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O B S E R V O, LO G O E X I S TO O ser humano é um ser

observador. Desde que iniciamos nossas vidas, estamos buscando compreender e sentir o mundo a nossa volta. Grande parte do que pensamos e da forma como tomamos decisões está baseada nas lições absorvidas de nossas experiências. É a partir da nossa observação que nos tornamos seres críticos. Seja pela visão, principal sentido humano, a partir do qual formulamos nossas primeiras impressões de tudo, ou pelos outros sentidos, estamos sempre observando. Observamos quando tocamos, cheiramos e escutamos. Por estarmos sempre analisando o mundo a nossa volta, também estamos constantemente sendo observados, ainda

Texto: André Netto e João Vitor Ferreira Diagramação e Arte: Marcus De Rosa

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mais no mundo moderno. Você pode até não perceber, mas alguém está te vendo. Câmeras, redes sociais, satélites: todas essas tecnologias têm o poder de nos acompanhar, seja pelo bem ou pelo mal. E querendo ou não, todos nós gostamos de ser notados, porém da nossa forma. Criamos personagens nas redes sociais para que os outros observem apenas o que queremos, e somos constantemente julgados pelo olhar alheio. Mais do que tudo, o jornalismo é baseado na observação. Tudo que é feito na imprensa é baseado na observação do mundo e de seus principais acontecimentos. Esse suplemento nada mais é do que uma grande observação do observar.

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Expediente: Reitor: Vahan Agopyan. Diretor da ECA-USP: Eduardo Henrique Soares Monteiro. Chefe de departamento: André Melo de Chaves Silva. Professora responsável: Eun Yung Park. Editores de conteúdo: André Netto e João Vitor Ferreira. Editora de arte: Maria Eduarda Nogueira. Ilustradora: Lígia de Castro. Editora online: Amanda Capuano. Diagramadores: Beatriz Cristina, Beatriz Crivelari, Laura Scofield, Marcus De Rosa, Marcelo Canquerino, Thaislane Xavier. Repórteres: Ana Gabriela Zangari Dompieri, Caio Santana, Carolina Fioratti, Gabriel Araujo, Guilherme Roque, Isabella Velleda, João Gabriel Batista, Larissa Silva, Ligia Andrade. Equipe online: João Pedro Malar, Tamara Nassif, Mariah Lollato, Pedro Smith, Eduardo Passos, Giovanna Stael. Revisores de texto: Crisley Santana e Pedro Gabriel. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, prédio 2 - Cidade Universitária, São Paulo/SP, CEP: 05558-900. Telefone: (11) 3091-4211. O claro! é produzido pelos alunos do quinto semestre do curso de Jornalismo como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso - Suplemento. Tiragem: 7000 exemplares.

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N ÃO OLH E, OB S E RV E P

ara você, como é observar o mundo ao seu redor? Se passou pela sua cabeça qualquer imagem visual, espere aí. Veja bem: observar pode, muitas vezes, não ser com os olhos. E, olhe só, embora uma vasta gama de expressões torne o ato de observar um mero enxergar, não é bem assim, viu? A conexão entre observar e olhar está presente em 96,5% da população brasileira — esse é o número, segundo o IBGE, de pessoas que não possuem dificuldades visuais. Mas e os 3,5% restantes de pessoas com total ou grande deficiência visual apenas no Brasil, como elas observam o mundo? Fernando Scalabrini, 39, fundador do podcast Papo Acessível, não tinha mais que 25 anos de idade quando se deu conta de que perderia a maior parte de sua visão. O diagnóstico já era sabido: doença genética, síndrome de Usher. Seu panorama de mundo é concebido por sombras e sinais luminosos, algo em torno de 3% da capacidade de uma visão intacta. Observar, para Fernando, é sentir, ouvir, tocar e experimentar novos sentidos. É, também, perceber que uma simples caminhada à padaria está

mais lenta, e é imaginar o rosto de uma pessoa querida apenas pelo que ouve e sente. Não há como negar que a observação é complexa e repleta de sentidos. Para Homero Santiago, professor de filosofia da FFLCH, observar “envolve um objetivo menos de apreciação que de busca e tentativa de descoberta”. Descobrir, com ou sem a intenção de procurar, pode ser uma boa explicação do porquê observamos. Afinal, qual éa melhor maneira de observar, por exemplo, uma refeição? Olfato, lembrança, tato, paladar — são diversas as possibilidades. Há também, lembra Homero, a observação do homem moderno: introspectiva, de fora para dentro, sem conexão com o físico e, assim, invisível. Deu para ver que não precisamos olhar para observar?

