Quanto Vale a Sua Fé

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1ª edição – 2015

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QUANTO VALE A SUA FÉ? A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA FORTALEZENSE NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS


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Conselho Editorial Bethania Ribeiro de Almeida Santiliano Mestre em Ciências Veterinárias Daísa de Lima Pereira Mestre em Engenharia Biomédica Eduardo Chaves da Silva Mestre em Psicologia Clínica e Cultura Elysio Soares Santos Junior Doutorando em Linguística (PPGL/LIP/UnB) Emanuel Neto Alves de Oliveira Doutorando em Ciências Agrárias Fabiano Costa Santiliano Mestre em Biociências e Biotecnologia Flávia de Matos Rodrigues Mestre em História Econômica Franciele Monique Scopetc dos Santos Doutorando em Educação Hendrix Alessandro Anzorena Silveira Mestre em Teologia Jesiel Souza Silva Doutorando em Geografia João Olinto Trindade Junior Mestre em Letras Josélia Carvalho de Araújo Doutorando em Geografia Júlio César de Souza Mestre em História Luiz Antonio Corrêa Mestre em Engenharia Mecânica Priscilla Diniz Lima dá Silva Bernardino Doutorado em Engenharia Química Rafaela Sanches de Oliveira Mestre em Ciências Médicas Robson Lopes de Freitas Junior Doutorando em Geografia Verano Costa Dutra Mestre em Saúde Coletiva


George Sousa Cavalcante

QUANTO VALE A SUA FÉ? A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA FORTALEZENSE NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS

Duque de Caxias

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2015


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2015, Espaço Científico Livre Projetos Editoriais

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Atribuição. Você deve dar crédito, indicando o nome do autor e da Espaço Científico Projetos Editoriais, bem como, o endereço eletrônico em que o livro está disponível para download. Uso Não-Comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais.

_________________________________________________________________________ Ficha Catalográfica C376

Cavalcante, George Sousa.

aaaQuanto vale a sua fé? A tendência capitalista da fé evangélica fortalezense nas últimas duas décadas / George Sousa Cavalcante – Duque de Caxias, 2015. aaa6,24 MB; il.; PDF aaaISBN 978-85-66434-17-0 1. Protestantismo. 2. Capitalismo. 3. Teologia. 4. Prosperidade. 5. Igreja evangélica. 6. Neopentecostalimo. 7. Fortaleza. 8. Fé. 9. Marx Weber. 10. Ricardo Mariano. 11. Consumo. 12. Hibridismo. I. Quanto vale a sua fé? A tendência capitalista da fé evangélica fortalezense nas últimas duas décadas. II. Cavalcante, George Sousa. CDD 200 _________________________________________________________________________ Autor: George Sousa Cavalcante Revisão: Verônica C. D. da Silva Capa: Francisco Carlos Moreira Junior Coordenador: Verano Costa Dutra Editora: Monique Dias Rangel Dutra Espaço Científico Livre Projetos Editoriais é o nome fantasia da Empresa Individual MONIQUE DIAS RANGEL 11616254700, CNPJ 16.802.945/0001-67, Duque de Caxias, RJ espacocientificolivre@yahoo.com.br / http://issuu.com/espacocientificolivre / http://www.espacocientificolivre.com/


À minha querida mãe que apesar de não saber ler e escrever sempre me incentivou a valorizar o estudo. Sua garra em superar as dificuldades que a vida lhe impôs me inspira.


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Trechos deste livro foram publicados anteriormente no livro “Cartografia do Sagrado e do Profano: religiões, espaço e fronteiras, organizado” por Oneide Bobsin, Valério Guilherme Schaper e Iuri Andréas Reblin, publicado pela ABHR (Associação Brasileira de História das Religiões) e pela Faculdade EST de São Leopoldo RS e no artigo “Quanto vale a sua fé? – A tendência capitalista da fé evangélica de Fortaleza nos últimos vintes anos” publicado pela Faculdade Rifidim de Joinville SC.

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RESUMO O presente trabalho oferece uma análise sociológica, antropológica, teológica e, sobretudo histórica sobre a relação entre crença e dinheiro no Ocidente, e que tem se exacerbado em um mundo capitalista como o nosso, do qual faz parte a cidade de Fortaleza. A partir do víeis da História das mentalidades – campo de pesquisa de teóricos como Marc Bloch, Georges Deby, Lucien Febvre e Robert Mandrou que se dedicaram a esse tipo de investigação (como sub especialidade da História Social); que se propuseram a pesquisar e a descrever as atitudes, os comportamentos, as necessidades, os sonhos motivadores dos seres humanos (em suas motivações conscientes ou inconscientes) de determinados grupos sociais minoritários –, procuro, então, fazer uma abordagem crítica da Tendência Capitalista da Fé Evangélica na cidade de Fortaleza nos últimos vinte anos. Minha fundamentação está apoiada em teóricos que já desenvolveram (e ainda desenvolvem) linhas de pesquisas em áreas afins: Marx Weber – que pesquisou a estrita ligação entre Protestantismo e Capitalismo desde seu nascedouro; Ricardo Mariano – que pesquisa as implicações dos aspectos sociais, culturais e econômicos no Movimento Neopentecostal com sua Teologia da Prosperidade. A hipótese levantada nesse livro é que existe uma tendência a um tipo de crença identificada com muitos aspectos do capitalismo em algumas denominações evangélicas da cidade de Fortaleza; não obstante percebermos uma prática de fé hibrida com suas contradições, conflitos e resistências a essa postura religiosa capitalista – hipótese confirmada pela pesquisa de campo. O livro está dividido em cinco proposições principais: (1) a compreensão da relação entre fé evangélica e dinheiro no contexto maior do Protestantismo; (2) a identificação dos principais perfis da Igreja Evangélica Brasileira a partir das três principais vertentes de sua formação histórica (Protestantismo de Imigração, Protestantismo de Missão e Pentecostalismo – sendo que este último se desdobrou no Neopentecostalismo, surgido nas últimas décadas com forte ênfase na Teologia da Prosperidade e no uso massificado da Mídia televisiva); (3) a constatação da tendência a um tipo de fé identificada com o Capitalismo na prática religiosa de fiéis das igrejas evangélicas escolhidas para a pesquisa de campo; (4) a tentativa de entender essa tendência Capitalista da fé relacionando-a com algumas características do nosso mundo ocidental moderno – a natureza pragmática da mídia, a obsessão da nossa sociedade pela exuberância e a dimensão sagrada do consumo; (5) e, por fim, a reflexão a respeito dos rumos que a Igreja Evangélica tem tomado, e que tem distanciado sua trajetória do Cristianismo na sua “essência”. Palavras-chave: Protestantismo. Capitalismo. Teologia. Prosperidade. Igreja evangélica. Neopentecostalimo. Fortaleza. Fé. Marx Weber. Ricardo Mariano. Consumo. Hibridismo.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15 CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO E PROTESTANTISMO: AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA ........................................................................................................ 21 1.1. FATORES TEOLÓGICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ ....................................................................................... 21 1.2. FATORES HISTÓRICOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ ....................................................................................... 31 1.2.1. PROTESTANTISMO DE IMIGRAÇÃO OU ÉTNICO ...................... 32 1.2.2. PROTESTANTISMO DE MISSÃO .................................................. 34 1.2.3. PENTECOSTALISMO .................................................................... 37 A - PENTECOSTALISMO CLÁSSICO ............................................ 39 B - DEUTEROPENTECOSTALISMO .............................................. 40 C - NEOPENTECOSTALISMO ....................................................... 42 C.1. EXACERBAÇÃO DA GUERRA CONTRA O DIABO ..... 42 C.2. ÊNFASE NA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE ............ 44 C.3. DESECTARIZAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO DOS USOS E COSTUMES ........................................................................... 50 C.4. ESTRUTURA ADMINISTRATIVA EMPRESARIAL E MERCADOLÓGICA ............................................................... 54 CAPÍTULO 2 – A ONDA CAPITALISTA DA FÉ INVADE AS IGREJAS EVANGÉLICAS DE FORTALEZA.............................................................................. 59 2.1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS EVANGÉLICOS EM FORTALEZA......... 59 2.2. A TENDÊNCIA MERCADOLÓGICA DA FÉ NAS IGREJAS DE FORTALEZA ..................................................................................................... 63 CAPÍTULO 3 – ALGUMAS POSSÍVEIS RAZÕES PELAS QUAIS A FÉ EVANGÉLICA TEM DESENVOLVIDO A TENDÊNCIA CAPITALISTA ............................................. 71 3.1. A NATUREZA PRAGMÁTICA DA MÍDIA .................................................. 71 3.2. A OBSESSÃO DA NOSSA SOCIEDADE PELA EXUBERÂNCIA E PELO ESPETACULAR ................................................................................................ 77 3.3. A DIMENSÃO SAGRADA DO CONSUMO ................................................ 79

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CAPÍTULO 4 – OS POSSIVEIS DESDOBRAMENTOS DA TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA ........................................................................ 89 4.1. AFASTAR-SE CADA VEZ MAIS DA PROPOSTA DE JESUS................... 89 4.2. TRANSFORMAR-SE EM ALGO TOTALMENTE ALIENANTE .................. 91 4.3. DESCARACTERIZAR O CRISTIANISMO DO SEU PERFIL REVOLUCIONÁRIO .......................................................................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 102

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INTRODUÇÃO

E

ssa pesquisa parte da minha inquietação com relação a uma das facetas mais cruéis do capitalismo ocidental: a utilização da religião como forma de lucro e poder.

Entendemos que as relações mercantis, envolvendo troca e comércio, já existiam há milhares de anos, desde o período neolítico, quando os grupos humanos passaram a se organizar em sociedades mais complexas, constituindo-se assim as primeiras cidades. No entanto, as relações comerciais, elaborada na forma de sistema filosófico e ideológico, se “absolutizam” e se “sacralizam” com o Capitalismo ocidental moderno. Nessa perspectiva comenta Max Weber: “O Capitalismo existiu na China, na Índia, na Babilônia, no mundo clássico e na Idade Média, mas em todos esses casos, como veremos, o ethos1 particular faltou” (2006:50). E nesse mesmo viés também comenta François Houtart: Durante séculos, os grandes sistemas religiosos se difundiram por meio de migrações, da expansão mercantil e das conquistas militares. Foi o caso do hinduísmo, do budismo, do cristianismo, do islamismo, dos Incas e em menor medida, de vários reinos africanos. Entretanto, a maior transformação sociocultural que afetou o status e as funções da religião teve lugar na Europa com o desenvolvimento do capitalismo mercantil, mais tarde o industrial... (2003, p. 28).

Portanto, o comércio, como um sistema articulado – com sua elaboração lógica, racional, ideológica, religiosa, materialista e consumista – passou a ganhar grandes proporções no ocidente. É justamente sobre sua influência na religião evangélica que pretendemos focar este assunto. Delimitamos nossa abordagem à cidade de Fortaleza como o espaço da pesquisa realizada para a constatação desta hipótese. E as últimas duas décadas como o recorte de tempo histórico a ser analisado. Partimos do pressuposto daquilo que nos diz Houtart sobre o domínio do mercado como lei fundamental do funcionamento das sociedades. E, por conta disso, vemos os interesses econômicos se expressando também no campo religioso. Sendo que a religião cumpre, em nosso mundo ocidental materialista, um papel importante na

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A ethos nesse contexto significa um conjunto de práticas e de comportamentos estabelecido pelo o sistema em questão.

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transformação das estruturas sociais, principalmente na América Latina e no Caribe. (ibid, p.13). Antonio Flávio Pierucci, comentando sobre a primeira versão d’A Ética Protestante de 1904, diz que a posição de Max Weber, desde o início de sua obra, no que diz respeito à estreita ligação entre economia ocidental e religião protestante, era muito clara e definida. Ou seja, para Weber a economia ocidental e seus diversificados desenvolvimentos só podem ser explicados se considerarmos os aspectos essenciais da história cultural, sobretudo da vida religiosa (2003, p. 178,179). François Houtart nos lembra ainda que a tese contida em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é basicamente a seguinte: “a moral de relativa austeridade preconizada pelo calvinismo favoreceu a acumulação, base do desenvolvimento do capitalismo” (2003, p.79). Questionamos, então, no presente trabalho, se a Igreja Evangélica de Fortaleza – herdeira dos movimentos de reforma protestante na Europa dos séculos XVI e XVII, filha

do

Protestantismo

Missionário

Norte-americano,

e

também

fortemente

influenciada pelo movimento neopentecostal2 – incorporou de forma consistente toda essa tendência comercial do capitalismo ocidental.

Levantamos a hipótese de que a mercantilização da fé não se restringe ao Segmento Evangélico Neopentecostal, mas ela está presente em outras expressões da fé evangélica de caráter mais tradicional, como por exemplo, as igrejas históricas e pentecostais.

Essa hipótese surge em cima da constatação de que as várias tendências e expressões protestantes podem ser encontradas não apenas em igrejas ou denominações diferentes, mas dentro da mesma denominação. Sobre isso, comenta Rubem Alves: “E é exatamente a presença de tipos divergentes dentro de uma mesma organização que explica o aparecimento de conflitos no seu interior” (2005:44). 2

O movimento neopentecostal, conforme o sociólogo Ricardo Mariano, se distingue no meio evangélico por dois aspectos principais: o cronológico, que caracteriza as igrejas evangélicas das décadas 1980 para cá; e o teológico, que estabelece posturas doutrinárias bem diferentes das demais igrejas evangélicas – como, por exemplo, a exacerbação da guerra espiritual contra o diabo, a ênfase na teologia da prosperidade, a liberalização das práticas conservadoras dos usos e costumes adotadas pelas igrejas pentecostais, e uma estrutura administrativa empresarial com a utilização massificaste dos meios de comunicação.

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A partir de tal constatação, procuramos identificar dentro de igrejas evangélicas, que em sua doutrina se posiciona de forma contrária à tendência do mercado religioso, expressões de fé totalmente mercadológicas. Objetivando mostrar que o espírito capitalista se impõe no “modus vivend” evangélico a despeito do seu corpo doutrinário.

Tentamos comprovar essa hipótese lançando mão das fontes orais, procurando assim constatar nossa tese por meio de entrevistas com fiéis de algumas igrejas. Levando em conta a afirmação de Ribeiro (2005:136), na qual “a história oral pretende realizar o registro sistemático de dados coletados nos depoimentos sobre um determinado tema em comum”, optamos dessa forma por desenvolver entrevistas temáticas, uma vez que esse tipo de entrevista permitirá que o foco continue mantido no tema central, considerando as cosmovisões religiosas de cada entrevistado à medida que se vinculam ao assunto proposto pelo entrevistador. Vale ressaltar que nestas entrevistas3 demos a preferência aos membros de igrejas que doutrinariamente se posicionam contra o comércio da fé, com o propósito de demonstrar que o modelo capitalista religioso que estamos considerando sobrepuja e transcende qualquer posicionamento doutrinário, linha ideológica ou postura denominacional.

Para esse fim, entendemos que a forma mais adequada ao tipo de investigação proposta seria a oralidade. Como nos diz Ribeiro: [...] A história oral se faz importante na medida em que preenche lacunas que prejudicam a análise histórica face à ausência de documentos escritos. Assim, um dos aspectos da história oral é tornar visíveis experiências individuais e coletivas (2005, p. 136).

Também queremos assinalar que apesar da análise do presente trabalho sugerir, aparentemente, apenas uma abordagem religiosa ou teológica, isso não invalida seu caráter sociológico, antropológico e, sobretudo histórico. Estando ela inserida dentro do campo da história Social – mais especificamente da história das mentalidades. Sendo que esta, por sua vez, procura descrever os pensamentos e sentimentos religiosos manifestos ou não manifestos de determinado grupo social (nesse caso especifico os dos evangélicos de Fortaleza), os quais se traduzem em atitudes, em comportamentos, em necessidades e em sonhos. Atendendo dessa forma ao 3

As entrevistas acima referidas se encontram no capitulo 2 do presente trabalho, no subtópico que tem como titulo: A tendência mercadológica da fé nas igrejas de Fortaleza – pág. 56-63.

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propósito da historia das mentalidades, conforme nos diz Michel Vovelle. Isso porque para o citado autor a investigação desse viés histórico está mergulhada na história das massas anônimas – quer se trate de cultura popular ou de religião popular. Para poder assim tentar, de alguma forma, seja através da iconografia ou da pesquisa oral, entender uma história que foge ao quadro das elites tradicionalmente levadas em conta na história das ideias, da arte ou do sentimento religioso. Segundo Vovelle os temas abordados pela história das mentalidades variam desde a crise da juventude até a estrutura hierárquica das famílias de determinado lugar e época; desde atitudes diante da morte até o tipo de crença de um grupo religioso de determinado lugar e período (Ideologias e mentalidades: 2004 p. 15,16, 110, 113, 114, 120, 125).

O livro em si se constitui da seguinte maneira. Primeiramente, analisaremos o nascedouro da Reforma Protestante e suas relações com o Protestantismo no Brasil. Estarão em questão alguns fatores teológicos e históricos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a formatação da fé capitalista.

No que diz respeito aos fatores teológicos, abordaremos as principais ideias do Protestantismo Reformado que germinaram uma religião do tipo mercadológica. A saber, o ascetismo tirado dos mosteiros e levado para o cotidiano; a ideia da Eleição Divina, relacionada ao propósito soberano que indivíduos abastados e nações prósperas devem cumprir nesse mundo; e ainda a ideia da disciplina de vida puritana que, inevitavelmente, levou ao acúmulo de riquezas.

Com relação aos fatores históricos que contribuíram para desenvolvimento da fé mercantilista, procuraremos identificar e diferenciar as três principais vertentes que compõem a Igreja Evangélica Brasileira (Protestantismo de Imigração, Protestantismo de Missão e Pentecostalismo). Estabelecendo assim o perfil de cada uma delas, relacionando-as com os elementos histórico-culturais responsáveis pela identidade que cada qual assumiu. Destacaremos o Pentecostalismo, e seus principais segmentos (principalmente o Neopentecostalismo), como a corrente do Protestantismo que tem influenciado significativamente os novos rumos da Igreja Evangélica Brasileira. Dessa forma, compreenderemos melhor o desenvolvimento histórico da religião evangélica fortalezense, e a característica de mercado que ela passou a ter em nossos dias.

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No segundo capítulo, falaremos sobre o processo de “neopentecostalização” que vem ocorrendo em algumas denominações protestantes de Fortaleza, cuja linha doutrinária nada tem em comum com a proposta neopentecostal. Portanto, pelo menos em tese, seria antagônica a postura capitalista da fé. Entretanto, elas têm, através dos seus fiéis, assimilado os valores mercadológicos da religião “big bussines”, típicos das igrejas neopentecostais que assumem essa posição, criando uma espécie de subversão dos outros valores mais tradicionais do Protestantismo, na qual percebemos ( na pesquisa de campo realizada) não um abandono completo desses valores e conceitos originários, mas uma mistura, às vezes contraditória, com os valores e conceitos dessa nova fé capitalista hibrida, que vem cada vez mais se configurando no meio evangélico da nossa cidade, a qual pretendemos ao longo do presente trabalho apresentar. Isso pode ser percebido através dos gráficos e das entrevistas – algumas transcritas – decorrentes da pesquisa de campo.

Por

conseguinte, no terceiro capitulo, procuraremos compreender os motivos dessa incorporação das crenças neopentecostais por parte dos membros de igrejas que, no seu credo oficial, através dos seus líderes, combatem essas mesmas crenças. As razões apresentadas (a natureza pragmática da mídia, a obsessão da nossa sociedade pela a exuberância, a dimensão sagrada do consumo) tentam nos levar, à compreensão do fenômeno religioso que vem acontecendo no nosso país (refletindo na nossa cidade) nessas últimas décadas, a saber, a tendência mercantilista de alguns setores da Igreja evangélica como algo interdenominacional. Analisaremos essa questão a partir da abordagem sobre a força que a mídia, o consumo e o espetáculo exercem sobre todas as dimensões de nossa sociedade – incluindo a religião evangélica.

E por fim, no último capitulo, apontaremos alguns riscos iminentes que corre o segmento evangélico, no que se refere à descaracterização do Cristianismo na sua “essência”4 – justamente por causa dessa tendência capitalista que vem absorvendo a fé evangélica, cujos desdobramentos serão inevitáveis, caso a igreja não repense urgentemente sua caminhada.

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Quando utilizarmos nesse livro a colocação: Cristianismo na sua “essência”, não ignoramos o sincretismo com outras expressões de pensamentos e crenças que caracteriza essa religião ao longo da sua história. Entendemos que vários elementos culturais dos antigos persas, gregos, germânicos, bizantinos, africanos influenciaram significativamente a Cristandade. Originando assim novas expressões cristãs resignificadas. Entretanto, entendemos que existe algo mais próximo daquilo que Jesus (o autor da fé cristã) estabeleceu como os princípios fundamentais da proposta cristã – conforme as suas principais fontes históricas (evangelhos, cartas apostólicas, manuscritos antigos).

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Assim posto, quero convidar-lhe a uma análise crítica da relação do capitalismo com a fé evangélica nas últimas décadas.

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CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO E PROTESTANTISMO: As duas faces da mesma moeda

A

monetarização da relação com o sagrado que tem caracterizado a Igreja

Evangélica não se deu por acaso. Segundo apontam minhas pesquisas, esta conexão é resultado de alguma forma, ou por assim dizer, é derivada de

outros fatores que conjuntamente atuaram na sua gestação.

Inicialmente, nossa proposta será a de analisar a possibilidade dessa interconexão que integra a crença ao sistema de mercado capitalista.

1.1. Fatores Teológicos que contribuíram para a tendência capitalista da fé

Penso que, talvez, fosse pertinente compreendermos a tendência evangélica articulada com os valores do mercado, partindo do contexto histórico mais amplo da fé protestante. Sendo assim, precisamos lançar nosso olhar para o berço da Reforma há quase 500 anos atrás.

Apesar das contradições, das discrepâncias entre os movimentos evangélicos mais recentes e a matriz teológica reformada, não podemos desconsiderar certa identificação de alguns desses grupos com aquele movimento que se deu na Europa no século XVI – sendo a causa do grande cisma da Cristandade Ocidental. E que, por sua vez, influenciou no desenvolvimento da mentalidade capitalista do mundo ocidental.

Não queremos afirmar com isso que o protestantismo nasceu capitalista. Embora, ele tenha sido como lembra Kivitz, “uma reação à Cristandade com suas cruzadas, seus cofres e suas inquisições” (2006, p. 47), constituindo-se, dessa forma, como um movimento, também, de protesto econômico. E isso pelo fato de haver no bojo da proposta reformista um elemento “revolucionário” contra a ordem econômica vigente;

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com seu sistema feudal que privilegiava apenas e sempre as mesmas camadas sociais: a nobreza e o Clero.

Conforme Hubermam (1986, p. 82-153), a Reforma Protestante foi a primeira das três batalhas decisivas empreendidas pela nova classe social – a burguesia – na luta longa e dura contra o decadente Feudalismo no inicio da Idade Moderna, seguida da Revolução Gloriosa na Inglaterra e da Revolução Francesa. Lembrando que a Igreja Católica defendia a ordem feudal, sendo uma das principais estruturas desse sistema, pois era detentora de cerca de um terço das terras da Europa, e sugava dos países grande parte das suas riquezas.

Portanto, antes que a nascente classe média

pudesse destruir o Feudalismo em cada país, tinha que atacar sua principal organização – a Igreja. E foi o que ela fez. Essa luta de classes (Burguesia X Nobreza e Clero) pela hegemonia de um sistema econômico (Capitalismo) em detrimento de outro (Feudalismo), então, ganha uma conotação religiosa denominada de Reforma Protestante.

A transição do Feudalismo para o Capitalismo, caracterizada pelas profundas transformações nos meios de produção e de troca, envolveu igualmente uma nova maneira de pensar a ciência, o direito, a educação, a política e a velha religião. Foi o que justamente aconteceu com o ensino religioso. O mundo moderno, dominado pelos comerciantes, fabricantes e banqueiros, exigiu um conjunto de preceitos religiosos diferentes dos preceitos religiosos do mundo dominado por sacerdotes e guerreiros. Em decorrência dessas mudanças, Leo Huberman diz que se Igreja Católica – totalmente comprometida com a economia feudal e manual, na qual o artesão trabalhava simplesmente para sobreviver – não podia modificar com rapidez seus ensinos para corresponder à economia capitalista – onde o industrial trabalhava para ter lucro – então a Igreja Protestante podia. “Ela dividiu-se em muitas seitas diferentes, mas em todas, e em graus variados, o capitalista interessado nos bens materiais podia encontrar consolo” (ibid, p. 167-168). Entretanto, não podemos incorrer no erro de achar que a Reforma Protestante já nasceu articulando a proposta capitalista. Como bem diz Weber: O velho protestantismo de Lutero, Calvino e Knox e Voet tinham bem pouco a ver com o que hoje é chamado de progresso. Ele era abertamente hostil a aspectos inteiros da vida moderna que hoje não são contestados nem pelos religiosos mais ferrenhos (2006, p. 45).

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Para exemplificar a grande diferença entre o Protestantismo no seu início e o Capitalismo dos nossos dias basta citar a questão do trabalho. Na concepção reformada, o trabalho visava interesse ético e religioso: trabalhar para ganhar dinheiro; com isso, glorificar a Deus e ajudar o próximo (ibid, p.127). Já na concepção capitalista hodierna, o trabalho atende interesses individuais de consumo e interesses pragmáticos do próprio trabalhador. Contudo, há uma semente capitalista na Reforma e que começou a germinar através do Movimento Puritano dos séculos XVI e XVII5. Tendo como arcabouço teológico as ideias Calvinistas, esse movimento lançou as bases daquilo que Max Weber chama de “O Espírito do Capitalismo” no mundo ocidental.

Sem a pretensão de incursionar nas elaborações teológicas do puritanismo, gostaria de destacar algumas de suas ideias teológicas, que significativamente influenciaram nesse “espírito capitalista” incorporado pela crença evangélica em nossos dias.

