PONTOS DE FUGA

Page 1

Pontos de fuga Elsa Margarida Rodrigues e João Maria André 15 Janeiro / 19 Fevereiro 2022 Galeria ACERT


Pontos de fuga Toda a imagem captada pela câmara traduz a perspetiva do olhar de quem a fixa, uma perspetiva que permite ver o seu real em profundidade espacial, mas também no lugar da interioridade. Por isso, em toda a imagem ressoam sensibilidades e memórias: visuais, afetivas, acústicas, tácteis, revestidas de todos os sentidos que constituem as nossas portas de entrada e saída do mundo. Mas uma fotografia não é apenas algo que se vê; é também algo que se escuta. Dançam palavras nos seus ângulos, na sua luz, nas suas sombras, nos seus contornos, abrindo também elas perspetivas de que se faz o silêncio como plenitude do sentido. Toda a imagem e todo o poema são uma concentração e, ao mesmo tempo, uma expansão de pontos de fuga. Sempre novos e sempre diferentes, porque os sentidos refratam-se em todos os espelhos que, na sua singularidade, refletem a luz que os ilumina. Elsa Margarida Rodrigues e João Maria André


Abertura Nesta exposição, começamos por apresentar dois ensaios sobre arte, poesia e criação, numa autorreflexão, simultaneamente fotográfica e poética, de como nos deixamos habitar pelo mundo. E partilhamos três séries de pontos de fuga colhidos em diferentes espaços e atmosferas muito específicas: Fortaleza de Peniche, Janelas e Murais. Mas só pode fugir por eles quem neles se souber reencontrar.



A metamorfose das ausências Toda a arte é uma forma de expansão na espiral ascendente para a luz, na transfiguração do infinito que vibra no mistério do silêncio. Toda a arte é também a contração nas sombras e no branco em que deslizam linhas curvas do ar que a escuridão transmuta na matéria do poema. Mas é ainda e sempre a projeção do dentro mais profundo que nós somos para o fora de nós em que moramos num jogo entre as formas e as essências em que a única lei da criação é a metamorfose das ausências.


Pontos de Fuga. 1. Fortaleza de Peniche É impossível percorrer a Fortaleza de Peniche e passar pelos espaços que foram morada de reclusão de cidadãos aí encarcerados só por pensarem de maneira diferente e quererem um futuro mais luminoso para a sociedade portuguesa, sem uma emoção profunda e um sentido respeito pela sua luta, pelo seu sofrimento, pela sua esperança e pelo seu desespero. Fizemos esse percurso enquanto artistas da imagem e da palavra, procurando ver o que é visível e o que permanece oculto, o que é audível e o que permanece no silêncio e no vazio. Escutando essas vozes e decifrando o mistério dos corredores, das celas, dos pátios e do horizonte em que nos movíamos, recortámos em fotografias figuras, espaços e tempos que temos o dever de não esquecer. E a escuta do mundo que as gerou e das imagens em que se traduziram fez nascer em nós palavras e versos em que ressoam memórias perdidas e dispersas de mordaças, torturas, algemas e reclusão, mas em que ressoam também os sonhos de um país novo e limpo, mais livre e mais fraterno. Se os poemas são a ressonância dos espaços e das imagens, também

as fotografias são a ressonância da poesia que nelas acabou por germinar. Estes sete ensaios foto-poéticos são assim, triplamente, pontos de fuga: por um lado, as fotografias são os pontos de fuga dos poemas; por outro lado, os poemas são, por sua vez, os pontos de fuga das fotografias; mas, na sua unidade, ambos são, ao mesmo tempo, a expressão das linhas de fuga possíveis num real feito clausura pelas muralhas de uma prisão. Apenas com o intuito, simples e despretensioso, de manter viva a memória e, sobretudo, de celebrar a liberdade. Se as imagens fixam paisagens, fixam-nas a partir do olhar sensível da fotógrafa e, por isso, também da sua subjetividade. Por sua vez, os poemas nascem da ressonância que se cria entre as paisagens representadas nas fotografias e o sentir do poeta que escuta as imagens e exprime em palavras, por uma reinvenção criativa da mímesis, a experiência estética do mundo em que se traduz essa escuta e esse diálogo.


Pontos de fuga 2. Janelas Toda a janela é um espaço de passagem. Entre um interior e um exterior, entre a escuridão e a luz, entre o recolhimento e a abertura ou entre a clausura e a liberdade. Podem também as janelas ser o “entre” dois tempos: o passado e o futuro ou o presente contraído e o presente expandido. Mas, se as janelas podem ser os olhos da alma, são também a mediação entre o que somos por dentro e o corpo do mundo. Como espaço de passagem, habita-as o movimento, que nunca tem uma direção, mas duas, sempre entre um lado e outro lado, de entrada e, ao mesmo tempo, de saída.

Fazemos, assim, destas janelas pontos de fuga: para o mais íntimo do íntimo que somos, para o mais exterior do fora em que também moramos. E fazemos ressoar aqui as imagens e as palavras que nos tocam em dois tipos de janelas: janelas de casas em que moramos, janelas de ruínas em que também nos transformamos. Se o jogo entre a luz e a sombra é uma constante, não o é menos o jogo entre a palavra e o silêncio. E é nessa fronteira que acontece a criação.


Pontos de fuga 3. Murais Também a rua, por vezes, nos oferece pontos de fuga. Entre eles, ressoam particularmente em nós os que nos são oferecidos por murais ou grafitis. Num muro que se distende perante o nosso olhar ou na parede de um prédio que se projeta verticalmente, procuramos muitas vezes o que foge por entre os dedos dos olhos com que vemos o mundo, palavras que escutamos, mas que não foram ditas, sonhos que não chegam a ser sonhados, fragmentos de vidas no seu vibrante acontecer ou o tempo suspenso do esquecimento que é a forma suprema da ausência do tempo.

Todo o desenho tem sempre o seu ponto de fuga: seja numa página de papel, seja na parede de uma casa, seja no corpo em que se inscreveu à procura da sua identidade. E é para lá que caminham as palavras, numa escuta das imagens, dos seus contextos e molduras, dos seus traços e dos seus vazios, das suas vozes e do seu silêncio. Os desenhos e as imagens comandam o olhar. Mas a sua escuta comanda o seu ritmo, o seu sentido, o seu silêncio.

Fotografias: Elsa Margarida Rodrigues Poemas: João Maria André Impressão e molduras: FotoRaf (Tondela) Montagem e produção: ACERT Galeria ACERT 15 de Janeiro a 19 de Fevereiro de 2022 Rua Dr. Ricardo Mota, 14 3460-613 Tondela www.acert.pt

Estrutura financiada por


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.