Texto: Lígia Andrade Diagramação e Arte: Marcus De Rosa

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DE N A

T E C N O L O G I A

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O LH O Antes de me conhecer, Joana Belarmino, professora da Universidade Federal da Paraíba,enxergava

os livros tocando em suas páginas ásperas, já amareladas pelo tempo. Reconhecia a idade do livro pelo cheiro - odor que preenche os pulmões em uma única respirada. Cega desde seu nascimento, ela está entre os 6,5 milhões de brasileiros que têm alguma deficiência na visão, segundo último censo do IBGE. Doron Sadka, diretor da Mais Autonomia, me trouxe de Israel para o Brasil em 2017, com a intenção de ajudar pessoas como Joana. Para ela, ler é ouvir a transcrição de parágrafos, como nos AudioLivros. Porém, a necessidade de áudios feitos em tempo real – para todo tipo de ocasião – permitiu o desenvolvimento do meu trabalho e de muitos outros projetos. Quando as palavras estão na distância que a visão humana alcança, eu escaneio e as transformo em um áudio que é direcionado para o ouvido da Joana, por meio de um discreto fone. Outros dispositivos também fazem isso, como é o caso do projeto de Rodrigo Ferraz, co-fundador da Sintesoft Tecnologia, que recentemente desenvolveu um sistema para celulares que cria áudios instantâneos de qualquer material escrito. O lançamento foi este ano, em parceria com a Samsung – agora a ideia é levar essa tecnologia para dentro das salas de aula, para ajudar na formação de crianças com deficiência visual. Porém, diferente deste aplicativo, também posso reconhecer o rosto de até 150 pessoas e dizer os seus nomes e gêneros. Como peso 23 gramas, Joana me acopla na haste do seu óculos, podendo, assim, me levar para qualquer lugar. Já na questão da acessibilidade, o preço me torna inacessível para muitas pessoas - cerca de R$ 17.900 à vista. O Paraná foi o primeiro Estado brasileiro que disponibilizou meus serviços em sua biblioteca pública, e hoje posso ser encontrado em muitas outras bibliotecas, como nas de São Paulo. Para Joana, ter acesso a tantas criações tecnológicas é a consumação de um antigo desejo, “os computadores com leitores de voz ampliaram nossas possibilidades. Realizo um grande sonho que é ler sozinha os meus livros de comunicação e jornalismo”, relata a professora. O meu desenvolvimento abriu as portas da independência para muitos cegos pelo mundo. Meu nome é OrCam MyEye e eu sou uma inteligência artificial.

Texto: Larissa Silva Diagramação e Arte: Beatriz Cristina

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Ó C U LO S D E P E R T O Texto: Ana Gabriela Zangari Dompieri Diagramação: Beatriz Cristina Arte: Lígia de Castro

Na casa dos 40, algumas tarefas antes banais se

atrapalham um pouco. Ler um cardápio, por exemplo, já não é lá a coisa mais fácil do mundo. As famosas letrinhas dos rótulos parecem ainda menores e, para o professor, a chamada pode virar o momento mais desafiador da aula toda. É quando se nota que existe uma grande diferença entre bater os olhos e ler uma palavra. É uma coisa pela qual todo mundo vai passar: presbiopia, quando a gente fica mais velho e, muitas vezes, começa a precisar de óculos para perto. É comum que as pessoas vão procurar o oftalmologista quando esticar ao máximo os braços já não é mais suficiente para possibilitar a leitura. Aí ou vai ao médico, ou apoia o livro e vai andando pra trás até dar… E deve ter gente que chega a fazer isso mesmo para falsear uma independência visual já esvaída. Ninguém quer ser a velhinha

