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JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNISC - SANTA CRUZ DO SUL VOLUME 30 Nº 5 DEZEMBRO/2015

Quando um livro desperta o sonho de voar p. 10 e 11 A face oculta do refúgio p. 6 e 7

O prazer sexual depois dos 60 p. 8

As lembranças da doença que faz esquecer p. 16 e 17


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De todos e de cada um Nossa turma termina aqui de produzir o nosso e o seu segundo jornal-laboratório Unicom. Mais do que um simples meio de comunicação impresso, entregamos a você um projeto de contar histórias, criado com amor e feito com muita dedicação - tanto individual como coletiva. Após a repercussão positiva e motivadora do Unicom Medos, um novo desafio surgiu em nosso horizonte: criar um jornal sem um tema específico, com pautas atraentes e textos interessantes. Uma experiência de criatividade

livre e sem amarras. Aqui, vale destacar o trabalho de cada um: a pesquisa e escolha do tema, criação da pauta, contato com as fontes, entrevistas, contar as histórias e, o principal: reescrever o texto até encontrar o ponto de comunicação com você, leitor. Mas, ninguém faz um jornal-laboratório sozinho. O trabalho em grupo foi fundamental para a produção deste Unicom. Ao longo do tempo, as diferenças foram transformadas em peças complementares e, o engajamento, a

empatia e a resiliência foram atitudes predominantes da equipe. Como se diz na gíria, a turma “pegou junto” o projeto. A vocês, prezados (as) leitores (as), pretendemos transmitir vivências tanto dos nossos entrevistados, como as nossas ao longo da construção das matérias. Saiba que cada detalhe deste jornal, desde a capa até as vírgulas dos textos, foi pensado e revisado com o objetivo de encantar a sua leitura. De todos, você recebe este jornal. De cada um, você recebe uma história. Boa leitura.

Sequência de voo fotografada pelo colega Pedro Andrade Silva.

UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 - Bairro Universitário Santa Cruz do Sul - CEP 96815-900 Curso de Comunicação Social - Jornalismo Bloco 16 Sala 1612 Telefone: 3717-7383 Coordenador do Curso: Hélio Etges

Este jornal foi produzido na disciplina de Produção em Mídia impressa, ministrada pelo professor Demétrio de Azeredo Soster.

Impressão Grafocem

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Tiragem 500 exemplares

blogdounicom.blogspot.com

Ilustrações e capa Pedro Andrade Silva

facebook.com/unicomjornal

Diagramação Caroline Fagundes Pieczarka

@jornalunicom

Volume 30 - nº 5 - Dezembro/2015 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA


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E o Unicom Medos foi lançado Depois de dois meses de reuniões, pesquisas e produção chegou a hora de ler o Unicom Medos. Durante o andamento da edição, a turma se questionou: por que não apresentar o resultado de uma forma nova para mais pessoas? Assim, no dia 3 de novembro foi realizado o lançamento do jornal-laboratório, no Centro de Convivência da Unisc.

O evento que iniciou por volta das 20h30min contou com a presença da banda santa-cruzense Playsound que animou a galera. O colega Pedro Andrade Silva contagiou todos com sua locução animada e, durante a noite, o público interagiu por meio de brincadeiras e os vencedores do quadro “Será que você sabe?” ganharam camisetas do

Unicom. Além disso, o público pôde registrar o momento num estúdio de fotos à disposição no local. Sem dúvida, uma noite divertida para todos! Impossível conter os sorrisos diante de uma grande estreia! Texto: Equipe Unicom Fotos: Simone Marques


4 A doença que pode levar à morte, também pode trazer um novo sentido para a vida. Duas mulheres, tão diferentes e tão parecidas que descobriram o câncer de mama e mudaram seus conceitos sobre felicidade.

HÁ SEMPRE UMA LUZ NO FINAL DO TÚNEL

Acervo pessoal.

Deitada no sofá da sala, assistindo a um programa de televisão em uma noite de abril de 2015. Foi assim que Gil Santos, cearense com 33 anos, percebeu que algo estava errado com sua mama direita. Ela realizou o autoexame e notou um caroço que nunca havia estado ali antes. No dia seguinte, como trabalhava de recepcionista em uma clínica de ultrassonografia, passou por vários exames para descobrir o que era aquele nódulo. “Daquele dia em diante, como a médica me falou que o formato era estranho, eu já sentia que precisaria ser muito forte”, lembrou Gil.

Uma semana após a biópsia – procedimento onde é colhido material para ser avaliado por um médico especialista - e dois dias após seu aniversário de 34 anos, veio o tão aguardado resultado: Gil estava com câncer de mama. Mesmo não havendo nenhum caso na família e ela não pertencer ao grupo de risco. Entretanto, por ter feito o autoexame e logo ter ido ao médico, o tumor foi descoberto no início, o que aumenta as chances de cura. Um dos sinais mais aparentes no tratamento do câncer é a perda de cabelos. Com o início das sessões de quimioterapia, quando viu

seus cabelos começarem a cair, Gil criou um blog. O objetivo foi de compartilhar com outras mulheres sua história, seus desafios diários, seus medos, suas vitórias, sua vida. “Depois que criei o blog, muitas mulheres começaram a me chamar no Facebook e a me parar nas ruas; passaram a mandar mensagens me contando suas histórias, histórias de parentes e pessoas conhecidas que tiveram a doença. Me sinto abençoada em poder ajudar com a minha experiência de vida”, contou. A doutora Ines Guterres recomenda que mulheres entre 50 a 69 anos façam uma mamografia a cada dois anos e realizem o autoexame com frequência. “É importante a mulher se tocar, independentemente da idade, pois muitas vezes a maior parte dos cânceres de mama é descoberta pelas próprias mulheres”, afirmou Ines. Foi assim que a enfermeira Gessilda Jappe, aos 51 anos de idade, descobriu um nódulo em seu seio direito. Ela anualmente fazia todos os exames de rotina, mas em fevereiro de 2008 ouviu dos médicos do Hospital

Ana Nery que estava com câncer de mama e que seu tumor era maligno. “A partir daquele momento comecei a receber muita força de todos meus familiares. Nunca pensei que iria morrer, e sempre acreditei na cura e que no final tudo iria acabar bem”, lembrou. Com alguns casos na família, em parentes distantes e com a idade considerada de risco pelos médicos, a enfermeira sempre soube da importância do autoexame. Sua doença foi descoberta no início e logo vieram as sessões de quimioterapia para que o nódulo diminuísse e não fosse necessária a retirada completa da mama. Depois se sete sessões, Gessilda estava pronta para ser operada e o tumor tinha diminuído 70% e, com isso, não foi preciso a retirada do seio. Um mês depois, começaram as sessões de radioterapia e os coquetéis diários de remédios. Quando os primeiros fios de cabelo de Gessilda começaram a cair, ela logo encomendou uma peruca, da cor e comprimento dos seus fios. “A pior parte de tudo é ficar sem cabelo, mexe com


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aproveitando cada dia como se fosse o último.

Acervo pessoal.

Câncer de Mama no Brasil

o emocional, com o estético e com a forma de nos vermos no espelho, mas a doença nos ensina a ver a vida de outra forma”, desabafa. Hoje, depois de oito anos do “susto”, ela agradece cada dia por poder acordar e ir trabalhar no Hospital Beneficente de Sinimbu e poder cuidar de outras vidas que estão passando por momentos de dificuldade. A cearense Gil ainda aguarda pela cirurgia para a retirada do tumor, mas após algumas sessões de quimioterapia e com a perda dos cabelos, posta diariamente fotos em suas redes sociais com frases de motivação. Ela se veste com estampas florais, coloridas e cheias de vida, com lenços de todos os tipos sobre a cabeça, curtindo o momento e

Dados da Sociedade Brasileira de Mastologia mostram que existem diferenças nas taxas da doença de uma região para a outra, dependendo do nível de industrialização. O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), divulgou em 2014 que depois do câncer de pele, o de mama é o mais comum no Brasil. Além disso, é o que causa mais mortes em mulheres. Em 2012, 13.591 mortes foram registradas no país, devidas ao câncer de mama e, estima-se que em 2014 surgiram 57.120 novos casos da doença, sendo que 1% dos casos foram registrados em homens. A medida utilizada para quantificar esta incidência chama-se taxa bruta, que corresponde ao número de casos para cada 100 mil mulheres. Na região Sudeste esta taxa é de 64,5 casos para cada 100 mil mulheres, já na região Sul de cada 100 mil mulheres, 64,3 têm a doença, na região Centro-Oeste e re-

gião Nordeste, 37,6 e 30,1 de 100 mil mulheres, respectivamente têm a doença, a região Norte é a com a menor taxa de incidência. Segundo a médica Ines, as ocorrências de câncer de mama são mais elevadas em regiões desenvolvidas e as taxas altas refletem não só o sedentarismo, o tabagismo, o estresse e a alimentação irregular, mas também o envelhecimento populacional. A incidência de câncer aumenta justamente com o passar da idade. Hoje, com todos os avanços nas tecnologias, os casos de câncer estão cada vez mais sendo diagnosticados no início, o que aumenta as possibilidades de cura. Ter feito o autoexame foi fundamental para as duas mulheres que descobriram o nódulo logo no início. Conhecer seu próprio corpo e não ter vergonha é muitas vezes decisivo no tratamento e cura da doença.

Pâmela Caporalli caporallipamela@gmail.com


6 Senegaleses que fogem da guerra e da fome atravessam o oceano na esperança de uma vida melhor. Desemprego, dificuldades com o idioma e moradia incerta viram drama para os refugiados que chegam ao Brasil.

A FACE OCULTA DO REFÚGIO

Enquanto o idioma alemão desaparece das ruas de Santa Cruz do Sul, vozes indicam que uma língua diferente está ecoando entre as esquinas da Marechal Floriano e Ramiro Barcelos. Em frente a um dos restaurantes mais frequentados do centro da cidade, o Quiosque da Praça, quatro homens que vieram do outro lado do oceano Atlântico dividem um pequeno espaço sobre a calçada e se comunicam entre si através do único idioma que dominam: o francês. Baden, de 27 anos, o irmão e dois amigos atracaram clandestinamente no Porto de Rio Grande em 2013. Partiram em viagem sem sequer saber o destino e a jornada que findou no Brasil. Durou três meses, em um longo e extenuante percurso. Escondidos nos porões de um navio vindo da África, eles viajaram abarrotados, passaram frio, fome e sede. A tentativa de buscar um novo lugar para viver foi motivada pelos conflitos armados no continente africano. Antes de chegar ao Brasil, os jovens já haviam tentado duas vezes fugir do Senegal. Na primeira tentativa, a mãe de Baden foi morta no

conflito civil em Casamance, cidade localizada ao sul da Gâmbia e ao norte da Guiné. Na segunda, o comandante da embarcação descobriu que os refugiados estavam escondidos no navio e eles tiveram que voltar para a terra natal. Ao chegar no país, o grupo de quatro senegaleses percorreu 800 km do Porto de Rio Grande até Santa Cruz do Sul. O primeiro destino era Caxias do Sul, mas os abrigos da cidade na Serra Gaúcha já estavam lotados. Baden e os amigos precisaram dormir por algum tempo na rua e em uma barraca improvisada com papelão. Dias depois pegaram um ônibus até o Vale do Rio Pardo. Dos quatro, Baden é o único que fala português. Mal, mas fala. Ele é o intérprete dos colegas. É alto, magro e tem um olhar triste e sonhador, apesar da dura vida que teve de enfrentar. No mês passado, saiu de uma clínica onde permaneceu internado para tratar o vício das drogas. Os amigos dizem que antes vivia feito maluco, vendendo-se por sexo. Sempre sujo e cheirando mal. Em maio, Baden foi diagnosticado com sífilis, uma

doença causada por bactéria e transmitida através de relação sexual desprotegida. Em 2014, um laboratório de análises clínicas suspeitou que houvesse um surto silencioso de doenças sexualmente transmissíveis entre os migrantes e denunciou o fato à Secretaria Municipal de Saúde. O município auxiliou os senegaleses na confecção do Cartão SUS para garantir atendimentos, consultas, exames e procedimentos médicos via Sistema Único de Saúde. Na época, cerca de 60 haitianos e senegaleses foram submetidos a testes de HIV e sífilis, contudo, nenhum caso foi confirmado pela Prefeitura. Na rua São José, próximo ao Bom Jesus, bairro da periferia, os refugiados dividem o aluguel de uma casa de madeira com dois cômodos. O espaço é pequeno e a locação de trezentos e vinte reais está atrasada há mais de dois meses. Sem emprego formal e sem domínio do português, eles recorrem à prostituição para sobreviver. O programa custa em média trinta reais. Antes de vender o próprio corpo, os senegaleses sobreviviam do comércio de

