Unicom Superação

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A tradição salva vidas Página 20

“Eu posso, eu consigo, eu vou fazer e eu vou vencer” Eva Welch e Ortenila Padilha encontraram na Aapecan o amparo necessário para ultrapassar as barreiras de um momento de fragilidade. Página 12

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SUMÁRIO

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“Eu posso, eu consigo, eu vou fazer e eu vou vencer” A tradição salva vidas Futebol e comunidade unidos pela superação

Os sinais da 04 superação

Graças a nossa 16 senhora do jornalismo

A independência 06 a partir do fim

Todo dia é uma 18 superação

Quando a vida 08 precisa de um

19 Foi o apoio da

recomeço longe de casa

minha família que me manteve de pé naquele momento”

Acolher, recuperar, 10 superar:

22 Muito além da

Metamorfose 14 silenciosa:

Torcedor solitário 24 chega à presidência

diferentes distâncias para um mesmo caminho

da dor da perda à resiliência

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superação

do clube e vence campeonato


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Superar, não subverter

á pouco mais de um ano, a palavra superar parece ter ganho outro sentido. Sob a mão afiada da realidade, conseguimos, a cada fim de tarde, ir além do número de mortes pela Covid-19 do dia anterior. Enquanto este texto é escrito, já são mais de 400 mil vidas perdidas para a doença no país. O que demonstra que, no que tange à superação do absurdo, nós, brasileiros, somos inegavelmente implacáveis. Mas, diante do nosso desempenho primitivo, enquanto nação, de subverter uma palavra carregada de esperança, é bem verdade que conhecer histórias que não ousaram sujeitar-se ao desalento serve de antídoto. O Unicom Superação foi feito de relatos de quem preferiu olhar nos olhos da dificuldade a contentar-se com o infortúnio. Testemunharemos a luta solitária de uma imigrante venezuelana por melhores condições de vida; o desafio de adaptar-se a uma cadeira de rodas; a coragem de transformar a dor de um término de relacionamento em profissão; a batalha silenciosa de quem convive com a depressão e a bulimia; a trajetória de um torcedor apaixonado que saiu das arquibancadas para fazer de seu time, em crise, campeão; a fé de quem transformou o luto em combustível para mudar de vida; a jornada de uma professora que transpôs a deficiência auditiva e, hoje, contribui para uma educação mais inclusiva; e a voz firme de um jovem que usa a internet para lutar contra o capacitismo. Vimos nas páginas do Unicom a oportunidade de inspirar, enquanto o mundo parece ter sido colocado à prova. Os fatos estão aí... Todavia, cabe a cada um de nós fazer as escolhas para que a jornada da vida seja de transformações e triunfos diários.

Boa leitura! 3


Integração Social

Os sinais da superação Trajetória de Karoline Kist evidencia como a educação inclusiva transforma vidas

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aroline sequer tinha aprendido a emendar letras, mas já sabia de “cor e salteado” o que significava ter alguma deficiência. Ela, que associada à surdez, sempre apresentou algum grau de dificuldade na comunicação oral, teve, justamente todo o seu ensino baseado nesse tipo de metodologia. Por mais que tivesse auxílio de professores e fonoaudiólogos, diversos foram os obstáculos a se enfrentar. “Eu tinha dificuldades de entender os significados das palavras e de formar frases. Como o método era o oralismo, os professores oralizavam e eu precisava focar na leitura labial, o que era difícil. Durante todo o meu ensino fundamental e médio não tive aulas com educadores de libras, nem intérprete”. A qualificação dos professores para o ensino de libras (Língua Brasileira de Sinais) é imprescindível para a aprendizagem dos alunos surdos. Aprovada em 2005, libras passou a ser uma disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores e de profissionais de fonoaudiologia. Karoline aprendeu libras quando, aos 14 anos, participou de um encontro de surdos, em Caxias do Sul, e, a partir disso, se aprimorou. “Libras é minha primeira língua. Tenho maior entendimento e compreensão através dela”.

Superando mais uma etapa Logo após se formar no ensino médio, não estava em seus planos fazer uma graduação, mas, com o incentivo dos seus pais, ela entrou na universidade. “Achava que seria mais difícil de enfrentar, mas decidi fazer. Então, quando fiz o vestibular coloquei como minha primeira língua libras e a

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segunda opção foi pela língua portuguesa, conforme a lei 10.436/2002, e passei”. Mas, Karoline é uma exceção quando se fala de alunos surdos na graduação. Uma pesquisa feita em conjunto com o Instituto Locomotiva e Semana da Acessibilidade Surda, em 2019, revelou que apenas 7% dos alunos surdos tem ensino superior completo. Isso evidencia que ela é quase “uma agulha no palheiro”. Além de ser formar em Administração, ela decidiu alçar novos voos. Durante 12 anos ela trabalhou no setor de Recursos Humanos, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e foi nesse período que se apaixonou pela docência em libras. “No meio do programa de capacitação, tive que fazer um acompanhamento de cursos de libras e foi a partir disso que comecei a ficar encantada pelo ensino de libras”. E não deu outra, Karoline pegou gosto e se aventurou ainda mais pelo mundo acadêmico. Ela ingressou no curso de Pedagogia, fez sua pós-graduação em libras e seu mestrado em educação. É nessa área que está desde então. Karoline é professora de libras para surdos e ouvintes na escola Nossa Senhora do Rosário. Luiz Ricardo Pinho de Moura, coordenador da 6° Coordenadoria Regional de Educação (CRE), fala que o educandário é um polo na área da deficiência auditiva, que oferece o ensino de libras a todas as modalidades. Segundo ele, há na


Libras é minha primeira língua. Tenho maior entendimento e compreensão através dela A vida como educadora

“Sou apaixonada no que faço, é algo que me inspira todos os dias”. Mas, a vida de professor não é essa romantização toda que pintam. Assim como outros educadores, ela também tem desafios a enfrentar. “O maior deles é com os alunos surdos, porque alguns têm deficiências

múltiplas. E é trabalhoso criar atividades diferenciadas, porém, é muito bom conviver com eles e aprender junto”. A história de vida de Karoline evidencia como troca de conhecimento é importante para alunos que apresentam alguma necessidade especial. Para a educadora, a escolha dessa profissão foi algo transformador. “Ser professora mudou minha vida e a visão que eu tenho com os alunos surdos. Estudei para poder ensinar e também para ter empatia com eles”. O coordenador da 6° CRE é outra voz que se soma a de Karoline, e reforça como a inclusão é necessária para a integração social. “Em relação a libras, temos que ter sensibilidade de perceber que em nossa sociedade têm pessoas que não têm capacidade de ouvir e de se expressar de forma habitual, e temos o dever de oferecer essa oportunidade a todos”.

Luana Figueiredo Barbosa E-mail: figueiredoluana75@gmail.com

Ilustração por: pch.vector/Freepik

escola hoje 16 alunos com deficiência auditiva, 13 que usam próteses auditivas e dois que são surdos e cegos.

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Autoconhecimento

A independência a partir do fim Términos de relacionamentos podem ser vistos como momentos de reconstrução interna, podendo até virar profissão

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ra uma tarde sem muito a produzir. Atividades da faculdade concluídas, hora de espiar o famoso aplicativo de relacionamentos, Tinder. Ana Beatriz Crozera deu alguns nãos, outros sins, até que em meio às reações positivas - também chamadas de match -, estava Bernardo*. A estudante de Psicologia logo notou que a conversa fluiu de maneira diferente. “Eu já tinha o Tinder fazia algum tempo, mas não topava sair com ninguém por insegurança, só que ele me cativou tanto que eu concordei”, confessa. Ele, que vivia em outra cidade, embarcou em um ônibus e foi até Jaú (SP), onde a estudante vive. Amor à primeira vista, pedido de namoro no primeiro encontro. A relação estava selada. “Foi muito rápido e intenso. Quando você vai dessa forma, não tem tempo para conhecer a pessoa, foi um turbilhão de sentimentos”. Os dias seguiram e o relacionamento também. Era tudo lindo, até que os conflitos começaram a surgir e alguns comportamentos passaram a gerar incômodo, tanto da parte dela, quanto do companheiro. “Tivemos momentos incríveis, mas passamos a brigar muito, ambos tinham muito ciúmes e isso foi causando crises de ansiedade em mim”. Nove meses depois, após passar o fim de semana na casa dele como de costume, o inevitável fim ocorreu. A decisão partiu dele, que um tempo depois se arrependeu, pedindo para voltar. O amor pelo namorado falou mais alto. Chance dada, no entanto, perdida em poucos dias por Bernardo*. “Percebi que ele estava mentindo para mim e vários alertas acenderam, lembrei de várias coisas ao longo da relação que me faziam mal”. Outros fatores corroboraram para a decisão ser tomada, tal qual o da família e dos amigos já não simpatizarem tanto com ele. Esse foi o momento em que ela percebeu o quanto tinha se perdido de si e se afastado das pessoas que amava. “Decidi que ia terminar, aguentar tudo e seguir em frente. Não tinha

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mais como continuar”. Ana Beatriz diz que um dos piores momentos foi a quebra de rotina que eles tiveram juntos. “Me sentia muito vazia quando não estava com ele, decidi que ia começar a testar novos hábitos para me reencontrar”. Quando questionada sobre como enxerga sua versão dentro e sua versão fora do namoro, afirma que a diferença é gritante. “Meu humor dependia da relação, se estávamos bem, eu também estava. Mas, se estávamos mal, ficava mau humorada. Tudo era ele”.

