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unipautas

JORNAL DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL • CAMPUS ZONA SUL • SEMESTRE 2017/2 • ANO V • NÚMERO 10

Verdadeiro ou

falso

em tempos líquidos


2 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017

OPINIÃO

F

A CULTURA DO FALSO

oi-se o tempo da mentirinha do bem. Quando alguém contava algo para não magoar outra pessoa, colorindo uma realidade cinzenta para preservar o interlocutor de uma frustração. Nos tempos de hoje, o politicamente correto embreta a sociedade em dois horizontes da mesma moeda: eufemismo e bullying. O desejo de ser aceito pelos semelhantes ou representativo para um grupo desencadeia um fenômeno em que conteúdo e embalagem não querem dizer necessariamente a mesma coisa. Entre a promessa e a entrega há um hiato. Time lines recheadas com fotos sorridentes, cenas deslumbrantes e frases de impacto colecionando likes evaporam em rotineiros exemplos da vida real: cumprimentar um vizinho ao entrar no elevador ou ceder o assento a um idoso no ônibus. As inquietudes que rondam nossas mentes trouxeram à tona o tema desta edição: a cultura do falso. O professor Francisco Amorim, na Escola de Reportagem III: Impresso, lançou e liderou o desafio aos inquietos do campus Zona Sul de contar histórias que mexem com a vida da gente. O resultado? Pautas que reacendem a importância da profissão em tempos líquidos. De fronteiras e conceitos. Ampliamos o número de páginas em 2017/2 para apontar lupas para apropriação cultural, tráfico humano, impactos das redes sociais, estelionato, estado laico e o nome social. E não para por aí. Outros temas palpitantes também ganharam olhares e ouvidos dos nossos reporteros. Um deles, que não poderia faltar, o fenômeno do fake news. Um assunto caro ao jornalismo e ao mesmo tempo enaltecedor de um dos seus pilares: a apuração, sem a qual o projeto de credibilidade desmorona. Costumo falar em aula sobre esse comportamento que inunda a web a partir de uma metáfora: usa uniforme, boina, cacete e coturno. É um policial militar? Não, é um guarda particular. Assim sendo, só me resta convidá-lo a ler com calma este Unipautas. E refletir. Afinal, entre o ser e o estar, existe o jornalismo para trazer doses de incertezas, vozes e espantos. Transformamos caos em causos. Verdadeiros. Leandro Olegário Coordenador dos cursos de Jornalismo e Produção Audiovisual

MOVIMENTOS SOCIAIS

O debate sobre apropriação

HIASHINE FLORENTINO

O

debate sobre a apropriação de símbolos sagrados ou de luta tem crescido nos últimos anos. A prática da capoeira ou o uso de tranças e turbantes apenas por modismo ou estética esvaziam o significado histórico e identitário, dizem especialistas. Para os negros, as discussões sobre apropriação cultural vão além da reivindicação de seus símbolos, elas buscam, sobretudo, torná-los símbolos de resistência em uma sociedade ainda racista. A história da colonização do Brasil, as diferenças nas relações raciais associadas à problemas estruturais pontuam o tema. Em seu livro “Pele negra, máscaras brancas”, o psiquia-

cultural

tra e filósofo francês Frantz Fanon cita que “para o negro há somente um destino, e ele é branco”, criticando o contexto em que o negro precisa se moldar e aparentar ser branco para ser aceito na sociedade. Paradoxalmente, o negro teve sua história apropriada. De acordo com a mestra em antropologia Aline Tusset De Rocco, a apropriação cultural está ligada à concepção de que, ao tirarmos símbolos do seu contexto, transformando elementos de resistência cultural, social e política em moda, eles perdem seu significado. “O grave problema é que a população negra continua sendo marginalizada, mesmo quando a sua cultura

se torna mais aceita”, reflete a antropóloga. Um exemplo são os dreadlocks – penteado surgido na América Central como uma maneira de retomar a africanidade e a autoestima perdida com o racismo –, que atualmente são muito utilizados por pessoas brancas, que desconhecem o significado original. Para a estudante de psicologia Kerolin Fagundes, de 22 anos, o desenvolvimento das indústrias propiciou que elementos culturais da população negra fossem violados e ignorados pelos indivíduos, perdendo o significado histórico. “Devemos respeitar e conhecer o que se utiliza, não sendo somente um acessório”, opiLEONARDO FERREIRA

A discussão sobre apropriação cultural ganhou força nas ruas graças aos movimentos sociais organizados

na a jovem, que participa do “Interfaces: Da cor ao corpo à violência do racismo”, projeto que reúne estudantes negros da UniRitter para debater sobre questões raciais. No entanto, o auxiliar técnico Vítor Duarte, de 20 anos, considera delimitador afirmar que “cultura tem dono”, pois seguir movimentos culturais característicos de outro povo é uma forma de expandir e unir o mundo, acabando com coisas inaceitáveis como o preconceito entre as etnias. “O verdadeiro dono da cultura somos nós, seres humanos. O que me deixa incomodado é o fato das pessoas quererem atribuir um domínio sobre algo”, expõe Vítor, que revela já ter sofrido preconceito por ser umbandista, religião de matriz africana. Segundo o professor de História Bruno Ortiz, mesmo que os africanos tenham sido traficados e trazidos para o Brasil de forma precária e desumana nos navios negreiros, forçados à escravidão e a métodos estúpidos como dar sete voltas na árvore do esquecimento – para deixarem o passado na África –, o processo de colonização não causou a perda de sua história, por mais coibida que tenha sido. “A identidade africana resiste. Os africanos não trouxeram seus familiares, amigos e utensílios, e mesmo assim fazem parte fundamental da cultura nacional”, conta Bruno. O professor foi o responsável pelas ilustrações do livro “Pessoas comuns, histórias incríveis: a construção da liberdade na sociedade sul-rio-grandense”, em parceria com o Laboratório de Ensino de História e Educação (LHISTE) da UFRGS. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% dos cidadãos do país são negros. Esse dado reforça o debate dos jovens e especialistas entrevistados. Os negros são mais da metade da população nacional, ou seja, é uma cultura dominante, mas a população continua na invisibilidade. A mudança passa pelo debate na sociedade.


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MODELOS DE BELEZA

LUÍSA MEIMES

JENNYFER SIQUEIRA

A

As mulheres representam 51,5% da população brasileira. Entre elas, 52,7% se declaram pretas e pardas

A cada final de semana, salões de beleza e lojas de comésticos lotam em Porto Alegre com mulheres em busca de bem-estar e autoestima. Nestes espaços, não raro, muitas se deparam com a imposição de um modelo importado. Seja nas capas de revista, nas peças publicitárias ou nos rótulos de produtos de beleza, o padrão europeu prevalece em um país de predominantemente negras e longe do arquétipo ideal. O modelo de mulher magra, alta, de cabelos lisos e loiros que está na lista de desejos contrasta com a realidade da população. Segundo a última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, 52,7% das mulheres brasileiras se declaram pretas e pardas. Para satisfazer esse público, metros e metros de prateleiras lotadas com produtos de tinturas e químicos para alisamento estão disponíveis em lojas espalhadas pelo centro da cidade. O mercado da beleza coloca as brasileiras no ranking das maiores consumidoras de serviços, procedimentos e produtos cosméticos segundo os relatórios da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmético (ABIHPEC) e a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAP).

O padrão errado A antropóloga e doutora em antropologia Ana Luiza Carvalho da Rocha analisa os critérios corporais e a moda como discriminantes. Para ela, ambos constroem um corpo que não existe para a mulher brasileira. “É uma mulher adolescente que não tem peito, não tem bunda, não tem cintura”, analisa. O contraste entre os modelos ideais e a realidade da população estão reproduzidas na insatisfação de seus corpos. A psicóloga Ana Maria Bercht ressalta que as características da identidade feminina são apresentadas para as meninas na infância, ensinando os modelos de certo e errado que serão reforçados e internalizados com o tempo. “Quando os estereótipos de gênero fazem parte do nosso dia a dia, é comum que moldem nossas crenças, como nos movemos no mundo e como enxergamos e lidamos com nós mesmas”, esclarece. Essa construção ocorre por um conjunto de fatores, explicam as especialistas. Para compreender como o gênero de determinado país ou região funciona é preciso ponderar contexto, cultura, sistema de valores, crenças, emoções e raízes históricas. No caso do Brasil, a antropóloga analisa que, apesar da participação cada vez maior da mulher na sociedade,

Mulheres lotam lojas de cosméticos em busca de produtos na Capital

ela ainda é vista mais como ob- Hamburgo, Andressa Lima, jeto do que sujeito. Elas concor- relata que por anos alisou o dam que a construção de belo cabelo. Durante a transição case difere entre mulheres negras pilar, usou megahair, e quando e brancas. Apesar de ambas en- assumiu o cabelo crespo nafrentarem as dificuldades do gê- tural, não encontrou, em um nero, as mulheres negras lidam primeiro momento, o mesmo com raízes históricas colocadas apoio e elogios de quando tiem seus corpos e falta de repre- nha os outros padrões estéticos. “A sociedade é muito cruel para sentatividade. A psicóloga reforça que a in- quem não está dentro das revisibilidade e a internalização gras”, relata. A falta de representatividade da opressão racial produzem marcas tanto físicas (alterações nos grandes veículos de comucorporais) quanto psicológicas, nicação foi identificada pelas chegando a atingir a autoesti- jornalistas Thaís Silveira e Rema da mulher negra de forma nata Lopes, criadoras da Reinimaginável. A psicóloga e vista Pretas, lançada em agosto coordenadora executiva da As- deste ano. O objetivo da dupla sociação Cultural de Mulheres é impactar e provocar positivaNegras (ACMUN), Simone mente. “Lutamos por esse proCruz, complementa que além tagonismo das mulheres negras da baixa autoestima, a depres- como algo que deve ser visto são pode causar prejuízos so- e deve ser aceitado”, diz Thais. ciais que podem chegar ao de- Como comunicadoras, as jorsemprego ou dificuldade com nalistas sentem falta da representatividade. Ela ainda aponta relacionamentos pessoais. Desde 2004, no entanto, o que, além da Pretas, a Revista número de pessoas que se au- Raça é a única nas bancas com todeclaram pretas e pardas nas pautas que contemplam o propesquisas do IBGE cresce gra- tagonismo negro. Para Simone, o movimento dativamente. O principal motivo, segundo as fontes ouvidas negro e a mídia são fundamenpela reportagem, é o fortaleci- tais para a desconstrução da mento do movimento negro, imagem rotulada e negativa da que atua na mudança dos pa- mulher negra. Nesse cenário, iniciativas drões culturais estabelecidos. A jornalista e coordenado- como a das jornalistas são exemra do Coletivo Afro Juventu- plos para o fim dos estereótipos de Hamburguense, em Novo ainda presentes no Brasil.


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NO BISTURI BRUNNA GRACO

Milena Dietrich, Dieniffer Duarte e Joana Schuch questionam as imposições da ditadura da beleza sobre seus corpos

Quando a plástica vira obsessão GIULLIA SANTOS

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ovidas pelo desejo de um corpo ideal, imposto por padrões de beleza da publicidade, mulheres se submetem a procedimentos estéticos invasivos. Muitas vezes, sem considerar os riscos e implicações físicas e sociais por trás desta decisão. No ano passado, mais de 800 mil procedimentos foram realizados no país – por um público majoritariamente feminino. Muito mais do que um aumento significativo nas estatísticas nacionais, a procura pela cirurgia plástica está relacionada às questões identitárias da mulher brasileira e à cultura do corpo perfeito no século XXI. Mulheres insatisfeitas com sua aparência encontram no

bisturi uma solução rápida para o problema. A pressão social pela perfeição do corpo, conforme a psicóloga Carla Menegat, tem um papel fundamental na procura por procedimentos estéticos. Mas o que move as pacientes? Quais aspectos psicológicos e socioculturais são determinantes? Representando 87% daqueles que optam pela cirurgia, as mulheres lidam com as imposições do mercado de beleza. Implantes de silicone, lipoaspiração e abdominoplastia lideraram o ranking de procedimentos mais realizados em 2016, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC). O cenário reflete um ideal de beleza buscado por tan-

tas brasileiras. Segundo a professora de psicologia da UniRitter e doutora em Sociologia, Elisabeth Machado, “o padrão de beleza é uma construção cultural, que varia com o tempo e reflete algumas estruturas de dominação”. No Brasil, o estereótipo barbie faz com que muitas mulheres tentem se adaptar a esse modelo, vendido desde a infância. A corrida contra o tempo influencia a procura por procedimentos rejuvenescedores e faz com que a cirurgia plástica seja vendida como solução para questões subjetivas relacionadas à autoimagem. O sociólogo Francisco Romão Ferreira, autor do livro “Ciência, arte e cultura no cor-

