos? As questões propostas acima nos incitam a intensas reflexões sobre o ensino e a aprendizagem através do livro didático na Geografia desenvolvida nas escolas. Cabenos questionar sobre a importância e o uso deste instrumento, que poderia funcionar apenas como auxiliar nas reflexões geográficas e não como seu protagonista. Todavia, é importante considerar que há fatores que podem explicar a unidade da dependência do livro na educação e no aprendizado em Geografia. Podemos destacar desde a formação geográfica do professor à disponibilidade ou não deste recurso pelo aluno, pela escola, ou talvez a falta de pesquisa pelo docente e a não-utilização de outros recursos didáticos disponíveis, através de múltiplas linguagens para o ensino da Geografia. Associa-se ao processo de ensino-aprendizagem, a imagem do professor e do aluno com o livro em mãos no desenvolvimento de suas atividades cotidianas no ambiente escolar. Disto resulta, que este recurso didático mantém-se como o meio mais utilizado em sala de aula, sendo muitas vezes o “manual didático” que determina as 28

Licenciada em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Licenciada em Geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em 2010. Mestre em Geografia pela UFRN e Professora Assistente IV do Departamento de Geografia da UERN. 29

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ações do ensino. Partindo-se desta premissa, é fundamental verificar o livro como recurso metodológico do ensino, sua abordagem em relação à realidade do aluno, a postura do professor em relação a reprodução de ideias do livro, a construção de conhecimentos geográficos e sua função no processo de ensino e de aprendizagem que se propõe. Entendemos que a análise do livro didático de Geografia pelo professor pode levar em consideração alguns critérios básicos, como por exemplo, a autoria, a formação do autor, a linguagem, o índice, a estrutura, os recursos gráficos, como mapas, cartogramas, tabelas, gráficos, imagens, a proposta teórico-metodológica, as atividades propostas, enfim, os meios que o livro nos oferece. A partir disto, encontrar possibilidades de utilizar este recurso aliado a diversos outros, de forma a estimular o interesse por parte do aluno. A qualidade dos livros didáticos pode ser analisada através de alguns fatores, como objeto material, como meio de comunicação e como instrumento capaz de levar o aluno à aprendizagem. Ultimamente o livro didático deixou de ser um livro texto para ser um objeto bonito, com muitas cores e imagens. São em número cada vez menor, os livros que tratam de determinado assunto com amplitude, com qualidade e aprofundamento, a maioria reduz o conhecimento a pequenas partes. É de suma importância que o professor conheça o conteúdo do livro didático de geografia, para que possa utilizá-lo da maneira mais adequada à realidade vivida por seu aluno, caso contrário, tornar-se-ia um mero reprodutor das informações contidas neste livro. O professor precisa perceber se o conteúdo do livro está ou não distante da realidade do seu aluno, com tal reflexão sobre a contradição muitas vezes existente entre o discurso do livro e a vivência cotidiana do discente, o professor poderá atuar de forma crítica, estimulando a construção cognitiva deste através de sua intervenção, já que na maioria dos casos, tem que utilizar o livro didático de que dispõe. De certa forma, seria necessária a existência de um livro didático que possibilitasse ao aluno o estímulo à reflexão, à curiosidade, ao raciocínio, à pesquisa, à leitura e favorecesse ao professor, mecanismos e metodologias que estimulassem e desenvolvessem tais ações. Assim o aluno seria capaz de desenvolver o espírito crítico e reflexivo, estimulando o seu aprimoramento intelectual na ciência geográfica. Porém, ainda diante da inexistência de livros adequados à produção efetiva do conhecimento, a alternativa que temos é trabalhar com os existentes, mas de maneira crítico-reflexiva, aguçando em nossos alunos a ânsia por um conhecimento produtivo, verdadeiro e principalmente transformador. O presente trabalho, no tocante ao uso do livro didático de Geografia, visa a refletir primordialmente sobre importância deste no Ensino Fundamental. Objetiva também questionar o papel deste recurso metodológico no processo de ensino-aprendizagem da Geografia escolar, pois sabe-se que este é associado à função de construção do conhecimento, sendo um referencial no processo educativo escolar. Pretende-se analisar e a importância do livro didático como recurso de intermediação no processo ensino-aprendizagem de Geografia no Ensino Fundamental. Propomonos a tecer reflexões sobre sua utilização no desencadear das atividades escolares, considerando seu papel no ensino, por parte do professor, pela aprendizagem no que concerne ao aluno e sua escolha por parte da escola que o adota. Assim sendo, discutir-se-á o papel do livro didático de Geografia como mediador do processo de ensino-aprendizagem de Geografia no Ensino Fundamental, refletindo sobre sua influência na construção de conhecimento que se pretende que o aluno aprenda.

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A relevância deste trabalho está na contribuição de oferecer mecanismos facilitadores ao Ensino de Geografia, favorecendo o aprimoramento da capacidade crítico-reflexiva na adoção de livros didáticos para o ensino. Além disso, demonstrar possibilidades diversas de recursos didáticos para o ensino, além do livro didático, como por exemplos as múltiplas linguagens que o ensino de Geografia pode assumir. Citamos como exemplos, músicas, vídeos, charges, literatura de cordel, aulas de campo, enfim, meios que tornem o ensinar e aprender Geografia mais atraente e eficiente sem, contudo, ter dependência do livro, o utilizando apenas como um dos tantos recursos existentes. O livro didático deve ser visto como um mediador do ensinar e aprender Geografia não como seu definidor. Aliado a este podem-se associar diferentes e diversos recursos que induzam a busca do conhecimento geográfico e estimulem professores e alunos no processo educativo. Somente assim o conhecimento poderá ser um mecanismo ampliador da sabedoria dos alunos de uma maneira interessante e principalmente edificante.

GEOGRAFIA ESCOLAR E O PROCESSO DE ENSINOAPRENDIZAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL

A

Geografia enquanto ciência possui um desdobramento na escola, a chamada Geografia escolar. Esta vem passando por inúmeros desafios que nos parecem pertinentes e inquietantes no contexto em que se apresenta. Questionamo-nos sobre sua fragilidade epistemológica de conceitos, seu papel no despertar do desejo do aluno pelo saber, partindo de questões que pensem nossa vivência cotidiana, sua consistência nos procedimentos de ensino e aprendizagem, e reflexão sobre os objetivos almejados no nível de ensino fundamental. A respeito da Geografia escolar e suas características mais comuns, Kaercher (2007, p. 33) tem fortes argumentos ao nos apresentar que [...] A geografia escolar parece-se menos comprometida com a ciência, aqui entendida como algo que tem uma certa lógica e regras em buscar as explicações para os fenômenos de que se fala e mais com lógica de um telejornal que fala dos fatos de forma apressada e pouco reflexiva. As informações são tantas que mais embaralham o aluno do que esclarecem-no. [..] A memorização ainda é a habilidade mais exigida pela geografia escolar.

A ciência geográfica e a Geografia escolar parecem assumir certa diversidade em suas características, quando era para haver apenas adequações ao nível intelectual do aluno que com esta entra em contato. Na escola é explanado um número grande de conceitos, o que concebe a Geografia como sinônimo de informações soltas, desligadas de um contexto encadeado que estimule a reflexão. Este fator promove o memorizar do aluno, já que ele não consegue absorver suficientemente os assuntos que lhe são apresentados, nem muito menos fazer elo com a sua realidade vivenciada. O distanciamento e a dispersão se tornam cada vez mais comuns nas aulas de Geografia, fazendo com que seja caracterizada como desinteressante e sem utilidade. O professor, muitas vezes não tem um direcionamento claro dos objetivos que pretendem alcançar e da importância dos conteúdos geográficos, não estabelece o porquê e o para que, dos assuntos que ministra e sobre o aprendizado que deve promover para os alunos. Reforçando nossos argumentos, Kaercher (2007, p. 34) afirma que:

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Com uma visão pouco clara de Geografia [...] a aula do professor fica confusa. O professor raramente fala o motivo de se estar estudando o que...está se estudando. Os assuntos parecem seguir uma lógica sem muita lógica. Está no livro? Dá-se o assunto! E, como no livro didático de Geografia de quase tudo se fala (o que não é por si só um defeito ou demérito) o aluno fica desorientado: o que é Geografia? Por que este assunto é Geografia? Por que este assunto é importante para mim? O aluno não consegue ligar a fala do professor a sua vida, ao seu cotidiano. Pode-se fazer uma brincadeira de caráter ‘geográfico’: tanto o aluno, quanto o professor, parecem estar perdidos, não sabem onde estão!

Sem direcionamento, sem base, não há um encadeamento lógico, ficam os conteúdos sem um sentido significativo, é difícil para o professor ensinar e mais ainda para o aluno aprender, o livro didático atua como o manual a ser seguido à risca, sem questionar-se sobre seu conteúdo. Muitos professores acreditam que se determinado assunto está no livro, é por que tem que ser ministrado, não importa se tem a ver ou não com a vida do aluno, sua missão é repassá-los. É neste sentido que a nossa preocupação em relação ao uso do livro didático de Geografia no nível Fundamental se fundamenta.

ENSINAR E APRENDER GEOGRAFIA

O

s primeiros contatos que se tem com a Geografia se dão na escola. Esta Geografia desenvolvida nos ambientes escolares é caracterizada por dois tipos principais de práticas de ensino: as práticas tradicionais e as práticas alternativas. Explicando nossas reflexões, Cavalcanti (2005, p.66) nos mostra que: Quando o professor defronta-se com a realidade da Geografia escolar e reflete sobre ela, pode distinguir dois tipos de práticas, uma que é instituída, tradicional; outra que são as práticas alternativas, que já é realidade em muitos casos. De um lado, uma prática marcada por mecanismos conhecidos de antemão: a reprodução de conteúdos, a consideração de conteúdos como inquestionáveis, acabados, o formalismo, o verbalismo, a memorização. De outro, algumas experiências e alguns encaminhamentos que começam a ganhar consistência, fundamentados, em muitos casos, em visões construtivistas de ensino.

Ao pensar o processo educativo é possível distinguir práticas tradicionais de práticas alternativas no ensino de Geografia. O tradicionalismo ainda é presente, persistindo na reprodução de conteúdos dos livros didáticos, na imposição da memorização, na instituição de quantidade ao invés da qualidade e aplicabilidade de informações. O ensino tradicional não condiz com a Geografia renovada que se almeja por não estar de acordo com seus propósitos, por não acrescentar novas descobertas. De outra forma, sabemos que estão crescendo as práticas inovadoras que vão ganhando corpo e adquirindo lugar de destaque e aceitação por parte dos alunos, pois que estimulam seu interesse e atenção, fazendo “sentido” em suas vidas. Por estarem presentes em formas diversas, desde a didática das aulas aos materiais de apoio utilizados pelo professor, as práticas docentes inovadoras são as que mais motivam o ensino contemporâneo da Geografia escolar, pois entendendo a constante evolução do mundo no campo informacional, o aluno tem a necessidade de estar integrado com a realidade que o cerca, de relacionar teoria e prática, aprendizado e vivência.

