Revista Cidade Verde 210

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HOUS PUBLIC


SE D1 CIDADE


Índice CAPA: Mulheres de farda 05. Editorial

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Páginas Verdes Dora Parentes

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40

Pra sair do vermelho

Reis Veloso

COLUNAS

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36. SAÚDE Brilho indesejável

28. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

56. ESPORTE Elas estão mandando um bolão

34. Economia e Negócios Jordana Cury

18. SAÚDE Alerta para febre amarela

66. MEIO AMBIENTE Colecionadores de pássaros

76. Tecnologia Marcos Sávio

24. GERAL Uma missão de amor

70. GERAL O Corso se reinventa

80. Na Esportiva Fábio Lima

30. MODA Básico e versátil

76. RELIGIÃO Memória preservada

08. Páginas Verdes Dora Parentes concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão

82. Passeio Cultural Eneas Barros 86. Perfil Péricles Mendel

Articulistas 13

Jeane Melo

23

Cecília Mendes

78

Zózimo Tavares


Mulheres que inspiram No último dia 8, comemoramos mais um Dia Internacional da Mulher, uma data que já se tornou tradição no calendário e que costuma vir acompanhada de diferentes formas de celebração. Aqui na redação, predominantemente formada por mulheres, mais do que celebrar, decidimos fazer algumas reflexões próprias do universo feminino. E o resultado é esta edição especial que chega agora às suas mãos. Na nossa reportagem de capa, adentramos um universo que até pouco tempo atrás era exclusivamente masculino, mas que agora já se beneficia do convívio de ambos os sexos, sem perder a sua essência. Estamos falando do serviço militar, que passou a contar com a presença de mulheres em todas as atividades, com força, garra e determinação. As histórias das militares ouvidas na reportagem - incluindo integrantes da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e do Exército - revelam como as mulheres adquiriram consciência da sua capacidade ilimitada de trabalho, onde quer que elas atuem. Ao aderirem ao coturno, elas não abriram mão do batom, mostrando que o serviço pesado não é incompatível com a feminilidade. Também na atividade esportiva, as mulheres estão invadindo um campo no qual elas se limitavam, quando muito, a frequentar como espectadoras, das cadeiras ou arquibancadas. Estamos falando do campo de futebol, cenário onde as referências de ídolos costumam ser masculinas, mas que, aos poucos, vai incorporan-

do nomes femininos de sucesso, como o da jogadora Marta. Pois ela está servindo de exemplo para muitas meninas piauienses, presentes nas escolinhas de futebol que estão se multiplicando no Piauí. As pequenas atletas estão chegando com tudo para mostrar quem é a dona da bola. Nas páginas verdes, a entrevista é com a artista plástica Dora Parentes, uma mulher que nunca se conformou com o papel preestabelecido para as moças da sua época. Com o espírito de quem sabe exatamente aonde quer chegar, Dora dedicou-se ao sonho de expressar seu talento nas telas e tornou-se uma artista respeitada, com exposição em vários países do mundo. Nem mesmo a idade é capaz de deter essa senhora. Aos 86 anos, exibe a vitalidade de uma jovem, trabalhando diariamente e sem data prevista para parar. De fato, uma mulher inspiradora. E como não poderia deixar de ser, a Revista Cidade Verde presta homenagem a um ilustre piauiense que honrou o estado com sua inteligência privilegiada e disposição para pensar e planejar o desenvolvimento do Brasil. Trata-se do parnaibano João Paulo dos Reis Velloso, que foi Ministro do Planejamento durante dez anos e criou o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A história desse economista que tanto nos orgulha pode ser conferida a partir da página 64. Cláudia Brandão Editora-chefe

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SE D2 CIDADE


Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Dora Parentes

claudiabrandao@cidadeverde.com

Alma de Artista

foto Roberta Aline

A artista plástica piauiense Dora Parentes está completando 86 anos de vida e 50 de carreira, com uma disposição invejável. Morando sozinha, ela administra a vida e o trabalho, e deseja continuar pintando até os 100 anos de idade.