po: a construção de sentidos sobre o corpo a partir das cirurgias plásticas”, afirma em artigo que “a cirurgia plástica promove uma autoimagem forte e positiva, mas esquece de dizer que é a ideologia que constrói a necessidade dessa autoimagem”. Por influência do padrão de beleza, “algumas mulheres optam por uma intervenção cirúrgica sem necessidade”, analisa a psicóloga Carla. A cirurgia impacta diretamente na autoestima dos pacientes. Alguns procedimentos, no entanto, podem beneficiar a saúde das pacientes. É o caso da estudante de Engenharia Civil Catharine Costa, de 20 anos, que realizou uma rinoplastia em 2014. “Eu fiquei muito feliz com o resultado [...] era uma coisa que eu odiava no meu rosto e hoje não tenho mais problemas com ele, minha autoestima melhorou muito”, comenta a jovem, que realizou a cirurgia devido a problemas respiratórios. O cirurgião plástico Daniel Sakaki destaca a influência positiva para mulheres. “Ela fica mais autoconfiante, enfrenta melhor o dia a dia”, ressalta. Além disso, Daniel reforça a preocupação médica com os distúrbios de imagem. “Quando percebemos que a paciente possui algum transtorno, procuramos encaminhar para uma equipe multidisciplinar, com psicólogos e psiquiatras”, afirma. Em alguns casos não há

necessidade de uma intervenção cirúrgica do ponto de vista médico. Para a socióloga Elisabeth, “tudo precisa estar dentro de um limite”. O problema não está nos pequenos procedimentos, capazes de melhorar a qualidade de vida das pessoas, “a questão é a quantidade e o nível de sofrimento que isso produz”, afirma. É importante diferenciar quando a cirurgia se torna uma obsessão. As questões envolvendo o corpo são culturais, dizem os especialistas. “A produção de sentidos sobre a imagem do corpo e a percepção que o sujeito tem do próprio corpo é, ao mesmo tempo, individual e coletiva”, reflete Romão. “A cirurgia plástica não se trata apenas da construção de um corpo, mas muitas vezes, do apagamento de uma identidade”, explica Elisabeth. O que é considerado belo costuma ser pautado, por exemplo, em modelos ou figuras públicas. “É aquele corpo que, na realidade é um cabide, onde tudo que é colocado fica, um corpo que não tem forma”, analisa a socióloga. A perfeição imposta pelo padrão de beleza reflete nas estatísticas divulgadas pela SBPC, que registrou mais de sete mil cirurgias para correção de bochechas, mais de 10 mil suspensões de coxa e mais de 78 mil rinoplastias. A indústria da beleza incentiva a corrida feminina contra a balança, o tempo e o natural.


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NO MOUSE

Quando os mais fracos não têm vez VALÉRIA POSSAMAI

A

lcançar o lugar mais alto no pódio não é algo fácil e nem mesmo rápido. A alta performance requer uma rotina de preparação e treinamento. Mas em diversos casos, os atletas vêm encurtando o longo caminho por meio do uso artificial de testosterona – hormônio responsável por estimular o crescimento de massa muscular do corpo. Com o avanço da indústria farmacêutica, desde o século passado, passou-se a manipular a testosterona artificialmente, dando origem aos esteroides. A principal ação dessas substâncias é o aumento de água no interior das células musculares, fazendo com que os músculos cresçam mais rápido. O mestre em Ciências do Movimento Humano Adriano Detoni Filho afirma que “o atleta pode atingir oito vezes mais massa muscular do que outra pessoa”.

Possibilidade de resultados rápidos atrai atletas A popularidade de obter resultados fáceis e rápidos a partir dessas substâncias tornou-se um dos debate entre especialistas. O fisiologista da Seleção Brasileira e do Sport Club Internacional, Luiz Crescente, ressalta que os efeitos do anabolizante fazem com que o atleta consiga mais força e velocidade, mas que a manipulação é falha. “O ideal seria que eles fossem somente anabólicos, mas até agora não conseguiram, e os que temos no mercado têm algum efeito androgênico”, analisa. O resultado rápido acaba gerando inúmeros efeitos colaterais, colocando em xeque o ideário “mente sã, corpo são”. Conforme a coordenadora do curso de educação física da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS) Débora Garcia, entre os prejuízos à saúde está o risco de doenças cardiovasculares e hepáticas, elevação da pressão sanguínea, agressividade, depressão, dependência química, além de alterações hormonais nos homens e nas mulheres. Na busca de garantir a igualdade no esporte e a preservação

da saúde do atleta, criou-se o Código Mundial Antidopagem, regulado pela Agência Mundial Antidopagem (WADA). O trabalho de combate às irregularidades atua em duas frentes: a divulgação da lista de substâncias proibidas, ou métodos capazes de promover alterações no rendimento; e a análise do competidor através do exame de urina. Em caso de registro destas substâncias no organismo, o atleta e a equipe técnica poderão sofrer penalidades que vão desde o afastamento até a exclusão do esporte. Anualmente, a WADA divulga os números do doping no esporte mundial. A necessidade de vencer é uma das explicações para a utilização de esteróides pelos competidores, segundo o mestre em Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Rodrigo da Silva. De acordo com o coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto Internacional Correr Bem, do Rio de Janeiro, a pressão por resultados decorrente do patrocinador e da renovação contratual faz com que o atleta utilize as substâncias, muitas vezes, induzidas pelo próprio treinador. Os números mais recentes comprovam o aumento de casos da modalidade Bodybuilding, conhecida no Brasil como fisiculturismo. De segundo lugar em 2014, a modalidade passou a ter o maior índice de casos de doping em 2015. Assim como no âmbito mundial, no Brasil o fisiculturismo está entre os maiores casos de doping. Conforme informações da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), em setembro deste ano havia seis atletas suspensos das competições “pegos” no exame antidoping. O ex-fisiculturista e campeão nacional Ricardo Alves revela que utilizou a substância na época em que competia. “Nos anos 90, eu cheguei a fazer o uso. Aumentei 10 kg, mas sem qualidade muscular. Hoje, é preciso estar além do que o físico natural suporta” compara. Na próxima edição dos Jogos Pan-Americanos, em 2019, pela primeira vez o fisiculturismo estará entre as modalidades olímpicas. É esperar para ver como será a preparação dos atletas.

Beleza

redesenhada na tela do computador BRUNNA GRACO

A

retirada de uma mancha no rosto, alguns centímetros do quadril ou qualquer alteração no corpo de uma mulher em ensaios fotográficos têm um peso maior do que somente uma edição de imagem. Esses traços que formam a singularidade feminina tornam-se um incômodo e um problema para grande parte das mulheres no Brasil. A mídia reproduz imagens de uma estética cultural perceptível com frequência na televisão, na internet, nas capas de revistas e em filmes. Esse padrão de beleza, que é difundido pelos meios de comunicação todos os dias, se distancia da realidade, com milhares de alterações feitas por softwares de manipulação. O impacto dessas imagens e ideais pelo corpo perfeito cria no inconsciente feminino uma busca incessante pela perfeição que é criada na tela de um computador. No estudo “A construção da imagem ideal da mulher na mídia contemporânea”, a psicóloga e mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo Helena Miranda dos Santos descreve que toda imagem veiculada pela mídia, principalmente em outdoors, revistas e anúncios em geral, é modificada previamente por softwares específicos de edição, como o Adobe Photoshop. O programa, criado na década de 1990 para alteração da imagem digital, acabou mudando o padrão de beleza já existente na TV e no cinema. O padrão de corpo arredondado, estatura média, cabelos compridos e curvas acentuadas é deixado no passado quando começam os anos 2000. “Entram os programas de computadores, bem como o aumento dos números de academias, de dietas muito específicas, a diversificação dos tipos de alisamentos de cabelos e das chapinhas. Tudo isso está ligado a um ideal de perfeição de um corpo escultu-

ral e de um cabelo liso”, afirma Bruna Rodrigues dos Santos, doutoranda e historiadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A Constituição Federal e o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor garantem que toda oferta deve ser clara e assegurar informações corretas sobre o produto anunciado. Neste ponto, toda a imagem que recebe tratamento de computação gráfica deveria conter um aviso para que o consumidor saiba diferenciar a publicidade da realidade. No artigo “O uso de programas de edições de imagens em publicidade e propaganda e garantia constitucional da defesa à saúde do consumidor”, Alexandre Gazetta, mestre em direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM) e Celso Jefferson, doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE), dissertam como o uso constante de imagens que fogem da realidade afeta a população.

Bulimia e anorexia em busca do corpo perfeito De acordo com os autores, é comum encontrar casos de adolescentes que sofrem com bulimia, anorexia ou outras doenças que são causadas pela ânsia de ficar igual ao que é visto.”Os problemas começam quando pessoas ‘comuns’ vêem tais imagens e imaginam como podem conseguir ficar iguais, ou ao menos muito parecidas”, apontam. No ano passado, por exemplo, a estudante Brenda Guimarães da Luz, de 16 anos, foi fotografada para a loja Mardu Boutique e, segundo a modelo, a alteração requerida pela dona da loja foi a retirada de

manchas, espinhas e celulites. Brenda afirma que notou diferença em seu rosto e suas pernas. Celulites foram removidas e o seu rosto suavizado, quando questionada sobre se sentir mais bonita com o resultado das fotos respondeu “Não, eu sei que aquilo é só uma edição”. A fotógrafa de produto e eventos Bruna Antunes está há cinco anos no mercado. No período de 2012 a 2013, trabalhou com ensaios femininos. Bruna acredita que o uso de alterações acaba tendo efeito contrário na autoestima da cliente. As referências que não existem no mundo real fazem com que algumas mulheres procurem se encaixar nesse padrão impossível de beleza. “Sem se sentir feia, a gente não consome os cosméticos, roupas, dietas, cirurgias - e até fotos editadas. Jamais a mídia vai ser fiel à realidade”, analisa a fotógrafa. O mais recorrente entre suas clientes são frases como “me deixa capa de revista” ou “me deixa igual à Beyoncé”. Segundo a psicóloga e doutora em Serviços Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Andreia Mendes dos Santos, o padrão de beleza é estipulado pela mídia em um determinado momento. Quando a mulher que almeja ter o corpo perfeito nota que nunca irá alcançar aquela idealização, mesmo que se submeta aos melhores procedimentos estéticos, ela acaba sofrendo. “O padrão estético da mulher hoje é um padrão de consumo, comprado e adquirido. Então, nosso padrão de beleza é imposto, idealizado, que não leva em consideração cada tipo físico, cada cultura e necessidade humana”, avalia. O resultado é um impacto negativo na autoestima de algumas mulheres, o que pode ser avassalador, resultando em doenças sérias.


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REDES SOCIAIS

Ascensão dos digital influencers MARJORIE PAULA

MARJORIE PAULA

N

a era digital, diariamente surgem novidades em relação a conteúdos produzidos na internet. Em redes de fotos, textos, stories, curtidas e compartilhamentos, tudo acontece rapidamente. Neste contexto, despontam influenciadoras, conhecidas como digital influencers. Uma delas é Lettícia Soares, que vê nas redes uma oportunidade de se comunicar com o público feminino. De acordo com os dados da última edição da YouPix Con, no Brasil, apenas 2% dos influenciadores geram cerca de 54% das interações na redes. Dos 40 maiores anunciantes do país, 67% já se preocupam com estratégias que incluam os digital influencers. O empreendedor Marcus Coelho viu uma oportunidade e, ao perceber o aumento da interferência desses perfis na vida das pessoas e os possíveis impactos, criou o Digital Influencer. Desenvolvida para sintetizar o gerenciamento de perfis de influenciadores, a ferramenta auxilia no manejo de propostas, selecionando métricas para aumentar a popularidade. Atualmente o projeto possui mais de duas mil contas ativas e já está disponível em mais de 25 estados. Mesmo antes do surgimento desses aplicativos, a colunista do ATL Girls, Lettícia Soares, de 23 anos, já era uma influenciadora. Tendo como hobby a escrita, criou o “Fala Brigitte!”, em abril de 2016, e hoje tem mais de 10 mil seguidores. Lettícia utiliza o blog como um

meio de se comunicar com o público e declara que adora saber a opinião das pessoas sobre suas postagens. Diariamente, a influenciadora recebe mensagens de como o seu olhar sobre a vida muda os seus seguidores. “Acredito que eu bato muito na tecla de quebra de padrões, automaticamente acredito que tenho influenciado as pessoas a se sentirem felizes consigo mesmas e verem seus corpos como companheiros e não algo contra o que lutar”, ressalta. O mestre em Comunicação e professor do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) Francisco Santos acredita nas mudanças que as redes sociais podem causar nas pessoas. Para ele, a internet é uma ferramenta que possibilita conexões de pessoas com diferentes comportamentos, de diversos lugares do mundo. Ao fazer referência às realidades criadas, o professor afirma que “até mesmo antes da rede social surgir”. De acordo com ele, existe diferença entre o que é projetado nas redes e o que a pessoa realmente é. Pode estar aí, segundo muitos especialistas, o motivo do sucesso das redes sociais. Entre os consumidores destes conteúdos, estão usuários da rede como Josi Flores, de 21 anos. Ela gasta aproximadamente quatro horas do seu dia para assisti-los nas redes e se sente diretamente atingida pelos perfis que segue. “Tenho grande vontade de me vestir como elas, tirar fotos legais como as delas e fazer as viagens também”, comenta. Segundo o professor e sociólogo Rafael Barros, as redes sociais permitem certo anonimato e uma sensação de empoderamento em suas vidas, tanto em situações objetivas quanto em projeções. “A realidade virtual torna-se um lugar fluido, líquido onde as certezas estão suspensas, pois os fluxos de informação são dinâmicos e voláteis”, diz Barros, citando Zygmunt Bauman, que refletia sobre as relações entre os seres humanos. Santos lembra que, antes mesmo do surgimento da internet, o escritor francês Guy Debord já utilizava o livro “Sociedade do Espetáculo” para mostrar que nos grandes centros urbanos existe um tipo de comportamentoexibicionista. E é isso que parece atrair tantos usuários nas redes sociais.