A primeira ideia do Protestantismo Reformado que incidiu sob a elaboração da fé capitalista ocidental foi o ascetismo vivido em todas as dimensões da vida. O ascetismo cristão medieval católico, antes isolado em mosteiros e claustro, passou a ser desenvolvido em estreita relação com o cotidiano e em todas as atividades ordinárias. Para o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, os teólogos puritanos, mormente calvinistas, fizeram uma desconstrução do conceito sacramental, ritualístico, extracotidiano e extramundano que possuía a religião cristã antes da Reforma. E passaram, então, a construir um “novo conceito” intramundano de uma religião exercida cotidianamente como um dever moral e ético, imiscuída num mundo dos negócios e do trabalho, atendendo assim seus interesses utilitários (2003, p.207).

Sobre esse ascetismo protestante comenta Max Weber: O ascetismo cristão, que de inicio se retirara do mundo para solidão, já tinha regrado o mundo ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja. Mas, no geral, tinha deixado intacto o caráter naturalmente espontâneo da vida laica no mundo. Agora avançava para o mundo da vida, fechando atrás de si a porta do mosteiro: tentou penetrar justamente naquela rotina da vida diária, com sua

5

O movimento puritano foi uma espécie de Reforma da Reforma na Inglaterra dos séculos XVI E XVII, pois ele se contrapõe a Igreja Anglicana. Muitos partidários desse movimento constituíam o Parlamento inglês, composto por membros da pequena, média e alta burguesia. Eles também tiveram uma participação significativa nas revoluções burguesas dessa nação, tais como: Revolução Puritana e Revolução Gloriosa.

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metodicidade, para amoldá-la a uma vida laica, embora não para e nem deste mundo (2006, p.121).

Todavia, na aplicação desse novo conceito da vocação profissional, segundo André Biéler, havia uma grande diferença entre os dois principais expoentes da Reforma. Enquanto

Lutero,

preso

pela

tradição

escolástica,

é

totalmente

hostil

ao

desenvolvimento do comércio e à prática do empréstimo a juros, Calvino, ao contrário, é plenamente a favor das atividades lucrativas, sob todas as formas, inclusive acompanhando de perto o desenvolvimento econômico e social da cidade de Genebra. “É a partir dessa experiência genebrense, sustenta Troeltsch, que o capitalismo se infiltrou na moral calvinista de todos os países” (1990, p. 628-639).

O puritanismo calvinista acreditava que o trabalho e as riquezas eram maneiras através das quais Deus poderia ser glorificado. Diferentemente do Catolicismo Medieval, que os concebiam como uma consequência do pecado original e o caminho da perdição. A esse respeito, Hubermam faz a seguinte consideração:

Enquanto os legisladores católicos advertiam que o caminho da riqueza podia ser a estrada do inferno, o puritano Baxter dizia a seus seguidores que se não aproveitassem as oportunidades de fazer fortuna, não estariam servindo a Deus... Os ensinamentos de Calvino estavam particularmente dentro do espírito da empresa capitalista. Ao passo que a Igreja católica vira antes com suspeita o comerciante, como alguém cuja ‘ambição de ganho’ era um pecado, o protestante Calvino escrevia: ‘Por que razão a renda com os negócios não deve ser maior do que a renda com a propriedade da terra? De onde vêm os lucros do comerciante, senão de sua diligência e indústria?’ (1986, p.168-169).

O desdobramento disso foi que o trabalho passou a ser intensamente valorizado por vários movimentos oriundos da Reforma Protestante. Os Quacres, por exemplo, acreditavam que a prosperidade material era resultado de uma vida santa e consagrada. Os metodistas, por sua vez, ensinavam que a verdadeira religião levava o ser humano à produtividade, embora vissem nas riquezas um grande perigo – no que se refere à desvirtuar o fiel do caminho da santidade. O próprio John Wesley, um dos grandes nomes do Metodismo, dizia que “não devemos parar de alertar as pessoas para que sejam laboriosas... devemos estimular todos os cristãos a ganhar tudo o que puderem, e a economizar tudo o que puderem; ou seja, na realidade, a enriquecer” (WEBER, 1930 apud WESLEY {s.d.}, {s.n.t}).

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Esse ascetismo tirado do claustro e levado para a vida cotidiana, para o espaço mais “profano” do mundo dos negócios e do trabalho, acabou sendo fundamental na ideologia calvinista. Por conseguinte, na valorização do empreendimento e do lucro.

O elemento maléfico das riquezas na concepção calvinista estava no ato de fazer da sua busca um fim em si mesmo. Como também na atitude de ganância e de avareza. Não obstante a isso, as riquezas eram sinais da benção de Deus para os redimidos pela fé em Cristo. Como os lembra Weber:

A avaliação religiosa do trabalho sistemático incansável e continuo na vocação secular como o maior elevado meio de ascetismo e ao mesmo tempo, a mais segura e evidente prova de redenção de genuína fé deve ter sido a mais poderosa alavanca concebível para a expansão dessa atitude diante da vida que chamamos aqui do espírito do capitalismo (ibid, p.133-134).

O movimento puritano promove uma espécie de “desencantamento do mundo” – (PIERUCCI, 2003, p.112-133), deslocando o seu eixo do magismo, do misticismo e do ritualismo, em torno do qual a fé Cristã gravitava, passando a girar em torno de uma religiosidade ética, moral e racional, que agora incide diretamente sob a organização do trabalho e sob a produção industrial. Contrapondo-se a magia – característica da religiosidade cristã medieval – o Protestantismo passa, então, a afirmar que a salvação não se dá pelo ritual, mas através da obediência aos mandamentos éticos de Deus. Não se dá pelo sacrifício, êxtase místico, ou ido ao templo, mas através de uma vida santa, disciplinada e conectada com as atividades de cada dia (ibid, p.181).

Na leitura de Pierucci sobre a concepção weberiana, o Capitalismo Moderno é apontado como algo decorrente desse desencantamento do mundo proporcionado pela religião reformada, estabelecendo assim uma organização racional e disciplinada do trabalho, sendo “uma das precondições históricas decisivas para o desdobramento da moderna ética econômica do ocidente” (ibid, p.169).

A outra ideia da doutrina calvinista que gostaríamos de destacar, como uma semente fecunda do “espírito capitalista”, é a predestinação. O povo eleito, privilegiado por Deus para “ser cabeça e não cauda”. Isso, por sua vez, tem toda uma implicação no

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conceito de enriquecimento, de dominação, de expansão e de afirmação dos países capitalistas.

Como nos lembra Weber, o puritano Richard Baxter afirmava que a distribuição das riquezas, dentro do conceito predestinista, era algo comandado por Deus, beneficiando apenas alguns. André Biéler em sua obra O Pensamento Econômico e Social de Calvino, afirma que, na concepção calvinista, a riqueza e a pobreza são desígnios divinos. Tanto como uma forma de avaliar o caráter daquele que é rico – a maneira de lidar com os bens materiais na relação com os mais pobres. Quanto como uma maneira de também avaliar a postura daquele que é pobre – a forma de se comportar diante da privação, da escassez e da consequente tentação de ceder à fraude, à cobiça e à revolta. Citamos o próprio Calvino que diz: Destarte, não atribuímos à sorte, quando vemos que um é rico, outro pobre, antes pelo contrário, reconheçamos que Deus assim o dispõe, e não é isto sem razão. Verdade é que nem sempre veremos claramente por que terá Deus enriquecido a um e a outro terá deixado em sua pobreza; disto não poderemos ter seguro discernimento e , dessarte, quer Deus que freqüentemente baixemos os olhos, a fim de render-Lhe esta honra, que Ele governa os homens à Sua vontade e segundo o seu arbítrio, que nos é incompreensível (...) Deus distribui desigualmente os bens transitórios deste mundo a fim de sondar qual é a disposição dos homens (...) Eis, ademais, em que condição Deus põe os bens na mão dos ricos; é a fim de que tenham oportunidade, e recursos também, para vir em ajuda ao próximo que esteja em necessidade. O pobre – aquele que é para receber algo de outrem – é, pois, pobre por duas razões. É-o, em primeiro lugar, de modo provisório, por secreta dispensação da Providência que o colocou ao lado do rico para dele receber o que Deus lhe destina (1990, p.420-433).

No conceito calvinista, o trabalho para os eleitos era fruto de uma elaboração racional e divina. Já para as demais pessoas (as massas) era fruto dos instintos naturais e humanos. Os eleitos eram agraciados com as riquezas. O restante das pessoas destinado à pobreza. Os eleitos trabalhavam para progredir e prosperar. Os que não são eleitos trabalhavam apenas para suprir suas necessidades básicas. Como diz Max Weber: Calvino mesmo já emitira a opinião, muitas vezes citadas, de que somente quando o povo, isto é, a massa de trabalhadores e artesãos fosse pobre, conservar-se-ia obedientes a Deus. Na Holanda (Pieter de la Courte e outros) essa idéia foi secularizada, afirmando-se que a massa humana só trabalharia quando a necessidade a forçasse para tal. Essa formulação de uma idéia básica da economia capitalista

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entraria mais tarde nas teorias correntes da produtividade por salários baixos (2006, p. 137).

Leland Ryken em seu livro Santos No Mundo – os Puritanos como realmente eram – nos diz que na visão puritana do trabalho é o próprio Deus que determina cada função do ser humano na sociedade. Sendo assim, cada indivíduo deve se contentar com seu quinhão. Por conseguinte, não se deve ambicionar a posição daquele que é mais bem sucedido, sob pena de cometer o pecado da inveja. Já que o sucesso é benção de Deus apenas para alguns, e não algo conquistado por esforço (1992, p. 41-48). A consequência inevitável dessa lógica é a legitimação dos privilégios dos ricos e o desfavorecimento dos pobres na estratificação socioeconômica.

Este conceito de escolha divina soberana não era aplicado apenas ao indivíduo, mas igualmente às nações. Oliwer Cromwell, general que comandou a força militar inglesa durante a revolução puritana (1642-1649), seguiu rigorosamente essa linha de raciocínio calvinista: a eleição de um povo escolhido em detrimento dos demais. A propósito, essa concepção acabou servindo como justificativa moral para Cromwell promover a violenta invasão da Irlanda e da Escócia. Assim também como foi determinante na política de ampliação do império colonial da Inglaterra, e na implementação de medidas favoráveis à sua burguesia.

Essa lógica calvinista da prosperidade, exclusiva aos eleitos, inspirou tanto a expansão do imperialismo inglês, como a dos Estados Unidos das Américas – respectivamente na idade moderna e contemporânea. Conforme o professor de História contemporânea da USP, Osvaldo Coggiola: “O imperialismo Inglês, que dominou o mundo durante 100 anos, abriu caminho para a supremacia dos EUA no século XX” (História Viva, n.16, {s.d.}: 98).

Tanto o imperialismo inglês, quanto o imperialismo norte-americano foram impulsionados por essa ideia de escolha divina – nesse caso, algumas nações foram escolhidas em detrimento de outras para serem beneficiadas com as riquezas, o progresso e o desenvolvimento. É a partir dessa concepção que se elabora a ideologia norte-americana do “Destino Manifesto.” Sob o pretexto de ser a nação predestinada por Deus para liderar as nações da terra rumo à democracia e ao desenvolvimento, os americanos ocuparam territórios estrangeiros e trilharam civilizações inteiras:

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A expressão destino manifesto surgiu às vésperas da guerra do México em 1946, quando o jornalista John O. Sullivam defendeu a realização do nosso destino manifesto de nos espalharmos pelo continente que recebemos da Providência. Mas a idéia tem raízes mais antigas, que remontam aos puritanos do século 17. Em sua jornada através do atlântico, esses imigrantes se comparavam aos Hebreus do velho testamento, cruzando o deserto em busca da terra prometida... Quando os ingleses chegaram, havia 25 milhões de índios na America do Norte e cerca de 2 mil idiomas diferentes. Ao fim das chamadas guerras indígenas restavam 2 milhões, menos de 10% do total...(Aventura na História, n. 35, julho de 2006, p. 29-31).

Um exemplo mais recente desse imperialismo opressor, movido pela fé calvinista do Destino Manifesto, foi o da Guerra do Iraque. O presidente George W. Bush relatou algo semelhante ao falar sobre a política externa para um grupo de autoridades palestinas ‘Deus me disse para atacar a Al Qaida e eu ataquei. Então ele me deu a ordem de atacar Saddam, e foi isso que fiz’ (ibid, p. 29).

Apesar de sabermos que isso foi um pretexto para esconder outros interesses econômicos dos EUA no Iraque, não podemos ignorar o fato de o ex-presidente Bush ser um evangélico atuante; de essa atitude contar com o apoio de muitos pastores evangélicos norte-americanos; e das profundas implicações da doutrina do destino manifesto na política expansionista e imperialista dos EUA em sua história. Vale lembrar que o número de civis mortos no Iraque desde o início do conflito com os EUA chega a 90 mil (jornal Diário do Nordeste 2 de Fevereiro de 2009, p.18).

O conceito do Destino Manifesto gerou entre os nortes americanos um sentimento de superioridade com relação a outros povos. Fazendo-os acreditar na escolha especial divina; na outorga da missão de levar a democracia, o Protestantismo e os valores da civilização ocidental ao mundo inteiro. O que, inclusive, foi usado como alegação para justificar a anexação do Texas, Oregon e Alaska em meados do século XIX.

Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues nos lembram ainda que as potências europeias também justificaram a exploração de diferentes povos africanos e asiáticos, considerados “inferiores” aos europeus, com a ideologia da “missão civilizadora”, através da qual se pretendia “difundir o progresso pelo mundo”. Na verdade uma desculpa esfarrapada para respaldar a partilha e conquista da África e da Ásia empreendidas pelo neocolonialismo no final século XIX e no começo do século XX. Os interessados pela expansão europeia afirmavam que a suposta superioridade da civilização ocidental baseava-se em três pontos: o primeiro eram as características

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biológicas da “raça branca” (ou europeia); o segundo era a fé religiosa (Cristianismo – especificamente o Protestantismo europeu); e o terceiro, o desenvolvimento técnico e científico alcançado a partir da Revolução Industrial (2009: 184).

É significativo aquilo que o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano relata sobre esse imperialismo presente na América do Sul – especificamente no Brasil da década de 70. No seu livro As Veias Abertas da América Latina ele denuncia (já naquela época) a presença de várias missões estrangeiras na Amazônia – principalmente igrejas protestantes dos EUA – que se estabeleceram nos pontos mais ricos em minerais radioativos, ouro e diamantes. Inclusive, desempenhando um papel de controle de natalidade da escassa população desse território que é o maior deserto do planeta habitável pelo homem. Impedindo, assim, a competição e ocupação demográfica dessa região que é uma das maiores reservas de riquezas minerais, vegetais e animais do mundo (2005, p.181).

Lembrando que quanto mais uma região for desabitada, mais ela é facilmente explorada, saqueada e dominada, sem que isso traga tantas repercussões internacionais.

Portanto, estabelece-se por intermédio do Protestantismo a lógica calvinista da riqueza, do progresso, do desenvolvimento, ou seja, da prosperidade a qualquer custo para os “escolhidos de Deus”, passando, então, germinar a semente da injustiça, da desigualdade, da exploração e da opressão de todo esse sistema capitalista ocidental moderno. A terceira ideia da doutrina calvinista – dentro desses fatores teológicos analisados no momento – que contribuiu para a gestação do capitalismo ocidental, e sua ingerência no movimento evangélico, é aquela do capital acumulado em virtude de uma vida regrada e disciplinada.

A ética protestante puritana ensinava aos fiéis um estilo de vida totalmente antagônico ao vício; ao desperdício de tempo no lazer e no esporte. Gedeon Alencar nos lembra que o Protestantismo, desde o seu nascedouro, estabeleceu essa ética do trabalho que se contrapõe ao ócio das festas e dos feriados. “Lutero em sua recomendação à nobreza alemã dizia que deveria suprimir as festas, feriados e romarias para que assim o povo tivesse mais tempo para trabalhar” (2007, p. 73).

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Na visão puritana a disciplina da vida voltada para o trabalho é ainda mais radicalizada. O indivíduo deveria empregar suas energias e tempo para promover interesses éticos e religiosos. O esporte, por exemplo, só deveria ser praticado com a finalidade de ajudar em um tratamento, ou em um problema de saúde. De outra sorte era considerado tão fútil e pecaminoso quanto frequentar tavernas e prostíbulos. Já as atividades recreativas eram qualificadas como pecado de desperdício do tempo: atitude que decorria das inclinações inferiores de alguém não redimido pela obra redentora. André Biéler comentando sobre a luta encarniçada destes religiosos contra a publicação do “livro dos desportos” de Tiago I e Carlos I – autorizando certas recreações aos domingos –, nos informa que a censura do puritanismo era na direção de qualquer empreendimento não útil à glória de Deus e à edificação do indivíduo (1990:636). Para esse utilitarismo religioso toda espécie de atividade que proporcionasse apenas prazer, contentamento, gozo e alegria como um fim em si mesmo, sem que de alguma forma contribuísse para o desenvolvimento espiritual e material, era algo totalmente repugnante. Biéler nos diz que:

O ascetismo profissional protestante age no desenvolvimento do capitalismo de duas maneiras convergentes e extremamente eficazes: sua moral do trabalho e do ativismo prático estimula a produção e força o enriquecimento; seu ascetismo, porém, oposto a todas as formas de luxo e de prazeres inúteis, freia o consumo de riquezas adquiridas e conduz ao acúmulo do capital. O enriquecimento certo a que esta moral conduz não é um alvo, mas uma conseqüência quase inevitável (1990, p. 637).

A historiadora Liliane Crété nos dá maiores detalhes sobre o estilo de vida dos puritanos que colonizaram a América do Norte. Vale a pena destacar na íntegra seu comentário:

O repouso sabbat (como eles chamavam o domingo) deveria ser rigorosamente respeitado e voltado às atividades espirituais. A legislação proibia viagens, visitas, obras, divertimentos e os infratores eram obrigados a pagar multas. Há exemplos bizarros de transgressões: Dez shillings de multa por, no dia do sabbat, ter pescado umas enguias, por colher ervilhas, por ter ido navegar, ou por levar o rebanho ao pasto. O único deslocamento autorizado era o de se encontrar na casa de orações mais próximas para louvar o Senhor. Assim que o sabbat acabava, os habitantes retomavam o trabalho. Para o povo de Massachusette, como, alias, para todo o bom protestante dessa época, o trabalho era um ‘desígnio divino’(...) Na verdade ele dava ao trabalho um valor tal que a ordem do repouso sabático lhe provocava a sensação de que era obrigatório trabalhar todos os outros seis dias... (História Viva, n.17, março de 2005, p. 65).

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Em virtude dessa postura radical, com ralação ao lazer e ao divertimento, o trabalho passou a ser bastante valorizado e intensificado. Quanto ao acúmulo do capital ele era resultado de uma vida regrada e disciplinada, na qual não se tinha muito com o que gastar o dinheiro ganho. Na rotina do dia a dia de um legítimo puritano não havia despesas com bebidas, festas ou atividades recreativas. Hubermam nos diz que os puritanos calvinistas que se estabeleceram na Nova Inglaterra (hoje Estados Unidos) para colonizá-la levavam a sério a vida disciplinada, na qual a poupança e o trabalho árduo eram louvados, enquanto o luxo, a extravagância e ociosidade eram condenados (1986, p. 169).

Esse estilo de vida acabou favorecendo os interesses capitalistas. Na compreensão do autor ainda pouco citado “que qualidades poderiam ser mais propícias a um sistema econômico – no qual a cumulação da riqueza, de um lado, e os firmes hábitos de trabalho, por outro, constituíam as pedras fundamentais – do que esses mesmos ideais religiosos transformados em prática cotidiana pelos adeptos de Calvino?”.

De acordo com a tese Weberiana essa maneira de viver calvinista foi uma forma de criar um “ascetismo que educava as massas para o trabalho, ou, em linguagem marxista, para a produção da mais-valia6, e esse modo pela primeira vez tornava possível o seu emprego na relação do trabalho capitalista” (2006, p.232).

1.2. Fatores históricos que contribuíram para a tendência capitalista da fé

A compreensão do desenvolvimento da fé capitalista no Brasil, consequentemente em Fortaleza, perpassa pela compreensão da formação do Protestantismo com seus principais desdobramentos em solo brasileiro. Precisamos identificar as três principais vertentes do Protestantismo Brasileiro para podermos traçar o perfil histórico dessa religião mercadológica que tem caracterizado o movimento evangélico em nosso país e em nossa cidade. Para

efeito

didático,

subdividiremos

em

três

tipos

o

Protestantismo Brasileiro: o de imigração, o de missão e o pentecostal – e seus respectivos segmentos.

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Segundo Karl Marx, o valor do trabalho não pago ao trabalhador é denominado mais-valia – a parte do valor do trabalho não pago ao empregado para proporcionar um lucro exorbitante ao empregador.

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Entretanto, lembra-nos Gedeon que não existem períodos históricos exatos, fechados e estáticos (2007:38). Hoje em dia, por exemplo, apesar da hegemonia das igrejas neopentecostais que se estabeleceram a partir dos anos 1980, temos ainda igrejas de imigração ou étnicas. Como é o caso da Igreja Evangélica Árabe e da Igreja Nipobrasileira. Igrejas cujo período característico é o século XIX. No entanto, continuam no século XXI marcando presença em algumas regiões do país. Levando isso em consideração, queremos frisar que o recorte histórico da nossa abordagem é apenas da vertente que mais se destaca em cada período.

Outra colocação que precisamos fazer, antes de identificarmos as principais vertentes que formaram o Protestantismo Brasileiro, é que começaremos esse levantamento historiográfico do movimento protestante aqui no Brasil a partir do século XIX. Sem considerarmos a presença protestante no século XVI – Os huguenotes, em 1557, vieram à procura do Pau Brasil e de refúgio religioso na missão de ocupação francesa do Rio Janeiro, conhecida como França Antártica, comanda por Nicolau Durant Villegaignon. Também não levaremos em conta a presença protestante holandesa no século XVII. Por ocasião da ocupação de Pernambuco, de 1630 a 1654, foi transplantada para o Nordeste Brasileiro a Igreja Reformada da Holanda, que veio no esteio da Companhia das Índias ocidentais, cujo interesse era o comércio do açúcar. Tendo feito essas considerações cronológicas, passaremos agora – dentro do nosso propósito de compreendermos a formação da igreja evangélica atual – a identificar os três tipos de Protestantismo.

1.2.1. Protestantismo de Imigração ou Étnico

É a partir do século XIX que a presença do Protestantismo no Brasil se torna efetiva e cada vez mais intensa. Com o Tratado de Comércio e Navegação (Aliança e Amizade), em 1810, entre Portugal-Ingraterra, envolvendo interesses puramente políticos e comerciais, levas de imigrantes ingleses vieram para o Brasil, trazendo na bagagem o Protestantismo. Sobre isso comenta a historiadora Elizete da Silva: O Tratado de Navegação e Comércio declarava, no seu artigo 12, ‘que os vassalos de S.M. Britânica residentes nos territórios e domínios portugueses não seriam perturbados, inquietados,

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perseguidos ou molestados por causa da religião, e teriam perfeita liberdade de consciência, bem como licença para assistirem e celebrarem o serviço em honra do Todo-Poderoso Deus, quer dentro de suas casas particulares, quer nas suas particulares igrejas e capelas...’ (Nossa História, n.38, dezembro de 2006, p.15).

Todavia, “os súditos ingleses – acatólicos, como eram chamados – podem realizar seus ofícios religiosos sem templos, sem proselitismo e sem a presença de brasileiros” (Alencar. 2007:39). Apenas sob essas condições eles poderiam exercer sua fé. Dessa forma, temos um Protestantismo, literalmente, para inglês ver.

Após a independência do Brasil em 1822 vieram os imigrantes alemães, os quais se fixaram em maior número no Rio Grande do Sul. Elben Lenz César nos diz que até 1830 já havia cinco mil deles no país, sendo que desse total dois mil e quinhentos eram protestantes. Tendo o apoio do governo brasileiro, inclusive financeiro, levas de imigrantes deixaram a Alemanha se estabelecendo em terras brasileiras. Com a lei de orçamento aprovada no dia 15 de dezembro desse mesmo ano (1830), o governo imperial cortou qualquer ajuda à imigração, diminuindo consideravelmente a vinda dos alemães nos quinze anos seguintes. Mas, em 1845, ela recomeça de tal forma que um ano depois chegaram mil setecentos e quarenta e nove colonos. Já no fim do século XIX

calcula-se,

conforme

o

citado

autor,

que

o

Brasil

tenha

recebido,

aproximadamente, seiscentos mil imigrantes alemães, dos quais trezentos e cinquenta mil eram protestantes (2000, p. 72-76).

Apesar da independência do Brasil ter proporcionado certa tolerância a outras expressões de fé que não fossem católicas, a liberdade de outras religiões era bastante restrita. A própria Constituição imperial de 1824 delimitava os outros credos proibindo a construção de templos, negando certidões de nascimento, casamento, óbitos e o direito de ser enterrado em cemitérios, e, ainda, vetando a ocupação de cargos públicos de representação nacional.

O

Protestantismo

de

Imigração

não

teve

características

expansionistas

e

evangelizadoras. Isso devido às suas próprias limitações jurídicas; aos seus próprios interesses étnicos, políticos e econômicos, restringindo-se apenas às colônias inglesas, e principalmente alemãs que se fixaram aqui na primeira metade do século XIX. Como nos diz Conrado: “formaram num primeiro momento, igrejas étnicas, voltadas para a preservação da cultura de origem” (Nossa História, n.38, dezembro de 2006:31).

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1.2.2. Protestantismo de Missão

A segunda vertente do Protestantismo Brasileiro é tipificada como aquela que na sua quase totalidade foi constituída por missões norte-americanas radicadas aqui na segunda metade do século XIX. A saber, congregacionais (1855); presbiterianos (1859); metodistas (1867); batistas (1882); episcopais (1890); adventistas (1894). O Protestantismo

de

Missão,

diferentemente

do

Protestantismo

de

Imigração,

desenvolveu igrejas nacionais, deixando de lado a identidade de igrejas étnicas. Com a proposta de propagar a fé – ou as doutrinas e métodos anglo-saxões, na análise de Leonard (2002, p. 84) – inaugurou o primeiro “serviço sistemático de evangelização do país” (CÉSAR, 2000 apud FILHO, 198, p. 15).

Robert Reid Kelley, missionário congregacional, foi o pioneiro no que tange à implantação da primeira igreja protestante brasileira – A Igreja Evangélica Fluminense, matriz das igrejas congregacionais no Brasil. Em 11 de junho de 1858, três anos após Kelley ter iniciado seu trabalho de evangelização, foi batizado o primeiro brasileiro nos tempos modernos em uma igreja protestante – Pedro Nolasco de Andrade (LÉONARD, 2002, p.57).

