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Jornal dos alunos da Famecos/PUCRS. Porto Alegre, MARÇO/ABRIL 2010 – Ano 12 – Nº 78

Pedro Belo Garcia/Hiper

Lívia Stumpf/Hiper

JORNALISMO

Mino Carta ataca imprensa Página 9

ESPORTE

ESTÉTICA

Cresce busca por plásticas

Eles praticam arco e flecha

Página 6

Lixo urbano provoca contaminação difusa

Página 2

POLÍTICA

Ana Amélia

deixa jornalismo

Página 8

Livia Auler/Hiper

TONELADAS DE LIXO e animais mortos dispensados todos os dias em aterros sanitários contaminam os lençóis freáticos e ameaçam Porto Alegre. Microorganismos continuam se proliferando até nas valas sépticas. O alerta é de um doutor em engenharia ambiental, professor Gino Roberto Gehling. Evitar a “contaminação difusa” não depende apenas dos órgãos públicos, mas também da conscientização da sociedade. Página 5

Nicole Pandolfo/Hiper

Cultura na noite Na noite bôemia de Porto Alegre, surgem novos espaços para debate literário e de ideias, com música e gastronomia. Um dos locais é o Studio Clio, na Cidade Baixa. Página 9


2 abertura

Porto Alegre, março/abril 2010

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Por Cláudio Rabin

Cláudio Rabin/ Hiper

Novo museu Depois dos poemas no ônibus e da Feira do Livro, a prefeitura decidiu contribuir mais para cultura na cidade. Com a renovação dos pardais eletrônicos em janeiro, os equipamentos antigos foram substituídos por novos. Todos menos um. Na Av. Nonoai, 1083, permanece um dos modelos antigos para que todos possam observar como eram os controladores de velocidade no passado. Parece que a prefeitura quer transformar o local em um novo ponto turístico da Capital.

Salada partidária

Do outro lado

Se fôssemos resumir o panorama da eleição no RS, seria algo assim: o PDT, que apoia a Dilma, fechou aliança com o PMDB, que se apoiar a candidata petista, vai perder incontáveis votos para o PSDB. A governadora Yeda vai concorrer e negocia com o PP que, por sua vez, faz manha e ameaça fechar com PTB, partido que já conquistou apoio do DEM.

E o PT? Ora, Tarso Genro parece estar sem ninguém para brincar e espera pacientemente. Talvez pelo PSB, que também tenta atrair o PP, embora a candidatura de Beto Albuquerque não tenha decolado. Enquanto isso, a petista Dilma afirmou à ZH que não saberá o que fazer caso dê Tarso e Fogaça no 2º turno. Esperamos que ninguém fique magoado.

Duas perguntas para... Tulio Milman Qual o critério editorial numa coluna de tanta abrangência (página 3 de ZH)? Se conseguir dar uma boa informação e provocar um sorriso por dia, a missão estará cumprida. Busco o que não está nas outras editorias, seja através da opinião, de um enfoque diferente ou da exclusividade.

Como é implantar o próprio estilo em um espaço consagrado no jornal, por onde já passaram jornalistas de peso? Trabalho com absoluta liberdade no Informe Especial. Quando me convidaram para assumir a página, a proposta foi clara: “É tua. Faz com a tua cara”. É o que estou tentando.

Futebol perde um olhar lírico Aos 83 anos,morreu dia 29 de março, o jornalista e escritor Armando Nogueira, um dos precursores do Jornal Nacional. “O Brasil está mais pobre desde às 8h45min”, disse no programa Bem, Amigos o jornalista Paulo César Vasconcellos, diretor de redação do canal Sportv, o último a trabalhar com Nogueira. Nogueira começou sua trajetória em 1950, no Diário Carioca, na seção de esportes. Passou pelas revistas Manchete e Cruzeiro, chegando à TV Rio, onde escrevia textos para os locutores Cid Moreira e o gaúcho Heron Domingues. Convidado por Walter Clark, foi para a Rede Globo em 1966. Foi um dos responsáveis pela implantação do telejornalismo da emissora, com a criação do Jornal Nacional. Sua grande paixão, no

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ESTÉTICA

Plásticas crescem no país Aumento da mama e lipoaspiração estão entre as dez operações mais procuradas pelas mulheres Por Deborah Cattani A CIRURGIA ESTÉTICA evoluiu tanto no Brasil entre 2008 e 2010 que ultrapassou os Estados Unidos, ficando em primeiro lugar no ranking mundial. São cerca de 630 mil procedimentos por ano e mais de 3.500 profissionais capacitados nessa área, segundo pesquisa do Data Folha. Essa busca desenfreada pela perfeição não ocorre sem motivo. Para Ivo Pitanguy, 84 anos, pioneiro e referência no assunto no Brasil, o crescimento se dá não apenas por conta do avanço tecnológico e das facilidades de pagamento, mas também pelo padrão de beleza imposto nas sociedades de clima tropical. “O culto à beleza brasileira acontece porque, em grande parte do país, é verão o ano todo. E as pessoas querem mostrar o corpo, ficando de bem com elas mesmas”, diz o cirurgião que esteve em Porto Alegre em 31 de março, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A psicóloga Viviane Maia, 34 anos, mestre em educação, concorda que a aparência é fundamental para a saúde mental de um indivíduo, mas ressalva que tudo tem limite. “Pela preocupação com um imaginado defeito na aparência, às vezes, o que as pessoas buscam não é somente a imagem perfeita, mas tentam consertar algo interno como baixa auto-estima”, explica Viviane. Por isso, acredita que na maioria dos casos é mais importante um

tratamento psiquiátrico do que uma maiores preocupações de Pitanguy intervenção cirúrgica. é transmitir aos futuros médicos um A plástica pode ser fundamen- senso de humanidade. tal quando o paciente necessita da Apesar disso, as cirurgias repaintervenção por causa de câncer, radoras representam apenas 27% acidente ou defeitos congênitos. das plásticas anuais. “A sociedade “Quando existe faz pressão, mas uma anomalia, vai muito do esa inquietação é tado psicológico, tão grande que Entre 2008 a 2010, 73% das da estrutura de pode trazer pre- cirurgias plásticas realizadas cada pessoa, da juízos no funcio- no Brasil foram por motivos aceitação”, enfanamento social, estéticos e 27% tiveram objetivo tiza Viviane. De causando o que reparador, conforme a Sociedade acordo com ela, o nós chamamos Brasileira de Cirurgia Plástica. envelhecimento de Transtorno se tornou motivo Dismórfico Cor- Cirurgias mais realizadas: de consternação poral: um senti- 21% de aumento de mama na sociedade. “É mento muito for- 20% lipoaspiração como perder algo te de insatisfação 15% abdômen que não volta com a forma e o 43% tumor mais. Não deixa tamanho do corde ser uma forma po”, esclarece a de luto, uma nepsicóloga. “A cirurgia plástica pode gação pelo corpo envelhecido, pela ser comparada a ‘cirurgia da alma’, diminuição da energia.” Por isso o tem muito mais efeito psicológico acompanhamento pós-operatório que estético”. Ela crê que certos é tão fundamental, na visão da psiprocedimentos podem devolver cóloga. “Para auxiliar na estrutura qualidade de vida a um paciente da pessoa, nas fantasias, nos medos que sofreu mutilação, por exemplo. que precisam ser desmistificados. Ivo Pitanguy é um defensor da Funciona como qualquer outra cirurgia reparadora e já foi critica- forma de fazer psicoterapia”. do por incentivar procedimentos No entanto, os tabus em volta em crianças e adolescentes. “Um desse tema persistem. O próprio jovem que tem orelha de abano Pitanguy admite que em muitas ou lábio leporino tem mais que se ocasiões convence o paciente a não submeter a uma operação. Não é mudar nada. “É importante que só uma questão de imagem, mas o paciente não espere demais da de dar àquele jovem uma vida mais cirurgia.” Ele confessa nunca ter próxima do normal possível”, argu- passado pelo bisturi. “Quando o menta o cirurgião que leciona na indivíduo vai se tolerando, vai se Pontifícia Universidade Católica do deixando, e se aceita, talvez essa Rio de Janeiro (PUCRJ). Uma das seja a melhor cirurgia.”