A mulher pode escolher estar em um relacionamento porque quer, não porque precisa Ela define a nova Ana Beatriz como uma mulher que está focada no que gosta, aproveitando mais seus amigos e familiares, e buscando amor próprio e autoestima, sem depender de outra pessoa para isso. “É uma mulher mais independente, ela e ela, sem a simbiose de estar com outra pessoa” finaliza. Para chegar nesse nível de consciência dois meses após o término, ela buscou auxílio psicológico para lidar melhor com a situação e com seus sentimentos. “Ao longo da relação fui me dando conta dos meus ciúmes e inseguranças ao ponto de pensar: ‘Caramba, não era para ser assim’, era muito tóxico da parte dos dois”. Sua rede de apoio foi essencial para se manter firme na sua decisão. “Todo dia falava para algum amigo sobre o término, a fim de não esquecer as razões pelas quais acabamos”, destaca. O


carinho recebido de todos foi determinante, principalmente de sua mãe. Além disso, outro suporte foram os conteúdos que consumiu de Gabriele Perobelli - mentora de relacionamentos que tem um perfil no Instagram com mais de 68 mil seguidores - e outras psicólogas que falam sobre términos de relacionamento.

Redes sociais como ferramenta de apoio

Hoje, com as redes sociais, produtores de conteúdo têm espaço para divulgar seu trabalho e conhecimento adquirido. Gabriele Perobelli, uma das apoiadoras de Ana no processo de superação, largou a carreira no mundo corporativo para se tornar terapeuta holística digital. Gabi, como é chamada pelos seus seguidores, conta que após um longo processo de terapias das mais diversas abordagens, coaching, retiros terapêuticos e livros, aprendeu a se relacionar melhor e conquistou seu relacionamento dos sonhos. “Foi então que vi que poderia me especializar nesta área, pois já tinha muita bagagem para ensinar a respeito”. A mentora aponta que o melhor conselho a dar após o término de uma relação é: “incentivar a pessoa a mergulhar em um profundo processo de autoconhecimento”, como o qual Ana Beatriz passou. “Finais de

ciclos como esses são verdadeiros convites para reinventarmos nossas vidas, de forma que elas possam ser ainda melhores”, destaca. Por fim, Gabi informa que o ponto mais importante de se lembrar, falando do processo feminino, é que ao se ter uma independência financeira e emocional (direitos conquistados graças ao movimento feminista) a mulher pode escolher estar em um relacionamento porque quer, não porque precisa, como era antigamente. Mas a pergunta de ouro é: existe receita para superar o fim de uma relação? Gabi diz que sim. No curso “Reconstrua o amor”, ela aborda os seguintes passos:

E a vida continua

Um rompimento de relacionamento é algo delicado, pessoal e único. Cada um lida ao seu modo, Ana encontrou o seu. E o coração dela, você se pergunta? Vai bem, colando pedacinho por pedacinho e formando uma nova pessoa, que busca cada vez mais se preencher de si. Uma nova paixão? Certamente, sim, mas por ela mesma. “Trabalho nas minhas questões para estar feliz, quando outro alguém aparecer, só irá somar, pois completa já sou”, encerra sorrindo, demonstrando todo o orgulho que sente. *Bernardo é um nome fictício para proteger a identidade do referenciado na matéria.

bianca schilling

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imigração

QUANDO A VIDA PRECISA DE UM RECOMEÇO LONGE DE CASA A história da imigrante que deixou para trás seu país natal e encontrou no sul do Brasil um lugar para viver e superar

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á situações que necessitam de uma superação “forçada”, que resultam em uma mudança total de vida. Esse é o caso de imigrantes que mudam de país em busca de melhores condições. Já no passado, foram os açorianos, alemães e italianos, que buscaram o sul do Brasil para transformar este território e um dia chamá-lo de seu. Agora, o fluxo migratório ganhou outra ‘cara”. São os vizinhos da América Latina que atravessam fronteiras para aqui começar uma outra história. Feche os olhos e imagine. Você mora no país em que nasceu, mas aos poucos percebe que ali não consegue evoluir. A comida falta nos armários, você perdeu o emprego, as contas acumulam. É hora de mudar. Vai para onde? Foi o que aconteceu com a venezuelana Yeisa Mariana Molina Vidal, de 45 anos. Ela é natural da cidade de Anzoategui, localizada no centro Sul da Venezuela, e mora em Venâncio Aires desde junho de 2020 com o esposo, também venezuelano, Manoel Antonio Perez Perdomo, 39 anos. Yeisa revela que o maior motivo que os trouxe para o município foram as oportunidades de emprego e os amigos que já estavam na cidade. Ela é formada em Administração e professora universitária. Ele, engenheiro de Sandra é a responsável pelo setor de acolhimento aos imigrantes em Venâncio Aires Foto: Cristiano Wilder

Telecomunicações. Apesar da formação, ganhavam pouco no país de origem, chegando a passar fome. Por isso, decidiram arriscar tudo em outro lugar. “O triste foi que, quando chegamos, o que encontramos não foi tudo isso que estavam prometendo”, confidencia. Antes de desembarcarem na chamada Capital do Chimarrão, o casal participou da Operação Acolhida, em Roraima, onde tiveram a oportunidade de fazer todos os documentos necessários para ficar no Brasil. No entanto, lá os venezuelanos também passaram dificuldades, ficaram uma semana nas ruas até conseguirem a documentação para seguir viagem. Eram muitos, aglomerados, buscando naquele lugar um pedaço de papel que significaria o recomeço. Era a esperança de, tão longe, encontrar o que deveria estar lá, na casa de onde não queriam ter saído. Depois, o casal trabalhou por alguns meses no município de Lavras do Sul, em uma fazenda de soja. Quando chegaram em Venâncio decidiram iniciar uma nova vida, mesmo não encontrando o posto de trabalho prometido. “Fomos muito bem atendidos pela Prefeitura, e todos nos ajudaram”, nota Yeisa. O primeiro desafio foi achar um lugar para morar e, com o auxílio de uma imobiliária, conseguiram alugar, sem fiador, o apartamento em que vivem hoje, no centro da cidade. Yeisa trabalha na Tabacos Marasca e também faz parte da equipe de limpeza das Farmácias São João. Seu marido trabalha nas safras da mesma fumageira.

Incentivo

Mesmo trabalhando em áreas que não são de suas formações, o casal agradece a oportunidade e a confiança recebidas. “Isso tem sido um estímulo para nós”, garante. Yeisa relata que todos os dias lembram da família que ficou na Venezuela e que querem dar melhores condições de vida para eles. A maior força que recebe no dia a dia, ela sustenta que é do marido. “Ele tem sido meu apoio desde que saímos de casa. É meu companheiro nessa aventura!”, destaca. O que o casal ainda busca é a validação dos diplomas no Brasil,

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crianças. “Aqui nunca sentimos preconceito, saímos, falamos com pessoas, nos divertimos, mas quando chegamos em casa, a saudade e a tristeza batem forte”, admite a venezuelana.

ACOLHIMENTO

Yeisa mostra com emoção a foto dos três filhos que ficaram na Venezuela Foto: Luana Schweikart

assim, poderão ter um trabalho melhor e ainda compartilhar os conhecimentos que possuem com outras pessoas, além de permitir uma maior estabilidade financeira e a realização do sonho de trazer a família para o Brasil.

Aqui nunca sentimos preconceito, saímos, falamos com pessoas, nos divertimos, mas quando chegamos em casa, a saudade [dos filhos] e a tristeza batem forte Para Yeisa, a maior superação ao se mudar de país, foi se adequar à nova língua para se comunicar com as outras pessoas. “Falando um idioma diferente e sem muito tempo para estudar e se adaptar, ficamos limitados em muitas das oportunidades de trabalho que foram surgindo, principalmente quando você sai do seu país em busca de um meio para sustentar a família e arcar com as despesas”, confessa. Outro empecilho enfrentado foi o clima do sul. A venezuelana se disse surpresa com as mudanças extremas de temperatura, pois no país de origem, o clima é mais estável.

“A saudade ainda não consigo superar”

O casal deixou na Venezuela os filhos Sebastian, 12 anos, Veronica, 17 anos, e Vanessa, 22 anos, além da mãe de Yeisa, que cuida das

Hoje, a Capital do Chimarrão acolhe em torno de 260 imigrantes, vindos da Venezuela, Haiti, Argentina, Colômbia e El Salvador. Essas pessoas viram no Brasil uma nova chance e tiveram que largar tudo para dar melhores condições à família, que, muitas vezes, fica no país natal. São professores universitários, engenheiros, enfermeiros e executivos que migraram para Venâncio Aires, mesmo não tendo as formações profissionais reconhecidas no Brasil, já que a maioria foi obrigada a deixar o diploma no país de origem. Em Venâncio Aires, a realidade não é diferente. Todos são assistidos pelo setor de acolhimento a imigrantes e refugiados da Secretaria Municipal de Habitação e Assistência Social. Conforme a responsável pelo departamento e assistente social Sandra Andreia Mendonça Soares, o setor, que existe há um ano, registrou em janeiro de 2021, uma média de pelo menos um novo imigrante por dia. Além de atendimentos básicos como saúde e educação, eles recebem acompanhamento de assistentes sociais, concessão de benefícios eventuais e ajuda para encaminhamento da documentação e regularização no município. Sandra avalia que ao chegarem, os imigrantes logo sinalizam a preocupação em terem todos os documentos, sobretudo, pela importância que isso tem numa recolocação no mercado de trabalho. Tem urgência, a bem da verdade, no envio de recursos para os familiares que ficaram no país de origem. “Venâncio Aires, para os imigrantes é considerada a porta de entrada para conseguirem melhores condições de vida”. A assistente social relata que muitos imigrantes contam que na Venezuela o salário mínimo chegava apenas para comprar em torno de 30 ovos, tamanha precariedade econômica e social que o país atravesssa. De acordo com a responsável pelo setor, a maior superação para eles acontece quando se sentem inseridos na cidade, compreendendo o idioma, com a documentação correta e, principalmente, com a carteira assinada.

luana schweikart

E-mail: luanatais2009@hotmail.com

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SAÚDE MENTAL

ACOLHER, RECUPERAR, SUPERAR: DIFERENTES DISTÂNCIAS PARA UM MESMO CAMINHO Ana Vitória Allessi e Clelia Rachor travam batalhas silenciosas contra problemas emocionais

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m busca da perfeição, Ana Vitória Allessi viu seus dias reduzidos à dimensão de uma cabine de banheiro escolar. No espaço compartilhado de um metro quadrado, a melhor amiga costumava lhe segurar os cabelos para que pudesse vomitar a dor de não aceitar o próprio corpo. “Era o que ela podia fazer por mim: mostrar que eu não estava sozinha”. O método compensatório – que começou em 2014, como uma válvula de escape para o nervosismo de uma estudante de apenas 12 anos – só foi ganhar nome quatro anos mais tarde quando, exausta, Ana decidiu buscar ajuda.

