A SÍNTESE NOTICIOSA DO CORRESPONDENTE IPIRANGA: UM ESTUDO ANALÍTICO SOBRE O RADIOJORNAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DISCIPLINA DE RADIOJORNALISMO IV

DEBORAH CATTANI GERSON

A SÍNTESE NOTICIOSA DO CORRESPONDENTE IPIRANGA: UM ESTUDO ANALÍTICO SOBRE O RADIOJORNAL

Porto Alegre 2010


A SÍNTESE NOTICIOSA DO CORRESPONDENTE IPIRANGA: UM ESTUDO ANALÍTICO SOBRE O RADIOJORNAL 1 Deborah Cattani2 deborahcattani@gmail.com

RESUMO Ensaio científico sobre a formatação do radiojornal Correspondente Ipiranga da Rádio Gaúcha Sat. Esta pesquisa também aborda a criação da notícia para o rádio e sua veiculação, o imediatismo do programa e a ação da escolha dos valores-notícia. Palavras-chave: Rádio Gaúcha. Correspondente Ipiranga. Imediatismo. Radiojornalismo. Síntese noticiosa.

ABSTRACT Scientific essay about the outline of the radionews Correspondente Ipiranga Rádio Gaúcha Sat. This research also covers the creation of news for radio and its placement, the immediacy of the action program and the choice of news values. Keywords:

Rádio

Gaúcha.

Correspondente

Ipiranga.

Immediacy.

Radiojournalism. Summary news.

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Ensaio acadêmico desenvolvido para a disciplina de Radiojornalismo IV, em outubro de 2010. Acadêmica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) do curso de Comunicação Social, bacharelado em Jornalismo. 2


2 O trabalho em questão analisa o programa de rádio Correspondente Ipiranga da Rede Gaúcha Sat (93,7 FM) conforme as bases de algumas das mais importantes teorias da comunicação. Apresentado pelos jornalistas Leandro Staudt e Rafael Colling, o radiojornal tem como foco a síntese noticiosa dos principais fatos que ocorreram no estado, no país e no mundo em um curto intervalo de tempo. O noticiário tem quatro edições diárias, de segunda-feira a sábado (8h, 12h50, 18h50 e 20h). Para a realização desse ensaio foram observadas as edições matinais dos dias: 1, 2 e 4 de outubro. A duração de cada gravação é de aproximadamente 10 minutos, onde o locutor aborda notícias gerais. O formato do programa é um híbrido de boletim radiofônico com radiojornal. Desde 2005, o noticiário ganhou uma nova figura, mais moderna, objetivando a agilidade. A estrutura anterior seguia o consagrado modelo Repórter Esso: notas distribuídas em dois blocos lidas pelo locutor, sempre introduzidas por sua procedência. O locutor também lia os textos publicitários. Hoje em dia, o programa segue o seguinte roteiro:

TÉCNICA: Roda característica do programa. JORNALISTA:

Manchetes

da

síntese

(principais

notícias

a

serem

apresentadas). TÉCNICA: Roda trilha do programa (que fica como som de fundo durante a apresentação das notícias). JORNALISTA: Se apresenta, informa hora, temperatura e uma notícia. COMERCIAL: Propaganda gravada do patrocinador do programa (presença da voz feminina). 1º BLOCO JORNALISTA: Apresenta cerca de cinco notícias sendo na média duas com sonoras de 15 a 20 segundos.


3 A SEGUIR: O jornalista anuncia duas manchetes para os próximos blocos. COMERCIAL: Propaganda gravada do patrocinador do programa (presença da voz feminina). 2º BLOCO JORNALISTA: Apresenta cerca de seis notícias sendo na média duas com sonoras de 15 a 20 segundos. COMERCIAL: Propaganda gravada do patrocinador do programa (presença da voz feminina). JORNALISTA: Anuncia o boletim do tempo. REPÓRTER: Boletim do tempo, apresentado por uma das redatoras do programa. JORNALISTA: O apresentador retorna anuncia hora, tempo e temperatura local. 3º BLOCO JORNALISTA: anuncia mais duas notas e encerra chamando para a próxima edição do Correspondente Ipiranga.