73% ESTÉTICAS

Mariana Fontoura/ Hiper

entanto, sempre foi o esporte. Cobriu todas as Copas do Mundo a partir de 1954. Membro do que alguns diziam ser a “Santíssima Trindade da Crônica Esportiva”, junto com Mario Filho e Nelson Rodrigues, Nogueira era um artista das palavras. Escreveu cerca de dez livros, entre eles, A Ginga e o Jogo e Bola na Rede. Sua morte deixou o jornalismo esportivo menos lírico. (Pedro Tavares) Sergio Vale/ Divulgação

Para Pitanguy, a procura se deve aos padrões de beleza impostos pela sociedade


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tecnologia 3

Porto Alegre, jmarço/abril 2010

Felipe Dalla Valle/Hiper

PESSOAS ESPECIAIS

Metalexia ensina a aprender sem ver Livro mostra dificuldades em sala de aula e apresenta metodologia para o aprendizado de deficientes visuais Por Natália Otto EM UMA SALA do curso de Pedagogia, uma aluna interrompe a aula. Vai até a frente da turma e toma o lugar do professor. Ela pede que os colegas virem de costas para ela e prossegue com aula exatamente do ponto onde a interrompeu. Escreve no quadro esquemas, gráficos, palavras dispersas. “Vocês conseguem me entender?”, pergunta. “Não”, dizem os colegas. “Não vemos o quadro”. “Pois é assim que me sinto todos os dias”, responde. Então, todos compreendem. Quem conta é Mônica Lanner Fossatti no livro Metalexia – Uma Pedagogia Para o Deficiente Visual. O relato é um dos inúmeros desafios que a pedagoga de 30 anos enfrentou devido a sua condição de deficiente visual. Desafios que a levaram a escrever seu primeiro livro, lançado no final de 2009. A palavra “metalexia”, que dá título à obra, foi desenvolvia pela autora e significa “o vício de comunicação que atribui às palavras sentidos que os deficientes

visuais não compreendem”. São os “aqui”, os “ali”, os “logo adiante”, palavras cujo significado depende de uma noção de espaço e tempo que, na maioria das vezes, o cego não possui. Com a ajuda de seu pai, Nelson Fossatti, professor da PUCRS, Mônica redigiu um livro que propõe novas maneiras de se comunicar com o cego. O texto baseia-se na metalexia, mas não se atém apenas a isso. Discorre sobre os sentidos que o deficiente visual é obrigado a desenvolver, as barreiras físicas (calçadas, ruas esburacadas, sinalização inapropriada) impostas pelas cidades, os desafios educacionais e os deveres do Estado com os deficientes visuais. “Escrevi este livro principalmente por causa das dificuldades que tive na faculdade”, conta a escritora. “Os professores usavam muitos termos, lâminas, esquemas. Diziam ‘copiem isso aqui’, e eu não sabia a que se referiam. Eu tinha amigos que me ajudavam bastante, mas pensava nos meus colegas com deficiência visual e em suas dificuldades”. Mônica perdeu a visão aos 16 Caroline Corso/Hiper

anos, em decorrência da radioterapia que a curou de um câncer cerebral. Terminou o Ensino Médio em uma escola onde havia inúmeros recursos para a educação de um deficiente visual, como livros em Braille e provas orais. “Quando cheguei à universidade, achava que encontraria os mesmos recursos, senão mais. Mas não foi o que aconteceu”. Mônica não encontrou ao seu dispor, ou às mãos de outro deficiente que entrasse na universidade, qualquer mecanismo de auxílio ou estímulo ao estudo. “Os professores eram completamente despreparados para lidar com um deficiente visual”, recorda. Segundo ela, alguns disseram não saber dar aula para cego. “Já havia um preconceito. E na Pedagogia, ainda por cima, onde nós temos que saber trabalhar com todo mundo. Caso contrário, não existe interação. Ficamos todos excluídos”, critica.

Reivindicações: Muitos aceitariam as condições, mas Mônica resolveu exigir seus direitos. Mobilizou a turma de aula, mandou

cartas à diretoria da faculdade. “Um dia, estava toda minha turma parada em frente à sala do diretor, usando vendas nos olhos. Não falaram nada, como se dissessem: estamos aqui, esperando”. No outro dia, apareceram a impressora em Braille e sala de leitura. E Mônica descobriu que valia a pena lutar pelo o que acreditava. O foco do livro na comunicação com o deficiente veio das experiências da autora. “Observo muito o uso da metalexia, e ela é puramente a exclusão. Porque se tu não falas corretamente, e outro não compreende, tu o exclui. É como falar inglês a quem só entende o

português”, sintetiza ela. A obra, dedicada principalmente às áreas da educação, comunicação e turismo, alerta para o fato de que o deficiente visual não é um peso a ser carregado pela sociedade. É, na verdade, um percentual da população com muito a oferecer, necessitando apenas de ferramentas e oportunidades. Já formada em Pedagogia, Mônica trabalha em uma escola da Capital. Além de talentosa, ela chama atenção pelos olhos claríssimos e cabelos avermelhados. Fala de forma pausada, escolhe com cuidado as palavras para se dirigir ao interlocutor – sobre o qual nunca detém o olhar. Mônica vê muito além.

Velha história, novas vítimas da Talidomida Por Gabriela Dal Bosco Sitta

Diefenthalaeler tem vida normal, convivendo com a síndrome

Mônica: um exemplo de quem dribla as dificuldades

A ALEMANHA desenvolveu, em 1957, um medicamento para aliviar náuseas e enjoos. Quatro anos mais tarde, a Talidomida era retirada do mercado após ter causado o nascimento de milhares de crianças com focomelia, uma síndrome que deixa os membros curtos e atrofiados, além de outros graves deficiências visuais e auditivos. A droga foi recolocada em circulação em 1965, ao ser detectada sua validade no tratamento de hanseníase. A partir daí, outras indicações foram descobertas. Surgiram duas novas gerações de portadores da Síndrome de Talidomida e hoje cerca de mil pessoas convivem com ela no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A história parece remeter a um passado distante. Contudo, ainda nascem crianças vítimas da Síndrome no Brasil. Lavínia Faccini, dou-

tora em Genética e Biologia Molecular, coordena o Sistema Nacional de Informação sobre Teratógenos em Porto Alegre, afirma que “às vezes as mulheres não sabem que estão grávidas e tomam comprimidos de Talidomida sem usar métodos anticoncepcionais, obrigatório para toda mulher em idade reprodutiva que ingere a droga”. Ela observa que a automedicação é um hábito corriqueiro no país. “As pessoas tomam ‘remédios’ sem saber direito se são adequados para sua doença”. O período de risco para a ingestão de Talidomida por gestantes são os três primeiros meses de gravidez e um único comprimido de 50mg é suficiente para causar danos no feto. “Ou seja: mesmo que uma mulher pare de tomá-la quando descobre que está grávida, os danos neste período inicial de gravidez já não podem ser revertidos”, adverte. A presidente da Associação Brasileira de Portadores da Síndrome

de Talidomida (ABPST), Cláudia Maximino, concorda com Lavínia e acrescenta que a negligência e a falta de informações dos médicos também podem trazer problemas. A ABPST procura informar tanto portadores quanto interessados sobre os efeitos do medicamento e as vitórias conquistadas pelas vítimas nos últimos anos, com o auxílio da Associação. Há, inclusive, possibilidade de aposentaria especial. Nascido em 1961, Gustavo Diefenthalaeler, da primeira geração das vítimas, é membro da ABPST e recebe pensão. Funcionário publico, pai de quatro filhos, dirige um carro adaptado e leva vida normal. Em países da Europa e nos Estados Unidos não há registro de novos nascimentos de portadores da Síndrome. Na maioria desses países a interrupção de gestação é legalizada. Isso faz com que em casos de exposições acidentais se possa interromper a gravidez.


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Opinião EDITORIAL

Porto Alegre,março/abril 2010

“O adversário de um grande jornal é outro grande jornal.” (Alberto Dines, 13/03/2010)

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ARTIGO

O jornalismo gráfico está Quem são vivíssimo, 400 anos depois os verdadeiros monstros?

Da Redação

Quatro séculos depois do surgimento dos primeiros periódicos na Europa, o jornalismo impresso continua vivíssimo no Brasil. A maior notícia de 2009 foi o lançamento do Brasil Econômico. Março de 2010 marca a reformulação gráfica e editorial do Estado de S. Paulo. Para o segmento da comunicação mais antigo, dado como moribundo há meio século, é uma demonstração de vigor invejável. Na Famecos, o Hipertexto foi criado em 1999, durante a consolidação dos sites eletrônicos, com o propósito de reafirmar o espaço para o aprofundamento da notícia no jornalismo. Em 11 anos, passou por inúmeras transformações de forma e conteúdo, e prepara-se para mais uma. Este ano, seguiremos a tendência nacional de buscar novas formatações e linguagem para o meio impresso na modernidade. O Brasil Econômico encantou primeiro pela cor rosa salmão do Financial Times (mais importante jornal do segmento no mundo, em Londres, desde 1888). Em formato tablóide, mistura nas capas as chamadas fortes dos vespertinos, abrindo fotos, com a utilização de texto do standard. As páginas internas são diagramadas com conceitos de revista, colunas vazias, espaços em branco no final do texto, fotos enormes que se transpõem de uma página para outra, além de muitos detalhes gráficos para aprimorar o desenho e despertar pontos de entrada do leitor. Mas o jornal vai além do design. A informação, a interpretação e a