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CONSUMO

O comportamento consumista entre jovens brasileiros ALINE MARQUES

A

s redes sociais se tornaram uma grande arma publicitária incentivam os jovens a consumirem, assim como criam o desejo por um mundo de perfeição, quase sempre idealizado. Em pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 79,4% dos pesquisados garantiram não ligar para marcas, sendo mais importante a qualidade do produto. No entanto, quatro em cada dez pessoas acreditam que bens materiais mostram o estilo e a personalidade de quem os possui, e 36,8% valorizam quando as pessoas chamam atenção por onde passam pelo estilo de vida e objetos que possuem.

Quatro em dez acreditam que bens material garatem estilo pessoal, revela pesquisa Como especialista em aconselhamento familiar, a psicóloga Denise Machado Smith diz que a passagem da adolescência para a juventude é o momento de formação de identidade. Nesse período, os indivíduos atravessam a fase de liberdade, de busca de personalidade e de valores, sem impor restrições a si mesmos, tendendo a apreciar e valorizar a vida social e a diversão. “É nessa fase que o comportamento consumista pode desempenhar um papel central na vida dos jovens, uma vez que estes usam os padrões de consumo para definir a sua identidade e para integrar-se nos diversos grupos sociais. As redes sociais tem uma grande influência sobre isso, assim como celebridades e influenciadores digitais’’, afirma Smith. “Eu gosto de comprar, mas não faço isso uma prioridade na minha vida porque a Bruna Marquezine está usando aquela roupa”, relata Ana Maria Rios

Lima, estudante de radiologia de 21 anos. Ela considera que comprar roupas e acessórios para estar na moda ou ser aceito por grupos de amigos é bobagem e perda de tempo e de autoestima. Para Ana, a vida é muito rápida para esses tipos de “neuras”, mas admite que já pensou assim quando nova. Ao longo dos anos, percebeu que a prática não trazia benefícios, era apenas “futilidade de uma adolescente”. Para o sociólogo Pedro Lucas Alvez, com o movimento, a valorização e o desejo de pertencimento, as grifes famosas vão se articulando e lançam produtos e imagens que se transformam em símbolos e signos que influenciam as identidades dos grupos juvenis, criando a necessidade de ter para ser: ser aceito, ser jovem ou, simplesmente, ser feliz. Em uma sociedade onde a imagem e a aparência são importantes, os jovens buscam de toda forma ostentar para seu grupo de amigos e, dessa forma, se submetem a manter determinada aparência, mesmo que isso consuma a metade de seu salário, por exemplo. Para a técnica de gastronomia Márcia Perreira Baldon, de 22 anos, consumir é um momento de tranquilidade e paz, é a forma que ela usa para se desestressar: mesmo comprando apenas uma “blusinha” ela já se sente leve. Márcia diz que, às vezes, vale a pena comprar algo mais caro para se sentir especial. “Eu sempre gostei de estar na moda, desde muita nova eu acompanhava a blogueira Camila Coelho e seguia tudo que ela falava. Hoje eu não sigo tanto, mas, sempre quando posso, compro alguma roupa parecida com a dela. Sempre tento estar atualizada”, relata. A busca por uma identidade única é um dos problemas que os adolescentes frequentemente encaram, desafiando autoridades e regras como um caminho para a autodescoberta. Nessa etapa, artistas e influenciadores digitais, por exemplo, servem como modelos a serem seguidos, o que aumenta a pressão sobre jovens.

O preço dos likes JUAN LINK

O

uso de celulares para acesso à internet faz com que as pessoas publiquem nas redes sociais todo e qualquer momento vivido. Imagens de ocasiões atípicas tornam-se mais frequentes nas timelines devido à praticidade dos aparelhos eletrônicos e avanços da tecnologia. No entanto, esses usuários fazem das mídias o lugar para a busca da vida ideal, e seu uso descontrolado pode causar prejuízos sociais e econômicos. Recentes pesquisas apresentam um quadro de alerta. O Suplemento de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 mostrou que o uso dos celulares para acesso à internet no Brasil era de 80,4%. Os adolescentes entre 15 e 17 anos eram os que tinham os maiores percentuais de acesso - 81,8% dos jovens dessa faixa etária já faziam uso da ferramenta. O mestre em psicologia e professor da UniRitter Igor Londero explica que não há apenas uma única justificativa para o fato da busca de likes, pois cada pessoa possui seu próprio motivo. No entanto, Londero afirma que parte dos usuários que buscam essa “aprovação” nas redes, constrói na internet uma vida ideal que não condiz com a realidade. O efeito da frequência das curtidas pode ser uma relação entre o prazer e alívio, segundo o professor, pois, em alguns casos, o alto número de curtidas deixa o usuário satisfeito. Já a falta dessa aprovação pode causar sofrimento para esses usuários. Compartilhar momentos pode acabar em transtornos econômicos para o paíss. Ao ex-

ceder seu limite de crédito em compras para mostrar em redes sociais, a pessoa pode aumentar despesas mensais sem necessidade. Caso não pague uma dívida em 90 dias, pode-se, por exemplo, entrar no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC/Serasa).

9,4 milhões de jovens endividados no Brasil Os jovens perdem apenas para a de pessoas entre 41 e 50 anos de idade. O grupo representa 19,1% dos devedores, de acordo com estudo do Serasa Experian de março de 2016. A economista Clarisse Bittencourt explica quais os riscos que a inadimplência pode promover. Um deles é que quanto maior a capacidade ... econômicos, mais os gastos podem ficar comprometidos, resultando em menor demanda e menor venda. “Quando não ocorre a venda, não há estímulo para se investir, pois não há perspectiva futura de aumento das vendas. Se não tem investimento, há menos emprego, menos pessoas consumindo e menor o nível de renda e se repete esse ciclo”, afirma. Diante desse quadro, Clarisse mostra uma possibilidade de retomada à estabilidade econômica. Ela demonstra que a interrupção ocorre quando surge uma nova ideia que estimule a economia, fenômeno possível apenas se houver expectativas positivas por parte dos agentes econômicos. Porém, a economista esclarece que, para isso, investidores devem acreditar no

mercado. Além do problema econômico, existe o distúrbio social. Nem só de lazer vive a internet. Textos com opiniões diversificadas, geradoras de discussões e polêmicas, competem com a ostentação. O professor de filosofia Sérgio Portella explica que o motivo que leva pessoas a ter uma vida “falsa” nas redes é a falta de conhecimento. “Prejudicial é a estrutura opiniática tomada como cultura que proporciona isso. A própria noção de especialista, quando investida sobre quesitos de controle dos desejos – marketing, por exemplo – já anuncia a ausência de critérios substanciais presentes”, alerta o professor sobre os perigos. Sérgio também menciona um fenômeno que, até então, se encontrava oculto na sociedade: a intolerância. “Não nos tornamos intolerantes nos últimos anos. Simplesmente demos voz para algo que não tinha sido exposto. Seja pela conivência dos meios de comunicação ou pela condição de senso comum que é compartilhada pela pseudo-elite letrada brasileira”, explica. Roberto Elias Santos, de 21 anos, é usuário assíduo das redes sociais. Ele concorda que as mídias incentivam o alto nível de consumismo. Para o jovem recepcionista, as redes são as principais impulsionadoras na hora da compra, principalmente para uma foto, que será postada para chamar a atenção. “Podemos até fugir, dizendo que é um absurdo falar que precisamos dos likes, mas um grande número deles se torna prazeroso”, declara. Para Roberto, as pessoas usam as redes sociais como forma de passar uma impressão ilusória da vida. “Na verdade, usamos da mentira”, acredita.


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VIDA

A ilusão da fuga pelas drogas

GABRIEL SCHARDONG

S

ubstâncias entorpecentes droga. Naquele momento, sua acompanham a humani- vida mudou. “Com o tempo, as dade há milênios, dizem coisas só foram piorando”, reos cientistas sociais. Alguns bus- lembra. cam nelas um prazer momentâO doutor em Sociologia da neo, outros, fugir de sua difícil Universidade Federal do Rio realidade. Diante do momento Grande do Sul (UFRGS) Dani conturbado vivido em nosso Rudnicki explica que a busca país, os entorpecentes surgem dos entorpecentes para escapar como uma saída para parte dos momentaneamente dos problebrasileiros. Pobreza, discrimina- mas trata-se de um fator social. ção, desemprego, alto nível de Por isso, a escolha passa a ser estresse no trabalho e conflitos mais social do que individual, familiares são as razões mais completa o professor de Direito comuns para os usuários. O da UniRitter. tabaco é uma das formas de se iniciar nas drogas e matou, por exemplo, mais de 140 mil brasileiros em 2011, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Jader dos Santos é um exemplo. Dependente químico em recuperação, como o próprio se classifica, passou cinco anos de Um ano depois, Jader conhesua infância e adolescência no mundo das drogas. No início, ceu a cocaína. Por ser uma drofazia uso de substâncias con- ga mais cara, fazia uso apenas nos finais de semana, pois, sem sideradas mais leves – como a emprego, não tinha condições cerveja e o cigarro – até chegar de arcar com os custos. Jader ao entorpecente mais temido, o continuou os estudos, forçado crack. Fez uso de substâncias por sua mãe. AA procura de dos 12 aos 16 anos. Hoje, aos 29, ele lembra como foi sua tra- dinheiro para consumir a droga começou já no tráfico. Não jetória e por quais momentos ficava com o dinheiro. Ele tradifíceis passou. ficava apenas para manter seu Aos 12 anos, Jader começou a fumar escondido de sua mãe. vício. Suas más companhias assaltavam e ele os acompanhava, Seu pai “brincava” lhe dando a espuma da cerveja para experi- pois “achava legal”. Mesmo não participando dos roubos, Jader mentar – para ele, foi quando tudo começou. Segundo a Pes- aproveitava a oportunidade para poder se drogar. quisa Nacional de Saúde do Para o professor e mestre em Escolar, realizada em 2015 pelo Psiquiatria Igor Londero, uma Instituto Brasileiro de Geografia das causas mais comuns que e Estatística (IBGE), 55,5% dos levam ao consumo de drogas estudantes do 9º ano do ensino fundamental de escolas do Bra- são problemas psicológicos em sil já consumiram bebida alcoó- que os entorpecentes servem como automedicação. Londero lica alguma vez na vida. explica como um especialista Jader fez amizades que o lida com pacientes nesse estado. apresentaram à maconha ainda muito jovem. O sonho de ser “Cada caso deve ser avaliado individualmente para o correto jogador de futebol ficou mais distante quando, aos 13 anos, diagnóstico, pois pode ser um caso de uso esporádico ou deo menino morador do bairro Chapéu do Sol, em Porto Ale- pendência(...) a questão chave de um tratamento bem-sucedigre, foi apreendido portando a

Início da adolescência é fase mais vulnerável

do é a avaliação”, ressalta. Os estímulos vêm de todos os lados, dizem os especialistas. Por ilustrar propagandas de diversos produtos, a publicidade, muitas vezes, pode ter papel fundamental. Apesar disso, o mestre em Comunicação e Informação Geferson Barths explica que atualmente a publicidade de drogas lícitas é controlada de forma muito eficiente

no que se diz respeito à apologia. Segundo ele, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) apresenta as regras de forma muito clara. Todos têm o direito de divulgar suas marcas, desde que obedeçam à lei e mostrem também os possíveis malefícios que o produto pode causar. Aos 16 anos, Jader experimentou crack. Durante oito

meses usou praticamente todos os dias, muitas vezes sem descanso. “A situação em que eu me encontrava, nem eu me aturava mais”. Passou por uma internação em uma comunidade terapêutica. Há 13 anos sem consumir drogas, hoje Jader trabalha na construção civil e garante não sentir mais vontade de voltar para aquela vida.

O drama dos jogadores compulsivos PAULO RICARDO CABREIRA NETTO

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ominadas pela compulsão de ganhar dinheiro através de bingos e máquinas caça níqueis, frequentadores do Jogadores Anônimos (JA) falam de suas angústias e superações para tratar a doença. Enquanto o Ministério Público e a Polícia Civil agem em operações para combater as casas de jogos, a Winfil abre na zona sul da Capital. “Desde criança, nas pequenas brincadeiras, eu comecei o gosto pelos jogos. Quando eu tinha 16 anos, eu comecei a jogar o pôquer online e ganhei R$ 120 mil. A partir daí, eu larguei meu emprego e as duas faculdades que estava fazendo na PUCRS, Economia e Administração, para ganhar dinheiro nos jogos”. Este é o relato de João, nome fictício para preservar sua identidade. O jovem de 24 anos, há quatro meses, está em tratamento no Jogadores Anônimos, para tratar da sua compulsão. João conta que nas suas férias, em viagens internacionais, gastava todo o dinheiro que ganhava dos seus pais em jogos. Devido ao vício, ele perdeu todo o crédito com familiares e amigos, pois pedia dinheiro para jogar em máquinas caça-níqueis e

no pôquer. Foi internado em uma clínica de dependentes químicos logo que avisou seus pais do vício em jogos, mas não obteve resultado. Hoje ele faz parte do JA. O jovem já ficou 84 dias sem jogar, mas recentemente teve uma recaída. Assim como ele, outras 30 pessoas também procuram ajuda no mesmo centro. Caso de José (nome fictício), de 34 anos. “Eu comecei a ganhar dinheiro depois que parei de jogar. Eu não quero dizer que quero parar de jogar pelo resto da vida, eu só quero parar a cada dia, por 24 horas”, repete.