CDs e DVDs piratas, relógios e pulseiras. Porém, as mercadorias foram apreendidas pelos fiscais da Prefeitura e pela Polícia Federal. A legislação municipal em Santa Cruz do Sul restringe o comércio ambulante e, além disso, as mercadorias eram contrabandeadas do Paraguai. A recessão econômica brasileira tem sido uma grande barreira encontrada pelos refugiados em busca de um novo mundo. Os setores de construção civil e da indústria estão demitindo empregados e evitando novas contratações. Prefeituras de todo o país encontram dificuldades para garantir assistência. Sem responsabilização jurídica e legal, o auxílio municipal é insuficiente para amparar os senegaleses. BRAÇOS ABERTOS Na contramão da realidade e alheia à situação dos refugiados no Brasil, que não têm emprego e sequer as mínimas condições de sobrevivência, o discurso da presidente Dilma Rousseff parece ter saído de um conto de fadas e “revela” um Brasil “sem crise”, que está de braços abertos para ajudar os


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imigrantes. “Nós somos um país continental e, para todos os refugiados que quiserem vir trabalhar, viver em paz, ajudar a construir o país, criar seus filhos, desenvolver e viver com dignidade, nós estamos de braços abertos.” Diante do quadro dramático enfrentado pelos refugiados, Ana Rita Gil, investigadora em Direitos Humanos dos Imigrantes da Universidade de Lisboa, em Portugal, diz que a comunidade internacional tem responsabilidade em acolher de forma digna essas pessoas. Ativistas dos Direitos Humanos dizem que é preciso aprovar uma nova Lei de Migrações para suprir as demandas atuais. Kai Michael Kenkel, doutor em Relações Internacionais da PUC-Rio, defende políticas públicas efetivas e específicas para atender os refugiados. Com tantas dificuldades em Santa Cruz do Sul, Baden e os amigos sonham em voltar para casa e cursar uma faculdade. O sonho é tão distante que eles nem pensam qual profissão gostariam de ter, querem apenas um emprego, qualquer que seja, e uma família. Enquanto esse dia não chega, as músicas

africanas embalam os sonhos dos senegaleses. Em busca da aniquilação do inimigo, guerrilheiros promovem massacres sangrentos. Os bombardeamentos, atentados com armas químicas, morte de crianças e torturas desenham a maior crise de refugiados da história. Desde a Segunda Guerra Mundial, nunca houve um movimento tão grande de refugiados no mundo. Em 1940, 60 milhões de pessoas deixaram seu país em busca de abrigo. Atualmente, 54,2 milhões lutam por proteção, de acordo com os dados oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), no país, há cerca de 8.530 refugiados reconhecidos vindos da Angola, República Dominicana do Congo, Colômbia, Líbano, Libéria, Iraque, Serra Leoa, Palestina, Senegal, Somália, Nigéria, Cuba e Bolívia. Na fila, 12 mil solicitantes aguardando julgamento do Conare.

Régis de Oliveira Jr regisojr@gmail.com


8 Apesar de ainda ser um tabu nas gerações mais idosas, o sexo é o novo aliado do bem-estar e prazer. Muitos se satisfazem com beijos e carícias. Outros fazem parte de uma turma que chegou à terceira idade com apetite de viver.

PRAZER DEPOIS DOS 60

Cabelos brancos. Unhas pintadas de rosa pink. O sorriso é tímido. Joana*, de 61 anos, aproveita uma liberdade que não conheceu na juventude. Na bolsa, carrega sempre uma camisinha “para quando precisar”, revela, encabulada. Apesar das limitações da idade, o sexo rompe com as barreiras do preconceito e faz bem à saúde. José* tem 74 anos. Fátima*, 71. Os dois mantêm uma relação de 55 anos e têm três filhos. Ela foi a única parceira sexual de José. Agora, os dois fazem parte de uma turma que chegou à terceira idade com apetite de viver. “Não é com a mesma frequência, mas temos relações sexuais até hoje”, contam. Encaixados à nova condição física do tempo, a relação sexual transforma-se em bem-estar e prazer, ainda que seja um tabu nas gerações mais idosas. No Brasil, a população de pessoas com mais de 60 anos cresce a cada ano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a população com essa faixa etária deve passar de 14,9 milhões (7,4% do total), do ano de 2013, para 58,4 milhões

(26,7% do total), em 2060. Numa visão geral, as mulheres se masturbam mais, geralmente senhoras solteiras. Gabriela*, de 66 anos, diz que, com o passar do tempo, chegar ao orgasmo com o toque é mais demorado. Já as viúvas e separadas confirmam e aceitam a escolha de não praticar e nem pensar em sexo depois do fim dos relacionamentos. Segundo elas, esta decisão seria em respeito aos filhos, para que eles não sintam vergonha das suas atitudes. Enquanto alguns vovôs pensam que os seus desejos são desadequados devido à sua idade, Luciana*, de 45

anos, tem um relacionamento com um homem de 70 anos. Segundo ela, às vezes precisa pedir ao namorado um momento de descanso, pois mesmo sem ajuda de medicamento, a atração sexual é intensa. Ele que já namorou mulheres com mais idade, admite não ter problemas em apreciar as vantagens que ‘brinquedos’ sexuais agregam na busca do prazer. Algumas mulheres procuraram tratamentos hormonais quando entraram na menopausa. Entre os homens, poucos admitem ter utilizado medicação para disfunção erétil. Problemas cardíacos, diabetes, entre tan-

tas outras doenças acabam complicando a vida sexual do idoso, mas nem por isso faz com que se perca o interesse e o tesão sexual. Os idosos desenham uma nova relação de comportamento, a maioria está aberta a novas experiências. De qualquer forma, todos acreditam que, tendo ou não relações, o importante é estar feliz e com saúde. Com menos expectativas em relação ao sexo, alguns idosos encaram o desejo de forma diferente: existem os beijos e as carícias. A pele que arrepia. O toque que estremece. Existe, também, a satisfação em somente ser desejado, abraçado ou sentido. O contato carnal torna-se muito mais valorizado depois dos 60 - quando o corpo, mesmo com rugas e cansado, grita por carinho. *Nomes fictícios para preservar a identidade das fontes.

Evelyn Bartz bartzevelyn@gmail.com


9 Grupo de Apoio Lótus é formado por santa-cruzenses dispostos a ajudar quem precisa, sejam idosos no asilo, moradores de rua ou crianças de bairros em situação de vulnerabilidade social.

Unidos para fazer o bem

Elisabete Schmidt/Divulgação Grupo de Apoio Lótus.

Depois de uma longa semana de trabalho, o final de semana chega; sinal de descanso e descontração. Não para os membros do Grupo de Apoio Lótus (GAL). Formado por amigos santa-cruzenses com o objetivo de fazer o bem, o coletivo se reúne aos finais de semana para suas ações. E nenhum dos membros se importa de perder uma tarde que poderia ser usada assistindo um jogo de futebol, dormindo, ou vendo um filme com a família. Eles são trabalhadores, estudantes, mães e pais de família, namorados e amigos, que abdicam de sua rotina em

prol da participação na ONG. O surgimento do GAL parte do princípio de que é muito fácil falar sobre o bem e sobre a ajuda. Mas que basta uma simples ação para ajudar as outras pessoas. Segundo um dos voluntários, o gerente de recursos humanos Michel Anton, foi uma decisão conjunta de 25 amigos se unir para ajudar quem precisa. Dentre as ações que o grupo elaborou desde sua criação, em abril de 2015, a primeira foi voltada para os moradores de rua de Santa Cruz do Sul. Aqueles que mais sofrem com o frio ri-

goroso foram atendidos nas noites mais frias do ano com cobertores, agasalhos, e refeições quentes. A partir daí surgiu a segunda ação, o Cabide Solidário, na qual um guarda -roupa instalado em duas das principais praças da cidade instigou outros moradores da região a colaborar doando peças de roupa. Quem estivesse passando pelo local e precisando de um agasalho poderia, então, apenas pegá-lo. O Cabide Solidário gerou grande reconhecimento. “Inúmeras pessoas de outras cidades pelo estado vieram procurar a gente pelo e-mail e pela página para elogiar a iniciativa e dizer que também estavam fazendo o Cabide Solidário em suas cidades, como São Leopoldo, Uruguaiana e Tramandaí”, afirma Michel. Desta forma, o grupo conseguiu passar sua ideia, que era não só

de atender a moradores de rua, mas sim a todos que necessitavam de um agasalho. “O que mais nos deu orgulho, foi ver que a cidade de Santa Cruz do Sul abraçou a causa”, conta. No Dia das Crianças, o Grupo de Apoio atendeu meninos e meninas do Loteamento Beckenkamp, área de vulnerabilidade social em Santa Cruz do Sul. Os voluntários prepararam durante semanas brinquedos e kits com guloseimas para entregar às crianças. O retorno não poderia ser diferente: o sorriso nos rostos de dezenas de pequeninos. O GAL acredita que Santa Cruz do Sul merece mais atenção dos projetos sociais, e depois de atividades no asilo, em orfanato, com moradores de rua e ajudando famílias carentes, não quer parar por aí. A ideia é investir em vários projetos e seguir ajudando mais pessoas no próximo ano.

Paola Severo severo_paola@yahoo.com.br


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Pedro Andrade Silva.

A partir do sonho, damos início aos nossos objetivos. Aqui, o objetivo é voar. Jair é um biólogo que concilia a profissão com a paixão pelos ares. Já Leandro, piloto reformado, guarda na memória as lembranças vividas dentro de um avião.

Quando um livro desperta o sonho de voar A casa rodeada pela natureza abriga uma sala muito especial, onde Leandro Jacchetti tem, no seu escritório, um acervo com muitos livros, dentre os quais, um é especial: “O Grande Circo”, de Pierre Clostermann. Piloto da reserva da Brigada Militar com mais de 30 anos de serviço, a companhia de Leandro é, sem dúvida, significado de muitas histórias para contar e nenhuma delas deixa de conter a emoção e o orgulho em cada movimen-

to de respiração que ele faz para falar. Leitor voraz desde sempre, aos catorze anos quando visitava a casa do seu avô italiano, em Encantado, Leandro encontrou, numa estante com centenas de livros, aquela obra que definiu toda a sua vida. “O Grande Circo” (publicado no Brasil pela C&R Editorial), conta a história de um francês criado no Brasil. Filho de um pai embaixador em Curitiba, Pierre tirou uma licença de piloto

privado e, com o início da Segunda Guerra Mundial, resolveu alistar-se na Royal Air Force (RAF) para defender a Europa do Nazismo. O livro conta as aventuras do piloto, bem como descreve todo o cenário da aviação daquela época. Leandro, ao ler aquele livro, ficou fascinado e sentiu que algo mexera com o seu coração, como nada havia mexido até então. “Eu fiquei fascinado com toda aquela história porque ele era prati-

camente um brasileiro como nós, que morava aqui. E foi para a Europa combater na Segunda Guerra Mundial, se tornando o maior ás francês de todos os tempos”, comenta. Não que Leandro tivesse a pretensão de entrar em uma guerra, apenas achava bacana toda aquela aventura do autor personagem, principalmente quanto ao significado do ato de voar, algo constantemente relatado na história. O livro havia cumprido a sua função, e Leandro par-