Por Natália Otto

Brasil Econômico, 2009

A reforma do Estadão, 2010 tendência de um jornalismo literário estão presentes em textos de autoria, creditados e até com a foto do repórter. O tradicional jornal da família Mesquita, 135 anos de história, volta a surpreender. O matutino paulista que cobriu a Guerra dos Canudos (1896) com um repórter chamado Euclides da Cunha (!), sempre foi conservador, mas por sua postura jornalística, sofreu censura durante o Estado Novo de Vargas, na Ditadura Militar de 1964 e hoje, sim, hoje, há 250 dias é censurado pelo Poder Judiciário. Não pode publicar nada contra a família Sarney. Em março, O Estado de S. Paulo passou por uma reforma gráfica contundente. O tamanho standard, página longa vertical, recebeu uma diagramação mais horizontal, inclusive com a abertura de colunas assinadas

no alto da página, e fios transversais separando elementos. As matérias são divididas, para se adaptarem ao planejamento gráfico e facilitar a leitura, mas não se tornaram frangos esquartejados radicalizados em alguns jornais. Quem teve Euclides da Cunha entre seus repórteres, não pode abandonar a narrativa. Numa época em que o rádio aposta na linguagem frenética de interação com o ouvinte, o apresentador de televisão fala com o câmera ou senta na bancada, pernas entrelaçadas, e o jornalismo eletrônico é picado pelo veneno da permanente inovação tecnológica, que o obriga a agregar novas linguagens a cada dia, o irmão mais velho, nascido na Alemanha em 1602, mostra aos familiares jovens que há muitos caminhos a seguir. Basta encontrá-los. Palavra de quem é obrigado a se renovar permanentemente. Pode até estar com seus dias contados, mas vai morrer atirando.

Hipertexto Jornal mensal dos alunos do Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: hipertexto@pucrs.br Site: http:// www.pucrs.br/ famecos/ hipertexto/ 045/ index.php Reitor: Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira Diretora da Famecos: Mágda Cunha Coordenadora de Jornalismo: Cristiane Finger

Após dois anos de espera, Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá sentaram-se diante de um júri. Mera formalidade da Justiça. Ambos são culpados desde o dia em que a primeira câmera captou seus rostos. Em questão de minutos, foram condenados à prisão perpétua. Mesmo que contra todas as probabilidades o casal saísse livre do julgamento, de nada adiantaria. As filas gigantescas formadas à porta do tribunal não mentiam: Nardoni e Jatobá jamais caminhariam com segurança pelas ruas deste país. Aos olhos da opinião pública – o maior e mais importante de todos os júris – eles são monstros. O povo não quer só justiça. O povo quer vingança. Quer dormir à noite sabendo que foi arrancado o olho de quem cegou inocentes. Que ficou banguela quem quebrou dentes alheios. Nada mais natural do que esse sentimento – e nada mais perigoso. Cegos pelo velho ditado babilônico, temos dificuldade de ampliar a visão para além de um pai que matou a filha. A punição aos culpados

é mais do que bem-vinda. Mas serão apenas eles os vilões? Nenhuma criança no Brasil jamais será vítima de abuso, agora que Alexandre Nardoni foi condenado? Casos como o de Isabela acontecem todos os dias, às vezes fruto do descuido de pais e professores. A mídia, ao invés de promover debates sobre violência doméstica e abuso infantil, preferiu apontar sua mira apenas para os supostos assassinos. Uma parte tão pequena do todo. Assim, o grande júri – nós mesmos – dificilmente enxerga os reais culpados com clareza. Os verdadeiros monstros não podem ser trancados em celas de prisão, nenhum mandado é capaz de detê-los. Não há júri que julgue nosso descaso cotidiano, nossa alienação mascarada. O caso Isabela não nos mostra apenas uma família destruída, mas um problema social. Não apenas uma tragédia, mas uma possibilidade de alerta e conscientização, ofuscada pela luz de um espetáculo midiático. Do alto da bancada do juiz, nosso veredicto nem sempre é o correto. Talvez porque, às vezes, nos esquecemos de também sentar no banco dos réus.

“Os verdadeiros monstros não podem ser trancados em celas de prisão, nenhum mandato é capaz de detê-los.”

Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem 5.000 Produção dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico e de Fotografia. Professores Responsáveis: Celso Schröder, Elson Sempé Pedroso, Ivone Cassol, Juan Domingues, Luiz Adolfo Lino de Souza e Tibério Vargas Ramos. Estagiários matriculados e voluntários Editoras e diagramação: Ana Maria Bicca e Thais Longaray. Editora de texto: Denise Frizzo Diagramadores: Pedro de Souza Palaoro, Gabriela Boni e Gabriela Carpes.

Editores de Fotografia: Bruno Todeschini e Lívia Stumpf. Redação: Ana Maria Bicca, Camila Kaufmann, Camila Torrada Pereira, Cláudio Rabin, Débora Fogliatto, Deborah Cattani, Denise Frizzo, Gabriela Boni, Gabriela Carpes, Gabriela Dal Bosco Sitta, Jéssica B. Wolff, João Veppo Neto, João Henrique Willrich, José Luiz Dalchiavon, Luiz Antônio A. Bruno, Mariana Amaro, Marco Antônio Mello de Souza, Natália Otto, Nicole Pandolfo, Paola Rebelo, Pedro Henrique Arruda Faustini e Thais Monteiro Longaray.

Repórteres Fotográficos: Bruno Todeschini, Bruna Martins, Bolívar Abascal Oberto, Camila Guimarães Cunha, Caroline Corso de Carvalho, Daniela Grimberg, Felipe Dalla Valle, Guilherme Santos, Gabrielle Toson, Jonathan Heckler, Lívia Auler, Lívia Stumpf, Luíza Lorenz, Manoela Ribas, Maria Helena Sponchiado, Mariana Amaro, Mariana Gomes da Fontoura, Maurício Krahn, Nicole Pandolfo, Nicole Morello, Paola Rebelo, Pedro B. Garcia, Pedro Henrique Tavares, Pedro Sampaio, Raquel Damo, Renata Ferreira, Sabrina Ribas, Tracy Anne e Vanessa Freitas.


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cidade 5

Porto Alegre, março/abril 2010

Lívia Auler/Hiper

Lixo em pequenas ou grandes quantidades, quando não recolhido corretamente, contamina lençol freático e demais camadas de terra

A complexidade de recolher o lixo e armazenar em aterros sanitários Engenheiro sanitarista alerta para os perigos e conclama população a auxiliar órgãos públicos Por Deborah Cattani A COLETA DE 30 mil toneladas de lixo domiciliar, 3,5 mil de comercial, 16 mil de público, 350 de serviços de saúde e 19 mil da construção civil é o descarte médio mensal do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) em Porto Alegre. Mas isso não é tudo. Diariamente dois a três cavalos atropelados precisam ser recolhidos e dispensados em aterro sanitário. Os números impressionam, mas o pior é o que se joga fora de forma errada, prejudicando a natureza. O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em engenharia ambiental, Gino Roberto Gehling, explica que os órgãos municipais cumprem as leis, contudo, a população precisa de mais instrução quando se trata

de resíduos incomuns. “Se cada um procurasse dar a destinação para um animal morto dentro dos limites do lote da edificação em que reside, nós estaríamos criando a chamada contaminação difusa”, explica o engenheiro que também trabalha no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Federal. A “contaminação difusa” consiste em pequenas quantidades de detritos disseminadas por uma área imensa, no caso, urbana. Gehling esclarece que essa poluição ocorre porque – na região da grande Porto Alegre – os lençóis freáticos têm profundidades bastante variáveis, em alguns locais são fundos, em outros afloram. Os cavalos mortos são dispensados no aterro sanitário de Minas do Leão, a 80 km da Capital, informa o assessor de imprensa do DMLU,

Roberto Azevedo. Em Porto Alegre, pouco antes do fechamento do antigo Extrema, foi inaugurado em 2001, próximo ao Lami, um novo aterro administrado por uma empresa privada, com capacidade para mais de 13 milhões de metros cúbicos de lixo. Todo resíduo disposto lá é de origem orgânica.