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A construção do conhecimento deve ser feita pelo aluno, sendo este o agente de sua aprendizagem e não o receptáculo de informações “impostas” pelo professor como verdades absolutas as adequações precisam ser feitas. As práticas tradicionais não contemplam a essência do conhecimento que a realidade contemporânea exige. A perspectiva atual do ensino de Geografia que deve estar em pauta, é o aluno como protagonista de seu processo de desenvolvimento intelectual e formação social, sempre contando com o professor como mediador deste processo. O ato de ensinar requer maneiras didáticas que orientem o aprendizado do aluno de forma cuidadosa e intencional, pelo fato de estarmos lidando com ideias e reflexões a serem disseminadas, e isso é importante porque o aluno segue na maioria das vezes os raciocínios do professor. É importante notar no professor o interesse pela intencionalidade, ou seja, a motivação de provocar aprendizado no aluno, este deve ser seu principal foco: a aprendizagem real, verdadeira. Encontramos nas reflexões de Mesquita (2003, p. 155) apoio para esta discussão quando a autora nos diz que: [...] só auxiliaremos nosso aluno a aprender e só aprenderemos nós mesmos, sob duas condições. Por um lado, se houver um ‘motivo’ que nos interesse para isso e formos capazes de criar ‘professias auto-realizadoras’ sobre o que aprender e assim nos propusermos tarefas envolventes. De outro lado, o trabalho só terá sentido se este motivo for capaz de mobilizar o intelecto na curiosidade, na organização e na sistematização de conceitos.

O aluno se envolverá com a Geografia de acordo com a forma que o professor a apresente, se mostrar motivos e sentido para o que se está ensinando e para o que se está aprendendo, conseguirá atrair a atenção e interesse, estimulando a curiosidade e desenvolvendo uma forma de trabalho prazerosa e gratificante. Para isso é importante sistematizar os conceitos relacionando-o sempre à realidade destes, é mais interessante aprofundar os conhecimentos sobre o que já se tem noção, do que ouvir abstrações que nada acrescentarão ao conhecimento. As formas de desenvolver aulas mais criativas e atraentes, faz com que a relação entre professores, alunos e conteúdos se torne mais agradável, menos cansativa e mais produtiva. Todos os sujeitos envolvidos neste processo ganham com isso, pois o aprendizado perde o teor rígido para adquirir um teor significativo. Nesse sentido, nos perguntamos: Será que existe realmente um movimento de renovação do Ensino da Geografia nas escolas de ensino fundamental? O aprendizado ocorre realmente, o professor está preocupado com isto? O livro didático continua sendo seu manual de aulas? Formula maneiras de avaliar como está atingindo os objetivos que almeja? As aulas são apenas conteudistas, sem associação com o cotidiano dos alunos? A chamada Geografia Crítica tem lugar no ensinar-aprender neste nível de Ensino? São questões que nos inquietam, mas que nos fazem pensar sobre o atual ensino de Geografia, não nos propomos a respondêlas e nem é esta a nossa intenção. Porém, precisamos destas para permear nossa busca por respostas que nos induzam a contribuir com o ensino de Geografia e na melhoria de seu aprendizado. O ensino de Geografia necessita de renovação, disso não temos dúvida, não apenas na sua prática, mas na sua essência. É necessário potencializar esforços na busca de fazer com que os alunos percebam sua relevância, importância e papel. Para tanto é fundamental que o Ensino de Geografia proponha situações de aprendizagem que superem o senso comum, mesmo levando em conta o conhecimento prévio do aluno, implementando neste, conceitos científicos propondo uma nova e eficiente maneira de absorver a Geografia escolar.

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O professor tem o papel de mediador devendo conscientizar-se de seus deveres, atitudes e saberes. A atuação docente precisa ser incentivadora e motivadora, com a utilização de atividades que estimulem o raciocínio do aluno por problematizações, incitando o aluno maneiras de resolver, questionar, argumentar e desenvolver a pensamentos críticos quanto à construção de seu próprio aprendizado. Reforçando nossos argumentos, Castellar (2010, p. 6) complementa em suas reflexões que: Espera-se, em uma prática de ensino mais dinâmica, que o aluno possa não só dar significado, mas compreender o que está sendo ensinado. Optando por uma metodologia de ensino que envolva o aluno na construção do conhecimento, espera-se que ele estude a partir de situações do cotidiano e relacione o conhecimento aprendido para analisar a realidade, que pode ser a local ou a global.

O ensino com dinamismo deve ser levado em conta nas aulas de Geografia, o aluno precisa apreender o que está sendo ensinado de acordo com suas percepções e vivências, aprenderá por associações em suas observações e o professor precisa estar atento para isto. A metodologia usada pelo professor em sua prática é o meio pelo qual estabelece sua didática e é esta que vai determinar as bases para um ensino criativo e propositor, favorecendo maior entendimento sobre vários conteúdos e claro, estabelecendo uma aprendizagem significativa. Diversas formas de conhecimento estão presentes fora da sala de aula, no cotidiano do alunado, a percepção do que se apresentam como outras formas de conhecimento, em livros na televisão, na internet, ou seja, meios que os alunos têm contato além da sala de aula. Tais meios podem ser aproveitados no desenvolvimento das aulas. O professor pode utilizá-los para complementar o conteúdo trabalhado, estabelecendo questões que estimulem o raciocínio do aluno com fatos por ele vistos e vivenciados. O estudo de Kaercher (2003, p. 12) aprimora nossas reflexões ao assinalar que: [...] A imprensa traz diariamente muitos assuntos que podem originar aulas mais participativas. Até porque é preciso estimular uma leitura menos ingênua das matérias dos meios de comunicação, tamanho o grau de manipulação e distorção que, não raro elas trazem. A geografia tem papel fundamental nessa leitura mais crítica (dos meios de comunicação), pois tem nos assuntos do mundo (em suas diversas escalas) a sua matéria prima.

Ao trazer para a aula assuntos alusivos à atualidade e realidade dos alunos, o professor conseguirá a atenção dos alunos e consequentemente sua participação. Com o direcionamento que o professor precisa fornecer pode mostrar um olhar mais crítico sobre o que veem e ouvem constantemente. O papel da Geografia em mostrar uma observação mais crítica do mundo é a base da construção do saber que se pretende elaborar.

O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA É UTILIZADO COMO RECURSO OU PERMANECE SENDO O OBJETIVO PRINCIPAL DAS AULAS?

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o mundo contemporâneo, as críticas direcionadas à Geografia escolar são em sua maioria direcionadas ao tipo de conhecimento geográfico contido e consequentemente transmitidos pelos livros didáticos. Consideramos fundamental discutir o papel do livro no processo de ensino aprendizagem de Geografia, pois sabe-se que este é considerado o manual, o guia, o recurso mais

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presente em sala de aula, quando não o único utilizado por professores e alunos. Ao nos reportarmos ao ensino de Geografia, inquietamo-nos com a prática de muitos professores ao desenvolverem suas aulas baseados apenas no uso do livro. O livro didático tem exercido papel ativo e quase autônomo no processo de ensinoaprendizagem no ambiente escolar, pois praticamente assume o comando da aula passando de instrumento auxiliar que deveria ser para se tornar o meio didático indispensável. Reforçando nossa reflexão Castellar; Vilhena (2010, p. 137) enfatizam que: O cotidiano escolar nos revela que o livro didático é um instrumento de ação constante e que ainda encontramos muitos professores que o transformam em um mero compêndio de informações, ou seja, utilizam-no como um fim, e não um meio, no processo de aprendizagem (Grifos das autoras).

Nos ambientes escolares, durante as aulas, a relação estabelecida entre professores, alunos e conhecimento é intermediada pelo livro didático. Este recurso instrucional tem assumido papel de destaque na maioria das aulas dos professores do Ensino Fundamental. Os professores o utilizam como um manual a ser seguido e não questionado. Os livros, por terem em sua composição o conteúdo selecionado por séries nos diferentes níveis de ensino se tornam elementos centrais na produção, circulação e também apropriação de conhecimentos por parte dos professores e alunos que a este têm acesso. Constantemente encontramos uma realidade comum à maioria das escolas, professores reproduzindo conceitos e ideias contidas nos livros sem ter criticidade alguma, tornam-se fantoches deste material didático imaginando ter em mãos o saber verdadeiro, através da narrativa ali exposta. O livro é também um material impresso que contém valores ideológicos e culturais, defendidos pelos autores que o criam, além também de atender aos interesses mercadológicos de grande parte das editoras do país que têm nos livros didáticos sua maior fonte de lucros. A criticidade cuidadosa do professor em observar bem as informações existentes no livro, é o primeiro passo para se selecionar livros mais adequados à construção do conhecimento do aluno e descartar aqueles que porventura poderiam trazer consequências danosas ao aprendizado deste aluno. Para isso é necessário que o professor faça a leitura integral do livro de modo a identificar antecipadamente informações errôneas ou inadequadas ao conhecimento geográfico que se pretende estabelecer. Não estamos querendo distinguir em nossas considerações nem aprofundar a discussão sobre a existência de bons, ruins ou adequados livros didáticos de geografia, até porque: O caso é que não há livro que seja à prova de professor: o pior livro pode ficar bom na sala de aula de um bom professor e o melhor livro desanda na sala de um mau professor. Pois o melhor livro, repita-se mais uma vez, é apenas um livro, instrumento auxiliar na aprendizagem (LAJOLO, 1996, p. 8).

Precisamos não apenas verificar a composição do livro enquanto estrutura de conteúdos ou conceitos, mas veementemente analisar seu uso, ou melhor seu intenso uso em sala de aula como único instrumento do ensinar-aprender geográfico.

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É bem verdade que o desenvolvimento e estruturação de uma aula não depende da qualidade do livro, mas da forma como o professor a conduz influenciado pelas diretrizes existentes nesses recursos. A importância, ou sua intensa presença nas salas de aula se amplia cada vez mais diante da precária situação educacional em que vive o Brasil, o que faz com que este seja o direcionador dos métodos de ensino, determinando o que (conteúdo) e como se ensina (metodologia). Existem concepções enfáticas em relação às características que adjetivam livros didáticos como maus e sua má influência à ciência geográfica, a este respeito Peluso (2006, p. 127) defende que: Pode-se afirmar sem medo de erro, que as incompreensões a respeito da Geografia, sua falta de utilidade no mundo concreto da vivência cotidiana e sua pouca importância científica devem-se a maus livros didáticos que propiciam um aprendizado ainda maior e o fixam (Grifos nossos).

Concordamos em parte com as ideias da autora de que a Geografia é sim prejudicada quanto às concepções metodológicas e superficialidade de conceitos nos livros, que levam à incompreensão sobre sua utilidade prática na vida das pessoas, porém discordamos no que se refere apenas ao livro didático como único responsável por tais dificuldades neste campo do conhecimento. Relembramos que o uso que se faz do livro nas práticas docentes é o que deve estar em discussão e ser questionado sempre que os conhecimentos geográficos estiverem em pauta. O livro sozinho não garante a eficácia na aprendizagem. Há autores ainda que quanto à produção e uso de livros didáticos de Geografia o consideram como bons, complementando e confirmando nossa assertiva Vesentini (1992, p. 120) aponta que: [...] O bom livro didático [...], é aquele que motiva os alunos a ler e pensar, que foi feito para ser usado constantemente em dinâmica de grupos e em debates, que abre para a reflexão ao invés de fornecer informações ou interpretações já prontas e estruturadas. Ele deve, portanto, ter vocabulário e preocupações oriundos de um conhecimento dos educandos de experiências educacionais criativas e abertas a modificações.