Dora Parentes nasceu em Piripiri, no interior do Piauí, filha de uma família evangélica bastante conservadora. Foi criada para casar, ter filhos, ser dona de casa ou, no máximo, professora de grupo escolar. Mas sua alma de artista ansiava por liberdade e por conhecer coisas novas. Aos 15 anos, fugiu de casa para casar com o primeiro marido, com 8 | 10 DE MARÇO, 2019 | REVISTA CIDADE VERDE

quem viveu durante vinte anos. Já morando no Rio de Janeiro, conheceu o segundo marido, um equatoriano, que acabou, indiretamente, ajudando-a a conquistar sua primeira exposição. Desde pequena, Dora sempre foi uma mulher inquieta. Antes de se dedicar às telas, foi estilista. Ainda

hoje, costura as próprias roupas. Aprendeu a tocar bandolim e violão, mas os traços do desenho falaram mais forte que as cordas dos instrumentos musicais. Seu talento criativo também poderia tê-la conduzido à arquitetura, outra das suas paixões. A rainha dos pincéis já construiu pelo menos dez casas, todas projetadas por ela mesma, que


diz adorar ver brotar uma obra do chão, a partir das ideias que surgem em sua cabeça. Hoje, Dora Parentes mora em um condomínio fechado, na BR-343, em uma casa integrada com a natureza, também idealizada por ela, e onde funciona seu atelier. Cercada por obras de arte, é lá que ela passa a maior parte do dia. Aos 86 anos, Dora mora sozinha, dirige seu carro e ainda cozinha a própria comida, além de administrar a carreira que ela pretende continuar seguindo enquanto a saúde lhe permitir, como faz questão de dizer. Foi em meio a esse cenário bucólico, ao som do canto dos pássaros, que a artista que está completando 50 anos de atividade, falou à Revista Cidade Verde.

RCV – Quando a senhora se descobriu como artista? DP – Eu ainda era criança, viven-

do com meus avós em Piripiri, e na escola havia aula de desenho toda quarta-feira. Nesse dia, a professora mostrava meus desenhos para toda a sala, porque era um trabalho diferenciado, todo esfumaçado. Daí, eu comecei a me empolgar e passei a desenhar na calçada de casa com os restos de giz que sobravam das aulas. Foi assim que eu me descobri.

RCV – E quando pintou a primeira tela? DP – Eu nem lembro quem foi, mas

alguém me deu umas tintas e eu pintei aquela paisagem tradicional que todo mundo que está começando faz: uma estrada, com uma casinha e o mato em volta. Esse quadro está,

Eu sofri muito preconceito, muito mesmo. Agora melhorou, porque eu fui tão “pé de boi”, como dizia meu professor, que eu consegui superar.

até hoje, na casa do meu irmão. Já propus até trocá-lo por um quadro atual, porque esse é histórico, né?

RCV – Depois que se tornou artista profissional, a senhora seguiu alguma escola artística? DP – Quando eu fui para o Rio

de Janeiro e entrei para a escola de Belas Artes, eu segui o exemplo do meu professor, Lídio Bandeira de Melo, porque eu acho, até hoje, que ele é um dos maiores artistas vivos do Brasil. Ele, inclusive, tem um painel enorme na Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro.

RCV – Quando aconteceu a sua primeira exposição? DP – Foi de fora para dentro, por-

que eu fui casada com um equatoriano que trabalhava com comércio exterior. Certa vez, a secretária privada do então presidente da Venezuela, Carlos Andrés Pérez, esteve na minha casa e gostou muito do

meu trabalho. Então, ela agilizou para que eu fizesse uma exposição lá e, naquele tempo, a Venezuela era outra, muito diferente do que a gente vê hoje. Foi a minha primeira exposição. Mas, como eu sempre amei o Piauí, eu decidi que a minha primeira exposição no Brasil iria ser no meu estado e a mesma exposição que eu levei para a Venezuela, eu trouxe, depois, para cá. O que eu não vendi lá, eu trouxe para cá.

RCV - Os cavalos sempre foram uma presença muito marcante nas suas telas. Algum motivo especial para isso? DP – Eu tive uma fase em que eu

retratava muito os problemas sociais, as crianças subnutridas da África, daí eu decidi que não queria mais retratar essas mazelas, que já apareciam demais no cotidiano. E lembrei da minha infância, quando eu frequentava as pradarias na região onde hoje é o município de Coivaras. Nessa época, eu andei muito de cavalos. E comecei a retratar o animal, mas não no sentido do bicho e, sim, de uma simbologia de força, sensualidade. Eu sempre pintava o cavalo com a mulher e, ali, era como se o animal estivesse representando o homem. Porque a figura do macho tem as formas muito duras, longilíneas, já as da mulher são arredondadas, e o cavalo é varão, mas tem também as formas arredondadas e eu achei que as formas dele iam se integrar melhor, do ponto de vista artístico, com as formas femininas, dando mais equilíbrio à tela. Então, no fundo, quando eu pinto o cavalo, ele está representando o homem.