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tiu em busca do seu sonho de voar. Os primeiros passos não foram fáceis, muito menos esclarecedores, pois, ao procurar o aeroclube da cidade, descobriu que o curso de pilotagem custava muito, e seu pai não teria dinheiro para custeá-lo. “Eu também não tinha conhecimento suficiente para saber como trilhar esse caminho”, relatou. Anos mais tarde, Leandro ingressou na academia da Brigada Militar, tendo se formado como aspirante a tenente, e, após tentar ingressar sem sucesso na Academia da Força Aérea, resolveu, por conta própria, realizar seu sonho de voar: fez um curso de piloto de planador. Foi então que o destino sorriu para Leandro e sua maior paixão. A Brigada Militar havia adquirido três aviões e um helicóptero. Circulou pelo estado inteiro uma lista de quem dos militares gostaria de ser piloto e possuísse alguma experiência. Era a chance de Leandro. O jovem foi selecionado e passou por treinamentos na Academia da Força Aérea (por ironia do destino) e, lá, acabou cursando o que tanto queria anos antes: seus

Acervo pessoal.

brevês de piloto privado e piloto comercial. É incrível pensar como o simples hábito da leitura pode traçar o caminho de nossas vidas. Leandro, hoje com 51 anos de idade, guarda em sua memória as inúmeras missões que realizou como piloto, quantos amigos fez e ainda vem fazendo. Das lembranças que ficam para sempre guardadas nos céus onde voou mais de trinta anos com o seu avião preferido: o Aeromot AMT-200 Super Ximango. os sonhos também movem montanhas “As coisas são mais belas quando vistas de cima”, já dizia Santos Dumont. Divulgada na Revista Exceção do primeiro semestre de 2007, a reportagem Conquista dos Ares, conta a história de seis amigos na década de 30 que resolveram criar um avião no interior do Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente, na cidade de Santa Cruz do Sul. Na época, a ideia surgiu entre Ottmar Reichert, João Carlos Kolberg, Willy Sthal, Rudolfo Sthal, Hugo Reichert e Lauro João Holst. O grupo trabalhou duran-

te meses na construção do SC-1 – nome dado ao avião –. A coragem e a determinação do sexteto foram importantes para o desenvolvimento da aviação no município. Em agosto de 1934, foi fundado oficialmente o Aeroclube de Santa Cruz do Sul (ASC), pioneiro no interior do Estado. Aqui, os sonhos dos pioneiros se transformam em realidade. Para Jair Putzke, voar é fascinante. Ele diz que escolheu a biologia por profissão, mas que por paixão a aviação o escolheu. O interesse pelos aviões surgiu desde muito cedo. Quando criança os observava no céu, colecionava figurinhas e tudo que envolvesse a aeronáutica. O primeiro contato foi na época da escola. Aos 12 anos participou de um concurso, no qual o melhor aluno daquele ano receberia como prêmio um voo no Aeroclube. Jair nem pensou duas vezes em se dedicar aos estudos. Ele conta que foi um dia inesquecível, que contribuiu ainda mais para seguir com o seu sonho. Por não ter muito dinheiro na época, fez um estágio no Aeroclube como aprendiz de mecânico. Durante dois anos, todos os finais de se-

mana ele se dedicava em aprender tudo sobre o funcionamento dos aviões. Nessa mesma época passou a conviver com Ottmar Reichert – um dos inventores do primeiro avião em Santa Cruz – e se tornaram amigos. Ele foi quem ensinou boa parte do conhecimento adquirido por Jair. Hoje com 47 anos de idade, é diretor social do Aeroclube e já fez diversos cursos como piloto de planador e privado. Possui três ultraleves e uma pista de voo em sua própria casa que o auxilia com a profissão de biólogo. Sempre que pode e o tempo ajuda, sai para voar e observar o cinturão verde do município de Santa Cruz, além de fotografar a natureza. Segundo ele, a vista é privilegiada e mais colorida “quem vê o mundo de cima, jamais vê o mundo de outra forma” – afirma.

Tais de Moraes tmoraes@mx2.unisc.br

Pedro Andrade Silva pedro.aasilva@gmail.com

Pedro Andrade Silva.


12 Responsável por celebrar a cultura e a arte gaúcha desde 1985, o Enart movimenta mais de 2 mil pessoas, sem contar os milhões de reais envolvidos. Tudo isso para realizar sonhos e não deixar de fora nenhum detalhe do show.

Faz parte do show

Heloisa Corrêa.

A cada novembro, desde 1985, a arte, a cultura e a tradição do povo rio-grandense vêm sendo celebradas, por meio de canto, dança e poesia. Em 1997, a comemoração passou a acontecer em Santa Cruz do Sul, reunindo gaúchos dos quatro cantos do Estado. No entanto, foi somente em 99 que o Festival Gaúcho de Arte e Tradição (Fegart) ganhou uma nova roupagem e passou a ser chamado de Enart – o maior festival artístico-cultural amador da América Latina. Ao longo desses anos de competição, a cada releitura,

o Parque da Oktoberfest passou a receber mais visitantes dispostos a se emocionar com as apresentações, que, pouco a pouco, fazem o título de “maior festival artístico-cultural amador da América Latina” perder o seu primeiro intento. Nenhum dos entrevistados – que, naturalmente, não quiseram se identificar, já que representam alguma entidade na disputa – discorda de que o Enart seja superior a qualquer outra demonstração de dedicação a arte e cultura de um povo; mas que seja amador, isso é outra história. Entende-se por ama-

dor, segundo o dicionário Michaelis, de Língua Portuguesa, aquele que pratica determinada atividade por distração e/ou prazer, não por profissão; aquele que trabalha sem remuneração; aquele que entende superficialmente de alguma coisa. O conceito de amador do dicionário, se comparado com a realidade do Enart, provoca, no mínimo, um contraste com o que aqueles que fazem o festival acontecer dizem sobre o evento. Comparando as duas visões é possível entender como uma competição dividida em três etapas

– regional, inter-regional e final, mexe com a emoção de um estado inteiro; sem falar no valor financeiro que isso representa. Conforme os entrevistados, nenhum dos dançarinos, declamadores, intérpretes ou outro competidor de qualquer uma das 20 modalidades do concurso recebe salário fixo da entidade que representam para que participem. “É tudo no amor à camiseta”, relatou um deles. Por vezes, às vésperas das fases classificatórias, que se desenrolam durante o ano, o grupo ou o candidato individual consegue um patrocínio do comércio local para a ajuda de custo, mas nada que garanta o dinheiro na conta todo fim de mês. Ok, então, carimba: AMADOR! Por outro lado, há aqueles que se sustentam “à base de Enart” e se não o fazem, conseguem uma boa renda extra com a competição. Esses são os instrutores, avaliadores, costureiros, sapateiros etc. Um grupo classificado para a finalíssima do concurso – um dos 20 que dança com o Ginásio Poliesportivo lotado no domingo – gasta, em média, R$ 100 mil por ano.


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Há ensaiadores que cobram cerca de R$ 500 por turno de ensaio. O valor é calculado com base nas horas que ele fica debruçado em cima do manual de danças tradicionais ou pensando cada detalhe para encantar público e jurados. Sem falar em quantas vezes corrige o passo de cada dançarino. É... Sem dúvida, PROFISSIONAL! Ainda falta um argumento do dicionário para ser contrastado com o relato das fontes. Contudo, talvez não seja necessário. Amador é aquele que entende superficialmente de alguma coisa. Como entender superficialmente de algo que está acostumado a fazer desde criança? Como não saber profundamente cada detalhe daquilo que ensaiou 30 horas por semana? Impossível. De todos os entrevistados, apenas dois iniciaram a vida no mundo das danças depois dos 14 anos. De forma unânime, todos sabem a harmonia de cada passo, de cada dança que pode ser sorteada na final do Enart. “É pra ser amador, mas a realidade exige um contexto profissional”, apontou o coordenador da 5ª Região Tra-

dicionalista (RT) – uma das estâncias organizadoras do Enart –, Luiz Clóvis Vieira. Ele explica que os trabalhos apresentados no domingo do festival precisam ter conhecimento da história do povo gaúcho, da dança, do canto, da declamação etc. E, geralmente, conhecimento precisa de investimento e – adivinha?! – profissionalismo. Com essa necessidade de aperfeiçoamento, o festival tem se sofisticado e modernizado, em relação a edições anteriores. “Não deixa de ser amador, mas é exigido mais dos participantes”, disse. Aliás, conforme o coordenador da 5ª RT, são os participantes que fazem, o que era pra ser uma confraternização, tornar-se quase uma indústria. “O Enart não encareceu. O que aumentou foi a vontade de cada grupo de se sobressair”, afirmou. Mesmo que, aliado ao desejo de ser a melhor equipe do Estado, esteja o amor pelas tradições, o estilista e a costureira não tem o mesmo amor na hora de cobrar pelo vestido de prenda, que varia de R$ 500 a R$ 1 mil. Por estar observando

questões como essa, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) vem tentando devolver o encontro às suas raízes. Para tanto, mudanças no regulamento já foram realizadas e nos próximos anos outras estão previstas. No manual de danças tradicionais, são exigidas músicas e interpretações típicas do personagem gaúcho simplório; as coreografias de entrada e saída estão tentando ser levadas para o mesmo caminho. Tudo para que seja mantida a originalidade e o caráter cultural da disputa. De fato, o festival se encontra um pouco distante do amadorismo. No entanto, as dores e os valores são esquecidos quando a paixão que cada um dos mais de dois mil competidores nutre pela arte e cultura do Estado se sobressai e passam dançando uma milonga pela cidade de Santa Cruz do Sul, arrebatando qualquer um que esteja pronto para fazer de um sonho uma realidade.

Heloisa Corrêa heloisaunicom@gmail.com


14 Os anos passam e, com eles, a velhice chega. Fomos conhecer a situação emocional e financeira de duas casas asilares em cidades diferentes, porém, com idosos em situações semelhantes: abandonados e carentes.

Por trás dos cabelos brancos

Junior Nunes.

Historicamente associados ao abandono familiar, os asilos são instituições públicas ou privadas que abrigam idosos com dificuldades financeiras, ou que sejam carentes de convívio e afeto familiar. Isso acontece, normalmente, quando os familiares mais próximos não dispõem de tempo suficiente para dedicar os cuidados diários e específicos que o mesmo requer. Para preservar o direito à vida, à dignidade e à longevidade, foi instituído no Brasil, em outubro de 2003, o Estatuto do Idoso. A Lei nº 10.741 determina à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público o papel de garantir ao idoso o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cidadania, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Decidimos, então, conhecer a situação de dois dos

principais asilos dos municípios de Santa Cruz do Sul e Cachoeira do Sul. No primeiro, percebemos o sentimento de vazio ocasionado pela tristeza que transmite o lugar. No segundo, a dificuldade de sobreviver em meio à falta de recursos financeiros. Para iniciar os relatos, fomos até a Associação de Auxilio aos Necessitados de Santa Cruz do Sul (Asan) e chegamos à conclusão de que, em um dia inquieto, onde o vento soprava medo e o sol pouco aparecia, eles foram parar lá. Um dia mais que nublado, diria. As portas da Asan já são velhas. Tortas também. A principal tem uma fresta generosa que reflete um pouco do vazio daquele lugar. Lugar onde personalidades e gêneros tornam-se um só. Digo isso pois levei um apanhado de pulseiras velhas que tinha

em uma estante qualquer para presentear aquelas senhoras e, quando cheguei lá, seu Armando quis um anel. Um pouco confusa, fiz um comentário egoísta: “Mas é para as meninas”. E ele disse: “Quero um também. Há anos eu não ganho um presente”. Calei-me. Conversando com Dona Maria Fortes, percebo do que uma mãe é capaz para cuidar do filho autista. A Asan foi a única instituição que aceitou os dois juntos. Para isso, teve que deixar tudo o que tinha: a casa, as roupas organizadas por cor, e a cama que ainda guarda um pouco do aroma do falecido marido. Agora, ela não tem nada. Em seu atual quarto, existe uma cama e uma cômoda. Ali, ela guarda a bíblia, a escova de dentes e um pedacinho de sabonete para lavar o rosto pela manhã. Uma vida guardada em uma

gaveta de vinte centímetros. Andando pelos corredores, nenhuma novidade: mais frio e solidão. O que mais prende a atenção é a senhora que fica no mesmo sofá há oito anos. Ela não sabe mais dizer seu nome e nem expressar como foi seu dia. Apenas faz um único movimento pela manhã: senta-se lá, posicionada entre a janela e a escada. É na cozinha que ocorrem os cultos e louvores ao Senhor. Muitos moradores vão assistir, poucos realmente se importam. A verdade é que aquelas palavras da bíblia, repetidas todos os sábados, como um disco antigo que travou no tempo, não preenchem vazios. Falta perceber que Deus está no abraço, no amor ao próximo e na família. Isso, aquelas pessoas não têm mais. De todos os idosos, só