Ana Vitória Alessi contou com equipe multiprofissional para superar a bulimia Foto: Arquivo pessoal

A bulimia nervosa é um transtorno alimentar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), acomete cerca de 10% dos jovens brasileiros. O quadro psiquiátrico normalmente começa na adolescência, mas pode se estender até a fase adulta, caso não seja devidamente tratado. O plano terapêutico de Ana envolveu uma equipe multiprofissional. Uma psiquiatra, uma psicóloga e uma nutricionista acompanharam-na durante todo o processo de recuperação. Hoje, Ana é acadêmica de Nutrição da

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Universidade Federal das Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e se sente privilegiada em ter recebido tratamento particular. Aos 19 anos, a santa-cruzense acredita que, apesar da amplitude do SUS, o sistema público ainda não está preparado para lidar com problemas de saúde mental de forma bem-sucedida.

Realidade local

Em Santa Cruz do Sul, quem está em sofrimento psíquico e busca acompanhamento gratuito, é acolhido na Unidade Básica de Saúde (UBS), passa por uma triagem e, a partir disso, recebe um Plano Terapêutico Singular (PTS). O PTS vai depender das necessidades de cada paciente, mas normalmente consiste no tratamento com medicação e assistência periódica da própria equipe de profissionais do posto de saúde. Somente em quadros graves, como tentativas de suicídio, o paciente é encaminhado a um psiquiatra. Alzira Vaz da Silva é psicóloga há 35 anos e, desde 2020, atua no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II). O local é gerido pelo município e já chegou a realizar cinco mil atendimentos mensais. No entanto, não oferece auxílio psicológico para toda a população. Alzira explica que o CAPS II é um serviço público, mas só atende pessoas que estejam em crise ou ofereçam risco a si e ao próximo – como nos casos de depressão severa, psicoses e neuroses.

Coração ferido

Foi esse o cenário que Clelia Rachor encontrou em 2015, quando procurou o Centro. Naquele ano, Clelia, que estava em licença saúde pelo INSS, teve o benefício suspenso. Com fortes dores na coluna, sem trabalho e com muitas contas a pagar, viu-se no fundo do poço. Foi então que, amparada por uma amiga assistente social, decidiu recorrer ao CAPS II. A experiência, no entanto, lhe acionou gatilhos emocionais difíceis de digerir. “Eu voltava de lá com uma sensação ruim, via problemas que não eram meus. O meu era interior: o coração ferido”. Depois de ter sido atendida por um psiquiatra, seu tratamento consistia em rodas de conversa


com outros pacientes, os chamados grupos terapêuticos. “Naquele momento, eu não queria frequentar um ambiente repleto de problemas, eu só queria ser acolhida”, confidencia. Mesmo frustrada com a experiência no CAPS II, a aposentada estava ciente de que ainda precisava de ajuda. Sob orientação do próprio médico que a atendeu no serviço municipal, decidiu procurar o Sistema Integrado de Saúde (SIS), da Universidade de Santa Cruz do Sul. E foi ali, a poucas quadras da casa onde mora, no bairro Independência, que Clelia encontrou refúgio. Clelia passou a ser atendida por uma psicóloga, semanalmente, durante dois anos. Hoje, já se sente confortável em dividir as próprias dores e recebe apoio de um grupo gerido pela universidade. O SIS é um serviço multiprofissional gratuito, que beneficia centenas de pessoas que, como Clelia, buscam por um atendimento mais acolhedor e humanizado.

acolhimento e aceitação: parte fundamental do processo de recuperação

A necessidade de acolhimento, mesmo em histórias tão diferentes, é o fator comum nos relatos de Clelia e Ana Vitória. Ambas tiveram de olhar nos olhos de seus demônios internos – uma em frente ao espelho; a outra, diante da voracidade da vida. Gerações distantes e realidades distintas, mas o mesmo desejo de ser aceito e compreendido. A condição financeira de Ana simplificou o acesso a um acompanhamento psicoterapêutico de qualidade. Mesmo assim, o caminho percorrido pela estudante não foi, necessariamente, mais fácil. “Depois do diagnóstico e do tratamento, a maior dificuldade é aceitar que não existe cura e que vou ter que conviver com isso para o resto da minha vida, mesmo que esteja em remissão”. Para a psicóloga Angélica Wilke, o acolhimento e a aceitação são partes fundamentais do processo de recuperação. Acostumada a atender pacientes das redes pública e privada, a terapeuta esclarece: “No SUS, estamos muito mais apagando incêndios, do que trabalhando a saúde mental de base”. Especialista em terapia cognitiva comportamental e gestão de saúde pública, Angélica atua como psicóloga na Secretaria Municipal de Saúde de Sinimbu (RS). No município gaúcho com pouco mais de 10 mil habitantes, ela e outras duas profissionais fazem um trabalho de formiguinha quebrando tabus. “Hoje, nossa maior ocorrência é de estados

Clelia Rachor percorreu um penoso caminho até encontrar acolhimento para a depressão Foto: Carolina Appel

depressivos e de ansiedade – geralmente em função do excesso de trabalho e da resistência em buscar tratamento: as pessoas ainda veem o psicólogo como médico de louco”. Pelo menos uma vez por semana, a equipe de Angélica viaja mais de 60 km de chão batido para atender famílias que vivem no interior. “A gente entende que ao cuidar da qualidade de vida da comunidade desde a base, melhoramos sua saúde mental e reduzimos outros tipos de adoecimentos,” ressalta.

O anseio é sempre o mesmo: ser acolhido

Seja no consultório particular ou na rede pública, as motivações do sofrimento diferem, mas o anseio do paciente é sempre unânime: ser acolhido. "Demora até que a gente entenda que vencer não é nos curarmos, mas sim nos acolhermos", reforça Ana. E completa: "A superação está em acordar todos os dias, aceitando a si próprio". Da mesma forma, antes de buscar ajuda, tanto a distorção de imagem de Ana Vitória, quanto a depressão de Clelia cruzaram a rota da negação. Um caminho no qual as psicólogas Alzira e Angélica buscam resgatar o máximo de pessoas possível, dentro das condições que dispõem. Mas apesar da paixão e entusiasmo com que desempenham suas funções, Angélica é enfática na determinação do que é necessário para construir um atendimento eficaz. "Quanto maior a acolhida, o carinho da família e a compreensão, mais rápida será a mudança comportamental, até a cura e superação". E finaliza: "A saúde mental deve ser trabalhada junto à comunidade desde a base, construindo um sistema em rede, com estrutura adequada, profissionais suficientes e uma gestão pública que entenda sua importância na vida das pessoas".

Carolina Appel

E-mail: carolinagoa@gmail.com

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LUTA CONTRA O Câncer

“EU POSSO, EU CONSIGO, EU VOU FAZER E EU VOU VENCER” O apoio que gera esperança. Duas histórias e o impacto positivo do amparo no momento de fragilidade

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ão é novidade para ninguém que a luta contra o câncer é sempre muito difícil. Seja pelo abalo psicológico, pela debilidade física que o tratamento muitas vezes causa, ou até mesmo pelo desafio financeiro que a situação coloca aos pacientes. Os obstáculos são enormes para as pessoas que têm de enfrentar a doença. Esta é a história de Ortenila Dulce Padilha e Eva Machado Welch. Porém, no caso delas, a narrativa – que, sem dúvidas, já daria um filme, para ficar num clichê – ganhou cenas ainda mais dramáticas. Em 2006, Ortenila cuidava de seu pai, que estava com câncer, quando ela mesma teve o diagnóstico. Foi ele quem a motivou a não desistir do tratamento. E o empenho dele deu certo como instigador. Mas, infelizmente, eles não puderam comemorar juntos a vitória dela sobre a doença. Suas últimas energias, talvez inconscientemente, foram reservadas para a cura da filha. Em março de 2021, mais um desafio se apresentou para Ortenila. Ela contraiu o coronavírus e os sintomas evoluíram a ponto de ser necessária sua internação no hospital. A falta de ar exigiu o auxílio de um respirador. Foram nove dias de sufoco, literalmente, até que ela pudesse respirar sem o aparelho. Agora, já em casa, recupera sua capacidade pulmonar, fazendo fisioterapia. Eva Machado Welch detectou um câncer, em 2010. Enfrentou quimioterapia e radioterapia. Ela diz que, durante o tratamento, teve dor nos ossos, náuseas e ganhou muito peso. Foram meses de sofrimento, mas alcançou a cura. Porém, nove anos depois, em junho de 2019, o câncer voltou. Uma nova rodada de quimioterapia. “Dor nas pernas, muito