Esse acontecimento acabou deflagrando uma perseguição aos protestantes pelo fato do convertido brasileiro pertencer à alta sociedade. Por essa razão Robert Kelley aproximou-se dos grandes juristas da época, assim como do imperador D Pedro II. Conseguindo, dessa forma, obter o respeito e o reconhecimento de sua atividade civil e religiosa, pois ele desempenhava a função de médico e pastor (OLIVEIRA, 2004 apud LÉONARD, 2002, p.61).

Esse tipo de evangelização voltada para as elites, excluindo as camadas mais pobres, estabeleceu um modelo seguido pelos missionários de outras denominações: Ashbel Simonton (presbiteriano); Junius Newman (metodista); Zacarias Clay Taylor (batista); Morris e Kinsolving (episcopais).

As missões protestantes instaladas no Brasil durante a segunda metade do século XIX mantiveram

seu foco nas

classes

mais

abastadas

da

sociedade.

Daí o

estabelecimento das escolas protestantes elitizadas como o Mackenzie em São Paulo, e o Bannete no Rio de Janeiro. Esses colégios acabaram sendo utilizados para

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alcançar as pessoas dessa camada social. Também, seguindo essa mesma estratégia, foram criados jornais denominacionais – endereçados às elites nacionais – que apresentavam a modernidade e a educação, trazidas pelos missionários norteamericanos, como os únicos meios de tirar o país do atraso (ALENCAR, 2007, p.44). A ideia era mostrar uma versão liberal e moderna do progresso americano trazido pelo Protestantismo de Missão.

O sociólogo francês Emile Leonard, comentando sobre esse tipo de estratégia educacional das missões protestantes norte-americanas desse período – diga-se, já utilizada no Brasil colonial pelos jesuítas –, diz-nos que ela estava muito mais para aculturação do que para evangelização (2002, p.147). Nesse caso, uma catequização nos moldes do sistema cultural e econômico dos Estados Unidos.

Essa proposta do Protestantismo de Missão, voltada principalmente para as camadas sociais mais favorecidas, por um lado surtiu efeito – no que se refere a garantir a permanência dessas igrejas numa sociedade de leis civis rígidas com outras confissões religiosas que não fossem católicas. Por outro lado foi um fiasco – no que diz respeito à uma adesão considerável desse meio. Como bem lembra Paul Freston que “embora as igrejas históricas tenham investido pesadamente em colégios para alcançar a elite, o resultado em conversões foi decepcionante” (ALENCAR, 2007 apud FRESTON, 1993, p. 53).

O que talvez seja mais grave, no que diz respeito a essa proposta elitista do Protestantismo de Missão, é o seu distanciamento da cultura, da dor, dos anseios e da vida do povo brasileiro na sua maioria. Algo que as igrejas pentecostais vão saber explorar muito bem no século XX.

Precisamos também considerar alguns fatores que contribuíram para a vinda dessas missões norte-americanas na segunda metade do século XIX. O primeiro deles está relacionado com o fervor evangelistico decorrente do avivamento espiritual ocorrido na Europa no século XVIII, e que se alastrou pelos EUA. O segundo está vinculado à questão econômica. Com relação a esse fator, Elizete da Silva faz a seguinte consideração: As missões protestantes faziam parte de um movimento de expansão norte-americana na América Latina. Os missionários que vieram para o Brasil eram homens do seu tempo – tempo da expansão capitalista

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dos Estados Unidos. Não por acaso, William Bagby e Ana Luther, os primeiros missionários batistas ao chegarem ao Brasil, desembarcaram no Rio de Janeiro do navio cargueiro da companhia da família Levering, batista, que aqui negociava com café (Nossa História. N. 38, dezembro de 2006:17).

O terceiro fator que trouxe o Protestantismo de Missão para o Brasil foi o sociopolítico. A Guerra da Secessão (1861-1865) fez com que dois mil, dos dez mil sulistas que deixaram os Estados Unidos, viessem para as terras brasileiras, trazendo consigo os ideais de progresso, de desenvolvimento e de prosperidade a qualquer custo. Esses missionários projetaram no Brasil a terra prometida, a Nova Canaã, na qual os derrotados da guerra civil americana poderiam reconstruir suas vidas e suas propriedades (ibid, pág. 16).

Leonard comenta que a Guerra da Secessão não foi apenas uma guerra civil, mas um choque de duas concepções de vida (2002:84). De um lado, os estados do Sul, latifundiários, que defendiam a exploração da mão de obra escrava. De outro, os estados do Norte, industriais, que eram favoráveis à abolição da escravidão, mas somente para ampliar o mercado consumidor – a exploração da mão de obra assalariada. Tanto uma concepção de vida, quanto a outra eram movidas pela ganância e pelo lucro. E ambas “concorreram para a obra missionária protestante no Brasil” (ibid, pág.85).

Julgamos relevante a citação, na ìntegra, dos comentários de José Carlos Barbosa e do pastor batista Marcos Davi sobre a vinda desses missionários, por ocasião da Guerra da Secessão: Os sulistas norte-americanos ficaram animados com o regime de grandes propriedades escravocratas vigente no Brasil (...) Para muitos, este foi o mais poderoso atrativo em sua vontade de emigrar, impelidos que vieram pelo desejo de aqui, de alguma forma, recriarem o tipo de vida que tiveram na imensa comunidade rural que era o Sul antes da guerra (2002:96). Muitos missionários do Sul dos Estados Unidos sentiam-se à vontade trabalhando no Brasil, pois aqui não eram perturbados por aqueles que achavam a escravidão de negros uma afronta contra o próprio Deus (2004:55).

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1.2.3. Pentecostalismo

A terceira vertente que foi determinante na formação do Protestantismo no Brasil é o movimento Pentecostal, cuja compreensão é imprescindível para entendermos a tendência mercadológica que a fé evangélica assumiu nos últimos vintes anos.

Sua origem, como nos lembra Ricardo Mariano, remonta às primeiras décadas do século XX, nas quais esse movimento se consolidou em nosso país. O Pentecostalismo chegou em solo brasileiro por intermédio de missionários norteamericanos – semelhante ao Protestantismo de Missão. Porém, distingue-se, tanto deste tipo de protestantismo, como do Protestantismo de Imigração, pelo fato de se propagar entre as camadas mais populares, utilizando-se, para isso, de uma grande identificação com a classe mais pobre da sociedade: na linguagem, na liturgia, nas estratégias de alcance (2005, p. 29-32). Essa identificação se dá em função do nascedouro do movimento ter acontecido num bairro de Los Angeles constituído por pessoas negras e pobres. Nascia ali, na Rua Azuza, número 312, o chamado século pentecostal que se popularizou entre os excluídos social e economicamente através da glossolalia7; da cura divina; e da teologia da prosperidade (nas últimas duas décadas).

A influência pentecostal no Protestantismo Brasileiro, ou até mesmo no protestantismo mundial, no decorrer do século XX é algo marcante e notório. De acordo com a Word Christian Database, três de cada quatro protestante da América latina são pentecostais. Eles são apontados pelas pesquisas como os principais responsáveis pelo grande crescimento evangélico no Brasil, nas últimas décadas. Segundo o sociólogo Ricardo Mariano “em 1980, eles eram cerca de três milhões de pessoas. Em 1991, quase nove milhões. Em 2000 quase 18 milhões” (Sociologia, n. 7, 2007, p. 52).

Esses dados por si só seriam suficientes para despertar a curiosidade de investigação sobre essa importante ramificação do “protestantismo tupiniquim” 8. E que, sem 7

Experiência de batismo no Espírito Santo, na qual, durante um transe religioso, a pessoa passa a falar em línguas estranhas. 8

Esta expressão é utilizada por Gedeon Freire de Alencar que é mestre em Ciências da Religião (UMESP), diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneo. È membro da Associação Brasileira de História da Religião, Associação de Professores de Missões do Brasil e da Rede de Teológos e Cientistas Sociais do Pentecostalismo na América

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dúvida, foi uma das vertentes de maior influência na sua composição atual. Além do mais, esse segmento é determinante na configuração do “big businnes gospel” – característico do Movimento Evangélico em nosso país nos últimos vinte anos.

Tendo em mente sua enorme relevância no cenário evangélico nacional, tentaremos identificar e diferenciar – diga-se, tarefa bastante complexa – os três principais tipos de pentencostalismo que se desenvolveram no Brasil, com seus respectivos perfis e desdobramentos na formatação da fé capitalista.

Antes disso, porém, precisamos fazer algumas considerações importantes sobre as pesquisas já realizadas a respeito dessa temática. A primeira delas é que, desde a década de 1960, os sociólogos e pesquisadores da religião se debruçam sobre esse assunto. A lista, apresentada por Emerson Giumbelli (2001: 91), é exaustiva: Souza (1969); Brandão (1980); Mendonça (1989); Bittencout (1991); Cedi (1991); Freston (1993); Mariz (1994); Monteiro (1995); Bobsin (1995); Campos Jr. (1995); Mariano (1995-1998); Prandi (1996); Gouvêia (1996); Moreira (1996); Pierucci (1996); Oro (1997); Queiroz (1997); Sieperki (1997); Mafra (1999); Oro e Seman (1999). E esses são apenas os mais conhecidos. Portanto, não há nenhuma pretensão de tentar esgotar o assunto, ou apresentar algo inusitado. Nosso objetivo é simplesmente continuar explorando um assunto tão atual, e que está completamente longe de se exaurir.

A segunda consideração que queremos fazer é que todos os pesquisadores acima citados procuraram tipificar e classificar o Movimento Pentecostal no Brasil. No entanto, muitas dessas classificações se tornaram com o tempo obsoletas devido às transformações e inovações que se processaram nesse meio nas últimas duas décadas – movimentos sociais são muito dinâmicos e mutáveis. Conseguintemente, as classificações que faremos aqui estarão igualmente fadadas a se tornarem ultrapassadas em pouco tempo. A terceira consideração é que não se pode ignorar a heterogeneidade e complexidade no momento de classificar as principais ramificações do Pentecostalismo, pois cada uma delas possui um conjunto de diferenças e semelhanças, dentro de um universo religioso dinâmico, intrincado e diversificado. E por último, queremos dizer que em virtude de toda essa dificuldade de tipificação do movimento pentecostal, optamos pelos três segmentos mais apontados nas

Latina e Caribe. E também autor do livro Protestantismo Tupiniquim: Hipótese Sobre A (não) Contribuição Evangélica Cultura Brasileira.

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classificações desses estudiosos. Preferimos, então, as três classificações do sociólogo Ricardo Mariano pelo fato de serem compatíveis com as tipificações da maioria dos pesquisadores: Pentecostalismo Clássico, Deuteropentecostalismo (segundo pentecostalismo), e o Neopentecostalismo.

Ressaltamos que essas conceituações não correspondem a retratos literais ou fidedignos dessas ramificações do Movimento Pentecostal, nem as traduzem completamente; mas são, como lembra Mariano, simplesmente “instrumentos toscos e generalizantes, pelos quais procuramos pensá-las, ordená-las e compreendê-las” (2005, p.47).

A - Pentecostalismo Clássico

Esse se estabelece de forma absoluta entre1910 a 1950. Inicialmente, com a implantação na cidade de São Paulo da Congregação Cristã do Brasil (1910) através do italiano Luigi Francesco cuja mensagem, num primeiro momento, destinou-se aos operários imigrantes vindos da Itália e radicados no país. E no ano seguinte, esse movimento se consolida com o surgimento da Assembléia de Deus (1911) por meio dos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, que iniciam o trabalho em Belém do Pará, cuja mensagem foi prioritariamente destinada a imigrantes seringueiros nordestinos – desempregados devido à queda da produção da borracha provocada pelos mercados asiáticos. Queremos destacar que, embora esses missionários fossem europeus, tornaram-se pentecostais nos Estados Unidos. Vindo, em seguida, implantar igrejas aqui no Brasil (Mariano – citado em Sociologia, n. 7, 2007, p. 55).

O perfil desse Pentecostalismo que caracteriza a primeira metade do século XX pode ser delineado da seguinte forma: ênfase nos dons espirituais, sobretudo no dom de línguas; postura ascética e sectária, num total desprezo e demonização do mundo material, sendo “contracultura” – justificando dessa forma sua mensagem escatológica direcionada apenas para o celeste porvir –, alienando as pessoas dos compromissos com as transformações do presente. A propósito, com esse tipo de postura apolítica e antissocial, não é de se admirar que as igrejas pentecostais identificadas com esse perfil obtiveram grande crescimento em períodos da história do nosso país marcados pela repressão dos regimes militares, sem que isso trouxesse nenhum incômodo ou

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preocupação para os poderes públicos desses regimes, visto que não falavam contra as injustiças sociais cometidas pelos detentores do poder.

Contudo, é preciso que se reconheçam as mudanças e transformações pelas quais vêm passando as igrejas identificadas com esse primeiro segmento pentecostal, como, por exemplo, a Assembléia de Deus. Seu recente e deliberado ingresso na política partidária e na TV, em busca de poder, visibilidade pública e respeitabilidade social, ao lado de outras transformações internas, sinaliza de modo irrefutável sua tendência à acomodação social, à dessectarização (MARIANO, 2005, p.30).

B - Deuteropentecostalismo

O nome pode parecer estrambótico, mas se refere ao segundo momento do Pentecostalismo no Brasil, que vai aproximadamente de 1950 até a primeira metade dos anos 1970.

Esse segmento do Movimento Pentecostal tem como seus maiores protagonistas a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951); a Igreja Brasil para Cristo (1955); a Igreja Deus é Amor (1962); a Igreja Casa da Benção e outras de menor porte. As três primeiras se estabeleceram a partir de São Paulo. Já a última, a partir de Belo Horizonte. Essas igrejas romperam paradigmas no meio pentecostal: “com mensagens sedutoras e métodos inovadores e eficientes, atraíram, além de fiéis e pastores de outras confissões evangélicas, milhares de indivíduos dos estratos mais pobres da população” (2005, p.30).

O perfil do Pentecostalismo da segunda metade do século XX pode ser identificado principalmente pelo evangelismo de massa centrado na mensagem da cura divina; pelas inovações evangelísticas como o uso do rádio, de tendas, do teatro e do cinema; estes últimos, utilizados como locais de propagação do evangelho. No rastro das campanhas promovidas pela Cruzada Nacional de Evangelismo – braço de propaganda da Igreja do Evangelho Quadrangular – surgiram com a mesma proposta as demais igrejas desse período. Essas características foram preponderantes para a

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diversificação e o crescimento do Pentecostalismo não apenas aqui no Brasil, mas em toda América latina, Estados Unidos, África e Ásia (2005, p.31).

O antropólogo Emerson Giumbelle nos lembra que esse segundo Momento do movimento Pentecostal (Deuteropentecostalismo) adaptou-se e aproveitou-se da crescente urbanização, massificação e comoditizações das relações sociais decorrentes da década de 1950, apropriando-se assim, de espaços públicos e seculares – ruas, cinemas, estádios. Igualmente se utilizando dos meios de comunicação de massa – rádio (2001, p. 104).

Na tipificação tanto de Paul Freston (1993), quanto de Ricardo Mariano (1995), o critério histórico é um dos fatores decisivos para distinguir o Pentecostalismo Clássico do Deuteropentecostalismo. Sua diferença seria apenas uma questão temporal que marca a introdução de ambos no Brasil – o primeiro tipo introduzido no início, e o segundo tipo introduzido na metade do século XX. Sendo, dessa forma, de acordo com Mariano, simplesmente um corte histórico-institucional, sem, no entanto, existir diferenças teológicas consideráveis entre os dois tipos (2005, p.31). Isso significa que todas as igrejas pentecostais que correspondem ao primeiro e ao segundo segmento teriam

uma

relativa

homogeneidade

teológica,

excetuando-se

a

crença

“predestinacionista” da Congregação Cristã do Brasil, distinta da teologia arminiana9 defendida pelas outras igrejas. Essa semelhança teológica entre as igrejas pentecostais do início e da metade do século XX se explicaria pelo fato de a Igreja Quadrangular, pioneira do segundo momento, ter nascido nos Estados Unidos com o mesmo corpo doutrinário importado para o Brasil pelas igrejas do primeiro momento.

Portanto, conforme Ricardo Mariano, a única diferença seria a distinção de estratégias evangelísticas – resultado de quatro décadas que separam um tipo do outro – e a ênfase doutrinária em algum dom espiritual. O Pentecostalismo Clássico enfatiza o dom de línguas, a glossolalia, enquanto o Deuteropentecostalismo enfatiza a cura divina (2005:32). É basicamente o que também diz Beatriz Muniz de Sousa ao pesquisar esses dois segmentos do Movimento Pentecostal que caracterizam a primeira metade do século XX: “O núcleo doutrinário permanece inalterado em qualquer dessas duas ramificações pentecostais” (1969, p.103).

9

Corrente teológica defendida pelo teólogo protestante Arminio que ensinava a liberdade de escolha humana na salvação. Se contrapondo assim a predestinação calvinista.

41


C - Neopentecostalismo

Esse segmento teve inicio na segunda metade dos anos de 1970, todavia, ele cresce e se consolida nas décadas de 1980 e 1990. Seus maiores expoentes são as seguintes igrejas: Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Goiás, 1976); Universal do Reino Deus (Rio de Janeiro, 1977); Internacional da Graça de Deus (Rio, 1980); Cristo Vive (Rio, 1986); Renascer em Cristo (São Paulo, 1994); Nacional do Senhor Jesus Cristo (São Paulo, 1994); Mundial do Poder de Deus (Sorocaba-SP, 1998).

O Neopentecostalismo se diferencia em muitos aspectos do Pentecostalismo desenvolvido

até

a

primeira

metade

do

século

XX

o

Clássico

e

o

Deuteropentecostalismo. Enquanto esses mantêm uma identificação doutrinária, diferenciando-se apenas nas ênfases dadas aos dons espirituais, o Movimento Neopentecostal, por sua vez, apresenta inovações teológicas. Para o sociólogo Ricardo Mariano, no primeiro e no segundo tipo de Pentecostalismo, o que temos é apenas um corte histórico-institucional, devido à distância cronológica de um para o outro (40 anos). Já no terceiro tipo, percebemos posturas teológicas, sociais e comportamentais bastante diferentes (2005, p. 32-37).

Delineando seu perfil, Mariano resume suas principais características em quatro aspectos: exacerbação da guerra contra o diabo; ênfase na teologia da prosperidade; liberalização dos estereotipados usos e costumes; estrutura administrativa do tipo empresarial (ibid, p.36).

Analisemos suas particularidades:

C.1. Exacerbação da guerra contra o diabo

Os ritos do exorcismo e das correntes de oração contra o diabo já eram práticas comuns no Deuteropentecostalismo. Mariano nos diz que a Igreja do Evangelho Quadrangular, em meados dos anos 70 – antes do surgimento de igrejas como a Universal e a Internacional da Graça –, promovia campanhas, às sextas-feiras, para a resolução de problemas e cura de doenças causadas por espíritos malignos (2005, p.

42


43).

E

onde

estaria,

nesse

caso,

a

diferença

do

Deuteropentecostalismo

(Quadrangular) para o Neopentecostalismo (Universal e a Internacional da Graça)? Justamente na exacerbação, por parte deste, das reuniões de libertação. Concedendo ao diabo e aos demônios, identificados com os deuses e as entidades do culto afrobrasileiro, destaques e importância sem precedentes.

É interessante observar a postura pluralista dessas igrejas neopentecostais diante do catolicismo e das religiões afro. Isso pelo fato de, ao mesmo tempo, antagonizarem e sincretizarem elementos peculiares a essas religiões rivais. Na disputa por espaço no mercado religioso, não obstante demonizarem, acabam também incorporando, estrategicamente, suas crenças e símbolos. Conforme o autor acima mencionado: Basta um único programa de TV da Internacional da Graça para revelar várias práticas mágicas, similares na forma às da umbanda e de benzedeiras católicas. Citarei três delas: o Pastor Gilberto convida os telespectadores a buscar ‘sabão abençoado’ na congregação de Caxias, com o qual iriam ‘lavar a peça de roupa daquela pessoa que está internada, que está com os exus em cima, está com o tranca rua, com o omolu, alguém que colocou o seu nome lá no cemitério na cabeça do defunto fresco’. Fala ainda da cura do fiel que iria amputar a perna: ’olha a senhora vai pegar três petalazinhas dessa rosa, fazer um chá, um banho e vai durante sete dias de manhã banhar a perna em nome de Jesus com toda a fé. E ela fez isso e não precisou mais cortar a perna. ’ Em resposta a um pedido de oração para cura de epilepsia, R.R. Soares revelou: ‘Eu fui responder a carta (...) me deu uma voz que disse: manda ele colocar essa carta sete dias debaixo do travesseiro. Assim eu pus na carta (...) um tempo depois chegou à resposta (...) Colocamos a carta debaixo do travesseiro da esposa. Aos sete dias saímos para o culto, o demônio deu uma manifestação como nunca. Foi embora e minha esposa curou’ (ibid, p. 134).

Poderíamos ainda citar, como nos lembra Mariano, a prática da Igreja Universal do Reino de Deus com os saquinhos de sal grosso, arruda, perfume do amor e outra sorte de objetos benzidos, aos quais se atribuem poderes sobrenaturais, tal como se vê na umbanda e no catolicismo popular (ibid, p. 134-135).

De fato! O Neopentecostalismo leva ao extremo o confronto contra as forças do mal, sincretizando-se e rivalizando-se, ao mesmo tempo, com as práticas da umbanda e do candomblé. Outro exemplo dessa exacerbação da guerra espiritual contra o diabo é a Teologia do Domínio – baseada nas batalhas espirituais contra demônios hereditários e territoriais. Essa crença pode ser igualmente identificada em outros segmentos pentecostais. Entretanto, é no Movimento Neopentecostal que ela ganha uma nova dimensão nunca antes vista: o enfrentamento não apenas ritualístico e espiritual, mas

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também sociopolítico, no qual se desenvolvem “concepções de recristianização da sociedade ‘pelo alto’, quer dizer, pela via político-partidária, e acrescentaria, pela mídia eletrônica” (ibid, p.44).

C.2. Ênfase na teologia da prosperidade

Também conhecida como “Confissão Positiva”, “Palavra da Fé”, “Movimento da Fé”, a teologia da prosperidade surgiu não no meio do Pentecostalismo, nem muito menos no Protestantismo. Ela surge dentro de seitas metafísicas e ocultistas dos EUA em meados do século XX. Portanto, é um legado não da Reforma, mas um produto do sincretismo das concepções religiosas orientais e ocidentais, no qual se fundiu crenças esotéricas, espíritas, ocultistas e protestantes.

Algumas perguntas são pertinentes nesse momento: em que se constitui a teologia da prosperidade? Quais são suas raízes e suas origens?

Inicialmente, precisamos compreender seu surgimento. De acordo com o sociólogo Ricardo Mariano e o historiador Alderi Sousa de Matos, essa doutrina surgiu entre as décadas de 1920 e 1940, nos Estados Unidos. Ela foi elaborada por seitas metafísicas e esotéricas, mas foi em círculos pentecostais e carismáticos que teve maior guarida, passando, assim, a se tornar um movimento forte nesse meio durante os anos 1970. Ganhando mais visibilidade, mais notoriedade, principalmente a partir dos anos 1980. De acordo com estudiosos do assunto, como D.R. Mcconnell – citado por Matos e por Mariano –, o pai do movimento teria sido Essk William kenyon (1867- 1948). Esse, por sua vez, mudou-se em 1892 para Boston, onde estudou no Emerson College of Oratory – uma espécie de centro de preparação transcendental, ou metafísico, que deu origem a várias seitas, como o Teosofismo, por exemplo, fundado por Mary Baker Eddy. Os escritos e ensinos desta senhora teriam também influenciado as doutrinas de kenyon, autor original da Confissão Positiva – um dos princípios doutrinários da Teologia da Prosperidade. Sobre isso comenta Mariano: Inclinou-se aos ensinos das ‘seitas metafísicas’ derivadas da filosofia do ‘Novo Pensamento’, formulada originalmente por Phineas Quimby (1802-66). Quimby, que estudara espiritismo, ocultismo, hipnose e parapsicologia para produzir sua filosofia, inspirou e curou Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã. E os escritos de Mary

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Baker, por sua vez, teriam influenciado as doutrinas de Kenyon, autor original da Confissão Positiva (2005, p.151).

A identificação da Confissão Positiva com a cosmovisão pentecostal estaria principalmente na crença no poder da palavra para alterar e controlar a ordem das coisas (compreendido como o poder da fé). Kenyon – escritor, pregador, radialista de sucesso nos anos 1930 e 1940 – tinha trânsito livre entre os evangélicos, pois já havia pertencido a vários grupos protestantes: batista, metodista, pentecostal e outros sem vínculos denominacionais. Em conformidade com que diz o historiador Aderir Sousa: Kenyon iniciou o Instituto Bíblico Betel, que dirigiu até 1923. Transferiu-se então para a Califórnia, onde fez inúmeras campanhas evangelísticas. Pregou diversas vezes no célebre templo Ângelus, em Los Angeles, da evangeÍista Aime McPherson, fundadora da Igreja do Evangelho Quadrangular. Pastoreou igrejas batistas independentes em Pasadena e Seattle e foi pioneiro do evangelismo pelo radio, com sua ‘Igreja no Ar’. (...) Cunhou expressões populares do movimento da fé, como ‘o que eu confesso, eu possuo’. Antes de morrer, em 1948, encarregou a filha Ruth de dar continuidade ao ministério e publicar seus escritos (Ultimato, n. 313, julho-agosto de 2008, p. 46).

Entretanto, mesmo Kenyon sendo o idealizador da Confissão Positiva na versão gospel, ele próprio nunca pregou ou escreveu especificamente sobre prosperidade. Foi o televangelista Oral Roberts quem criou o conceito de “vida abundante” enfatizando principalmente o aspecto material, e iniciando, dessa forma, a pregação da doutrina da prosperidade, prometendo um retorno financeiro sete vezes maior do que o ofertado. Mariano nos diz que “Roberts passou a dar maior ênfase a tal mensagem a partir de 1954, quando, ao ingressar na TV, suas despesas aumentaram consideravelmente” (2005, p.152).

