EXPO'98 Extracto do livro 25 anos a fabricar sonhos

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Levei a Raquel e a Carla para cima de uma ponte velha, esburacada, suspensa a muitos metros de altura. Enquanto eu media a luz e procurava os melhores enquadramentos, elas diziam, cheiinhas de medo: “Oh Leão, despacha-te!” PL

#37Memoriar 2 Johnny no Saloon SAM - Whisky?

JOHNNY - Whisky! Onde está a Vienna? SAM - Quem quer falar com ela? JOHNNY - O meu nome é Johnny... Guitar. TOM - E depois?

estreia

22 de Maio EXPO’ 98 Lisboa integrado na “Peregrinação” Evento Regular Diurno da EXPO’ 98 o desfile diário da Exposição 22 de Maio a 30 de Setembro

direcção artística José Rui Martins

JOHNNY - Tenho um encontro com ela. TOM - A Vienna está ocupada. JOHNNY - Estão-me cantando as tripas... SAM - Tom, leva-o para a cozinha. TOM - É muito homem o que levas nessas botas forasteiro.

Por aqui! (Sam fecha caminho a Johnny com o balcão.) SAM - Não pagou o Whisky. JOHNNY - Calma amigo. Isto, ainda agora começou. (Sam roda balcão)

3 Vienna

(Entra Vienna que sobe escadaria. Sam aproxima balcão.) SAM - É um tal de Johnny Guitar. VIENNA - Eu falo com ele mais tarde. Sam, põe uma lanterna

lá fora. SAM - Para quê? Com este tempo não vem ninguém. VIENNA - Mas, se vierem, como hão-de dar com a casa? (Sam pega no balcão e prepara-se para sair.) SAM - Mas o raio... VIENNA - Sam, é a lanterna, e não o bar! (Sam sai com lanterna e Vienna desce escadas para junto do balcão. Serve-se. Repara em Eddie.) VIENNA - Eddie, esse jornal é do mês passado. Quantas

vezes precisas de lê-lo? EDDIE - Gosto de saber o que vai pelo mundo. VIENNA - Põe a roleta a funcionar. EDDIE - Para quê? Não há clientes. VIENNA - Gosto de ouvi-la rodar. (Eddie liga a ventoinha até saída de Vienna do espaço. Avança para público, sussurrando.) EDDIE - Nunca vi uma mulher que se parecesse tanto com

um homem (...) excerto do texto “Cowboio”

direcção plástica José Tavares

direcção técnica Luís Viegas Fernando Ribeiro

assistência mecânica Manuel Matos Silva

estudos e engenharia António Cruz

escultura e mecanismos Nico Nubiola

idealização e desenho das máquinas sonoras e instrumentos Psicofónica de Conxo: Carlos Santiago Fran Perez Pepe Sendón Xavier Olite

“ciclista” assumiu-se como o projecto de fundo mais arrojado, em termos de criação cenográfica. O convite da EXPO’98 para a concepção de uma máquina de peregrinar constituiu um desafio que exigiu um salto qualitativo no fortalecimento de equipas técnicas e artísticas, de infra-estruturas de apoio e no estudo aprofundado de áreas de especialização que exigiam um conhecimento mais aprofundado. O convite formulado vem ainda reafirmar o trabalho até aí desenvolvido pelo grupo na área de cenografia e, mais especificamente, nas máquinas de cena concebidas para os espectáculos.

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O

composição musical, tratamento fonético e invenção do “fonakam” Psicofónica de Conxo

dramaturgia e recolha do dialecto de Molelos José Rui Martins

elenco

Carla Alves Carlos Santiago Catarina Estrela Fran Perez João Nuno João Sebastião Lavínia Moreira Melânia Silveira Nuno Leite Osga Patrícia Pina Paula Pinto Pepe Sendón Xavier Olite

estrutura serralharia

António Antunes (Iberfer)

serralharia Rui Ribeiro

carpintaria

Sílvio Neves Silvério Carvalho

canalização e tubagens Fernando Rei

mecanismos eléctricos Anatol Waschke

esculturas de martelos Luís Ferreira Pacheco

pintura e apoio à montagem António da Mirita João Arede

apoio à produção Carla Torres Fausto Gomes Irene Pais José Rosa Marta Costa Miguel Torres Paulo Leão Raquel Costa

animação e modelação 3D Tony Rebelo

fotografia

Carlos Teles Manuel Fernando Maurício Abreu Paulo Leão

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Cantos & Ditos na Expo’98 Setembro, Barco Palco

TOM DE FESTA’ 98 de 8 a 12 de Julho

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Durante 15 anos José Rui Martins apresentou recitais de poesia dos mais diversos autores. Ao longo dos anos, muitos foram também os músicos que neles participaram. A aposta em 98 foi juntar os diferentes poetas e músicos que, a eles, ao longo dos anos, estiveram ligados.

Os homens vivem em dois tempos distintos e inimigos. Um é o tempo sem tempo da infância eterna, da descoberta e da espontaneidade, da criatividade e da aventura. Não é um mundo de regressão – tão pouco de regresso – pois é contínuo e jamais deixa de nos visitar, a cada passo, entre o passo, entre o sono e a vigília, na surpresa permanente de estar vivo, na inverosímel realidade. É o tempo que atravessa os anos carregado de heranças, visões de avós ressuscitados, memória de uma e de muitas infâncias, as fantásticas infâncias do passado, ar de voos em comum, solo de comunidade. Este é o tempo vivido pelos cinco peregrinos que adejam em torno do ciclista gigante e sua bicicleta, réplica

sobre o espectáculo «Peregrinar tendo como protagonista uma figura da nossa memória - “Caramulo”. Depreender sobre universos expressivos, que têm no conhecimento popular eixos imaginativos preponderantes. Viajar no tempo com o imaginário, lutando com os vírus duma desumanização, que retiram o prazer e o sentimento, em nome duma mecanização universalmente imposta. Aventurar-se num tempo com a duração de compassos musicais dum peregrinar feito em festa. Brincar com a naturalidade da descoberta infantil, jogando a um faz-de- conta que é tudo verdade, e que somos todos, por momentos, argila nas mãos de um artesão nortenho que nos transformará em peça “mistério”. Falar o “galrejo” de Molelos ou o “fonokam” de molelenses da Galiza, como códigos que a ansiedade traduz em comunicação fluente para quem se deixa contagiar pela fantasia.»

A bicicleta do “Caramulo” levou-nos algumas noites a executar. Aquilo era um esqueleto em ferro que o Nico tinha feito, e nós cobrimo-lo em madeira. Eu trabalhei no corpo. Quando o “Caramulo” saiu estava muita gente e ele saiu a pedalar e com a cara muito séria. Foi uma emoção. Era um boneco vivo. TS

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BRINDIS:

“Seguramente dentro de nom muito tempo a palabra “liberdade” passará a ser politicamente incorrecta , a palabra “cultura” passará a ser unha marca de compressas (nom se move, nom traspasa e non se nota) e as palabras “grupo de teatro” pasarán a ser o nome de algún coleóptero da Patagónia dificílimo de atopar. Pero se o Trigo Limpo ACERT cumple outros tantos anos entón eso significará que moitas persoas, artistas e público, terán experimentado un sentido diferente de esas palabras e as terán defendido para o futuro. Brindo por vocês, feliz aniversário.” Fran Pérez Baseada no ciclista, brinquedo tradicional português, esta máquina de peregrinar foi concebida e construída para a Peregrinação, evento regular diurno da Expo’98. É um cenário móvel que realizou, no âmbito da Exposição de Lisboa, 333 Km em desfile sem contarmos com o período de testes e ensaios. Foi para esse efeito concebida uma dramaturgia autónoma para a máquina mas com o conhecimento da sua integração no todo, uma vez que o desfile diário da Expo’98 foi criado de raiz em parceria com todos os participantes.