Os apontamentos do referido autor fazem-nos entender que por mais que defendamos a postura direcionadora do professor, ainda permanecemos com a triste constatação que o livro é o guia das aulas e recurso único de que dispõem os alunos. Já que assim o é, necessário se faz discutir qual o livro mais adequado, pelo menos essencial no aprendizado básico do aluno. Neste contexto entendemos que o pensamento críticoreflexivo deve ser estimulado, através de questionamentos que fomentem no aluno a curiosidade e a busca pelo saber. De toda forma, o livro didático isoladamente não basta à construção do conhecimento, sem o diálogo, as relações grupais, às discussões cotidianas, o conhecimento se fecha e não dá espaço à expansão. Sabemos que o livro didático de Geografia perfeito não existe e está distante de um dia atingir este patamar, portanto, lutamos por conhecer e levar ao entendimento dos professores do ensino básico a proposta do livro mais “adequado” ao Ensino Geografia. Essa adequação precisa passar por critérios indispensáveis às necessidades reais dos alunos, professores e a escola, sujeitos do processo educativo, nos aspectos concernentes ao conhecimento que se objetiva elaborar.

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Exemplificando cada sujeito interligado ao livro didático, esclarece-nos Sposito (2006, p. 66) que: Com relação ao aluno, os conteúdos e atividades devem partir de [ideias], noções e experiências que ele já possui, apreendidas através do senso comum no cotidiano vivido, respeitando sua fase de desenvolvimento cognitivo. [...] O livro deve, também, contribuir para o desenvolvimento progressivo de sua autonomia nos estudos, com uma abordagem em que o mesmo seja tratado como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem. Com relação ao professor, o livro deve conter as informações científicas corretas de qualidade e atualizadas. Os conceitos apresentados devem ser formulados e manipulados corretamente. [...] em relação ao terceiro sujeito dessa realidade, a escola, o livro deve ser compatível com o projeto pedagógico, o currículo proposto, a estrutura e os recursos existentes, as condições de trabalho, além de possibilitar e estimular a articulação com outras áreas do conhecimento [...]. (Grifos da autora).

Enquanto instrumento mediador entre o conhecimento e os sujeitos do processo educativo é muito importante que as características do livro didático estejam de acordo com os propósitos que cada sujeito necessita para atender a suas necessidades, de forma específica. Aluno, professor e escola, ligados ao livro numa relação fixa há muito tempo enraizada, devem ser compreendidos e principalmente considerados no que se refere à contribuição que pode o livro oferecer. Os alunos necessitam que seu raciocínio seja estimulado à ação, ao diálogo no confronto de ideias, à reflexão conjunta e isso só pode se realizar mediante a indução do professor, de acordo com o nível de apreensão e desenvolvimento de cada aluno. O objetivo maior deve ser o papel ativo do aluno na sua própria aprendizagem, orientado pelo professor e tendo apenas como auxílio a obra didática de que dispõe. O livro utilizado pelo docente precisa conter pelo menos os temas condizentes como seu propósito curricular de forma qualitativa e associada à realidade contemporânea, e além do mais ser bem direcionado de forma satisfatória. Não podemos deixar de levar em conta o papel da escola, pois as obras didáticas precisam estar de acordo com o seu projeto político pedagógico, sua estrutura curricular, seus interesses em formar cidadãos, mas tudo sempre relacionado à esfera interdisciplinar que a deve caracterizar.

PROPOSIÇÕES PARA O ADEQUADO USO DO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA NO AMBIENTE ESCOLAR

D

iante da realidade existente na maioria das escolas do Brasil, percebemos que a falta de recursos e estrutura de trabalhos relacionados ao ensino, limitam muito a atuação do professor. Estes fatores implicam nas dificuldades da escolha do livro didático mais adequado ao ensino-aprendizagem de Geografia implicando na intensificação da utilização do livro didático, o que desestimula o docente a procurar meios didáticos alternativos na melhoria do ensinar-aprender. Para iniciar nossas ideias no tocante a este tema, observemos as reflexões de Kozel; Filizola (1996) ao destacarem que a utilização do livro didático de Geografia requer alguns cuidados, sendo que o primeiro destes é que este recurso não deve substituir o programa curricular, ditando o que e como ensinar e também não deve substituir a espontaneidade e os recursos criativos do professor.

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É fundamental munir-se de cautela ao adotar e trabalhar com o livro, pois é imprescindível ter em mente que o livro não deve e nem pode assumir o comando das propostas curriculares, sendo o principal recurso das aulas. Se assim o for, promove a falta de motivação e consequentemente reflete na classe estudantil o desinteresse pelo estudo. O professor tem o papel de mediador entre o conhecimento e o aluno, o livro didático deveria ser considerado apenas um instrumento e não o objetivo final da aula, nesse sentido Vesentini (1992, p. 73) reforça a discussão que: [...] é possível manter uma outra relação com o livro didático. O professor pode e deve encarar o manual não como o definidor de todo o seu curso, de todas as suas aulas, mas fundamentalmente como um instrumento que está a serviço dos seus objetivos e propostas de trabalho. Trata-se de usar criticamente o manual, relativizando-o, confrontando-o com outros livros, com informações de jornais e revistas, com a realidade circundante. Em vez de aceitar a ‘ditadura’ do livro didático, o bom professor deve ver nele (assim como em textos alternativos, em slides ou filmes, em obras paradidáticas, etc.) tão-somente um apoio ou complemento para a relação ensino/aprendizagem que visa integrar criticamente o educando ao mundo (Grifo do autor).

O autor reforça nossas reflexões quanto à relação que o professor mantém com o livro, quase que numa dependência forte para exercer suas aulas. Muitos professores não valorizam sua profissão, e ficam condenando uma gama de alunos ao martírio de assistir, ou melhor, aguentar suas aulas numa forma mecânica de copiar e resolver atividades, estagnando o cérebro que deveria estar produzindo ideias e não repetindo fatos da caneta para o papel. A criticidade é algo que pouco, ou raramente se pratica, os alunos até consideram o livro importante, essencial para o aprendizado, mas não encontram nenhuma associação com o que vivem, como o que conhecem. O conhecimento pronto, acabado e inquestionável que o professor passa nas aulas nem lhes interessa, estão ali, a grande maioria por mera formalidade, ou por que são obrigados pelos pais. Se houvesse um interesse objetivo, as aulas seriam as atividades diárias mais prazerosas que poderiam existir, cada sujeito cumprindo eficazmente seu papel mediante a vontade de fazer o melhor, de lhe dar com o conhecimento de forma satisfatória e menos enfadonha. Não consideramos tais possibilidades utopias, pois existem várias maneiras de desenvolver um processo educativo criativo, atraente e eficaz, basta a boa vontade em executá-los. O professor pode munir-se de métodos alternativos de ensino que fomentariam no aluno a curiosidade a constante busca pelo saber, são múltiplas as linguagens que a Geografia pode ter como possibilidades. Podemos citar várias como o uso de vídeos, imagens, mapas, notícias, joguinhos, aulas de campo, enfim métodos que estimulam o aluno a participar ativamente da construção de seu próprio conhecimento, basta que sejam orientados e apresentados a um mundo dos estudos diferente do que estão acostumados. Fala-se sempre que a realidade do aluno deve ser levada em consideração, mas não é esta a visão que se propaga nos ambientes escolares, reproduzem-se as ideias do livro e pronto, está se fazendo ciência, ministrando aula, de forma alguma, está se disseminando um a desmotivação e o desinteresse nos alunos. A atuação do professor é contagiante em qualquer prática que adote, se ele não fornecer motivação seus alunos o vão seguir, mas se ele os questionar, os fizer parte ativa de seu aprendizado os alunos vão com muita vontade em busca do conhecer.

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É preciso analisar quem realmente tem as maiores responsabilidades pelo nível da educação, culpam-se os alunos, com os famosos termos, “eles não querem nada”, “os alunos não gostam de estudar”, enfim, nos questionamos e incitamos a reflexão, como os alunos vão querer sempre a mesma forma de ensinar, de passar atividades e avaliar, como eles vão gostar de estudar algo que não lhe acrescenta em nada, não é significativo, não tem elo nenhum com o que vive. Se o professor for esperar que os alunos encontrem o caminho sem serem indicados sobre a forma certa de seguir, eles vão andar, andar e se sentirão perdidos, sem norte. Cabe ao professor traçar rotas, utilizar seu raciocínio para ter criatividade e elaborar aulas mais interessantes “cortando o cordão umbilical” que o liga ao livro. Em relação ao livro didático e os recursos passíveis de serem utilizados para um ensino dinâmico e efetivo Kimura (2008, p. 26) complementa nossas reflexões ao conceituar que: Se o livro didático for utilizado como um material auxiliar ao trabalho do professor, este poderá apoderar-se do mesmo, da mesma maneira como ele pode apropriar-se das diversas mídias. O livro didático será assim, uma dentre outras tantas mídias. Dessa maneira, esse material poderá apenas fazer parte do acervo de estratégias para elaboração do fazer-pensar do professor que poderá, assim construir sua autonomia, não se colocando como um refém do livro didático ou de qualquer outra tecnologia educacional (Grifos da autora).

Estamos de acordo com as proposições da autora, se o livro for realmente tido como um instrumento de auxílio poderá atuar de maneira menos invasiva e poderá contribuir com o ensino com função similar aos demais recursos. Fará parte da variedade de métodos que o professor poderá usar em sua prática. A relevância de se desenvolver práticas diferentes para um ensino renovador pode ser um começo de melhoria da educação do país que passa por sérias dificuldades e o Geografia por crises, tão discutidas no meio acadêmico. O importante é que se dê atenção especial ao ensino básico e principalmente à Geografia escolar que são a base da educação nacional. Se assim não se proceder continuaremos no discurso teórico, não que ele não seja importante, é fundamental, mas precisamos dar mais atenção às práticas, pois são elas as responsáveis pelo difícil quadro em que se encontra a Geografia e a Educação Brasileira.

REFERÊNCIAS CASTELLAR, Sônia; VILHENA, Jerusa. Ensino de geografia. São Paulo: Cengage Learning, 2010. CAVALCANTI, Lana de Souza. Ensino de geografia e diversidade: construção de conhecimentos escolares e atribuição de significados pelos diversos sujeitos do processo de ensino. In: CASTELLAR, Sônia (Org.). Educação Geográfica: teorias e práticas docentes. São Paulo: Contexto, 2005. KAERCHER, Nestor André. A Geografia é nosso dia-a-dia. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos et al. Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003. ______. A Geografia escolar: gigante de pés de barro comendo pastel de vento num fast food? Terra Livre, São Paulo, n.28, p.24-44, 1º semestre/2007. KIMURA, Shoko. Geografia no ensino básico: questões e propostas. São Paulo: Contexto, 2008.

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KOZEL, Salete; FILIZOLA, Roberto. Didática de geografia: memórias da Terra: o espaço vivido. São Paulo, FTD, 1996. LAJOLO, M. Livro didático: um (quase) manual do usuário. Em Aberto: o livro didático e qualidade de ensino, Brasília: INEP, n.69, ano 16, jan.- mar. 1996. Disponível em<emaberto.inep.gov.br/índex.php/emaberto/issue/view/76> Acesso em: 07 dez. 2010. MESQUITA, Zilá. Sobre diferenças no Ensino: algumas outras palavras. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos et al. Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003. PELUSO, Marília Luíza. O Processo de avaliação do livro didático de geografia, uma aposta no futuro. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.). Livros didáticos de geografia e história: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.). Livros didáticos de geografia e história: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006. VESENTINI, José Willian. Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992.