Posteriormente, de acordo com o relato de Alderir, temos nos anos 1970 a continuidade dessa proposta religiosa da prosperidade através de nomes como Allen Lindsay, T. L. Osborn, Glória Copeland, Kenneth Hagin. Estes dois últimos radicalizaram prometendo um retorno cem vezes maior do que fosse dizimado e ofertado. Mas, o grande divulgador dessa teologia e da Confissão Positiva foi Kennth Hagin. Reunindo crenças sobre cura, prosperidade e o poder das palavras, ele deu visibilidade a esse movimento, difundindo-o para outros grupos evangélicos, inclusive em outros países. Hagin começou seu ministério como evangelista da Igreja Batista em 1934. Três anos depois (1937) associou-se aos pentecostais, sendo licenciado pastor das Assembléias de Deus, pastoreando várias igrejas no Texas. Em 1949, como ainda nos informa Alderir, tornou-se pregador itinerante unindo-se a outros

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pregadores independentes de cura divina. Finalmente, em 1962, fundou seu próprio ministério, estabelecendo quatro anos depois (1966) a sede de sua atividade em Oklahoma. Ao longo dos anos, seu ministério se constituiu em um seminário radiofônico da fé, no Centro de Treinamento Bíblico Rhema e na revista Word of Faith (Palavra da Fé). Outros recursos foram utilizados na difusão de suas ideias, como fitas cassetes e mais de cem livros e panfletos. Sua caminhada ministerial foi caracterizada por transes, visões, profecias, revelações e experiências espirituais arrebatadoras. O próprio Hagin alega ter “tido oito visões de Jesus Cristo nos anos 50, bem como diversas outras experiências fora do corpo” (Ultimato, n.313, julho-agosto de 2008, p.47). Ele declara que nas suas experiências místicas entre os anos de 1950 e 1959, pelo menos em oito ocasiões, teve uma conversa pessoal com Jesus, sendo algumas vezes no céu e outras no inferno (Mariano, 2005, p.151). Embora declare que seus ensinos tenham sido transmitidos diretamente pelo próprio Jesus, no entanto, o D. R. McConnell demonstrou, em sua tese de mestrado, que na verdade não passavam de plágio dos escritos de Kenyon. Hagin, ao se explicar com relação a isso apelou para a “jesuscidência”, dizendo que o Espírito Santo havia revelado as mesmas coisas aos dois.

Os ensinos de Kenneth Hagin, segundo Matos (Ultimato, n.313, julho-agosto de 2008, p.48), influenciaram muitos pregadores norte-americanos e de outros países. A começar por Kenneth Copeland, seu herdeiro presuntivo. Foram também seus seguidores Benny Hinn, Frederik Price, Jonh Avanzini, Robert Tilton, Robert Schüller, Marilyn Hickey, Charles Capps, Hobart Freeman, Jery Savelle e Paul (David) Yonggi Cho, entre outros. No final dos anos 1970, e principalmente nos anos 1980, os ensinos da Confissão Positiva e do Evangelho da Prosperidade chegaram ao Brasil por intermédio de alguns desses pregadores. Sendo o primeiro a difundí-lo Rex Humbard, seguido por Marilyn Hickey, Jonh Avanzini e Benny Hinn, que participaram de conferências promovidas pela Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno (ADHONEP). Pastores e pregadores brasileiros abraçaram essa teologia, como o Tio Cássio do Ministério Cristo Salva, em São Paulo; o “apóstolo” Miguel Ângelo da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro; o missionário R.R. Soares da Igreja Internacional da Graça – responsável pela publicação da maior parte dos livros de Hagin no Brasil; a pastora Valnice Milhomens, líder do Ministério Palavra da Fé – que conheceu os ensinos da Confissão Positiva quando foi missionária na África do Sul. Algumas Igrejas, como nos lembra Alderir, também adotaram a Teologia da Prosperidade e a Confissão Positiva como carro chefe de suas doutrinas. Dentre as

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quais, figuram: a Igreja Universal, do bispo Edir Macedo; a Igreja Renascer em Cristo, do “apóstolo” Estevão e da bispa Sônia Hernandes; a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, do bispo Robson Rodovalho; a Nova Vida, fundada pelo missionário canadense Walter Robert McAlister – de onde saíram Edir Macedo e seu cunhado R. R. Soares; e a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo apostolo Valdemiro Santiago – oriundo da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual foi bispo.

Importante salientar que cada um desses líderes e dessas instituições, como lembra Mariano, adotará o “evangelho da prosperidade” de diferentes modos. Enfatizarão certos aspectos, deixando de fora outros. Recusarão pontos doutrinários mais controversos, no que diz respeito àqueles tradicionalmente consensuais no meio evangélico. Aceitarão plenamente pontos doutrinários incompatíveis e estranhos à fé protestante. Sincretizarão a Confissão Positiva com outras expressões religiosas do Catolicismo e do culto afro (2005. p.157). Enfim, cada um, à sua maneira, e atendendo os seus próprios interesses, dará uma cara bem particular e diversificada à Teologia da Prosperidade aqui no Brasil.

Tendo conhecido suas origens, agora precisamos compreender em que essa doutrina, importada dos EUA, se constitui. Basicamente seu ensino consiste na crença de que pelo poder da palavra proferida – “o que eu confesso, eu possuo” – e pelo rito mágico realizado – relação causa e efeito: “é dando que se recebe” – se obtém saúde, riqueza, sucesso e poder terreno. Ficando Deus, assim, comprometido e obrigado a conceder essas coisas. Isso porque pelas palavras pronunciadas e pelos rituais feitos Ele fica compelido a agir. O senador Marcelo Crivella, também bispo da Universal, afirma que Edir Macedo “nunca aceitou ensinar o povo a cantar ‘eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré’” (Ultimato, n.313, julho-agosto de 2008:23). E o próprio Edir Macedo diz: As pessoas não devem dar ofertas para ajudar a igreja, mas para ajudar a si próprias. Quando dá está fazendo um investimento para si, na sua vida. É o que mostra a Bíblia. Quem dá tudo recebe tudo de Deus. É inevitável. É toma lá, dá cá (...) Quando alguém faz um sacrifício financeiro, Deus fica sem opção. Ele tem a obrigação de responder, porque é sua promessa. É a fé. Basta seguir o que Deus disse: ‘Provai-me nos dízimos e nas ofertas’ (O Bispo, 2007, p. 207215).

A afirmação de que Deus tem prazer em prosperar seus filhos, a princípio, não é tão incompatível com a ética protestante trazida pela Reforma do Século XVI e XVII,

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através da qual o trabalho era apresentado como uma vocação que deveria ser encarada para glória de Deus (como já vimos anteriormente). Porém, à medida que nos aprofundamos nos conceitos e valores da Teologia da Prosperidade, percebemos seu distanciamento da matriz protestante. Quando, por exemplo, ela estabelece como parâmetro de espiritualidade o tamanho da conta bancária; as posses; a aquisição e exibição de bens. Vejamos: O pastor assevera que a oferta é espontânea. Mas, em seguida, afirma que aquele que dá, recebe multiplicado. Exemplifica com um desafio a ser imitado: uma fiel tinha pouquíssimos pertences, ainda assim deu tudo o que possuía à igreja, ao mesmo tempo que, pela fé, pediu a Deus uma casa com piscina e dois carros. Em duas semanas, milagrosamente, recebeu a visita de uma tia da Itália, a qual nem sequer conhecia, que lhe deu de presente uma casa com piscina e dois carros na garagem (proferido em um culto da Universal no dia 07/03/1989, Santa Cecília, citado em Mariano, 2005, p.170).

A distância da matriz protestante estabelecida pela Teologia da Prosperidade pode igualmente ser percebida quando ela propõe a divinização do ser humano. ‘Quando o homem nasce de novo, ele toma sobre si a natureza divina e torna-se, não semelhante, mas igual, exatamente igual em natureza com Deus. A única diferença entre o homem e Deus torna-se a magnitude, Deus é infinitamente divino e nós ainda finitamente divinos. O crente é uma encarnação de Deus exatamente como Jesus de Nazaré’, defende Kenneth Hagin (...) ‘você não tem Deus morando dentro de você. Você é Deus’, afirma Kenneth Copeland (citado em Gondim, 1993, p. 83,85). Nós perdemos muitas bênçãos de Deus por não conhecermos a Palavra de Deus (...) se você tem a palavra de Deus, você é poderoso. Se você não é poderoso, Deus não está com você. Nós somos seres humanos, mas quando assumimos a Palavra de Deus é como se nós fossemos deuses poderosos. O crente tem que agir, operar, como se fosse um Deus (sermão do R. R. Soares, 07/12/1991, citado em Mariano, 2005, p. 155).

Esses conceitos são bastante estranhos aos ensinos tradicionais tanto dos protestantes, como dos pentecostais, para os quais a fé não é aferida pelos bens exibíveis, mas sim, pela reta conduta em conformidade com os mandamentos éticos e morais do Cristianismo. E, tampouco, estes consideram os crentes como semideuses, mas apenas como vasos ou templo do Espírito Santo. Indubitavelmente, os pregadores da Teologia da Prosperidade e da Confissão Positiva afastaram-se “teologicamente do Protestantismo da Reforma, para não dizer do Cristianismo” (ibid, p.155).

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Outro aspecto da Teologia da Prosperidade contrastante com a teologia pentecostal é a respeito da crença de que o verdadeiro cristão deveria ser alguém materialmente pobre, ou pelo menos desinteressado das coisas e valores terrenos. Até os anos 1960, nos círculos pentecostais, se concebia a ideia de que as promessas divinas – excetuando a salvação, a cura, o exorcismo, o batismo no Espírito Santo – só se concretizariam no além. E de que o crente deveria buscar somente as coisas do alto, e não as daqui da terra. Porém, dois fatores concorreram para a mudança de eixo dessa proposta escatológica do celeste porvir para as benesses desfrutadas aqui e agora.

O primeiro deles foi a modernização e urbanização do país nos anos de 1970, trazendo mais acesso e mobilidade social para os fiéis em uma sociedade do consumo; dos serviços de créditos; dos apelos da indústria de entretenimento e de moda. Além disso, nas duas décadas seguintes (anos 1980 e 1990) houve a adesão de muita gente da classe média alta, de artistas e de atletas ao Movimento Evangélico. Consequentemente, essas igrejas que surgiram nesse período acabaram adaptando seu discurso à nova conjuntura socioeconômica que se formava. E a Teologia da Prosperidade, conforme Ricardo Mariano, encaixou-se como uma luva tanto para os mais pobres – a grande maioria – como para os mais ricos – sempre a minoria. Para estes, legitimando seu estilo de vida abastado e esbanjado. Para aqueles, oferecendo soluções ritualísticas e imediatistas de problemas financeiros; assim como possibilidades de satisfação dos desejos consumistas (2005, p.149).

O segundo fator que levou a Teologia da Prosperidade a mudar o foco da felicidade do além para a felicidade no aqui e no agora foi o alto custo, crescente, da mídia televisiva que se constitui o carro chefe do marketing neopentecostal. À medida que aumenta a competitividade entre os televangelistas crescem também os custos, e o horário na TV torna-se cada vez mais caro. O preço pago pelos programas sobe mais que a audiência. O investimento pesado na mídia televisiva e radiofônica – inclusive na compra de emissoras de rádio e de TV – faz com que a pregação intensifique mais ainda o objetivo de levantar fundos para poder bancar toda essa mega estrutura midiática. De modo que a Teologia da Prosperidade acaba atendendo aos interesses financeiros de todo esse empreendimento. Só para se ter uma idéia disso, o investimento mensal da Internacional da Graça em programação de TV chega à fabulosa cifra de 600 mil dólares, algo em torno de US$ 7 milhões ao ano. Já a Igreja Universal adquiriu por US$ 45 milhões de dólares a Rede Record de rádio e de TV em

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1989 – trazendo consigo uma dívida de 300 milhões de dólares, posteriormente quitada (MARIANO, 2005, p. 66-100). A Igreja Mundial do Poder de Deus – a igreja evangélica que mais cresce no Brasil atualmente –, por sua vez, ocupa 22 horas diárias na programação da Rede 21, que pertence ao grupo Bandeirantes, ao custo de R$ 6 milhões mensais. Com mais R$ 101 mil por mês, pago à Multichoice, empresa sul-africana distribuidora de sinal, também está no ar em Angola, Moçambique, GuinéBissau, São Tomé e Príncipe, Líbia, Zimbábue e Botswana. Na África do Sul, a Mundial possui uma hora de programação na TV Soweto, ao custo de R$ 59 mil mensais (Revista Isto É – Fevereiro/2011, Ano 35, N° 2151, p. 54).

C.3. Desectarização e liberalização dos usos e costumes

Tanto o Pentecostalismo Clássico, quanto o Deuteropentecostalismo, adotaram modelos estereotipados de usos e costumes por meio dos quais se reconheceriam símbolos de conversão, prova de regeneração e sinais de santificação. A ética de proibições legalistas “estende-se a várias formas de diversão, como cinema, televisão, rádio, prática de esportes, participação ou assistência a jogos de futebol, boxe, baralho, etc.” (MARIANO, 2005 apud SOUZA {s.d}, {s. n. t.} ).

Para o crente pentecostal mostrar-se santificado, ele precisa assumir posturas de ascetismo e de sectarismo, abrangendo vários aspectos da vida social. Ricardo Mariano nos apresenta um gráfico – resultado de uma pesquisa feita em 1992 com cerca de 100 fiéis, pertencentes majoritariamente ao Pentecostalismo e ao Deuteropentecostalismo – que demonstra essa realidade (2005:195). Vejamos:

50


pode

Não pode

depende

Não respondeu

Fumar

4

93

-

3

Beber álcool

9

87

dançar

7

62

22

9

Sexo extraconjugal

1

95

-

4

ir a festa

30

4

60

6

pular carnaval

2

94

-

4

frequentar boates

6

89

-

5

frequentar bares

22

72

-

6

ir à motel com cônjuge

19

65

-

16

ir à praia/ piscina

60

32

-

8

ir ao cinema

20

39

37

4

ir ao teatro

21

31

43

5

ver TV

34

13

48

5

4

Salientamos, como bem nota Mariano, que muitos desses grupos originários da primeira metade do século XX, têm revisto algumas destas proibições legalistas nas últimas duas décadas, adaptando-se aos novos valores, hábitos e gostos dos fiéis. Caminhando, dessa forma, para uma dessectarização e liberalização em distintas esferas da vida social. Essa flexibilização da “contracultura” pentecostal tem se dado

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basicamente por dois motivos. Primeiro, por causa da sua interpenetração nos estratos mais privilegiados da sociedade. E em segundo, devido às gerações de pastores e líderes mais jovens. Podemos ver igrejas como a Assembléia de Deus, a Quadrangular acomodando-se, adaptando-se cada vez mais aos padrões e aos valores da sociedade hodierna. Contudo, tem sido um processo lento, tenso e conflitante entre as velhas e as novas gerações de adeptos, prejudicando inclusive seu crescimento nos últimos anos. E isto pelo fato de ainda carregar aquela velha herança sectária.

Quanto aos neopentecostais, mais liberais e recentes, sequer chegaram a adotar o tradicional legalismo pentecostal dos usos e costumes. Segundo Mariano, as pessoas pertencentes a esse grupo vão à praia, à piscina, ao cinema, ao teatro. Decidem o corte, o comprimento e o penteado de seu cabelo. Ouvem rádio e TV. Frequentam festas. Praticam esportes. Usam brincos, colares, pulseiras e cosméticos, embora continuem austeros e conservadores no que diz respeito ao uso de drogas, ao sexo fora do casamento, aos jogos de azar e à embriaguez (2005, p.210).

No Neopentecostalismo temos

uma quase total conformação aos padrões

comportamentais da sociedade. Seja por princípio religioso, seja por estratégia de inserção social. Igrejas como a Universal, Internacional da Graça, Vida Nova, Sara Nossa Terra, Renascer em Cristo já nasceram com uma postura totalmente contrária àquela ética sectária, ascética e de contracultura que caracterizou as pentecostais até a metade do século. Isso, por sua vez, teve desdobramentos em várias esferas da vida, como, por exemplo, na musicalidade.

A propósito, a Igreja Renascer em Cristo foi responsável pelo movimento gospel aqui no Brasil. E, por meio deste, proporcionou uma mudança radical na música evangélica em nosso país. Transformação pela qual a música religiosa deixa de ser sacra e passa a ganhar muitos outros ritmos: rock, funk, blues, rap, pop, reggae, jazz, baião, samba, pagode, forró, sertanejo, lambada, balada, heavy metal, White metal, dance music. De modo que a “gospel mania” traz consigo toda uma quebra de paradigmas no meio evangélico a partir dos anos 1980. Concertos de rock nos templos. Bloco dos crentes no carnaval. Funkeiros e forrozeiros de Jesus agitando e pregando nos bailes, e nas casas de shows.

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Outro desdobramento dessa dessectarização do Movimento Neopentecostal é sua participação ostensiva na política partidária. Sem se ressentir do peso da tradição sectária e apolítica do Pentecostalismo Clássico, seus líderes entraram no jogo político para valer, não demonstrando nenhum constrangimento perante seus fiéis. A postura de autoexclusão deliberada – marca distintiva das igrejas pentecostais até mais ou menos 1970 – foi substituída pela postura de militância e de engajamento partidário na década de 1990. O lema apolítico “crente não se mete em política” deu lugar ao lema corporativista “irmão vota em irmão” (Sociologia, n. 7, 2007, 57-59). Excetuando as igrejas Congregação Cristã no Brasil e Deus é Amor, que permanecem afastadas da política partidária, as demais (pentecostais) também se politizaram. Mara Figueira nos dá conta do aumento considerável de parlamentares evangélicos dos anos 1980 para cá, afirmando que antes dessa década havia somente dois deputados federais pentecostais. Duas décadas depois, 2003, formou-se uma frente parlamentar evangélica que reuniu 60 deputados federais e 4 senadores, formando a terceira maior bancada do Congresso Nacional (ibid, p.59). As eleições municipais da cidade de Fortaleza, em 2008, contaram com um candidato que é pastor da Assembléia de Deus, inclusive tendo todo apoio da sua convenção nacional.

Vale salientar, como nos lembra Mara, que esse engajamento político não tem sido norteado por ideais nobres, mas por interesses corporativistas e ocupação de poder, objetivando concessões de rádio e de TV, buscando privilégios fiscais e garantias jurídicas para seus projetos religiosos, desejando participação na distribuição do bolo da verba social – que até hoje está a cargo dos católicos –, procurando reconhecimento na esfera pública. Enfim, movidas por essas e outras ambições mesquinhas, as igrejas evangélicas têm adentrado cada vez mais no mundo político (ibid, p. 59).

A Universal do Reino de Deus, por exemplo, como diz Mariano, não restringe sua participação apenas às eleições proporcionais; procura influenciar também nas majoritárias, utilizando-se de todo o aparato midiático, da disciplina e do carisma dos seus pastores; e da obediência de boa parcela dos fiéis (2005. p.91). Não tem nenhum escrúpulo em se utilizar do clientelismo, do fisiologismo e das negociatas políticas para atender seus interesses. Não hesita um instante sequer em demonizar seus adversários políticos. Na campanha presidencial de 1994, Edir Macedo, através da Folha Universal – jornal semanal de circulação nacional –, além de identificar o candidato petista com o demônio – a Universal apoiava o candidato “tucano” – fez todo

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tipo de acusações ao partido da oposição. Acusou o PT de querer legalizar o aborto e o casamento gay. Mostrou uma foto do Lula com a bandeira brasileira sem a expressão ordem e progresso. E outra foto na qual o ex-líder sindical pousava ao lado de uma mãe de santo, destacando a manchete que ele estava apelando para o candomblé, ou seja, para o próprio diabo (ibid, p. 93-94).

Contudo, esse tipo de postura política antiética, interesseira e inescrupulosa não é exclusividade da Igreja Universal. Podemos constatá-la em outros círculos evangélicos. Mara Figueira nos recorda a trajetória ascendente, no entanto pontuada por escândalos que têm marcado o meio político evangélico brasileiro. Cita escândalos como o das sanguessugas em 2006, caracterizado por fraudes nos processos de licitações para compra de ambulâncias. E que contou com o envolvimento de 28 deputados evangélicos – quase metade da bancada no Congresso – dentre os quais a maioria pertencia à Universal e à Assembléia de Deus (2007, p.59). Curiosamente, são igrejas que pertencem ao Neopentecostalismo e ao Pentecostalismo Clássico, que têm se notabilizado nas últimas décadas pela participação ostensiva na militância de política partidária, se contrapondo assim a postura apolítica dos pentecostais até 1970.

C.4. Estrutura administrativa empresarial e mercadológica

A performance de empresa com fins lucrativos, integrada ao sistema de marcado, é uma das últimas características que pretendemos elencar dentro do perfil neopentecostal delineado por Ricardo Mariano.

Nas sociedades ocidentais industrializadas, afirma Wallis (citado por Mariano), a religião para sobreviver à concorrência e superá-la, deixa de ser um fim em si, transformando-se num meio para atingir fins definidos por demandas e necessidades dessas mesmas sociedades industrializadas e urbanizadas. Ficando, assim a mercê das vicissitudes e desejos do consumidor religioso (2005, p.223). Na atual conjuntura, como nos lembra o teólogo Valdir R. Steuernagel, a religião também sucumbe a força do mercado no qual ela se torna um produto a mais a ser absorvido “nesse bacanal multinacional do consumo desenfreado que vai da religião ao sorvete, do sexo ao correio eletrônico” (2003: 19). Parece ser esse o caso, bem especifico, do

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Neopentecostalismo que apresenta a fé religiosa muito mais como mercadoria de consumo do que como valores espirituais.

As estratégias de crescimento adotadas por muitas igrejas evangélicas nas últimas duas décadas, ao estilo corporativo e empreendedor, estão conferindo-lhes tremenda vantagem na luta por participação no mercado religioso. É o que afirma Roger Frink, professor de sociologia da Universidade da Pensilvânia – coautor de A Igreja nos EUA, 1176-2005: vencedores e perdedores na nossa economia religiosa. Ele diz que a expansão dessas igrejas, muitas vezes, é moldada no setor empresarial, tomando emprestadas ferramentas que vão do marketing de nicho à contratação de profissionais com MBA, buscando sempre um número maior de adeptos. De acordo com o artigo “Igreja Evangélica é um grande negócio nos EUA”, escrito na Business Week por William C. Symonds, Brian Grow e Jonh Cady, a Igreja Comunitária de Willlow Creek, em Illínois, criou um braço de consultoria, através do qual faturou 17 milhões em 2004, em parte com a venda de consultoria de marketing e administração para 10.500 igrejas-membros de 90 denominações. Essa mesma Igreja, segundo o referido artigo, está entre as 250 maiores marcas dos EUA, junto com a Nike e a Jonh Deere. A estrutura empresarial dessas igrejas é algo tão gigantesco que os métodos de expansão da Willow Creek viraram caso de estudo na Harvard Business School.

Mas, esta acomodação ao sistema de mercado empresarial não é privilégio apenas das igrejas evangélicas norte-americanas, pois no Brasil temos visto isso também ocorrer, principalmente no meio das igrejas neopentecostais. Afinal de contas, o Brasil é um ávido importador de modelos enlatados vindos dos Estados Unidos. Igreja como a Universal – uma das maiores expressões do Neopentecostalismo – possui hoje a segunda maior emissora de TV do país e várias emissoras de rádio. Além disso, nos informa Mariano, ela conta com toda uma rede empresarial composta por: o Banco de Crédito Metropolitano (adquirido por três milhões de dólares em 1991); o jornal A Folha Universal (com a tiragem de mais de um milhão de exemplares); a Unimetro Empreendimentos; Cremo Empreendimentos; New Tour (agência de viagens); Uni Line (processamento de dados); Unitec (construtora); Uni corretora (seguradora); Line Records (gravadora); Frame (produtoras de vídeos); Investholding Limited (uma holding com sede nas ilhas Cayman); Gráfica Universal (editora); Ediminas S/A (fábrica de móveis); LM Consultoria Empresarial (2005, p.67).

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A Igreja Internacional da Graça não ficou muito atrás no que se refere a esse modelo empresarial. Bem menor em termos de estrutura do que a Universal, porém possui, além de canais de TV (abertos e por assinatura), gráficas e editoras – Graça Editorial, em cujo catálogo consta quase uma centena de livros (ibid, p.99). Entrando também no mercado fonográfico, a igreja montou sua própria gravadora: a Graça Music com vários títulos lançados. E mais recentemente anunciou a Faculdade do Povo, que contará com os cursos de publicidade, jornalismo, rádio e TV. A data prevista para o funcionamento é a partir de março – de acordo com o missionário R.R. Soares no programa exibido em 23.02.2009.

Nessa mesma linha empresarial figura ainda a Igreja Renascer em Cristo com seu aglomerado patrimonial constituído por: emissoras de rádio; de TV UHF; RGC (produtora); Gospel Records (gravadora que lançou mais de cem títulos); Editora Renascer (com mais de trinta títulos); Gospel New (jornal cuja tiragem ultrapassa sessenta mil exemplares); Instituto Renascer (colégio que oferece cursos do maternal até o 4° ano do Fundamental I); Gospel Rock Café (casa noturna com música ao vivo, mas desguarnecida de bebidas alcoólicas e cigarros); Cartão Gospel Bradesco Visa; lojas de souvenires (ibid, p.102). Não podemos esquecer o faturamento da Renascer em cima da marca patenteada Gospel, aqui no Brasil, da qual é detentora.

Outra igreja neopentecostal de destaque, que também desponta como igreja empresa S/A, é a Mundial do Poder de Deus. O programa de TV “Domingo espetacular” do dia 18 de Março de 2012, veiculado pela Rede Record, apresentou uma matéria a respeito do abastado patrimônio que pertence a referida Igreja, na qual mostrou terras a perder de vistas, milhares de cabeça de gado, mansões, piscinas, pistas de pouso que constituem fazendas riquíssimas encravadas no coração do pantanal. Cuja extensão, segundo a reportagem, chega a ser de 26. 134 hectares, avaliados, aproximadamente, em R$ 50 milhões de reais. Documentos registrados em cartório, constando a escritura de compra e vendas das propriedades, foram apresentados pelo o reporte que fazia o programa. Conforme o mesmo, todo esse milionário patrimônio da Mundial foi adquirido através de uma pequena empresa (registrada no nome do apóstolo Valdemiro, da bispa Francileia e do bispo Josivaldo) de CDs, DVDs e livros: W. S. Music LTDA, que conta apenas com 50 funcionários e um capital de apenas R$ 50 mil reais – capital totalmente insuficiente para adquirir todas essas terras no pantanal matogrossense. De acordo com a matéria apresentada pelo “Domingo espetacular”, o valor de todo o patrimônio da Igreja Mundial é mais do que a maioria dos prêmios da

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mega cena acumulada. Capital suficiente para comprar 20 Ferraris zero Km (o carro mais caro do Brasil); e 10 coberturas em Nova Iorque (a cidade mais cara mundo).