Jogos de azar são proibidos no Brasil Para o psicólogo Antônio Marcos, o indivíduo se torna um refém do jogo patológico, pois não consegue dominar o impulso, ou seja, ocorre um descontrole dos impulsos acarretando consideráveis prejuízos em sua vida, como valores, compromissos sociais, ocupacionais, materiais e familiares. Na sua visão, os indivíduos

que sofrem e são diagnosticados deste transtorno acabam por colocar em risco seu trabalho adquirindo grandes dívidas. Muitas vezes, violam a lei para obtenção de dinheiro. “O jogador patológico acaba se sabotando, ficando envolvido, direcionando sua vida apenas para o jogo. Referente ao comportamento dos jogadores patológicos, relatam uma vontade incontrolável de jogar, o que é impossível de dominar”, afirma. O Promotor de Justiça David Medina da Silva sabe que certas estratégias em casas de jogos condicionam as pessoas para apostar. “Essa questão da ilusão é tudo aquilo que tem uma aparência que esconde outra, impede a pessoa de ter acesso a verdade por trás do procedimento. A questão da manipulação da atenção”, conta. Conforme ele, algumas máquinas têm imagens de mulheres bonitas, carros, coisas relacionadas ao desejo do apostador. “Isso faz com que o apostador acredite que vai ganhar a banca. “O que interfere é um aspecto mais psicológico, é aquele que atrai as pessoas para ganhar dinheiro fácil, e essa possibilidade é enganosa”, acredita.


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PROMESSAS

LUANA DE OLIVEIRA

LUANA DE OLIVEIRA

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ados das Nações Unidas apontam o tráfico de seres humanos como o terceiro crime mais rentável do mundo, movimentando cerca de U$ 32 bilhões por ano. Exploração sexual, trabalho escravo, adoção ilegal e tráfico de órgãos são alguns crimes relacionados. Muitas vítimas são enganadas pela promessa de uma vida melhor, outras, retiradas à força de suas famílias. Segundo o cientista social, mestre e doutorando em Sociologia Thales Speroni, que estuda imigração e minorias étnicas na Universidade Autónoma de Barcelona e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o suborno é apenas uma das práticas. Ele explica que, em casos envolvendo crianças, por exemplo, os pais podem, ou não, ter conhecimento da intenção de tráfico. “Na maioria dos casos, o aliciador é uma pessoa conhecida e, às vezes, quem suborna também está sendo vítima”, declara. O pesquisador conta que o próprio aliciador pode acreditar no que está propondo, não tendo ideia da situação na qual está pondo a outra pessoa. Instituições e órgãos de Direitos Humanos têm trabalhado para auxiliar as vítimas do tráfico de pessoas e suas famílias. O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, referência internacio-

Enganados por um sonho

nal reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), afirma que esse crime é comum no Norte e Nordeste do país, mas que no Rio Grande do Sul a ocorrência tem aumentado. O último caso que chegou ao seu conhecimento foi em um município do interior, onde pessoassupostamente ligadas ao Conselho Tutelar estariam retirando crianças de suas famílias alegando maus-tratos. Uma delas teria sido levada para a República Dominicana. “A mãe deu à luz, e logo em seguida, a criança lhe foi tirada”, relembra. De acordo com Krischke, as famílias vulneráveis são as que mais caem nas falsas promessas. A rede Um Grito Pela Vida é uma das entidades que lutam pelo fim do tráfico de pessoas, dando palestras em escolas e divulgando seu trabalho no Rio Grande do Sul. O objetivo é conscientizar, mobilizar, capacitar e prevenir a ocorrência do crime. A coordenadora da rede, irmã Maria Bernadete Macarini, explica que no Brasil a ONG possui 27 núcleos nas cinco regiões de atendimento. Ela esclarece que há casos em que a pessoa aceita ir para um lugar por acreditar que lá terá uma vida melhor. Um exemplo citado pela irmã é o de uma criança levada para longe da família para treinar em um clube de futebol. Logo em segui-

da quis voltar por ter jornadas exaustivas de treinos e falta de alimentos. No Brasil, um dos principais segmentos de tráfico de pessoas é para fins de trabalho análogo ao escravo. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), carvoarias e plantações de cana são os principais locais de exploração. Nesses casos, as vítimas são de altos níveis de vulnerabilidade social, moradoras de regiões com graves problemas sociais e têm baixo nível de escolaridade.

Brasil está entre as rotas internacionais Levadas para fora de seu estado, são submetidas a jornadas exaustivas de trabalho em lugares de difícil acesso. Além de não receberem o salário prometido, as vítimas ainda são obrigadas a pagar por tudo o que consomem, contraindo dívidas com seus patrões, o que as impede de voltar para casa até a quitação. Em operação no sul do Pará, no início da década, o inspetor da PRF Rodrigo Cardozo Hoppe, por exemplo, encontrou vítimas em situações degradantes. Com o resgate da Polícia Rodoviária Federal (PRF) junto ao Ministério do

Trabalho (MTB) e Ministério Público do Trabalho (MPT), foi descoberto que as fazendas pagavam depois de dois ou três meses aos trabalhadores, que recebiam cerca de R$ 40, pois além de utensílios de trabalho, eram cobrados por alimentação e estadia. As ações são realizadas por meio de mapeamentos do MTB e MPT, a partir de denúncias que chegam até eles ou através da Polícia Civil. A Polícia Federal tem trabalhado em investigações para conter quadrilhas nas rotas de tráfico de pessoas que envolvem as fronteiras nacionais. Em 2013 houve um caso em Uruguaiana, em que asiáticos estavam sendo levados da fronteira à Buenos Aires para trabalhar numa tecelagem em uma colônia chinesa. Segundo o delegado da cidade, André Luiz Martins Epifânio, na época, as pessoas foram encontradas e levadas à delegacia. “Ao localizar a quadrilha e levá-los até a delegacia, analisamos os documentos e vimos que os vistos eram falsos”, diz Epifânio. Ele chegou à constatação de que se tratava de um grupo organizado que trazia os estrangeiros, tendo Uruguaiana como rota. A quadrilha foi julgada e condenada, e as vítimas levadas ao seu país de origem. O delegado afirma que, muitas vezes, é difícil localizar os criminosos, pois

muitos são estrangeiros. O tráfico de pessoas envolve também cruzeiros luxuosos. Agências de turismo prometem condições de trabalho perfeitas e um ótimo salário. Alexandre Frasson teve sua filha detida na Espanha em 2012, acusada de tráfico de drogas. Segundo ele, o namorado teria posto cocaína na mochila da jovem. Na época, Bruna Frasson trabalhava como nutricionista em um cruzeiro, da empresa Costa Cruzeiros, e teria sido vítima de trabalho análogo ao escravo, conforme o pai. “O salário era bem menor do que prometeram, pois descontavam tudo, e as condições de trabalho eram terríveis”, relata Frasson, hoje vice-presidente regional sul da Organização de Vítimas de Cruzeiros (OVC). Procurada, a empresa disse em nota que se dedica à comercialização de viagens a bordo de navios, não mantendo relação direta com os tripulantes a bordo. Por essa razão, a companhia desconhece os detalhes do recrutamento e das contratações. Bruna foi solta em 2015. Das estradas aos cruzeiros, das fronteiras às fazendas, o tráfico de pessoas continua fazendo vítimas no Brasil. Para os especialistas, o combate passa pela investigação de organizações criminosas a partir de denúncias de vítimas, amigos e familiares.


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SAÚDE

A dor da magreza

LARISSA PESSI

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ítima de bullying e sofrendo de compulsão alimentar aos 12 anos, Isabela Winogard Waddington começou a sentir-se insatisfeita com seu corpo. Treze anos depois, ela continua buscando uma dieta que a ajude a emagrecer rapidamente. Após experimentar diversos regimes, ela descobriu o lowcarb – um programa alimentar que restringe a ingestão de carboidratos e incentiva a de proteínas. Nas duas semanas em que seguiu o método de emagrecimento, perdeu seis quilos. Entretanto, teve que desistir por sentir-se muito fraca e sem energia, além de ter que lidar com fome e irritação constantes. Casos como o de Isabela são comuns na população feminina mundial. Em uma cultura ocidental que cultua o corpo magro, não é de se surpreender que uma em cada cinco mulheres sofra de algum transtorno alimentar, segundo a Associação Americana de Psiquiatria. Outra pesquisa, da Common Sense Media, revelou que, desde os cinco anos, as meninas já expressam o desejo de serem mais magras. A antropóloga e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Helisa Canfield diz que a procura pelo emagrecimento aumentou com a disseminação de informações na internet. Em pesquisa nacional feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 94,3% das entrevistadas afirmaram utilizar redes sociais. Outro estudo, das instituições australianas Universidade Macquarie e da Universidade de Nova Gales do Sul, revelou que bastam 30 minutos navegando pelo Instagram para que uma pessoa forme ideias negativas sobre seu próprio corpo e sua aparência. E é justamente nesta rede social onde se encontram algumas das maiores digital influencers. Além de estimular a noção de corpo ideal, estas


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Entre os homens,

toda a força parece não ser o suficiente PAULA CHIDIAC

personalidades também podem propagar informações erradas sobre dietas. Um exemplo é a ex-BBB Mayra Cardi, que tem mais de um milhão de seguidores no Instagram e diz ser nutricionista esportiva. Cardi é criticada por profissionais da área da nutrição por montar planos alimentares no programa Seca Você, mesmo sem formação. A nutricionista Luana Flores diz que, devido a essa influência digital, se tornou muito comum pacientes chegarem ao consultório com a ideia de qual dieta querem seguir e, inclusive, questionarem o plano alimentar feito por ela.

Dietas severas colocam em risco saúde de milhares de jovens no país É através da alimentação que as pessoas manifestam quem são e a que grupo pertencem. Para Helisa, “na maioria das vezes, elas estão tentando se identificar e respondendo ao padrão social e cultural dominante”. A necessidade de pertencimento que estimula a busca de dietas em revistas e sites. Uma das mais populares atualmente é a lowcarb, seguida por Isabela. Flores explica que a prática leva à rápida perda de peso, mas não pode ser executada por um longo período. Após seis meses, os pacientes começam a ter fome, baixa de substâncias importantes para o funcionamento regular do cérebro, entre outros sintomas. “Esses carboidratos que são retirados baixam a ingestão de micronutrientes, vitaminas [...] e tudo mais”, completa. A doutora e pesquisadora em Nutrição Luciana Antunes, esclarece que, sob a lowcarb, o corpo converte

proteína em energia, o que não é o correto. “É o que ocorre em estado de desnutrição”, explica. O jejum intermitente - ficar de oito a 14 horas sem comer - também se popularizou. Luana diz que a prática foi criada para pessoas que têm compulsão alimentar, principalmente na obesidade. O problema é o uso indiscriminado da prática com o objetivo de perder peso e sentir menos fome, o que pode ser prejudicial para o funcionamento normal do organismo. A doutora se diz radicalmente contra dietas. Além da prática poder levar a um transtorno alimentar, a pesquisadora explica que o corpo humano não tem uma estrutura neurobiológica preparada para privação. Por isso, se há uma perda de peso ao restringir determinados alimentos, ela pouco se sustenta. Para corroborar com o argumento de Luciana, uma pesquisa da New Atkins Nutritional Approach, do Reino Unido, revelou que mulheres passam um quarto de suas vidas seguindo regimes alimentares, sendo que, em média, desistem da prática após cinco semanas. É consenso entre as profissionais da área da nutrição a necessidade de reeducação alimentar e mudança na relação com a comida. Luciana enfatiza que a procura deve ser também pela melhora da saúde psicológica. Sem isso, é impossível manter o peso após uma dieta e ser saudável. “Não existe mágica”, afirma Luciana. Um mesmo regime não vai funcionar para várias pessoas, já que cada uma tem suas particularidades. Especialistas dizem que, ao pensarem no plano alimentar, os nutricionistas devem considerar não somente o objetivo, mas também o metabolismo, o tipo físico, a rotina e a condição financeira do paciente. Além disso, é importante trabalhar aa autoestima das mulheres.

C

omo atingir padrões de beleza é uma pauta frequente tanto nas redes sociais quanto na imprensa. Embora os debates sobre a imposição estética presente na mídia tenham ganhado relevância, certos aspectos ainda têm sido pouco explorados. A vigorexia, conhecida também como Síndrome de Adônis – em referência ao jovem de grande beleza presente na mitologia grega – é uma doença que leva o indivíduo a buscar um corpo musculoso utilizando da atividade física em exagero e, em alguns casos, o uso de esteróides anabolizantes de maneira indiscriminada. A força é muitas vezes ligada à masculinidade, fruto da ideia de homens que caçam e protegem sua família. Porém, um estudo publicado na revista Kinesis mostrou que a maior parte das pessoas que frequentam academias de ginástica é mulher, sendo a musculação o exercício mais procurado por ambos os sexos. Pesquisadores divergem na hora de apresentar uma predominância de gênero na vigorexia.