Liberação de áreas: “Para que uma área seja licenciada como aterro, o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) analisa os processos de solicitação de licença. Para conceder a licença, examina com propriedade muitos aspectos. Um deles: qual a cota de fundo que terá o aterro e a profundidade do lençol freático”, enumera Gehling. “Há exigência de distância entre o fundo do aterro e o lençol para evi-

tar futuros desastres ambientais”, acrescenta. No aterro sanitário, uma lona plástica, chamada Geomembrana Polietileno de Alta Densidade (PEAD), interpõe diversas camadas de lixo. Sua resistência química e sua proteção contra raios ultravioleta a tornam impermeável, impedindo os líquidos provenientes de decomposição evaporar. Além disso, uma cobertura de terra (areia e argila) é sobreposta a cada 24 horas para impedir a proliferação de moscas e outros insetos. O líquido preso entre as camadas é sugado por canos para ser tratado e reutilizado. “Uma parte deste chorume vai para estação de tratamento, e outra pode ser direcionada para a superfície do aterro. Na superfície, principalmente no verão, o solo fica demasiado seco

e o resíduo para se decompor rapidamente necessita de umidade”, explica o professor Gehling. Porém, ainda não há consenso quanto a determinados detritos. Em Santa Maria, a prefeitura investe no uso de valas sépticas para lidar com resíduos de serviços de saúde e carcaças de animais. Essas valas são pequenas, com até três metros de profundidade e servem para isolar um material potencialmente perigoso. O engenheiro químico, mestre em engenharia de recursos hídricos e saneamento ambiental, chefe da Equipe de Resíduos Especiais do DMLU, Eduardo Fleck, é contrário ao sistema. “Eu não acredito em valas sépticas como unidade de tratamento. Já se abriu vala séptica e verificou-se que os microorganismos estavam todos lá ainda.”

DMLU mantém coleta especial de animais

Parece lixo seco, mas não é

Apesar de pouco divulgado, o DMLU possui um sistema de coleta especial. Cada Capatazia está equipada com um veículo que recolhe animais mortos, tanto os de rua, quanto os domésticos. A lei prevê que os animais mortos por doenças devem ser tratados em uma estação de transbordo antes de chegarem ao aterro. Às vezes é difícil fazer a limpeza, pois muitos dos bichos são recolhidos em vias públicas e não se sabe a

Lâmpadas fluorescentes contêm metais pesados na composição que podem contaminar o solo. A quantidade de mercúrio em uma única lâmpada pode tornar 20 mil litros de água impróprios para consumo. A destinação correta é levar a lâmpada queimada de volta ao local onde essa foi comprada. As pilhas e baterias são compostas por agentes ativos das reações eletroquímicas e protetores de corrosão. O mercúrio, responsável por provocar efeitos

causa mortis. “Se houver, por parte do proprietário, orientação de que a causa da morte foi uma doença de relevância pública a gente vai encaminhar para que isso tenha um recolhimento especial”, elucida Fleck. O engenheiro químico garante que recolhimento de animais é imediato e explica que, se for doméstico, precisa estar embalado em sacos plásticos no momento da busca. Animais pequenos como

cães e gatos não têm custo. Cavalos e vacas custam R$143,90 cada. “É mais barato que a cremação e menos poluente que o enterro na própria propriedade”, pondera. Mariza complementa com outro caso: “Morre um cachorro numa rua e no dia seguinte, outro. Aí é motivo de investigação da Zoonose. Ela vai ter que investigar esse foco de doença. O que falta para a população? É justamente saber quais os procedimentos que ela tem que fazer.”

crônicos e danos ao cérebro; e o chumbo, que causa problemas no sistema nervoso central são dois dos metais mais nocivos à saúde encontrados em pilhas e baterias. Os termômetros domésticos também se enquadram nessa categoria. O descarte desses resíduos deve ser feito em postos de coleta que estão espalhados pela cidade. No Brasil, há apenas uma empresa que executa a reciclagem desse material: a Suzaquim, em São Paulo.


6 esporte

Porto Alegre, março/abril 2010

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Exercício promove a concentração e estimula contato com a natureza e outras pessoas

Arco e flecha, esporte conquista adeptos Bruno Todeschini/Hiper

Modalidade já fez parte dos jogos olímpicos, mas ficou de fora pela diferença de regras Por Pedro Henrique Faustini SÃO SETE ALVOS em um campo cercado por eucaliptos. Pássaros cantam e uma brisa suave agita os cabelos das pessoas que praticam tiro com arco e flecha no Clube Farrapos, em Porto Alegre. São 27 praticantes que treinam todos os finais de semana e outros 32 aguardam vaga para as aulas no clube. Ninguém vive do esporte. Os praticantes são médicos, dentistas, estudantes universitários e de ensino médio. A maioria toma conhecimento do clube pela internet. Os interessados se reúnem e é marcada uma data para aulas teóricas e práticas. O material é emprestado pela

Federação Gaúcha de Tiro com Arco (Fegaf) gratuitamente, mas o valor do aluguel das instalações do clube cabe aos praticantes pagar. Os treinos são feitos com arcos compostos e recurvos. O arco composto utiliza alavancas e roldanas para diminuir o esforço do arqueiro na hora do tiro. O arco recurvo é o utilizado em competições como as Olimpíadas. Porém, sem as roldanas, exige mais técnica para atirar. O alvo pode estar a uma distância de 18 metros em torneios indoor (realizados dentro de ginásios), mas chegam a 90 metros de distância em torneios outdoor (a céu aberto) para homens e a 70 metros para mulheres. São dez aneis e cinco cores. Um

acerto no centro vale 10 pontos, e a pontuação diminui à medida que a distância do tiro em relação ao centro aumenta. Novos adeptos: 32 pessoas estão na lista de espera para terem aulas no clube. Oger Souza Pinto, diretor da Fegaf e professor do curso, conta que o esporte, mesmo individual, faz com que os praticantes tenham um relacionamento muito bom, além de desenvolver a concentração. “O tiro com arco é exigente tecnicamente, pois todo o corpo faz parte do processo de atirar. Os arcos são leves, mas a pressão em puxar a corda é grande. A pessoa tem que ter um ótimo condicionamento físico”, explica.

Oger conta que o nível, no Brasil, subiu, mas ainda está abaixo de países como Japão, Coreia do Sul e EUA, onde recebe mais investimentos, seja do governo ou da iniciativa privada. “No Brasil tudo é mais difícil, talvez em cinco anos tenhamos mais destaque. A ideia é ter finalistas nas Olimpíadas de 2016”, diz. Iniciativas para ganhar adeptos já existem. No Rio de Janeiro há um projeto da Confederação Brasileira de Tiro com Arco com crianças da Rocinha, conta Oger. Em Porto Alegre, Kalany Munoz é o mais jovem do grupo. Tem 11 anos e chegou ao clube um dia antes desta reportagem. O esporte foi uma sugestão da tia e Kalany gostou, embora no início tenha tido dificuldades. “Achei o arco um pouco pesado, mas depois me acostumei”, conta. Exterior: Oger é dentista e divide o trabalho com a prática de tiro com arco. Um problema para competir em alto nível é a falta de patrocínios. “Quase não há patrocinadores”, reclama. Mas como sempre gostou do esporte, já participou de vários campeonatos nacionais e internacionais. “Só faltou a Olimpíada”. Quem foi à Olimpíada foi Gustavo Trainini, de 31 anos, vinculado à Sogipa. Pratica tiro com arco desde os 26 e é formado em Biologia. Conta que começou a praticar o esporte depois de se formar devido aos custos, que não são baixos. Para disputar as Olimpíadas de Pequim, em 2008, Trainini teve que diminuir a carga horária no trabalho para se dedicar mais aos treinos. Na classificatória, em El

Salvador, havia três vagas, e mesmo sem patrocinadores ele obteve a classificação com o terceiro lugar. Na China, a medalha não veio, mas ele avalia que a participação foi boa. “Valeu pela experiência”. Agora, seu projeto é se preparar para os jogos de Londres em 2012, e mais tarde, 2016 no Rio de Janeiro. A carioca Aline Kwamme, de 19 anos, integra a seleção feminina de Tiro com Arco e treina no Clube Farrapos. Disputou o último campeonato sulamericano em Medellín, na Colômbia, mas não obteve medalha. Apesar disso, o treinador Lim Heesk, que é sul-coreano, deposita grande confiança nela, que está há apenas um ano e sete meses no esporte. Cursa Publicidade e Propaganda e trocou de universidade para seguir treinando. Para o último sulamericano, em março, o treinador chegou com apenas um mês de antecedência. “As mudanças que ele fez nos treinos são para longo prazo”, segundo Aline. Ela espera ter um desempenho melhor no Panamericano de Guadalajara, no México, em 2011. “Tiro com arco é muito emocional, sem controle emocional não se consegue nada”. O esporte integrou as Olimpíadas de 1920 a 1928, mas a diferença de regras entre os países fez a modalidade ficar de fora dos jogos. Em 1972, nos jogos de Munique (Alemanha), as regras da Federação Internacional de Tiro com Arco (FITA) foram adotadas, e desde então o Tiro com Arco é disputado ininterruptamente em jogos olímpicos.