Em 2010, a Revista Época já havia listado outros bens e patrimônios da Mundial do Poder de Deus: um jato Citation Excel, avaliado em R$ 18, 5 milhões, alugado por cinco meses; um helicóptero menor, Bell Jet Ranger 206B3, avaliado em R$ 1, 3 milhão (de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC –, ele já pertenceu a apresentadora Xuxa); e um helicóptero grande, Agusta A109-C,comprado em Setembro de 2009, por R$ 5, 1 milhões ( este helicóptero é um dos mais potentes, luxuosos, seguro; e um dos mais cobiçados do segmento)10.

Não podemos esquecer as megas igrejas que povoam as grandes capitais do nosso país. Mesmo elas não tendo tanta notoriedade, em temos de Brasil, quanto àquelas que acabamos de mencionar, no entanto, se caracterizam igualmente pelo aglomerado patrimonial que vai desde hospitais até cemitérios privados; desde grandes fazendas até condôminos de luxo; desde casa de shows até faculdades particulares.

Indiscutivelmente o segmento Neopentecostal, incorporando métodos de publicidade e de markentig, acabou assimilando a lógica da operação e da expansão encontrada no mundo empresarial, estando perfeitamente conectada com os valores do mercado.

Procuramos demonstrar até aqui as fortes afinidades entre o Capitalismo e o Protestantismo desde seu início. E vimos que a exacerbação dessa relação se dá no Neopentecostalismo, ao ponto da Teologia da Prosperidade transformar o conceito ascético do uso das riquezas – característico da Reforma – em algo absolutamente consumista, individualista e materialista. Todavia, ressaltamos que o sistema econômico

Capitalista

não

é

algo

defendido,

articulado

e

impulsionado

deliberadamente pela teologia, ou muito menos pelos religiosos.

Mesmo assim, é incontestável que a Teologia da Prosperidade, nascida nos Estados Unidos da América “não tece uma única crítica sequer ao Capitalismo, nem à injustiça e desigualdades sociais, nem aos desequilíbrios econômicos do mundo globalizado. Mais pró-capitalista impossível” (ibid, p.185).

10

Telacrente org/2012/03/19/rede-record-revela-patrimonio-de valdemiro-santiago /

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Cabem aqui algumas perguntas despretensiosas: Será que essa tendência mercadológica de fé evangélica é algo peculiar apenas às igrejas Neopentecostais? Como se posicionam as outras expressões do meio evangélico em face de um mundo, inclusive religioso, cada vez mais materialista, consumista e capitalista?

Até que ponto essa influência, ou onda mercantilista da fé, tem penetrado em círculos evangélicos que se posicionam, oficialmente, contrários a essa tendência?

Tentaremos responder essas perguntas a partir da pesquisa de campo realizada em algumas igrejas de Fortaleza. E por meio das entrevistas feitas com os fiéis, procuraremos compreender até que ponto vai a tendência capitalista da fé evangélica. É o que passaremos a ver a seguir.

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CAPÍTULO 2 – A ONDA CAPITALISTA DA FÉ INVADE AS IGREJAS EVANGÉLICAS DE FORTALEZA

N

o presente capítulo, propomos levantar a questão sobre como o aspecto capitalista da fé tem sido absorvido e reproduzido por diferentes vertentes do Protestantismo fortalezense. Até mesmo aquelas igrejas contrárias a essa

tendência vêm se apropriando de crenças e valores que antes eram restritos quase somente ao circuito neopentecostal. Constituindo-se, dessa forma, uma subversão dos fiéis no que tange à doutrinação recebida dos seus líderes. Fundamentaremos nossa hipótese em entrevistas e pesquisas de campo. Lembrando (correndo o risco de generalizações) que a igreja evangélica de Fortaleza acaba sendo um reflexo da Igreja evangélica brasileira.

No entanto, antes de entrarmos no mérito dessa questão precisamos registrar resumidamente a trajetória percorrida pela Igreja Evangélica fortalezense desde o seu principio. Salientando que esse resumo cronológico destacará apenas algumas expressões das igrejas Históricas, Pentecostais e Neopentecostais que constituem o Protestantismo na capital cearense.

2.1. Trajetória histórica dos evangélicos em Fortaleza

O Presbiterianismo foi a primeira denominação protestante que implementou seu trabalho de evangelização no Ceará. No ano de 1875, o Dr. J. R. Smith visita Fortaleza. Em 1881 manda o pregador leigo João Mendes Pereira Guerra para desenvolver o trabalho no território cearense. Porém, a Igreja Presbiteriana neste Estado só começa em 1882. De acordo com a Revista de História da UFC – Dossiê: Religiosidade – os primeiros evangelizadores protestantes de Fortaleza foram enviados para cá em setembro de 1882 (Trajetos, n.8, publicação semestral de 2006, p.126). Já a Revista da Sociedade Cearense de Geografia e História nos diz:

O Rev. Wardlaw aportou a Fortaleza a 27 de setembro. Foi recebido pelo cap. do porto, Sr. Antônio Nunes e sua esposa, pelo chefe dos correios. Dr. José de Oliveira, e pelo Sr. José de Oliveira, e pelo Sr.

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José Damião de Sousa Melo. Hospedou na pensão Rendal. Era domingo e o missionário realizou o seu primeiro culto à noite na praça dos mártires, onde estava hospedado. Estiveram presentes ao culto as pessoas que o receberam a bordo do Pará (Dezembro de 1999, p.120).

Em 8 de julho de 1883, em conformidade com a mesma revista a pouco mencionada, o Rev. De Lacy Wardlaw batiza os primeiros conversos em terras cearenses. A igreja de fortaleza foi organizada no dia seis de agosto de 1890. A construção do templo na Rua Sena Madureira foi iniciada em 1898 e durou até 1919 – data da sua inauguração (ibid, p.121).

A implantação do Protestantismo na cidade de Fortaleza, como informa a Revista da Sociedade Cearense de Geografia e História, acontece justamente em função do contexto político, social, econômico e religioso no qual se encontrava o país. No aspecto político temos nesse período a religião oficial – a Igreja Católica – enfrentando sérios problemas com o Estado. Essa crise da Igreja já vinha ocorrendo desde o final do Governo Imperial em virtude da crença maçônica de D. Pedro II, que não fora digerida pelo Vaticano. O conflito se agravou durante o Regime Republicano – período em que o Protestantismo se instala definitivamente em Fortaleza – por conta da separação entre a Igreja e o Estado. Esta separação, consequentemente, proporciona o incentivo ao pluralismo religioso. Acrescenta-se a isso, no que diz respeito ao aspecto religioso, o fato da organização interna do catolicismo estar em frangalhos. Por um lado, havia uma porção do clero que reclamava mais autonomia para a Igreja no Brasil. Por outro, lado o desprestígio e a falta de caráter atribuída aos sacerdotes abatiam profundamente a face imponente da igreja. E ainda existia o problema da insuficiência numérica dos padres para atender as grandes massas populacionais de um território tão vasto: um grande número de pessoas vivia carente de assistência espiritual. No que se refere ao fator socioeconômico, existia aqui no Brasil – de forma retardatária – todo um processo de transição do Sistema Feudal para o Capitalismo. Por conseguinte, o interesse de uma maior cooperação para o progresso. Foi exatamente em um momento histórico “onde tudo o que é novo e diferente do tradicional é o bom, que o Protestantismo se enraíza definitivamente em território brasileiro...” (Ibid, p.112).

Apresentando o Protestantismo como antítese da cultura do atraso e da ignorância, os presbiterianos adotaram um modelo de evangelização em Fortaleza – entre 1882-1915 – contrapondo a Igreja Católica. Dentro dessa proposta, foi fundado em 1933 o

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Ginásio 7 de Setembro dirigido pelo presbítero Dr. Edílson Brasil Soares.

Segundo Robérico Américo de Sousa, os missionários protestantes procuravam demonstrar que a fé católica estava: Imersa em hábitos e comportamentos contrários não apenas ao evangelho de Jesus Cristo, mas também ao necessário progresso da sociedade (...) O protestantismo, por sua vez, irá figurar como religião de renovação, que reaproxima o homem de Cristo, sendo ainda a base da verdadeira civilização, pois estimula o desenvolvimento do conhecimento e do trabalho, entendendo-os como vontade de Deus para os homens. Dessa maneira, o discurso missionário, veiculado, sobretudo através de artigos nas páginas do jornal O Libertador, procura criar relação direta entre modernidade, civilização e liberalismo (político e econômico) com a fé protestante, ao mesmo tempo em que identifica o Catolicismo com pré-moderno, com o atraso e ignorância (Trajetos, n. 8, publicação semestral de 2006:128).

Portanto, na pesquisa sobre o Protestantismo no Ceará é necessário que se leve em conta a inter-relação dos conceitos teológicos e doutrinários, trazidos pelos missionários norte-americanos, com os valores de progresso e de desenvolvimento socioeconômico das suas respectivas sociedades (Revista da Sociedade Cearense de Geografia e História, dezembro de1999: 130). Digam-se, valores estes profundamente anelados pela sociedade desse período.

A revista que acabamos de citar assinala também à penetração dos evangelizadores batistas no Ceará que acontece em 1908, quando o missionário Eurico Nelson tentou estabelecer uma igreja, sem, no entanto, conseguir atingir sua meta. Mas, 22 anos depois dessa primeira tentativa, foi implantada a primeira Igreja Batista em nosso Estado. Sendo inaugurada no dia 10 de agosto de 1930. Entre os membros fundadores encontraram-se Dr. Arnoldo Hayes, Alfredo Mignac, Fernando Rodrigues, Dessalina Melo, Sabino Pires, dentre outros. A primeira Igreja funcionava num salão alugado na Rua Floriano Peixoto, nas proximidades da Avenida Duque de Caxias (1999, p. 126).

Conforme Barbosa, o início da Igreja Assembléia de Deus no Estado do Ceará se dá em 1914 com a chegada de Maria de Nazaré – vinda de Belém do Pará para visitar seus parentes em Uruburetama (1997, p.87). Ela inicia um trabalho, meio que despretensioso, de difusão da doutrina pentecostal. Teve a adesão de uma Igreja Presbiteriana Independente. Em agosto de 1922, segundo o autor acima citado,

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desembarca em Fortaleza o pastor José Texeira Rego – na época apenas um alfaiate vindo do Rio de Janeiro. Juntamente com Antônio Borges, alugou uma casa em São João do Tauape, onde realizavam cultos aos domingos e às quartas-feiras, das 19hs às 20hs. Em 1923 chegaram duas missionárias suecas: Ingrid e Ester Anderson. Alugaram uma boa casa na Avenida Tristão Gonçalves, na qual passaram a realizar os cultos. No mesmo ano, nos relata o autor acima citado, chegou o pastor Bruno Skolimosky, também vindo do Pará. Foi, então, alugado o primeiro salão da Assembléia de Deus em Fortaleza, que ficava entre a Rua D. Isabel e o bonde do Alagadiço, próximo à travessa Meton de Alencar. Em julho de 1923, são realizados os primeiros batismos dessa igreja na lagoa do Tauape. Em fevereiro de 1933 – já como pastor da igreja em Fortaleza – José Texeira Rego aluga um salão por cento e oitenta mil réis mensais, na Rua Tereza Cristina n. 673; onde até hoje está localizado (ibid, p.108 -111).

O processo de desmembramento da Assembléia de Deus em vários ministérios iniciase, na cidade de Fortaleza, a partir de 1962. De sorte que, como diz Barbosa, até o ano de 1964 já havia quatro igrejas independentes: Caucaia, Oficinas, Itaoca (hoje montese) e Bela Vista (1997, p.54). O motivo dessas emancipações, na opinião dele, era a ambição de cada grupo pelo o poder. Em algumas ocasiões, como lembra o referido autor, as disputas pelo patrimônio nessas divisões transformavam os cultos em verdadeiras badernas, chegando ao ponto de os fiéis de cada partido ir aos templos “armados de facas, revólveres e a maioria com cassetes de madeira. Muitas vezes, a rádio patrulha foi solicitada para apartar as brigas” (ibid, p.51).

Já as igrejas neopentecostais se instalaram em Fortaleza a partir das últimas décadas. Temos a Igreja Universal do Reino de Deus se fixando em solo alencarino em meados de 1980, alugando um salão na Rua Dr. João Moreira em frente ao Passeio Público. Já na década 1990 alugou um enorme galpão entre as avenidas Tristão Gonçalves e Imperador. E a partir da década de 2000 construiu sua sede própria – a catedral da fé – próximo ao antigo Lord Hotel, situado entre a Rua 24 de Maio e a Avenida Tristão Gonçalves. A Igreja Internacional da Graça, por sua vez, chegou à nossa cidade no dia 18 de maio de 1997, realizando seus cultos na Avenida Tristão Gonçalves em um galpão onde até hoje está localizada. E a Igreja Mundial do Poder Deus se estabelece em Fortaleza entre os anos de 2004 e 2005, alugando um galpão também na Avenida

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Tristão Gonçalves. Posteriormente transfere sua sede para a Rua Senador Pompeu, próximo ao hospital público conhecido como Frotão11.

2.2. A tendência mercadológica da fé nas igrejas de fortaleza

Chegamos ao ápice da nossa proposta no presente trabalho. É aqui que procuraremos constatar a hipótese sobre as práticas e crenças da fé capitalista terem se instaurado em outras denominações protestantes; de não ser algo apenas exclusivo das igrejas neopentecostais, mas também ser uma tendência presente dentro de grupos históricos e pentecostais. Tentaremos demonstrar essa realidade por meio da pesquisa oral com membros desses mesmos grupos – atores sociais, verdadeiros protagonistas da Igreja Evangélica. Quero salientar que procuramos ouvir nessas entrevistas pessoas comuns e não os lideres, os pastores ou os teólogos. A propósito, é pertinente registrarmos o que nos diz François Laplantine sobre inversão temática pela qual tem passado as ciências humanas em vários campos: na antropologia o foco foi redirecionado das grandes estruturas e práticas culturais para o estudo do infinitamente pequeno e cotidiano; na arqueologia os estudos se deslocaram dos palácios, templos e túmulos imperiais para o conjunto do meio ambiente construído (inclusive o mais humilde), sendo este a expressão de uma cultura que se procura compreender nos seus mínimos detalhes; na história também percebemos, sob a influência dos Annales, a atenção se voltando do público para o privado, dos grandes personagens para os atores anônimos, dos grandes eventos para o cotidiano. E nas ciências religiosas, conforme Laplantine (citando Jean Delumeau), não se considera mais o Cristianismo “ao nível das doutrinas e dos doutores, e sim das multidões anônimas” (Aprender Antropologia, 2007, p. 155).

Não obstante ao fato de que igrejas como a Presbiteriana, a Betesda, a Batista, a Assembléia de Deus ministério Templo Central e a Assembléia de Deus Canaã (igrejas pesquisadas) se posicionem de forma contrária, em sua doutrina oficial, à 11

O histórico da Igreja Mundial do Poder de Deus na cidade de Fortaleza, assim como o da Universal do Reino de Deus, não foi fornecido pelos pastores das respectivas igrejas. Eles se negaram a dar qualquer tipo de informação, alegando que suas denominações religiosas sofriam perseguições da mídia. Obtivemos as informações através do cruzamento de dados por intermédio de fiéis, de ex-pastores, de vendedores ambulantes e de comerciantes que desenvolvem suas atividades comercias nas proximidades dos prédios onde essas igrejas funcionam.

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visão mercadológica da fé, compreendemos, por outro lado, que as pessoas, a despeito de pertencerem a qualquer segmento, não são totalmente obedientes e passivas ou totalmente conformadas ao sistema no qual estão inseridas. Como nos lembra Michel de Certeau, toda a produção difundida ou imposta pelos dominantes, quer seja de cunho material ou cultural, acaba sofrendo uma espécie de reapropriação e resiginificação por parte dos dominados. Essa atitude (que Certeau chama de antidisciplina e subversão) não ocorre de forma institucional, articulada e ideológica. Mas de maneira sutil, silenciosa, despretensiosa, e quase que imperceptível. Ela não rejeita ou modifica, necessariamente, o que vem das elites e do poder constituído, mas utiliza-o para fins totalmente estranhos àquilo que julgavam obter os detentores desse poder, com seus objetos e valores (A invenção do Cotidiano, 2007, p. 38-41).

Partindo, então, desse pressuposto buscaremos comprovar nossa hipótese através das entrevistas temáticas realizadas com pessoas de cinco diferentes denominações evangélicas da cidade de Fortaleza.

A pesquisa de campo indicou que os evangélicos das igrejas selecionadas, em sua quase totalidade, mesmo seguindo os princípios doutrinários de suas denominações, incorporaram também alguns valores neopentecostais. Nesse caso específico, não é uma total absorção de um conjunto de crenças em detrimento de uma total negação de outro conjunto de crenças; mas, uma espécie de resignificação e de reapropriação, onde valores, princípios e posturas de várias crenças se misturam e se confundem. É o que podemos ver no depoimento de Cristiano Sobrinho – membro de uma Igreja Batista – no qual assume uma postura contundente contra a visão empresarial adotada pelos programas evangélicos de rádio e TV:

Tem pastor que sempre criticou o fato da comercialização do cristianismo. E hoje está fazendo propaganda do Cd, está fazendo propaganda do Dvd... Onde é que está a fé dele? Será que a fé dele mudou porque ele tem que sustentar o programa? O que eu quero dizer com isso é que ninguém pode colocar tudo como se fosse um comércio. Acho que a fé tem que vir em primeiro lugar. Tudo o que for ao limite da sua crença você tem que fazer. Mas se for para o programa acabar, acho que tem que acabar. É a fé que tem que prevalecer (entrevista, 10.05.2009).

Entretanto, Cristiano é telespectador de um programa de TV evangélico, cujo formato é totalmente no molde empresarial. Indagado sobre o tipo de programa que costuma acompanhar, ele respondeu “– O Programa do R.R. Soares”. Embora seja um acompanhamento que classifica como “acidental” pela falta de tempo.

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Já outro


entrevistado, José Elielde Oliveira Moreira, membro da Igreja Batista Nova Esperança, diz não haver nenhuma relação entre a prática do dízimo e uma vida financeira próspera. Porém, acredita que a aproximação de Deus, via conversão, leva imprescindivelmente a pessoa a sair da miséria material. Entrevistador – Você acha que há alguma relação entre a prática do dízimo e uma vida financeira prospera? Entrevistado – Acho que uma coisa não se relaciona a outra. Porque há pessoas que são fiéis nos dízimos, no entanto não são bem sucedidas financeiramente (...) Não acredito na relação da pessoa dá o dízimo e por causa disso se tornar próspera financeiramente. Entrevistador – Você acredita que a aproximação de Deus determina a saída da miséria? Entrevistado – Sim! Porque Deus não deixa (a Bíblia fala claramente) seus filhos mendigarem o pão. Entrevistador – Então a salvação determina também a saída da miséria? Entrevistado – Sim! Quando você é salvo já saiu da miséria espiritual. Entrevistador – E da miséria financeira? Entrevistado – Com certeza, com certeza... A Palavra de Deus é fiel, Ele jamais deixará o justo mendigar o pão (entrevista, 21.05.2009).

Outro caso típico desses paradoxos percebidos entre os fiéis de igrejas tradicionalmente históricas foi constatado na entrevista com Cleonardo Mesquita Goes, da Igreja Presbiteriana. Apesar das suas críticas ao comércio da fé existente nas igrejas neopentecostais, todavia, admite e concorda com a visão empresarial gospel empregada pela mídia televisiva e radiofônica – visão que prefere chamar, eufemisticamente, de profissional. Entrevistador – Qual sua opinião sobre o uso que os evangélicos fazem da mídia televisiva e radiofônica? Entrevistado – Penso que utilizam de todas as formas possíveis. De uma forma mais ética (...) Como também de forma bastante capitalista (...) Tem alguns programas, através dos seus apresentadores, que tem um único fim de tentar ajudar as pessoas, de transmitir verdadeiramente a Palavra de Deus. Têm outros que carregam a venda de produtos. Entrevistador – Qual sua análise sobre a visão empresarial que os programas evangélicos, de um modo geral, têm adotado? Entrevistado – Eu penso que eles não têm opção. Ou se adaptam a esse meio, que é um meio capitalista. E tem que ter dinheiro para bancar a programação, ou infelizmente não vai haver o programa. Aí eles têm que se prender a essa parte da comercialização do meio evangélico. Entrevistador – Então, você a considera necessária para poder sobreviver nesse meio? Entrevistado – Sim! Assim como em uma casa a gente precisa trabalhar para conseguir pagar conta de água, luz, telefone, alimentação. Eles também têm que dá os pulos deles para tentar manter suas programações.

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Entrevistador – Essa característica empresarial que os programas têm adotado, você vê como necessária para poder bancar essa realidade de um alto custo? Entrevistado – Eu tiraria a palavra empresarial e colocaria a palavra profissional. Estamos em um mundo profissional... Então, nós temos que viver de acordo com as regras que o mundo dita em determinados setores. (entrevista, 05.05.2009).

Na entrevista com Geni Martins, também da Igreja Presbiteriana, podemos, mais uma vez, perceber essas contradições vivenciadas por aqueles que fazem parte de um segmento do Protestantismo que nada tem a ver com o Neopentecostalismo. Isso porque, à medida que rejeitam as posturas neopentecostais, absorvem igualmente seus ensinos. Entrevistador – Você costuma acompanhar programa de rádio e TV? Entrevistada – principalmente de TV. De rádio nunca. Entrevistador – Qual o de sua preferência? Entrevistada – Sem dúvida alguma é a da RiT; missionário R.R. Soares com sua pregação bem popular e simples. Entrevistador – qual sua opinião sobre o uso da mídia televisiva e radiofônica por parte dos evangélicos? Entrevistada – Acho muito positivo. Eu acho que como qualquer grupo social os evangélicos devem ter um espaço na mídia. Só não fico muito satisfeita é... [silêncio] Não sei nem se devo falar, mas vou falar. Só não fico muito satisfeita é com a forma como eles fazem à capitação dos recursos. Aquela insistência apelativa que cansa bastante. Entrevistador – Como você vê a postura empresarial que os programas evangélicos têm adotado? Entrevistada – Eu vejo esse comportamento como mercantilista (...) tem determinados programas, tem determinados pregadores que eu nem mais consigo ouvir. Porque é mais petição de fundos do que mesmo pregação. É lógico que chega um momento que isso satura (entrevista, 07.05.2009). Essas mesmas constatações foram feitas em entrevistas com membros da Assembléia de Deus (Templo Central), Betesda e Canaã. Entrevistador – O que fazer para a Igreja ser bem sucedida? Entrevistado – A igreja hoje tem que tomar uma nova postura diante da sociedade... Qual é o setor de marketing da mocidade? Quais são os consultores da mocidade? Então, a gente tem que mudar alguns padrões dentro da própria igreja para acompanhar a sociedade... As pessoas que trabalham no mercado de vendas, de tele marketing têm um jargão que diz: “A propaganda é a alma do negócio.” Não que a igreja seja um negócio voltado para a questão financeira. Mas se nós não cuidarmos da imagem da Igreja e a divulgarmos, as pessoas não serão atraídas para vir. Então, tem que ter marketing na Igreja –

66


Humberto Araújo: 10.05.2009).