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desconforto no corpo inteiro”, descrevem a sensação durante o período em que os medicamentos percorriam suas veias, uma vez por semana. Agora, ainda faz uma sessão por mês, mas os efeitos colaterais são amenos. É provável que termine o tratamento em maio deste ano, devido à sua evolução positiva. Ortenila e Eva superam o desafio de enfrentar a doença com garra e dispõe do apoio da família, o que é muito importante para quem tem que passar por isso. Mas, nem

Manter um estilo de vida saudável; manterse ativo socialmente e com alguma ocupação; aceitar o seu processo; conhecer a sua doença e ter o apoio da família

sempre é possível ou suficiente. Portanto, buscar ajuda se torna necessário. E, para acolher aqueles que ainda acumulam algum tipo de vulnerabilidade social ou pessoal, existe desde 2005, uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que atende gratuitamente. É a Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan). Hoje já tem 14 sedes espalhadas pelo Rio Grande do Sul. Nessas unidades, essas pessoas são atendidas por psicólogos e assistentes sociais. Em Santa Cruz do Sul, a Aapecan dos Vales possui 60 colaboradores, entre funcionários e voluntários. Abrange toda a região do Vale do Rio Pardo, Taquari, Centro-Serra, Região


além do Outubro Rosa e Novembro Azul", relata. A divulgação consiste também em convidar a comunidade a conhecer o trabalho da instituição e, eventualmente, se tornar um colaborador, cuja renda depende de doações da comunidade. Coincidência ou não, o tema do mês de abril - quando fechamos essa reportagem é: “Superação Que Inspira”, que traz histórias de quem ainda está em tratamento ou que já venceu o câncer. A Aapecan presta um importante serviço à comunidade, acolhendo pessoas que estão passando por um dos maiores obstáculos de suas vidas. Mantém as pessoas cientes de sua situação, oferecendo apoio, amparo, aconselhamento e convívio com quem atravessa a mesma situação. Tudo isso, para muitos, resulta na superação dos desafios colocados pela doença. Ortenila e Eva são provas disso.

Eva posando para celebrar sua segunda vitória contra o câncer Foto: Arquivo pessoal

Carbonífera e a cidade de Cachoeira do Sul, atendendo mensalmente cerca de 550 pacientes - mais de 200 só de Santa Cruz do Sul - e possui 2009 cadastrados. Ao longo de sua existência, já passaram por lá 20 mil pacientes. A instituição disponibiliza hospedagem gratuita aos usuários cadastrados e acompanhante de segunda a sexta-feira, sala de convivência com TV e quatro alimentações diárias. A capacidade é para 20 pessoas. Além dos atendimentos já citados, conta com grupo de apoio, oferece oficina de artesanato, alfabetização, culinária, Reiki e brechó. Manter-se motivado durante o tratamento é muito importante. Para isso, algumas atividades podem ajudar. Grasiela Lopes, que é a psicóloga da Aapecan dos Vales, sugere: “manter um estilo de vida saudável; manterse ativo socialmente e com alguma ocupação; aceitar o seu processo; conhecer a sua doença e ter o apoio da família”. O trabalho da instituição é também muito focado na prevenção da doença. Segundo o Assessor de Imprensa da organização, Lusardo Ramos Júnior, desde 2018, a Aapecan reforçou suas campanhas de prevenção. “Vão muito

Ortelina venceu o câncer e a Covid-19 Foto: Arquivo pessoal

Pablo Vargas de Melo pablovargasdemelo@gmail.com

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FORÇA

Metamorfose silenciosa: da dor da perda à resiliência Bruna Eduarda Kussler perdeu os pais na adolescência e foi no espiritismo que encontrou respostas para transformar a dor em combustível e ir em busca dos seus sonhos

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jovem vera-cruzense Bruna Eduarda Kussler não lembra de sua reação ao deixar a sala em que concluiu o segundo dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e descobrir que seu pai, Sérgio Luiz Kussler, havia falecido em decorrência de um infarto. Ao ver as tias e sua melhor amiga da época, Bruna pensou que seu pai – que passou mal naquele domingo de manhã e foi levado ao hospital por uma de suas tias, pouco antes da garota sair de casa – havia sido submetido a um procedimento delicado. Não imaginava que fosse mais uma perda. Quando tinha 13 anos, Bruna perdeu a mãe, Silvane Valquíria Corrêa Soares, em decorrência de um câncer de colo de útero que, mais tarde, atingiu também outros órgãos. Por isso, aos 17 anos, apesar da presença dos familiares, da melhor amiga e de seu namorado, naquele dia 6 de novembro de 2016, sentiu-se sem ninguém. Enquanto Bruna se deslocava a Universidade de Santa Cruz do Sul - no fatídico dia da morte de seu pai - havia sido avisada que ele estava bem, porém cerca de 10 minutos depois, Kussler faleceu. “Ninguém quis me chamar e eu fiz a prova inteira com dor de cabeça. Alguma coisa me dizia que algo estava acontecendo. Era o dia da redação e foi uma tarde muito agonizante”, relembra, acerca

Jessel Adriano de Souza viveu o luto com a namorada e, juntos, amadureceram com a dor Foto: Arquivo pessoal.

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da sensação estranha que lhe deixou com o coração nas mãos. Diferente da namorada, Jessel Adriano de Souza - então com 18 anos e também prestando Enem - tinha guardado o celular na embalagem de plástico, mas não o desligou. Ao ver que a tela ligava com muita frequência, ficou preocupado e deu um jeito de, por baixo da classe, abrir o saquinho. Pegou o celular, colocou no bolso do moletom e pediu para ir ao banheiro. “Em cada rede social tinha umas 130 notificações avisando o que tinha acontecido. Voltei pra sala e pedi pra sair. Larguei minha prova em cima da mesa e não pensei duas vezes”, conta Souza.

A conversão da dor em força

Para Bruna, que hoje tem 21 anos, a perda do pai foi mais difícil. Em 2014, quando o estado de saúde de Silvane estava se complicando, a família se preparou. De acordo com a psicóloga Márcia Andréa Wink, pós-graduada em Luto, Cuidado e Morte, no caso de mortes repentinas, como a de Kussler, o luto é mais complicado. “Existe o choque diante do inesperado e a dificuldade de aceitar a realidade imposta quando a morte é repentina”, explica. Apesar da dor, Bruna não baixou a cabeça. “Era muito claro pra mim que tinha que lutar e conquistar as coisas por eles. Ainda mais agora!”, relata, decidida, a jovem que recebeu apoio de Souza e da família. Natural de Venâncio Aires, o namorado ficou até a quinta-feira seguinte ao sepultamento do sogro na casa dela para auxiliá-la e fortalecêla. Aproximadamente 40 dias depois, devido à frequência com que ia até Vera Cruz para ficar com Bruna, Souza pediu demissão da loja de roupas em que trabalhava e foi morar com ela. Viveram o luto juntos. Souza sabia que era porto seguro e nunca tratou a namorada como coitada. “Tentei fazer com que isso servisse de combustível para que ela buscasse as outras coisas”, afirma. Bruna também contou com a ajuda de sua tia Solange Helfer, 42 anos, a qual foi sua tutora legal e a ajudou com os trâmites judiciais,


entre os quais o recebimento da Pensão Por Morte. O amparo foi fundamental, mas Bruna também sempre quis participar de tudo e resolver as questões burocráticas. O auxílio recebido do governo a ajudou a se manter e pagar o curso Superior de Tecnologia em Estética e Cosmética, o qual concluiu em janeiro do ano passado. A escolha da profissão foi influenciada pelos pais. “Minha mãe sempre foi muito vaidosa e me ensinou desde cedo. Eu vivia ‘emperiquitada’”, lembra a estetacosmetóloga. Quando ainda cursava o Ensino Médio, Bruna já trabalhava a domicílio, maquiando as amigas e conhecidas. Seu pai também insistia que a área da estética “combinava” com ela. Atualmente, ela atende em uma clínica de estética e não se vê fazendo outra coisa. O casal acredita ter passado por um amadurecimento precoce, que lhes fez ampliar sua vivência. Nesse sentido, a psicóloga aponta que, dependendo dos recursos psíquicos, compreensão e suporte familiar para lidar com o fato, a perda pode ser uma oportunidade para que o adolescente cresça e desenvolva a resiliência, aprendendo cedo que não temos controle completo sobre nós mesmos e sobre o mundo. Durante o percurso até a superação da dor da perda, Bruna encontrou forças no espiritismo. Este compreende que a morte não é o fim de uma jornada, mas uma ponte capaz de fazer a transição da vida material para a espiritual, a qual considera ser a verdadeira vida.