Doença é chamada de anorexia reversa Acredita-se que exista influência até mesmo da genética, uma vez que normalmente são pessoas que não se enquadram no padrão de beleza vigente e pensam que, modificando seu corpo, serão mais aceitas pela sociedade. Segundo o psicólogo e psicanalista especializado em transtornos do comportamento alimentar Roberto Vasconcelos, o tratamento envolve diversos profissionais, como nutricionista, professor de educação física, psicólogo e endocrinologista. O processo deve ser feito da maneira mais individualizada pos-

sível. Alguns dos sintomas citados pelo especialista são a distorção da autoimagem, dores musculares constantes, lesões articulares, cansaço, depressão e irritabilidade. Além de que a obsessão pode levar a quadros psiquiátricos associados. Os esteróides anabolizantes ocupam um espaço de grande preocupação na vigorexia. Eles são hormônios produzidos pelo organismo, podendo ser suplementados de forma sintética. Segundo a médica especializada em emagrecimento e medicina biológica alemã Débora Ballaguez, o uso da substância é indicado por profissionais em diversos casos, desde ganho de massa magra até recuperação de força no pós-operatório. Os atletas de alto rendimento também podem utilizar os esteróides para um melhor desempenho durante os treinos, desde que façam o acompanhamento com um especialista, no mínimo, a cada três meses, segundo Ballaguez. Já uma pessoa que frequenta a academia pode utilizar os hormônios em doses pequenas, com a supervisão constante do médico. A profissional ainda alerta que o uso abusivo da substância traz diversos riscos para a saúde, como queda de cabelo, crescimento das mamas em homens – chamado de ginecomastia – doenças cardíacas e renais, além de poder influenciar o desenvolvimento de câncer. Apesar do tema ser alvo de diversos estudos, o assunto ainda é pouco conhecido pela população, gerando um estereótipo negativo envolvendo pessoas musculosas. Na opinião do estudante de administração e apaixonado por fisiculturismo Lorenzo Piva, de 22 anos, o sensacionalismo presente em reportagens de televisão sobre os hormônios acaba desinformando. “Aqueles homens deformados com braços gigantes não são o resultado do uso de esteróides anabolizantes. Aquilo que eles usam é o Synthol”,

afirma. A substância mencionada é um óleo mineral que, se injetado diretamente embaixo do músculo, causa seu crescimento instantâneo. Por outro lado, o professor de educação física Adriano Detoni comenta sobre o impacto do culto ao corpo nas redes sociais. “A gente tem muitos youtubers que acabam influenciando crianças e jovens de uma maneira muito forte. Se essa influência for de uma maneira positiva, perfeito. O problema é que a gente não tem como filtrar isso”, conta. Sendo a mídia inocente ou culpada, dados da Associação Brasileira de Academias (ACAD Brasil) informam que mais de 15 mil academias foram instaladas no Brasil entre 2010 e 2014, totalizando cerca de 33 mil estabelecimentos. A preocupação é se há pessoas habilitadas com um bom preparo a fim de suprir o crescimento do mercado. Segundo Adriano, o aconselhamento sobre o treinamento excessivo é natural, sendo uma questão trabalhada na hora do planejamento individual com o treinador. Piva, entretanto, discorda que exista um bom acompanhamento para os alunos, ressaltando perceber que muitos profissionais não têm conhecimento de assuntos importantes: “Já presenciei muito personal trainer ver seu aluno executando o movimento de maneira errada e não corrigir”, relembra. Para especialistas, a vigorexia só pode ser combatida se encarada como um problema de saúde pública. Enquanto esse transtorno permanecer sem denominação específica nos manuais de diagnóstico da psiquiatria e psicologia, não haverá um parâmetro para identificação. Assim, as pessoas continuarão sem o conhecimento necessário para lidar com o distúrbio. É preciso falar sobre o assunto não só no meio acadêmico, mas também em âmbito social.


12 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017

FRAUDES

TRI ilegal SARAH ACOSTA

N

os terminais de ônibus do CPC Concursos e Parobé, localizados no centro da capital gaúcha, ambulantes que ficam próximos às portas dos ônibus oferecem cartões do Transporte Integrado de Porto Alegre (TRI) para passageiros que esperam o transporte. A prática, que parece inofensiva, no entanto, coloca o usuário dentro de um esquema criminoso. Entre os motivos, está a crise financeira e o alto preço da passagem. Quem aceita comprar o cartão paga um preço mais baixo pela passagem, que atualmente custa R$ 4,05. Ao aproximar do sensor o bilhete que deveria ser de outra pessoa, o comprador consegue passar pela catraca sem maiores problemas. Em seguida, o cartão é devolvido ao comerciante pela janela do ônibus e logo será utilizado por outra pessoa que estiver na espera do transporte. É comum nesse tipo de comércio o uso de

na Capital

cartões com benefícios como, por exemplo, o de idoso e o de estudante, pois não há grande lucro ao comercializar passagens integrais. “Até o final de 2016, a Empresa de Transporte e Circulação (EPTC) auditou 14.309 cartões, orientando mais de 7.464 usuários sobre o uso correto, informando que os benefícios são pessoais e intransferíveis, que não é permitida a comercialização destes cartões”, afirma Jorge Heleno Santana Brasil, gerente de relacionamento da EPTC. As operações de recolhimento destes cartões ocorrem em uma parceria da empresa com a Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (SMIC) e a Brigada Militar. Quando há suspeita de uso irregular de cartões TRI, o Centro Integrado de Passagem Escolar e Isenções (CIPEI) faz um levantamento para identificar de onde está partindo a

sua má utilização. Uma equipe se desloca até o local onde a comercialização estaria acontecendo, os TRIs são recolhidos e é feita a abordagem das pessoas responsáveis pela venda. Essas operações ocorrem de acordo com a demanda, podendo serem realizadas a cada três meses. O acompanhamento precisa ser feito periodicamente devido ao alto número de cartões envolvidos: em 2016, mais de 3 mil foram cassados. O coordenador de vistoria da EPTC, Luciano Souto, é quem acompanha esses processos. “Esses cartões vão para a CIPEI, lá é feito o bloqueio e são chamadas as pessoas responsáveis por esses cartões para ver se foram roubados, se foram emprestados, o porquê desses cartões não estarem com os titulares”, explica. De acordo com a empresa, os cartões chegam até as mãos dos comerciantes através de roubos, perdas ou, em alguns casos, são

entregues pelos próprios titulares que recebem uma porcentagem por cada vez que alguém compra e utiliza seu cartão. Um dos cobradores do consórcio Viva Sul, de 38 anos, que preferiu não se identificar, afirma que é recorrente ver pessoas passando pela catraca com TRIs de benefícios que são de terceiros. Embora os cobradores tenham autoridade para barrar e recolher esses cartões, acabam não fazendo para evitar problema. “Com a venda ilegal a gente não pode se meter, só fazer o relatório e mandar para a empresa”, afirma o funcionário. Os casos que mais chamam a atenção são os de pessoas jovens utilizando cartões de idosos. No entanto, o cobrador acredita que, quando o usuário está passando um cartão de outra pessoa para ir à escola ou para o trabalho, não é necessariamente um problema grave. “Não condeno ninguém, até porque

fazem coisas bem mais erradas do que isso”, completa o trabalhador. Mas o que levaria o usuário a recorrer a este tipo de prática? O mestre em Ciências Políticas e doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marcus Rocha afirma que um dos motivos é o grande impacto da passagem de ônibus na vida do brasileiro. Dados do IBGE mostram que, em média, as famílias gastam 15,8% da sua renda com transporte. Rocha ainda ressalta o impacto nas classes sociais mais baixas. “Em termos de proporção da renda, as famílias mais pobres gastam em torno de 20% de sua renda com transporte, metade disso em transporte público”, diz. O fator da crise também serve como estímulo à procura de alternativas mais baratas e entre elas está o comércio ilegal das passagens. “A renda diminui, mas o preço das passagens não deixa de ser ajustado, sempre acima da inflação”, acrescenta Rocha. Ele, porém afirma que mesmo sem nenhuma crise, tudo depende de incentivos corretos. Para combater esse tipo de comércio, Rocha acredita que o barateamento do transporte público é uma das soluções. “Transporte público de qualidade e acessível e uma melhor gestão das isenções”, sugere o pesquisador. Em relação a quem comercializa os cartões, Rocha afirma que a busca por vantagem não é uma exclusividade do brasileiro. Para coibir o uso irregular, o prefeito Nelson Marchezan Jr. assinou um decreto que obriga as empresas a implantarem a biometria facial. Alguns veículos já circulam com o sistema funcionando desde o início de outubro. Se identificada alguma fraude, estes cartões serão bloqueados e os usuários questionados pela EPTC a respeito de seu uso irregular. O custo dos equipamentos será tranferido à passagem.


UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017 /// 13

DRIBLE

Meias-entradas são vendidas nas redes RAFAEL GODOY

P

restes a completar o quarto ano, a lei federal da meia-entrada ainda é assunto envolto em polêmicas e fraudes. A ideia era garantir a possibilidade de jovens estudantes frequentarem espetáculos artístico-culturais e esportivos pagando 50% do ingresso, mas constantes irregularidades podem comprometer a existência do benefício. Para combater as irregularidades foram impostas novas regras e alterações na lei. Uma delas foi a padronização da Carteira de Identificação Estudantil, que começou a ser expedida pela União Nacional dos Estudantes e pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. A carteira passou a ter um padrão nacional regido por estritas medidas de segurança. O documento do estudante possui certificação digital, de forma a evitar fraudes e garantir o cumprimento da lei. Segundo recente pesquisa realizada pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro, houve importante aumento no consumo de eventos culturais no ano passado. Cinema, shows e teatro foram as atividades com maior crescimento em relação à pesquisa realizada em 2007. A procura pelos filmes nas “telonas” obteve aumento de 17 pontos percentuais, representando o total de 34% das respostas. Pelo menos 29% dos entrevistados revelaram frequentar shows musicais, mostrando a expansão de nove pontos percentuais ante pesquisa anterior. Mesmo com a padronização do documento, ainda é possível burlar a legislação e efetuar a compra de ingressos sem o devido documento. As redes sociais são o principal meio de comunicação entre as pessoas nestes tipos de casos. Nem é preciso procurar muito para encontrar nas páginas do Facebook conversas e negociações de ingressos meia-entrada

Gatos da bola DANRLEY GONÇALVES

e empréstimo de carteira de sócios. Em um das situações encontradas pela reportagem, uma torcedora pergunta se há possibilidade de comprar ingresso de meia-entrada sem apresentar o documento do estudante. Logo abaixo, outro usuário confirma.

Ingressos são vendidos nas redes sociais, constatou reportagem Vasculhando um pouco mais na rede, outra situação comum foi encontrada. Sem se preocupar com possíveis penas os torcedores solicitam carteiras de sócios para “rolo”, ou seja, alugam a carteirinha para determinado jogo. Em ambos os casos, os envolvidos estão sujeitos a pagamento de multa e até mesmo reclusão, conforme legislação. Para combater tais irregularidades, entidades e organizações vêm buscando novas estratégias. Para o diretor executivo de administração do Sport Club Internacional, Luiz Eduardo Silveira, a fiscalização contínua é a solução. O clube trabalha com verificação diferenciada nas catracas de meia-entrada com controle exclusivo por portão e identificação com CPF na compra de ingressos na bilheteria. Os sócios também têm entrada exclusiva e as carteirinhas possuem chip, que ajudam na fiscalização. Neste aspecto o diretor é incisivo: “carteira de sócio se identificada que é de terceiro, não é autorizada a entrada no estádio”. Para o professor do curso de Direito da UniRitter Marcelo Sant’Anna, o direito do consumidor deve ser garantido,

mas devem ser respeitadas as regras. Somente a compra não se caracteriza como crime, no entanto a utilização de meia-entrada com uso de documento falso é crime. Segundo o mestre em Direito, o uso de carteiras de sócios por terceiros dependendo da situação pode caracterizar crime, e todos os envolvidos podem ser responsabilizados. Sant’Anna falou sobre as medidas que os clubes devem tomar nestes tipos de casos. “Cabe aos estabelecimentos cumprirem a lei e caso o associado tenha infringido uma norma estatutária, o estabelecimento poderá aplicar as medidas previstas no estatuto social”, concluiu. Eventos culturais e esportivos são fontes de arrecadação e responsáveis por grande movimentação da economia local. Entretanto, as irregularidades afetam diretamente o setor econômico, pois estabelecimentos e usuários acabam se confrontando em uma espécie de “cabo de guerra” – de um lado, os produtores, que aumentam os preços dos ingressos e, do outro, os usuários, que acabam sendo atingidos pelos reajustes. Segunda a professora e doutora em Economia da UniRitter Giovana Souza Freitas a ocorrência dos eventos é importante, uma vez que movimenta as transações realizadas entre os agentes econômicos direta e indiretamente envolvidos. A professora é contrária à possível extinção do benefício. “À medida que este direito de aquisição de meia-entrada for retirado, diminuirá a quantidade de pessoas nos eventos, o que pode gerar efeitos negativos para a economia”, finalizou. A lei da meia-entrada, que surgiu como uma conquista, tem sido alvo de irregularidades. Sem controle adequada, sua manutenção pode ser comprometida.