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O DESAFIO DE FAZER DIFERENTE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GEOGRAFIA

O DESAFIO DE FAZER DIFERENTE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM GEOGRAFIA Josélia Carvalho de Araújo30 Juciely Marques Cirilo31 Mara Renata Barros Barbosa32 Moacir Vieira da Silva33

INTRODUÇÃO

O

presente artigo tem por objetivo primordial apresentar os relatos da experiência vivida no Estágio Supervisionado em Geografia IV, no Ensino Médio, bem como apresentar uma nova modalidade de estágio, desenvolvida no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia (IFRN). Neste mesmo ínterim, mencionamos as principais etapas constituintes deste estágio, desde as reuniões com a equipe pedagógica e professores colaboradores, planejamentos, até a execução do estágio propriamente. Inicialmente, mostramos os caminhos trilhados na modalidade inovadora do Estágio Supervisionado, com suas especificidades de realização, e as diferenças do estágio comum. Desta forma, explicitamos algumas restrições e propostas de execução desta nova realidade. Apontamos as etapas anteriores, fundamentais ao estágio propriamente dito, que foram baseadas em questionários elaborados por nós, alunos estagiários, em consonância com a equipe pedagógica e os professores colaboradores, com a finalidade de sondar as necessidades e anseios dos alunos nas temáticas geográficas, antes de serem decididas as práticas a serem implementadas. Os resultados dos questionários e as informações por meio deles obtidas são apresentadas para mostrar os mecanismos que nortearam algumas decisões, principalmente, a de realizarmos o estágio em forma de um minicurso, denominado “O ABC da Cartografia”. Estando definida a opção por executarmos o referido minicurso, descrevemos suas características, as formas de realização, bem como os recursos didáticos dos quais nos munimos para assumir as aulas na de professores. Falamos brevemente sobre a escolha e execução de conteúdos, apresentamos as dinâmicas e intencionalidades nas relações grupais, além de relatarmos como desenvolvemos as aulas e os processos avaliativos para que os alunos pudessem expor os conhecimentos adquiridos. Descrevemos os dados sobre a caracterização geral do estágio em forma de reflexão, com relatos dos principais acontecimentos; ou seja, as maneiras como foram se estruturando as práticas do processo de ensino-aprendizagem no estágio supervisionado.

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Licenciada, bacharela e mestra em geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; professora do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, na área de ensino de geografia e geografia humana. 31 Licenciada em geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. 32 Licenciada em geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. 33 Licenciado em geografia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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Na parte final do trabalho, fazemos relatos crítico-reflexivos sobre a importância e contribuição do estágio supervisionado para a geografia e para futuros alunos estagiários, os quais poderão fazer parte e desenvolver esta nova modalidade, levando em consideração as especificidades da escola campo de estágio com a qual tiverem contato.

O DESAFIO PROPRIAMENTE

A

princípio, é importante destacarmos que o Estágio Supervisionado IV assumiu uma nova modalidade de Estágio em Geografia no Ensino Médio. É fundamental salientar que esta inovação é diferente da modalidade comum, assumindo especificidades quanto à sua execução. De forma mais clara, descreveremos a modalidade comum, e assim poderemos apresentar as características da modalidade de estágio que desenvolvemos. O estágio comum tem como principais enfoques os períodos de observação e de regência, nos quais os alunos estagiários têm um primeiro contato com a escola campo de estágio, e em seguida, assumem a regência de sala de aula, supervisionados pelo professor colaborador. A escola recebe os alunos estagiários, disponibilizando o espaço físico e o comando das salas, para que possam conhecer a realidade vivida pelos professores, e exercer de forma prévia as atividades docentes antes da sua formação na universidade. É a fase em que vivenciam a prática das teorias dos cursos dos quais fazem parte, no caso relatado, licenciatura em Geografia no Ensino Médio. Até então, tudo parece muito normal. Entretanto, este quadro de normalidade é severamente criticado por Oliveira; Pontuschka (1989), em seu texto “Repensando e refazendo uma prática de estágio no ensino de geografia”, o qual discutimos exaustivamente nas aulas da disciplina Estágio Supervisionado em Geografia IV, e até concordamos com as posições apresentados pelos autores. Mas, o fazer diferente sempre se torna secundarizado, face ao quadro já consolidado, composto pela sequência quase inerte: observação-regência, um separado do outro, em dois semestres consecutivos. As críticas apresentadas pelos referidos autores sobre esta observação passiva são contundentes: O estagiário é, geralmente, independentemente da disciplina em questão, um aprendiz, um estranho à sala de aula, que a ela se incorpora visando a observar minuciosamente a experiência viva do professor (principalmente) e dos alunos. Por esse quadro resgatamos a justificativa de tal mecanismo de intercâmbio manter-se ineficaz, ainda que aparentando estar em pleno funcionamento. A [ideia] de aprendiz, conforme vemos, revela tratar-se de uma aprendizagem passiva (OLIVEIRA; PONTUSCHKA, 1989, p. 119).

Em contrapartida, se há passividade quanto à aprendizagem do estagiário, na outra ponta, há um forte impacto em relação aos alunos da escola campo de estágio, no sentido de que, por este “observar”, o estagiário incomoda mais que contribui efetivamente. Assim, “Em relação à classe, a estranheza de sua presença [do estagiário] é uma constante, jamais vindo a constituir uma participação enriquecedora. Ao contrário, ela tende ao incômodo” (OLIVEIRA; PONTUSCHKA, 1989, p. 119).

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Vemos então que a prática de estágio supervisionado em geografia requer uma sempre constante releitura da realidade que a nós se descortina a cada turma de estagiários assumida e a cada escola campo de estágio com a qual estabelecemos parceria. Do contrário, cairemos na mesmice de um fazer consolidado, que aparentemente é resguardado por nossa experiência, mas na verdade, há uma visível realidade que nos instiga a fazer diferente. Mesmo porque a validade deste já tão consolidado estágio tradicional vem sendo questionado, conforme a seguir: Que aprendizagem prática tem o estagiário tradicional, além da confirmação do mito da desnecessidade do estágio? Diretamente, talvez, apenas a reprodução do exercício pedagógico, que na maioria das vezes caracteriza-se como estagnado, inconsciente, e até mesmo irresponsável. Formando assim mais um ciclo vicioso na escola, onde o novo professor já entra envelhecido (OLIVEIRA; PONTUSCHKA, 1989, p. 119, grifos nossos).

Não é que o estágio supervisionado em geografia, como está formatado, não tenha mais validade, e tenhamos que entrar numa nova onda de atividades mirabolantes. Antes, cabe-nos ler a realidade que nos interpela nas escolas campo de estágio. E então, chegaremos a elas mais preocupados em perguntar o que elas querem de nós, do que em dizer a estas escolas o que temos a oferecer. Porque, quem sabe, o que levaremos poderá não servir. Mas, para não ficarmos apenas na crítica, eis que apontamos algo de forma propositiva, segundo os autores com os quais estamos estabelecendo este diálogo: As atividades seguintes vão comprovando um desempenho participativo do trabalho de estágio e mostrando quais métodos são mais adequados aos objetivos de sua experimentação. Diante do trabalho do professor, ou paralelamente a este, o aluno estagiário aplica exercícios, questionários, textos de apoio, traz recursos [audiovisuais], colabora na explicação, propõe e acompanha atividades [extraclasse], participa de reuniões etc. Evidentemente, sejam quais forem os meios, tal prática pressupõe uma coparticipação do professor e o aval de acompanhamento dos alunos (OLIVEIRA; PONTUSCHKA, 1989, p. 121).

E, como vemos, não foi senão isto que desenvolvemos durante as atividades do Estágio Supervisionado IV realizadas no IFRN, assumindo novas possibilidades de desenvolvimento. De início, o que sabíamos era que não era possível realizar o estágio na referida instituição de ensino. Mas, na verdade, não é havia impedimento. Antes, o IFRN coloca algumas condições que não são aquelas comuns às demais instituições. Por exemplo, a equipe pedagógica não faculta a observação das aulas do professor colaborador e não trabalha com a substituição do mesmo, para não intervir no calendário de atividades programadas, vendo tal intervenção como prejudicial ao planejamento do professor. Foi então proposto a nós a possibilidade de estabelecermos uma nova modalidade de estágio, pela qual ministrássemos as aulas por meio de um minicurso, que levasse em conta as necessidades e anseios que os alunos da instituição consideravam importante na geografia escolar, e para as quais eles apresentavam dificuldades. Desta forma, durante algumas reuniões, estudamos as possibilidades de realização de tal minicurso, com algumas adequações ao sistema de ensino da escola. Apresentamos a seguir a estruturação do minicurso, que favoreceu a realização do Estágio Supervisionado IV, assim como os relatos que mais contribuíram às atividades

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de prática de ensino na escola campo de estágio. Partiremos desde o período de observação, com as reuniões antes, durante e depois do estágio propriamente, deixando esclarecidas as principais etapas e características desta nova modalidade de estágio, a qual contribuiu substancialmente à preparação dos futuros docentes.

FASE DO PLANEJAMENTO

O

estágio supervisionado é um conjunto de práticas pedagógicas que proporciona aos acadêmicos dos cursos de licenciatura uma aproximação com o processo de ensino-aprendizagem, antecipando a sua atuação profissional. As etapas vivenciadas durante esta prática são essenciais para que o professor em formação sinta-se devidamente preparado para desenvolver suas atividades com mais eficiência. Dentro deste contexto, os Estágios Supervisionados em Geografia III e IV tiveram por finalidade a atuação preparatória para a atividade docente no Nível Médio de ensino da educação básica. No caso em análise, estes estágios ocorreram no IFRN, campus Mossoró, assumindo uma modalidade diferenciada das existentes nos estágios comuns. Nesta nova realidade, como já descrevemos, não era permitido o estágio comum, sendo, entretanto, facultada a realização de um minicurso de aprofundamento de uma temática geográfica. Inseridos nesta situação, a observação, a caracterização e os diálogos estabelecidos com os professores colaboradores e a equipe pedagógica da escola campo de estágio permitiu-nos tecer reflexões acerca da necessidade da implantação de um projeto de intervenção/minicurso que favorecesse o aprimoramento cognitivo dos alunos quanto aos conteúdos inerentes à geografia. Este trabalho entre nós, estagiários, e profissionais da instituição colaboradora demonstra o quanto é importante e fundamental a interação entre ambos, pois, a partir dos mesmos, a produção cognitiva, bem como social, tende a ser mais significativa e eficaz. Sobre a interação e as relações que devem ser estabelecidas entre o professor-estagiário e a escola nas mais diversas instâncias, Vasconcellos (2009, p. 102) ressalta: [...] o trabalho de construção do conhecimento é um dos aspectos mais enfatizados nos processos de planejamento, mas há necessidade de considerá-los na totalidade da escola, ou seja, nas suas relações na própria dimensão pedagógica [...], nas relações com a dimensão administrativa e com a dimensão comunitária da instituição, bem como de levar em conta ainda a própria relação da escola com a sociedade.