monumental do antigo brinquedo de feira. Outro é o tempo que se desintegra no interior dos mecanismos dos relógios. Os despertadores lançam-nos na rua nus e com horários. Códigos constrangem-nos em carris de minutos. O mundo das rotinas e dos compromissos, sem tempo para desvendar segredos. Dois peregrinos – os míticos do tempo – vivem encerrados neste mundo do tempo, como numa jaula. Ciclista e bicicleta, feitos de madeira e pintados em cores vivas de brinquedo tradicional, passeiam marcas dos sonhos e mistérios da terra: aquários com peixes nas barras das meias, tubos transparentes com água e azeite nas coxas, porta alimentos transparentes cheios de frutos secos no aro da roda, paus de chuva e campainhas nos raios, trapézios nos joelhos, compartimentos de observação na cabeça, fumos saindo da boca, jactos de água e objectos variados despontando no tronco. A marcha do objecto produz sons regulares de vida em movimento (uma campainha de bicicleta e o restolhar dos frutos secos nos seus compartimentos) Os cinco peregrinos da aventura vivem fascinados por este brinquedo. Descobrem a simplicidade primordial dos seus maquinismos, os seus interstícios, conhecem-no em todos os ângulos, escalam-no, brincam como quem constrói casa em árvore e daí observa o mundo. Na gaiola de ferro, os dois míticos operam a maquinaria do tempo, produzindo sons estridentes de relógio-de-cuco, sino ou despertador. Estes sons interrompem, a espaços, o fluir da via no ciclista, sem chegar a destruir o encanto, que logo se refaz. Os figurinos, como os motivos dominantes na decoração do ciclista, inspiram-se em figuras do artesanato do Norte de Portugal, «artesanato mistério». O percurso traduz a vida, personificando o ciclista «Caramulo», a carga onírica que a sustenta como forma de realização criativa, suportada por valores de fantasia, inquietação, descoberta e experiência. O factor tempo enquadra o espaço aventura, apenas marcando o compasso para novas etapas favorecedoras de surpresas (...) João Nuno Martins 106

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Cantos & Ditos na Expo’98 Setembro, Barco Palco

TOM DE FESTA’ 98 de 8 a 12 de Julho

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Durante 15 anos José Rui Martins apresentou recitais de poesia dos mais diversos autores. Ao longo dos anos, muitos foram também os músicos que neles participaram. A aposta em 98 foi juntar os diferentes poetas e músicos que, a eles, ao longo dos anos, estiveram ligados.

Os homens vivem em dois tempos distintos e inimigos. Um é o tempo sem tempo da infância eterna, da descoberta e da espontaneidade, da criatividade e da aventura. Não é um mundo de regressão – tão pouco de regresso – pois é contínuo e jamais deixa de nos visitar, a cada passo, entre o passo, entre o sono e a vigília, na surpresa permanente de estar vivo, na inverosímel realidade. É o tempo que atravessa os anos carregado de heranças, visões de avós ressuscitados, memória de uma e de muitas infâncias, as fantásticas infâncias do passado, ar de voos em comum, solo de comunidade. Este é o tempo vivido pelos cinco peregrinos que adejam em torno do ciclista gigante e sua bicicleta, réplica

sobre o espectáculo «Peregrinar tendo como protagonista uma figura da nossa memória - “Caramulo”. Depreender sobre universos expressivos, que têm no conhecimento popular eixos imaginativos preponderantes. Viajar no tempo com o imaginário, lutando com os vírus duma desumanização, que retiram o prazer e o sentimento, em nome duma mecanização universalmente imposta. Aventurar-se num tempo com a duração de compassos musicais dum peregrinar feito em festa. Brincar com a naturalidade da descoberta infantil, jogando a um faz-de- conta que é tudo verdade, e que somos todos, por momentos, argila nas mãos de um artesão nortenho que nos transformará em peça “mistério”. Falar o “galrejo” de Molelos ou o “fonokam” de molelenses da Galiza, como códigos que a ansiedade traduz em comunicação fluente para quem se deixa contagiar pela fantasia.»

A bicicleta do “Caramulo” levou-nos algumas noites a executar. Aquilo era um esqueleto em ferro que o Nico tinha feito, e nós cobrimo-lo em madeira. Eu trabalhei no corpo. Quando o “Caramulo” saiu estava muita gente e ele saiu a pedalar e com a cara muito séria. Foi uma emoção. Era um boneco vivo. TS

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BRINDIS:

“Seguramente dentro de nom muito tempo a palabra “liberdade” passará a ser politicamente incorrecta , a palabra “cultura” passará a ser unha marca de compressas (nom se move, nom traspasa e non se nota) e as palabras “grupo de teatro” pasarán a ser o nome de algún coleóptero da Patagónia dificílimo de atopar. Pero se o Trigo Limpo ACERT cumple outros tantos anos entón eso significará que moitas persoas, artistas e público, terán experimentado un sentido diferente de esas palabras e as terán defendido para o futuro. Brindo por vocês, feliz aniversário.” Fran Pérez Baseada no ciclista, brinquedo tradicional português, esta máquina de peregrinar foi concebida e construída para a Peregrinação, evento regular diurno da Expo’98. É um cenário móvel que realizou, no âmbito da Exposição de Lisboa, 333 Km em desfile sem contarmos com o período de testes e ensaios. Foi para esse efeito concebida uma dramaturgia autónoma para a máquina mas com o conhecimento da sua integração no todo, uma vez que o desfile diário da Expo’98 foi criado de raiz em parceria com todos os participantes.

monumental do antigo brinquedo de feira. Outro é o tempo que se desintegra no interior dos mecanismos dos relógios. Os despertadores lançam-nos na rua nus e com horários. Códigos constrangem-nos em carris de minutos. O mundo das rotinas e dos compromissos, sem tempo para desvendar segredos. Dois peregrinos – os míticos do tempo – vivem encerrados neste mundo do tempo, como numa jaula. Ciclista e bicicleta, feitos de madeira e pintados em cores vivas de brinquedo tradicional, passeiam marcas dos sonhos e mistérios da terra: aquários com peixes nas barras das meias, tubos transparentes com água e azeite nas coxas, porta alimentos transparentes cheios de frutos secos no aro da roda, paus de chuva e campainhas nos raios, trapézios nos joelhos, compartimentos de observação na cabeça, fumos saindo da boca, jactos de água e objectos variados despontando no tronco. A marcha do objecto produz sons regulares de vida em movimento (uma campainha de bicicleta e o restolhar dos frutos secos nos seus compartimentos) Os cinco peregrinos da aventura vivem fascinados por este brinquedo. Descobrem a simplicidade primordial dos seus maquinismos, os seus interstícios, conhecem-no em todos os ângulos, escalam-no, brincam como quem constrói casa em árvore e daí observa o mundo. Na gaiola de ferro, os dois míticos operam a maquinaria do tempo, produzindo sons estridentes de relógio-de-cuco, sino ou despertador. Estes sons interrompem, a espaços, o fluir da via no ciclista, sem chegar a destruir o encanto, que logo se refaz. Os figurinos, como os motivos dominantes na decoração do ciclista, inspiram-se em figuras do artesanato do Norte de Portugal, «artesanato mistério». O percurso traduz a vida, personificando o ciclista «Caramulo», a carga onírica que a sustenta como forma de realização criativa, suportada por valores de fantasia, inquietação, descoberta e experiência. O factor tempo enquadra o espaço aventura, apenas marcando o compasso para novas etapas favorecedoras de surpresas (...) João Nuno Martins 106

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#38Valle Inclán Pirata

JO

Retábulo do Amor, a suspeita, a traição, a vingança e o sacrifício 1 – Houve tempo em que os mares todos eram sulcados por homens

que escreveram a História com sangue e fogo: Edward Teach, mais conhecido por Barbanegra, feroz, selvagem e peludo até ao horror, capaz de degolar uma tripulação inteira por uns poucos litros de rum.

textos, estandartes e dramaturgia

Benito Soto, galego duro, cruel, indomável e sem escrúpulos, traficante frio e experiente de escravos, impassível ante a violência extrema e sanguinário com as suas vítimas.