Igreja

Assembléia

de

Deus

(entrevista,

Entrevistador – Uma campanha de oração proporciona uma vida financeira prospera? Ela tem efeito nesse aspecto? Entrevistada – acho que sim! Acontece de o irmão estar passando por uma dificuldade. Nem todos os crentes vivem financeiramente bem. E aí eu acho que é necessário a pessoa fazer uma campanha de oração para melhorar sua vida financeira. Acho que Deus ajuda sim! Entrevistador – Na sua compreensão Deus sempre premia com saúde e com prosperidade àqueles que o servem, que o seguem, que o amam? Entrevistada – Acho que sempre! Sempre, sempre, sempre... Entrevistador – Por quê? Entrevistada – Por experiência própria. Desde que eu entrei na igreja só tenho recebido bênçãos – Deyvia Silvia: Igreja Assembléia de Deus (entrevista, 06.06.2009). Entrevistador – o que é preciso fazer para a pessoa prosperar economicamente? Entrevistada – primeiro de tudo ser fiel a Deus. Em tudo o que ganha separar aquilo que é do Senhor em primeiro lugar. Fazendo isso não há como a pessoa não ser abençoada, não ser próspera. Além do dízimo, da oferta alçada, a gente deve abençoar com ofertas especiais. Entrevistador – A senhora acha que uma pessoa que serve a Deus é sempre premiada com a saúde e a prosperidade? Entrevistada – Com certeza. Aquele que realmente é fiel a Deus, é dedicado, voltado para Deus, Ele sempre dá o seu prêmio. Sempre honra e sempre está dispensando uma benção para cada uma dessas pessoas – Fátima Holanda: Igreja Betesda (entrevista, 19.05.2009). Entrevistador – Há alguma relação entre dá o dízimo e uma vida financeira próspera? Entrevistado – Tem! Até porque Deus diz: “Fazei prova de mim, se eu não abrir as janelas do céu...” Isso quer dizer também que Deus vai abrir as portas em relação ao financeiro da pessoa... O que Deus promete é dar em dobro naquilo que a pessoa está sendo fiel de coração ali naquele momento... Uma pessoa que é fiel a Deus, eu acredito que de nada ela tem falta. Até porque o salmo 23 relata: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará.” Isso engloba tudo – Paulo Magalhães: Igreja Betesda (entrevista, 17.05.2009). Entrevistador – O senhor acha que uma campanha de oração tem algum efeito, no sentido de melhorar a situação financeira de alguém? Entrevistado – Eu creio que sim! Eu acredito plenamente nisso aí. Por que senão o que adiantaria eu estar dentro de uma igreja? Para que adiantaria as pessoas me pedirem oração? Para que orar? Eu oro para que o Senhor venha abençoar as pessoas, tipo: em uma cura, em uma resolução da situação financeira de alguém que está completamente falido. Entrevistador – o que o senhor acha da ideia daqueles que servem a Deus sempre serem premiados com a cura e com a prosperidade? Entrevistado – também creio! Não vou dizer para você que nós como cristãos, como servos de Deus somos livres de tudo. Vivemos em um mundo em que todos vivem. Então, estamos sujeitos a tudo

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isso aí. Mas, com certeza estamos sob proteção divina. Eu sinto dores, passo por problemas, tenho enfermidades normalmente. Mas, minha fé está sempre firmada no Senhor; nesse propósito que Deus vai me curar, vai me proteger, vai me livrar. Então, se eu creio em Deus, tenho que acreditar nessas coisas – Aroldo Oliveira: Igreja Canaã (entrevista, 19.05.2009). Entrevistador – Você acha que Deus sempre premia com saúde e com prosperidade àqueles que o servem e que o amam? Qual sua opinião sobre isso? Entrevistado – Sim, sim! Porque você está obedecendo a Palavra de Deus. E com certeza virão bênçãos: abrir portas de empregos... E em todas as áreas você é abençoado. Entrevistador – Você vê alguma relação da miséria material com forças do mal que precisam ser exorcizadas? A miséria, a favela, estão relacionadas com algum mal espiritual? Têm relação, ou não há nenhuma relação? Entrevistado – Tem! Tem que expulsar mesmo o mal, não é? Tem uma força maligna que prende a pessoa na miséria. Em diversos bairros existe essa miséria. Pessoas que não buscam a Deus. Estão sempre no pecado, no pecado... Com certeza isso acaba tendo relação com a miséria. Não só aqui no Brasil, mas também na África, na Etiópia, nos Camarões... São lugares muito idólatras que oferecem suas ofertas a um demônio, às entidades malignas. E tem que expulsar mesmo. Entrevistador – Então você acha que os locais onde a miséria impera, seja em bairro ou em países, estão debaixo da influência de forças malignas? Seria isso? Entrevistado – Seria isso! Porque existem as forças do bem e as forças do mal. Então nossa luta não é contra carne e o sangue, e sim contra principados e potestades do mal no mundo tenebroso. Então precisam ser expulsos em nome de Jesus. Porque há poder no nome de Jesus – Fernando de Oliveira: Igreja Canaã (entrevista, 16.06.2009).

Diante desse quadro, podemos perceber que a Igreja Evangélica de Fortaleza – um retrato da Igreja Evangélica brasileira – apresenta uma nova feição. De forma que suas desaprovações e aprovações das práticas, dos valores neopentecostais se misturam e se confundem nessa nova tendência da fé dos crentes. Diga-se, uma fé que cada vez mais assume contornos e perfis capitalistas. Os gráficos abaixo – resultado da pesquisa realizada em 2009 com cerca de quarenta membros das igrejas acima citadas – demonstram essa realidade.

68


Aprova

Aprovação empresarial evangélica.

da pela

postura mídia

Não aprova

18

15

Total Crença na relação entre a prática do dizimo e uma vida financeira prospera.

Parcial

8

Regularmente

Acompanhamen to da mídia televisiva neopentecostal.

14

Prioridades pedidos orações.

nos de

17

Baixos

Razoáveis

-

16

Esporadicamente

12

23

15

6

69

Abusivos 22

Regularmente

Pedidos pelos outros

1

Não respondeu -

Não respondeu 2

Acompanha programas, mas não de igrejas neopentecostais

6

Pedidos por si mesmo

Não respondeu

Nenhuma relação 21

11

Esporadicamente

Opinião sobre os preços dos artigos evangélicos no mercado.

Consumo desses artigos evangélicos.

Parcial

6

5

Nenhuma relação 10

22

Total Crença na relação entre a pobreza e forças espirituais malignas que precisam ser exorcizadas.

Não aprova, mas acha necessário. 6

Nunca consome 5

Pedidos por si mesmo e pelos outros 17

Não acompanha nenhum tipo de programa 3

Não respondeu 2

Não respondeu -

Não respondeu 2


Prospera materialmente e profissionalmente

Definição de uma pessoa abençoada por Deus.

-

Prospera na área moral, espiritual e na relacional 27

70

Prospera em Não respondeu todas as dimensões da vida 9

4


CAPÍTULO 3 – ALGUMAS POSSÍVEIS RAZÕES PELAS QUAIS A FÉ EVANGÉLICA TEM DESENVOLVIDO A TENDÊNCIA CAPITALISTA

omo temos constatado até então, o Protestantismo nas suas mais diferentes

C

vertentes vem apropriando-se, reproduzindo à sua maneira novas crenças e posturas que eram identificadas apenas no meio neopentecostal. Não

obstante as diferenças – o que também podemos perceber na pesquisa – esse processo de “neopentecostalização” nas igrejas vai brevemente “diluir muitas das diferenças agora existentes entre elas” (2005, p.39). E esta “neopentecostalização” no meio evangélico ocorre, possivelmente, por algumas razões. No presente capítulo, apresentamos pelo menos três delas.

3.1. A natureza pragmática da mídia

É a primeira razão desse fenômeno. Por pragmatismo queremos dizer a concepção filosófica que estabelece seus valores na perspectiva da utilidade e da funcionalidade. Para William James – um dos grandes expoentes em torno do qual esse movimento se originou (final do séc. XIX) – o conceito de verdade, por exemplo, é algo totalmente instrumental, ou seja, relacionado com sua operacionalidade (2005, p.52-53). Ele define o pragmatismo como “a atitude de olhar além das primeiras coisas, dos princípios, das ‘categorias’, das supostas necessidades; e de procurar pelas últimas coisas, frutos, consequências e fatos” (ibid, p.48). Portanto, não são valores morais e éticos que definem as ações, nesse caso. Mas a funcionalidade, a praticidade e a utilidade.

E a mídia, principalmente a radiofônica e a televisiva, que surgiu no final da primeira metade do século XX, absorve muito desse pragmatismo. Há quase meio século Marshall McLuhan, um dos magos das comunicações nos Estados Unidos, escreveu: “Hoje em dia, quando a tecnologia do poder dominou todo o ambiente global para manipulá-lo como material de arte, a natureza desapareceu com a poesia da natureza. Passamos agora da produção de artigos empacotados para o empacotamento de

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informações” (2001, p. 38). Essa veiculação de informação por parte da mídia tem um compromisso muito maior com fatores econômicos do que com a verdade, tornandose também um produto comercializado no mercado. E como qualquer produto de consumo acaba procurando atender aos interesses pragmáticos.

Sobre o poder que a mídia possui, e sua natureza pragmática, ninguém melhor para falar do que Genésio Lopes. Jornalista há vinte e cinco anos, escritor, colunista, articulista do jornal Última hora, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Participou ativamente da vida política do país nos últimos cinquenta anos, lutando obstinadamente pela sua redemocratização. Chegou a conhecer a censura e o cárcere militar durante a Ditadura. Em seu livro O Superpoder – o raio X da Rede Globo – Genésio faz uma crítica social ao império da ganância e da lucratividade midiática aqui no Brasil. Ele classifica a mídia como um quarto poder, tendo inclusive proeminência sob os outros poderes. E a Nação, que sempre identificara nos Três Poderes da República a imagem mais clara do equilíbrio institucional e da força da Cidadania, espanta-se agora ao ver suas pulsações políticas e econômicas reguladas por algo estranho, insólito, e com o cinismo de todo usurpador: Um Superpoder (...) Contudo, se os verdadeiros Poderes da República dobram-se diante do Tacão Global, abdicando legitimidade, deveres e responsabilidades históricas, quem poderá reavivar a força desses valores morais e institucionais no coração da nossa gente? (ibid, 17-21).

O citado autor ainda nos diz que a mídia (Rede Globo) estabelece seu domínio sob todas as esferas da vida social: da política ao futebol; da magistratura ao empresariado; das elites às classes populares (ibid, p.16-17). Também critica a forma inescrupulosa e voraz com que ela veicula as informações. Quase sempre visando à lucratividade e à popularidade. E quase nunca à verdade e à ética. Sobre isso ele comenta:

Como um Baal Fenício, que se alimentava de crianças de colo, esse complexo de comunicação devora dinheiro, costumes, tradições, inclusive a inata capacidade de reflexão das pessoas, despejandolhes diária e repetidamente ‘pacotes de informações’ sobre a origem das quais sua consciência interrogativa jamais terá acesso... E nesse diapasão, movido pela impiedade política e publicitária, ‘a mentira acaba transformando-se na mais pura verdade’ como reflexo puro das táticas ‘goebellsianas’ (ibid, p. 49).

A natureza da mídia é absolutamente pragmática. E quanto à mídia evangélica? Ela também se enquadra nesse perfil? De acordo com a análise do sociólogo Alexandre

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Brasil Fonseca, parece-nos que sim. No seu artigo sobre Lideranças Evangélicas na Mídia: Trajetórias na Política e na Sociedade Civil, ele analisa o trajeto do pastor Caio Fábio D’Araújo Filho, uma das principais lideranças evangélicas do Brasil nos últimos cinquenta anos. A relação de Caio Fábio com a mídia evangélica é bastante emblemática pelo fato dela ser divisora de águas no que tange a um envolvimento e participação maior do protestantismo histórico e pentecostal na televisão – espaço que antes era ocupado apenas pelos neopentecostais. É a partir dessa relação que a visão midiática

empresarial

se

estabelece

também

entre

outros

segmentos

do

Protestantismo. Vale ressaltar que isso ocorre no final da década de1980, e vem se consolidando nas últimas duas décadas. Conforme Alexandre, o pastor Caio desponta na mídia através da Vinde (Visão Nacional de Evangelização), entidade que mais tarde se torna uma holding de outras sete organizações, algumas empresas e outras sem fins lucrativos. Com uma emissora de rádio, uma revista e uma TV a cabo ela se consolida, em pouco tempo, como uma empresa na área de comunicações. O referido autor traça a trajetória do pastor acima citado da seguinte forma: Seu início em Manaus (1974-1980) e desenvolvimento pessoal na televisão e rádio; sua mudança para o Rio de Janeiro com a consolidação de sua liderança entre ‘evangélicos de esquerda’ (19801987); sua aproximação com um público melhor situado economicamente (1988-1992), o que ocorre principalmente após o período que reside nos Estados Unidos; por fim, seu envolvimento em uma série de movimentos de cidadania, iniciando projetos sociais de vulto, tornando-se significativa figura da sociedade civil organizada (1993-1998). O ano de 1999 será um ano central na trajetória de Caio Fábio, pois demarca o início de uma nova etapa após seu envolvimento na divulgação do ‘Dossiê Cayman’ (1998, p. 95).

Ariovaldo Ramos, uma espécie de braço direito do presidente da Vinde na época, aponta mudanças na ênfase do discurso de Caio Fábio depois da sua ida para os Estados Unidos: Ele ganha a filosofia empresarial por meio da convivência com Leighton Ford, Billy Graham Ministries e outros ministérios americanos personalistas... O Caio, até 87, era um cara assumidamente de esquerda. Com aquela visão que nós temos de mudar, promover justiça nesse país, a situação tem que mudar, a igreja tem que se engajar... E a TV era vista como grande difusora dessas idéias... Nos anos 90 começa uma nova fase no ministério do Caio, se aproximando de muitos empresários... Tudo começa a mudar, a perspectiva dos congressos muda. Nós tínhamos aquela visão de que você tinha que fazer uma coisa com custo baixo para trazer mais pastores e vender a mensagem da Vinde, que era uma mensagem bem Lausanne, bem evangelical... Caio agora fala uma linguagem mais empresarial e menos social – Ariovaldo Ramos, 3/3/1997 (citado em Fonseca, 1998, p. 99-101).

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A mudança da “visão romântica” para a “visão empresarial”; do “Kibutz judaico” para a “missão-empresa” – nas palavras de Ariovaldo – acaba ocorrendo. Isso porque dos quinze funcionários que a Vinde possuía até 1990, em 1997 ela multiplica para quatrocentos.

Alterando

também

significativamente

toda

estrutura

dos

seus

congressos, passando a ser realizados em hotéis de cinco estrelas com custos elevadíssimos. E coincidentemente ou não, isso se dá à medida que vários homens de negócios e setores economicamente bem situados foram se achegando a Caio Fábio, levando a Vinde a mudar o target de sua ação. O que nas próprias palavras de Caio significa: “Vamos fazer uma missão que seja gerida empresarialmente e vamos fazer empresas que tenham uma visão missionária. O lado missionário vai ser gerido empresarialmente, e o lado empresarial vai carregar um coração e um objetivo missionário” (ibid, p. 100 apud Caio Fábio 10/4/1997).

Por um lado, o pastor Caio Fábio dimensionou muito bem seu ministério midiático. Já que – conforme Ortiz (1988) – a mentalidade empresarial é imprescindível tanto na mídia eletrônica, quanto nas empresas de marketing e publicidade, pois sem ela seria impossível se perpetuar nas selvas das comunicações. Por outro lado, o pastor não calculou o custo moral e ético desse empreendimento empresarial. Como bem lembra Debord, o desenvolvimento de qualquer empresa depende necessariamente de técnicas, valores e meios da sociedade do espetáculo. E que a desonestidade faz parte desse jogo não como opção, mas como necessidade de sobreviver no mercado (2007, p. 222- 223). Ou ainda como nos diz Houtart: Um empresário que desconsiderasse a concorrência não continuaria por muito tempo como diretor de uma empresa, e um banqueiro que não procurasse obter o melhor rendimento dos capitais a ele confiados não teria a confiança de seus clientes. Uma grande montadora de automóveis que priorizasse o bem-estar de seus trabalhadores no processo da produção seria rapidamente superada no processo da concorrência. Tudo isso tem muito pouco a ver com a excelência moral dos seus atores individuais que, além disso, com muita frequência encontram inúmeras razões para legitimar suas práticas. Podemos acrescentar que não há nada pior que um mau sistema operado por atores eticamente corretos – grifo meu (2003:60).

O sistema capitalista no qual vivemos não se importa muito com o que é certo, ou errado; com o bem ou o mal. Mas unicamente com aquilo que pode gerar lucro. Essa é a natureza pragmática do mundo empresarial ao qual a mídia pertence, e que foi absorvida, de certa forma, pela Vinde – primeiro modelo de missão-empresa não

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neopentecostal – no fim dos anos oitenta. Esse mesmo modelo tem sido reproduzido pela igreja evangélica nos seus programas de rádio e de TV. Vale ressaltar a pesquisa de campo, demonstrada nesse trabalho, realizada com pessoas que não fazem parte de igrejas neopentecostais, na qual a maioria aprovou essa postura empresarial. Talvez sem se dá conta dos comprometimentos éticos e morais que envolvem esse meio.

É no mínimo curioso observar como os programas evangélicos de TV que, pelo menos em tese, não são identificados com o Neopentecostalismo, têm adotados posturas e práticas totalmente comerciais e mercantilistas. É o caso do televangelista, pastor da Igreja Assembléia de Deus, Silas Malafaia. No programa Vitória em Cristo, exibido no dia 13 de junho de 2009, ele entrevistava outro pastor que comentava sobre como adquirira certa propriedade, cujo valor era bem acima de suas condições. O referido pastor atribuía essa aquisição a uma oferta que tinha destinado ao programa do Silas. Na verdade a atitude tinha sido da sua esposa, sendo que apenas, dizia o pastor, “– peguei carona na sua fé”. Esse gesto, segundo ele, estava resultando em vários benefícios materiais e espirituais, tanto para sua própria vida, quanto para sua igreja. Durante toda sua fala foram enfatizadas e repetidas as seguintes expressões: “– É preciso que você semeie para ter uma grande colheita...” “Quem semeia uma semente recebe várias vezes mais...” “Faça como eu: dei o meu melhor para Deus e Ele deu o melhor para mim...” “Talvez com esse dinheiro aí você nem consiga resolver seu problema, então invista no Reino de Deus (entenda-se com isso investir nos projetos ministeriais e no programa de TV do pastor Silas Malafaia)”.

Obviamente isso contou com a total aprovação do pastor Malafaia. Que vez por outra interferia com frases: “– Eu concordo! amém!”, aproveitando para sensibilizar os telespectadores falando dos altos custos que mantinham seu programa no ar, e que ele não tinha ajuda de nenhuma igreja. Inclusive, prometendo criar um novo quadro na programação com depoimentos desse tipo para mostrar como Deus está “abençoando” (entenda-se prosperando materialmente) as pessoas que tem lhe ajudado a custear as despesas com a TV, e com as suas megas cruzadas evangelísticas.

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Há uma matéria de capa da revista Época, agosto de 2010, sobre Os novos evangélicos12, na qual é mencionado um vídeo na internet “em que o pregador americano Moris Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma ‘unção financeira dos últimos dias’ em troca de quem ‘semear’ um ‘compromisso’ de R$ 900...” (2010: 91 e 92).

E no programa de Silas exibido no dia 8 de janeiro de 2011, o pregador, também americano, Mike Murdock dizia que iria pedir a Deus 1189 milagres para aqueles próximos 15 minutos. Garantia um dos 1189 milagres (segundo ele o número de capítulos da Bíblia) aos que ligassem para o programa fazendo determinada contribuição financeira.

Dizia também, sob forma de uma suposta revelação

sobrenatural, que havia telespectadores envolvidos em uma transação imobiliária, e que precisariam, conforme Mike Murdock, “semear” algo em torno de 10 a 25 mil reais para que a transação imobiliária lhe fosse favorável. Na ocasião ele também – com a corroboração do Pr. Malafaia – divulgava seu livro Sabedoria para Vencer, enfatizando frases do livro como: “decisões decidem riquezas”; “riquezas é uma recompensa divina para aqueles que seguem suas leis”; “você pode ter uma vida sem dívidas”; “eu tenho uma casa linda e não devo um centavo”; “um homem certa vez me disse: quando eu oro não espero nada de Deus. Então eu lhe disse: você é um homem estúpido”.

Vale salientar que em meio a essas frases, pontuadas em sua fala, durante o programa, Murdock desafiava as pessoas a se filiarem ao clube de um milhão de almas – projeto evangelístico do Pr. Silas Malafaia –, contribuindo com mil reais.

E por mais que o pastor Silas tenha tentado remediar no final do programa, afirmando que não estava pregando uma “prosperidade louca e inconsequente”, fica patente que o discurso e a postura daqueles que não se identificam doutrinariamente com o neopentecostalismo, acabam se misturando e se confundindo com suas principais ideias. É o preço da natureza absolutamente pragmática da mídia – até mesmo da mídia evangélica.

É interessante notar a semelhança entre os discursos dos programas de TV como esses do pastor Silas Malafaia, e aqueles discursos dos programas de TV da Igreja 12

Um movimento de fiéis que critica o consumismo, a corrupção e os dogmas das igrejas, e propõe uma nova reforma protestante.

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Universal, da Igreja Mundial e da Igreja da Graça. Qualquer semelhança não é mera coincidência e sim a necessidade de pagar os altíssimos custos da televisão. E também, como diz Mariano, a grande influência exercida pelas igrejas neopentecostais sob as outras; no que diz respeito à obtenção do sucesso, da visibilidade, do domínio da mídia e das práticas que agradam as massas (2005:39).

Queremos esclarecer que a razão de termos mencionado o pastor Silas Malafaia nessa argumentação foi única e exclusivamente o fato de nossa pesquisa mostrar sua grande audiência ao lado do programa do missionário R.R. Soares na preferência dos crentes entrevistados de várias igrejas evangélicas da nossa cidade. Sendo assim, a intenção foi demonstrar, através disso, o surgimento, nas últimas décadas, de uma tendência evangélica na mídia cada vez mais identificada com os valores capitalistas da fé. Seja por meio dos programas de televisão tipicamente neopentecostais (como o do R.R. Soares), ou por meio daqueles programas (como o do Silas) que não se identificam doutrinariamente com essa linha. Porém, cujo discurso e postura se misturam e se confundem com aqueles praticados no neopentecostaslismo.

3.2. A obsessão da nossa sociedade pela exuberância e pelo espetacular

Tal obsessão consiste a segunda razão dessa onda capitalista da fé – ou “neopentecostalização” – que tem invadido as igrejas evangélicas. Guy Debord, um dos mais importantes pensadores do século para a imprensa francesa, faz uma análise crítica da moderna sociedade de consumo na sua célebre obra A Sociedade do espetáculo. Nela, ele diz que nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia – fiéis promotoras do capitalismo e do consumismo – foram tão fortes como agora. Debord fala do sistema de dominação espetacular da nossa sociedade. Comenta que a lógica da sociedade do espetáculo, fundamentada no capitalismo, se alastra e se afirma em toda parte: Da política ao crime organizado; da ciência à tecnologia; do comércio à crença; das ideologias aos valores morais; da cultura à mídia. E afirma que “já não existe nada na cultura e na natureza que não tenha sido transformado e poluído segundo os meios e os interesses da indústria moderna” (2007, p.173). Lembra-nos ainda que essa sociedade prefere a exuberância do que a simplicidade; a ficção ao invés da realidade. A respeito disso nos diz:

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A lógica do espetáculo comanda em toda parte as exuberantes e diversas extravagâncias da mídia (...) Aquilo que o espetáculo deixa de falar durante três dias é como se não existisse. Ele fala, então, de outra coisa, e é isso que, a partir daí, afinal, existe (...) O juízo de Feurbach a respeito de sua época que preferia ‘a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade’ foi inteiramente confirmado pelo século do espetáculo (ibid, p.171-207).

Nessa sociedade, o mundo evangélico passa a supervalorizar cada vez mais as celebridades que volta e meia surgem em seu reduto; os megas templos suntuosos que despontam pela cidade; os grandes eventos religiosos com todo o aparato da publicidade e do marketing; as gigantescas cruzadas evangelísticas com a estrutura das melhores empresas de eventos do país; e os excepcionais shows da fé com seus “milagres’’ que impressionam as multidões. E tudo isso sob o pretexto de que “Jesus merece o melhor”. E de que “temos que fazer coisas grandes para Deus”.

Consequentemente, o que passa ser prioridade é a imagem, a aparência, a visibilidade – que possam impressionar de forma espetacular. A realidade, então, acaba sendo confundida com aquilo que é mostrado. A fé com aquilo que pode ser visto. E a credibilidade com aquilo que é evidenciado (ou que está em evidência). É aquilo que o pensador e historiador francês Michel de Certeau diz no seu livro A Invenção do cotidiano. Quando fala que as instituições (inclusive as religiosas) de nossos dias tentam compensar a falta de credibilidade diante da qual se encontram com técnicas de marketing, e tentando falsear a realidade com aparências (2007: 279, 280,281). Em decorrência disso, afirma Certeau que a crença na modernidade não é algo mais invisível; que se esconde por detrás dos signos e do inacessível. Mas algo que precisa ser visto, tocado e comprovado: “A invisibilidade do real, postulado antigo, cedeu lugar à sua visibilidade (...) O visto é identificado com aquilo que se deve crer...” (ibid, p.288- 289). Numa sociedade da exuberância e do espetáculo a concepção antiga da crença – crer naquilo que não vê – é substituída pela concepção contemporânea – crer apenas naquilo que pode ser mostrado de forma impressionante. E é nesse contexto que os valores neopentecostais do sucesso, da visibilidade, da presença ostensiva na mídia, da prosperidade e da cura imediata e sensacional (ou sensacionalista) se estabelecem e se afirmam no meio evangélico.

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3.3. A dimensão sagrada do consumo

É a terceira e última razão que apresentamos aqui para tentarmos entender essa tendência capitalista que tem tomado conta da crença evangélica. Antes de explicar esse fenômeno, temos que compreender como nasceu essa sociedade do consumo. Entendemos que a natureza do consumo não é algo exclusivo da sociedade moderna industrial, pois, como nos lembra a antropóloga Diana Nogueira, “em todas as sociedades e em todos os momentos da história os homens consomem e consumiram objetos” (2010, p. 7). A antropóloga nos mostra que a atividade humana de adquirir, dar, receber e retribuir objetos não é algo apenas ligado a fatores de ordem econômica e material, mas algo, muitas vezes, carregado de significados socialmente construídos. A prática de consumo não pode ser entendida apenas pelo viés socioeconômico, mas também deve ser compreendida pelo viés sociocultural. E isso pelo fato, conforme a autora acima citada, da constatação de que “a troca e uso de objetos são práticas que criam e mantêm vínculos entre os membros de uma sociedade e que, ao mesmo tempo, operam para fornecer sentido e ordenar a vida coletiva em uma totalidade” (ibid,p.8-9).

Entretanto, é notório que o consumo de bens assume uma forma desproporcional na sociedade ocidental moderna e industrializada. Tanto no volume, quanto na diversidade de produtos – conforme nos diz Diana. E essa forma de consumo exagerado está ligada diretamente à Revolução Industrial – transformações ocorridas na Europa Ocidental nos séculos XVIII e XIX relacionadas à substituição da manufatura pela maquinofatura; da produção artesanal pela produção fabril. Com isso a produção que antes era em pequena escala passa a ser em grande escala. E ganha proporções mundiais por meio de uma nova compreensão política e econômica, na qual a propriedade privada consolida o capitalismo pela livre iniciativa da oferta e da procura; e pela exploração do trabalho da classe operária – considerado apenas mais uma mercadoria. E isso se dá no esteio de um liberalismo político e econômico fundamentado pelos seus teóricos como John Locke (1632-1704), Adam Smith (17231790), Thomas Malthus (1766-1834), David Ricardo (1772-1823). Só que em pouco tempo surge o problema da superprodução, ou seja, dos bens excedentes produzidos. Para, então, poder preencher essa lacuna entre produção e consumo, sem com isso diminuir os lucros, a indústria passa a incentivar a aquisição desses bens além do que era necessário. É o que nos diz Osvaldo Coggiola – professor de história

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contemporânea da USP: “A expansão do modelo mundial, na segunda metade do século XIX deu vazão ao capital supérfluo inglês...” (2007,p.98).