compatível à figura que temos de quem coloca o óculos na ponta do nariz para ver de longe por cima. Nessa fase começamos a nos perceber tendo ações que antes chamávamos de “coisa de vó”. O mais intuitivo então é encaixar a nossa figura à figura de um idoso. Mas, pensando bem, será que o referencial de envelhecimento que temos é realmente aplicável à atualidade? Porque ruga, cabelo branco e óculos para perto adquiriram um significado dado o contexto em que se inseriam. Eles, antigamente, de fato indicavam uma proximidade em relação ao início dos desajustes do corpo e à morte. Mas hoje, quando começamos a usar óculos, muitas vezes estamos entrando no auge da nossa carreira ou até da vida pessoal. Tem gente tendo filho aos 40 com naturalidade. É uma tentação fazer piada quando a pessoa adquire seus primeiros óculos para perto. Mas, talvez seja hora de aposentar mesmo a associação de usar óculos diretamente com velhinha; ou deixar só para as piadas. Tirando a falta de praticidade de carregá-los para cima e para baixo, que é em si o maior problema para muitos, atualizar nossa percepção em torno de quem usa óculos seria um alívio para a pessoa que fica evitando pôr os óculos para fugir de uma velhice que nem é completamente sua ainda. Sim, é um baque usar esse primeiro óculos, assim como é ver sua mãe começando a precisar de um. A sensação é a mesma: alerta para o fim. Mas não deveria mais ser. Sabe, as pessoas têm percebido que precisam de óculos se maquiando para sair, lendo as instruções do vôo. Talvez o primeiro óculos pudesse ser só mais um “primeiro” na lista que citamos com carinho. Minha primeira chupeta, minha primeira lancheira, minha primeira aliança, meu primeiro carro, minha primeira casa. Talvez hoje os óculos façam mais sentido como marco de continuidade do que de fim.

COLABORADORES: Alessandra Furlan, Maria Eugenia Bechara Zangari, Cristiane Dompieri, Jéssica Karoline, Stefany Santos e a oftalmologista Nara Ogata

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Após ser bloqueado, seguiu mandando mensagens. Criou contas falsas no Instagram para interagir com a

vítima. Apareceu em sua casa sem avisar e procurou suas amigas para ter notícias. Falava que estava apaixonado e não administrava as próprias frustrações. As situações acima foram descritas por vítimas de stalking, um tipo de perseguição. Ela pode chegar a durar anos e apresenta perigo ao observado, pois esse tem desde sua intimidade até sua vida posta em risco. O stalking é uma forma de exercer dominação e garantir controle sobre o outro. “Fiquei com medo, ele começou a pesquisar sobre minha faculdade, horários e ruas que eu passava”, conta uma vítima de perseguição online, chamada cyberstalking. O psiquiatra Mario Louzã explica que o stalker, nome dado ao perseguidor, tem noção do erro, mas não liga. Suas ações são premeditadas. No caso citado, ele usava disso para mandar mensagens e importunar a vítima. Mario diz que a prática é uma característica que acompanha pessoas com transtornos e questões comportamentais. “São problemas de personalidade ou dificuldade de lidar com a rejeição”, completa. A explicação conversa com a história de Robert Bardo, um fã da atriz americana Rebecca Schaeffer. Ele desenvolveu uma obsessão, dizia amá-la e não gostou de vê-la contracenando com outro homem. A perseguição durou três anos, então, em 1989, descobriu seu endereço e apertou o gatilho, tirando a vida da atriz. O episódio motivou a criação de leis nos EUA. No Brasil, em 2016, Ana Hickmann também foi vítima de um fã. Ele invadiu seu hotel e a manteve refém. O stalker acabou morto por tiros disparados pelo cunhado da apresentadora, que conseguiu entrar no quarto. Há registros apenas de casos famosos como esse no país, já que por não ser considerado crime no Brasil, os episódios acabam não sendo contabilizados no meio jurídico. Mas Ana Lara Camargo, promotora de justiça, explica que o ato pode se enquadrar em outras leis, como a Maria da Penha e a das Contravenções Penais. Ela também afirma que, na maioria das vezes, os responsáveis são homens atrás de suas ex-companheiras ou mulheres no geral.