S

er jogador de futebol ainda é o sonho de muitos garotos no Brasil. Em alguns casos, para alcançar a meta de virar profissional, acabam burlando leis e regulamentações, contrariado o sentido do esporte. Entre os crimes mais comuns, está a falsificação de documentos para alterar a idade, o que garante aos jovens atuar em categorias de base inferiores. Jogadores de sucesso no esporte já fraudaram a sua idade. Entre eles, Emerson Sheik, atacante que foi campeão Mundial de Clubes, Copa Libertadores e Campeonato Brasileiro pelo Corinthians e que adulterou a idade enquanto estava nas categorias de base do São Paulo. Mas qual seria o benefício? O preparador físico das categorias de base do Novo Hamburgo, Rafael Delavi, explica as vantagens físicas que um atleta que adultera a idade pode ter na base. O profissional afirma que um atleta “gato” é superior fisicamente em todos os sentidos e que a diferença é bem grande. “Fisicamente, na verdade, ele é superior em todas as capacidades físicas. Ele é mais forte, ele é mais resistente, muitas vezes ele tem mais velocidade. Então essa é uma diferença muito grande”, diz o preparador. Delavi ressalta ainda que que os profissionais da preparação física tem uma percepção quando encontram um “gato” nas categorias de base, e que existem exames clínicos que podem ajudar a comprovar se um atleta tem realmente aquela idade. O preparador ressaltou também que não é simples fazer estes exames para comprovar a adulteração. Clubes pequenos dificilmente têm estrutura para a realização dos testes e que eles são mais comuns em clubes grandes. E de quem seria a responsabilidade de fiscalizar? A Federação Gaúcha de Futebol informou que a responsabilidade dos documentos dos atletas

que são encaminhados a entidade é dos clubes e que a federação apenas verifica se não há erro na documentação. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) confirmou que cabe aos clubes averiguar a documentação e que se houver adulteração, passa a ser caso de polícia, com efeitos na esfera desportiva. A versão de alguns clubes contradiz as entidades.

Atletas buscam permanecer na base mais tempo O gerente de futebol do Cruzeiro de Porto Alegre, Glênio Cordeiro, por exemplo, afirma que nenhum clube ou federação tem amparo legal para verificar os documentos, já que eles são individuais e que em caso de adulteração o atleta será o responsável. O supervisor das categorias de base do São José, Maicon Santos, destacou que o clube não tem muito o que fazer em relação aos documentos e que a agremiação pede que sejam autenticados em cartório. O golpe infringe o artigo 236 do Código de Justiça Desportiva, que prevê punição com pena que varia de multa de R$ 100 a R$ 100 mil, suspensão de 180 a 720 dias das atividades esportivas. A adulteração ou falsificação de documentos também é um crime previsto no Código Penal, com pena de dois a seis anos de prisão e multa. Entre os obstáculos para combater a prática, no entanto, está a escassez de informações e a aparente falta de interesse das entidades. Sem isso, no futuro, as categorias de base continuarão sendo lugar próprio para gatos, compromentendo o espírito esportivo.


14 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017

GOLPE NA PRAÇA

A cada duas horas

uma pessoa é vítima de estelionato na Capital LUÍSA MEIMES

A

o tentar realizar o sonho de comprar sua casa própria, M.T. deu uma entrada para não perder o imóvel. No entanto, depois de receber a quantia, o corretor de imóveis sumiu. Após cinco anos e um longo processo, a aposentada conseguiu reaver parte do dinheiro. A idosa é mais uma vítima de estelionato, o crime conhecido popularmente pelo seu artigo no código penal, o famoso “171”. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP/RS), em 2016 mais de 3,9 mil pessoas foram lesadas na Capital. Somente nos seis primeiros meses de 2017, foram 2.143 registros de estelionato em Porto Alegre. Uma média de 12 casos por dia na capital gaúcha. “Ele pegou meu dinheiro como sinal para um imóvel e o imóvel não existia e nem estava à venda”, conta, com voz trêmula, a senhora de 73 anos, que prefere não ser identifica-

da. Ela diz que o corretor pediu uma quantia no valor de R$ 12 mil. Ela relata que este não foi o único golpe que sofreu nos últimos anos. A idosa lembra que, ao tentar vender a casa de sua filha, também foi enganada. “No meio de corretores de imóveis existe muita falcatrua, muita vigarice, muito golpe e muita coisa ruim”, desabafa. A delegada Larissa Savegnago, responsável pela Delegacia de Proteção ao Idoso, diz que os golpistas têm um padrão de vítima. “O idoso tem dificuldade de fazer reconhecimento facial, por exemplo. Dificuldades que acabam fazendo a investigação policial atravancar”, afirma. O artigo 171 do Código Penal prevê reclusão de um a cinco anos e multa. Para a desembargadora da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJRS) Teresinha Kubiak, deveriam existir leis mais rígidas para o estelionato. “É um crime bastante sofistica-

do, pois envolve muita astúcia e artimanha. Às vezes, pela complexidade, o processo se prolonga. A pena mínima deveria ser em torno de dois ou três anos de reclusão”. Já o juiz-corregedor Vanderlei Deolindo explica que “a regra hoje é responder ao processo em liberdade, a prisão antecipada é exceção dentro do sistema atual”, por não ser um crime que envolva violência física. O estelionato é classificado como crime contra o patrimô-

nio. É uma fraude aplicada em contratos ou combinações que leva alguém a uma falsa concepção. No entanto, pode ser praticado por qualquer pessoa que tenha a intenção de enganar ou trapacear alguém, criando alguma situação que leve ao erro por meio de uma falsa oferta. Foi o caso de M.T., que não desconfiou que a compra de sua casa por um valor considerado irrisório seria um golpe e que seu corretor de imóveis era um estelionatário.

“Manter outra pessoa em erro exige certa elaboração, um pensamento quase de um psicopata” Elisabeth Mazeron, pesquisadora

LUÍSA MEIMES

A psicóloga e doutora em Sociologia Elisabeth Mazeron conta que os estelionatários têm um pensamento narcísico, desconsideram a lei e não possuem sentimento de culpa, algo que os difere dos demais. “Manter outra pessoa em erro exige certa elaboração, um pensamento quase que de psicopata, porque a mentira e a enganação, de certa forma, fazem parte do convívio social”, ressalta a professora da UniRitter. O estelionato se configura a partir de três elementos: vantagem ilícita, prejuízo alheio e fraude. A ausência de um desses três elementos impede que o crime se caracterize como estelionato. Neste crime, a vítima geralmente segue um padrão, assim como o criminoso. O diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Rodrigo Bozzetto, diz que as vítimas costumam ser idosos e pessoas com baixo nível de escolaridade, mas admite que isso não é referência para este tipo de crime. “Dependendo da situação, a vítima pode ter certa escolaridade e um bom nível de educação que, mesmo assim, pode acabar sendo vítima. Para o delegado, a maior parte das vítimas também vislumbra alguma vantagem. “É o que a gente chama de torpeza bilateral (quando a vítima também age de má fé)”, explica. A ideia do delegado ganha força na afirmação da socióloga que reforça que o caráter da vítima e do estelionatário, muitas vezes, é basicamente o mesmo. “A vítima ainda está mais reprimida no estelionato, pois ela não é ativa no lesar o outro”, ressalta. Os especialistas afirmam que o golpe mais comum é o “conto do bilhete premiado”, quando o criminoso pede certo valor para retirar alguma quantia e diz que os dois dividirão o prêmio. O advogado Brunno Pires explica que, no estelionato, a crença da vítima é importante. “Ela voluntariamente vai dar aquela vantagem”, comenta. Em outras palavras, o caráter do criminoso e da vítima, não raro, ajudam para a consumação do crime.


UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017 /// 15

INSEGURANÇA

Uma cidade cercada por PATRICIA VIEIRA

E

“A liberdade é garantida para quem pode pagar por ela ” Ivan Dourado, mestre em Ciências Sociais

muros

m alguns bairros de Por- de maior poder aquisitivo. to Alegre é comum sair Segundo o mestre em Ciênde casa em meio a grande cias Sociais Ivan Dourado, a movimentação de pessoas nas ideia de liberdade vai além calçadas, comércios ou aguar- do conceito filosófico, pois dando ônibus. Em outros, pre- a sociedade impõe restrições dominam ruas vazias, grandes como, por exemplo, o acesso muros e pouca gente na rua. a veículos particulares, espaços O impacto disso? Uma popu- comerciais e segurança privada. lação retraída, presa em uma “A liberdade é garantida para redoma que transforma con- quem pode pagar por ela. Você domínios fechados em bolhas é livre para transitar na cidade, sociais – tudo para fugir dos desde que tenha condições de altos índices de criminalidade. pagar pela sua mobilidade”, Os primeiros nove meses de destaca. Para a conselheira do 2017 somam mais de 68 mil Conselho Regional de Psicoloroubos e 111 mil furtos no gia do Rio Grande do Sul LuEstado, conforme dados da Se- ciara Itaqui, esse processo de licretaria de Segurança Pública berdade “ideal” gera alterações do Estado do Rio Grande do na ideia da utilização dos espaSul (SSP-RS). ços públicos e no comportaDe acordo com o levanta- mento das pessoas. “Vivemos a mento feito pelo Sindicato de lógica da individualização, da Habitação do Rio Grande do privatização dos espaços púSul (Secovi RS), em 2016, Por- blicos. Se a rua não é mais um to Alegre tinha 14.402 conjun- local de socialização, mas uma tos habitacionais, que abriga- via que serve para levar as pesvam cerca de 70% da popu- soas de um local privado para lação total da cidade. Embora outro, a sociedade se defende muitos se concentrem em áreas dos efeitos da violência, atrade movimento e circulação, há vés do refúgio nos condomíum número cada vez maior nios, isolando-se socialmente”, desse tipo de moradia em áreas explica. Entretanto, para quem menos centralizadas, como as não vive dentro desses “casteZonas Sul e Norte da Capital. los urbanos”, a violência se torNo Rio Grande do Sul, a na comum, como uma vizinha. Lei 10.116/94 traz informa- É o caso da Restinga, bairro da ções sobre o parcelamento do Zona Sul de Porto Alegre. solo em forma de condomíA população de Porto Alenios, inclusive estipulando sua gre cresce. O espaço urbano extensão. Se esse limite é ultra- se concentra nos extremos. A passado, há uma condição so- insegurança já é algo frequencioespacial que pode ser comprometida. Segundo o chefe da Divisão de Planejamento Urbano e Regional da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Claudio Ugalde, “quando eles têm um tamanho que extrapola muito o tamanho máximo de um quarteirão, eles ocasionam bloqueios na circulação”. Ele completa: “em todas as áreas que existem dificuldade de circulação e de presença de pessoas, a gente tem a questão da insegurança”. Além disso, o aumento dessas estruturas revela um abismo de desigualdade social. O que torna a liberdade restrita a grupos

O aumento da criminalidade em Porto Alegre está por trás do aumento na procura por condomínios fechados

Em uma cidade cada vez mais dividida, loteamentos populares estão na mira do crime organizado, diz a polícia te. Conforme dados da SSP-RS, de janeiro a setembro de 2017, a Capital contabilizou 163 ocorrências de tráfico de drogas. Não bastasse a violência nas ruas, condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, acabam sendo usados por grupos criminosos organizados em bairros como a Restinga. Arthur Rodrigues e Maurício Junker são amigos e vivem na Restinga. Entretanto, os muros do condomínio de Maurício separam o estilo de vida e as percepções de cada um. “Acredito que pelo fato dos prédios comportarem um número grande de pessoas, isso acaba inibindo a intenção de furto”, diz Maurício. Ele ressalta que as estruturas não impedem totalmente os infortúnios. “Tive vários problemas em relação a assaltos e violência. Por se tratar de vila, o pessoal achava e acha que sou playboy”. Do lado de fora, Arthur tem uma visão mais pessimista desses empreendimentos. “O condomínio foi criado para ter mais segurança, se isolando em seus muros altos. Porém, ninguém contava que o perigo iria morar dentro do condomínio. Hoje, na Restinga, os

condomínios são sinônimo de segurança para os traficantes”, expõe. Embora sejam observados pelos amigos de forma discreta, os impactos causados pelos grupos de tráfico instalados em condomínios da Restinga colaboram com algumas fragilidades do policiamento ostensivo e investigativo das instituições de segurança pública do Estado. Segundo a titular da 16ª DP de Porto Alegre, delegada Shana Hartz, pelo menos três condomínios distribuídos para faixas mais baixas do programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, já foram tomados pelo tráfico – se tornando uma grande e única comunidade. “Quadrilhas entram nesses condomínios e tomam conta. Como são privados, o poder público não tem livre acesso. É diferente de uma rua pública, é uma falsa noção de segurança”, explica. Como empreendimentos relacionados a esse programa no bairro são dedicados para faixas de renda mais baixas, ameaças aos moradores são frequentes, fazendo com que as famílias desistam do imóvel ou fiquem caladas por medo de represália e por não ter outro lugar para morar. Dessa forma, qualquer medida por parte das polícias Civil e Militar necessita de um contingente de agentes e uma cobertura maior que o habitual – e muita investigação prévia. “São lugares que a gente precisa colocar um efetivo grande. A última operação que eu fiz lá contou com 400 policiais”, conta a delegada. A sensação de liberdade é algo precioso e poucos podem pagar por ela. A diferença de quem vive entre muros e fora deles apresenta distorções e desigualdades em muitos aspectos. A violência frequente no cotidiano tira das pessoas a liberdade de ir e vir, ameaçando a vida dos mais pobres e transformando os locais que poderiam ser seguros em espaços de medo e carência.