(A cena passa-se na coberta. A tripulação diverte-se a atirar pela borda fora uns quantos inimigos acabados de capturar. O primeiro diálogo é entre o Capitão Pisabien e o capitão dos inimigos) CAPITÃO – Não conhecem a piedade?

2 – Mas nesse tempo, esses mesmos mares também eram sulcados

PISABIEN – Aprendi a piedade com os ingleses, capitão.

Chévere

composição musical Anxo Pintos

bandeiras, telas, armas e roupas Nico Nubiola

contruções

Trigo Limpo teatro ACERT

director técnico Luís Viegas

esgrima

Carlos Vizcaino

arranjo gráfico José Tavares

produção

Fernando Ribeiro

músicos

Álvaro Amigo Alfonso Santi Cribeiro

elenco

Ana Saraiva Anxo Carla Torres John Eastham Jorge Oliveira José Rosa José Rui Martins Manuel Cortés Miguel de Lira Patrícia de Lorenzo Xron

108

A história do Valle Inclán, república corsária itinerante, comandada por um dos capitães mais temidos e respeitados dos sete mares, uma pessoa implacável com as suas presas, sem compaixão para com os inimigos, de carácter rijo e trato áspero, mas sempre justa nas suas decisões. Uma mulher: o Capitão Pisabien.

co-produção com Chévere de Santiago de Compostela (Galiza) estreia 1 de Agosto Cais Comercial de Portimão

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A saída do Porto de Grove, na Galiza, foi logo complicada. Tinham trocado de motorista no nosso barco, e os manípulos estavam com funções diferentes. No meio de aplausos e foguetes, arrancámos, em marcha atrás e, para desespero da embarcação que estava perto, quase que chocámos. No começo da nossa viagem, em pleno Atlântico, um dos motores falhou e ficámos à deriva e sem comunicação com o exterior. Pouco tempo depois, levantou-se uma tempestade enorme e nós pensámos que íamos morrer.

O

“barco” revelou-se uma aventura teatral criada a partir da adaptação livre de textos do autor. Toda a acção decorre a bordo de um bergantim-goleta do séc.XVIII recuperado num estaleiro da Galiza, de onde partiu até ao Algarve, ancorando, ao longo do percurso, em portos onde teatralizava assaltos piratas e aprisionava espectadores, a quem era, assim, permitido tomar contacto com a vida a bordo.

por homens justos, bandidos sociais que manifestavam, nos seus actos, doutrinas libertárias muito mais radicais do que o que o senso comum aconselhava. Homens em guerra com toda a gente, contra a escravatura, o servilismo, o racismo e a intolerância, que rejeitaram a nacionalidade para se converterem em índios: Capitão Misson, fundador da Libertária, uma república corsária onde escravos resgatados, nativos, negros e mesmo galegos e portugueses eram aceites como iguais, um lugar onde não existia a propriedade privada. Capitão Bellamy, inimigo da humanidade, príncipe livre, salteador dos ricos que roubam aos pobres ao abrigo da lei. A Viúva Ching, que durante anos explorou as mil bocas do rio Si-Kiang, arrasando aldeias para libertar as mulheres submetidas à tirania dos seus maridos, outorgando--lhes assim a dignidade que nunca conheceram… 3 – E esta é a história do Valle Inclán, uma goleta que semeou o terror

da Galiza ao Caribe, arrasando, sequestrando, roubando e aniquilando indiscriminadamente qualquer forma de riqueza, defendendo o espírito corsário do anti-imperialismo e a liberdade, defendendo o espírito de tribo governada pela única lei natural da igualdade, impondo o princípio humanístico básico “dá-me que eu reparto”.

CAPITÃO - Arriei a bandeira pensando que me dariam quartel… PISABIEN – Não é o primeiro inglês que pensa isso. À tábua com

ele!! CAPITÃO – God save the King! PISABIEN – Brindemos, a ele, com água salgada. (Atiram-no pela borda fora. Quando se preparam para atirar outro, o Capitão Pisabien detém os seus homens. É a primeira aparição do Marquês de Bradomín) PISABIEN – Que faz esse com grilhões? MACMIAU – Demos com ele, assim, na adega do navio. PISABIEN – Prisioneiro dos ingleses? Vão ver que não é amigo deles.

Trazei-mo. (Para o Marquês) Chamas-te? MARQUÊS – Juan Manuel de Montenegro, Marquês de Bradomín. Não

me lembro do seu nome… PISABIEN – Sou o Capitão Pisabien. MARQUÊS – Deveras? “Enchanté, Mademoiselle.” (O Capitão Pisabien dá-lhe uma bofetada.) PISABIEN – Trata-me por Capitão. MARQUÊS – “Enchanté, Capitão.”

excerto do texto “Valle Inclán Pirata”

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#38Valle Inclán Pirata

JO

Retábulo do Amor, a suspeita, a traição, a vingança e o sacrifício 1 – Houve tempo em que os mares todos eram sulcados por homens

que escreveram a História com sangue e fogo: Edward Teach, mais conhecido por Barbanegra, feroz, selvagem e peludo até ao horror, capaz de degolar uma tripulação inteira por uns poucos litros de rum.

textos, estandartes e dramaturgia

Benito Soto, galego duro, cruel, indomável e sem escrúpulos, traficante frio e experiente de escravos, impassível ante a violência extrema e sanguinário com as suas vítimas.

(A cena passa-se na coberta. A tripulação diverte-se a atirar pela borda fora uns quantos inimigos acabados de capturar. O primeiro diálogo é entre o Capitão Pisabien e o capitão dos inimigos) CAPITÃO – Não conhecem a piedade?

2 – Mas nesse tempo, esses mesmos mares também eram sulcados

PISABIEN – Aprendi a piedade com os ingleses, capitão.

Chévere

composição musical Anxo Pintos

bandeiras, telas, armas e roupas Nico Nubiola

contruções

Trigo Limpo teatro ACERT

director técnico Luís Viegas

esgrima

Carlos Vizcaino

arranjo gráfico José Tavares

produção

Fernando Ribeiro

músicos

Álvaro Amigo Alfonso Santi Cribeiro

elenco

Ana Saraiva Anxo Carla Torres John Eastham Jorge Oliveira José Rosa José Rui Martins Manuel Cortés Miguel de Lira Patrícia de Lorenzo Xron

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A história do Valle Inclán, república corsária itinerante, comandada por um dos capitães mais temidos e respeitados dos sete mares, uma pessoa implacável com as suas presas, sem compaixão para com os inimigos, de carácter rijo e trato áspero, mas sempre justa nas suas decisões. Uma mulher: o Capitão Pisabien.

co-produção com Chévere de Santiago de Compostela (Galiza) estreia 1 de Agosto Cais Comercial de Portimão

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A saída do Porto de Grove, na Galiza, foi logo complicada. Tinham trocado de motorista no nosso barco, e os manípulos estavam com funções diferentes. No meio de aplausos e foguetes, arrancámos, em marcha atrás e, para desespero da embarcação que estava perto, quase que chocámos. No começo da nossa viagem, em pleno Atlântico, um dos motores falhou e ficámos à deriva e sem comunicação com o exterior. Pouco tempo depois, levantou-se uma tempestade enorme e nós pensámos que íamos morrer.