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ma câmera, milhões de olhares. Essa é a realidade de quem participa dos chamados reality shows, programas que simulam situações da vida real. No Brasil, os mais famosos são o Big Brother Brasil, A Fazenda e o Masterchef Brasil, que chegam a ter milhões de espectadores — uma das votações da edição atual do BBB 20 teve mais de 416 milhões de votos. Apesar de se diferenciarem no formato, todos os reality shows têm algo em comum: os participantes são submetidos aos olhares constantes de espectadores. Mas, qual é a sensação de ser observado constantemente por tantos olhos? Qual é o sentimento de ser vigiado a todo instante? Sammy Ueda se diz perfeccionista. Ele foi o terceiro colocado da 5ª edição do BBB, permanecendo cerca de 11 semanas confinado dentro de uma casa com os demais participantes. “Me sentia um ratinho de laboratório! Parecia que estava fazendo parte de um experimento, e na realidade era. Costumo dizer que fiz terapia em grupo, ao vivo, os três meses que fiquei lá dentro”, relata. Ser observado em um reality show é saber que seus atos serão julgados por milhões, e que isso acarretará em mudanças na sua vida, como conta o ex-participante: “toda hora olhava para as câmeras e sabia que tinha que ser comedido com as falas e ações, porque senão não tinha mais volta”. Ueda complementa: “O intuito do BBB é de se mostrar, é jogo! Um jogo acima de tudo de convivência, de ego e personalidade”. Segundo o psicólogo João Miguel Marques, especialista em psicologia comportamental, os participantes dos reality shows têm suas ações moldadas por esse sentimento de ser observado por outras pessoas. “A falta do observador direto — por mais que eles estejam sendo filmados —, em um primeiro momento, inibe muito das situações sociais, que geralmente são julgadas como condenáveis, ou julgadas como certo e errado. Quando estamos em público, temos alguns comportamentos de inibir certas crenças, pensamentos ou atitudes com outras pessoas”.

Texto: Guilherme Roque Diagramação e Foto: Beatriz Crivelari Arte: Lígia de Castro

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Texto: Caio Santana Diagramação: Thaislane Xavier Arte: Lígia de Castro

O ser humano sempre buscou ser notável na sua existência e

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hoje isso está mais fácil. “As redes sociais possibilitaram a hipervisibilidade para qualquer pessoa. Na história da humanidade, sempre buscamos reconhecimento”, explica Fábio Goveia, professor e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Essa trilha em busca da atenção é facilitada com a utilização de filtros interpessoais na construção de uma imagem, seja por uma pessoa anônima ou figura pública. Uma das principais plataformas usadas é o Instagram, que possui mais de 1 bilhão de usuários ativos. Profissionais que lidam com essa construção, definem esse processo como sendo baseado na identidade e personalidade de cada um, indo além de fotos no feed e tutorial de maquiagem: há a impressão de opiniões sobre assuntos contemporâneos. Aretha Procópio, social media e relações públicas de influencers, revela que é muito comum as pessoas quererem falar abertamente sobre diversos temas nas mídias sociais, por exemplo, os incêndios na Amazônia. Mas, se posicionar sobre isso, principalmente por existir usuários que possuem visões contrárias às apresentadas, requer um cuidado para não manchar a imagem de quem está falando. “Se uma pessoa quer falar sobre algum assunto, vamos estudar o tema e abordar de uma maneira que minimize ‘cargas negativas’.” Isso é exatamente o que faz Júlia Horta, Miss Brasil 2019, jornalista e influenciadora, que recebeu suporte de Aretha durante o ano passado. Ela fala que muitas vezes se sentiu pressionada pelo público que a acompanha para fazer posicionamentos que ela não tinha conhecimento, reconhecendo que não precisava falar sobre. Uma linha semelhante seguida por outros influenciadores, como Gabriel Moraes “Gabb”, criador de conteúdo sobre lifestyle, humor e moda, que diz preferir lidar somente com assuntos da sua zona de conforto.