16 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017

a era do fake news

MENTIRAS NA REDE

Em tempos de pós-verdade, compartilhamento de informações falsas em massa e perseguições na internet, a reportagem do Unipautas ouviu especialistas para compreender as origens e as consequências deste novo fenômeno social DANRLEY PASSOS

Combate passa pela Educação DANRLEY PASSOS

A

s novas tecnologias permitem um cenário onde qualquer pessoa – ou muitas delas – pode acessar e produzir informações de forma simples e rápida. A mudança trouxe à tona, por outro lado, a proliferação de falsas notícias, aumentanto a responsabilidade de jornalistas. As chamadas fake news ganharam força nos últimos anos, levando ao que alguns classificam como a Era da Pós-verdade, quando situações em que fatos objetivos e de interesse público possuem menos importância do que apelos à emoção e crenças pessoais. O momento, portanto, seria crucial para o jornalismo mostrar sua relevância. Uma pesquisa realizada pela consultoria Kantar ouviu oito

mil pessoas do Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e França, mostrou que 58% dos entrevistados possuem menos confiança no noticiário político e eleitoral visto em redes sociais, justamente por causa das fake news. Para 32% dos entrevistados não houve alteração, e 10% disseram que a confiança subiu. Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alex Niche Teixeira, o jornalismo “tem prestado um desserviço neste sentido”, e considera que os veículos de comunicação, em sua grande parte, têm reforçado esta lógica. Já o professor e coordenador de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), Leandro Olegário, pensa diferente. Para ele, no meio deste “caos” a profissão tem o papel de organizar, checar os dados e apurar os acontecimentos, o que valoriza o trabalho jornalístico. “As fake news reacendem a importância e a necessidade do jornalismo, que tem a capacidade de fazer

o recorte dos acontecimentos do mundo e mostrar para a sociedade, para que ela possa escolher seu caminho e seguir”, comenta Olegário. Investimento em educação é uma das formas de combater as notícias falsas, avalia Olegário. Segundo ele, uma evolução seria a inclusão de uma disciplina de leitura crítica da mídia, para que as pessoas adquiram a capacidade de identificar o que são opiniões e o que são reportagens informativas, por exemplo. Outra saída para combater as notícias falsas é a checagem. Apesar de ser uma das premissas do jornalismo tradicional, os fatos nem sempre são checados como deveriam. Mesmo assim, para o gerente de marketing da Agência Lupa, Douglas Silveira, o jornalismo não é o principal “culpado”. Segundo ele, com as mudanças que estão acontecendo, a profissão precisou se reinventar. “Com o enxugamento das redações, a demissão de muitos jornalistas, por conta até das mídias

sociais, onde cada um pode ter seu veículo de informação para falar o que quer”, explica. Douglas ainda cita as notícias em primeira mão como prioridade, e que as redações não têm tempo e nem pessoas para realizar uma apuração e checagem mais detalhada. Para combater as disseminação de notícias falsas estão surgindo as agências de checagem, como a Agência Lupa, por exemplo. Ela é a primeira agência de notícias do Brasil a se especializar na técnica jornalística do Fact Checking — trabalho de verificação dos fatos. Para Silveira, o trabalho realizado na Lupa é como um auxílio ao jornalismo. “É um trabalho que vem para somar e fazer o que não se faz. Não por incompetência, mas por não ter tempo, dinheiro, por ter a pressa de dar o furo”, esclarece. A metodologia da agência, disponível abertamente no site piaui.folha.uol.com.br/lupa/ quem-somos, começa com a observação diária do que é dito


UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017 /// 17

STALKERS

O estrago na política MATHEUS LOURENÇO

por políticos, líderes sociais e celebridades em jornais, revistas, rádios, programas de TV e internet, para então trabalhar em cima do que é escolhido. Segundo dados do blog “Jornalismo nas Américas”, hospedado no site Knight Center, da Universidade do Texas, um levantamento realizado em fevereiro de 2017 apontou que, das 115 iniciativas de Fact Checking existentes no mundo, 14 estão situadas na América Latina.

Há quem diga que é humor JOCELIAS COSTA

B

oatos sempre estiveram presentes no cotidiano. Com a internet e as redes sociais, um novo fenômeno tem gerado dúvidas sobre a divulgação em massa de mentiras. Neste cenário, qual é o papel do jornalismo? Em setembro deste ano, a British Broadcasting Corporation (BBC), de Londres, divulgou uma pesquisa da empresa GlobalScan, que revelou a preocupação dos brasileiros em separar o real do falso. De acordo com o levantamento, 92% dos entrevistados se preocupam com a publicação de informações que não são verdadeiras. Foram ouvidas pessoas em 18 países. Empresas de comunicação e profissionais do ramo estão se preocupado em esclarecer boatos. Um dos pioneiros nesse processo de checagem é o site Boatos.org, criado em 2013 pelo jornalista Edgard Matsuki. A ideia surgiu quando ele trabalhava na editoria de tecnologia do site UOL e no portal da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de Brasília. “Eu já sabia que os boatos eram um problema, mas foi só com o passar do tempo que comecei a ter dimensão do estrago que uma notícia falsa pode causar. Também não imaginava que o Boatos.org cresceria tanto”, explica Matsuki.

Com o objetivo de apurar casos que aparecem nas redes sociais, em abril deste ano, o Grupo RBS lançou, com o trabalho do jornalista e produtor da Rádio Gaúcha Tiago Boff, o serviço “Notícia Falsa na rede”. Boff explica que o projeto surgiu após uma entrevista com a Secretária Estadual do Meio Ambiente, Ana Pellini, que esclareceu, na ocasião, um boato compartilhado via WhatsApp. Há quem ande em caminho oposto. “Falsiê, mas sem farsa” Esse é o slogan do Diário Pernambucano, um dos sites mais famosos de publicações de notícias falsas. O editor Rafael Tenório explicou que a intenção de criar um site com notícias falsas surgiu em 2010, mas começou a ser executada no ano seguinte. Tenório sustenta que as informações publicadas no site são mentiras a serviço da verdade e que o trabalho começou através de uma convocação de um grupo com ideias de fazer humor ácido. “Faltava a meu ver substituir o humor pastelão> Por uma linguagem mais satírica e combativa do ponto de vista sócio-político-cultural”, relata. A respeito do crescimento do fake news, Rafael acredita que esse fenômeno acontece devido ao descrédito em relação aos meios tradicionais, à proliferação das mídias alternativas e também pela insistência do grande público em não apurar os fatos. Para o jornalista e doutor em Sociologia Marcos Rolim, um dos fatores determinantes para o crescimento do fake news é a disseminação de novas tecnologias. “O que ocorre é que essas possibilidades que possuem extraordinário potencial democrático também facilitam e até estimulam a produção irresponsável de informações”, explica. Ele defende que o fato da sociedade ser influenciada pelas informações que não são verdadeiras ocorre devido à falta de uma formação cidadã, em que as pessoas acreditam apenas em informações que confirmam seus preconceitos.

Q

uarenta e dois por cento dos internautas brasileiros já compartilharam notícias falsas nas redes sociais e apenas 39% checam as informações. Foi o que apontou um estudo da agência Advice Comunicação Corporativa, em parceria com a BonusQuest, feito com mais de mil pessoas. A política é um dos assuntos mais férteis para as chamadas fake news. O antropólogo e professor do curso de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) Airton Luiz Jungblut explica o motivo dessas notícias serem passadas adiante sem checagem. “As pessoas geralmente dão vazão ao que confirma o que elas já acreditam. Se eu for contrário ao político A e favorável ao político B, se me vêm informações que abalam a biografia do candidato A, vou tender a achar que são verdadeiras”, ressalta. Segundo ele, a predisposição em aceitar uma informação é circunstancial, pois “a crença da em uma informação é seletiva”. A professora dos cursos de Jornalismo e Relações Internacionais Denise de Rocchi afirma que as fake news são quase inexistentes na mídia tradicional e aponta o motivo da proliferação dessas notícias falsas na mídia alternativa. “Quem está produzindo fake news, muitas vezes, não são pessoas com objetivo político, elas têm objetivo comercial”, ressalta. Rocchi acredita que a prática cria um cenário de polarização política. Por outro lado, segundo Laura Santos Rocha, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio Grande do Sul, esse tipo de conteúdo ganha maior visibilidade ao denegrir a imagem de pessoas, em especial as mais públicas. Rodolfo Marques, doutorando em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e formado na área de comunicação, também vê a relação entre as redes sociais e as fake news. “Nosso sistema de crenças está muito mais vinculado à nossa rede de contatos. Acreditamos muito mais em um amigo do que em notícias veiculadas em um canal de comunicação com maior credibilidade”, explica.

Anonimato, perseguição e crime nas redes sociais ALESSANDRA VIDA

O

anonimato proporcionado pela internet vem sendo usado para cometer crimes online sob a máscara de perfis falsos. Ao ter seu perfil duplicado, Jéssica Flores, de 25 anos, enfrentou uma rotina de ameaças junto a integrantes de um grupo feminista no Facebook. Jéssica afirma que eram criados mais de dez perfis falsos por dia, utilizando fotos e informações dela e de outros ativistas do grupo particular no Facebook. “É complicado, porque às vezes se faz grupos secretos para tratar de assuntos mais delicados, e essas pessoas se infiltram com o único intuito de tirar print e expor”, lamenta. Os ataques, no entanto, estavam tomando uma proporção mais perigosa. Por meio das contas falsas, o agressor não só ofendia Jéssica e os outros membros do grupo como utilizava fotos dos filhos de alguns dos integrantes em montagens com animais, divulgando publicamente. “A pessoa nos atacava para nos coagir a não dar mais nossa opinião. Ela não tinha contra-argumento, então a arma dela era o ataque, para nos silenciar”, comenta Jéssica. Diante do fato, uma das ativistas levou o caso à Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI) de Porto Alegre e registrou ocorrência. As investigações levaram até a origem das ameaças, e elas cessaram. Quais os fatores que possibilitam o ataque digital O professor de Ciências da Computação especializado em segurança da informação Mauricio Machado diz que “apesar de todos os esforços, os principais fatores para uma invasão de perfil são as senhas fracas, o pouco cuidado com a proteção desta senha e, ainda, uma falta de periodicidade na troca dela”. Nem sempre os cibercrimes tiveram lugar na legislação. Para pesquisadores como

Dmitry Bestuzhev, da Kaspersky Lab, o aumento de crimes cibernéticos está diretamente ligado à falta de leis específicas. Em seu artigo Brazil: a country rich in banking Trojans, ele diz que “as agências de aplicação da Lei e os órgãos governamentais em todo mundo precisam trabalhar e interagir mais eficazmente. Até que isso aconteça, não pode haver uma redução significativa na quantidade de cibercrimes”. Com o intuito de defender os Direitos Humanos, a organização SaferNet atua recebendo denúncias destes crimes de forma totalmente anônima e online. Em conjunto com o Ministério Público Federal, profissionais da computação, direito e educação idealizaram e criaram a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. De acordo com dados da organização, em 2016 foram cerca de 320 atendimentos realizados via chat ou e-mail com o tópico “Cyberbullying/ofensa”, dos quais, cerca de 200 atenderam ao público feminino e 100 ao masculino. Os fatores que podem levar uma pessoa a cometer crimes nessa esfera são diversos. Para o professor de comunicação Walter Lippold, o motivo principal é a cultura de ódio. “A internet está cheia de ‘haters’ que destilam frustrações, atacando e linchando virtualmente as pessoas. ‘Stalkers’ espionam nossas vidas, que são expostas exageradamente”, afirma. Crimes como de falsidade ideológica, calúnia e injúria estão previstos em lei. Mesmo assim, ainda há dificuldade em chegar até o criminoso em virtude da grande massa de dados existente. “Isso possibilita muita informação, porém é trabalhoso verificar esse universo ‘big data’. Um hacker, em muitos casos, só vai obter atenção dos investigadores depois de ter cometidos muitos atos ilícitos”, afirma o professor.


18 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017

direitos e cidadania

DRAMAS INVISÍVEIS

A solução ilusória da crise ANDREW FISCHER

H

á quatro anos, shoppings centers de São Paulo tornaram-se ponto de encontro para cerca de seis mil adolescentes da periferia. Eles buscavam usufruir de um espaço de lazer que não tinham acesso. Este movimento que se tornou nacional, foi chamado de “rolezinho”. Pouco tempo depois, em março de 2014, outra passeata ocorreu, sem aparente associação com o encontro dos jovens, também na capital paulista. A Marcha da Família reuniu em torno de mil pessoas que reivindicavam o retorno da ditadura militar de 1964 e da moral e dos bons costumes. Em 2017, a ameaça de intervenção militar e a tentativa de censurar expressões culturais são exemplos de que algo está mudando no Brasil. Está em ascensão um perfil político que repete falácias da ditadura e utiliza o medo para se apresentar como salvação frente à crise do país, levando milhares de pessoas a acreditar e concordar com o discurso de preconceito que prega.