Como o projeto de intervenção no ensino consiste numa prática pedagógica que remete a atividades que devem ser pensadas, construídas e analisadas minuciosamente para que a aprendizagem ocorra de maneira eficaz (VASCONCELLOS, 2009), ficaram os questionamentos: Qual minicurso ministrar? Quais os anseios dos alunos da instituição em relação aos conhecimentos geográficos? O que fazer nesta nova realidade de estágio? As respostas a tais indagações estavam na própria realidade da instituição. Desta forma, para que fosse arquitetado o projeto de intervenção, e posteriormente, o minicurso, foi necessário partirmos das necessidades evidentes do contexto educacional no qual se encontravam os discentes. A escolha do tema a ser trabalhado

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dependeu das dificuldades e necessidades apresentadas pelos alunos, bem como do interesse dos mesmos em relação a determinados conteúdos geográficos. Para delimitarmos a temática geográfica do minicurso a ser ministrado na instituição, elaboramos um questionário juntamente com os professores colaboradores e a equipe responsável pelas atividades de estágio. Este questionário objetivava conhecer a realidade vivenciada pelos alunos e suas visões acerca do conhecimento geográfico. Nele, indagamos os alunos a respeito da opinião em relação à geografia enquanto disciplina escolar, quais assuntos eram de difícil assimilação e em quais temáticas geográficas os alunos gostariam de aprofundar seus conhecimentos. A pesquisa foi realizada com 214 alunos do Ensino Médio da instituição, sendo 68 alunos do 1º ano, 66 alunos do 2º ano, 46 alunos do 3º ano e 34 alunos do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). A aplicação desses questionários era feita a partir do auxílio dos professores colaboradores e/ou da coordenação pedagógica da instituição. A partir dos resultados obtidos, foi possível estabelecer qual a temática a ser desenvolvida no minicurso. E assim, o que mudou é que a observação comum ao estágio supervisionado foi substituída em sua forma e conteúdo. Ou seja, se na modalidade de estágio tradicional o aluno estagiário já chega com os seus questionários prontos, nesta instituição tivemos que refazer o caminho, elaborando novas perguntas, a partir do desafio que a nós se descortinava; se igualmente, na modalidade comum, a pesquisa acerca da realidade da escola se dá tanto por meio da aplicação de questionários previamente concebidos e da observação da aula do professor colaborador, na referida instituição, tivemos que “ler” a realidade dos alunos a partir das respostas que nos foram dadas por meio das indagações dos questionários. A observação das aulas ficou, diríamos, comprometida, mas a busca da apreensão da realidade compensou, pelo fato de ter um fim bem delimitado: conhecer as dificuldades dos alunos em geografia, para, a partir de tais anseios, desenvolvermos o minicurso. A escolha da temática cartografia se deu porque a mesma se apresentou como o conteúdo geográfico em que os alunos tinham mais dificuldade de aprendizagem, bem como, um dos principais assuntos que os alunos gostariam de aprofundar seus conhecimentos. Destarte, evidenciando o que Vasconcellos (2009, p. 153) ressalta, a escolha da cartografia partiu tanto da vontade quanto da necessidade dos alunos, como também, da possibilidade de melhorar cada vez mais a apreensão dos conteúdos cartográficos/geográficos. Segundo o referido autor: O problema ou temática a ser investigada pode ser sugerido pelos alunos ou pelo professor. [...] O importante é que a definição possa se pautar por dois critérios básicos: grau de relevância do problema (em termos de potencial e aprendizagem e desenvolvimento) e nível de significação para os alunos (vinculação com a necessidade e representações prévias).

Cabe-nos ressaltar que os professores colaboradores participaram ativamente nesta escolha, no sentido em que os mesmos, por estarem presentes cotidianamente e por fazerem parte da realidade desses alunos, as sugestões de temas, as opiniões e os diálogos estabelecidos foram de fundamental importância para a configuração do minicurso.

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De maneira sinóptica, a partir da elaboração/aplicação do questionário nas salas de aula da referida instituição, pudemos “mapear” as necessidades, os anseios e os interesses expressos pelos alunos quanto à disciplina geografia. Os dados destacados serviram de base para a delimitação do tema escolhido, pois, por meio da sistematização dos mesmos, houve a aproximação do panorama existente no processo educativo da geografia neste ambiente escolar. Destacamos ainda a importância que o “reconhecimento” da realidade, além do planejamento, traz para o desenvolvimento de um projeto de intervenção, pois, segundo Vasconcellos (2009, p. 106): O planejamento deve partir da realidade concreta tanto do sujeito, quanto do objeto de conhecimento e do contexto em que se dá a ação pedagógica. O primeiro passo, portanto, do educador, enquanto articulador do processo de ensino-aprendizagem deverá ser no sentido de conhecer a realidade com a qual vai trabalhar [...] além, é claro, do imprescindível autoconhecimento, do conhecimento do objeto de estudo, e da realidade mais ampla que todo educador deve ter.

A fase de planejamento foi constituída essencialmente a partir dos encontros realizados com os professores colaboradores e a pedagoga da instituição; da elaboração e aplicação dos questionários; da tabulação dos dados; e da apresentação e discussão sobre a temática a ser desenvolvida, que foi de fundamental importância, pois a partir da mesma, foram estruturadas as “bases” do minicurso de cartografia ministrado na instituição. Partindo-se dos dados obtidos por meio da pesquisa e dos diálogos estabelecidos com o corpo docente colaborador, estabelecemos o projeto de intervenção no ensino para a instituição, sendo que este serviu de suporte e alicerce para estruturação e, por conseguinte, para a realização do minicurso de cartografia.

PROJETO DE INTERVENÇÃO: MINICURSO “ABC DA CARTOGRAFIA”

D

e maneira sintética, o projeto de intervenção ao ensino surgiu a partir da realidade estudada. A razão da escolha pela temática cartográfica se deu a partir dos dados obtidos na pesquisa de campo e das discussões estabelecidas com o corpo docente colaborador. Na pesquisa realizada, percebemos que os assuntos cartográficos foram, dentre a vasta gama de conteúdos geográficos, os mais destacados. Em consonância com essa realidade, os conteúdos cartográficos também forram os mais citados entre os itens dos assuntos que os alunos gostariam de aprimorar suas apreensões cognitivas. Inseridos neste contexto, o desenvolvimento desta atividade se fez necessário pelo fato de a cartografia apresentar “problemas” de compreensão por parte dos alunos da instituição receptora, de acordo com os dados analisados. E, além disso, a justificativa do minicurso ministrado esteve interligada à possibilidade de proporcionar aos professores colaboradores a observação e a apreensão de novas linguagens no ensino; ou seja, possibilitar a inserção de novos recursos no ensino de cartografia. Os objetivos do projeto de intervenção estiveram colocados no aprimoramento dos conhecimentos cartográficos por parte dos alunos, a partir da utilização de recursos didáticos diferenciados, bem como na possibilidade de aproximação dos docentes dessa instituição com esses recursos, de forma a demonstrar o quanto os mesmos

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podem ser elementos facilitadores do processo de ensino-aprendizagem em geografia, e de maneira específica, da cartografia. Em relação aos assuntos a serem trabalhados durante o minicurso, foram estabelecidos por nós, estagiários, e os professores colaboradores, os seguintes conteúdos cartográficos: discussão sobre a cartografia; coordenadas geográficas; representações espaciais; escala e seus elementos; cartografia moderna e interpretação de mapas. Dentro de cada um dos conteúdos citados, outras temáticas cartográficas foram trabalhadas, a exemplo das representações espaciais, pelas quais foram abordadas as questões dos mapas, cartas, projeções, entre outros pontos. Todos os conteúdos mencionados foram trabalhados/desenvolvidos de maneira dinâmica, de forma a estabelecer e ao mesmo tempo, despertar o interesse dos alunos em relação aos conhecimentos geográficos. Todas as discussões e debates acerca do ensino de cartografia foram realizados a partir de literaturas que apresentam afinidade com a temática desenvolvida. Além disso, os livros didáticos também contribuíram para a execução das aulas. O minicurso foi desenvolvido de forma didática, dinâmica e diversificada, sempre de maneira a manter a compreensão efetiva dos conhecimentos cartográficos por parte dos alunos. Foi proposta e executada a utilização de recursos didáticos variados no minicurso, tais como: jogos, desenhos, situações-problema, e até mesmo literatura de cordel. Cabe ressaltar que os recursos e as dinâmicas estabelecidas estiveram sempre conexos às concepções formuladas no projeto de intervenção, sendo que o minicurso e o projeto “andaram” de mãos dadas durante todo o desenvolvimento desta atividade. No que se referem aos procedimentos avaliativos, os mesmos foram desenvolvidos de forma contínua. Os alunos eram estimulados a participar das atividades teóricas e das dinâmicas coletivas. Não eram estipulados notas nem valores prévios para cada atividade aos alunos, no sentido em que a avaliação contínua se dava pela apreensão dos mesmos. Expostas as etapas de planejamento e estruturação do minicurso de cartografia, o presente texto centrará as discussões na compreensão e análise do período de desenvolvimento do minicurso. Para tanto, faremos uma caracterização geral do minicurso, e em seguida um detalhamento das fases desenvolvidas das aulas.

CARACTERIZAÇÃO E FASES DO MINICURSO ABC DA CARTOGRAFIA

A

partir das discussões estabelecidas acerca do minicurso de cartografia, definimos que o mesmo receberia o nome de ABC da Cartografia, já que ele teria como uma de suas bases o desenvolvimento dos conhecimentos cartográficos. Acordamos entre os estagiários e a coordenação pedagógica datas e horários de realização. Para participar do minicurso, os alunos da instituição faziam sua inscrição no setor pedagógico. E como o número de inscrições foi superior ao número de vagas disponíveis, que inicialmente era para 20 alunos, em comum acordo com a pedagoga responsável pelo acompanhamento do estágio, decidimos aumentar o número de participantes para 25.

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No primeiro contato, explicamos aos alunos como seria o desenrolar das atividades. Esta primeira etapa do minicurso foi iniciada com a apresentação dos estagiários responsáveis pelo mesmo (Juciely Marques Cirilo, Mara Renata Barros Barbosa e Moacir Vieira da Silva). Como forma de estabelecer uma relação “amigável” e interacionista entre ambos os sujeitos que compuseram esta prática, desenvolvemos, nesse primeiro contrato, a “dinâmica do presente”, que se constitui, de forma resumida, em uma brincadeira pela qual cada aluno ofereceu uma caixa de presente (caixa de pirulito) a apenas um representante da turma, a partir de uma característica/adjetivo. Cada aluno se apresentava; era reconhecido por todos da turma (o minicurso era formado por alunos de turmas diversas) pelo seu adjetivo; depois repassava novamente o seu presente a outro colega de curso, formando nesse caso, um ciclo de interação, reconhecimento e descontração intencional. Na sequência das atividades planejadas para esse primeiro encontro, desenvolvemos uma breve apresentação do minicurso, destacando o motivo da escolha do tema “cartografia” e os objetivos da atividade proposta. Nós, estagiários, a partir de conversas e questionamentos com os alunos, sondamos as expectativas dos mesmos em relação à cartografia (O que é? Para que serve? Há utilidade prática no nosso diaa-dia?), e ao curso ofertado. Dentro desse contexto, apresentamos a proposta do minicurso, enfocando sempre o alicerce fundamentador da ideia a ser trabalhada, que estava calcada no desenvolvimento de um minicurso atraente, interativo, e que trouxesse consigo informações valiosas ao processo de construção cognitiva. Finalizada essa exposição, explicamos detalhadamente como seria realizado o minicurso. De forma sintética, apresentamos o seguinte:  O minicurso irá ocorrer com uma “batalha”, pela qual, a cada dia, os alunos (equipes) devem conquistar territórios;  O território a ser ocupado/conquistado pelos alunos é a cidade de Mossoró, e a cada etapa da batalha, um, dois ou três bairros estarão sobre o poder/domínio dos mesmos;  A cada dia, dependendo da temática desenvolvida, existirão atividades (tarefas), práticas sobre o assunto visto, pelas quais os alunos poderão demonstrar o que foi aprendido;  No final, a equipe que tiver conquistado o maior número de bairros ou a cidade completa, “ganhará a cidade” e será contemplado com uma “lembrança”. Animados com a proposta apresentada, os alunos se organizaram em grupos, cada um com um líder, com um mapa da cidade de Mossoró, a ser conquistada. E tiveram como primeira tarefa a criação de nome para cada equipe, sendo que o mesmo deveria estar de acordo temas cartográficos. Os nomes criados pelos alunos para as equipes foram os seguintes:  Obsertrilhando – observando e trilhando; ou seja, para orientar-se no espaço é preciso observar e trilhar;  Os Coordenados – alusivo às coordenadas geográficas;  As Inescaladas – alusivos a escala geográfica;  Cartolindos – os cartógrafos lindos;  GPS – Geo Projetores de Sonhos. Ainda neste primeiro contato, foi iniciada uma gincana de sondagem. A mesma era constituída de 20 perguntas, sendo 04 para cada equipe. A intenção dessa atividade