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? G N R R R A O A I E E I Texto: Isabella Velleda Diagramação: Thaislane Xavier Arte: Lígia de Castro

A auto-estima de uma pessoa começa a ser construída na infância: então

é claro que a de Irene estava fadada à ruína. Gorda de nascença, como ela bem reconhece, sendo que essa qualidade só passou a ser ruim quando ela conheceu os olhares das crianças da escola. E os comentários, e as brincadeiras de mau gosto, e o bullying. Como se os olhares já não tivessem passado o recado em alto e bom som. Mas enquanto houvesse crianças à sua frente, Irene não sofreria calada. Ela batia mesmo. Toda essa massa corporal, afinal, tinha que servir para alguma coisa. Mas depois que seu irmão vinha resgatá-la e sua mãe a colocava de castigo, aí sim ela não tinha outra opção. Irene perdeu sua mãe aos 12 anos; seu pai já havia partido há muito tempo. Antes das coisas melhorarem, elas sempre ficam piores. Foi mais ou menos nessa época que ela começou a se vestir com roupas masculinas, e para cada olhar feio recebido, ela respondia com um olhar mais feio ainda. Se você se deixa levar pelos sentimentos, você é fraco. Se os reprime, você é covarde. Por muito tempo, Irene foi do segundo tipo. Aos 24 anos, porém, as camadas que recobriam seu corpo e suas emoções foram rasgadas. No ensaio de fotos de um namorado estudante de fotografia, Irene se viu bonita pela primeira vez. E sem mais nem menos, sem saber da onde surgiu e por que demorou tanto tempo para vir, Irene percebeu que o único olhar que importava era o seu. Que o único que valia a pena agradar era o seu. Que já era hora de não deixar uma auto-imagem erroneamente imposta servir de base para a sua auto-estima (só que com outras palavras). Mas o problema nem sempre é o olhar. Às vezes, quando sai para comprar roupas, Irene se sente invisível em uma loja cheia de vendedores, que não são movidos a atendê-la nem mesmo pelo pragmatismo de quem ganha comissão sobre cada venda consolidada. A ausência do olhar também pode abalar. Vida que segue. Mas Irene não quer que tenham pena dela - afinal, ela, agora mãe de dois filhos, está melhor do que esteve por muito tempo. COLABORADORES: Irene Nobre e Maria Ondina Peruzzo (psicóloga de grupoterapia, Universidade São Marcos).

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PARA VIGIAR

Texto: Gabriel Araujo Diagramação: Laura Scofield Arte: Lígia de Castro O GOVERNO FEDERAL INVESTE...

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nteligência é tudo. Informação é tudo”. Com esse mote, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, anunciou em setembro o aporte de 32 milhões de reais do governo federal em um projeto batizado de Big Data. O programa, importado do Ceará, reúne tecnologias de monitoramento para vigiar ocorrências de várias formas, indo das câmeras de patrulhamento aos bancos de dados. Moro prometeu tornar “mais eficaz” as ações de segurança, mas os resultados ainda são desconhecidos. Dessa forma, como compreender a eficiência? Olhar para o Ceará pode ser a resposta.

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Ceará

E OS ESTADOS TAMBÉM...

Outra das condições são valores: em alguns casos, os Esta-

dos chegam a alocar mais no setor do que Brasília, embora muitas vezes com incentivo federal. Para atingir o nível de 2019, por exemplo, o Ceará sozinho investiu mais que o Ministério da Justiça em um programa semelhante, aplicando quase 40 milhões de reais no setor entre 2015 e 2018. Outros Estados acompanham o ritmo, e ao longo da última década milhões de reais voaram de bolsos públicos para câmeras de segurança. Mesmo com tanto dinheiro, a redução no número de crimes não necessariamente ocorre. Embora os Estados tenham suas taxas próprias, o total do Brasil segue inconstante: de acordo com o Monitor da Violência (G1/NEV-USP), entre 2007 e 2019 apenas cinco anos terminaram com quedas no número de homicídios — incluindo o ano passado. A contagem atingiu o ápice em 2017 (59 mil).