No Brasil, a síntese noticiosa de rádio foi introduzida em 1941, pelo Repórter Esso. Ela se caracteriza por ser: Um tipo de informativo em que os fatos são hierarquizados em ordem crescente de importância [...] tendo uma duração de três a cinco minutos e são apresentadas a cada 30 minutos ou uma hora. Algumas emissoras produzem edições mais longas, com dez minutos, no início ou no final de cada dia (Ferraretto, 2001, p. 238).

A partir da década de 1940, esse tipo de noticiário se espraiou nas emissoras brasileiras. O Rio Grande do Sul é um dos poucos estados que se mantém fiel ao estilo. O conservadorismo gaúcho e a influência das rádios latinas explicam tal lealdade. Uma observação importante a ser feita, com relação ao programa, é que o locutor também é o editor. Na teoria do gatekeeper, o editor é a pessoa que


4 decide o que será publicado - deve filtrar as notícias, mas não omitir dados importantes. Essa seleção de notícia tem uma interessante explicação para a metáfora: “uma seleção de informação em 'portões' controladas por 'porteiros', havendo informação que passa e outra que fica retida” (SOUZA, 2002, p. 39). E, é nesse aspecto do que passa e não passa que parece haver um espaço para que o profissional delibere os eventos, o que vai contra a ideia de o jornalista ser um elemento neutro. Porém, no Correspondente Ipiranga, há rodízio de locutores. O radiojornal não mantém uma figura padrão, uma vez que procura a versatilidade. Isso parece impossibilitar que o produto de comunicação filtre sempre através dos mesmos critérios. Nas três edições estudadas há um predomínio dos assuntos de política, serviços e violência urbana. No quesito política, persiste um destaque para as eleições, possivelmente por se tratar do mesmo período. Isso demonstra a preocupação do veículo com o imediatismo. De acordo com Schlesinger (apud TRAQUINA, 1993), esse imediatismo representa um conceito dado ao tempo decorrente entre o fato, seu acontecimento e a sua transmissão pública: a notícia. Ele ainda destaca que a notícia é uma mercadoria que, vista de maneira temporal, é definida pela sua qualidade efêmera e transitória. A aproximação global prevista por Marshall McLuhan fez ainda mais acirrada a disputa entre os veículos de comunicação. “[...] Ser mais rápido tornou-se uma demonstração de prestígio, de poder financeiro e político”,


5 afirma Júnior (2001). McLuhan (apud MEDISCTH, 2005, p.145) descreve o rádio como um meio que: [...] afeta as pessoas, digamos, como que pessoalmente, oferecendo um mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte. Este é o aspecto mais imediato do rádio. Uma experiência particular. As profundidades subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos ressonantes das trombetas tribais e dos tambores antigos. Isto é inerente à própria natureza deste meio, com seu poder de transformar a psique e a sociedade numa única câmara de eco.

A corrida com as rádios concorrentes exige dos jornalistas uma busca mais intensa pela originalidade. Júnior (2001, p.56) diz que: Poderia dar a impressão de que a sociedade é beneficiada por uma pluralidade imensa de pontos de vista distintos, possibilitados pela disputa entre as empresas da mídia pela originalidade da notícia.

Essa valorização do imediato é uma decorrência da abordagem metodológica adotada nos anos 1970 para compreensão de estudos da comunicação. No final do século XX, a comunidade acadêmica se apoderou de técnicas proeminentes da sociologia, tais como a observação participante. O foco se deu na análise de conteúdo sobre as práticas produtivas das profissões ligadas à comunicação. A contribuição dessa aderência permitiu reconhecer que a rotina constitui um elemento crucial na produção da notícia (TRAQUINA, 2001). Assim, concluiu-se que o produto do jornalismo é resultado de um processo de interação entre os jornalistas, a sociedade e a fonte da informação. Os emissores também são receptores. Se tratando de um programa patrocinado, pode-se abordar sua construção por outro ponto de vista. Meditsch (2001) crê que o valor-notícia pode ser submetido à presença de tal patrocínio. Para o autor, a dependência muda o rumo do noticiário, influenciando os receptores.