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era averiguar o conhecimento prévio dos alunos sobre cartografia de forma dinâmica. Cada acerto ou erro era comentado pelos estagiários, para que o conhecimento trabalhado fosse assimilado pelos alunos. Assim, na medida em que acertavam os questionamentos, a equipe ia conquistando bairros de Mossoró. Vale salientar que, das cinco equipes, quatro erraram apenas uma questão; e uma equipe nada errou. Traremos adiante, uma exposição e análise das “fases” estabelecidas durante este curso. Enfatizaremos os principais aspectos, sempre relacionando a realidade vivenciada durante este período com as proposições feitas ao ensino de geografia, e em especial, aos conhecimentos geográficos. Em análise ao processo ensino-aprendizagem desenvolvido no IFRN, observamos que os conteúdos, assim como as atividades e dinâmicas propostas por nós, ministrantes do minicurso, proporcionaram aos alunos momentos de interação, cognição, reflexão e aprendizagem sobre conceitos e teorias da disciplina de geografia, com ênfase em cartografia. Tais concepções podem ser percebidas a partir das vivências enfatizadas abaixo. No segundo encontro do minicurso, iniciamos as atividades práticas e teóricas. Neste segundo contato, trabalhamos a origem, definições, objetivo e a importância da cartografia, mostrando a trajetória da cartografia desde a sua origem até os dias atuais. Trabalhamos também a questão das definições de mapas e cartas. Desta forma, a partir dos conteúdos estudados, desenvolvemos uma atividade avaliativa dinâmica, sendo que a mesma foi realizada da seguinte maneira: distribuímos fotografias de mapas antigos e recursos tecnológicos (cartográficos); em seguida, pedimos para que os alunos, a partir da criatividade de cada equipe, construíssem algo que expressasse, a partir dos conteúdos estudados e das figuras entregues, a evolução cartográfica. A parir do que foi exposto nesse encontro, observamos que os alunos na construção das atividades, desenvolveram instrumentos cognitivos como: observação, compreensão, descrição, expressão e representação. O terceiro encontro teve como conteúdo estudado a temática cartográfica relacionada à orientação e às coordenadas geográficas. Iniciamos a apresentação do conteúdo, utilizando o programa Power Point, fazendo uso das informações e imagens alusivas ao conteúdo. Com uma rosa-dos-ventos (recurso), apresentamos os pontos cardeais, colaterais, subcolaterais e os pontos intermediários; ou seja, as noções básicas de orientação. Ainda neste encontro, trabalhamos aspectos gerais das coordenadas geográficas, enfatizando as questões de paralelos e meridianos. Esclarecidas as dúvidas, partimos para as atividades práticas, para a avaliação da aprendizagem. Como mencionamos anteriormente, uma das propostas didáticas foi a rosa-dos-ventos. Partindo deste recurso, avaliamos os alunos (disputa pelos bairros) a partir da montagem de um quebra-cabeça no quadro, de forma a identificar todos os pontos de orientação. O tempo de execução da tarefa era cronometrado, e a equipe vencedora seria aquela que montasse a rosa-dos-ventos em menor tempo. Outra forma de avaliação realizada neste encontro foi a brincadeira do “caçapalavras”. A mesma consistia na busca de termos e expressões relacionados à temática cartográfica desenvolvida neste dia. Entregamos, em papel, o “caça-palavras” com termos decorrentes da aula realizada. Cada equipe deveria encontrar no menor tempo possível, o maior número de “palavras cartográficas”.

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No quarto encontro, dando continuidade ao assunto “coordenadas geográficas”, mostramos como é feita a determinação das coordenadas, destacando os conteúdos de paralelos, meridiano, latitude e longitude. O conteúdo foi exposto e reforçado a partir de um vídeo que demonstrava a delimitação das coordenadas geográfica, bem como as definições dos termos que interligados a essa temática. De maneira a avaliar e ao mesmo tempo darmos continuidade à disputa, indicamos um exercício relacionado ao conteúdo estudado, no nível de vestibular. E ao término desta atividade, proporcionamos mais três outras atividades, a saber: a cruzadinha, o enigma dos postais e o jogo das coordenadas geográficas. Neste momento, colocamo-nos lado a lado com os alunos para incentivá-los na investigação e organização dos conhecimentos adquiridos, e assim descobrir o caminho da análise e compreensão da aprendizagem. Enfim, a avaliação dos alunos era trabalhada e vivenciada com a superação no processo de ensinar e aprender. No quinto encontro, enfocamos o conteúdo sobre escala. Iniciamos o conteúdo utilizando o Power Point, mostrando os diferentes tipos escala: numérica e gráfica. Incentivamos os alunos à criatividade e criticidade, lendo texto poético (cordel) sobre escala. Em seguida, estabelecemos uma reflexão. Pedimos que eles elaborassem uma paródia com o assunto escala, tomando por base o cordel utilizado no momento. Obtivemos como resultados, produções de excelentes paródias, que expressaram perfeitamente a temática estudada. Os alunos demonstraram-se orgulhosos nas suas apresentações, pela capacidade de criação deles, bem como pela facilidade e segurança com que desenvolvemos o assunto, contribuindo de certa forma para o aprendizado deles. No sexto encontro, trabalhamos sobre projeção cartográfica, enfatizando as mais importantes, como as Projeções de Mercator, Peters, Cônica e Azimutal. Após a explanação dessa temática, fizemos uma breve revisão dos conteúdos estudados. Em seguida, aplicamos uma atividade com questões retiradas de vestibulares de várias universidades, com a finalidade de analisarmos o conhecimento adquirido por eles. No sétimo encontro e último dia de estágio no IFRN, organizamos várias atividades, que continham as temáticas trabalhadas durante o minicurso. Neste dia, trabalhamos sob a observação da pedagoga da referida instituição de ensino e da professora colaboradora. As atividades foram de competição coletiva ou individual, com um aluno por equipe. Desenvolvemos as seguintes atividades: Enforcando a cartografia; Mimicando com a cartografia; Enchendo a cartografia; Quebra-cabeça cartográfico; Desenhando Linhas imaginárias; Escalando; Desorientando; Encontrando-se no espaço; Completando as Orientações, Projetando e Desembaralhando. Estas foram criadas com regras específicas, de forma a condensar o conteúdo visto ao longo do minicurso, e avaliar de forma competitiva. Ao final deste minicurso e a cada etapa/objetivo que alcançávamos, percebíamos o quanto os alunos se envolviam nas tarefas e o quanto era a interação dos alunos conosco. A avaliação da aprendizagem foi desenvolvida de forma paralela às atividades realizadas, e dessa maneira, poderíamos acompanhar o nível de aprendizado e assimilação por parte dos alunos. Para Klimeck(2007), é importante utilizar o jogo como recurso, pois, o mesmo pode facilitar o trabalho do professor na avaliação de seus alunos. Assim, fomos criando

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situações para diagnosticar os avanços conquistados, havendo possibilidades em melhorar a motivação dos alunos em aprender. Diante do observado, não podemos deixar de relatar que durante todo o estágio, sempre ao iniciarmos os conteúdos, trazíamos uma dinâmica para melhorar o ambiente escolar e dinamizar a aula. O estágio, no curto período em que foi realizado, naturalmente, não nos preparou como profissionais plenos, mas ajudou a nos conscientizarmos de que ser professor é uma profissão de grande responsabilidade.

REFLEXÕES ACERCA DO ESTÁGIO DESENVOLVIDO

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m virtude da experiência vivenciada no IFRN, consideramos que o Estágio Supervisionado IV foi de extrema importância e proveito, não apenas para nós, estagiários, mas também para o Departamento de Geografia da Universidade do estado do Rio Grande do Norte, pela possibilidade de estabelecer e praticar uma modalidade de estágio inovadora, que contribuiu para o aprimoramento da prática de ensino. O desafio de lançar-se ao novo, ao desconhecido, deu-nos impulso para estruturar um estágio no Ensino Médio que fosse eficiente e que pudesse mostrar uma geografia mais interessante no sentido de favorecer um processo de ensino-aprendizagem bastante significativo. O minicurso ABC da Cartografia, criado a partir das necessidades e anseios dos alunos, abriu-nos horizontes que pareciam distantes. Trabalhar a temática Cartografia não é um das tarefas mais fáceis, até mesmo por suas características. Contudo, a maneira de trabalharmos de forma diferente foi um estímulo para os alunos, ao participarem assiduamente do minicurso, buscando aprimorar seus conhecimentos de forma dinâmica e criativa, promovendo sua cognição. As etapas estruturantes do estágio, nos períodos anterior, durante e posterior, tiveram cada uma, sua importância e contribuição. O elo entre estas formas foi à base do desenvolvimento das atividades de estágio. É importante salientarmos que o acompanhamento por parte da equipe pedagógica e dos professores colaboradores foi fundamental na orientação das etapas e caminhos a percorrer. A confiança que o IFRN nos disponibilizou e a liberdade de trabalhar nossos objetivos nos fez alçar voos mais altos. O nível intelectual dos alunos nos ampliou a visão de pesquisadores mais interessados em fornecer propostas pedagógicas diversas, interessantes e informativas com um toque de diversão. O processo de ensinar-aprender se apresentou como uma troca constante, e a interação entre alunos-estagiários tornou o minicurso uma atividade que além de contribuir para o aprimoramento do conhecimento em geografia, caracterizou de forma dinâmica e leve, um assunto um tanto complexo quanto a cartografia, por sua natureza de precisão matemática e domínio de técnicas de experimentação, as quais têm que dar certo quanto aos cálculos que estão em jogo. Afinal, a orientação no espaço, função primordial da cartografia, tem que ser precisa. A experiência de exercer um estágio neste nível nos favoreceu um engrandecimento enquanto alunos universitários e, principalmente, como futuros professores no exercício da atuação na licenciatura em geografia. É fundamental o contato inicial com a escola no nível de Ensino Médio, para que, ao nos depararmos com a realidade profissional, o exercício da profissão de professor de geografia se realize de maneira mais competente, auxiliando o processo de ensino-aprendizagem dos alunos em relação a esta ciência.

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O fato de termos desenvolvido o minicurso ABC da Cartografia na etapa de estágio supervisionado nos possibilitou apresentarmos os resultados obtidos aos demais alunos do curso. E é interessante destacarmos que o nosso pioneirismo em desenvolver esta inovadora modalidade de estágio abriu caminho para os colegas de períodos seguintes do curso se interessarem por esta que consideramos uma nova modalidade de estágio. Em suma, sentimo-nos realizados por nos ter sido oferecida esta possibilidade de desenvolver um estágio diferente dos comumente praticados, permitindo que nossa criatividade fosse aprimorada e o nosso conhecimento engrandecido. É importante que sejam fornecidas aos alunos possibilidades de realizar estágios que venham a contribuir para a geografia escolar, tão necessária à nossa sociedade. E assim, ceder ao novo, acreditar que as novidades no ensino de geografia são as expressões da renovação da geografia de forma extensiva à universidade e nos campos profissionais, que receberão os professores que se formam todos os anos.