O espiritismo como resposta A família de Bruna já frequentava centros espíritas quando sua mãe teve câncer e, ainda que com menor frequência, a jovem o faz até hoje. Lá, entendiam porque estavam passando por esta situação e encontravam conforto. Apesar de não se designar espírita, foi por meio dos ensinamentos da doutrina que a moça encontrou respostas e compreendeu que aquilo era parte do processo para que se tornasse um ser humano melhor. Segundo Itiana Kroetz, presidente da Sociedade Espírita Irmã Clara, de Vera Cruz, o espiritismo proporciona muitas explicações por meio do conceito da reencarnação. “Se considerarmos uma única existência, teríamos então um Deus parcial, que escolhe o melhor para um e deixa o outro na miséria. Este não é um Deus justo, bondoso e cheio de sabedoria. Deus sempre nos concede uma nova chance de recomeçar”, explica a respeito do porquê

Bruna com sua mãe Silvane Valquíria Corrêa Soares e seu pai Sérgio Luiz Kussler Foto: Arquivo pessoal

sofremos algumas perdas, as quais fazem parte de um caminho de evolução que precisamos trilhar para alcançar a perfeição espiritual. Assim, Bruna viu que precisava superar a dor para não dificultar o desencarne dos pais, tendo em vista que este já seria mais difícil devido ao fato deles a terem deixado sozinha e sofrerem por isso. “Sempre busquei ficar bem porque eu sabia que, em outro plano, que a gente imagina que exista, eles estavam me olhando e me querendo bem. Meu sofrimento era o sofrimento deles também”, diz, acreditando que os pais estão em outra dimensão, já que, conforme o espiritismo, a morte é apenas como uma troca de endereço. Nesse sentido, conforme Itiana, com a desencarnação de um ente querido, é normal que soframos. No entanto, esse sofrimento não deve ser um permanente estado de lamentação. “A separação é apenas física e momentânea, continuamos ligados por meio do pensamento e das orações”, esclarece. Além disso, segundo a espírita, a qualquer momento podemos direcionar palavras de carinho e afeto aos nossos amores que já se encontram no plano espiritual. O espiritismo contribui para a superação da dor da perda por compreender a partida daqueles que amamos como um até logo, e nunca como um adeus. Como largar uma veste velha – o corpo físico – e partir para uma região melhor. A roupagem física muda a cada reencarnação, de acordo com o que é preciso aprender para crescer espiritualmente. Assim, de acordo com a doutrina, os espíritos continuam existindo e podem se reencontrar.

Kimberly Lessing kimberlylessing@outlook.com

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DESAFIO

GRAÇAS A NOSSA SENHORA DO JORNALISMO As adversidades de contar histórias sem ser impactada por elas. Até que ponto um jornalista consegue se manter intacto às tragédias da humanidade?

A

vida é feita de escolhas. Uma frase curta, mas emblemática. Quando criança, nossas opções não são tão significativas, pois temos o apoio e suporte de nossos pais para tudo. Já na vida adulta, enveredamos pelos caminhos que mais nos interessam. Alguns anseiam pelos conhecimentos teóricos, outros pelos práticos. Juliana Motta, escolheu ouvir e contar as histórias dos outros. Decidiu ser jornalista. Diria ela, talvez, que o jornalismo a escolheu. Gaúcha, natural de Cachoeira do Sul, Juliana cursou Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ainda na faculdade, ingressou como estagiária no Grupo RBS. Depois de ter concluído o curso, foi contratada como “abelha” – cinegrafista e repórter – para a sucursal de Cachoeira do Sul. Durante esse período, Juliana passou por alguns dos momentos que ficaram registrados não só nas suas reportagens, mas também na memória. O primeiro deles foi a cobertura do conflito entre a Brigada Militar (BM) e integrantes do movimento sem-terra (MST) em São Gabriel, em 2007. “Estava tudo calmo e combinada a desocupação, mas, ‘do nada’, começou o confronto e eu fiquei entre a BM e o MST”, comenta. Essa foi a primeira reportagem da jornalista no Jornal da Globo. Não demorou muito para retornar à sede da emissora, em Santa Maria, dessa vez, como repórter. A sede por compartilhar notícia sempre fez parte da vida da cachoeirense. Tempos depois, outra situação em que teve que se expor para conseguir informar a população. O ano era 2009, em meio a pandemia da então conhecida gripe suína (H1N1). Depois disso, tiverem outras situações críticas, como a queda da ponte do Rio Jacuí e outros tantos momentos em que a jornalista sempre esteve alerta, com o objetivo de

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ser a porta voz das notícias. Se destacando cada vez mais pelo seu empenho na profissão, logo após esses episódios, uma nova possibilidade surgiu no caminho de Juliana, e ela assumiu a edição e apresentação do RBS Notícias de Santa Maria. Dar o furo (informações em primeira mão) é o sonho de todo jornalista. Porém, no dia 27 de janeiro de 2013, ela daria a notícia que mudaria não só a sua vida, como a de outros milhares de santa-marienses, gaúchos e brasileiros no geral. No início, titubeou, teve dificuldades de processar se aquilo, de fato, era “real” ou se ela ainda estava imersa num pesadelo. A fala, do outro lado da linha, protagonizada pelo coordenador interino da RBS, prognosticava que aqueles 20 corpos que, àquela altura já estavam sobre a calçada em frente à boate Kiss, eram de carne e osso. Em poucos minutos Juliana chegou no local, sem imaginar a proporção do acontecimento. Quanto mais próximo ela chegava, maior era seu entendimento sobre a situação. “No caminho até lá, via jovens sentados nas calçadas, chorando”. Em choque com a situação que visualizava, ela, que sempre foi muito organizada quando se tratava das questões profissionais, ficou sem rumo. “Olhei para a fachada destruída e o caminhão de corpos na frente da boate e não tinha ideia do que iria fazer”. Juliana gravou os primeiros materiais sem imaginar a real proporção do incêndio. Na medida em que ia entrevistando as pessoas, percebia que a contagem do número de mortes estava longe de terminar. Era uma matemática de dor, que se somava às 242 vítimas e se multiplicava no sofrimento de outras centenas de feridos, de familiares e de amigos. O município que está no coração do Rio Grande do Sul sangrava.


Juliana Motta como repórter, 2008

Despedida da RBS, 2015

Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal Foto: Arquivo pessoal

Foto: Arquivo pessoal

Cobertura da tragédia na Kiss, 2013

Defesa de qualificação da tese de doutorado, 2019

ADVERSIDADES Fazer a cobertura de uma tragédia é sempre difícil, ainda mais quando se é próximo daquelas pessoas. Aquela data, para Juliana, foi no piloto automático. Muito disso porque, em uma situação como essa, as informações devem ser apuradas a todo instante e até mesmo as autoridades não tinham algo concreto. Nesse caso, conforme a jornalista, só eram repassadas as informações que estavam confirmadas. “Ao longo do domingo, a própria polícia corrigiu duas ou três vezes o número de mortos. Essa característica da cobertura ao vivo exige ainda mais responsabilidade do jornalista”, pontua. Juliana só começou a ter proporção dos fatos conforme os dias foram passando. “Era muito sofrimento. E o jornalista sente tudo isso. Não tem como se descolar da realidade e não se envolver com tanta tristeza”, desabafa. Estava cada vez mais difícil conter as lágrimas. “Chegou um ponto que eu levava colírio na bolsa, para disfarçar o olho vermelho de choro”. Das muitas lembranças que têm daqueles dias sombrios, duas foram as mais fortes. “Lembro de duas cenas que me marcaram muito. Uma foi uma funcionária da boate que havia pedido para a filha trabalhar em seu lugar aquela noite e a menina acabou morrendo. A mãe desceu a rua da Kiss chorando, chamando o nome da filha e pedindo perdão. A outra cena foi na redação. Eu estava passando pela produção e vi a sonora de uma mãe sentada na calçada na frente da boate, que dizia: a minha filha queria estudar direitos humanos e morreu desse jeito”. Mesmo sabendo da importância da

isenção do jornalista, não se envolver estava cada vez mais difícil para Juliana. Por esse motivo, ela decidiu parar de assistir, naquele período, cases relacionados às vítimas. “Entendo que o jornalismo precisa mostrar que a tragédia não é um número, que são vidas perdidas, pessoas com pai, mãe, sonhos.... Mas eu não conseguiria ter o mínimo de estrutura emocional para trabalhar se continuasse vendo esse tipo de depoimento”.

superação diária Incidentes como o da boate Kiss deixam cicatrizes. Juliana pontua: “A gente precisa aprender a não ignorar o sofrimento, mas não podemos pegar aquilo para si”. Uma página em branco, novas possibilidades, outros caminhos. Viver é isso. Apesar de nem todos os momentos serem bons, há aqueles que nos farão rever, repensar e superar. Como diria Caio Fernando de Abreu, “nem todo ponto final indica fim da história, pode ser só o começo de um novo parágrafo”. E assim segue Juliana, se reconstruindo. Há algum tempo, a jornalista resolveu rever seu caminho e suas prioridades. “Passei a valorizar mais minha qualidade de vida. Fui fazer mestrado, agora estou terminando o doutorado. Estudo cobertura ao vivo de tragédias”. No mais, que a Nossa Senhora do Jornalismo nos acompanhe e projeta. E que nossa voz - por mais embargada que possa ficar às vezes - nunca seja calada.