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uns sete ou oito aceitam falar sobre sua história de vida. Os demais preferem o silêncio. Dona Nair, muito séria e objetiva, sabe que vai sair dali um dia. Faz planos para o retorno à antiga casa que, mesmo empoeirada, é sinônimo de aconchego. Quando perguntada sobre suas alegrias no asilo, ela diz que uma vez ao ano, vai à Oktoberfest. “E no restante do ano, Dona Nair?” “A gente vai vivendo”, responde. E então, mais uma constatação: viver e respirar tornaram-se palavras de mesmo significado. A maioria ali, só respira. E permite que o tempo passe daquele jeito: devagar, quase parando, servindo de espera para o sono eterno. De tudo que foi visto, só podemos concluir que é duro demais. É vazio, conturbado e injusto. E não só pelas pessoas. Mas, pelas histórias que foram esquecidas, jogadas em uma gaveta sem nome e que não podem ser lembradas por um objeto sequer. Nem uma foto da família ou um bibelô que o neto tenha quebrado. Nada. Depois de tudo que foi descrito, ainda não chegamos à palavra certa. Parece que não é isso, é pior. Para disponibilizar atendimento de qualidade aos idosos, os asilos precisam de

recursos para custear as despesas necessárias. Conforme estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 65,2% dos asilos brasileiros são caracterizados como filantrópicos, ou seja, instituições que não possuem como objetivo a obtenção de lucro. Ainda, segundo a pesquisa, a contribuição do setor público representa apenas 22% das receitas dessas entidades. Sobrevivendo A 95 km de distância, a realidade não é diferente: no Asilo da Velhice Nossa Senhora Medianeira, na cidade de Cachoeira do Sul, a diretoria do Conselho Municipal do Idoso (Comai) apresentou um projeto para captação de recursos através de doações do imposto de renda ao Fundo Municipal do Idoso. A porcentagem obtida por meio do projeto seria o principal recurso para cobrir as despesas mensais da entidade. De acordo com o presidente do Asilo, Chulipa Möller, a instituição passou por diversas vistorias. O Corpo de Bombeiros encontrou algumas irregularidades, mas, não interditou a entidade, determinando um prazo para que a mesma se ade-

quasse ao Plano de Proteção Contra Incêndio (PPCI) e regularizasse o alvará de licença sanitária. O comandante do Corpo de Bombeiros, capitão Ederson Lunardi, explica que não existe a possibilidade de interdição do local. Segundo a assistente social, Graziele Lopes, para que o alvará sanitário seja liberado são necessárias uma série de exigências por parte do Asilo, e muitas delas estão fora da realidade da instituição. Só no mês de setembro o déficit foi de R$ 35 mil reais. Agora, o Asilo busca alternativas junto à comunidade para oferecer qualidade de vida aos 84 idosos abrigados pela instituição e, também, para custear os salários dos 33 funcionários. A saída foi recorrer às doações dos cachoeirenses, que se mobilizaram e abraçaram a causa da entidade. Qualquer doação serve para o uso de muitos idosos que foram para lá somente com o que vestiam na ocasião.

Betina Nunes Sampaio betina_nunes-sampaio@hotmail.com

Priscila Kellermann priscilakellermann@hotmail.com


16 Primeiro vem o esquecimento de algo recente. Depois, o impacto no cotidiano aumenta, afetando as funções intelectuais, reduzindo as capacidades de trabalho e relação social, além de interferir no comportamento e na personalidade. Isso é Alzheimer.

Lembranças da doença que faz esquecer

115 milhões de pessoas até 2050. No Brasil não existem dados precisos sobre quantas pessoas têm a doença, mas a OMS estima que seja algo em torno de um milhão. O MUNDO DE SEU PEDRO Seu Pedro morreu aos 80 anos. Viveu a maior parte da vida com a esposa em Venâncio Aires e teve com ela duas filhas e netos que moram em outro município. “Ele sempre fez de tudo para não deixar que nada nos faltasse, tinha até dois empregos”, conta Mariana. Os sintomas da doença começaram a ser percebidos numa manhã de sábado, quando Mariana convidou o pai para ir numa loja com-

prar tintas. “Mas não tem essa loja em Venâncio”, disse seu Pedro. A mãe gritou “tem sim, teu pai tá sonhando”. Num outro dia, Mariana perguntou para o pai sobre o pé de jabuticaba, que dias antes tinha sido alvo de um raio. “O que é jabuticaba?”, respondeu. Ela explicou e ele insistiu “mas a gente não tem isso aqui”. A filha, então, marcou uma consulta com um médico; afinal, queria saber o que acontecia. Antes do encontro, tinha que resolver algumas coisas no centro. Então, ela e a mãe combinaram de ir numa loja enquanto o pai iria ao Correio. Passaram 40 minutos e nada dele voltar. A filha foi na agência e ninguém sabia dele. Quando se dirigia

para uma guarnição da Brigada Militar que se aproximava do local, percebeu que seu Pedro estava no banco de trás. “Pai, o que o senhor está fazendo aqui?”, perguntou. Após o episódio, Mariana mudou de ideia e resolveu marcar uma consulta com um neurologista em Porto Alegre. Depois de inúmeros exames, a suspeita se confirmava: era Alzheimer. O tratamento iniciou em seguida. “O medicamento era muito bom e meu pai tava bem, só que tivemos que interromper.” Dois meses depois de descobrir a doença, ele também foi diagnosticado com câncer. Devido às quimioterapias, o tratamento para o Alzheimer parou e o esquecimento voltou a fazer parte da rotina de seu Pedro. Por dois anos, ele viveu em um mundo próprio, de viagens no tempo. Ele ia e voltava do passado em questão de minutos. *Nomes fictícios para preservar a identidade das fontes.

Giuliane Giovanaz.

Durante seis anos Mariana* conviveu com a doença que faz esquecer. Seu pai tinha Alzheimer. Mas, ele não sabia. Ela fazia questão de manter em segredo, afinal, ele ia esquecer. Sempre se questionou: “Para que contar? Se contar irá causar uma grande dor apenas no momento”. Segundo ela, seu Pedro iria esquecer apenas na mente consciente, porque no inconsciente iria ficar guardado, já que guardamos tudo o que é negativo. E isso atrapalha o bem-estar de uma pessoa. Desde o começo da doença era a filha que cuidava do pai. Ela que o ensinou o que era aquela árvore com frutinhas tão pretas, que se confundiam com roxo escuro. Ele se esqueceu do nome da fruta que há anos tinha plantado - o pé de jabuticaba. Também era Mariana que ajudava a lembrar das pessoas que passaram a ser esquecidas, sempre com um sorriso no rosto. Essa realidade, que fez parte da vida de Mariana, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), afeta pelo menos 35,6 milhões de pessoas. De acordo com a OMS, esse número cresce a cada ano e pode chegar a

Giuliane Giovanaz giu.giovanaz@gmail.com


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Não há cura, apenas tratamento

O Alzheimer foi descrito pela primeira vez em 1906, por Alois Alzheimer. A doença é causada pela morte das células cerebrais, não tem cura, mas deve ser tratada. É uma doença degenerativa com curso lento e progressivo. Prejudica todas as funções cognitivas: memória, orientação, atenção e linguagem. E os medicamentos disponíveis tentam retardar o curso da doença e minimizar os problemas associados a ela. Geralmente, a doença se acomete na terceira idade, a partir dos 60 anos. No entanto, existem casos mais

precoces. Estes em geral, são de origem genética. Para entender um pouco mais dessa doença, o jornal Unicom conversou com a neurologista Cláudia Alves da Cunha.

“Suas lembranças são perdidas e passa a viver de memórias” Cláudia Alves da Cunha, Neurologista

Quais são os sintomas? Inicia com perda de memória recente e vai evoluindo

para perda de outras funções cognitivas. A pessoa perde interesse por atividades, abandona tarefas e vai tornando-se progressivamente mais dependente de terceiros. Suas lembranças são perdidas e passa a viver de memórias da infância e juventude. Pergunta por familiares falecidos e pede para voltar para casa. Como é feito o tratamento da doença? O tratamento é através de medicamentos para demência, ainda com resultados muito modestos. Ou-

tra abordagem é através do atendimento multidisciplinar com fisioterapeutas, terapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos etc. E o papel da família? É crucial. A família precisa ser bem estruturada e participativa para não sobrecarregar uma só pessoa e, também, não aumentar o sofrimento do doente apontando suas falhas. Além disso, sempre entender que carinho e o amor àquele idoso que já cuidou tanto dos seus é o melhor remédio.

Quem, eu? Em 2014, Fernando Aguzzoli lançou o livro: “Quem, eu? – Uma avó. Um neto. Uma lição de vida”. A obra conta a história da sua avó Nilva de Lourdes Aguzzoli, que passou os últimos meses de vida sob os seus cuidados. Ela tinha Alzheimer, mas a causa da morte foi outra: uma infecção na bexiga. No livro, o neto compartilha como foi viver no mundo fantasioso da avó. “Me vi frente a diversos dilemas e aprendizados.” Tudo começou ao compartilhar as histórias em uma rede social, até que resolveu migrar do

próprio perfil para uma página chamada ‘Vovó Nilva’, que mais tarde deu origem ao livro. “Por saber que minha avó tinha total paixão por literatura, resolvi compilar os diálogos e contar nossa história em um exemplar escrito, seria uma conquista exclusivamente nossa.” A fanpage da Vovó Nilva tem mais de 120 mil curtidas. Mesmo que a protagonista já tenha partido, Fernando faz questão de atualizá-la. Afinal, o objetivo e informar sobre a doença.


18 Muitas pessoas gostam de viajar. Algumas sonham em contornar todo o mundo. Poucas, entretanto, conseguem colocar em prática esse desejo. Ticiana e Marquinhos pertencem à essa parte da população que consideram fundamental colocar o pé na estrada.

Volta ao mundo em 13 meses

A santa-cruzense Ticiana Giehl, 33 anos, gostava de viajar desde criança. Porém, as questões financeiras da família permitiam apenas alguns passeios ao litoral gaúcho e catarinense durante as férias de verão. Sonhadora, no entanto, desde cedo ela sabia o que queria: dar uma volta ao mundo. Ela começou a faculdade de jornalismo cedo. Fez vários estágios pra ganhar experiência. Suou a camisa para comprar um apartamento em Porto Alegre e morou lá durante 11 anos. Em 2010, começou a fazer seus primeiros tours mais longos conhecendo países como Uruguai, França, Estados Unidos, Peru e Chile, entre outros, além de diversos cantos do Brasil. Um dia, em meados de 2012, Ticiana tomou coragem e decidiu vender o apartamento para realizar seu so-

nho. Foi então que surgiu uma proposta irrecusável de emprego em São Paulo. O sonho foi novamente adiado. Chegando à capital paulista, Tici – como é chamada pelos mais íntimos – comprou novo apartamento, se estabeleceu, trabalhou na MSN Brasil e na UOL, e conheceu Marquinhos Pereira, um jovem jornalista e com os mesmos sonhos de viajante dela. Até então, ele também não tivera muitas oportunidades de conhecer o mundo. “E quem irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração”, como já dizia Renato Russo? Pouco tempo depois, já noivos, eles Divulgação/

Desempaco

tados.