Médico relaxa puxando a corda FRANCISCO LOPES ou Chicão, tem 63 anos. É o mais velho do grupo e um dos pioneiros no tiro com arco no estado. Quando criança atirava em bananeiras na casa do pai, mas também praticava todo tipo de esporte. Teve um problema no menisco, e passou a se dedicar mais ao arco e flecha. Junto com Oger Souza Pinto, viajou ao Rio de Janeiro para disputar um campeonato e “levaram uma surra”, como ele diz. Mas decidiram voltar em melhores condições. Para Chicão, o esporte ajuda muito na concentração, atributo que aplica no seu trabalho de médico, principalmente nas cirurgias. Aos iniciantes, Chicão diz três coisas: a primeira que esporte é lazer, em seguida que deve haver concentração (a flecha diz se o

indivíduo estava ou não concentrado) e a terceira se deve cuidar da saúde. Nesse ponto, Oger sustenta a posição do companheiro. “Há todo um cuidado com a postura, atenção e técnica para abrir o arco. As pessoas pensam que atirar é ‘zen’, mas sem a devida técnica não se consegue puxar a corda, pois a pressão é muito grande, mesmo se for uma pessoa bem forte”. Quando dizem para Chicão que arco e flecha ficaram inútil depois da pólvora, ele faz uma comparação com a pintura e a fotografia. “Mesmo depois da chegada da fotografia, a pintura não deixou de existir. O arco e flecha representam a pintura em relação à fotografia. Como arma não serve, mas como arte é uma beleza”, finaliza Chicão.

Bruno Todeschini/Hiper

Jogo de arco e flecha contribui para o exercício da concentração


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esporte 7

Porto Alegre, março/abril 2010

Camila Cunha

Modalidade é a única no mundo reconhecida como esporte e arte de defesa pessoal

Krav Magá. O quê? Por Gabriela Carpes SIMPLES, rápido, objetivo e acessível a qualquer pessoa. Assim podemos definir o Krav Magá, única luta reconhecida mundialmente como arte de defesa pessoal. Fusão entre diversas artes marciais, a técnica se espalha pelo mundo, cresce no Brasil e ganha cada vez mais adeptos em Porto Alegre. Foi em um cenário de violência e morte, muito parecido com o atual, que Imi Lichtenfeld criou em Israel, na década de 40, o Krav Magá. Ao observar a ineficácia de outras técnicas de defesa e combate existentes, percebeu a urgência do surgimento de um meio para se manter vivo diante daquela realidade. Decidiu então, criar uma técnica que seria eficiente a qualquer um, independente de força, preparo físico, idade ou sexo. Rapidamente ganhou visibilidade e, em 1987, foi liberada a difusão para o restante do mundo. Hoje, está presente em mais de 40 países, dentre eles o Brasil, onde chegou pelas mãos de Kobi Lichtenstein na década de 90. Mestre Kobi, como é conhecido, foi o responsável pela fundação da Federação Sul Americana de Krav Magá, única entidade autorizada a difundir, ensinar e formar instrutores no país. A arte reconhecida mundialmente como conceito de eficiência em combate, tanto na área civil como na militar, chegou à capital gaúcha em 2007. Hoje, já tem seis turmas e 95 alunos treinando regularmente. “O ano de 2009 foi muito especial para o Krav Magá em Porto Alegre. Conseguimos crescer, abrimos mais horários e realizamos seminários que tiveram grande

aceitação”, enfatiza Marcus Begossi, 29 anos, instrutor responsável pelo ensino e difusão da técnica no Rio Grande do Sul. O Krav Magá, diferentemente de outras artes marciais, não possui regras ou competições, por isso não é considerado um esporte. Segundo Begossi, a arte visa exclusivamente a defesa pessoal e sua aplicação em situações reais. O objetivo é fazer com que o aluno se sinta confiante para reagir da maneira mais simples e rápida em uma situação de perigo real caso seja necessário. “A intenção é eliminar o risco da agressão e chegar em casa vivo, tendo resolvido o problema da forma mais eficaz possível”, afirma o instrutor. A graduação é feita por faixas na seguinte ordem: branca, amarela, laranja, verde, azul, marrom e preta. Para cada uma, é necessário um tempo mínimo de treinamento e a aprovação no exame que avalia o aprendizado das técnicas. “Os exames são com o mestre Kobi. E com ele é sempre mais puxado. Foram bem cansativos”, afirma Mateus Bisotto, 23 anos, faixa laranja e monitor. Ao contrário do que pode parecer, o Krav Magá não é uma luta violenta. Além de exercitar o combate propriamente dito, baseia-se em quatro princípios importantes que são trabalhados em tempo integral. São eles: coragem, equilíbrio emocional, paciência e respeito. Renato Levin Borges faz aulas há três anos e sente-se mais confiante desde que começou. “O Krav Magá ajuda na autoconfiança, te deixa mais tranqüilo. As saídas são simples e objetivas. Sinto mais confiança para lidar com situações perigosas”, diz. Além disso, os alunos são ins-

truídos a só se defenderem em casos onde o conflito é inevitável. “Não trabalhamos só com o combate, toda a parte de comportamento e postura na rua são abordados. Usamos as técnicas de Krav Magá praticamente todos os dias, principalmente na prevenção”, afirma o instrutor Roberto Bokowski, 32 anos. Qualquer pessoa pode praticar, basta ter vontade e estar disposta a aprender. “Não temos nenhuma restrição. Trabalhamos com as limitações de cada um”, afirma Roberto. Os golpes utilizam o peso do corpo, potencializando a ação, e visam atingir pontos sensíveis, igualando qualquer adversário independente de tamanho, força, idade, sexo ou qualquer outra característica. “Os olhos, por exemplo, são pontos sensíveis em qualquer pessoa”, completa. Esse é um dos motivos pelo qual o número de mulheres praticantes do Krav Magá aumenta significativamente. “Elas sabem que mesmo com a diferença de peso, conseguem ter uma resposta eficiente com relação ao agressor”, esclarece o instrutor. A advogada Fernanda Paula da Silva, 28 anos, pesquisou na Internet detalhes sobre a luta e gostou do que descobriu. “Eu estava buscando uma atividade física. Achei que uma arte marcial seria útil pra mim. Pesquisei sobre o Krav Magá, achei interessante, gostei do objetivo e vim fazer”. As aulas acontecem no Centro de Krav Magá de Porto Alegre (Rua Gen. João Telles, 508 – Bom Fimww). Mais informações pelo telefone (51) 3311-3755 ou no site www.kravmaga.com.br. Camila Cunha

Além da luta, alunos aprendem valores como a coragem

Cem anos de história Nascido maio de 1910 em Budapeste, Imi Lichtenfeld, criador do Krav Magá, desde pequeno acompanhava o pai, chefe do serviço secreto local e instrutor de defesa pessoal e técnicas de imobilização da polícia secreta. Nos anos 30, com o fascismo e o nazismo crescendo na Europa, as ruas se tornavam cada vez mais violentas. Ao perceber que as técnicas existentes de nada valiam em situações reais, percebeu a necessidade da criação de uma arte direta e efetiva. Nasce o Krav Magá. Em pouco tempo, tornou-se líder de grupos de resistência que tinham como arma apenas o próprio corpo e participou de inúmeros e violentos confrontos. Em 1940, deixa sua terra para escapar dos nazistas. Junta-se ao exército Checo, que lutava ao lado dos britânicos, e participa de combates na Líbia, Síria, Líbano e

Egito. Em 1942, dá baixa no exército e recebe licença para retornar a Israel. Ao chegar, foi designado responsável pela preparação dos grupos que lutavam em defesa do povo para enfrentar inimigos bem armados e numerosos. O desafio foi bem sucedido. Com a criação do Estado de Israel, em 48, Imi se alistou nas Forças de Defesa de Israel e tornouse instrutor chefe de preparo físico e Krav Magá. Nos 20 anos seguintes, aperfeiçoou a técnica e treinou os grupos de elite das forças armadas israelenses. Depois disso, dedicouse a adaptar e adequar a técnica para o mundo civil. Em 78, fundou a Associação de Krav Magá em Israel. Imi faleceu no dia nove de Janeiro de 1998. Mas sua obra vive. O Krav Magá se espalha pelo mundo e já é utilizado por militares e civis em mais de 40 países.

DUAS DÉCADAS NO BRASIL Há 20 anos chegou ao Brasil o responsável por divulgar o Krav Magá no país, Kobi Lichtenstein. Para comemorar essa data tão importante, juntamente com o centenário do criador Imi Li-

Por utilizar o peso do corpo nos golpes, a modalidade atrai cada vez mais mulheres

chtenfeld, está sendo preparado um grande evento no Rio de Janeiro que acontece de 25 a 29 de maio e vai reunir as delegações dos 40 países praticantes da arte.