paula schoepf

E-mail: paulaschoepf11@gmail.com

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crônica

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Todo dia é uma superação

Ilustração por: vectorjuice / Freepik

uma noite de sexta-feira, lá no início do mês de março, começamos a arquitetar este jornal-laboratório que você está lendo. Pelo Google Meet, na aula de Jornalismo Impresso III, conversávamos sobre o que é superação. Lá pelas tantas, veio à tona a questão das diferentes situações desafiadoras que o ser humano é capaz de vencer e uma colega resolveu contar sua história. Ela havia reprovado diversas vezes na prova prática do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) até conseguir dominar a ansiedade e conquistar a tão sonhada Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A partir do relato dela, outros colegas compartilharam suas experiências com o exame. Ao socializarmos nossas vulnerabilidades e vitórias, realizamos quase que um exercício de autoanálise, no qual constatamos que somos feitos daquilo que um dia tivemos que superar. É justamente por isso que estou te contando isso, querida leitora e querido leitor. Você já parou para pensar quantas coisas já superou? Pode ser uma enfermidade, um medo, uma perda... Há também aqueles pequenos problemas que resolvemos no cotidiano e sequer nos damos conta da importância disso. Superar é nocautear as dificuldades. É derrotar a dor e seguir em frente no caminho da vida. É ter perseverança, ser resiliente e acreditar. Mas, embora possamos encontrar diversas definições em dicionários e afins, a superação possui um significado próprio para cada um e ganhou ainda novos sentidos durante a pandemia de Covid-19. A crise sanitária e humanitária impôs um distanciamento nunca antes experimentado. Com ele, veio a insegurança, o sofrimento e a saudade - de alguém que a doença levou ou simplesmente da “normalidade” em que o mundo se encontrava até então. Entramos em uma luta sem tréguas para aprender a lidar com as mudanças e sobreviver. Declaramos guerra contra o vírus, bem como às desigualdades que ele acentuou. Nos reinventamos, já que passamos por metamorfoses que nos transformaram em versões melhores de nós mesmos. Se unirmos o que temos de mais positivo em prol do próximo e do planeta, formaremos um grande exército capaz de vencer todas as batalhas. Até lá, tenhamos em mente que cada pequeno avanço deve ser comemorado, afinal, a chance de continuarmos desfrutando do aqui e do agora por si só já é uma superação.

Kimberly Lessing

kimberlylessing@outlook.com

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Luta pela vida

“Foi o apoio da minha família que me manteve de pé” De tombos domésticos a 24 horas em cima de uma cama. A história da santa-cruzense que não perdeu a fé na vida

“P

és, para que te quero, se tenho asas para voar” é uma frase que define a vida de Sheila Maria Pranke. A santa-cruzense, de 37 anos, teve sua vida virada do avesso no dia 8 de agosto de 2019, assim como ocorreu com a autora da frase, artista plástica mexicana Frida Kahlo, que usou essas palavras para expressar que nenhuma limitação física pode ficar no caminho dos que sonham. A falta de movimentos na perna direita, que terminava em tombos domésticos, começou a comprometer a vida de Sheila. Ela passou a necessitar de ajuda e descobriu uma hérnia de disco. Quando consultou com o médico Leonardo Stumm, especialista em Ortopedia e Traumatologia, soube que seu quadro era avançado e demandava de um procedimento cirúrgico. A operação se estendeu por seis horas. Passaram-se dias e noites e nenhum sinal positivo de movimentos nas pernas. No dia 19 de agosto ganhou alta e começou a fisioterapia em casa, ainda sem sentir os membros inferiores. Tinha muitas dores ao tentar ficar sentada ou de lado na cama. Foi então que a pior notícia chegou: por conta de seu sobrepeso, teve infecção generalizada, que, por sua vez, gerou o aparecimento de uma escara - ferida na pele de pessoas que ficam durante muito tempo na mesma posição. No caso de Sheila, a lesão era no quadril e precisava de atendimento urgente para salvar a sua vida.

Do abandono à lição de vida Após 20 dias da recuperação dos procedimentos para tratar a escara, Sheila diz que foi o apoio da família que a manteve de pé naquele momento. Os psicólogos do Hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul, foram fundamentais para que ela mantivesse a cabeça sã e não perdesse a fé. Inclusive, foram eles que possibilitaram que ela reencontrasse seu cãozinho ainda no leito da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Dona de cinco cachorros, teve a difícil tarefa de escolher apenas um para vistála. “Optei pelo Oliver porque ele era o bebê. Foi um momento de pura emoção”, relembra. Abandonada pelo marido e acudida apenas

por sua mãe, Leoni Pranke, de 73 anos, foram 24 horas ao longo de um ano e meio deitada sobre uma cama. Descrita como alegre, cheia de vontade de viver, que gostava de sair para jantar e conversar com os amigos, Leoni nunca imaginou ver sua filha assim.

Sheila Pranke e o pet Oliver, que foi visitá-la no leito de UTI do hospital. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal.

Ainda hoje, Sheila precisa do auxílio dela em todas as tarefas diárias, até para tomar banho. Ao falar do marido, a santa-cruzense confessa que achou que ele iria aguentar a barra. “Não, essa doença serviu para eu perceber quem, realmente, estava comigo”. Com muita força e foco para aguentar a perda do companheiro de vida, Sheila não recuperou todos os movimentos nas pernas, mas continua com as sessões de fisioterapia. O que ela, definitivamente, não perdeu foi a força de vontade para voltar a andar. Com o auxílio de um guindaste, ela consegue levantar e sentar na cadeira de rodas, que é como se locomove. Sheila quer melhorar e voltar a andar para recompensar a mãe por toda a ajuda durante esse difícil período. Na memória, ela guarda o primeiro dia que sentou em frente a sua casa e pôde sentir o vento fresco no rosto, desde que se encontra nessa situação. “Eu estava em êxtase, foi tão legal ver meus vizinhos felizes pela minha superação até aqui”. Para Sheila, cada passo e limitação vencida é um motivo para continuar a viver.

Adriéli jordana wrasse E-mail: adrielijordana@gmail.com

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tradicionalismo

a tradição salva vidas

Depois de 15 cirurgias, Helena se traja de prenda e encanta a todos Foto: Divulgação

Adolescentes com dificuldades de locomoção superam seus limites através da cultura

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inte e uma cirurgias. Esse é o número de procedimentos somados que Helena Muller Toillier, de 14 anos, e Eduarda Gabrielli Foletto, de 13, já passaram em suas vidas. Além das muitas intervenções, ambas têm em comum o amor pela dança e a superação por meio dela. Mesmo em cadeira de rodas, elas dançam e encantam nas invernadas tradicionalistas de Vale Verde e Santa Cruz do Sul, respectivamente, há mais de cinco anos.

o começo de tudo

Helena nasceu em 27 de junho de 2006, em Porto Alegre, com mielomeningocele, hidrocefalia, pés tortos congênitos e bexiga neurogênica (falta de controle da bexiga) e com poucos minutos de vida já teve de passar pela primeira cirurgia na coluna. Ainda no terceiro mês de gestação, os pais Fernando Toillier e Glória Muller, descobriram uma má formação na criança. O médico que consultaram na época sugeriu o aborto, pois tudo seria mais difícil, mas eles não desistiram e levaram a gravidez adiante. Helena ficou 18 dias em uma incubadora pediátrica e, só após esse tempo, que o pai pôde pegar a filha no colo pela primeira vez. Ao longo dos seus 14 anos, Helena contabiliza 15 procedimentos cirúrgicos. O começo da história de Eduarda, nascida em 25 de julho de 2007, em Santa Cruz do Sul, é um pouco diferente. A mãe Sônia Foletto teve uma gravidez comum, até que sentiu dores aos sete meses, e o parto acabou sendo prematuro. Somente aos dois anos de idade é que foi constatada com paralisia cerebral, já que Duda - como é chamada - ainda não andava

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ou engatinhava nessa idade. Os médicos esperavam que a menina teria uma vida com um pouco mais de atraso no desenvolvimento escolar e no caminhar. Com 13 anos, Eduarda já teve de enfrentar seis cirurgias.

expectativas frustradas

Mostrando que é como um ponto fora da curva, Eduarda vai além da projeção dos médicos, que afirmavam que atividades como corrida e dança seriam, praticamente, impossíveis de realizar. “Os doutores não imaginavam que a Eduarda conseguiria fazer parte de uma invernada tradicionalista. No mínimo, ficaram surpresos ao saber”, confessa a mãe da prenda, Sônia. Ela diz que tudo foi por acaso. A história começa em 2018 quando a família de Eduarda foi em um jantar no

A Helena é a única no Estado que dança o ‘Chote de Duas Damas’ com cadeira de rodas com dois peões Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Rincão da Alegria, em Santa Cruz, na época em que integravam o Piquete de Tradições Gaúchas (PTG) Porteira de Santa Cruz (hoje desativado). “Por acaso vimos a apresentação da invernada mirim e a Eduarda gostou. Aí conversamos com os responsáveis para ela fazer parte e eles foram muito receptivos à ideia”, relembra Sônia. O professor Prego Lima diz que a maior dificuldade no início foi na adaptação e criação


de movimentos para a Duda poder participar, até porque ele nunca havia dado aula para uma aluna cadeirante. “Foi algo que envolveu muita criatividade. Com uma aluna como ela, estamos sempre aprendendo e exercitando a empatia. A Duda é essencial para o grupo, prova disso é que os colegas dizem que pode faltar qualquer prenda, menos ela”, relata. Um dos desafios nas apresentações é a falta de acessibilidade para chegar, tanto nas pistas de dança quanto nos locais em si. Após o nascimento de Helena, os médicos não sabiam se ela iria ouvir, falar, enxergar, caminhar e respirar sozinha. Cansados de uma rotina de consultas, os pais acharam que seria importante ela ter um lazer, algo que a deixasse feliz. “Como os meus tios trabalhavam na Escola Estadual de Ensino Médio Curupaiti e os primos faziam parte do grupo de danças, surgiu o convite e a vontade de dançar. E já faz cinco anos que eu disse ‘sim’ e estou na invernada”, descreve Helena. Foi, obviamente, um desafio para o professor do grupo, Jackson Franco. “Adaptamos um sistema diferente de ensaio para poder contribuir com o desempenho e o conhecimento dela. A Helena é uma aluna muito dedicada. Os colegas abraçaram a causa, bem como o grupo de pais apoia bastante a invernada”, revela. Segundo ele, foi sua primeira aluna com dificuldades especiais. “Ficamos felizes com o resultado, e hoje a Helena é a única no Estado que dança o ‘Chote de Duas Damas’ com cadeira de rodas com dois peões”, comemora o professor.