REFERÊNCIAS KLIMECK, Rafael Luis Cecato. Como aprender geografia com a utilização de jogos e situações-problema. In: PASSINI, Elza Yasuko (Org.). Práticas de ensino de geografia e estágio supervisionado. São Paulo: Contexto, 2007. OLIVEIRA, Christian Dennys Monteiro de; PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Repensando e refazendo uma prática de estágio no ensino de geografia. In: VESENTINI, José William (Org.). Geografia e ensino: textos críticos. 9. ed. Campinas/SP: Papirus, 1989. VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento: projeto de aprendizagem e projeto político pedagógico. 19.ed. São Paulo: Libertad, 2009.

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PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA: EXPERIÊNCIAS DO LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA FÍSICA DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA FÍSICA: EXPERIÊNCIAS DO LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA FÍSICA DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Robson Fernandes Filgueira34

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estudo dos elementos que compõem a paisagem natural, bem como das suas características, dinâmica e exploração dos seus recursos, compete à Geografia Física. Muitas vezes os conceitos, leis e teorias tratados por este ramo da ciência geográfica, embora, de um modo geral, possam ser percebidos observando-se a natureza, não são totalmente ou satisfatoriamente assimilados pelos alunos. As causas que explicam esta dificuldade na assimilação de conteúdos em Geografia Física podem ter origem relacionada aos professores, aos alunos e à forma como se dá ensino-aprendizagem em Geografia. Muitas vezes os alunos do curso de Geografia assimilam conceitos que exigem um certo grau de abstração, como globalização, territorialização, regionalização, entre outros trabalhados pela Geografia Humana, mas não conseguem explicar a formação do solo, a origem das rochas e das formas de relevo ou as consequências sobre o ciclo hidrológico advindas do represamento de um rio, o que mostra dificuldades na leitura e interpretação dos aspectos naturais da paisagem. É claro que, como ciência humana, a Geografia tem seu foco direcionado à sociedade. Todavia, a sociedade faz parte e depende da natureza, de modo que, não se pode compreendê-la integralmente sem se conhecer o substrato sobre o qual ela vive e os recursos dos quais depende. Nisto reside o diferencial da Geografia entre demais ciências humanas: explicar a sociedade levando em conta a natureza. Para tanto, a formação do geógrafo requer o domínio de conteúdos relacionados à sociedade (Geografia Humana) e à natureza (Geografia Física). Acontece que, muitas vezes, os alunos que ingressam no curso de Geografia, especialmente na modalidade licenciatura, não têm afinidade com as ciências naturais nem com as ciências exatas, o que, por si, dificulta sobremaneira a assimilação de conteúdos relacionados a essas áreas do conhecimento, nas quais se fundamenta a Geografia Física. Em certos casos, a raiz disso está no ensino básico, visto que há relatos sobre professores de Geografia que atuam neste nível de ensino, os quais, por não terem afinidade com a Geografia Física ou por não dominarem esse ramo da ciência geográfica, deixam de ministrar conteúdos a ele relacionados, prejudicando a formação do aluno. Algumas vezes, o problema pode estar relacionado na forma como os conteúdos são ministrados, visto que pode haver diferenças entre as formas de ensino-aprendizagem nos diferentes ramos da Geografia. Em Geografia Humana, por exemplo, pode ser satisfatório o professor distribuir um texto para os alunos lerem e depois fazer um debate. Isto pode não ser adequado em Geografia Física, sobretudo pelo fato deste 34

Engenheiro Agrônomo (UFERSA), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN), professor Adjunto III do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosófica e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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ramo da ciência geográfica trabalhar aspectos da paisagem essencialmente visuais e concretos (estrutura geológica, formas de relevo, fenômenos naturais, etc.), que, por isso, requerem uma representação através de formas visuais e interativas de comunicação e não apenas por meio da leitura de textos e de explicações verbais, sobre as quais Gil (2005, p. 93) observa: Um problema facilmente observado na comunicação docente é o verbalismo, ou seja, a transmissão de conhecimentos e habilidades mediante o emprego exagerado de palavras. Como [consequência] desse verbalismo, muito do que é passado aos alunos constitui-se em palavras vazias, sem significado. Os esforços verbais dos professores muitas vezes são suficientes apenas para que os alunos ‘decorem a matéria’, sem que se tornem capazes de compreender o seu significado ou aplicá-la a situações concretas.

Para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem de conteúdos relacionados à Geografia Física algumas estratégias podem ser desenvolvidas, especialmente aquelas que dizem respeito à produção de material didático por parte dos alunos sob orientação do professor. Neste aspecto, aqui se adotou a definição de material didático proposta por Bandeira (2006), que os considera como produtos pedagógicos utilizados na educação, mais especificamente como material instrucional elaborados com fins didáticos. Existem muitos materiais didáticos que podem ser utilizados no ensino-aprendizagem de Geografia Física. Alguns são simples, pois utilizam material facilmente disponível e requerem pouca habilidade na sua elaboração, enquanto outros são mais sofisticados, requerendo materiais de custo mais elevado, nem sempre facilmente disponíveis, e exigem o domínio de técnicas mais elaboradas na sua confecção. O Laboratório de Geografia Física do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte conta com um acervo de material didático voltado para o ensino de Geografia Física e ciências afins, constituído por materiais de vários tipos e categorias, como materiais didáticos textuais e audiovisuais. Este material, em sua maior parte, foi elaborado pelos discentes do curso de licenciatura em Geografia sob a orientação de um professor e aborda temas como formas de relevo, fenômenos geológicos, degradação do meio ambiente, tempo geológico, minerais e rochas, fósseis, recursos naturais, distribuição dos seres vivos, etc. Além de auxiliar no ensinoaprendizagem em Geografia Física do curso de licenciatura, a elaboração deste material objetivou fazer a transposição didática de temas científicos para uma linguagem de fácil compreensão, acessível a alunos dos ensinos fundamental e médio, uma vez que é nestes níveis de ensino que os egressos deste curso irão atuar. A descrição dos materiais didáticos disponíveis no Laboratório de Geografia do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte é feita a seguir: ÁLBUM SERIADO - o álbum seriado consiste numa série de cartazes - no caso, confeccionados com cartolina – presos (com cola, fita adesiva, anéis, cordões ou tiras de madeira) em conjunto, pela parte superior. O tema tratado é dividido em vários cartazes, nos quais são colados textos breves, com letras grandes, e figuras. É um recurso didático de fácil elaboração, porém de grande eficiência, pois, assegura que quem for ministrar a explanação não esqueça os pontos a serem tratados e reforça a fixação do conteúdo pelos alunos, favorecendo o processo de ensino-aprendizagem. APRESENTAÇÕES MULTIMÍDIAS - as apresentações multimídia se utilizam do programa PowerPoint, que é um dos aplicativos do Office. Os materiais produzidos em

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multimídia mostram-se como uma das ferramentas mais versáveis a serem empregadas no ensino-aprendizagem, visto que elas mesclam apresentações de slides com animações e pequenos vídeos. Isto é de grande importância nas aulas de Geografia Física, uma vez que não apenas é possível visualizar os elementos da paisagem natural, mas também observar a dinâmica dos mesmos, como, por exemplo, a divisão da crosta terrestre em placas tectônicas e a movimentação destas placas (tectônica de placas). Tanto a elaboração de uma apresentação multimídia como a sua utilização em aula requer o conhecimento de informática básica e alguns softwares e programas específicos. A apresentação pode ser arquivada em cd, dvd, dispositivo pen drive, cartão de memória, disco rígido externo ou ficar no disco rígido do computador, além do que ela pode ser impressa. No caso da gravação em cd, dvd e dispositivo pen drive, os slides podem ser gravados em formatos que podem ser lidos por aparelhos de dvd, como jpeg e gif, o que permite a visualização deles em aparelhos de televisão, uma alternativa para escolas que não possuem projetor multimídia ou que dispõem de poucos aparelhos deste tipo. APRESENTAÇÕES EM TRANSPARÊNCIA PARA RETROJETOR - transparências são folhas de acetato sobre as quais, de acordo com o tipo de transparência, se pode escrever, desenhar, fotocopiar ou imprimir. Trata-se de um recurso didático de grande valor e de uso fácil, pois pode ser elaborado escrevendo-se textos e desenhando sobre a transparência, fotocopiando sobre ela páginas de livros ou imprimindo-a a partir de arquivos do computador. Alguns cuidados que se deve ter na elaboração de transparências, os quais servem para outras formas de recursos didáticos são: utilizar letras grandes, espaçadas e legíveis, destacar títulos e subtítulos, colocar poucas frases por transparência e utilizar-se de imagens. Como a maioria das escolas do ensino básico dispõe de retroprojetores, a elaboração de transparências pode ser uma forma interessante de transmitir conteúdos de Geografia Física. COLEÇÃO DE ROCHAS E MINERAIS - apesar do grande valor didático e científico, esta coleção vem sendo feita praticamente sem custo, pois, em sua maioria, as amostras foram coletadas nas aulas de campo das disciplinas Geologia Geral e Geomorfologia Geral, além doações de alunos. Cada exemplar, acondicionado em mostruário de vidro, possui uma etiqueta com o seu nome e o lugar onde foi coletado, além de uma ficha com as suas principais características (classificação, uso, cor, composição química e mineralógica, etc.). O objetivo desta coleção é possibilitar a identificação dos principais tipos de minerais e rochas através da interpretação de suas características (cor, brilho, dureza, etc.), destacar a utilidade e importância dos mesmos e mostrar a diversidade de materiais que constituem a crosta terrestre. PÔSTERES DIDÁTICOS (PAINÉIS ILUSTRATIVOS) - Pôsteres são cartazes que podem ser pendurados ou afixados em uma parede. Podem ser artesanais ou plotados. No primeiro caso normalmente são confeccionados em papel, tecido ou cartolina, no segundo, em papel ou lona plástica (maior durabilidade), com a inclusão de canaletas nas suas partes superior e inferior, que facilita o seu manuseio. No laboratório de Geografia Física da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) há pôsteres didáticos artesanais e plotados. Os artesanais consistem em colagens de textos impressos e figuras sobre papel madeira (ou craft) ou cartolina, enquanto que os plotados são impressões, sobre papel ou lona plástica, de arquivos geralmente criados através dos programas PowerPoint ou Corel Draw. Em geral, um só pôster é utilizado para apresentar um determinado assunto, destacando os seus aspectos mais importantes através de textos sucintos, imagens e títulos chamativos. CARTILHA - as cartilhas apresentam uma versão simplificada e de fácil entendimento de conteúdos científicos. Em geral, elas são confeccionadas com papel couchê, no tamanho A4 e na orientação paisagem, sendo encadernadas com espiral. Contudo,