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imprensa

Porto Alegre, março/abril 2010

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Fotos: Lívia Stumpf/Hiper

Do outro lado da mesa Ana Amélia Lemos passa de repórter à entrevistada

Por Camila Kaufmann

A jornalista aceita a proposta do PP e disputa o Senado

Depois de 20 anos sendo assediada pelo PP, a jornalista Ana Amélia Lemos aceita convite para ser candidata ao Senado em 2010. Ana Amélia atuou no grupo RBS desde 1977. No início dos anos 80, mudou-se para Brasília, onde dirigiu a sucursal da RBS. Além de ser colunista do jornal Zero Hora e comentarista, seu foco principal era a economia e o setor agropecuário. Após 40 anos atuando como jornalista, Ana Amélia faz uma comparação entre o jornalismo e a política: – É uma afinidade muito grande, lida com pessoas, lida com fatos, lida com soluções e principalmente com projetos. Tudo o que pratico agora na política, eu trago do meu aprendizado com a comunicação. Para mim, o exercício da comunicação é o irmão siamês da política. Com a saída dos veículos, Ana Amélia se impressiona com o carinho que está tendo através da sua

página no twitter: - Eu recebo retorno de muitas mensagens. Fico no twitter conversando com os meus seguidores. Essa área é nova, apesar da comunicação. Fico impressionada com a rapidez desta rede. Uma eleitora escreveu a Ana Amélia dizendo que gostaria de apoiar sua candidatura, mas antes queria saber se depois de eleita ela pediria auxílio-moradia e quem seria seu suplente. Na resposta, Ana deixou bem claro que não vai pedir auxílio porque reside em Brasília. Com relação ao seu suplente, a decisão não passa somente por ela, mas vai opinar. Segunda a candidata, no dia que todos os eleitores se preocuparem com essas questões, a política vai mudar. – Precisamos de uma compreensão maior da política. As pessoas devem entender o papel do senador, o que cabe e compete a ele. Porque, antes de reclamar, o cidadão precisa ser instruído. Dentro da política não existe vazio. Se você não toma

o lugar com consciência, alguém pode tomar com outras intenções, que nem sempre são as melhores. Se conseguir êxito na campanha, Ana Amélia pretende atuar nas discussões tributárias. – Hoje temos a União poderosa, o primo rico, e os estados e municípios são considerados e tratados como primos pobres. Os pactos federativos precisam ser revistos. Mas eu não serei uma fazedora de leis. Não acredito que as leis são cumpridas. Não vou gastar papel derrubando árvores. E uma questão cultural que deve se mudada – afirma. Outra convicção muito forte é a sua decisão de ser senadora apenas uma vez. Não haverá reeleição, assegura. – Se merecer o apoio, eu ficarei feliz, mas não me candidatarei novamente. Como jornalistas defendemos a renovação. Portanto, será apenas um mandato. Farei o máximo possível. Essa é a agenda que eu defini.

Bergesch conta histórias da primeira fase da TV no país Por Mariana Amaro Personagens e bastidores da história da televisão brasileira são descritos no livro do jornalista Walmor Bergesch, lançado em março último. Os Televisionários narra coisas que o público normalmente não tem acesso. Bem humorado, Bergesch brincou com sua idade “só querem colocar velharias do meu lado!”, reclamou mostrando a câmera Beflex e uma válvula rara de 1964 (anexada à máquina gerava imagem) com o manual original. O livro tem formato inovador. Apesar de direcionado para um público específico, jornalistas e estudantes de comunicação, a inserção de imagens, ilustrando o texto, e de crônicas e contos sobre a televisão de autoria de escritores como Luis Fernando Verissimo, tornam a obra atraente ao público em geral. Bergesch juntou material para o seu livro durante anos. Pesquisava sobre o mundo da televisão desde os 20 anos, quando, em 1967, encheu uma mala com livros sobre televisão e sua história. “Eu fiquei fascinado

com aquela abundância de literatura sobre o assunto, televisão como tecnologia, como jornalismo e daí pensei: vou levar tudo o que eu puder”. Cada capítulo do livro explora um momento importante na história da TV no Rio Grande do Sul, dando destaque às entrevistas realizadas pelo autor e à realidade da televisão da época, sem apelar para o saudosismo. O livro procura ilustrar as diversas época e dá voz as grandes figuras do jornalismo televisivo. Bergesch relata acontecimentos dos bastidores, realidade que só jornalistas e pessoas que trabalham na área tinham conhecimento. Radialista e empresário, além de jornalista, o autor também é personagem da história da televisão brasileira. Natural de Estrela, ele participou da instalação das três primeiras emissoras de televisão de Porto Alegre e também da primeira transmissão de TV a cores. A paixão pela televisão, o levou a pesquisar e colecionar livros, revistas sobre o assunto e equipamentos raros.

Mariana Amaro/Hiper

Bergesch mostra peças raras que adquiriu em anos de pesquisa e trabalho em televisão


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Porto Alegre, março/abril 2010

Novo espaço de lazer em Porto Alegre Studio Clio é sinônimo de inteligência e sensibilidade na boêmia da Cidade Baixa Nicole Pandolfo/ Hiper

Por Bolivar Abascal e Natália Otto HÁ UM NOVO MODO de produzir e absorver cultura em Porto Alegre. Eventos dinâmicos, informais, que promovem a interação do público com palestrantes e artistas estão lentamente substituindo as palestras distantes, as conferências engravatadas, as exposições silenciosas. Aquela cultura fechada e introspectiva se torna cada dia mais espontânea e aconchegante. Três locais especificamente integram este novo modelo cultural em Porto Alegre: o StudioClio, o Sarau Elétrico e o Instituto NT de Cinema e Cultura. “O StudioClio é numa esquina. Alguém conhece alguma casa de esquina que não seja secretamente sobrenatural? Esquina entre a inteligência e a sensibilidade, entre a José do Patrocínio e os becos de minha alma”, versa Fabrício Carpinejar, em depoimento no site da instituição. Como diz o escritor, o StudioClio – Instituto de Arte e Humanismo, localizado no coração boêmio da cidade (Rua José do Patrocínio, 698), é uma junção de cultura e lazer. Instalado em um belo prédio histórico, o StudioClio é um “centro cultural inteligente”, como define o professor da UFRGS e colaborador Luís Augusto Fischer. A programação diferenciada é a marca do local. Há banquetes culturais – nos quais há relação entre palestra, música e gastronomia –, oficinas e concursos literários, shows e palestras. “Este lugar é

um agente de cultura. Tem uma visão transversal, transdisciplinar. Aqui, juntamos coisas que não precisam ficar separadas, como comida, lazer, música, diversão e alta cultura”, explica Fischer. Para o geólogo Mário Wrege, a qualidade da programação é o grande atrativo. Assíduo do Studio desde que os filhos mudaramse para São Paulo, Wrege vai duas ou três vezes por semana ao lugar. Conhece toda a equipe do instituto. “A gente acaba se conhecendo, todos aqui são muito informais”, elogia. A dona-de-casa Rosana Pedrin considera o local um espaço especial. “As pessoas se sentem em casa”, diz Rosana. Segundo o historiador, arqueólogo, professor da UFRGS e idealizador do StudioClio, Francisco Marshall, o frequentador do espaço é um membro de uma comunidade. A política da informalidade e o lazer permitem ao público sentir-se próximo da cultura. “As pessoas acham que alta cultura precisa ser sisuda, fria. Mas não é bem assim”, afirma Fischer. A poucos quilômetros do StudioClio, outro sobrado oferece arte e cultura a porto-alegrenses e turistas: o Ocidente, na esquina da João Telles com a Oswaldo Aranha. Point alternativo clássico de Porto Alegre, o bar é conhecido pelo público fiel, pelo rock’n roll e pelas festas animadas. Nas terças à noite, porém, o Ocidente silencia. As luzes se apagam, garrafas de cerveja tornam-se candelabros sobre as mesas. Desde 1999, as

Política da informalidade e do lazer permite a aproximação entre o público e a cultura terças pertencem à literatura. É noite de Sarau Elétrico. Há mais de 10 anos, toda a semana os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno, a radialista e apresentadora Katia Suman e a publicitária Cláudia Tajes sentam-se nos banquinhos do pequeno palco do Ocidente e compartilham literatura com o público. A cada terça, um tema diferente. Pode ser sexo, televisão, literatura francesa, Drummond. Qualquer coisa que gere um bom papo. Em clima descontraído, os quatro leem trechos literários. Moreno, especialista em mitologia