“ela é a prova viva da superação” Helena Muller Toillier e Eduarda Gabrielli Foletto provam com a dança que o impossível pode acontecer. A mãe de Duda, Sônia Foletto, tem as duas filhas na invernada. “A tradição proporcionou para nós um outro tipo de vida, com mais educação, felicidade e respeito. Até a cadeira especial para a dança foi adquirida por meio de campanhas da invernada”, lembra. Conforme Sônia, Eduarda se sente muito feliz e realizada em estar na invernada. “Com certeza a tradição salvou a vida dela”, reflete. A trajetória de Helena é uma superação não só dela, mas de todos a sua volta. Inclusive, o médico que orientou o casal a fazer o aborto no início da gestação conheceu-na quando tinha dois anos, em 2008, e disse que ela era a prova viva de que existe uma força superior, um Deus que não dorme. “Ela entrou no consultório caminhando com o auxílio de um andador ortopédico”, recorda, emocionada, Glória, mãe de Helena. A superação por meio da arte, da tradição gaúcha em específico, é algo que representa a quebra de um pensamento limitante. Além disso, traz uma sensação de independência, de dever cumprido e de objetivo alcançado. Dançar pode não significar muita coisa para quem não sofre de nenhum problema físico ou mental que limita os movimentos, mas para quem sofre é, sem dúvida nenhuma, uma conquista indescritível.

Eduarda tem 13 anos e mesmo com dificuldades de locomoção dança em invernada Foto: Divulgação

guilherme ubatuba E-mail: guilhermeubatubateixeira@gmail.com

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desafio

Muito além da superação

Jovem santa-cruzense é voz firme na internet no combate ao preconceito

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ssa é a história de um grande craque. Embora ele não tenha nascido na Argentina e vencido uma Copa do Mundo, o roteiro da vida de Diego Armando se aproxima muito do Diego Armando portenho. Por sinal, o futebol atravessa a existência de ambos. Diego Armando Müller nasceu em 1995, em Santa Cruz do Sul. Veio ao mundo prematuro, quando a mãe ainda estava no oitavo mês de gestação. Por conta disso e de algumas complicações, teve uma lesão no cérebro, na parte responsável pela coordenação motora de seus movimentos. Sua locomoção depende do auxílio de muletas, andador ou cadeira de rodas. Na infância, Diego frequentou escolas regulares. Embora os educandários tivessem autonomia para sugerir outras instituições, como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), por exemplo, ele sempre esteve disposto a ter aulas em colégios regulares, pois não se via diferente. “Isso que eu uso (cadeira de rodas) é uma característica de quem eu sou, e não vai me definir”, comenta. Apenas em 2010, as escolas passaram a ser obrigadas a aceitar pessoas com deficiência nas turmas. Em 2020, o governo federal tentou implementar a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), que consistia em incentivar a criação de escolas específicas para pessoas com deficiência (PCDs). A proposta não passou no Superior Tribunal Federal e esse fato foi comemorado pelos especialistas, já que a medida teria como resultado uma atitude excludente. Em 25 anos de vida, Diego passou por 23 cirurgias. Esses procedimentos dificultavam seu desempenho escolar, já que precisava se ausentar para períodos de operação e recuperação. As intervenções constantes eram realizadas para corrigir o mau crescimento das pernas, que cresciam em forma de “X”.

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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem aproximadamente 45 milhões de pessoas com deficiência. Esse número corresponde a mais de 20% da população, e apenas 1% ocupa o mercado de trabalho. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

Superar é não colocar um ponto final após uma decepção ou fracasso. É, ao final do dia, colocar uma vírgula e buscar uma outra alternativa ou caminho no dia seguinte A representatividade de cidadãos nessa condição na televisão (filmes, séries, desenhos, etc) é uma crítica de Diego. Ele acredita que as PCDs deveriam aparecer com mais frequência, até para que a sociedade compreenda que as deficiências que caracterizam a sigla são bem menos significativas do que a falta de empatia e igualdade. E sobre o capacitismo, é importante conhecermos sua definição. De forma resumida, uma atitude preconceituosa e discriminatória que vê a pessoa com deficiência inapta para o trabalho e incapaz de cuidar da própria vida. Ou seja, há um “coitadismo enraizado” na sociedade, que mostra um preconceito que geralmente é silencioso contra as PCDs. Na luta contra o capacitismo, Diego tem uma participação muito firme em suas redes sociais. Fala com frequência sobre o assunto, faz críticas e alerta sobre esse tema, especialmente sobre as terminologias erradas que as pessoas usam.


outra alternativa ou caminho no dia seguinte. Não te dar por vencido. Coloque vírgulas e não pontos finais em tuas histórias ou adversidades que encara na vida. E, querendo ou não, sempre que você superar algo, você vai servir de referência para alguém”. Quando perguntam: "qual Diego?", a resposta pode ser "aquele Diego, o Diego Armando Müller, que assim como o craque argentino Maradona, é fera na arte de driblar, que é um vencedor na vida profissional, que liga os refletores para a consciência sobre o tratamento capacitista, produz conteúdo na internet e estuda”. O jovem carrega o lema Never Give Up, que em português siginifica nunca desista, na camiseta Foto: Arquivo pessoal

Diego, desde sempre, um apaixonado pelo futebol Foto: Arquivo pessoal

Ele é um dos responsáveis pela criação de conteúdo do perfil “Realidade Acessível”, no Instagram, que busca fazer um mapeamento da região para as pessoas com deficiência. Criam redes de apoio, indicam profissionais que atendem PCDs, como dentistas, arquitetos... Diego desde sempre é muito fã de futebol. Em suas redes, faz posts diários comentando sobre um de seus amores, o Grêmio. Em 2002, ainda pequeno, via em Ronaldo Fenômeno um modelo de superação, pois todos diziam que ele não conseguiria voltar a jogar pela sequência grave de lesões. Ronaldo não só voltou a jogar, como fez dois gols em Yokohama, na final da Copa de 2002. Era o futebol demonstrando que as adversidades estavam aí para serem superadas. Engana-se quem pensa que a história de superação do Diego pode ser resumida à questão da deficiência. Conforme ele mesmo define, superar é “não colocar um ponto final após uma decepção ou fracasso. Superação é, ao final do dia, colocar uma vírgula e buscar uma

Nícolas Vinícius da Silva E-mail: nicolasvsilva@gmail.com

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Torcedor solitário chega à presidência do clube e vence campeonato Oito anos depois de ser o único torcedor no estádio, Tiago virou dirigente e até taça ganhou com o clube do coração

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abe aquele ditado “se for um sonho, não me acorde”? Parece algo utópico, que não pode ser alcançado, somente imaginado, o que é muito comum no dia a dia das pessoas. No esporte, não é diferente. Aliás, a sede de conquista é ainda maior. Torcedores e integrantes de clubes, assim como o time dentro de campo, fazem de tudo para chegar a uma grande façanha. Mas, e se você tivesse a chance de “vestir a camisa”, de fazer história? Quanto tempo aguardaria e o que estaria disposto a fazer para ajudar o seu clube? Essas são perguntas que ultrapassam uma simples resposta. Elas mexem com sentimentos, paixões que vão além do que se idealiza. Um exemplo disso é o jornalista e presidente do Futebol Clube Santa Cruz, Tiago Rech. Após vivenciar por anos - como torcedor fiel - uma realidade difícil de time do interior do Rio Grande do Sul, ele foi reconhecido e teve a oportunidade de fazer mais. Chegou à presidência da agremiação e contribuiu para que, em uma partida, realizada em dezembro de 2020, pela Copa Federação Gaúcha de Futebol (também chamada de Copinha), o Galo, como é carinhosamente conhecido, vencesse o São José, em Porto Alegre, e levantasse a taça Ibsen Pinheiro. Foi o primeiro título estadual em 107 anos de história. O amor pela associação é quase uma herança genética, passada de geração em geração. “Essa minha paixão vem desde criança, sempre frequentei o Estádio dos Plátanos. Quando adolescente não perdia um jogo”. Foi com esse sentimento que o jornalista eternizou um dos episódios mais marcantes da

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vida: o único torcedor presente na arquibancada em uma partida contra o Grêmio, pela Taça Piratini, do Gauchão de 2012. A imagem - que viralizou naquela circunstância - voltou à tona nas redes sociais após a caminhada brilhante do Galo na Copinha. “Como eu morava em Porto Alegre, eu não perdia nenhum jogo contra a dupla Gre-Nal. Era um sábado à noite, saí do jornal e fui direto para o Estádio Olímpico. Chegando lá, perguntei para o pessoal da bilheteria, de visitante, se havia mais torcedores, e eles disseram que não. Fiquei sozinho, nunca imaginei que isso poderia acontecer”, relembra. Mesmo vendo a derrota da equipe, o jornalista e torcedor solitário decidiu trabalhar fora das quatros linhas, pois nutria uma vontade de ver seu time brigando na ponta de cima da tabela. Aos poucos, ele foi ganhando espaço. O primeiro contato dentro da entidade foi como assessor de imprensa em 2013. Nesse período, o clube havia sido rebaixado para a segunda divisão. No ano seguinte, apresentou aos conselheiros um projeto, no qual sugeriu a participação do Galo na Copinha. O aceite da proposta veio com uma grande surpresa: o convite para se tornar presidente do clube. A resposta foi tão espontânea quanto o sorriso de uma criança - aquela mesma, que ia ao Estádio dos Plátanos -: Sim! O torcedor solitário se tornava presidente e assumia o desafio de administrar a falta de recursos e situação financeira crítica. “A credibilidade do clube estava cada vez pior, dificuldade de conseguir patrocínio e apoio da comunidade. Foi bem difícil. Foi a primeira vez na vida que eu precisei entrar dentro do vestiário e falar para os jogadores que eu não