6 Há uma terceira questão que também se aplica ao Correspondente Ipiranga de forma conveniente. De acordo com Wolf (2003), a apresentação de um programa jornalístico não transparece sua fase de produção. Para ele, a exposição é feita como se fosse um balanço dos principais fatos ocorridos nas últimas horas. Juntando as três teorias, pode-se observar que o programa segue um padrão: as notícias de política, polícia e de serviços têm maior relevância. Todavia, como pode o profissional determinar a relevância de uma notícia? Wolf (2003) diz que há uma convergência para a escolha de temas de interesse público. Mas, essa afirmação é contrária às teorias acima: subentende-se que é o público que decide o valor-notícia. É uma faca de dois gumes, uma vez que a discussão cíclica desvia a atenção da autonomia jornalística para manipular e definir aquilo que é de instância geral. A própria divisão do noticiário em blocos é um sintoma, cuja primeira parte aborda os temas mais pesados e vai aos poucos passando para informações mais leves, encerrando de forma agradável ao ouvinte. Ferrareto (2001, p. 238) diz que: O principal item da edição é colocado como a notícia final. O segundo fato mais importante a ser noticiado deve abrir a edição. [...] Não existe, naturalmente, um critério geral e único capaz de definir a importância das notícias. A sensibilidade do redator e o seu bom senso são os seus melhores conselheiros no momento da avaliação. [...] É de boa prática, entretanto, colocar juntas as notícias e informações afins, que não possam ser fundidas num único item.

Parte das notícias presentes no programa tem um processo de produção diferente: são construídas a partir de sites e jornais impressos, ou seja, a partir de uma seleção prévia de outros jornalistas. Isso significa que há uma partilha


7 de opinião entre os criadores da notícia-fonte e os usuários dessa. O processo de garimpo de notícias pré-existentes é automático na visão de Wolf (2003). Os jornalistas não dispõem de muito tempo para analisar os fatos diários, então se dedicam ao automatismo. Os dados veiculados pelo programa são apenas recortes da notíciafonte. Wolf (2003) afirma que tais recortes dificultam o aprofundamento da notícia. No entanto, é o tempo do programa que determina esse formato: uma colcha de retalhos com os principais elementos de cada fato. Assim, é plausível gerar um panorama do que aconteceu nas últimas horas. O olhar subjetivo de cada jornalista que produz o noticiário contribui para levar aos ouvintes informações julgadas extraordinárias, partindo dos critérios comuns aos meios de comunicação. Considerando que o programa é curto e visa o imediato, a atualidade passa a ser outro fator de destaque. Pois, a notícia “é um produto perecível, deve chegar ao cliente o mais rapidamente possível para ser utilizada” (TRAQUINA, 2001, p. 78-79). Pode-se dizer então, que o Correspondente Ipiranga trata a informação como um artigo a venda. A pressão do fator temporal sobre os jornalistas faz com que as empresas de comunicação elaborem estratégias para impor ordem. Esses esquemas baseiam-se na divisão dos espaços geográficos em áreas oportunas durante a jornada de trabalho. Por isso, os jornalistas também fazem plantão. A

constituição

da

notícia

é

um

processo

de

identificação

e

contextualização que torna os acontecimentos significativos. Rodrigues (apud TRAQUINA, 1993, p. 27) assegura que: O acontecimento jornalístico é, por conseguinte, um acontecimento de natureza especial, distinguindo-se do


8 número indeterminado dos acontecimentos possíveis em função de uma classificação ou de uma ordem ditada pela lei das probabilidades, sendo inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência.

Nos três dias analisados, nenhuma matéria se repete. Com exceção do assunto eleições que se mantêm em evidência, nenhuma das outras notas é mencionada novamente. Nem em edições diferentes do mesmo dia encontramse referências a um mesmo tema. Essa demonstração de atualização por parte do programa não é uma característica comum no radiojornalismo brasileiro. O meio visa repetição uma vez que ele pode ser ligado e desligado a qualquer minuto. Para o rádio, repetir é situar os ouvintes. Um atributo do programa é a inserção de pequenas sonoras. Schlesinger (apud TRAQUINA, 1993) profere que, embora a ideia de que os jornalistas transmitem a informação das fontes ao público pareça um processo linear, o processo é, na verdade, circular. Esse ciclo está ligado a fatores sócio-culturais e às prováveis leituras feitas pelos ouvintes. Haussen define esses conceitos da seguinte maneira: A identidade cultural duma comunidade é a forma específica com a qual a comunidade – através de seus símbolos, instrumentos, normas, regras, expressões artísticas, vida e etilos de trabalho e padrões de interação social – se adapta a um dado ambiente. Para todas as comunidades, o meio ambiente muda constantemente: o que é apropriado num devido tempo torna-se totalmente inapropriado se ocorrer mudança. (HAUSSEN, 1993, p. 7)