Mídia brasileira é golpista, diz Mino Carta Por Marcelo Scherer PARTE DA HISTÓRIA do jornalismo político brasileiro foi revisitada na terça-feira, 15 de março, em Porto Alegre, no Studio Clio. No projeto “Conversas com o Professor”, idealizado pelo jornalista Ruy Carlos Ostermann, a entrevista franca e direta foi com Mino Carta, jornalista de entendimento como poucos da política do país. Ele foi idealizador de diversos projetos editoriais, como das revistas Veja, Isto É, Quatro Rodas, e dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Hoje, coordena a sua revista Carta Capital. Ao apresentá-lo, Ostermann disse: “Este é um homem cuja leitura é obrigatória, poucos ouviram e raríssimos o viram, mas faz parte de uma rica história do jornalismo neste país”. Mino Carta adentrou ao

pequeno auditório sorridente e bem alinhado. Abraçou Rui enquanto uma salva de palmas era ouvida com grande eloquência. A conversa começou pelos seus primeiros anos de profissão, quando Carta escrevia para os jornais Il Messaggero, de Roma, e La Gazzetta Del Popolo, de Turim. Ostermann indagou sobre a Carta Capital, revista há 15 anos no mercado. O entrevistado assim definiu-a: “A Carta é uma revista independente, parcial e alinhada com o meu pensamento”. Aos poucos, Carta foi se soltando e disparando frases como “a editoria do Estadão hoje é uma obra-prima do humorismo” ou “a mídia brasileira é golpista, FHC comprou votos de deputados e senadores para sua segunda eleição e a imprensa desse país abafou”. Com o desenrolar do bate-papo,

falou de sua experiência malsucedida em tevê nos anos 1980, na Record, e de algumas tentativas de programas pela extinta TV Tupi, elencando casos curiosos de tentativa de tirá-lo do ar por parte dos políticos de então. Sobre a política contemporânea, ele se disse contente com o presidente Lula, definindo-o como divisor de águas: um ex-metalúrgico que se tornou presidente da República tendo uma forte identificação com seu povo. Carta revelou que seus descontentamentos com esse governo se devem à falta de maiores avanços na distribuição de renda. Completou seu pensamento criticando o Bolsa Família que, apesar de necessário, tem gosto de esmola. Depenando as asas tucanas, Carta foi incisivo diversas vezes: “O PSDB está conseguindo reerguer a velha UDN”.

greco-romana, tem sempre uma história dos tempos de Homero para relacionar com o assunto, seja ele qual for. Às vezes, um convidado especial reforça o time – Martha Medeiros e Luis Fernando Veríssimo já subiram no palco. Um pocket show de uma banda local fecha a noite. Gente de outras partes do país também aparece para prestigiar o evento. O paulista Alfredo Aquino, morador de Porto Alegre há 10 anos, frequenta o Sarau religiosamente. “Só não venho quando tem gente chata”, brinca. Escritor, pintor e editor literário, Aquino

conhece bem os círculos culturais tanto da capital quanto de São Paulo. “É só em Porto Alegre que existe algo como o Sarau. Em São Paulo, no Rio, não existe esse público tão fiel”, conta ele. “Os apresentadores são gente de muito nível, mas com grande empatia pelo público. Em São Paulo, acadêmicos desse porte são arrogantes. Aqui a dinâmica é muito boa, eles se entrosam contigo”. Talvez o segredo do Sarau Elétrico esteja justamente na intimidade com o público, no caráter de conversa de bar e em fazer da literatura algo próximo de todos. Pedro Belo Garcia/Hiper

Jornalista Mino Carta ataca a imprensa nacional


10 música

Porto Alegre, março/abril 2010

Porto Alegre, TCHAU!

hipertexto Gabrielle Toson/Hiper

Bandas rumam ao Centro do país em busca de sucesso Por Vanessa Freitas e Gabrielle Toson LARGAR TUDO devido à troca de emprego. Deixar família, amigos e cidade natal por uma oportunidade é normal. O quadro muda quando este “largar tudo” não tem nenhuma garantia de melhoria de vida. Isso acontece com bandas gaúchas que deixam o Estado para tentar expandir a carreira no eixo Rio-São Paulo. Para conseguir projeção nacional, os músicos precisam ir para onde há cenário e mercado fervilhante, e onde a distribuição da música é mais fácil. Geralmente, esse cenário fica na cidade de São Paulo. “O sul é muito longe do centro do país e isso dificulta o trabalho das bandas. A internet aproxima, mas, em São Paulo, tudo acontece diferente”, explicou Z, guitarrista da banda porto-alegrense doyoulike?. “Por ser maior que Porto Alegre, São Paulo possibilita um circuito de shows muito grande, sem contar que o deslocamento é mais fácil e barato,” disse Neko, baterista da doyoulike?. Outros grupos de rock fizeram isso, como Nenhum de Nós, Engenheiros do Hawaii, Cachorro Grande, Bidê ou Balde, Wander Wildner e Fresno. A banda Pública, de Porto Alegre, é mais uma a experienciar a sensação de tentar a sorte fora dos pampas. “Desde 2006 conversamos

sobre o assunto, pois temos ambição de ser uma banda nacional. Com a repercussão do trabalho ficou evidente que a mudança para São Paulo é a única forma da banda crescer”, contou Pedro Metz, vocalista da Pública. As expectativas do grupo, no longo prazo, são consolidar a imagem de banda e se sustentar com a própria música. No curto prazo, eles sabem que vão passar trabalho, dificuldades e fazer novas amizades. Em 1º de abril, eles realizaram show de despedida, no Bar Ocidente, e ainda neste semestre se mudam para São Paulo. Para chegar à fase atual, o caminho não foi nada fácil. Formada em 2001, a Pública só lançou o primeiro álbum oficial, “Polaris”, em 2006. Com o álbum tiveram reconhecimento nacional. Daí em diante, foram elogios atrás de elogios, o que impulsionou os rapazes e os levou a fazer shows por todo o país. Além disso, foi deste disco que saíram seus três primeiros videoclipes, “Lugar Qualquer”, “Polaris” e “Long Plays”. O último deu a Pública a indicação ao Video Music Brasil, prêmio anual da MTV. Depois de “Como num Filme Sem um Fim”, um novo álbum foi gravado em 2008 e lançado em 2009. A repercussão foi imediata.

Vanessa Freitas/Hiper

No bar Ocidente, Pública fez sua despedida, iniciando mudança para São Paulo Em crítica da revista Rolling Stone, é dito que “banda teria tudo para se destacar no cenário pop nacional”. Com certeza, o momento não poderia ser mais propício. Além do reconhecimento regional e das músicas já conhecidas nas rádios gaúchas, a banda abriu o show que Franz Ferdinand fez em Porto Alegre, em março, marcando mais um ponto positivo na carreira. “É difícil dizer qual é o momento certo para se mudar para São Paulo. Depende da banda, do trabalho e até mesmo da idade dos integrantes. Pensamos muito nas consequências e o que era uma vontade se tornou necessidade”, explicou Pedro. Um fato curioso, que pode ser um tanto quanto facilitador para as bandas que buscam reconhecimento também fora do estado, é o olhar crítico do público gaúcho. “Eu sinceramente acho que, em questão de receptividade, rola uma diferença em todo show. Isso varia inclusive

“exportação” do Rio Grande do Sul. Formada por Érico, Z, Neko e Gulis, a banda aposta em um rock sem firulas. Na página MySpace dos meninos, eles deixam isso claro: “como o dito rock moderno está cada vez com menos guitarras e mais sintetizadores e afins, nossa música é recheada de guitarras muito distorcidas, músicas curtas com refrões grudentos e energia suficiente para eletrizar todo tipo de multidão”. Os rapazes já tocaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Curitiba, e têm planos de se mudar para São Paulo. “Pretendemos nos mudar, mas ainda é só um plano. Primeiro vamos terminar de gravar nosso CD, lançá-lo aqui, fazer alguns shows em outros estados. Pretendemos subir aos poucos, mas acho que essa viagem definitiva para lá ainda vai demorar um pouquinho. Temos muita coisa para fazer por aqui, mas nunca se sabe o dia de amanhã”, explicou Z.

Banda Anberlin emociona e deixa saudade Por Vanessa Freitas O SHOW DA BANDA norteamericana Anberlin ficou gravado na memória dos fãs porto-alegrenses não só pelo espetáculo, mas também pelos minutos de ansiedade em que o público se perguntava: “será que vai dar certo?” Marcada para iniciar às 20 horas no dia 25 de março, no Bar Opinião, a apresentação atrasou e só iniciou às 23h42min, quando o guitarrista Christian McAlhaney e o baterista Nathan Young subiram no palco, seguidos pelo baixista Deon Rexroat, o guitarrista Joseph Milligan e pelo vocalista Stephen Christian. Formada em 2002 no estado da Flórida, a banda abriu o espetáculo

Grupo tocou sucessos da carreira a pedido dos fãs

de cidade para cidade, e depende do show que tu vais tocar. Pelo que dizem o povo aqui do sul é o mais crítico”, disse Z, da doyoulike?. “Depende muito do artista, aqui temos um público fiel e que respeita muito nosso trabalho, porém os últimos shows que fizemos em São Paulo foram muito empolgantes. Nos mostraram que somos uma banda querida por lá. No geral, acho que o público gaúcho é, sim, um pouco mais exigente”, complementou Pedro. A Pública, atualmente produzida em Porto Alegre pela Olêlê, não conta com uma nova produtora em São Paulo. Novas músicas já foram compostas para um disco que deverá ser gravado no final deste ano e, além disso, alguns shows já estão marcados em Belém do Pará, São Luis no Maranhão, Campinas, Bauru e, claro, São Paulo. A doyoulike?, criada em 2007, em Porto Alegre, pode ser próxima

com Godspeed, do álbum Cities. Mesmo com a casa mais vazia que o esperado, o Opinião tremeu com a animação e o entrosamento entre a banda e o público, que sabia as letras de cor e se concentrava o mais perto do palco possível. O setlist ainda contou com Resistance, Adelaide, Dismantle.Repair e Paperthin Hymn, e com Feel Good Drag, Breaking e Disappear, do cd mais recente, New Surrender. No meio da apresentação, um momento inesquecível, quando alguém da plateia puxou o coro de Naive Orleans, clássico que não estava no setlist dos shows anteriores da Anberlin no Brasil. Stephen e Christian discutiram rapidamente com os integrantes sorridentes e,

obviamente, surpresos com a situação, foram em frente. No bis, o pedido foi atendido. Naive Orleans foi tocada em versão acústica, com dedicatória e agradecimento especial ao Tavares, baixista da Fresno, grande fã de Anberlin, presente no espetáculo. No refrão, de letra marcante, havia até lágrimas nos rostos de alguns fãs. O sonho pouco provável de acontecer, a Anberlin não é uma banda muito conhecida no Brasil, tinha se concretizado. O bis ainda contou com um dos primeiros sucessos da banda, A Day Late. No final, ficou aquele gostinho de quero mais, com mais de uma hora de show a sensação era de que a noite não será esquecida por um bom tempo.