Foto: Reprodução/Facebook

sonho acordado


ia ter como pagar eles na data prevista. Tive que fazer empréstimo pessoal, recorrer a familiares para poder ajudar o clube. Em 2015, com o pensamento de que nunca mais iria ser presidente, eu saí e voltei a morar em Porto Alegre”, confessa. Mesmo deixando o cargo, nunca parou de torcer e acreditar naquele que faz seu coração pulsar desde os primeiros anos de vida. Em 2018, com o Santa Cruz na terceira divisão, surgiu uma nova oportunidade de voltar. O plantel foi montado com poucos recursos e formado por um grupo jovem de atletas, quase todos oriundos da cidade. A ideia deu certo. A torcida empolgou-se e passou a comparecer em peso no estádio. “Chegamos até as quartas de final, foi um jogo que teve muito público, com isso conseguimos fazer renda. Entrou dinheiro, conseguimos pagar todas as dívidas e chegar em uma situação muito boa financeiramente”, avaliou.

O Santa Cruz é a minha vida, é a minha razão de viver, é pelo clube que eu me dedico horas, dias, tempo e dinheiro. É pelo clube que eu vivo A temporada de 2020 chegou com um sentimento de esperança. Com parte das dificuldades vencidas, o clube conseguiu montar uma equipe competitiva. Em dezembro desse mesmo ano, a realização do sonho de Tiago Rech, já desde criança, se materializou. No dia 22 de dezembro de 2020 o Futebol Clube Santa Cruz foi campeão. A primeira partida terminou com placar de 3x1 para o Santa Cruz, no Estádio dos Plátanos, mesmo escore que foi devolvido na capital. A disputa foi para os pênaltis e o resultado... Bem, esse a gente já sabe! “A sensação é de muita alegria, foi uma trajetória que deu muito certo. O Santa Cruz é a minha vida, é a minha razão de viver, é pelo clube que eu me dedico horas, dias, tempo e dinheiro. É pelo clube que eu vivo”, enfatiza.

Após o sufoco passado pelas cobranças de pênaltis, no Estádio Francisco Novelletto, Tiago não esconde o sorriso e a satisfação pela conquista Foto: Reprodução/Facebook

Essa história com final feliz conta com vários colaboradores. Um deles é William Campos, técnico do time. Na beira do campo, com a missão de sempre estar motivando os jogadores, ele foi umas das peças fundamentais para que tudo isso se tornasse real. Segundo o treinador, passar confiança ao grupo é um dos fatores determinantes. “Ver o clube se reestruturando novamente, o torcedor feliz, nos motiva ainda mais a alçar voos mais altos”, ressalta. Do goleiro ao atacante, do roupeiro ao presidente, juntos superaram as adversidades do mundo da bola. A caminhada não foi fácil, vários impedimentos foram encontrados pelo caminho, assim como no momento em que o bandeirinha levanta a mão, na beira do campo, para anular um gol. Porém, nem o apito final do juiz é capaz de despertar Tiago do sonho de vencer ainda mais. Não dá mesmo para duvidar de um torcedor apaixonado.

Kássia machado

E-mail:kassiamachado03@gmail.com

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inspiração

futebol e comunidade unidos pela superação Elis Regina Grenzel encontrou no seu clube do coração um time inteiro de solidariedade

Elis teve a torcida do Guarani como uma das aliadas para vencer os desafios e se reintegrar à comunidade Foto: Rosana Wessling

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amília. Certamente, uma palavra que faz muito sentido na vida de Elis Regina Grenzel. Até porque, a santa-cruzense, de 34 anos, tem como base não só aquela tradicional, mas também, uma família “fora dos padrões”, constituída por pessoas de uma comunidade que compartilham do mesmo sentimento que ela: o amor pelo futebol amador. Mas, principalmente, pelo clube do coração, a Associação Esportiva e Cultural Guarani de São Martinho, o qual a mãe preside, o pai era atleta e agora o tesoureiro e ela, secretária. Essa paixão, inclusive, vem de berço e foi um dos elementos para que Elis encontrasse forças para seguir em frente e superar as barreiras que a vida lhe impôs. Em outubro de 2014, sofreu um acidente de trânsito que lhe deixou sem os movimentos das pernas. Sua última lembrança naquele dia, foi quando passou em frente à Igreja São Sebastião Mártir de Linha Santa Cruz, bairro onde reside. Coincidência ou não, a passagem pode ter sido um sinal de Deus. Um apito final do juiz

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sinalizando que, a partir de então, ela passaria para uma nova fase no campeonato da vida. “Acordei às 16h na UTI do hospital, sem nenhum arranhão, mas não sentia mais nada da cintura para baixo. Me desesperei. Quando olhei para o lado e vi minha mãe chorando, logo percebi que havia algo errado”, relembra. Ao longo dos 30 dias hospitalizada, a santa-cruzense passou por três cirurgias e a colocação de pinos nas pernas - para conseguir estabilizar a fratura -, até que pudesse voltar para casa. Aliás, a partir de então, se iniciava um novo desafio na vida de Elis: a acessibilidade. Como ela e o marido Emerson – que se conheceram através do Guarani, onde ele atuava como jogador – haviam comprado a casa recentemente para morar com o filho Leonardo e, por lá, não havia possibilidade dela ficar sozinha, a alternativa foi voltar a morar com os pais Marlise e Cláudio e a irmã, Anna. E assim, como um time dentro das quatro linhas, a família uniu forças e foi suporte para reerguer a integrante da equipe. Presidente do clube, Marlise se transformou em uma


Na cadeira de rodas, Elis ajuda nas atividades do clube durante os jogos Foto: Arquivo pessoal

espécie de técnica: “Minha mãe se tornou uma enfermeira e não me deixava faltar nada. Eu acordava, lia o jornal, fazia cruzadinha, comia e assim por diante. Virei um balão (risos). Mas eu sei que era para o meu bem”, recorda Elis. Após um período de dois anos e com a casa já adaptada, ela, Emerson e o filho Leonardo, puderam retornar para o lugar onde residiam.

Comecei a me sentir especial porque, as pessoas e, principalmente, as que o futebol me trouxe, me reergueram quando eu mais precisava da adversidade à motivação E se dentro de casa Elis contava com um time que unia forças para recuperá-la, fora dela, uma torcida cheia de amor e esperança – o mesmo sentimento que alimentamos quando nosso time está em uma final de campeonato e precisando de um gol – aguardava a santa-cruzense para abraçá-la novamente e reintegrá-la à sociedade. Para marcar esse gol, a comunidade vestiu a camisa e realizou melhorias e mudanças na estrutura do Guarani, como a colocação de rampas, promovendo algo muito maior naquele clube

de beira de estrada de chão, nos altos morros do interior de Santa Cruz: a acessibilidade. O feito ajudou não só Elis, que pode voltar a ver os jogos, ajudar na cozinha – como sempre fazia – e torcer mais perto do campo, mas também permitiu com que outras pessoas, como Wellington, de 13 anos, morador da localidade, a terem no esporte uma das bases mais importantes para superar as dificuldades impostas pela cadeira de rodas. Tudo isso, reforça a afirmação de Elis: “minha mãe sempre amou o futebol e fez do Guarani, com a ajuda de muitas mãos, um grande clube”. Feitos como esses são dignos de um “gol de placa”. Hoje, mesmo com limitações, Elis leva uma vida normal. Cuida da casa, do filho e do marido, além do cachorro chow chow Taison, fiel companheiro. No coração, a torcedora carrega uma grande saudade. Dos finais de semana de agito, daquela comunidade empenhada em fazer o melhor – desde a cerveja gelada até o cachorro quente -, dos jogadores vestindo o uniforme preto e vermelho e, motivados pela torcida, entrando em campo para a disputa do onze contra onze com uma vontade enorme de vencer. Assim como ela. “Gosto de poder dizer que sou uma cadeirante e todos os dias busco uma nova forma para me sentir viva, não deixando para amanhã o que posso fazer hoje. Comecei a me sentir especial porque, as pessoas e, principalmente, as que o futebol me trouxe, me reergueram quando eu mais precisava. Por isso, reafirmo: o Guarani é a minha família”.

milena bender

milenaluizab27@gmail.com

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Agradecimento

aos que fizeram essa edição acontecer:

Adrieli Jordana Wrasse Diagramação

Bianca Schilling Diagramação

Carolina Appel Edição

Guilherme Ubatuba Revisão

Kássia Machado Pereira Diagramação

Kimberly Lessing Edição

Luana Barbosa Revisão

Luana Schweikart Diagramação

Milena Bender Edição

Nícolas Vinícius da Silva Diagramação

Pablo Vargas de Melo Produtos audiovisuais

Paula Schoepf Revisão

Patrícia Regina Schuster Coordenação da disciplina Jornalismo Impresso III

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