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RCV –Hoje, a senhora já coleciona exposições em vários países do mundo, mas o seu pincel nunca deixou de retratar a cultura piauiense. É um pouco de bairrismo? DP – É, porque eu sempre me in-

Eu quero pintar até morrer. Se for para eu ir aos 100 anos, eu vou achar é bom, desde que eu mantenha a lucidez e não dê trabalho para ninguém.

dignei quando via alguém querer renegar as suas raízes. E daí nasceu aquele sentimento de querer defender o Piauí, tanto é que a minha família hoje está toda no Rio de Janeiro e eu estou aqui. E, sempre que eu fazia as exposições, tinha uma referência do Piauí, como o Delta, as Sete Cidades, as rochas, o mandacaru. E em todos os meus catálogos de exposição no exterior, eu sempre coloco a seguinte frase: Dedico esta exposição ao povo da minha terra.

traços, para sair um pouco do convencional.

RCV – Como a senhora se define artisticamente? DP – Eu não falo por mim, mas

RCV – A senhora vive exclusivamente da sua arte? DP – Vivo, lamentavelmente (ri-

pela opinião dos críticos de arte, que são mais profissionais. Eles dizem que eu sou uma artista figurativa contemporânea. Eu entendo e complemento: eu gosto de ter uma certa modernidade no trabalho, mas eu não tenho vontade de pintar aquelas manchas loucas que não chegam a lugar nenhum. Eu acho que a pintura deve ter alguma mensagem. Também não sei dizer se há alguma mensagem naquele tipo de pintura. Mas eu gosto de retratar o cotidiano, com um certo toque de modernidade. Porque se for para retratar uma paisagem ou pessoa com perfeição, existem as máquinas fotográficas que fazem esse papel. Por isso, eu gosto de dar uma modernidade nas linhas, nos

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sos). Mas, sim, eu vivo exclusivamente da minha arte. E por isso, faço bastante exposição, porque aí também a gente já passa a contar com o apoio da mídia. Aliás, eu agradeço muito à mídia piauiense, que sempre me deu muito apoio. Eu faço muita exposição aqui mesmo na minha casa, porque eu criei esse espaço para servir de morada e atelier.

RCV – A senhora tem uma rotina para pintar? DP – É quase uma rotina. Eu cos-

tumo trabalhar muito sob pressão. Parece que vem mais inspiração quando eu estou sob pressão. Quando eu assumo um compromisso e sei que tenho que pintar,

eu acordo de manhã cedo, às vezes cedo até demais, às 3h, 4h da manhã, e vou pintar. Quando o dia começa a clarear, é uma felicidade para mim, e aí eu continuo a pintar. Eu gosto dessa calmaria porque eu sou sozinha para fazer tudo. Tem hora que eu deixo de ser pintora, para ser a empresária, a cozinheira, a dona de casa.

RCV – Como a senhora consegue administrar tudo isso sozinha aos 86 anos? DP – É assim: para o jardim, eu

tenho uma pessoa que trabalha comigo na parte da manhã, porque eu adoro mexer com as plantas. Mas o resto é comigo. Eu cozinho, porém se eu vou à rua resolver alguma coisa, eu como por lá. A carreira também sou eu que administro. Até mesmo a venda dos quadros é feita diretamente comigo.

RCV – Quando a sua carreira começou, na década de 60, a senhora sofreu preconceito pelo fato de ser mulher e piauiense? DP – Muito preconceito, muito

mesmo. Agora melhorou, porque eu fui tão “pé de boi”, como dizia meu professor, que eu consegui superar. Certa vez, o dono de uma galeria no Rio de Janeiro conheceu meu trabalho, apresentado por uma marchand, e gostou muito. Daí, ele perguntou de quem era e quando a marchand disse que era da Dora Parentes, ele simplesmente empurrou a tela e disse que não trabalhava com mulheres porque, segundo ele, as mulheres come-


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