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“barco” revelou-se uma aventura teatral criada a partir da adaptação livre de textos do autor. Toda a acção decorre a bordo de um bergantim-goleta do séc.XVIII recuperado num estaleiro da Galiza, de onde partiu até ao Algarve, ancorando, ao longo do percurso, em portos onde teatralizava assaltos piratas e aprisionava espectadores, a quem era, assim, permitido tomar contacto com a vida a bordo.

por homens justos, bandidos sociais que manifestavam, nos seus actos, doutrinas libertárias muito mais radicais do que o que o senso comum aconselhava. Homens em guerra com toda a gente, contra a escravatura, o servilismo, o racismo e a intolerância, que rejeitaram a nacionalidade para se converterem em índios: Capitão Misson, fundador da Libertária, uma república corsária onde escravos resgatados, nativos, negros e mesmo galegos e portugueses eram aceites como iguais, um lugar onde não existia a propriedade privada. Capitão Bellamy, inimigo da humanidade, príncipe livre, salteador dos ricos que roubam aos pobres ao abrigo da lei. A Viúva Ching, que durante anos explorou as mil bocas do rio Si-Kiang, arrasando aldeias para libertar as mulheres submetidas à tirania dos seus maridos, outorgando--lhes assim a dignidade que nunca conheceram… 3 – E esta é a história do Valle Inclán, uma goleta que semeou o terror

da Galiza ao Caribe, arrasando, sequestrando, roubando e aniquilando indiscriminadamente qualquer forma de riqueza, defendendo o espírito corsário do anti-imperialismo e a liberdade, defendendo o espírito de tribo governada pela única lei natural da igualdade, impondo o princípio humanístico básico “dá-me que eu reparto”.

CAPITÃO - Arriei a bandeira pensando que me dariam quartel… PISABIEN – Não é o primeiro inglês que pensa isso. À tábua com

ele!! CAPITÃO – God save the King! PISABIEN – Brindemos, a ele, com água salgada. (Atiram-no pela borda fora. Quando se preparam para atirar outro, o Capitão Pisabien detém os seus homens. É a primeira aparição do Marquês de Bradomín) PISABIEN – Que faz esse com grilhões? MACMIAU – Demos com ele, assim, na adega do navio. PISABIEN – Prisioneiro dos ingleses? Vão ver que não é amigo deles.

Trazei-mo. (Para o Marquês) Chamas-te? MARQUÊS – Juan Manuel de Montenegro, Marquês de Bradomín. Não

me lembro do seu nome… PISABIEN – Sou o Capitão Pisabien. MARQUÊS – Deveras? “Enchanté, Mademoiselle.” (O Capitão Pisabien dá-lhe uma bofetada.) PISABIEN – Trata-me por Capitão. MARQUÊS – “Enchanté, Capitão.”

excerto do texto “Valle Inclán Pirata”

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CRÍTICAS

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Diário de Notícias, 10-8-98

(…) As apresentações desenrolam-se a bordo de um veleiro bergantim do século XIX, atracado no cais da Expo. Composto por 3 acções, o espectáculo processa-se por três etapas distintas. A primeira acção consiste numa visita ao barco pirata, para um primeiro contacto com a embarcação e em que serão distribuídos vários adereços tipicamente piratas. Depois de iniciados os aspirantes a piratas transformam-se em legítimos membros da tripulação, provando a sua fidelidade através da entoação de um hino pirata. A segunda acção divide os visitantes em vários grupos que se devem organizar para encontrar um tesouro escondido, seguindo as preciosas indicações contidas num mapa distribuído no início da aventura. A busca estende-se ao recinto da exposição. Para finalizar será mostrado o “Retábulo do Amor, a Suspeita, a Traição, a Vingança e o Sacrifício”, que termina com uma simulação da destruição do barco…

Ideia/Literatura Trata-se de um espectáculo de animação navegável, ultramarino e ibérico. Navegável, pela sua mobilidade sobre a água. Ultramarino, porque utiliza como suporte um barco autêntico: uma reprodução exacta de um veleiro bergantim do século XIX, que está a ser restaurado num estaleiro da Ria de Arousa (Galiza), e que será pilotado por uma tripulação formada por actores e actrizes, músicos, técnicos, escritores, realizadores e artistas, submetidos às leis sagradas da pirataria. Ibérico, porque o barco tem o nome de Valle Inclán, e o projecto é o culminar de um processo de colaboração artística iniciado há vários anos entre o grupo Chévere e a Nave de Servicios Artísticos - NASA e o grupo TRIGO LIMPO teatro ACERT, de Tondela (Portugal). Com todos estes referentes, abordaremos a montagem de um espectáculo que ultrapassa as convenções habituais do teatro, e que penetra em territórios menos circunscritos. O barco vai funcionar, para além disso, como uma zona criativa temporalmente autónoma, com uma tripulação de artistas e técnicos capazes de gerar uma programação diversificada de actividades de animação ao ar livre, a horas diversas, com a vantagem que nos oferece a mobilidade do nosso barco, e com a peculiaridade de que muitas delas poderão ter lugar na água.

Características O Valle Inclán Pirata é um projecto artístico que trata de desenhar um mapa que mantenha uma escala 1:1 com o território explorado, isto é, trata de criar um enclave de liberdade artística total, que ocupa no mapa o espaço de um vale. Desenhar um mapa que inclua os nossos desejos. Tratar de fazer algo que os miúdos possam recordar toda a vida. Ao utilizar um barco como suporte material do nosso espectáculo, estamos a criar, de alguma forma, uma utopia artística, para o que iremos recriar e apropriar-nos dos elementos que deram forma às utopias piratas dos séculos XVII e XVIII: - o barco como negação do território, um espaço de um vale no mapa, a autêntica república dos corsários; - A temporalidade da utopia; - a reivindicação do índio, o fazer-se nativo, o solicitar do reconhecimento como tribo, como tropa ou bando, como forma de rejeitar toda a nacionalidade, de aceitar toda a gente por igual, artistas e não-artistas, como modo de estar em guerra com todo o mundo. Mobilidade máxima como táctica de desaparecimento: a desaparição do artista-estrela, a reivindicação do artista anónimo face ao espectador anónimo, como forma de eliminar as barreiras entre o artista e o utilizador da arte. O barco traz esta mobilidade ao espectáculo, que não tem que ser anunciado para uma hora e lugar determinados, antes pode ser apresentado sem aviso prévio, e conta, sem mais, sedutoras mentiras que se tornam realidade. 110

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Uma mão cheia de piratas chega à Expo e espalha por aí toda a sua malvadez. Começam por convidar os visitantes a subir a bordo do seu navio para tomarem parte no saque de 500 litros de vinho do Dão. Depois partem à descoberta de um tesouro enterrado nos Jardins da Água. Tornam a bordo com toda a velhacaria e, como piratas que se prezam, acabam todos por morrer numa cena canalha…

Isabel Infante, Diário Económico, 10-8-98

Estratégias de produção: numa sociedade do espectáculo, em que o ócio e a cultura são produtos de consumo que têm um valor comercial, como se fossem sedas, especiarias, azeite, metais preciosos ou pólvora, iremos utilizar excedentes da sobreprodução cultural para subsistir como artistas criadores, da mesma maneira que a economia tradicional da pirataria se servia de outro tipo de excedentes de sobreprodução. Tácticas parasitárias de intervenção artística: aproveitaremos acontecimentos e situações da vida quotidiana para realizar as nossas acções artísticas. Por exemplo: um dia de sol, festivo, a malta vai toda para a praia, e nós apresentamo-nos na praia para actuar. Outra: Rio Tejo, barcos que cruzam o rio transportando gente, e nós acompanhamos a travessia com as pessoas que sobram. Espectáculo como travessia, como viagem: recolhemos ideias como o vagabundear de Nietzsche, ou a deriva situacionista, ou queremos mesmo inventar tudo aquilo que Pessoa imagina, quando se põe a contemplar os barcos que entram, passam e saem de Lisboa pelo Tejo (Ode Marítima). De Valle Inclán recolheremos o esperpento, grotesco, a brincadeira, o sarcasmo, a burla, a mueca, o feio na configuração dos personagens que integram a tripulação deste espectáculo.