A partir dessas transformações sociais, políticas e econômicas surge o consumismo como uma ferramenta da produção industrial para escoar os excedentes do capital amealhado. Dessa forma, a indústria tem garantido até hoje o escoamento do que ela produz. Seja pelas estradas de ferro do início da Revolução Industrial. Seja pela internet, ou pela mídia dos nossos dias. Não importa! Ela sempre sobreviveu da exploração do proletariado e do consumo exacerbado. Nesse diapasão, passa a ser elaborado todo um conceito da felicidade proporcional ao acúmulo de bens consumidos. Por conseguinte, todas as empresas de marketing e propaganda passam a existir. Um artigo interessante da revista Christianity Today (Cristianismo Hoje) cita um trecho do que se chamou Thompson Red Book on Advertising (O Livro Vermelho sobre a Propaganda por Thompson), de 1901. Nele, há uma pequena frase que descreve a propaganda na virada do século XX: “A propaganda tem o objetivo de ensinar as pessoas que elas têm desejos que não reconheciam antes, que esses desejos podem ser supridos”. Portanto, como nos lembra Gondim, o Capitalismo tem a necessidade não apenas de gerar nas pessoas a compulsão para comprar, mas também meios de concretizar seus desejos (1996, p. 39).

Essa sociedade do consumo consequentemente influencia o meio evangélico. O crescimento do número de fiéis em todas as classes sociais nos últimos anos tem permitido a expansão e diversificação de um mercado direcionado para esse público consumidor. Fazendo com que floresça um novo ramo na cadeia produtiva brasileira: a indústria gospel. Nesse mercado, nos diz Marcos Stefano, é possível encontrar, além dos consolidados livros e CDs – imbatíveis nas vendas – produtos como bonés, chaveiros, canetas, pulseiras, porcelanas, imãs de geladeiras, broches, quadros, porta-retratos, adesivos e uma infinidade de artigos para todos os gostos e idades. E apesar do discurso religiosamente correto do anúncio da Palavra de Deus através desses meios, conforme Marcos, grande parte dos empresários evangélicos procura mesmo é garantir seu “santo lucro”. Eles próprios admitem que exploram comercialmente essa dimensão sagrada do consumo. “Vivemos numa sociedade de consumo, que prioriza essa comercialização”, reconhece Samuel Eberle dos Santos, superintendente da empresa Luz e Vida, detentora dos direitos do Smilinguido e sua turma – a formiguinha mais famosa do mundo gospel aqui no Brasil (Eclésia, n. 67, junho de 2001, p.36). Até mesmo empresários não evangélicos já perceberam que é

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um bom negócio investir nesse segmento. É o caso da empresária nacionalmente conhecida Marlene Matos que transformou a Xuxa – a rainha dos baixinhos – numa mina de ouro. Ela criou a Amém Records, produtora musical, que fazia parte do megagrupo Xuxa Produções, e que passou a investir na rentável música gospel. “Não me preocupo com questões religiosas, o meu interesse nesse tipo de música é apenas financeiro”, admite Marlene (Vinde n. 9, julho de 1996:22). No que diz respeito aos consumidores evangélicos, eles não são exclusivamente da classe média abastada. E nem poderiam ser. “Cerca de 70% dos crentes brasileiros têm renda mensal de até cinco salários mínimos. É gente que só dispõe de uns poucos reais quando sai às compras” (Eclésia, nº. 67, junho de 2001, p.38).

Parece-nos que esse mercado gospel está aí mesmo para ser explorado. Nossa pesquisa revelou que a maioria dos entrevistados, mesmo considerando abusivos os preços

dos

artigos evangélicos

disponíveis

na

praça,

costuma

comprá-los

regularmente ou esporadicamente. É perceptível que o consumismo tem se tornado um estilo de vida do povo evangélico brasileiro. Como denuncia o pastor José Pontes: “Somente com brindes, CDs, camisas, decalques e etc., os crentes brasileiros gastam três bilhões de reais por ano” (Revista ISTO É, nº. 314, Set. de 2003 citada em Todos Nós, n.2, {s.d}). É pertinente também citar, na íntegra, o comentário feito pelo sociólogo Ricardo Mariano sobre o grande filão que se tornou o consumo de artigos religiosos nesse meio. Além da ampliação do número de gravadoras, surgiram produtoras de programas de TV, empresas de Software, fábrica de brinquedos, agências de turismo (para a ‘terra santa’), emissoras de rádio. Multiplicaram-se as confecções, com camisetas, estamparias, e demais peças de vestuário, e as lojas de instrumentos, CDs e partituras musicais. Diversificou-se a variedade de material escolar e de objetos de uso pessoal e doméstico com mensagens cristãs. Surgiram bonecos de brinquedos do pastor Davi, do profeta Moisés e da Arca de Noé, bonés, fitas de vídeo com desenhos animados, CDROM com jogos interativos para crianças e adultos e videogames com histórias e personagens bíblicos. Em 1988, a Beleza Cristã, do grupo Embeleze, baseada numa pesquisa com 800 crentes, lançou 180 produtos da linha cristã para o mercado evangélico, entre os quais xampus, colônias, cremes, potes de gel, loções, desodorantes, óleos aromáticos para unção, balas e drops (2005, p. 213-214). O Brasil está em segundo lugar no ranking dos países que mais consomem música gospel norte-americana. Ultrapassou diversos países de língua inglesa. O mercado brasileiro só perde mesmo para os EUA, líder mundial do segmento, não só em consumo, mas também em produção (Vinde, nº. 17, abril de 1997).

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Com o estabelecimento da sociedade consumista, os desejos e sonhos se multiplicaram de tal forma que o supérfluo toma o lugar do essencial; a insatisfação sobrepuja o contentamento. Nasce, então, a necessidade de experimentar o maior número possível de opções para não frustrar a necessidade do consumo. É o que Gondim chama de “estado de supermercado”: Como o homem pós-moderno passou a acreditar que merecia o maior número de produtos, criou-se juntamente com o mercado o sentimento que ele tem que viver em ‘estado de supermercado’, como um consumista compulsivo. Da mesma maneira, necessita igualmente que as idéias, sistemas, e religiões estejam ao seu inteiro dispor. Quando lhe são oferecidas todas essa opções, elas chegam sem um valor intrínseco superior. Todas são válidas e passíveis de serem escolhidas, dependendo apenas da percepção subjetiva do indivíduo (1996, p.40-41).

Esse desejo intenso de consumir que impregna nossa sociedade, de experimentar todas as opções possíveis – inclusive as opções religiosas –, tem implicação direta na “neopentecostalização” das igrejas evangélicas não neopentecostais. De que forma isso ocorre?

Primeiro através das identidades múltiplas. Stuart Hall, dissertando a respeito da identidade cultural na pós-modernidade, diz que diferente do homem da sociedade moderna – com sua identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural – hoje, vemos uma espécie de fragmentação que desloca cada vez mais as identidades centradas e fechadas. Tornando, dessa forma, as fronteiras cada vez menos definidas, provocando certa crise de identidade. Ele aponta a globalização como o principal fenômeno responsável pela fragmentação de códigos culturais; pela multiplicidade de estilos e pela exacerbação do efêmero, do flutuante e do “impermanente”. Segundo Stuart, quanto mais a vida social estiver sendo mediada através do mercado global, das viagens internacionais, da mídia e dos meios de comunicação globalmente interligados, mais “as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente...”. Somos, então, confrontados por uma variedade de identidades, “cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós, dentre as quais parece possível fazer uma escolha...”. Lembra-nos ainda que: Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de ‘identidades partilhadas’ – como ‘consumidores’ para os mesmos bens, ‘clientes’ para os mesmos serviços, ‘públicos’ para as mesmas mensagens e imagens – entre as pessoas que estão

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bastantes distantes umas das outras no espaço e no tempo (...) Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de ‘supermercado cultural’. No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou moeda global, em torno das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas (2007, p.73-76).

Em um mundo de consumo globalizado as identidades são partilhadas por pessoas que fazem parte de grupos, de culturas, de tradições e de lugares diferentes. No entanto, como afirma Hall, são consumidoras dos “mesmos bens, clientes para os mesmos serviços, públicos para as mesmas mensagens...”. É significativo o fato do nosso gráfico de pesquisa ter demonstrado que a maioria dos evangélicos entrevistados – não filiados às igrejas neopentecostais – acompanha a mídia neopentecostal: “... público (diferente) para as mesmas mensagens.” O que confirma ainda mais essa tese das identidades terem se tornado, nesse mundo pós-moderno, cada vez menos centradas, fechadas, unificadas, e cada vez mais diversificadas, abertas, pluralizadas.

Entretanto, Stuart nos lembra que não devemos pensar esse fenômeno da identidade na pós-modernidade como algo simples e dualístico do tipo: triunfo do global e derrocada do local. Ou algo como: heterogeneidade e assimilação em detrimento da homogeneidade e tradição. Isso porque a sociedade pós-moderna é contraditória e confusa, pois à medida que constatamos as fronteiras desaparecendo pela globalização e pluralização, as presenciamos ressurgindo intensamente pelo fundamentalismo e etnocentrismo; à medida que as distâncias se encurtam, as relações se tornam superficiais; à medida que as etnias se redescobrem, os conflitos étnicos se multiplicam. Em outras palavras, por um lado, um avião a jato, a TV ou a internet encurtam as distâncias entre pessoas, aproximam etnias distantes e dissolvem fronteiras. Por outro lado, um Hezbollah, uma Al Qaeda, um Taleban, um grupo de skinreds, uma torcida organizada ou um “inglesismo13” separam os indivíduos e criam novas fronteiras.

Portanto, o que temos não é o desaparecimento total das identidades locais ou grupais. E sim, o surgimento daquilo que Stuart classifica como identidade híbrida – 13

Inglesismo: movimento étnico inglês que procura resgatar e unificar a identidade britânica “ameaçada” pela presença ostensiva de imigrantes, principalmente da Ásia e do Oriente médio, dentro dos seus territórios.

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constituída de diversos tipos de identidades resignificadas e traduzidas, sem que com isso ocorra uma total assimilação das novas identidades proporcionadas pela globalização. E também, sem que haja uma plena desintegração das identidades de origem. O que faz com que essa identidade híbrida do homem pós-moderno seja “o produto de várias histórias e culturas interconectadas”, pertencendo assim, “ao mesmo tempo, a várias casas e não a uma casa particular” (ibid, p. 88-89).

Nestor Garcia (em seu livro Culturas Hibridas) também explora essa ideia de hibridismo sobre a qual se refere Stuart Hall. Ele explica que esse termo – transferido da biologia para as análises socioculturais – remete a um conceito de mestiçagem (em questões antropológicas), de sincretismo (em questões religiosas) e de fusão (em questões musicais). Entretanto, assinala o autor acima citado, que não se deve pensar em hibridação14 como se fosse algo sem contradições, sem conflitos e sem resistências no processo de mistura e de interculturalidade. Garcia faz uma afortunada observação de que uma compreensão não ingênua desse fenômeno classificado como hibrido é inseparável de uma consciência critica dos seus limites, ou seja, do que não se deixa, ou não quer ou não pode ser hibridado. Também considerou que a intensificação das interculturalidades migratórias, econômicas e midiáticas nesse mundo globalizado nos leva a perceber cada vez mais a prática da hibridação como um acontecimento, muitas vezes, não planejado e não previsto; sendo decorrente da criatividade individual e coletiva – aquilo que Michel de Certeau denomina da “invenção do cotidiano”. De forma que, para Garcia, os membros de cada grupo se apropriam dos repertórios heterogêneos de bens e mensagens disponíveis nos circuitos estabelecidos por essas relações interculturais e geram novos modos de produções, de representações, de significações e de saberes. Assim, nos lembra que a hibridação relativiza em nossos dias a noção de identidades “puras” ou “autênticas”. Sugerindo deslocar o objeto do estudo da identidade para heterogeneidade e hibridação interculturais. Portanto, é necessário atentar, como explicam François Laplantine e Alexis Nouss (citados por Nestor Garcia), que não há somente “a fusão, a coesão, a osmose e, sim, a confrontação e o dialogo” (2001, p. XVII – XL).

Algo semelhante ao que acontece em termos culturais também ocorre, pontua Nestor Garcia, com a passagem das misturas religiosas a fusões mais complexas de crenças. É o que nos mostra mais claramente Jaqueline Hermann em seu livro Virando 14

Um processo sociocultural no qual estruturas e práticas discretas, que existem de forma separadas, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.

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Séculos: 1580-1600 – o sonho de salvação. No qual ela discorre sobre a hibridação resultante do encontro entre os elementos culturais e religiosos dos portugueses e dos tupis no Brasil colonial. Isso é bem emblemático, segundo a citada autora, no Movimento de Santidade, organizado no interior do Recôncavo baiano no inicio dos anos de 1580. Percebe-se nesse caso, assinala Jaqueline, uma combinação dos aspectos da fé católica pregada nos aldeamentos (juízo final, céu, inferno) com os aspectos da mitologia tupi (terra sem mal; terra de fortuna; de felicidade e juventude eterna; terra de homens-deuses, habitadas pelos heróis ancestrais).15 E tudo isso misturado com elementos religiosos de um movimento messiânico português conhecido como Sebastianismo (crença milenarista de alguns portugueses que projetavam o retorno triunfante de D. Sebastião – rei de Portugal – que desaparecera, por ocasião de um confronto com os mulçumanos no Norte da África na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, onde os portugueses foram derrotados em uma tentativa frustrada de retomar antigas possessões coloniais).16 Nos diz ainda, a historiadora acima citada, que uma simples análise nos documentos inquisitoriais do Santo Oficio de 1591 nos faz perceber “... um complexo e impressionante amálgama das crenças católicas e tupinambás, forjando um compósito hibrido e

em muitos aspectos

indecifrável.” E também nos remete a compreensão de que “da mistura de elementos de culturas e religiosidade europeia e gentílica surgiu o que se pode caracterizar como catolicismo-tupinambá, hibridismo forjado no trópico e que nos remete à complexidade dos dilemas e impasses da colonização.”

Esse tipo de hibridação de crenças pôde ser constatado na nossa pesquisa de campo. Onde observamos que os valores, os conceitos e práticas dos grupos que não são classificados como Neopentecostais, muitas vezes se misturam; se contrapõem e se confundem

com

os

valores;

com

os

conceitos

e

com

as

práticas

do

Neopentecostalismo. Como demonstramos anteriormente, os entrevistados, em alguns 15

Essa crença tupinambá sofreu transformações com a chegada dos portugueses. E através de todo o flagelo imposto pela colonização – escravidão indígena, catequese dos jesuítas, extermínio pelas doenças dos brancos - ela acabou sendo resignificada. De modo que as expectativas da utopia nativa de um mundo melhor ganharam a urgência daquele momento histórico para os tupis, reordenando o deslocamento deles para o interior do território brasileiro (se bem que não existia ainda Brasil) na busca da terra sem mal. Já que o litoral onde eles habitavam se tornou lugar de perseguição, escravidão, doenças e morte. 16

Segue-se a esse trágico acontecimento para os portugueses a União Ibérica na qual Portugal passa a ser dominado pela Espanha em um período que durariam 60 anos (15801640). Isso, por sua vez, vai contribuir significativamente para a construção das expectativas messiânicas pela quais os portugueses passam a acreditar em um retorno triunfante do rei sumido (D. Sebastião) para libertar e restaurar o reino Lusitano, estabelecendo-o como um grande Império Mundial, ou, o Quinto grande Império na História.

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momentos,

mantinham-se

fiéis

às

doutrinas

de

seus

respectivos

grupos

denominacionais, apresentando certa resistência diante de algumas posturas da vertente Neopentecostal identificada com a tendência capitalista da fé. Porém, em outros momentos, revelaram-se identificados com as doutrinas neopentecostais, embora

apresentando,

às

vezes,

contradições

entre

as

duas

concepções

amalgamadas. Isso, por sua vez, nos faz perceber o surgimento de uma nova prática religiosa hibrida da Igreja evangélica, que mesmo rejeitando (em alguns dos seus círculos) a mercantilização da fé, no entanto acaba desenvolvendo um modelo de crença com feições ortodoxamente capitalista. São as contradições típicas da pósmodernidade.

Numa sociedade assim já não há mais identificação denominacional tão criteriosa. Em função disso nos diz Kivitz : Os movimentos da missão integral e da espiritualidade, da Teologia da Prosperidade e da batalha espiritual, as ondas de igrejas em células e o badalado G 12 se espalharam por igrejas locais e conquistaram líderes cristãos, independente de sua identidade (ou falta de identidade) denominacional (batista, metodista, presbiteriana, entre outras). (2006, p.209).

Na luta pela sobrevivência no mercado religioso as igrejas se adaptam rápida e constantemente às novas tendências que vão surgindo para poder atender o gosto do cliente, que por sua vez muda também rapidamente. E neste “supermercado” da fé, os indivíduos se percebem como consumidores predispostos a comprar qualquer nova ideia adaptável às suas necessidades e desejos, sem levar tão a sério valores como compromisso, fidelidade, constância e pertencimento. Enfim, devido a esse fenômeno das identidades múltiplas a “Igreja Evangélica é hoje uma grande Babel que reflete um espírito de época, e se organiza tal e qual qualquer mercado: pela via da segmentação” (ibid, p. 209).

O outro fator pelo qual a sociedade do consumo contribui para a tendência mercantilista da fé evangélica é o imediatismo. A atitude consumista se encaixa no mundo do instantâneo, no qual os cartões de créditos possibilitam às pessoas comprarem o que quiserem, adquirindo instantaneamente, para pagar depois. Por que esperar? Compre o que você quer agora! Vivemos em um mundo onde a TV estabelece que tudo o que realmente importa é o agora. John Benton aponta para um aspecto da televisão, como o “Mundo do Instante”, que merece nossa ponderação:

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Tudo é imediato. Os filmes e a televisão se concentram na faculdade da visão. Naturalmente, a única coisa que podemos ver é este exato momento. Tudo que podemos ver é o agora. Com nossos olhos, não podemos ver o ontem nem o que acontecerá daqui a dois anos. Tudo o que podemos ver é este momento. Podemos nos lembrar do que aconteceu ontem, mas a lembrança não é o que vemos. A visão é uma faculdade do ‘agora’. Daí, a televisão tem uma segunda mensagem subliminar: ela está sutilmente dizendo que agora é o único momento que importa (2002, p.61-62).

E esse imediatismo é também um elemento que tem construído a crença evangélica nesses últimos vinte anos. A Teologia da Prosperidade surge, então, para atender as expectativas e os interesses de uma sociedade ávida pelo consumo imediato: do agora e não do depois, do aqui e não do além. Para Ricardo Mariano ela “se encaixa como uma luva tanto para a demanda imediatista de resolução ritual de problemas financeiros e de satisfação de desejos de consumo dos fiéis mais pobres... como para a demanda dos que almejam legitimar seu modo de vida, sua fortuna e felicidade” (2005, p. 149).

Por último, temos ainda o utilitarismo como outra forma pela qual a sociedade de consumo influencia na neopentecostalização das igrejas evangélicas. Por utilitarismo queremos falar do conceito que condiciona o valor de algo à sua utilidade. Tudo, então, passa a ser instrumentalizado para atingir fins pessoais. Como nos lembra Ruben Alves – citando e comentando o livro do filosofo Martin Buber “Eu-Tu” –, a nossa relação com as pessoas, inclusive com o próprio Deus, não é mais interpessoal (eu e tu). Mas sim instrumental e utilitarista (eu e isso). Ele diz: Há um tipo de relação que transforma tudo em objetos mortos. Uma mulher que se transforma em objeto para o homem que faz uso dela para ter prazer. Um homem se transforma em objeto para a mulher que o usa para obter status ou segurança. Uma criança se transforma em objeto quando seus pais a manipulam para realizar seus sonhos. Para um professor que só pensa no cumprimento do programa, todos os seus alunos são objetos. Para quem está atrás de milagres, Deus é um objeto que faz milagres. O eleitor é um objeto que o político usa para ganhar poder. Um doente, para o médico, pode ser apenas ‘um portador de uma doença’. (Ah! Os professores e alunos, à volta de um doente sobre quem nada sabem, nem mesmo o nome, numa enfermaria de hospital! Ali não está um ser humano! Ali está um caso interessante...) Buber deu a esse tipo de relação o nome de ‘eu-isso’. Tocadas pela relação eu-isso, todas as coisas, pessoas, animais, árvores, Deus se transformam em coisas que eu uso para atingir os meus propósitos. Eu sou o centro do mundo. Tudo o que me cerca são utensílios que eu uso para os meus propósitos (2003, p.96).

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Nesse conceito utilitarista a contemplação do divino acaba se perdendo, surgindo em seu lugar a instrumentalização divina. A aproximação do sagrado deixa de ser algo envolvido em mistério, espanto e reverência, tornando-se apenas técnicas de como acionar e manipular Deus. Esse tipo de relação utilitária, como bem colocou Ruben Alves, “transforma tudo em objetos mortos”. Inclusive Deus! Talvez sem se aperceber a igreja evangélica O matou. Nem tanto como Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”, negando a sua existência.

Mas,

de

outra forma,

os evangélicos também

mataram

Deus,

transformando-O em um mero objeto para atingir seus propósitos mais mesquinhos e egoístas. Isso porque quando nós transformamos pessoas em objetos, a natureza em objeto, o trabalho em objeto, Deus em objeto, acabamos assim destruindo os sentimentos, o meio ambiente, a vocação e a verdadeira espiritualidade.

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CAPÍTULO 4 – OS POSSIVEIS DESDOBRAMENTOS DA TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA

Q

ual o futuro da Igreja Evangélica? Mesmo sabendo dos riscos de previsões alarmistas e equivocadas – típicas de futurólogos e adivinhos –, apontaremos algumas posturas que o Movimento Evangélico poderá assumir

nas próximas décadas.

4.1. AFASTAR-SE CADA VEZ MAIS DA PROPOSTA DE JESUS

Não é preciso ir muito longe para perceber o quanto os evangélicos estão se afastando dos ensinos de Cristo. Basta tomar como exemplo o conceito de felicidade. De acordo com aquilo que Jesus ensinou no Sermão da Montanha, felicidade se consiste em um viver piedoso no caminho da retidão. A palavra que ele utiliza no Evangelho de Mateus (cap. 5) para “bem-aventurados” – felizes – é a palavra hebraica Ashréi. Essa palavra que se repete 43 vezes na Bíblia, e que aparece em várias passagens do Antigo Testamento, tem como significado “conduzir-se pelo caminho reto”. No livro de Provérbios, esse conceito é bastante difundido: “Não siga pela vereda dos ímpios, nem ande pelo caminho dos maus” (cap. 4. 14 – NVI). E também diz: “Ouça meu filho e seja sábio, guie seu coração pelo bom caminho” (cap. 23. 19 – NVI). Os verbos “seguir”, “andar” e “guiar” que aparecem nestas referências é o mesmo verbo hebraico “ashar”, do qual deriva a palavra “Ashréi”, utilizada por Jesus no Sermão da Montanha.

Portanto, o conceito de felicidade ensinado por Cristo nada tem em comum com o nosso conceito de felicidade. Isso porque no mundo ocidental em que vivemos, a felicidade é proporcional ao acúmulo de bens de consumo e realização imediata – Inclusive esse é o conceito de felicidade que tem sido propagado em muitas igrejas evangélicas. Já na concepção oriental de Jesus, felicidade é uma caminhada no Reino de Deus, afastando-se sempre do mal, mantendo-se constantemente na trilha do bem. No nosso conceito materialista, consumista e capitalista a felicidade é um lugar aonde

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conseguimos chegar: no que se refere à posição, ao status, a condição econômica e à realização pessoal. Porém, de acordo com os ensinamentos de Jesus nas “bemaventuranças” a felicidade não é um lugar aonde se chega, mas sim o jeito como se caminha pela vida. Como bem lembra Kivitz, esta é a “felicidade mais simples e singela, menos hollywoodiana (...) felicidade de andar sempre, não desistir nunca, seguir a trilha que Jesus deixou e conduz ao Reino eterno” (2006:192).

Em nossa compreensão a felicidade está ligada apenas ao prazer biológico, orgânico e fisiológico. No entanto, na proposta de Cristo, articulada nas “bem-aventuranças” e registrada em Mateus capítulo 5, a felicidade tem a ver com a humildade; com a sensibilidade; com a mansidão; com a justiça; com a misericórdia; com a santidade; com a paz; com o ser coparticipante nos sofrimentos dos profetas e de Cristo – estes sofreram pelo fato de se oporem ao “status quo” dominante dos seus respectivos dias. Na nossa elaboração ocidental moderna, a felicidade se resume basicamente em eliminar o sofrimento, e satisfazer-se plenamente em todo tempo; a qualquer preço. Entretanto, Jesus entendia felicidade como viver prioritariamente para fazer a vontade do Pai celeste. Mesmo quando essa vontade incluir a dor, o sofrimento e a renúncia da nossa própria vontade. Pois, ao contemplar o seu sofrimento que estava preste a se manifestar, em um momento de intensa angústia, Jesus orou da seguinte forma: “... Pai, tudo te é possível. Afasta de mim esse cálice; contudo não faço o que eu quero, mas sim o que tu queres” (Marcos cap. 14.36 – NVI).

Para Jesus, o mais importante no final da jornada de cada ser humano não é o quanto ele conseguiu amealhar, ou quantos bens conseguiu acumular, ou quantos momentos prazerosos conseguiu desfrutar, ou quantas conquistas conseguiu efetivar, ou ainda quantas posições conseguiu galgar. Mas sim o que ele fez da sua vida; que tipo de pessoa se tornou; o que fez com as pessoas à sua volta; o que fez com as pessoas que o amam; que contribuição deixou para o bem-estar da raça humana; e qual rastro deixou na sua caminhada. Isto, de fato, segundo os evangelhos, é o que define para Jesus a felicidade. Felicidade centrada no “ser” e não no “ter”. E a diferença entre essas duas lógicas não se trata apenas do choque de valores entre culturas diferentes (oriental x ocidental), mas de acordo com Fromm é a “diferença entre uma sociedade centrada em torno de pessoas e outra centrada em torno de coisas” (1982: 38,39).

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4.2. TRANSFORMAR-SE EM ALGO TOTALMENTE ALIENANTE

Ao longo da história, o Cristianismo tem levado a pecha de instrumento de alienação. Em alguns momentos, este rótulo foi um tanto quanto injusto; porém, algumas vezes foi totalmente merecido. E isso porque as conformações históricas do cristianismo, em muitas ocasiões, afastaram os fiéis da realidade social à sua volta, colocando-os em mundo de ilusão.