O objetivo do radio é causar a impressão de ser somente um meio para transmissão da notícia. Dessa maneira, o recurso da entrevista se faz saliente, uma vez que o que o entrevistado disse está dito. Não há como discordar ou dizer que a observação partiu dos profissionais da rádio. A sonora dá crédito à informação.


9 Atualmente, programas como esse se encontram em escassez. O Brasil enfrenta um dilema: fazer rádiojornalismo sem jornalistas. Uma pesquisa realizada pelo cientista Francisco Sant’Anna mostra que em 2004 o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apresentava registro de apenas 1602 radiojornalistas em todo o território nacional. Esses profissionais representam 5,21% da massa total de jornalistas, ou seja, 0,35% das emissoras (relevando somente trabalhadores regulamentados). O baixo índice de jornalistas em emissoras noticiosas compromete a qualidade do produto final. Além disso, as rádios competem hoje com a diversidade da internet. O Correspondente Ipiranga é um exemplo de persistência e sobrevivência, pois informações rápidas e sínteses noticiosas podem ser buscadas na internet com rapidez superior a do rádio. As mudanças recentes no radiojornal implementaram um toque mais requintado ao estilo já concebido. Fugir dessa opressão da internet é um dos principais fins. Mesmo assim, espera-se que esses programas se adaptem a nova realidade e migrem para dentro dela, sem se perder no tempo. Pois, eles têm uma função na sociedade que vai além de informar rapidamente. Programas, como o Correspondente Ipiranga, são a principal fonte de notícias dos analfabetos e excluídos do mundo digital. Afinal, 33% da população brasileira não sabe ler nem escrever. 3 Outro estudo,

feito

pela

Organização

para

Cooperação

e

Desenvolvimento

Econômico (OCDE)4, envolveu 32 países visando medir a capacidade de leitura em 256mil estudantes. A pesquisa mostrou que os alunos brasileiros foram 3

Mapa do Analfabetismo no Brasil, pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) em 2001. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo/>, último acesso em 20 out. 2010. 4 Pesquisa publicada no jornal do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Disponível em: <http://www.braudel.org.br>, último acesso em 20 out. 2010.


10 capazes de identificar letras, palavras e frases, mas não de compreender o sentido do que leram. A inclusão digital não se trata apenas da disseminação do acesso. Como toda ferramenta nova, necessita de treinamento, qualificação. Mesmo aqueles que têm facilidades econômicas para ingressar na vida digital precisam conhecer a distinção entre informação e entretenimento. Enquanto isso não acontecer, o rádio servirá como uma excelente plataforma de informação e interação.


11 REFERÊNCIAS

FERRARETTO, Luis Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. São Paulo: Sagra Luzzatto, 2001. HAUSSEN, Dóris Fagundes. Sistemas de comunicação e identidades da América Latina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Mapa do Analfabetismo no Brasil. Brasília: 2001. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/estatisticas/analfabetismo/>, último acesso em 26 set. 2010. JÚNIOR, José Arbex. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001. MEDITSCH, Eduardo. O rádio na era da informação: teoria e técnica do novo radiojornalismo. Florianópolis: EDUFSC, 2001. ______. Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2005. SANT’ANNA, Francisco. Radiojornalismo no Brasil: um jornalismo sem jornalistas. Rennes: 2007. Disponível em: <http://www.crape.univrennes1.fr/documents/theses/theseSant%27Anna.pdf>, último acesso em: 25 out. 2010. SCHLESINGER, Philip. Os jornalistas e a sua máquina do tempo. In: SOUZA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó: Argos, 2002. TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1993. ______. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa: tradução Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2003.


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