Texto de apresentação “Que vão para o diabo todos os que se submetem ao governo das leis que os ricos criaram para sua própria segurança, e para o diabo contigo que os serves, e com a tua tropa de cabrestos de coração de galinha. Eles fazem de nós vilões, esses infames, quando só existe esta diferença: eles roubam os pobres sob a cobertura da lei, certamente, e nós saqueamos os ricos sob a protecção do nosso próprio valor. Tu és um vilão de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre, e tenho tanta autoridade para fazer a guerra contra o mundo inteiro, como aquele que tem uma armada de cem navios no mar, e um exército de 100.000 homens em terra. Não preferes converter-te num de nós, em vez de andares para aí ao Deus dará, atrás desses vilões, em busca de prebendas?” Capitão Bellamy

O Barco A construção deste barco foi concebida originariamente como réplica de um bergantim-goleta, embarcação habitualmente utilizada durante os séculos XVIII e XIX para a pesca e o transporte de mercadorias. Uma companhia inglesa adjudicou a sua construção a um estaleiro do norte de Espanha, com o objectivo de realizar um projecto de reconstrução de diversas embarcações de época. No entanto, não foi possível concretizar este projecto. Há um ano, o barco foi adquirido, em avançado estado de degradação, pela companhia galega “Guindamaina S.L.”, com a intenção de concluir a reconstrução desta embarcação. Nos dois últimos séculos de navegação à vela, o tipo normal de goleta era um barco de dois mastros. O da popa, o maior, constava de um mastro “macho” e “masteleiro”. O aparelho do mastro “traquete”, situado mais à proa, variava, e disto dependia o nome do barco; assim, por exemplo, ao aparelhar-se com velas quadradas, a embarcação recebia o nome de bergantim-goleta. Muito poucos sobreviveram ao passar dos tempos, não obstante a numerosa frota com que contavam os nossos portos, e de que hoje só encontramos existência em arquivos. O Valle Inclán, reconstruído tal e qual como seria um barco dessa época, pretende não deixar no esquecimento toda uma tradição existente, ao longo dos anos, no nosso litoral.

Características do barco: Construir o teatro como espaço aberto, tendo o horizonte como pano de fundo, o mar como palco, o texto como aventura. Abordar o público no seu território, criando uma zona de acção temporalmente autónoma. O Valle Inclán Pirata é um cenário flutuante, dirigido pela gente do Trigo Limpo (Portugal) e Chévere (Galiza), para o saque teatral da costa atlântica da Península Ibérica. Um espectáculo anfíbio, navegável e nómada, que se apresenta sem aviso prévio, passa e conta sedutoras mentiras que se tornam realidade.

Envergadura: 24 m. Envergadura total (incluíndo gurupés): 32 m. Boca/Calado: 6.30 m. Casco forrado em teca sobre vigamentos de carvalho Altura dos mastros: 25 e 24 m. Superfície vélica: 350 m2 Motor: Pegaso 300 CV Motor auxiliar: MWM 50 CV (30 KW) 111


CRÍTICAS

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Diário de Notícias, 10-8-98

(…) As apresentações desenrolam-se a bordo de um veleiro bergantim do século XIX, atracado no cais da Expo. Composto por 3 acções, o espectáculo processa-se por três etapas distintas. A primeira acção consiste numa visita ao barco pirata, para um primeiro contacto com a embarcação e em que serão distribuídos vários adereços tipicamente piratas. Depois de iniciados os aspirantes a piratas transformam-se em legítimos membros da tripulação, provando a sua fidelidade através da entoação de um hino pirata. A segunda acção divide os visitantes em vários grupos que se devem organizar para encontrar um tesouro escondido, seguindo as preciosas indicações contidas num mapa distribuído no início da aventura. A busca estende-se ao recinto da exposição. Para finalizar será mostrado o “Retábulo do Amor, a Suspeita, a Traição, a Vingança e o Sacrifício”, que termina com uma simulação da destruição do barco…

Ideia/Literatura Trata-se de um espectáculo de animação navegável, ultramarino e ibérico. Navegável, pela sua mobilidade sobre a água. Ultramarino, porque utiliza como suporte um barco autêntico: uma reprodução exacta de um veleiro bergantim do século XIX, que está a ser restaurado num estaleiro da Ria de Arousa (Galiza), e que será pilotado por uma tripulação formada por actores e actrizes, músicos, técnicos, escritores, realizadores e artistas, submetidos às leis sagradas da pirataria. Ibérico, porque o barco tem o nome de Valle Inclán, e o projecto é o culminar de um processo de colaboração artística iniciado há vários anos entre o grupo Chévere e a Nave de Servicios Artísticos - NASA e o grupo TRIGO LIMPO teatro ACERT, de Tondela (Portugal). Com todos estes referentes, abordaremos a montagem de um espectáculo que ultrapassa as convenções habituais do teatro, e que penetra em territórios menos circunscritos. O barco vai funcionar, para além disso, como uma zona criativa temporalmente autónoma, com uma tripulação de artistas e técnicos capazes de gerar uma programação diversificada de actividades de animação ao ar livre, a horas diversas, com a vantagem que nos oferece a mobilidade do nosso barco, e com a peculiaridade de que muitas delas poderão ter lugar na água.

Características O Valle Inclán Pirata é um projecto artístico que trata de desenhar um mapa que mantenha uma escala 1:1 com o território explorado, isto é, trata de criar um enclave de liberdade artística total, que ocupa no mapa o espaço de um vale. Desenhar um mapa que inclua os nossos desejos. Tratar de fazer algo que os miúdos possam recordar toda a vida. Ao utilizar um barco como suporte material do nosso espectáculo, estamos a criar, de alguma forma, uma utopia artística, para o que iremos recriar e apropriar-nos dos elementos que deram forma às utopias piratas dos séculos XVII e XVIII: - o barco como negação do território, um espaço de um vale no mapa, a autêntica república dos corsários; - A temporalidade da utopia; - a reivindicação do índio, o fazer-se nativo, o solicitar do reconhecimento como tribo, como tropa ou bando, como forma de rejeitar toda a nacionalidade, de aceitar toda a gente por igual, artistas e não-artistas, como modo de estar em guerra com todo o mundo. Mobilidade máxima como táctica de desaparecimento: a desaparição do artista-estrela, a reivindicação do artista anónimo face ao espectador anónimo, como forma de eliminar as barreiras entre o artista e o utilizador da arte. O barco traz esta mobilidade ao espectáculo, que não tem que ser anunciado para uma hora e lugar determinados, antes pode ser apresentado sem aviso prévio, e conta, sem mais, sedutoras mentiras que se tornam realidade. 110

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Uma mão cheia de piratas chega à Expo e espalha por aí toda a sua malvadez. Começam por convidar os visitantes a subir a bordo do seu navio para tomarem parte no saque de 500 litros de vinho do Dão. Depois partem à descoberta de um tesouro enterrado nos Jardins da Água. Tornam a bordo com toda a velhacaria e, como piratas que se prezam, acabam todos por morrer numa cena canalha…