No século XIX, por exemplo, devido às condições sociais perversas da Europa, nas quais o trabalhador vivia uma situação um pouco melhor do que a do escravo, Karl Marx rotulou o Cristianismo como o “ópio do povo”. Por que esse rótulo? Pelo fato do Cristianismo da época, aliado a aristocracia europeia, ter desempenhado um papel alienante, no que diz respeito a prometer um mundo melhor apenas para a vida Além Túmulo, anestesiando assim as pessoas quanto à opressão social. Roubando-lhes a condição de lutarem para a transformação da realidade opressora do presente. Era praticamente o que ocorria com os usuários de ópio17 (droga mais usada na época). Eles ficavam entorpecidos e anestesiados a qualquer tipo de dor.

Tendo essa

realidade em mente, Marx cunhou sua célebre frase: “A religião é o ópio do povo”.

A partir dessa ideia, o teólogo contemporâneo Ricardo Gondim reflete sobre as práticas de fé alienantes que a Igreja Evangélica Brasileira tem desenvolvido – no que tange à alienação que a tendência capitalista da fé tem provocado. Ele diz que o Movimento Evangélico está mais para a “cocaína do povo” do que para o ópio do povo. Argumenta:

No ocidente, a proposta religiosa vem crescentemente se tornando mais parecida com outro tóxico: a cocaína. O Neoliberalismo, pai desse materialismo consumista tão bem expressado no fascínio pelos shoppings e pelas grifes, entorpece como o ópio. Por outro lado, a religião como é praticada hoje procura excitar e produzir sensações de poder parecidas com a da cocaína. Assim, o crente que frequenta os cultos da prosperidade recebe semanalmente uma injeção de cocaína espiritual no sangue, fazendo que se sinta o dono do mundo. Mesmo que apenas por alguns minutos de culto, sonham com tudo o 17

Droga extraída de uma planta denominada papoula, que afeta o sistema nervoso de quem consome, deixando-o em um estado de entorpecimento e anestesiados a qualquer tipo de dor real. Essa planta foi muito cultivada nas colônias inglesas da Índia e da então Birmânia, da qual era extraída a droga vendida aos chineses. Quando as autoridades do governo chinês decidiram reprimir o comércio ilegal do ópio, os ingleses entraram em guerra contra a China – a Guerra do Ópio (1840-1842).

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que seus olhos gulosos viram as empresas de marketing anunciarem na televisão (...) E, depois de espoliados, são devolvidos à dura realidade da vida, obrigados a encarar a rebordosa da segunda-feira. Dependurados nos trens suburbanos ou numa fila burocrática sofrem tristes e deprimidos, assim como foliões do carnaval voltam para o seu destino na madrugada da quarta-feira de cinzas. Enfrentam sozinhos a dura realidade de que não são reis, nem rainhas, apenas subempregados, com a tarefa de viverem com um salário miserável (...) Por isso, fé e cocaína se parecem muito; dão uma falsa sensação de poder e geram pessoas artificialmente soberbas. Mas, a ressaca da cocaína, como da fé pós-moderna é horrível, pois vem sempre acompanhada de depressão e desengano (...) E se algum outro filósofo ateu afirmar que essa religião pragmática que se espalha no ocidente combina com o narcótico da moda, também seremos obrigados a concordar (2004: 40,41).

Esta longa e oportuna citação expressa muito bem o caminho que a fé evangélica tem tomado nas últimas décadas, a saber, a trilha da alienação e, consequentemente, da frustração. Onde as pessoas, através da negação, são levadas a fugirem de uma realidade existencial, social e econômica da qual não querem admitir.

4.3. DESCARACTERIZAR O CRISTIANISMO DO SEU PERFIL REVOLUCIONÁRIO

Uma das marcas bem distintas da proposta de Jesus de Nazaré é justamente seu caráter subversivo, no que se refere a uma postura de ruptura, de contestação e de enfrentamento do “status quo” opressor. Podemos ver isso, por exemplo, na sua apresentação de um “novo” Reino no qual Ele se diz Senhor. Talvez alguns entendam esse discurso do Reino de Deus apenas como uma forma de expressão poética utilizada por Jesus. Acontece que essa era uma declaração profundamente comprometedora e que confrontava a autoridade opressora da época – o Império Romano. Naqueles dias, Roma se constituía e se estabelecia como o maior poderio político, militar, cultural e econômico. Apresentava-se como um reino “indestrutível”, “eterno” e para o qual toda história deveria convergir. Todo esse poder era reivindicado pelo senhorio absoluto dos césares – títulos atribuídos aos imperadores que assumiam o trono. “Kúrios Kaiser”, ou “César é Senhor” significava lealdade política exigida de um modo não muito diferente do “Heil Hitler” exigido durante os anos de 1930 e início de 1940 na Alemanha nazista. É nesse contexto que surge um anônimo carpinteiro judeu, sem credenciais, sem posição social, sem um exército, sem uma milícia ou mesmo uma arma. Sem título de nobreza ou riquezas. Sem nem mesmo um pedaço de terra ou casa própria. Tendo

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como seguidores um grupo de homens igualmente anônimos e inexpressivos. Alguns deles pescadores rústicos e iletrados. Acompanhado também por um séquito considerável de mulheres que não tinham vez e não tinham voz – nem mesmo nas mais desenvolvidas sociedades da época, como na polis grega. E esse judeu, com esse tipo de seguidores, proclama um reino que prevalece não pela força das armas, mas pela força do amor; que se caracteriza não pela opressão e privilégios, mas pela liberdade e igualdade; que avança não pela violência e nem pelo o derramamento de sangue, mas pela fé e pela justiça, como fermento na massa, como semente no solo. Um Reino eterno que transcenderia o tempo e o espaço, do qual ele reivindica ser o verdadeiro Senhor – “Kúrios Yeshua” ou “Jesus é o Senhor”. Por conseguinte, isso era politicamente revolucionário pelo fato de dizer que há um poder em Jesus mais importante do que o poder do líder da superpotência daqueles dias. Dizer que “Jesus é o Senhor” era afirmar a autoridade de um rabino judeu sem nenhuma expressão, sem poder, pobre e marginalizado, sobre o poder do próprio César com todas as suas riquezas, status, exércitos, espadas, lanças, carruagens e cruzes.

Este perfil revolucionário de Jesus Cristo se revela não apenas perante o poder político dos seus dias, mas igualmente diante do poder religioso. Podemos perceber isso quando ele decide romper com as barreiras étnicas, morais e religiosas impostas pelo judaísmo, acompanhando-se de prostitutas, publicanos18 e pecadores. Inclusive fazendo refeições com eles19·. Ou mesmo quando ele curou alguns gentios20, chegando a declarar que alguns deles exerciam uma fé maior que a dos judeus.

Esse tipo de comportamento e de declarações, na compreensão de John P. Méier, incomodou a maioria dos grupos religiosos dos seus dias, como, por exemplo, os fariseus. Estes “insistiam na completa separação entre judeus e gentios. Eram provavelmente hostis a Jesus e não deviam entender porque ele comia na mesma mesa dos impuros” (Super Interessante, n° 234, dezembro de 2006:88).

A outra maneira através da qual Jesus contrariou o sistema religioso dos seus dias foi através das curas que realizou. De acordo com muitos historiadores e pesquisadores, havia, naqueles dias, uma estreita ligação dos males do corpo (doenças) com os males do espírito (pecados). Ou seja, a causa das doenças era atribuída aos pecados.

18

Fiscais do Estado romano que extorquiam os judeus nos impostos. Ato considerado na cultura judaica como demonstração de intimidade e companheirismo. 20 Pessoas que não eram de Israel e professavam a religião pagã. 19

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Isso, por sua vez, acabava favorecendo a elite judaica, pois a cura do corpo e da alma passava pela mediação ritualística dos sacerdotes no templo em Jerusalém. Essa casta sacerdotal detinha o monopólio de conduzir os fiéis aos rituais de purificação – que, na época, incluía o sacrifício de animais, vendidos no templo para este fim. Garantindo, dessa forma, uns trocados para os sacerdotes. “Afinal, para se curar, o doente tinha que pagar mais taxas e oferecer mais sacrifícios no templo”, diz o historiador John Dominic Crossan. “Isso gerava para o doente um ciclo interminável de sofrimento e dívidas” (ibid, pág.88).

Portanto, não é difícil imaginar como os lideres religiosos judeus se sentiram afrontados quando tomaram conhecimento de que um carpinteiro pobre e rude andava curando (salvando) as pessoas das suas doenças com um simples toque, ou com uma simples palavra, sem a necessidade de sacerdotes, de animais (sacrifícios) e de taxas extras. “Hoje é difícil de entender como um ato desses era radicalmente subversivo”, comenta o historiador Richard Horsley. A maioria dos pesquisadores concorda que atos subversivos como esses seriam suficientes para levar alguém à crucificação.

A postura revolucionária de Jesus, frente à religião de seus dias, caracteriza-se ainda pela resignificação da concepção de Messias. Os judeus alimentavam a expectativa da vinda de um messias que libertasse Israel da dominação política, militar e econômica estabelecida pelos romanos. Na verdade, fazia séculos que lutavam contra o domínio de povos estrangeiros. Antes dos romanos chegarem, no ano 63 a.C., eles haviam sido subjugados por assírios, babilônios, persas, macedônios, selêucidas e ptolomeus. Os judeus sonhavam com a ascensão de um monarca (Messias) forte, vitorioso e conquistador como o rei Davi, que por volta do século 10 a.C. inaugurou um tempo de conquistas e de prosperidade para o povo de Israel. Esta expectativa, misturada com nostalgia, tornou-se tão intensa ao ponto de produzir certa resistência inútil, diga-se de passagem, à subjugação romana – o que seria equivalente em nossos dias, mais ou menos, ao Iraque resistir à dominação norte americana. E essa resistência aos romanos se dava por meio de vários movimentos, dentre os quais se destacavam: os zelotes, que se apresentavam como um movimento messiânico militarmente armado; os essênios, que esperavam o messias de forma mais pacífica, reunidos em comunidades monásticas isoladas das “impurezas” dos grandes centros; e os movimentos apocalípticos que o aguardavam através de uma intervenção sobrenatural e iminente de Jeová. Todos estes grupos sonhavam com o dia em que

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Deus enviaria o seu messias para trazer prosperidade, justiça e paz à região. Portanto, aguardavam um messias forte, guevarista, vencedor, libertador e conquistador. Mas, então Jesus se manifesta anunciando que Ele é o Messias Prometido e esperado. No entanto, seria derrotado, condenado e morto pelo Império Romano, provocando uma mudança drástica na compreensão messiânica, na qual se concebia um herói com vitórias retumbantes, fantásticas e supra-humanas. A figura do Messias é, então, redesenhada. Passando a ser, segundo Jung Mo Sung, caracterizado não mais pelas suas vitórias, ou por proporcionar bem-estar político, econômico e social, “mas sim pela sua fidelidade plena à missão recebida de Deus de anunciar a dignidade radical de todos os seres humanos e em nome dessa verdade enfrentar até à morte as forças idolátricas dos impérios”. (1998:41).

Diante disto não dá para conceber Jesus como aquela figura que geralmente é apresentada na escola dominical, ou nas aulas de catequese. Aquele cara legal, fino, gentil, calmo, frágil e que agrada a todos. Suas palavras e atitudes, como diz Brian D. Maclaren, ”vão muito além das reivindicações de um típico sacerdote, poeta ou filósofo – e até mesmo além das ousadas palavras de um profeta ou de um reformador comum. Estas são as palavras e as atitudes fundamentais de um revolucionário, que inspiram, provocam rupturas, aterrorizam, chocam e enchem de esperança; que têm por objetivo derrubar a ordem estabelecida em praticamente todas as esferas imagináveis” (2007:50,51).

A mensagem revolucionária de Jesus é percebida claramente nas suas reivindicações, nas suas afirmações e na sua proposta de uma sociedade alternativa (Reino de Deus) em um sistema opressor, que se considerava a única forma possível de mundo. Ela é identificada na maneira como ele desconstruiu ideias religiosas que excluíam, monopolizavam,

alienavam

e

geravam

nas

pessoas

falsas

expectativas,

proporcionando, assim, uma leitura mediocrizada e amesquinhada do Reino de Deus, reduzindo-o a um mero reino humano.

Indubitavelmente, o Cristianismo na sua essência é subversivo e revolucionário. Principalmente quando se encontra diante de uma conjuntura social, política, econômica e religiosa opressora, monopolizadora, alienante e que rouba da vida humana sua dignidade.

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Onde entra, neste caso, a descaracterização do Cristianismo promovido pela tendência capitalista da fé evangélica? Quem melhor responde essa pergunta é o teólogo católico Jung Mo Sung em seu livro Desejo, Mercado e Religião, no qual, numa abordagem muito consistente, ele afirma que o Capitalismo sacraliza a injustiça, a exploração, a desigualdade e o desejo ilimitado que se confunde com necessidade, onde sempre falta e nunca sobra para partilhar. Legitimando assim a exclusão social, o sofrimento dos desempregados e a fome de milhares como “sacrifícios necessários” exigidos pelas leis do mercado (1998:98).

Por estas razões, o Capitalismo se constitui hoje como um sistema opressor, injusto, alienante, desumano e que rouba das pessoas sua dignidade e seus diretos básicos. Diante de tal sistema qual seria a postura de Jesus? De conformação ou de contestação? Deixo com você a resposta.

Mas, talvez, alguém possa perguntar: como pode um sistema econômico descaracterizar o Cristianismo? O que tem a ver economia com religião? E especificamente com a religião evangélica?

Outra vez Jung responde esses questionamentos quando diz que é ingenuidade pensar que a secularização das sociedades modernas aboliu a presença do sagrado das esferas política e econômica. E que, o fato do fundamento da ordem social deixar de ser tradicionalmente religioso, não significa que o novo fundamento (o Capitalismo) não reivindique para si as características antes atribuídas à esfera religiosa e sagrada. Segundo o referido autor, a dessacralização da sociedade moderna não pode ser entendida como a eliminação do sagrado, mas apenas como um deslocamento de eixo da esfera da Igreja para a esfera mercadológica (ibid, pág. 63,64). Inclusive, com uma promessa de paraíso. Só que não mais como algo para além da história e intermediado pela Igreja; e sim, como uma realidade dentro da história, resultado do progresso, do desenvolvimento econômico, do acúmulo ilimitado das riquezas que satisfarão todos os desejos. E tudo isso mediado pelo mercado, contendo ainda todo um sistema sacrificial como nas religiões. Sistema esse que está escondido por trás da cultura do consumo exacerbado. Sacrificando o meio ambiente; sacrificando os valores humanos; sacrificando os mais fracos; sacrificando os mais pobres; sacrificando os menos adaptáveis à concorrência. Esta lógica perversa acaba por depredar a natureza, excluir e exterminar seres humanos. E tudo em nome do “desenvolvimento econômico”. Ressaltamos que, como nos lembra Jung, a ciência

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econômica não possui apenas o nível da operacionalidade, “mas ela possui também implicitamente uma filosofia e, portanto, uma ética” (ibid, pág. 21).

É importante também destacar que existe toda uma cultura de insensibilidade gerando certa conformação das pessoas a essa realidade opressora produzida pela “idolatria” do Capitalismo. Vale a pena, mais uma vez, fazer uma longa citação do autor acima mencionado:

Essa cultura de insensibilidade, que beira o cinismo, não nasceu e nem cresce por acaso. È fruto de diversos fatores históricos e sociais, além de outros de ordem antropológica (...) Existe, nas nossas sociedades, uma ideia da inevitabilidade das desigualdades e exclusões sociais (grifo meu). Esta tese recebeu um grande impulso com a queda do bloco comunista. Com a falência do modelo alternativo, a tese de que o Capitalismo, com sua ideologia neoliberal, representava o “fim da história” ganhou um impulso antes não imaginado. Com a disseminação da tese de que não há nenhuma alternativa possível, a atual situação social passou a ser vista como inevitável. Não só inevitável, mas também justa. Cresce entre nós o que Galbraith chamou de “cultura do contentamento”: a noção de que os “bem” integrados no mercado “não estão fazendo mais do que auferir o seu justo merecimento” (grifo meu) e que, portanto, “se a boa fortuna é merecida ou se é uma recompensa do mérito pessoal, não há justificativa plausível para qualquer ação que possa vir a prejudicála ou inibi-la – que venha a reduzir aquilo que é ou poderá ser usufruído”. O outro lado da moeda é que os pobres são vistos como culpados da sua pobreza e tendo justo merecimento (grifo meu). Assim, os atuais mecanismos concentradores e excludentes do mercado são vistos como “encarnações” de um juiz e de uma justiça transcendentais. Esta é uma versão secularizada da Teologia da Retribuição (grifo meu), “uma doutrina que é cômoda e tranquilizadora para quem possui grandes bens neste mundo, e ao mesmo tempo, consegue uma resignação com sentido de culpa dos que carecem de bens”, e que foi tão criticada por Jesus e pelos reformadores através da Teologia da Graça. Para ambientes mais eclesiásticos, existe a versão religiosa moderna da Teologia da Prosperidade – grifo meu. (ibid, pág.95,96).

É pertinente dizer que não se trata aqui de uma “demonização” do Capitalismo, pois como diz Jung “não é possível, principalmente em sociedades complexas, organizar a economia sem relações mercantis”. Mas, uma constatação do “processo de absolutização, sacralização, de uma instituição humana que exige sacrifícios de vidas humanas em troca de promessas redentoras” (ibid, pág. 99,100). Também não se trata de uma apologia contra o progresso, e contra o desenvolvimento da economia, mas, um protesto contra um programa de crescimento econômico voltado apenas para a acumulação da riqueza nas mãos de uma elite, e não para a superação da pobreza,

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possibilitando uma vida digna para toda a população. Cabe, nesse momento, uma pergunta despretensiosa: seria possível um crescimento econômico que possibilitasse a superação da miséria no mundo? Segundo o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano da ONU21, de 1997, a erradicação da pobreza no mundo tem um custo menor do que muita gente imagina: em torno de 1% da renda global e não mais do que 2% a 3% da renda dos países não-pobres (ibid, pág.17). Estes recursos poderiam vir, por exemplo, do corte nos bilhões de dólares gastos anualmente com as Forças Armadas do mundo. Ou dos 25 trilhões de dólares movimentados com desenvolvimento tecnológico – fator causador de muito desemprego. Ou ainda dos 15 trilhões de dólares em torno dos quais gira o mercado financeiro, sendo que apenas uns 15% deste total estão ligados ao sistema produtivo.

Contudo, o que mais preocupa é ver o Cristianismo, através do segmento evangélico, conformar-se com toda essa lógica perversa e desumana do Capitalismo. A “neopentecostalização” que vem ocorrendo nas igrejas evangélicas é um claro exemplo dessa conformação, sobre a qual falamos continuamente neste livro. No entanto, vale ressaltar a ideia da “retribuição” comentada por Jung no texto ainda a pouco citado, que pode ser encontrada tanto no capitalismo, quanto na Teologia da Prosperidade.

Ambas fundamentadas em um

“justo merecimento”

de uma

concorrência, na qual somente os “mais capazes”, os “mais fortes”, os “mais competentes”, os “mais perspicazes”, os que “mais investem (ofertam)”, os que “usam melhor sua fé” obterão o lucro, ou, na linguagem evangeliquê, a “benção”. Isso acaba sendo uma forma de legitimação e de sacralização dos privilégios de uma minoria. Assim também como uma maneira de culpar as massas, excluídas das riquezas (ou das bênçãos), pelo seu fracasso, digo, pela sua “falta de fé”. Entretanto, o Deus da Graça não está por trás dessa lógica cruel de sofrimento, de injustiças, de privilégios, de retribuição, de exclusão, de concorrência, de merecimento conforme o que se investiu. A Graça de Deus significa: favor imerecido.

Lembramos ainda que, assim como no Capitalismo, essa tendência mercadológica da fé evangélica deslocou o eixo da proposta escatológica do celeste porvir para as benesses desfrutadas aqui e agora, em uma clara identificação com o paraíso terrestre prometido pelo Capitalismo, no qual se desfrutará do desenvolvimento 21

Sigla pra designar a Organização das nações Unidas – fundada após a Segunda Guerra Mundial (1945) e que teve como objetivo instituir uma entidade de abrangência mundial, que pudesse intervir diplomaticamente na mediação de conflitos entre os países, evitando que as guerras viessem a ocorrer. .

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econômico, e do acúmulo ilimitado das riquezas que, por sua vez, satisfarão todos os desejos.

Pouco a pouco, Capitalismo e religião evangélica se confundem e se misturam ao ponto de se tornar cada vez mais difícil distinguir um do outro. Consequentemente, nós temos uma desfiguração do perfil revolucionário da mensagem de Jesus Cristo, pelo simples fato do Reino que Ele veio trazer ser incompatível com as condições desumanas, perversas, excludentes e opressoras desse tipo de “religião econômica”; desse tipo de “tendência capitalista da fé”.

99


CONSIDERAÇÕES FINAIS

F

inalizamos esse trabalho deixando bem claro que nossa intenção, abordando a tendência capitalista da fé evangélica em Fortaleza nas últimas duas décadas, não foi tecer uma crítica mordaz ao Movimento Evangélico. Muito

menos atribuir qualquer juízo de valores a essa nova maneira de expressão da fé evangélica. Como bem lembra Max Weber, “não cabe a aquele que se dedica à atividade da investigação acadêmica formular critérios valorativos últimos com relação à sua pesquisa22”. Nosso propósito foi apenas poder contribuir com uma reflexão sobre os rumos que Igreja Evangélica fortalezense tem seguido nos últimos anos, procurando, assim, focar alguns aspectos. Primeiro, no que se refere ao aspecto teológico, ajudar a identificar uma proposta extremamente capitalista e mercadológica que se infiltrou, se instaurou e se escondeu de maneira intensa por detrás da teologia cristã evangélica nos últimos anos. Já que é uma estratégia do sistema capitalista, desde o seu início, utilizar-se de questões éticas e religiosas para se legitimar nas suas injustiças, privilégios, exclusões e desigualdades. Em segundo lugar, quanto ao aspecto sociológico, mostrar todas as influências sociais e culturais desse sistema capitalista, o qual tem sido absorvido pela prática de fé evangélica (alguns setores da Igreja), principalmente nos últimos vinte anos, e especificamente na cidade de Fortaleza. E como resultado disso, chamar a atenção para a verdadeira vocação social da Igreja de Jesus aqui na terra – que não é a de ensinar as pessoas como ser bem sucedidas, ou como prosperar, mas como construir uma sociedade mais fraterna, mais justa, mais humana para todos. Uma sociedade onde a economia deve existir em função da vida de todas as pessoas, e não as pessoas em função de leis econômicas cujo propósito é apenas a ostentação e a acumulação de riquezas.

E por último, tentar contribuir com uma análise histórica sobre a relação entre crença e dinheiro no Ocidente; relação esta que tem se exacerbado em um mundo capitalista como o nosso, do qual faz parte nossa cidade, e no qual a fé em Deus tem adquirido feições – para alguns segmentos religiosos – cada vez mais consumista, individualista e materialista.

22

CARVALHO, Alonso Bezerra de. Educação E Liberdade Em Max Weber. Ijuí – RS, Editora Unijuí. 2004, p. 269.

100


Espero que todo esforรงo empreendido nesse sentido tenha alcanรงado tais objetivos.

101


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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE

projetos editoriais


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QUANTO VALE A SUA FÉ? A TENDÊNCIA CAPITALISTA DA FÉ EVANGÉLICA FORTALEZENSE NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS George Sousa Cavalcante Quanto vale a sua fé? Com esse instigante questionamento o autor George Sousa Cavalcante nos convida a refletir sobre os intrincados (des)caminhos entre o capitalismo e o protestantismo. Em busca de respostas percorre o universo de sua pesquisa: as igrejas evangélicas da cidade de Fortaleza/Ceará. Nesse trajeto, dialoga com os sujeitos em foco, os fiéis que depositam sua fé na chamada teologia da prosperidade. Admitindo ser este um cenário complexo e, portanto passível de contradições e paradoxos o autor desvela o papel da mídia evangélica; o processo de mercantilização da fé e as múltiplas e híbridas identidades em jogo. Leitura bem-vinda e necessária em tempos de debates e embates político-religioso. Vera Regina Rodrigues da Silva Professora adjunta no Instituto de Humanidades e Letras da UNILAB- Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. Membro do Grupo de Pesquisa Oritá e Coordenadora da Linha de Pesquisa "Identidades e Políticas Públicas". Doutora em Antropologia Social pela USP - Universidade de São Paulo (2012); Mestre em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006) e Bacharel em Ciências Socias (2004).

O presente texto de George Cavalcante se alia a um grupo significativo de estudiosos da religião que nestas últimas décadas buscaram explicar a performance e as transições no quadro religioso brasileiro. Os leitores encontrarão nas páginas seguintes um conteúdo que une de um lado a análise sociológica ancorada em categorias acadêmicas amplamente reconhecidas e em pesquisa de campo; mas também identificarão a inserção de preocupações de inconfundível natureza teológica. De modo geral a discussão das ideias aqui contidas se situa no campo de estudos da relação entre religião e economia, tema, diga-se desde já, inspirou e desafiou os estudiosos da religião desde Max Weber. Se nestes últimos anos os estudos sobre a religião no Brasil têm constituído um caminho amplamente percorrido e em razão da soma de esforços tenha ficado como legado um acervo valioso de análise e contribuições, sobretudo no campo empírico, o mesmo não se pode dizer acerca do protestantismo no Ceará e particularmente de Fortaleza. Nesse aspecto o presente texto – Quanto vale sua fé? A tendência capitalista da fé evangélica fortalezense nas últimas duas décadas consiste singular contribuição. O texto possui uma linguagem agradável e amplamente acessível e, além disto, aborda um quadro contemporâneo de interesse geral. Alexandre Carneiro de Souza Atualmente é professor da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, da Faculdade Cearense e da Faculdade Farias Brito. Área de pesquisa: sociologia da religião com ênfase nas categorias: política, cultura, pentecostalismo, mercado e transição religiosa. Doutorado em Sociologia pela UFC – Universidade Federal do Ceará (2003). Mestrado em sociologia pela UFC - Universidade Federal do Ceará (1996). Graduado em Ciências Sociais pela UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1990).


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