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Porto Alegre, março/abril 2010

Tecnologia 3D volta com nova versão Reformatação de filmes traz às telas recursos inovadores e conquista público com o sistema Fabiana Baldo/Hiper

Bruna Martins/Hiper

Cristiane Freitas: “O cinema 3D é uma moda passageira”

Na entrada da sessão, um acessório: os óculos aproximam o espectador dos efeitos especiais

Por João Veppo

é um certo modo de reinventar o cinema, de trabalhar a técnica, mas eu não acho que vá moldá-lo”, avalia. Porém, após o sucesso arrasador de Avatar, do diretor norteamericano James Cameron, muitos se questionam se desta vez a moda também será passageira. O longa arrecadou a maior bilheteria de todos os tempos, superando Titanic, do próprio Cameron. Com este incentivo, um número cada vez maior de obras está sendo anunciado em versão 3D, sem contar as refilmagens de clássicos que terão também este formato. O preço salgado dos

“EM CINCO OU SEIS ANOS, fazer um filme que não seja em 3D será uma decisão criativa, como é hoje rodar em preto-e-branco”. A declaração do diretor Juan José Campanella, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro por O Segredo Dos Seus Olhos, traz à tona uma polêmica: afinal, o cinema 3D será apenas uma moda passageira ou desta vez veio para ficar? O cinema em 3D não é algo novo. The Power Of Love, o primeiro filme neste formato, foi exibido em 1922. Durante a década de 50,

com o crescente sucesso da televisão, outros filmes foram produzidos para tentar trazer o público de volta às salas de cinema. Porém, o sucesso não durou muito e logo a tecnologia caiu em esquecimento. Desde então, ao longo dos anos, este formato tem tido altos e baixos, com sucessos eventuais. Para a professora de Cinema da PUCRS Cristiane Freitas, o sucesso da modalidade atualmente não escapará do ostracismo. “O cinema 3D é uma moda passageira, como já foi. Na minha infância eu assistia a filmes em 3D, só que meus óculos não eram tão bacanas. Isso vai passar,

ingressos, que custam quase o dobro do convencional, não desanima o público, que comparece em peso para ver os filmes lançados. “O preço é justo, sim, afinal não é algo que tu vais ver uma vez por semana, e ainda por cima é 3D!”, comenta a estudante de design Vanessa Samurio, que no último mês assistiu a Avatar e Toy Story, ambos em 3D. Por trás de toda essa movimentação pró-3D existe, claro, o fator econômico. Em uma era em que a pirataria através da internet se tornou muito comum, é necessário algo novo para trazer as pessoas de volta a salas de cinema. Guilherme

Huyer, estudante de Publicidade e Propaganda e que mantém um blog cobre cinema na internet afirma. “A pirataria foi o grande incentivo para os estúdios investirem em tecnologia. Isso já havia acontecido de certa forma, com a crise de 1929, quando as pessoas não tinham estímulo para gastar com diversão. Então veio o cinema com som e levou o público de volta às salas”. Embora não seja possível garantir que o 3D chegou finalmente para ficar, o certo é que a grande maioria dos filmes que estão sendo anunciados para este ano e para o seguinte virão com nessa versão.

Os filmes bizarros e a arte de vanguarda do chileno Jodorowsky Por Luiz Bruno ALEJANDRO JODOROWSKY é um homem de muitas facetas. Mais conhecido pelos seus filmes bizarros e originais, também escreve peças de teatro, é compositor, produtor, ator, mímico, tarólogo e faz quadrinhos. Nascido no Chile em 1929, Jodorowsky recebeu, recentemente, aos 81 anos, uma homenagem em Porto Alegre ao ter seus curtas e longas exibidos pela primeira vez no Brasil. Censurados pela ditadura militar nos anos 70, os gaúchos tiveram a oportunidade de ver seus polêmicos filmes na sala P.F. Gastal em março. Jodorowsky iniciou sua carreira artística muito cedo, ainda no Chile, aos 16 anos, quando teve alguns de seus poemas publicados. Logo, começou a atuar em peças de teatro e desenvolveu o gosto pela mímica, criando o grupo Teatro Mímico. Em 1953, escreveu sua primeira peça, El Minotauro. No ano seguin-

te, entrou para o grupo de teatro de Marcel Marceau, e juntos, viajaram o mundo. Em 1960, em uma visita ao México, decidiu ficar por lá. Nesta época, o chileno iniciou o que se chamava de “Los Panicos,” um movimento artístico baseado em três elementos: humor, terror e simultaneidade. Nesse período, criou cerca de cem produções teatrais. O grupo encenava em espaços públicos, os happenings, como faziam Yoko Ono, com o movimento Fluxus, e John Cage. Por vezes essas intervenções pegavam o público de surpresa, sem conseguir discernir se o que estava acontecendo era verdade ou encenação. Baseando-se no movimento Los Panicos, ele escreveu aproximadamente 21 séries de histórias em quadrinhos, traduzidas do espanhol para mais de dez idiomas diferentes. Por volta de 1968, iniciou sua carreira de cineasta com o filme Fando y Lis. Exibido no Festival

de Cinema de Acapulco, provocou grande revolta no público, levando Jodorowsky a ser escoltado até uma limousine. Seu filme mais famoso, El Topo, de 1970, é considerado um clássico cult. Jodorowsky contou com a ajuda de John Lennon e Yoko Ono na distribuição desse filme nos Estados Unidos, assim como teve seu terceiro filme financiado por eles, The Holy Mountain. Um filme bizarro, produzido com cenas polêmicas e completamente surrealistas, que

Cineasta veio a Porto Alegre

causa forte impacto no espectador. O protagonista é um homem perecido com Jesus Cristo que se une a um alquimista (interpretado por Jodorowsky) e sete poderosas pessoas do mundo dos negócios para escalar uma montanha em busca da imortalidade. Jodorowsky ainda faria os filmes Tusk (1978), Santa Sangre (1989) e The Rainbow Thief (1990). Sempre muito espiritual, quando jovem se envolveu com o budismo e

praticava meditação. Ele também é adepto da Psicomágica, uma forma de curar cicatrizes deixadas por problemas psicológicos através de certos atos físicos. Ele escreveu 23 livros sobre essa filosofia. Hoje vive na França e ministra leitura de tarot para o público em cafés e universidades. Jodorowsky fala com internautas em http://www.clubcultura.com/ clubliteratura/clubescritores/jodorowsky/robo.htm

Confluência entre o lado cineasta e o lado mago

Fotos Divulgação


12 ponto final

Porto Alegre, março/abril 2010

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Frente e verso do Donna Fashion 12ª edição do evento mostrou as tendências do inverno para o público consumidor gaúcho É O CLIMA do Donna Fashion Iguatemi chegando! Entre os dias 7 e 11 de abril de 2010, Porto Alegre assistiu ao desfilar dos famosos pela cidade. O evento, que está na 12ª edição, aproveitou o gancho e trouxe a temática do filme Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, para inspirar a estilização dos desfiles e a ambientação dos espaços como a passarela, com mais de 30 metros, e a platéia de 600 lugares. Outra novidade foi a promoção da moda gaúcha, com desfiles de peças criadas por estudantes de moda das universidades do Rio Grande do Sul.

Fotos Felipe Dalla Valle, Bruno Todeschini, Lívia Stumpf e Mariana Fontoura/ Hiper

Diversos looks movimentaram a passarela do Donna Fashion Iguatemi 2010. Marcas como Forum, Brasil Sul, C&A, Renner, D’Marietta Giroto, Colcci, Lua e Spirito Santo. Outro destaque foi a Passarela do Futuro, com o concurso Next Generation: 36 alunos de seis universidades gaúchas apresentaram dois looks cada um, totalizando 72 criações com o tema do evento.


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