decidiram: iriam viajar pelo mundo. Juntos. E eles deram início nesse projeto no dia 13 de novembro de 2014. Enquanto viajaram, os registros de suas experiências foram compartilhadas em um blog. De acordo com Ticiana, todo o reteiro foi escolhido antes, o que não foi fácil, pois era preciso conciliar os lugares que ambos queriam conhecer com os lugarem que um queria apresentar ao outro. No fim, decidiram visitar 32 países durante 13 meses. Em novembro de 2015 quando eu entrei em contato com os viajantes pela primeira vez -, já completanto o 12º mês de viagem, o casal

explicou que 80% do roteiro original seria mantido. “Tivemos que desisitir de ir à Russia, Marrocos e aos oeste dos EUA por causa da alta do dólar, que reduziu demais o nosso orçamento”, relata. E isso foi motivo de tristeza? Claro que não! Em compensação a dupla visitou Montenegro, Sérvia e República Tcheca, países relativamente baratos que não estavam nos planos iniciais. Ao final da viagem, que aconteceu no dia 29 de dezembro de 2015, foram 35 países. Um a mais do que o planejado. Os preferidos do casal foram a Grécia, “porque tem ilhas belíssimas, praias de cair o queixo, ruínas cheias de história, não é um país caro e a comida é deliciosa”, e a Tailândia, “porque é um país cheio de boa vontade com o turista, alto astral como o Brasil e ainda abriga algumas das praias mais lindas que já conhecemos”. O menos apreciado, segundo Tici e Marquinhos, foi de longe


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a Índia: “É um lugar tão sujo e difícil para se fazer turismo que me deixou doente. Acabei internada em um hospital do Egito por causa de uma infecção que peguei lá”, conta ela. Aliando duas paixões Para fazer essa viagem o casal vendeu seus apartamentos – aquele que Ticiane comprou em São Paulo e o que Marquinhos já possuía - e juntou 200 mil reais. No entanto, por causa da alta do dólar, todo o valor já havia sido gasto em novembro. Você deve estar se perguntando como eles continuaram a viagem, não é mesmo? Bom, lembra do blog que servia como um diário de bordo? Graças a ele o casal não dependeu apenas do dinheiro economizado antes da partida. O Desempacotados como foi denominado, surgiu antes que o casal iniciasse a jornada, com o objetivo de ser um espaço onde Ticiana e Marquinhos pudessem contar as boas histórias que

vivessem. Ele também serve pra mostrar que não é preciso muito dinheiro, nem ser um viajante experiente para organizar seu próprio roteiro, comprar suas passagens, fazer suas reservas. Ele surgiu para ser um blog por meio do qual os dois pudessem aliar a paixão pela viagem com a paixão pelo jornalismo. E é com a renda dele que o casal se manteve. “Encerramos a viagem com R$ 110 mil por pessoa”, calculou. Depois que terminarem essa volta, no entanto, eles não pretendem parar. Ticiana explica

que eles já não conseguem se imaginar sem viagens. A primeira meta é volta a Cuba onde eles estiveram na primeira semana de novembro, um local que consideraram lindo e que só agora está se abrindo para o turismo. Antes de colocar o pé na estrada, no entanto, o casal pretende visitar as famílias “pois a saudade é grande”.

Luana Ciecelski luanaciecelski@yahoo.com.br

A jornada em números A palavra viajar teve origem no termo latino viaticum que significa jornada, ou originalmente provisões para uma jornada; ela também tem ligação com o termo via, usado ainda hoje para designar um caminho, uma estrada. Para o casal Ticiana e Marquinhos, todo esse percurso por ser traduzido em números. Até o fim de outubro, por exemplo, foram cerca de 100 mil quilômetros percorridos atravessando 28 países dentro dos quais foram visitados mais de 100 lugares. Tudo isso foi feito com ajuda dos aviões, claro, dentro dos quais o casal permaneceu por mais de 78 horas. Mas se tanto tempo voando pode parecer perda de tempo, o próximo dado com certeza não vai: entre um passeio e outro foram provadas 158 cervejas. Não está satisfeito? Pois saiba que de fotinho em fotinho de cada lugar bonito pelos quais eles passaram, já se somavam, em outubro, mais de 51 mil fotos tiradas.


20 Não existe uma fase ideal para ser mãe, pois isso depende de cada mulher: da sua saúde, situação econômica e familiar, preparação psicológica, etc. No entanto, existem algumas idades mais aconselhadas que outras.

Existe uma idade certa para ser mãe?

Acervo pessoal.

na hora de sair de casa, uma vez que, antes começava a se arrumar 30 min antes de sair e agora é preciso começar no mínimo 1h antes, pois há um ser que necessita da sua ajuda e dos seus cuidados. Para ensinar seu filho Pedro, entre outras coisas, que nada se conquista sem esforço, a jovem mamãe necessitaria dividir sua atenção entre ele e a faculdade. Já a supervisora de escola Lisandra Coutinho, de 40 anos, deu à luz ao pequeno Théo em 2015. Ela conta que quando descobriu a gravidez não acreditou. “Tinha 39 anos na época e fiquei sem ação, era tudo que faltava na minha vida. Desde os 37 vinha planejando. Sempre tive o desejo de ser mãe”. Lisandra conta que transbordava de felicidade desde o dia que descobriu a gravidez e, logo após dar a luz, sentiu uma sensação inexplicável, como se fosse um presente vindo do céu. Ela salienta que seu dia a dia mudou desde o seu primeiro mês de gestação e surgiram

mudanças físicas, mentais, sociais e, principalmente, amorosas. “Recebi da relação a dois muito mais que podia imaginar ser possível de viver. A doce espera do Théo fortaleceu ainda mais o nosso relacionamento”, frisa.

Acervo pessoal.

Muitas questões envolvem a decisão de se ter um filho e, embora a questão relacionada à saúde seja importante, o que realmente determinará o momento ideal para se tornar mãe será a maturidade emocional da mulher. Muito se questiona se há realmente uma idade certa para engravidar ou qual seria a melhor idade para ser mãe. Para duas mulheres em diferentes fases da vida, não houve uma idade certa, mas sim um momento certo. Ketlyn Terra, estudante, 23 anos, relata que foi simplesmente assustador receber a notícia de que estava grávida com apenas 17 anos. “Sou filha única, e minha mãe sempre foi muito conservadora, me deu muita educação, e não queria nem que eu namorasse para não interferir nos estudos, que dirá ser mãe jovem”, relata a estudante. Ketlyn sentiu muitas mudanças na sua vida depois da gravidez e do nascimento do seu filho. Segundo a estudante, uma grande mudança foi

É preciso ter maturidade emocional Por mais que existam muitas jovens sendo mães, muitas mulheres estão deixando para mais tarde a maternidade. Claro que se formos pensar muito, podemos acabar não engravidando e isso não é bom, por que uma coisa é certa: a melhor coisa na vida é ser mãe. Conforme a Ginecologista e Obstetra Juliane Castro, a melhor idade é de 18 a 35 anos, do ponto de vista médico, porque fora destes limites de idade a gestação tem maiores riscos. Abaixo de 18 anos aumenta o risco de aborto e doença hipertensiva gestacional. Em idade mais elevada aumenta a chance de síndromes genéticas, malformações, doenças do período gestacional como hipertensão e abortamentos. “Após os 35 anos há uma redução da fertilidade materna e a chance de conseguir engravidar diminui a cada ano que passa”, ressalta Juliane. A psicóloga Cássia Renner explica que não existe

uma “idade certa” para ser mãe. “O que irá determinar o momento ideal para se tornar mãe será a maturidade emocional da mulher e o preparo, pois ter um filho é uma responsabilidade e um compromisso, uma decisão que deve ser meditada com tranquilidade.” Na verdade não existe fórmula mágica. Para cada mulher a maternidade chega de uma maneira diferente. No fim, acredita-se que tudo dá certo e o melhor momento para se ter um filho é quando o resultado do teste dá o resultado positivo. A diferença é saber se a escolha foi sua ou das circunstâncias. Por isso, a resposta para a pergunta inicial nos diz que a medida correta deve ser uma maternidade responsável, independentemente da idade.

Marieli Rosa marielirosa@hotmail.com


21 Os concursos que elegem as soberanas de festas exigem dedicação. Muitos objetivos são deixamos de lado para que o comprometimento com o concurso seja intenso. E algumas decisões não são nada fáceis.

Arriscar objetivos para conquistar sonhos Ser soberana de um município deve ser algo esplêndido. Ser coroada a vencedora entre tantas outras candidatas que se esforçaram deve ser gratificante. E só experimenta essas sensações quem arrisca todos os seus sonhos e objetivos para concorrer. Enquanto candidata ao título de rainha da Festa Nacional do Chimarrão – evento que ocorre em Venâncio Aires (RS) - digo sem dúvidas que o caminho não é nada fácil. Alguns pensam que os momentos que antecedem a escolha são todos maravilhosos e que os sorrisos nos rostos das candidatas sempre representam alegria. No entanto, muitas vezes os pés doem, o cansaço toma conta e o nervosismo atropela. Mesmo que a vontade de compor o trio de soberanas seja enorme, os sacrifícios que somos obrigadas a fazer também são muitos. A família fica de lado, faltamos aula e ao trabalho, somos submetidas a críticas e avaliações o tempo todo. Os concursos para escolha de soberanas de festas municipais exigem muito das candidatas, pois, após eleitas, elas terão que desempenhar seus compromissos com muita responsabilidade. Além de ser lindo e, na maioria das vezes, emocionante, as soberanas também estão prestando um serviço à

comunidade. Isso exige muito comprometimento. A parte mais difícil e por muitos, incompreensível, é que nem sempre todo o esforço dedicado é recompensado com uma coroa. A estudante de Medicina Veterinária, Tatiane Meirelles, de 24 anos, conhece bem o sentimento de ver seus sonhos não serem realizados. A jovem enfrentou os jurados não apenas uma ou duas vezes, mas três. Na terceira vez em que desfilou, ela abriu mão do título de embaixatriz do Chimarrão para concorrer. “Nunca é fácil abdicar de coisas importantes em busca de outras, por mais nobre que seja o objetivo. Mas eu sempre acreditei que me dedicando seria capaz de representar bem a Fenachim e o município de Venâncio Aires”, afirmou a jovem. Após William Oliveira.

não alcançar a vitória, sempre tentava avaliar os erros para recomeçar. Hoje, com maturidade, Tatiane percebe que nunca perdeu nada: “aprendi com cada derrota, ganhei amigos, oportunidades e conhecimento”. A jornalista Letícia Wacholtz, 23 anos, foi rainha da Fenachim em 2012. Aos 20 anos de idade carregou a responsabilidade de representar um município e sua maior festa. Os desafios daquela caminhada não foram poucos. A preparação exigiu da jovem muito envolvimento com estudos. Primeiramente, pediu liberação do seu local de trabalho para participar. Na faculdade, também foi necessário ajustar disciplinas. Por muitas vezes, lia as bibliografias exigidas para o concurso nas aulas. Esforço que lhe ren-

deu não só o título de rainha, como também a maior nota na prova escrita. Após a vitória, Letícia teve que empenhar ainda mais responsabilidade e comprometimento. Faltava muito ao trabalho e precisou trancar um semestre da faculdade, o que também atrasou sua formatura. “Meu foco deveria ser o reinado, afinal, se eu quis tanto ser uma soberana, precisava retribuir sendo uma rainha à altura da nossa comunidade, comprometida e disponível para eventos”, ressalta. Eu, a repórter desta matéria, conheço bem o sentimento de ver a manhã seguinte à escolha chegar e saber que a coroa não está ao lado da cama. O que fica são os conhecimentos, as amizades adquiridas ao longo do concurso e o sentimento que de alguma forma contribuímos com nosso município. Arrisquei muitos objetivos para conquistar esse sonho. Mesmo perdendo, reconheço que nem sempre ganhar significa evoluir e somente com muita sabedoria é possível fazer da perda algo construtivo.

Veridiana Röhsler veridianarohsler@gmail.com


22 Há quem não imagine o que ocorre pelos bastidores da vida de um atleta. Aqui você poderá compreender um pouco dos passos que estes profissionais – digo, guerreiros – encaram para que consigam ultrapassar os seus limites e, inclusive, da condição humana, diariamente.