Isabel Infante, Diário Económico, 10-8-98

Estratégias de produção: numa sociedade do espectáculo, em que o ócio e a cultura são produtos de consumo que têm um valor comercial, como se fossem sedas, especiarias, azeite, metais preciosos ou pólvora, iremos utilizar excedentes da sobreprodução cultural para subsistir como artistas criadores, da mesma maneira que a economia tradicional da pirataria se servia de outro tipo de excedentes de sobreprodução. Tácticas parasitárias de intervenção artística: aproveitaremos acontecimentos e situações da vida quotidiana para realizar as nossas acções artísticas. Por exemplo: um dia de sol, festivo, a malta vai toda para a praia, e nós apresentamo-nos na praia para actuar. Outra: Rio Tejo, barcos que cruzam o rio transportando gente, e nós acompanhamos a travessia com as pessoas que sobram. Espectáculo como travessia, como viagem: recolhemos ideias como o vagabundear de Nietzsche, ou a deriva situacionista, ou queremos mesmo inventar tudo aquilo que Pessoa imagina, quando se põe a contemplar os barcos que entram, passam e saem de Lisboa pelo Tejo (Ode Marítima). De Valle Inclán recolheremos o esperpento, grotesco, a brincadeira, o sarcasmo, a burla, a mueca, o feio na configuração dos personagens que integram a tripulação deste espectáculo.

Texto de apresentação “Que vão para o diabo todos os que se submetem ao governo das leis que os ricos criaram para sua própria segurança, e para o diabo contigo que os serves, e com a tua tropa de cabrestos de coração de galinha. Eles fazem de nós vilões, esses infames, quando só existe esta diferença: eles roubam os pobres sob a cobertura da lei, certamente, e nós saqueamos os ricos sob a protecção do nosso próprio valor. Tu és um vilão de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre, e tenho tanta autoridade para fazer a guerra contra o mundo inteiro, como aquele que tem uma armada de cem navios no mar, e um exército de 100.000 homens em terra. Não preferes converter-te num de nós, em vez de andares para aí ao Deus dará, atrás desses vilões, em busca de prebendas?” Capitão Bellamy

O Barco A construção deste barco foi concebida originariamente como réplica de um bergantim-goleta, embarcação habitualmente utilizada durante os séculos XVIII e XIX para a pesca e o transporte de mercadorias. Uma companhia inglesa adjudicou a sua construção a um estaleiro do norte de Espanha, com o objectivo de realizar um projecto de reconstrução de diversas embarcações de época. No entanto, não foi possível concretizar este projecto. Há um ano, o barco foi adquirido, em avançado estado de degradação, pela companhia galega “Guindamaina S.L.”, com a intenção de concluir a reconstrução desta embarcação. Nos dois últimos séculos de navegação à vela, o tipo normal de goleta era um barco de dois mastros. O da popa, o maior, constava de um mastro “macho” e “masteleiro”. O aparelho do mastro “traquete”, situado mais à proa, variava, e disto dependia o nome do barco; assim, por exemplo, ao aparelhar-se com velas quadradas, a embarcação recebia o nome de bergantim-goleta. Muito poucos sobreviveram ao passar dos tempos, não obstante a numerosa frota com que contavam os nossos portos, e de que hoje só encontramos existência em arquivos. O Valle Inclán, reconstruído tal e qual como seria um barco dessa época, pretende não deixar no esquecimento toda uma tradição existente, ao longo dos anos, no nosso litoral.

Características do barco: Construir o teatro como espaço aberto, tendo o horizonte como pano de fundo, o mar como palco, o texto como aventura. Abordar o público no seu território, criando uma zona de acção temporalmente autónoma. O Valle Inclán Pirata é um cenário flutuante, dirigido pela gente do Trigo Limpo (Portugal) e Chévere (Galiza), para o saque teatral da costa atlântica da Península Ibérica. Um espectáculo anfíbio, navegável e nómada, que se apresenta sem aviso prévio, passa e conta sedutoras mentiras que se tornam realidade.

Envergadura: 24 m. Envergadura total (incluíndo gurupés): 32 m. Boca/Calado: 6.30 m. Casco forrado em teca sobre vigamentos de carvalho Altura dos mastros: 25 e 24 m. Superfície vélica: 350 m2 Motor: Pegaso 300 CV Motor auxiliar: MWM 50 CV (30 KW) 111


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#39D. Sebastião, O Menino-Rei estreia

12 de Setembro Lisboa EXPO 98, Palco 5

ebastião” foi uma aposta criativa com base iminentemente musical, e procurou reproduzir a confluência de linguagens artísticas na abordagem de um texto sobre uma figura mítica da história portuguesa. A cenografia incide na utilização simbólica de objectos domésticos de zinco, actuando, com o desenho de luz, como pólos de sustentação estéticos de elevado poder inovador. A exploração da linguagem da opereta teatral, conjugada com um jogo de representação simbolista, permitiu a exploração de uma dramaturgia que teve, na partitura e interpretação musical, um dos seus elementos determinantes.

CRÍTICA

SEBASTIÃO – (Dirigindo-se às tropas, cantando:)

Ninguém ataca, Ninguém sai do seu lugar, Sem eu dar ordem, Sem eu mandar! Se alguém o fizer E desobedecer, Corto os tomates E ponho-os a arder! (Entretanto, o Actor Velho vestiu-se de Marroquino e, numa extremidade do palco, faz as suas orações, de rabo para o ar. Na outra extremidade, Sebastião desce do cavalo e, também ele, começa a rezar. Quando terminam, montam nos respectivos cavalos. Enfrentam-se para lutar. Estacam frente a frente. O Árabe começa a gritar uma “algaraviada” incompreensível e, obviamente, insultuosa.) SEBASTIÃO – (Aos berros. Possesso.) Intérprete! Intérprete! (Para o intérprete)

O que é que ele diz, esse filho da puta? INTÉRPRETE – (Tímido e atrapalhado.) Ele está a dizer que Vossa Alteza -

maldita seja - estou a traduzir tudo, foi assim que ele disse... Que vossa Alteza, maldita seja, vai pagar caro o descaramento de vir aqui invadir, sem autorização, a terra dele. (Desculpando-se para D. Sebastião.) Foi o que ele disse, foi o que ele disse... SEBASTIÃO - Diz a essa bosta infiel, a esse cão tinhoso, a essa nojenta

baba de camelo que hei-de invadir a terra dele as vezes que me apetecer! A minha religião manda fazer a guerra aos infiéis... (O Intérprete traduz para o Árabe que o escuta e, em seguida, contesta.) INTÉRPRETE - Ele diz que a religião dele manda fazer exactamente o mesmo,

que a guerra que faz é santa e que aqui o infiel é Vossa Alteza... SEBASTIÃO – (Aos gritos.) Infiel? Infiel, eu? Eu sou um soldado de Deus.