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também há cartilhas feitas com materiais como borracha Etil Vinil Acetato (EVA) e cartolina, que apresentam tamanho grande (mais chamativas) e outros tipos de encadernação. Nelas, as imagens são privilegiadas e os textos são curtos, objetivos e escritos com letras de tamanho grande. Algumas apresentam um glossário dos termos técnicos e a maioria dispõe de exercícios nas suas páginas finais. A formatação e as citações obedecem às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o texto é submetido a uma revisão gramatical. Elas funcionam como um livro paradidático, pois detalham e mesmo aprofundam temáticas que são tratadas superficialmente nos livros didáticos do ensino básico. REVISTA EM QUADRINHOS - a revista em quadrinhos ou gibi permite a abordagem de temas da Geografia Física através textos e imagens que contam uma história. No acervo do Laboratório de Geografia Física do Departamento de Geografia (DGE), em geral as revistas em quadrinhos são elaboradas artesanalmente, com textos escritos à mão e desenhos feitos pelos próprios alunos sobre papel ofício tamanho A4. Também há a possibilidade dos quadrinhos serem feitos diretamente no computador em programas de edição de imagens (CorelDraw etc.) ou específicos para este tipo de arte. A elaboração deste tipo de material didático estimula bastante a criatividade, como pode ser percebido pela variedade de formatos, materiais e histórias que abordam os temas da Geografia Física de forma inusitada. PARÓDIAS - as paródias são uma forma divertida de se praticar o ensinoaprendizagem. No Laboratório de Geografia Física do DGE, temas das geociências foram trabalhados na forma de letras de músicas que substituíam as letras de músicas bem conhecidas e dos mais variados gêneros musicais (MPB, rock, reggae, axé, samba, forró, gospel, sertanejo, brega, etc.) mas aproveitavam a melodia destas músicas. Apesar do viés cômico da paródia, procurou-se manter o caráter científico e informativo das temáticas abordadas, embora de forma concisa e com a utilização de uma linguagem simples e mesmo bem humorada. As paródias resultaram em textos e gravações de áudio (cds), em geral criativos e capazes de informar sobre o assunto abordado. Algumas paródias foram produzidas na forma de videoclips. VIDEOCLIPES - são vídeos curtos, sobre uma temática específica, produzidos a partir de imagens obtidas de máquinas fotográficas e filmadoras, trabalhadas em programas de computador especificamente voltados para editoração de filmes (Movie Maker, Nero Vision, ProShow Gold, etc.) ou para apresentações (PowerPoint, etc.). Nestes programas, fotografias, filmagens e animações são colocadas numa seqüência e acompanhadas de um pequeno texto, fundo musical, legenda e/ou narração e gravadas nos formatos específicos para filmes (avi, mpeg, etc.), resultando em um filme curto sobre um tema específico. O Laboratório de Geografia Física do DGE possui um pequeno acervo de videoclipes que tratam sobre as dinâmicas interna e externa da Terra. Para elaborá-los, primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, a partir da qual se criou um roteiro com a seqüência dos tópicos a serem abordados em cada tema. As informações obtidas foram colocadas no roteiro e trabalhadas nos programas específicos. Por fim, foram gravados os cds e dvds. JOGOS EDUCATIVOS - os jogos educativos tornam o processo de ensinoaprendizagem prazeroso e divertido e ajudam a desenvolver o raciocínio lógico e a concentração. Para Klimek (2007, p. 121), A [ideia] do uso de jogos faz com que o aluno tenha um comportamento o mais próximo possível do real. O jogador sempre se esforça para ter êxito, e quando não o tem tenta ultrapassar as dificuldades com o auxílio do professor e colegas, analisando aspectos que o levaram àquele desempenho, incorporando a [autoavaliação] em suas ações.

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Jogos de tabuleiro, cartas ou mesmo jogos eletrônicos (videogames) podem ser adaptados para se trabalhar conteúdos da Geografia Física. No Laboratório de Geografia Física da UERN, com base em jogos conhecidos (jogo da memória, dominó, memória etc.), foram criados jogos de cartas e de tabuleiro que trabalham temas específicos das geociências, como fósseis, terremotos, vulcões, entre outros. Um jogo de tabuleiro, cujo objetivo é chegar ao final de uma trilha, ensina sobre fósseis. O deslocamento ao longo da trilha é feito de acordo com o número indicado pelo dado e com as respostas às perguntas contidas em determinadas casas dentro da trilha. MAQUETES - tratam-se de representações (normalmente em escala) tridimensionais de grandes estruturas. Constituem um dos melhores materiais para o ensinoaprendizagem de Geografia Física, pois permitem a visualização tridimensional de estruturas, formas e processos. O Laboratório de Geografia Física do DGE possui maquetes que representam fenômenos geológicos (magmatismo, sismicidade, erosão, sedimentação, dobramento, etc.), formas de relevo (relevo litorâneo, submarino, do Brasil, etc.) e degradação do meio ambiente. O material utilizado na confecção destas maquetes é bastante variado. Devido ao custo e a facilidade de manuseio, muitas maquetes são feitas de isopor. Também são utilizados gesso, fibra de vidro, madeira, borracha EVA, cartolina, cimento e vidro. As maquetes podem ser confeccionadas em apenas um destes materiais ou combinando-se materiais diferentes. Para, por exemplo, representar o processo de dobramento tectônico, foi construída uma maquete de vidro e borracha EVA. Um bloco formado por folhas de cores diferentes de borracha EVA representa os estratos geológicos. Este bloco é colocado no fundo de uma caixa de vidro, que possui uma de suas laterais aberta. Nesta abertura a borracha EVA é pressionada com um tampo de vidro, ilustrando o processo de deformação das rochas através de um dobramento tectônico. Com o objetivo de atender às necessidades de discentes com deficiência visual, também são confeccionadas maquetes gráficas táteis. Estas maquetes são construídas com materiais como o gesso, que permitem ressaltar formas e texturas, através das quais os deficientes visuais podem assimilar as informações contidas na maquete com o uso do tato. CARTÕES-RESUMO - são cartões que apresentam um texto resumido e figuras (blocos diagramas, infográficos) sobre determinada temática, elaborados em programas de edição de texto (Word, etc.), edição e tratamento de imagens (CorelDraw, etc.) ou de elaboração de apresentações (Powerpoint, etc.) e impressos (em um dos lados ou frente e verso) em papel sulfite no tamanho A4 e orientação retrato. Normalmente, apenas um cartão é utilizado para tratar um tema específico. Para facilitar o manuseio e aumentar a durabilidade, os cartões são plastificados. Estes cartões permitem revisar conteúdos de forma rápida e podem servir de apoio durante apresentações. PÁGINAS NA INTERNET (HIPERTEXTO) - é um texto em formato digital, colocados em sites na rede mundial de computadores, ou internet, capaz de reunir uma grande variedade de informações através de blocos de textos, imagens, palavras, sons ou vídeos, que são acessados clicando-se em termos destacados no corpo do texto principal, imagens ou ícones, conhecidos como hiperlinks (ou links). Por trabalhar a informação simultaneamente de várias formas (texto, imagem, vídeo), remeter a outras páginas de conteúdo semelhante e poder ser acessado de qualquer lugar que tenha um computador ligado à internet , representa uma ferramenta eficaz no processo de ensino-aprendizagem, estimulando a pesquisa e a produção textual. Além do que, conforme observa Puerta; Nishida (2007, p. 127), “[...] a utilização da internet com aprendizagem interativa possibilita à criança e ao adolescente a conbinação entre o entretenimento e o estudo, provocando o hábito da leitura e o raciocínio lógicomatemático. Entre as atividades da disciplina Geologia Geral, oferecida nos cursos de

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Geografia e de Biologia da UERN foram criados blogs, ou sites temáticos que permitem atualização contínua através da adição de artigos (ou posts) ou comentários adicionados pelo autor do blog ou por outros leitores, o que representa uma forma interativa de ensino-aprendizagem. Alguns destes blogs são encontrados nos seguintes endereços eletrônicos: http://bio-magmatismo.blogspot.com/2008/03/o-vulco-etna-na-silcia-em-erupo.html, http://geografiaparatodos-uern.blogspot.com/2008/03/blog-post_6167.html, http://geografia2010uern.blogspot.com/, http://atividadesgeologicadosorganismos.blogspot.com/, http://www.biointemperismo.blogspot.com/2008/03/intemperismo.html, http://geologiahoje.blogspot.com/2010/08/intemperismo-fisico.html. EXERCÍCIOS DO TIPO LEITURA DE AMBIENTES - de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, “[...] a leitura da paisagem pode ocorrer de forma direta – mediante a observação da paisagem de um lugar que os alunos visitaram – ou de forma indireta – por meio de fotografias, da literatura, de vídeos e relatos (BRASIL..., 2000, p. 153). Uma das formas de possibilitar e exercitar a leitura da paisagem em Geografia Física é através de exercícios que fazem questionamentos sobre paisagens mostradas em imagens. Este tipo de exercício pode ser feito por meio de colagens ou no computador, através de programas de edição de texto. Neles é possível se colocar fotografias, blocos diagramas, imagens aéreas e de satélite, sobre as quais são formulados questionamentos. Os alunos devem responder os questionamentos a partir da interpretação das imagens. Para tanto, podem consultar livros, apostilas e outros recursos didáticos textuais. Dessa forma, este tipo de material estimula a pesquisa e foge de respostas literais ou iguais ao texto consultado para se responder à pergunta, pois as paisagens precisam ser “lidas”, interpretadas, para se poder dizer algo sobre elas. Os exercícios são confeccionados em papel sulfite tamanho ofício ou A4, com orientação tipo paisagem e colocados sobre um papelão, dentro de um saco plástico do tamanho da folha de papel, para permitir sua conservação e reuso. Também podem ser plastificados. Vale ressaltar que a produção deste material e sua apresentação podem ser consideradas como etapas do processo avaliativo das disciplinas envolvidas na sua elaboração. Trata-se de um tipo de atividade avaliativa em geral muito satisfatória, uma vez foge aos modelos tradicionais de avaliação (o aluno é avaliado pelo domínio de conteúdo na apresentação e pela qualidade do material didático que ajudou a elaborar) e possibilita que os alunos exercitem sua criatividade, se interessem pela pesquisa e deixem sua contribuição para o curso na forma de um produto que ele mesmo poderá vir a utilizar, seja por ocasião do estágio ou quando estiverem exercendo efetivamente o magistério e precisarem de material de apoio em suas aulas.

REFERÊNCIAS BANDEIRA, Denise. Material didático. Curitiba: IESP, 2006. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. GIL, Antônio Carlos. Metodologia do ensino superior. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. KLIMEK, Rafael Luís Cecato. Como aprender Geografia com a utilização de jogos e situações-problema. In: PASSINI, Elza Yazuko; PASSINI, Romão; MALYZ, Sandra T. (Org.). Prática de ensino de geografia e estágio supervisionado. São Paulo: Contexto, 2007.

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PUERTA, Lorena Lucas; NISHIDA, Paulo Roberto. Multimídia na escola: formando o cidadão numa “cibersociedade”. In: PASSINI, Elza Yazuko; PASSINI, Romão; MALYZ, Sandra T. (Org.). Prática de ensino de geografia e estágio supervisionado. São Paulo: Contexto, 2007.

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ARAÚJO, J.C. (Org.); FERNANDES, M.J.C. (Org.); SILVA JÚNIOR, O.F. (Org.). Construções geográficas: teorizações, vivências e práticas. 1ª edição: Duque de Caxias: Espaço Científico Livre Projetos Editoriais, 2013.

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CONSTRUÇÕES GEOGRÁFICAS: teorizações, vivências e práticas

Organizadores: Josélia Carvalho de Araújo Maria José Costa Fernandes Otoniel Fernandes da Silva Júnior

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