UMA CARREIRA MOVIDA PELA SUPERAÇÃO O mais rápido, o mais alto, o mais forte, oriundas do latim, Citius, Altius, Fortius estas palavras são o lema dos Jogos Olímpicos, principal competição de alto rendimento do mundo. Há quem pense que alcançar esta perfeição – ou algo muito próximo a ela, é impossível. Porém, para quem escolhe percorrer esta carreira, este lema não é opção, é regra. No plano do senso comum a prática do esporte de alto nível ainda é reconhecida como provedor de saúde. Entretanto, a realidade apresenta um novo termo. Não é saúde, é superação. É nela que um atleta consegue romper barreiras e alcançar o que, às vezes, parece ser utópico. É “um conjunto de fatores técnicos, físicos, materiais e psicológicos que, quando unidos, ampliam muito os seus limites”, define o treinador físico de atletas de alto nível, Jorge Peçanha. Jorge é treinador e pai de Fabiano, hoje com 33 anos. Em 1992, quando tinha 10, o jovem natural de Cruz Alta deu os primeiros passos para sua carreira após muitos pedidos ao pai. “Via meu irmão competindo e surgiu o gosto pelo atletismo”, revela o atleta. O primeiro título de grande importância foi conquistado na corrida São Silvestrinha, em São Paulo – a São Silvestre para atletas com até

Acervo pessoal.

15 anos. Após um dia inteiro de viagem, ele venceu a corrida com recorde, que até hoje permanece invicto. “Foi nesta prova que meus pais perceberam que eu tinha um grande potencial para o esporte e que precisavam continuar investindo e acreditando”, conta. Na medida em que as competições foram dificultando, os treinamentos e exigências se intensificaram. Com isso, surgiram as lesões pelo esforço repetitivo e muita pressão psicológica em alcançar metas difíceis. Um esportista é treinado para ultrapassar os limites, inclusive, da condição humana. Fabiano, por exemplo, chegou ao ponto de cor-

rer 800 metros com o fêmur fraturado em uma das principais competições de atletismo do país, o Troféu Brasil. E o inacreditável, ele venceu a prova. Segundo ele, um atleta de alto nível não é composto somente por talento. “As grandes conquistas tem relação direta com nossa capacidade de superar os limites naquele momento”, frisa Peçanha. A determinação também rege a vida de Maria Portela, 27, que iniciou sua carreira no judô aos oito anos de idade, quando conheceu a modalidade através do projeto social “Mãos Dadas”, em Santa Maria. Aos 17, quando se mudou para Santa Catarina, buscou fontes de renda

alternativas para se sustentar. “Trabalhei como babá por dois anos, pois não tinha lugar para morar. Tudo isso para praticar judô um período por dia”, conta a atleta. Já em 2007, residindo na cidade de São Paulo, Maria começou a se desenvolver para disputar competições de maior nível. Ao final do ano, entrou para a Seleção Brasileira e, em 2008, tornou-se reserva para as Olimpíadas de Pequim. Apesar das conquistas, em 2011 a judoca teve que retornar para o estado de origem por falta de recursos financeiros e passou a integrar a equipe da Sogipa, a qual representa até hoje. “Com o apoio do clube pude me focar e conquistei a


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vaga nas Olimpíadas de Londres”, vibra. Maria também teve que enfrentar outros desafios ao longo de sua carreira, principalmente com sua altura. Na categoria da qual faz parte, a esportista é mais baixa do que as adversárias e, desta forma, tem que sempre buscar uma luta com bastante movimentação, o que aumenta o nível de dificuldade. Por algumas vezes, inclusive, ela recebia motivações negativas, o que interferia diretamente em seu psicológico. Em Londres, por exemplo, o público incentivou Portela a focar no seguinte pensamento: as dificuldades

que teve que superar para chegar até aquele momento. “Foi extremamente negativo para mim, simplesmente não consegui fazer nem 10% do que eu tinha me preparado”, desabafa. A situação desencadeou uma repressão da atleta em retornar para casa e, mais ainda, aos treinos. Tamanho impacto reflete até hoje em seu dia a dia, tendo que ter acompanhamento psicológico seguidamente. A rotina de um atleta de alto nível Quem vê de fora, mal imagina o que se passa nos bastidores de uma vida re-

A CARREIRA DE UM CAMPEÃO No final do ano de 1992, Fabiano Peçanha conquistou a medalha de ouro na categoria de 10 a 11 anos da Rústica da Criança, em Porto Alegre. Foi a primeira das cerca de 300 medalhas de ouro já conquistadas pelo atleta ao longo da carreira. Os primeiros títulos nacionais e sul-americanos foram alcançados nos anos de 98, 99, 2000 e 2001. Já em 2003 iniciou a luta pela vaga nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, conquistada na última competição classificatória. Na República Dominicana, Fabiano foi medalha de bronze. Em 2005, após vencer o Título Mundial Universitário dos 800m, na Turquia, veio a maior conquista da carreira. “Sempre quis ser o melhor do mundo e ler a manchete ‘Fabiano Peçanha é campeão mundial’ foi a realização de um sonho”, comemora. Além disso, o atleta também foi 3º lugar no Pan do Rio de Janeiro, em 2007, e semifinalista Olímpico dos 800m nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008 e Londres, no ano de 2012.

grada pelo esporte de alto rendimento. Viajar, por exemplo, deixa de ser lazer para ser uma atividade de busca de treinamentos especializados e competições. Fabiano já competiu em treze estados brasileiros e em mais de trinta países. As dificuldades destes momentos permanecem na lembrança de cada atleta. “Já dormi várias vezes em chão de rodoviárias e aeroportos. Tive que viajar por mais de 70 horas. Já aconteceu, também, de eu sair do Rio Grande do Sul, no mês de janeiro com temperatura de 40ºC, e correr em Moscou, a -10ºC, dois dias depois”, revela. Maria ressalta a quantidade de viagens e, principalmente, a distância da família. “Viajo pelo menos uma vez ao mês, e, algumas vezes, passo um mês longe de casa. É complicada a distância da família, por isso agradeço pelos meios de comunicação que possuímos, pois antigamente só podíamos telefonar e era muito caro”, comenta. A rotina de treinos é um dos fatores mais desgastantes na vida de um atleta. Tudo objetivando sempre a preparação física para a superação dos limites do seu corpo. A judoca, por exemplo, possui um cronograma que inicia sempre nas segundas e se encerra aos sábados. Segunda, quarta, sexta

e sábado realiza treinamento físico pela manhã e terças e quintas trabalha mais a parte técnica de chão e pé. “Além disso, todos os dias à noite eu faço treino mais direcionado para as competições, mais tático”, explica Maria. A programação de treinos de Fabiano também é extensa e exaustiva. São de 10 a 12 treinamentos por semana, em dois turnos – manhã com duração de 1 hora e meia e tarde, de duas horas. “Claro que não fico só correndo todo esse tempo, se não o corpo não aguenta. Também fazemos musculação, repetições em distâncias curtas, entre outras táticas”, discorre o atleta. Um dos maiores motivos de receio das pessoas em seguir na carreira do alto rendimento é esta quantidade exacerbada de treinos. Porém, Maria alerta que apesar de todas as dificuldades, sempre se deve manter o foco. “A gente tem que acreditar nos nossos sonhos, buscar alcançá-los com muita determinação. Nada é impossível, basta crer e trabalhar para conseguir”, motiva. Já Fabiano atesta: “Quando talento e dedicação andam juntos, se consegue ir muito mais longe”.

Júlia Ipê juliaipe20@gmail.com


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Pixabay.

A cada dia estamos mais próximos das respostas que tanto precisamos para a vida; e isso se deve ao trabalho de pessoas que se dedicaram e hoje estão conectadas a um mundo misterioso e oculto.

As respostas podem vir dos astros Virgem, escorpião, aquário, áries, libra ou leão. Não importa o signo e as características, a verdade é que sempre queremos melhorar como pessoa, nos preparar para mudanças e encontrar sinais que norteiem nossas decisões. Para isso, os astros podem nos indicar o caminho a ser seguido. Entretanto, a compreensão dessas

informações depende de muito estudo, dedicação e, sobretudo, sensibilidade. Há 38 anos, João Pedro Abrahão Matzenbacher passou a fazer parte das decisões mais importantes na vida de clientes ao transmitir mensagens do misterioso mundo da astrologia. O astrólogo, que atua em Venâncio Aires, explica que a astrologia é a

ciência que estuda o tempo e a forma como ele passa. “O tempo se modifica por ciclos que se repetem. Então, uma parte das conversas astrológicas consiste em avisar às pessoas que certos períodos específicos estão chegando”, argumenta. São esses estudos que anunciam o tempo de trocar de casa, trocar de emprego, terminar um casa-

mento e mudanças da saúde. A vontade de ajudar as pessoas por meio das palavras e previsões surgiu pelo acaso. João conta que, aos 16 anos, era “arrastado” pela irmã mais velha, ao menos uma vez por semana, para palestras esotéricas. Sua única função, apesar de ainda ser um menino, era protegê -la, já que as sessões ocor-


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Veridiana Röhsler.

riam à noite. Mesmo sem muito interesse na área, o ainda adolescente começou a entender melhor o assunto em pouco tempo e logo se identificou com a astrologia. Fez seu mapa astral de nascimento, que indicou o curso de Engenharia de Minas como a melhor opção ao porto-alegrense. Mesmo trabalhando na área de engenharia, João seguiu estudando livros de astrologia e frequentando cursinhos. No entanto, tinha um desafio: precisava fazer tudo escondido dos familiares, que já teriam reprovado o interesse do jovem pela astrologia. Aos 19 anos, elaborou o primeiro mapa astral para outra pessoa, sem custo. “Acredito que desde esse tempo não houve um dia sem fazer um mapa ou estudar sobre astrologia”, recorda. Mas o destino de João estava literalmente em suas mãos: foi ao elaborar o próprio mapa astral que descobriu que deveria largar a estabilidade da profissão de engenheiro pela carreira de

astrólogo. Aprendeu a distinguir a diferença entre as palavras trabalho e missão. Compreendeu, ainda, que quando se faz o que o destino programou, nada se torna cansativo. “Muito pelo contrário, uma corrente de entusiasmo e energia toma conta de nossa vida”, justifica João. O astrólogo não acredita que seu trabalho seja um dom. Porém, para ele, após um longo período de estudos, a intuição é uma grande aliada, comparando a consultas médicas, nas quais nem sempre os profissionais necessitam de exames para saber o que o paciente tem. “Pressinto que somos assistidos ou acompanhados por espíritos superiores, que sopram alguma instrução específica que o cliente necessita ouvir”, comenta. Agora, aos 57 anos, João tenta transmitir seus conhecimentos para não deixar a astrologia ser esquecida. Através de cursos de dois anos, ele ensina tudo o que os livros já lhe ensinaram, mas com o complemento

da experiência que adquiriu. Para quem também se identifica pela área e pretende seguir os passos de João, ele avisa: antes de tudo, é preciso ter amor pela humanidade. Por ele, passam pessoas de todos os tipos. Atende pessoas sensatas, mas também ajuda traficantes, prostitutas, psicóticos e, até mesmo, políticos malandros. O astrólogo sabe que, no fundo, eles também buscam a perfeição individual. João acredita que a astrologia possa ser o último recurso para redenção das pessoas. “E se fecharmos nossa porta, talvez não exista outra para eles”, argumenta. O que o futuro diz? Mãe, advogada, produtora cultural, locutora aposentada e taróloga, Mariê Nunes, de 51 anos, também tem a difícil missão de mostrar o futuro às pessoas. Foi por causa da curiosidade que entrou no mundo místico e hoje transmite o que dizem as runas e as cartas de tarô. Para ela, não existe uma técnica para o trabalho que realiza. É necessário, porém, sensibilidade, inspiração, responsabilidade e respeito pelo próximo. Entretanto, reconhece a importância do conhecimento na área. Mariê conta que começou seus estudos esotéricos e místicos na década de 70. Na época, os únicos meios disponíveis eram os livros e os cursos à distância. Com o passar do tempo e oportunidade de aprender mais, as relações com a quirologia e o tarô tornaram-se mais próximas. Além de participar de

cursos de terapias holísticas alternativas e de esoterismo, Mariê ainda pretende deixar sua experiência registrada em livros. Neles, quer escrever sobre o tarô, runas, a prática de leitura de mãos e a influência de tudo isso na saúde física e psíquica do ser humano. “O homem é místico por natureza e quem começa a estudar nunca mais para”, garante. Também foi a curiosidade a responsável por tornar o administrador João Roberto Agnes, de 29 anos, cliente de Mariê. Desde a adolescência, quando enfrentou momentos difíceis, ele procura ajuda da ciência oculta. Atualmente, é adepto também a consultas mediúnicas e sensitivas - através da influência do plano espiritual. No caso de João, a curiosidade é de saber uma resposta, tanto em momentos de decisões importantes quanto em que está abalado emocionalmente. Mas devese acreditar em tudo o que as cartas dizem? João garante que algumas previsões já se concretizaram. Além disso, nas consultas, entende-se o contexto e o motivo pelo qual certas coisas acontecem em nossas vidas, o que amplia o olhar e prepara a pessoa para agir da melhor forma possível em novas situações.