Eu sou um soldado de Deus! Não admito que esse cachorro quente me chame infiel ou compare a nossa santa religião com a dele. Religião há só uma, é a minha e mais nenhuma! (O Intérprete traduz para o Árabe que lhe responde chocarreiramente.) INTÉRPRETE - Ele manda dizer para Vossa Alteza que isso é o seu ponto

São dois: o mais velho, de fartos bigodes e corpo franzino faz de narrador, de Avó Catarina, de soldado e de camponês; o mais novo, encorpado e com carranca de bruto, é D. Sebastião. Vestem-se, tal como a orquestra que os acompanha, com uma espécie de fato de banho, de senhora, com manguinhas, de veludo azul… O que vai mostrando as diferenças de personagem e as situações são os acessórios que colocam, feitos de latas, panelas e um sortido de utensílios de cozinha… Os meios são restritos mas os resultados convincentes. …conseguiram transformar uma bateria de cozinha (antiga, de antes do plástico) em cavalos, capacetes, coroas reais e colarinhos de renda (…)

1 9 9 8

“ S

José Couto Nogueira, A Capital, 15-9-98

A figura de Sebastião, Rei de Portugal, pintada, no essencial, segundo os estudos de António Sérgio, ocupa o centro do espectáculo que o Trigo Limpo, companhia de Tondela, mostra no Cinearte, com muito humor e muita lata… D. Sebastião é um espectáculo burlesco que acompanha a vida e obra do menino rei, contada em quadras populares, num tom pícaro e desmistificador. Desde o “corrimento seminal” até “ao morrer mas devagar”, a figura do rei (o actor galego Fran Perez) e dos cortesãos (todos feitos por João Maria Pinto) vai-se reconstituindo à nossa frente, em corpo inteiro, todo de lata vestido (…) Manuel João Gomes, Público, 29-11-98

Através dos músicos/actores situados em cima do palco e da música de Laurent Filipe, crítica mordaz, interveniente, dos escassos apontamentos cénicos de uma enorme imaginação e com várias conotações e serventia, se afirma e brinca com a figura de um rei que quis ser cavaleiro andante fora da sua época, que arrastou, com a sua teimosia e falta de visão, com um romantismo louco, o país para uma situação catastrófica. E esta encenação bastante interessante e irreverente de José Rui tem tanto mais de mérito quando nos encontramos num país onde é quase um sacrilégio brincar com a nossa História, gente que se leva demasiado a sério e que aborda quase sempre com uma pompa de solenidade deformadora. Por isso, pelos magníficos músicos e os estupendos actores, pela diversão sadia que contém, merece ser visto. Tito Lívio, A Capital, 6-1-99

de vista e que, com a sua licença, meta a religião num sítio que ele lá sabe. (Sebastião faz gesto para agredir Intérprete.) Ele é que disse! Ele é que disse! (…) VELHO ACTOR – Senhor! E agora, senhor? O que havemos de fazer com

tanto Mouro a atacar? SEBASTIÃO – (Agónico.) Fazer como eu, combatendo e devagar. (Cai.) CORO

E deu-se a fatalidade! Por falta de um chefe à altura, De um sereno capitão, naquela louca aventura, Numa imensa confusão, Morreu toda a mocidade E, claro! Sebastião...

texto

Sinde Filipe

autor, coordenador do projecto, compositor e director musical Laurent Filipe

encenação

José Rui Martins

assistência de encenação Elisa Carlota

cenografia e adereços

José Tavares e Luís Viegas

desenho de luzes Luís Viegas

desenho gráfico e diapositivos José Tavares

figurinos

José Rui Martins

costureira

Alzira Azevedo 112

coordenação de produção Laurent Filipe Kelli Wright Elisa Carlota

elenco

Fran Perez

João Maria Pinto

músicos Jean Marc Charmier – trompete / cornetim Alberto Roque – clarinete / saxofone Gregg Moore – tuba / trombone Carlos Azevedo – teclas Rui Paulo Simões – teclas Paulo Bandeira – percussão

Os esforços desenvolvidos e os resultados obtidos pela ACERT ao longo dos seus 25 anos de existência são um testemunho bem vivo e um exemplo de verdadeira “descentralização cultural”. A ACERT tem conseguido superar as contrariedades do sistema e pôr de pé uma entidade cultural que é hoje uma referência não só para a sua região como para todo o país. É o meu sincero desejo que a verve da ACERT continue por muitos anos: “parabéns a você nesta data querida”... Laurent Filipe, músico

Diz a lenda que caiu Retalhado de lançadas, Outros dizem que fugiu... Mas ver é que ninguém viu. Quando a notícia chegou Daquele desastre fatal, Portugal todo chorou A perda de Portugal. Porque sem filhos herdeiros Que o rei não soube fazer, Por desleixo ou impotência. Os Espanhóis, os matreiros, Tudo vieram colher, Perdemos a independência. (…) excerto do texto “D. Sebastião, o menino-rei” 113


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#39D. Sebastião, O Menino-Rei estreia

12 de Setembro Lisboa EXPO 98, Palco 5

ebastião” foi uma aposta criativa com base iminentemente musical, e procurou reproduzir a confluência de linguagens artísticas na abordagem de um texto sobre uma figura mítica da história portuguesa. A cenografia incide na utilização simbólica de objectos domésticos de zinco, actuando, com o desenho de luz, como pólos de sustentação estéticos de elevado poder inovador. A exploração da linguagem da opereta teatral, conjugada com um jogo de representação simbolista, permitiu a exploração de uma dramaturgia que teve, na partitura e interpretação musical, um dos seus elementos determinantes.

CRÍTICA

SEBASTIÃO – (Dirigindo-se às tropas, cantando:)

Ninguém ataca, Ninguém sai do seu lugar, Sem eu dar ordem, Sem eu mandar! Se alguém o fizer E desobedecer, Corto os tomates E ponho-os a arder! (Entretanto, o Actor Velho vestiu-se de Marroquino e, numa extremidade do palco, faz as suas orações, de rabo para o ar. Na outra extremidade, Sebastião desce do cavalo e, também ele, começa a rezar. Quando terminam, montam nos respectivos cavalos. Enfrentam-se para lutar. Estacam frente a frente. O Árabe começa a gritar uma “algaraviada” incompreensível e, obviamente, insultuosa.) SEBASTIÃO – (Aos berros. Possesso.) Intérprete! Intérprete! (Para o intérprete)

O que é que ele diz, esse filho da puta? INTÉRPRETE – (Tímido e atrapalhado.) Ele está a dizer que Vossa Alteza -

maldita seja - estou a traduzir tudo, foi assim que ele disse... Que vossa Alteza, maldita seja, vai pagar caro o descaramento de vir aqui invadir, sem autorização, a terra dele. (Desculpando-se para D. Sebastião.) Foi o que ele disse, foi o que ele disse... SEBASTIÃO - Diz a essa bosta infiel, a esse cão tinhoso, a essa nojenta

baba de camelo que hei-de invadir a terra dele as vezes que me apetecer! A minha religião manda fazer a guerra aos infiéis... (O Intérprete traduz para o Árabe que o escuta e, em seguida, contesta.) INTÉRPRETE - Ele diz que a religião dele manda fazer exactamente o mesmo,

que a guerra que faz é santa e que aqui o infiel é Vossa Alteza... SEBASTIÃO – (Aos gritos.) Infiel? Infiel, eu? Eu sou um soldado de Deus.

Eu sou um soldado de Deus! Não admito que esse cachorro quente me chame infiel ou compare a nossa santa religião com a dele. Religião há só uma, é a minha e mais nenhuma! (O Intérprete traduz para o Árabe que lhe responde chocarreiramente.) INTÉRPRETE - Ele manda dizer para Vossa Alteza que isso é o seu ponto

São dois: o mais velho, de fartos bigodes e corpo franzino faz de narrador, de Avó Catarina, de soldado e de camponês; o mais novo, encorpado e com carranca de bruto, é D. Sebastião. Vestem-se, tal como a orquestra que os acompanha, com uma espécie de fato de banho, de senhora, com manguinhas, de veludo azul… O que vai mostrando as diferenças de personagem e as situações são os acessórios que colocam, feitos de latas, panelas e um sortido de utensílios de cozinha… Os meios são restritos mas os resultados convincentes. …conseguiram transformar uma bateria de cozinha (antiga, de antes do plástico) em cavalos, capacetes, coroas reais e colarinhos de renda (…)

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José Couto Nogueira, A Capital, 15-9-98