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VOCÊ

Fonte: Secretarias de Segurança Pública dos estados

MAS O SETOR PRIVADO SEGUE FORTE...

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percepção de ineficiência pública ainda alavanca o setor privado. Segundo pesquisas do Sindicato das Empresas de Segurança Privada de São Paulo (Sesvesp), em 2018 havia 2,7 mil companhias atuando em segurança privada no país. “(Elas têm) um crescimento muito agressivo... Há uma demanda muito grande, pela ineficiência da segurança pública. Sem policiamento, você tem que investir em uma cerca elétrica, um sistema de infravermelho, sistema de pânico, tudo isso com monitoramento”, diz Claudio Márcio Santos, gerente da Panther Segurança, uma das maiores do Vale do Paraíba. Ele destaca que comércio e indústria, por exemplo, são obrigados pelas seguradoras a contratar empresas do ramo: “isso diminui perdas em caso de intrusão”. Síndico de um condomínio de 54 casas, Francisco Roberto concorda com a necessidade da segurança privada, e acrescenta que essa é uma das principais demandas dos moradores. Ele investiu recentemente 5 mil reais para renovar o sistema de câmeras do local e paga 12 mil por mês a uma empresa de vigilância. “É o que o morador quer… Tinha um policial que morava aqui e reforçava a patrulha no bairro, mas a gente não quer depender da preocupação dele. Aí ele se muda e a patrulha acaba? A empresa tá de olho sempre”, afirma.

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OS OLHOS QUE NOS VEEM DO ESPAÇO

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esde milhares de anos antes de Cristo, o ser humano observa o céu para diversos fins, desde a localização geográfica até a contagem do tempo. Essa prática foi fundamental para a previsão das estações do ano. Na Grécia Antiga, observando o movimento do sol, Eudoxo foi o primeiro a constatar que o ano tem 365 dias. Nos séculos XV e XVI, com o desenvolvimento de instrumentos como a balestilha, o astrolábio e o quadrante, tornou-se possível saber a altura de certos astros e com isso determinar a posição da pessoa no globo terrestre. Se olhar para o céu sempre modificou a vida humana, atualmente é um objeto de alta tecnologia nos observando do espaço, os satélites, que desempenham papel similar. Dentre os diversos tipos de satélites, os de observação funcionam da seguinte forma: eles têm uma câmera, de resolução muito maior que qualquer câmera comercial – “centenas de vezes maior”, como disse Eduardo Janot, professor de astronomia da USP. Então quem comanda o satélite mira para a área que se quer observar. E enfim nós temos imagens da Terra. As imagens do Google Maps ou de qualquer GPS, por exemplo, são fruto desse trabalho. Esses são usos banais que, no entanto, não exploram a máxima capacidade dessas máquinas. Para se ter uma ideia, “já existem satélites de espionagem que são capazes de ler uma manchete de jornal na mão de uma pessoa”, conta Janot. “Você pode distinguir pela cor da foto se uma lavoura em Goiás é de milho, de algodão ou de soja”, conta o professor ao apontar que essas imagens também podem ser usadas para evitar fraudes no setor do agronegócio. “O Banco do Brasil, por exemplo, empresta dinheiro para agricultores do Centro-Oeste. Se, segundo o programa do governo, o fazendeiro se comprometer a plantar algodão e em vez disso plantar soja, o Banco descobre pelo satélite e ele sofre as consequências.” No Brasil, além desses usos, as imagens dos satélites ganham grande importância no contexto de proteção ambiental. Há mais de quarenta anos no INPE, Valdete Duarte trabalha tendo diante de si séries de imagens vindas de múltiplos satélites. “Pelo monitor, eu vejo os focos de calor sobre o Brasil e os transformo em área queimada.” Valdete se lembra bem da surpresa que teve quando recebeu, pela primeira vez, as imagens que comprovaram o enorme desmatamento da floresta amazônica, em 1978. Atualmente, ele e sua equipe do departamento de Sensoriamento Remoto do Instituto trabalham no levantamento das queimadas no Mato Grosso durante o ano passado.

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Texto: João Gabriel Batista Diagramação: Marcelo Canquerino Arte: Lígia de Castro


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