Maria Helena Lersch mariahlersch@yahoo.com.br


26 O que a visão de dois jovens com a mesma idade pode dizer sobre um conflito que eles vivenciam de dentro do país, e de fora na área ocupada.

Arte Unicom sobre reprodução Google Maps.

Os lados da fronteira entre Israel e Palestina Israel e Palestina vivem uma guerra que parece não ter fim. Entretanto, para começar a entender o conflito que assola a região é preciso voltar no mínimo cem anos na história. A intrincada cadeia de eventos que chega até a situação do local em 2015 é o que torna tão difícil e complicado entender e principalmente resolver a situação. A criação do Estado de Israel em 14 de maio de 1948 repercute até o dia

de hoje, quando milhares de palestinos são afetados pela ocupação israelense. Para aqueles que não vivem na região, a mídia mostra um Oriente Médio que é preto no branco, onde existe o fanatismo religioso, o terrorismo e pessoas que não têm interesse na paz. No entanto, para quem vive lá a situação é muito mais cinza, e o dia da paz é o momento mais esperado de suas vidas. Murad Dali, 24 anos, de-

fine sua rotina na região como estudar, comer, trabalhar, malhar, dormir e fazer tudo de novo. Recém graduado em Hotelaria na Universidade de Belém, o jovem que mora em Beit Jala, na Cisjordânia, vê a ocupação como uma sombra escura e constante sobre sua vida e a de sua família. “Nós vivemos em uma área muito limitada, não podemos visitar o norte da Palestina. Tenho tios que moram no norte, e

só posso visitá-los com uma permissão especial que é concedida pelo governo de Israel em dias comemorativos, como feriados ou datas religiosas. A situação está estável aqui onde moro, mas sofremos por não poder ir onde quisermos, ou visitar a praia, por exemplo.” Dali, que é descendente de armênios católicos, diz entender a situação vista de maneira diferente da realidade pelas pessoas que não


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moram na região. Para os árabes muçulmanos a vida é muito mais instável, ele conta que muitos de seus amigos não conseguiram permissão para estudar na universidade. Os check-points, barreiras militares na fronteira, são a lembrança diária a todos os moradores de que eles não são livres, de que este não é o seu lar. Todos os veículos que não sejam de Israel são parados, seus ocupantes são revistados e precisam mostrar os documentos e passes. Muitas pessoas são presas pelas razões mais bestas. Até mesmo crianças, nas ruas, são detidas e aterrorizadas. “Um professor meu da universidade foi preso sem nenhuma acusação e até hoje não foi liberto”. Quando perguntado se já presenciou algum tipo de violência, Murad é categórico: “Me mantenho longe das situações de risco, porque odeio violência”. No norte do país, em Haifa, Lofti Mhajnei, de 24 anos, vive uma rotina levemente diferente. Recém formado em direito, o jovem trabalha com o pai em seu escritório de advocacia, e apesar de morar dentro de Israel, sofre Acervo pessoal.

todos os dias com o preconceito das pessoas pelo fato de ser muçulmano. “Não sei se as pessoas sabem disso, apesar das expulsões, muitos árabes, armênios e católicos ainda vivem em Israel, mas nós somos tratados muito mal, a maioria das pessoas é muito racista. Os judeus querem fazer um país só deles, mas 25% da população é árabe”, afirma. Para ele, o curso de direito foi uma das maneiras de encontrar justiça por tudo de errado que presenciou na vida. Sua cidade é calma, bela e com boas pessoas, mas nem por isso Lofti ignora o que acontece na fronteira. A situação mais caótica acontece atualmente na Faixa de Gaza, bem longe de onde ele e sua família estão. Atualmente um dos conflitos mais comentados, a disputa entre Israel e Palestina é de uma complexidade ímpar. A atuação de grupos extremistas como o Hamas e a truculência do exército Israelense causam vítimas de ambos os lados da disputa. Recentemente os Estados Unidos têm demonstrado interesse na resolução do Acervo pessoal.

conflito, mas a ajuda internacional é tardia. Toda a dor e morte causadas pela ocupação poderia ter sido resolvidas quando a região era governada pelo Império Britânico, que decidiu se abster de ações desde o fracasso da proposta do Livro Branco de McDonald, em 1939. A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 prometia uma solução pacífica e que beneficiasse tanto o povo multicultural que vivia na região, quanto os judeus sobreviventes do holocausto. A melhor solução na época talvez tivesse sido a criação de um país que aceitasse todos os povos, e que fosse governado igualmente por cristãos, judeus e muçulmanos. No entanto essa possibilidade ficou no passado. Murad Dali pretende seguir morando na região, ficando longe de problemas. “Somos um povo muito alegre apesar de tudo, não vamos desistir da nossa terra, vou torcer pelo melhor”. Já Lofti Mhajnei tem uma visão mais pessimista: “Acho que o conflito nunca vai terminar, por que nenhum dos lados quer ceder. Nunca vão tirar o Estado de Israel daqui e jamais vão permitir a criação de um Estado Palestino”, lamenta.

Paola Severo severo_paola@yahoo.com.br


28 O cemitério mais antigo da região preserva os traços da época da colonização e contribui para compreender a história dos imigrantes alemães que trouxeram seus sonhos para o Brasil. Recentemente, o local foi reformado e novas histórias estão surgindo.

Thiago Carlotto.

HISTÓRIA RESTAURADA Há mais de 10 quilômetros do Centro de Santa Cruz do Sul está o começo da história da colonização alemã na região, ocorrida há mais de 160 anos. Neste lugar, encontram-se os túmulos dos colonizadores que fundaram a comunidade evangélica do povoado e deram início à construção do que, mais tarde, viria a ser a Colônia de Santa Cruz no território conhecido na época como Picada Velha.

Na localidade, hoje denominada Alto Linha Santa Cruz, está o cemitério mais antigo da região. Nele, o visitante se depara com 109 túmulos – 99 identificados –, de pessoas que viveram na segunda metade do século XIX e início do século XX e, foram enterradas neste ponto que dá para o pôr do sol. Mais do que monumentos de pedra rústicos, lá estão histórias de vida.

Na necrópole, há uma evidente ordem cronológica na organização das lápides. As mais antigas estão na parte superior e as do início do século passado, na área inferior. Chama a atenção do visitante o número de sepulturas de crianças. Para o pastor responsável pelo cemitério, Elio Scheffler, é provável que tenha havido uma epidemia que vitimou muitas crianças ainda quando bebês. O

túmulo mais antigo encontrado é, provavelmente, de uma delas: Friedrich Weber nasceu no dia 13 de novembro de 1872 e faleceu antes de fazer dois anos, em 27 de abril de 1874. Em muitas das lápides há escrituras em tipografia gótica, que remontam às histórias dos primeiros habitantes europeus da região. Nelas, encontram-se informações dos locais da Alemanha de


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onde vieram os colonizadores, frases que representam o cotidiano das pessoas na época e a memória que os falecidos deixaram aos seus entes. No túmulo de Katarina Bender, nascida no dia 30 de setembro de 1847 e falecida em 20 de janeiro de 1896, se lê em alemão: “Bem-aventurados são os que carregam sofrimentos, pois eles serão consolados. No apogeu da vida, nos anos floridos, eu fiquei doente e depois de longo tempo de enfermidade eu precisei, como mulher, mãe, nora e avó fiel, despedir-me dos meus queridos. Peço que Deus proteja minha querida família.” O atual estado de preservação do cemitério é resultado de um longo trabalho. Até a década de 1960, o local histórico estava jogado à sorte. Desde lá, alguns moradores demonstraram interesse em restaurá-lo e, em 1989, a Juventude de Alto Linha Santa Cruz (Jealisc) assumiu a administração da área. Até 2000, por conta da falta de tecnologia de restauração, não houve grandes avanços. Em 2010, o cemitério foi tombado pela Câmara de

Vereadores como patrimônio histórico. Em janeiro de 2015, a prefeitura e Jealisc conseguiram viabilizar cinco mil reais para o projeto de restauração e foi feita uma parceria entre a Comunidade Evangélica de Alto Linha Santa Cruz, a Secretaria Municipal de Educação e o Mosteiro da Santíssima Trindade para a reforma. A comunidade prontamente se dispôs a trabalhar e, na manhã do dia 25 de outubro, ele foi reinaugurado. “Algo inimaginável há 50 anos, pois existia uma divisão entre as comunidades luterana e evangélica. O que hoje foi superado” comemora o pastor. A reforma incluiu limpeza, reposição de terra em áreas afetadas, colocação de brita e todo um trabalho de jardinagem para criação de uma área comum para a comunidade – sem, é claro, danificar o estado físico dos túmulos. Na lida, muitas descobertas ocorreram. A última delas surgiu no dia 14 de novembro: durante a restauração os pedreiros encontraram mais duas lápides de duas crianças em meio a uma junção de pe-

dras. Segundo Elio, esta tem sido a tônica dos trabalhos de restauração. “Em cada mutirão nós fomos descobrindo novidades”. Entretanto, ainda há muita luta pela frente. Estão planejados trabalhos de paisagismo, roçada das lápides e construção de uma entrada que facilite o acesso dos visitantes ao local. Está em andamento uma pesquisa das identidades dos falecidos e de suas famílias para posterior catalogação e criação de um mapa do sítio. Além disso, está sendo feita a tradução dos escritos nas lápides. Tudo para fazer o resgate histórico destes pioneiros e, segundo o pastor Elio, colocar o Cemitério de Alto Linha Santa Cruz no mapa turístico do município em até um ano; afinal, ali encontram-se histórias que precisam ser contadas, pois o que ocorreu neste lugar faz parte da identidade da região.

Thiago Carlotto thiagohcarlotto@gmail.com Thiago Carlotto.

Thiago Carlotto.

Thiago Carlotto.


30 O Brasil tem oferta de craques de todos os tipos para dar e, como manda o figurino, exportar. O talento desses jovens ávidos por mostrar suas habilidades mundo afora pode render algo ainda mais valioso que dinheiro: conhecimento.

Um país onde futebol e estudo jogam juntos

Acervo pessoal.

Ser jogador de futebol e estudar no exterior: estes são os sonhos de muitos brasileiros. Júlia Kist, de 18 anos, está tendo a chance de realizar estes dois sonhos em uma só oportunidade. Foi através do esporte que conquistou uma bolsa de estudos na Indiana State University, nos Estados Unidos. Em julho deste ano, ela deixou a família e amigos na sua cidade natal, Vale do Sol – RS, e embarcou com destino a Terre Haute, Indiana, para se dedicar ao futebol e à graduação, na qual cursa Química e no ano que vem vai ingressar na engenharia automotiva. “Sempre joguei bola e gostei de estudar. O futebol é minha paixão desde os cinco anos, mas, jamais pensei que o esporte abriria portas como esta na minha vida.”