A figura de Sebastião, Rei de Portugal, pintada, no essencial, segundo os estudos de António Sérgio, ocupa o centro do espectáculo que o Trigo Limpo, companhia de Tondela, mostra no Cinearte, com muito humor e muita lata… D. Sebastião é um espectáculo burlesco que acompanha a vida e obra do menino rei, contada em quadras populares, num tom pícaro e desmistificador. Desde o “corrimento seminal” até “ao morrer mas devagar”, a figura do rei (o actor galego Fran Perez) e dos cortesãos (todos feitos por João Maria Pinto) vai-se reconstituindo à nossa frente, em corpo inteiro, todo de lata vestido (…) Manuel João Gomes, Público, 29-11-98

Através dos músicos/actores situados em cima do palco e da música de Laurent Filipe, crítica mordaz, interveniente, dos escassos apontamentos cénicos de uma enorme imaginação e com várias conotações e serventia, se afirma e brinca com a figura de um rei que quis ser cavaleiro andante fora da sua época, que arrastou, com a sua teimosia e falta de visão, com um romantismo louco, o país para uma situação catastrófica. E esta encenação bastante interessante e irreverente de José Rui tem tanto mais de mérito quando nos encontramos num país onde é quase um sacrilégio brincar com a nossa História, gente que se leva demasiado a sério e que aborda quase sempre com uma pompa de solenidade deformadora. Por isso, pelos magníficos músicos e os estupendos actores, pela diversão sadia que contém, merece ser visto. Tito Lívio, A Capital, 6-1-99

de vista e que, com a sua licença, meta a religião num sítio que ele lá sabe. (Sebastião faz gesto para agredir Intérprete.) Ele é que disse! Ele é que disse! (…) VELHO ACTOR – Senhor! E agora, senhor? O que havemos de fazer com

tanto Mouro a atacar? SEBASTIÃO – (Agónico.) Fazer como eu, combatendo e devagar. (Cai.) CORO

E deu-se a fatalidade! Por falta de um chefe à altura, De um sereno capitão, naquela louca aventura, Numa imensa confusão, Morreu toda a mocidade E, claro! Sebastião...

texto

Sinde Filipe

autor, coordenador do projecto, compositor e director musical Laurent Filipe

encenação

José Rui Martins

assistência de encenação Elisa Carlota

cenografia e adereços

José Tavares e Luís Viegas

desenho de luzes Luís Viegas

desenho gráfico e diapositivos José Tavares

figurinos

José Rui Martins

costureira

Alzira Azevedo 112

coordenação de produção Laurent Filipe Kelli Wright Elisa Carlota

elenco

Fran Perez

João Maria Pinto

músicos Jean Marc Charmier – trompete / cornetim Alberto Roque – clarinete / saxofone Gregg Moore – tuba / trombone Carlos Azevedo – teclas Rui Paulo Simões – teclas Paulo Bandeira – percussão

Os esforços desenvolvidos e os resultados obtidos pela ACERT ao longo dos seus 25 anos de existência são um testemunho bem vivo e um exemplo de verdadeira “descentralização cultural”. A ACERT tem conseguido superar as contrariedades do sistema e pôr de pé uma entidade cultural que é hoje uma referência não só para a sua região como para todo o país. É o meu sincero desejo que a verve da ACERT continue por muitos anos: “parabéns a você nesta data querida”... Laurent Filipe, músico

Diz a lenda que caiu Retalhado de lançadas, Outros dizem que fugiu... Mas ver é que ninguém viu. Quando a notícia chegou Daquele desastre fatal, Portugal todo chorou A perda de Portugal. Porque sem filhos herdeiros Que o rei não soube fazer, Por desleixo ou impotência. Os Espanhóis, os matreiros, Tudo vieram colher, Perdemos a independência. (…) excerto do texto “D. Sebastião, o menino-rei” 113


O espectáculo, ao estrear na EXPO’98, ia ser visto por muitos estrangeiros, e nós brincámos com isso traduzindo o texto em várias línguas: árabe, françês, inglês etc. em vários slides que eram projetados para o público. Também projectávamos cenas da batalha de Álcácer-Quibir ZT

Sebastião Pretende ser apenas um divertimento sobre o rei - Desejado e dirige-se, essencialmente, a um público jovem, popular e pouco preparado para escutar peças “densas”. A versão que o autor apresenta do rei não é muito (para não dizer que não é nada) heróica. D. Sebastião aparece aqui como um menino malcriado, caprichoso, insuportável, cuja prepotência e desvario conduziram a Nação para a desgraça que se sabe. Aqui, apenas o mito (embora de forma brevíssima) é levado a sério, pois faz parte integrante da nossa personalidade de Portugueses, sempre dispostos a acreditar no maravilhoso, no inverosímil e a esperar “Encobertos” que nunca chegam... Ocorre-me, a propósito, a anedota que se conta sobre Lorde Tiralay, embaixador de Inglaterra em Portugal. Perguntando-lhe alguém o que pensava dos Portugueses e de Portugal, o “beef” teve esta saída: “- Pois, meu amigo, o que se há-de pensar de um povo cuja metade está à espera do Messias e a outra metade à espera de um rei chamado Sebastião que morreu há duzentos anos?...” (…) Sinde Filipe / Outubro de 1997

4º Finta de 6 a 15 de Novembro

… P

ara além da programação teatral regular, no espaço ACERT, e da permanência em cena, durante largos períodos, dos espectáculos do Trigo Limpo, o público tem podido acompanhar e corresponder a um desafio que pensamos cada vez mais gratificante e encorajador. Nesta quarta edição, demos connosco a fazer uma programação que tivesse uma componente de teatro musical, atendendo a que, no ano anterior, tinha sido a mímica e a pantomima a serem protagonistas, em termos de características da programação. (…) Continuamos a privilegiar os espaços de encontro entre criadores e público, favorecendo também a genuinidade de espectáculos concebidos especialmente para este evento teatral. …teremos 3 espaços a funcionar neste FINTA, esperando que “As Mil e Uma Obras no Novo Ciclo”, peça que, afincadamente, vimos ensaiando há alguns anos, possa, finalmente, estrear-se no próximo ano, com os figurinos e a cenografia que se encontram programados. Isto tomando em conta que os actores já sabem o texto de trás para a frente, e que as personagens começam a fartar-se das teias de aranha que já lhes vão nascendo na paciência. (…)

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Prémio “Melhor texto inédito”para “Sebastião, menino-rei” CETA

4ºFinta A Barraca – “Que Dia Tão Estúpido” Art’Imagem – “Piano Mas Não Toco” e “Água Negra Ministros da Noite” Eduardo Diago (Espanha) – Cecilio in Memoriam” Entretanto Teatro – “Círculo Quebrado” Filipe Crawford – “monstros em Cuecas” Gefac – “Eterno Compromisso” GICC Teatro das Beiras – “As Bodas dos Pequeno-Burgueses” João Maria Pinto – “Cancioneiro do Niassa” José Medeiros – “Cinéfilias e Outras Incertezas” Loco Brusca (Argentina) – Speerman” Olho – “A Estrada” Original Mixture Theatre (Inglaterra) – “Manuscript Men” Psicofonica de Conxo Septeto de Laurent Filipe – “Aqui Jazz o Teatro” Trigo Limpo Teatro ACERT – “Sebastião O Menino Rei”, “Cowboio” e “Cantos & Ditos” Yllana (espanha) – Glub Glub”

Quanto ao interior… bem, é melhor não entrarmos por estereótipos próprios da quadra Natalopolítica. Basta-nos, então, reafirmar: Que bom é não estar nos grandes centros, face à solidão e desumanização que os povoa. Que bom é continuarmos a pertencer, não só a uma terra, mas a um mundo onde desejamos ser fortemente intervenientes e disponíveis. Já agora, rematemos com uma frase de Miguel Torga: “O universal é o local menos as paredes”.

José Rui, Outubro de 1988

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