Estudar e praticar de forma séria um esporte nem sempre são tarefas simples de conciliar. Nos Estados Unidos, no entanto, é uma rotina comum e incentivada por universidades, que dão bolsas para atletas com boas notas frequentarem suas instituições e competirem por elas nas ligas esportivas acadêmicas no país. Em 2015, através de uma empresa que agencia estudantes/ atletas, oito gaúchos embarcaram para os EUA. Desde 2008, foram em torno de 25. Júlia teve conhecimento dessa oportunidade somente através de pesquisas. Iniciou realizando os processos exigidos pelas universidades: escreveu um e-mail para todas as instituições que havia interesse de estudar e encaminhou vídeos exibindo seus melhores lances jogan-

do futebol. Além disso, precisou realizar testes e provas de conhecimentos gerais e de proficiência em inglês. Também se cadastrou no site da Liga de Esporte Universitário, a National Collegiate Athletic Association (NCAA), para validar sua condição de atleta amadora, pois, apenas amadores podem aderir à bolsa universitária. Para manter a bolsa de 90% que conquistou, Júlia relata que deve sempre manter notas A ou B e não pode faltar aula. “Se uma jogadora faltar uma aula o time tem que pagar punição no treino do dia seguinte.” Jogando como volante, ela avalia o nível dos treinos como muito alto, com um jogo mais rápido e físico. Outra regra que todas as atletas devem seguir à risca é em relação com a disciplina e ao uso das redes sociais. “Todas as nossas redes sociais não podem ter nada relacionado à bebida, festas ou refeições não saudáveis. E os treinadores nos cobram muito isso”, diz. Sobre o futuro, Júlia diz que pretende jogar profissionalmente no exterior. “Vou à busca de mais esse sonho, mas, também penso em voltar para o Brasil e investir na

carreira de engenheira.” Diferente da vontade da jovem, muitos dos estudantes que cursam uma graduação com bolsa de atleta colhem frutos da experiência na área de estudo, não no esporte. Na maioria dos casos, o foco é na formação completa dos alunos. O jovem de Santa Maria, Bruno Militz, 24 anos, é exemplo disso. Também conseguiu a bolsa de estudos e reside em Boca Raton, na Florida, desde abril de 2015. Desde o início teve acompanhamento de uma agência que assessora estudantes brasileiros. Ele também acredita que a graduação nos EUA com certeza é um diferencial para o mercado de trabalho. Jogando como meiocampista na equipe de futebol da universidade, Bruno estuda atualmente na Lynn University, cursando Mestrado em Administração de Negócios (MBA) em Negócios Internacionais. Ele conta que desde pequeno é apaixonado por futebol. “Jogo desde os 10 anos, mas, nunca tentei nada profissional porque minha prioridade sempre foi o trabalho. O esporte era apenas uma diversão.” E o seu pensamen-


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Acervo pessoal.

aulas e nos treinos. Todos os atletas devem ser muito disciplinados e dedicados. Para os brasileiros que buscam uma bolsa de estudos, os estudantes indicam o site EducationUSA (educationusa.org.br), que é uma organização de universidades dos EUA que auxilia os jovens que almejam esse sonho. Na página tem informações gerais, sem custo, sobre o processo. to segue o mesmo: “Não vou querer dar seguimento na carreira futebolística não só pela minha idade, mas, pelo que o Business tem a me proporcionar. Quero seguir trabalhando nessa área que eu gosto muito e o futebol sempre vai ser um grande lazer e uma paixão”. Questionado se há diferença entre o nível técnico do futebol no Brasil e nos EUA, o estudante responde que tem muita diferença. “O futebol aqui é totalmente diferente, começando pela questão física que é um dos pontos que eles mais dão importância (jogadores fortes e com muito físico). Bem como o estilo de jogo é muito mais rápido.” Existem regras de horários para tudo, nas

Agência de atletas Para iniciar o processo é necessário colocar o estudo ao lado do futebol. Os dois separados é certeza de fracasso. Criar o hábito do estudo, leitura e ter um bom nível de inglês. Para aqueles que não acabaram o ensino médio, procurar terminar o último ano com média boa. Para quem já iniciou a faculdade, buscar os melhores resultados. O diretor regional no RS de uma agência de estudantes/atletas, Franki Mocellin, diz que a primeira coisa feita pelos selecionadores é uma seletiva esportiva, onde eles convidam aqueles com maior destaque a iniciar o processo de desenvolvi-

mento a fim de atingir os pré -requisitos exigidos pelas universidades. Com a entrada no programa, o candidato vai participar de palestras, estudar inglês, ter jogos filmados, viagens, showcases, ter assessoria 100% do tempo até o embarque. Quando o estudante/atleta atingir os pré-requisitos, ele estará pronto para ser apresentando às universidades e assim começa a etapa de negociação de bolsas. Aceitando a bolsa, inicia-se a parte burocrática de documentação. O treinador do time da universidade é quem avalia se o estudante/atleta deve receber de 20% a 100% de bolsa. Ele vai avaliar o desempenho acadêmico, notas nos testes de proficiência de inglês, e claro, vai querer saber se é um bom jogador. Para o diretor, que também vivenciou essa experiência de estudar e jogar nos EUA de 2007 a 2008, conseguir a bolsa não é impossível. “A chance existe. Basta querer e se dedicar”, finaliza.

Priscila Oliveira priscillatais@gmail.com


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BARREIRAS RECONSTRUÍDAS Os muros da Europa estão sendo reconstruídos. Arquitetados literalmente, psicologicamente e metaforicamente. E não apenas por conta dos ataques terroristas em Paris e da Crise de Refugiados. Na França, Áustria e Suécia, as fronteiras estão sendo controladas. Ninguém entra e nem sai sem um excessivo controle nas passagens. Na Hungria, há cercas com arames farpados. Na Bélgica, cortinas de ferro velho. No Museu do Louvre, na Torre Eiffel, no Palácio Longchamp, na Catedral Histórica de Frankfurt, no Coliseu de Roma e em todos os lugares da Europa, há paredes nos pensamentos. Uma mistura de argamassa psicológica e medos. Portas fechadas para quem

foge dos bombardeamentos, atentados com armas químicas e torturas. Muçulmanos confundidos diariamente com terroristas. É como se os braços cruzados dos militares e os equipamentos carregados de munição fossem capazes de impedir novos atos de terror e aniquilação. A liberdade de circulação no seio da União Europeia foi rompida. As pessoas vivem com receio. Temor. Preocupação. Aflição. Medo. A tentativa de buscar um novo lugar para viver está sendo interrompida pelo preconceito europeu. Os sentimentos assassinam inocentes que tentar chegar à terra prometida. Até a fada madrinha dos refugiados, a presidente Ângela Merkel, decidiu reconsi-

derar sua bondade. Ao invés do Muro de Berlim construído pela República Democrática Alemã durante a Guerra Fria, o governo alemão ergueu empecilhos legais para evitar que mais pessoas cheguem ao país. Em 1940, 60 milhões de pessoas deixaram seu lar em busca de abrigo. Atualmente, 54,2 milhões de refugiados vindos da Angola, República Dominicana do Congo, Colômbia, Líbano, Libéria, Iraque, Serra Leoa, Palestina, Senegal, Somália, Nigéria, Cuba e Bolívia lutam por proteção internacional, de acordo com os dados oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU). A Síria vive quase cinco anos de guerra civil. No Afeganistão são três décadas de

êxodo. A fome e os conflitos armados fazem as pessoas escaparem da Somália. Na Eritreia a ditadura é o motivo pela busca de uma segunda chance. A Europa livre e aberta, provavelmente, entrará para os livros de história. A Europa dá espaço ao racismo, a xenofobia e a intolerância religiosa. O continente conhecido por acabar com os tapumes, muros e cercas, reconstroem as barreiras da intolerância e afasta a paz entre povos.

Régis de Oliveira Júnior regisojr@gmail.com


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Um ato de coragem Pense rápido: qual o lugar menos provável em que um jovem de 26 anos pediria em casamento o namorado de 22? Em um restaurante, durante um jantar romântico? Em um passeio de final de semana? Num encontro de família? Ou antes de subirem no tablado principal do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart), onde era disputado um dos principais troféus do maior festival de arte amadora da América Latina? Pois foi justamente em um dos grandes redutos do gauchismo, no evento que fecha o calendário anual do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), que o bancário Diogo Coelho Moreira surpreendeu o bacharel em Direito Henrique Vargas Guimarães dos Santos. A pergunta – “quer casar comigo? –, direta e objetiva, como a ocasião exige, veio sem muito alarde. Os dois estavam pilchados, em meio a prendas e peões da invernada de danças da União Gaúcha Simões Lopes Neto, de Pelotas. Diogo e Henrique namo-

ram há dois anos e já usavam aliança de compromisso, aquelas de prata. Mas sempre que dançavam em um evento oficial optavam por tirá-las, em respeito às normas do MTG. Peões e prendas devem evitar o uso de anéis, colares e outros adereços que comprometam o visual, respeitando a tradição da pilcha. Alianças de noivado e casamento são permitidas e os dois fizeram questão de usá-las já naquela dança. Esta que, aliás, ajuda a contar a história deles. O noivado veio a público depois do Enart, quando Henrique fez uma postagem emocionada no aplicativo Instagram. O texto, com direito a declaração de amor e foto romântica, virou notícia e gerou polêmica. Diogo contou que escolheu o Encontro de Artes e Tradição para marcar o momento porque trata-se de algo especial para eles. Como pretendem parar de dançar – os dois já não fazem mais parte da invernada de danças da União Gaúcha Simões Lopes

Neto –, resolveram atrelar o noivado ao momento de despedida dos tablados. Eles dizem que foram discretos porque a ideia não era buscar exposição com a iniciativa. Era um noivado, como qualquer outro. Na prática, porém, a atitude de Diogo foi um ato político. Um grito. Um protesto contra o preconceito, embora ele garanta que não tenha sofrido esse problema. O casal diz que conquistou o respeito dos colegas de invernada e que, muitas vezes, o preconceito vem do medo que o casal gay tem de se expor. A história é repleta de exemplos parecidos. Em 1968, mulheres foram às ruas nos Estados Unidos protestar contra a ditadura da beleza. Embora tenha ficado conhecido como “A queima dos sutiãs”, nenhuma peça íntima foi destruída mas a simbologia foi suficiente para deixar o protesto marcado para sempre. Em 1979, ao protestar contra o machismo e outros preconceitos, Fernando Gabeira foi à praia, no Rio de

Janeiro, em plena Ditadura Militar, usando uma minúscula tanga de crochê que deu o que falar. Era um ato político, assim como pode ter sido, mesmo que de forma velada, o noivado de Diogo e Henrique em pleno Enart. Planejada ou não com esse propósito, a troca de alianças de dois peões pilchados em um importante evento tradicionalista vai ficar na história – de Santa Cruz do Sul, do tradicionalismo e da busca pelo fim do preconceito e da liberdade sexual plena. Com certeza a sociedade evoluiu um pouco na carona da história de Diego e Henrique, assim como aconteceu após “a queima de sutiãs” e a tanga de Gabeira. Que o noivado sirva de exemplo e seja lembrado como uma conquista, mesmo que atrasada.

Igor Müller igorhmuller@gmail.com


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EXPEDIENTE


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Unicom Medos para todos: audiodescrição é preparada por grupo de alunas A audiodescrição consiste na narração clara e objetiva de todas as informações presentes em determinado meio de comunicação. Ela permite a inclusão e a acessibilidade de pessoas com deficiência visual aos produtos culturais como peças teatrais, programas de televisão, cinema, livros, revistas, entre outros. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem no Brasil aproxi-

madamente 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual total e parcial. Por isso, nós, da turma de Produção em Mídia Impressa, decidimos disponibilizar algumas reportagens do jornal Unicom Medos, lançado em 03 de dezembro de 2015, no formato audiodescrição. A ideia é não fazer distinção entre as pessoas com deficiência visual e aquelas que enxergam. Queremos que todos pos-

sam aproveitar, igualmente, as histórias que contamos nesse jornal. Então, formamos um grupo de sete alunas para fazer a transformação dos textos em áudio. Para oferecer um completo entendimento aos ouvintes, procedemos da seguinte forma: iniciamos com a descrição da página e, em seguida, explicamos as ilustrações e fotos presentes. Depois, fizemos a leitura do

resumo, no alto da página, e apresentamos o repórter responsável pelo texto. Para a narrativa das reportagens, utilizamos vozes de colegas e amigos para dar vida aos personagens das matérias. A audiodescrição pode ser acessada no blog do Unicom (http://blogdounicom.blogspot.com.br/).

Texto: Priscila Kellermann Fotos: Equipe Unicom


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