Está em ascenção um perfil político que repete falácias da ditadura Os rolezinhos foram a expressão de uma classe que até então não tinha voz ou poder de aquisição, culminarando em movimento social. Já as mobilizações que despontaram depois são a réplica de outra camada da sociedade, que alia ideologias pessoais e políticas

para impedir manifestações de minorias. Estas são apenas algumas das ações e reações que atuam no atual palco sociopolítico brasileiro, no qual a principal figura é a nova direita brasileira.

O medo é um instrumento comumente usado por governos autoritários em muitos países “Classe média extremamente autoritária e resistente a qualquer movimento de igualdade”. É assim que o perfil da nova direita brasileira é sintetizado por Ronaldo Queiroz, professor de História da UniRitter. Uma diferente configuração política uniu duas ideologias que até então não haviam obtido sucesso em uma aliança. “A direita conservadora nos costumes, que se coloca contra os direitos humanos se casa com uma direita neoliberal, que é pró privatizações e a favor da mínima intervenção do Estado na economia”, explica Talita São Thiago Tanscheit, doutoranda em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/ UERJ). De acordo com Tanscheit, este “casamento” entre as direitas ocorreu por causa das mudanças que começaram a ser vistas na sociedade e também devido à crise econômica, o que costuma despertar o comportamento conservador na população. “Aproximadamente um terço da população pode ser

considerado conservador, não aceita os avanços dos direitos humanos, é intolerante e não suporta a diversidade”, diz o doutor em Economia do Desenvolvimento Antonio David Cattani, professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo Cattani, o percurso da intolerância é marcado pela falta de esperança causada por uma ideologia falha e abre caminho para que a nova direita se mostre como solução para os problemas enfrentados. “Quando um partido se apresenta como o salvador, e que para realizar esta missão é preciso ampliar o preconceito, aniquilar as diferenças, agregando seguidores fiéis e cegos, é sinal de que extrapolou seu papel e está a caminho da tirania”, explica Sergio Wollmann, doutorando em Filosofia e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul). “Precisamos de líderes autoritários” foi a resposta de 51,2% dos brasileiros questionados sobre a aceitação de um governo ditatorial. A informação é referente ao estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) que abordou questões políticas.

Herdamos uma raiz escravocrata no Brasil, diz professor O saudosismo da ditadura militar (1964 - 1985) é mais uma peculiaridade demonstrada por alguns partidários da nova direita, que inclui jovens que não sabem o que de

fato representaram os anos de chumbo. Este desejo de retornar ao passado se materializa quando as pessoas relembram a década de 70 com boas memórias do regime autoritário. No entanto, como relembra Tanscheidt, o período foi de altos índices de desemprego e fome, circunstâncias que geram descontentamento e abrem caminho para governos que utilizam a subjetividade para manter o domínio sobre a população brasileira. Com a nova direita brasileira não foi diferente. Essa orientação política percebeu o receio da classe média com o avanço das camadas que estavam abaixo de si e utilizou este sentimento para garantir o apoio da parcela da sociedade que também busca o impedimento de manifestações e direitos dos mais pobres. Os rolezinhos serviram para indicar que uns poucos tijolos da pirâmide social estavam se deslocando. De acordo com Queiroz, a presença dos adolescentes em locais que tinham predominância de um perfil completamente diferente causou grande desconforto na classe média. O professor também explica que o país herdou a hierarquia escravocrata, com a divisão entre “casa grande” e “senzala”. Para Wollmann, o sucesso de pensamentos autoritários ocorre por causa da ausência de um sistema educacional de qualidade, orgânico e que estimule o pensamento crítico. Essa lacuna acaba sendo preenchida pela censura. Apesar dos diversos estudos e pesquisas que avaliam o momento atual do país e a nova direita brasileira, não há previsões concretas sobre o que pode vir a seguir. “O futuro está muito incerto”, diz Tanscheit, deixando a dúvida como única certeza para o destino da sociedade brasileira.


UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017 /// 19

DRAMAS INVISÍVEIS

O novo debate sobre o Estado laico no Brasil BRUNA JORDANA

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m país é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado e religião, não permitindo a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiando uma ou algumas religiões sobre as demais. Esta é a definição citada pelo Decreto 119 A da primeira constituição republicana, aplicado também na atual constituição brasileira, de 1988. No entanto, a separação entre Estado e religião voltou ao debate após um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). No final do mês de setembro, o STF determinou que as escolas brasileiras poderão ter um ensino religioso confessional, ou seja, poderá haver um ensino sobre uma religião específica em sala de aula. Para o doutor em Direito e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Elton Somensi, o Brasil se encaixa na definição de Estado laico por assegurar os limites e as liberdades do exercício religioso. Segundo Elton, não há problema em o Estado ter influência religiosa, desde que essa influência seja traduzida em termos racionais. “Eu não posso usar como fundamento a bíblia, isso é barrado pelo Estado laico. O Estado laico não admite argumentos que não sejam articulados racionalmente dentro do espaço público”, diz.

Mais católicos no Brasil Embora Somensi afirme que o país siga juridicamente a laicidade por usar argumentos baseados na racionalidade ao discutir os debates do campo social, a questão do ensino votada pelo STF o deixou com dúvidas. Para ele, não é papel do Supremo discutir que tipo de ensino será ministrado, e sim da sociedade como um todo. “Ensino público pode ser confessional? Eu acho que não, mas eu tenho dúvidas. Juridicamente falando, eu não sei se seria possível no Estado

brasileiro”, avalia o professor. Sendo laico ou não, o Brasil não pode fugir da sua raiz católica, presente desde sua colonização. É o que aponta o doutor e pesquisador do Núcleo de Estudos da Religião da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marcelo Tadvald. “Durante todo o período colonial e todo o nosso império, a igreja sempre foi utilizada como uma instância de ordenação mesmo, de controle social, e isso foi inscrevendo a nossa moral e a nossa ética a partir dessa lógica cristã principalmente”, explica. Com a decisão do STF, caberá papel especial à comunidade escolar discutir sobre a questão. A professora de pedagogia do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) Andrea Bruscato analisa que a ação do Supremo não foi correta. “Nós não temos professores habilitados para trabalhar nisso, teria que ser um professor formado em todos os tipos de religião. Não pode uma escola ir lá e contratar um padre, ou uma pessoa que é católica, porque ela vai acabar privilegiando a sua religião”, afirma. O Brasil é o país com maior número de católicos no mundo, segundo dados do Anuário Pontifício 2017 e Anuário Estatístico Eclesial 2015. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 65% da população brasileira é católica. O pároco Gelson Luiz Fraga Ferreira, do Santuário Nossa Senhora do Rosário em Porto Alegre, afirma que há uma influência positiva da fé cristã dentro do Congresso Brasileiro e do debate público em questões pontuais como o aborto e a eutanásia. Sobre o ensino confessional, Gelson deixa claro a sua opinião. “Não podemos dar uma formação nas escolas capenga, mas penso que deve abranger o ser humano em todas as suas dimensões, dentre elas, faz parte a expressão religiosa”, diz. Para os especialistas, no entanto, o debate é complexo e deve continuar acalorado.

Sem direito a trocar de nome

PÂMELA BASSUALDO

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inda que a requerente venha a realizar a cirurgia para a troca de sexo, essa cirurgia irá lhe atribuir um sexo que não tem e nem poderá ter. Esse foi o parecer dado pelo Ministério Público do Paraná que impediu a retificação do nome de Nathan Tatsch. O estudante já utiliza o nome social desde o final da adolescência e buscava na Justiça a mudança definitiva. As justificativas do documento ajudam a reforçar o pensamento que tornou o Brasil líder no ranking de assassinatos de travestis e transexuais no mundo, segundo dados da Rede Trans Brasil.

Nome social surge em 2016 O direito ao uso do nome social para identificação própria foi decretado em 2016 pela então presidente, Dilma Rousseff. A partir do documento, o indivíduo deve ser reconhecido e tratado pelo nome apresentado perante a sociedade. A psicóloga Elisabeth Mazeron Machado, professora de Psicologia na UniRitter e graduada em Ciências Sociais, conta que o nome social é uma garantia de Direitos Humanos. A transexualidade, segundo Machado, é uma questão da construção que relaciona o corpo e a representação psíquica dele. O processo de transição varia de pessoa para pessoa e requer primeiro a identificação por parte de um psicólogo. No Brasil, quando identificado no período pré-puberdade, se inicia o tratamento hormonal com acompanhamento profissional. O coordenador municipal da Diversidade Sexual e Gênero, Dani Boeira, explica que o nome social é um registro simples, feito com certidão de nascimento e carteira de identidade no Instituto de Identificação.

Para Boeira, falta informar de maneira correta que isso é um direito adquirido. A agente de saúde da ONG Igualdade – Associação de Transexuais e Travestis, Joyce Maria da Silva, diz que o nome social é uma questão paliativa, ou seja, alivia momentaneamente, mas não resolve. Para ela, o direito mais importante é a retificação do nome civil, que é a correção na certidão oficial. A mudança nos registros precisa da aprovação de promotores do Ministério Público. Para isso, deve-se procurar a Coordenadoria Municipal da Diversidade Sexual e de Gênero e a Defensoria Pública, onde são realizados triagem e laudos de psicólogos e psiquiatras com acompanhamento de uma assistente social. O processo é demorado e burocrático, o que faz com que muitos desistam. A ONG Igualdade desenvolve trabalhos e reuniões em Porto Alegre que passam informações para a população sobre saúde, prevenção, segurança e assistência jurídica. A Coordenadoria Municipal da Diversidade Sexual e de Gênero realiza o mesmo trabalho, atendendo entre 20 e 30 casos por mês, cuidando principalmente de transexuais em situação de vulnerabilidade, sem documentação ou moradia. A presença de travestis na prostituição, que aponta a falta de emprego formal para essas pessoas, foi um problema levantado durante as reuniões da ONG. Cerca de 90% das travestis e transexuais brasileiras estão em situação de prostituição, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Um dos muitos problemas enfrentados é o desrespeito dos servidores públicos. Chamar a pessoa pelo nome de registro é uma das formas de opressão silenciosa. Cristiane Majewski, de 43 anos, é ex-militante do

movimento trans e passou por momentos traumáticos em um posto de saúde. Durante o atendimento, uma agente de saúde se recusou a utilizar o nome social de Cristiane no prontuário, nem mesmo como observação, o que causou um enorme constrangimento para ela. “Eu só pedia, ‘por favor, coloca para me chamar por Cristiane’ e a moça não aceitou. Eu estava tão fragilizada que só comecei a chorar”, relata. No dia seguinte a ex-militante retornou ao local com uma cartilha feita pelo Ministério da Saúde em que ficava registrado que o nome social é um direito. “Qualquer pessoa trans tem o direito de ser chamada pelo nome social, para não passar pelo constrangimento que passei. Foi um desrespeito muito grande”. Boeira explica que tal atitude é uma violação dos direitos humanos e que a pessoa deve sempre denunciar.

Decisão nas mãos da justiça Um decreto federal determinou espaço ao nome social em documentos públicos, mas isso é pouco. “O nome pertence a mim, é como me identifico e me expresso para a sociedade, independente se me aceita ou não. Eu sou a Cristiane”, afirma. A mulher trans, que agora tem seu nome retificado, diz que falta sensibilidade nas pessoas. Para ela, se colocar no lugar do outro custa menos que um advogado. Apesar dos esforços, os obstáculos e preconceitos dificultam a vida e os direitos dos trans como cidadãos. O direito básico ao nome e cidadania fica à mercê de interpretações na justiça. Mesmo com a visibilidade em horários nobres, a causa transexual é esquecida nas ruas e negada nos tribunais.


20 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2017

DEBATE CIENTÍFICO

O falso dentro de nós Pesquisa mostra que mais da metade dos pós-graduandos sofrem com rebaixamento da capacidade cognitiva

ANA CAROLINA PINHEIRO

expediente

Apesar de, no Brasil, ser mais perceptível no meio universitário, em que os estudantes estão sujeitos a uma grande pressão por resultados, a síndrome do impostor não atinge apenas pessoas com ensino superior completo. Segundo um estudo feito na Universidade Estadual da Geórgia, nos Estados Unidos, pelas psicólogas Pauline Clance e Gail Matthews, 70% dos participantes avaliados apresentaram episódios da síndrome em algum momento. Nas revistas internacionais, a síndrome do impostor passou a ser mais debatida na última década, desde que algumas celebridades declararam publicamente sofrer com a doença. Entre elas, as atrizes Kate Winslet e Emma Watson. Em 2013, a atriz de Harry Potter afirmou durante uma entrevista à revista Rookie que, por melhor fosse a sua performance, mais inadequada se sentia. “Penso que, em algum momento, alguém vai descobrir que eu sou uma fraude e que eu não mereço nada do que conquistei”, declarou. O termo síndrome do impostor foi descrito pela primeira vez na literatura médica em 1978, pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, que realizavam

um estudo com grupos de mulheres bem-sucedidas. A partir de então, vem sendo associada a mulheres que atuam em profissões tipicamente ocupadas por homens. No entanto, hoje já se sabe que não é bem assim: a síndrome afeta a todos que estão inseridos em um contexto em que devem se destacar - e isso inclui universitários, pós-graduandos, empresários e quase todos os trabalhadores. Não é por acaso que o termo síndrome do impostor tenha surgido nos anos 1970: devido a recessão pós-segunda guerra, a economia mundial ainda buscava soluções para a crise. Segundo a doutora em Sociologia do Trabalho pela Unicamp Lívia Moraes, “os anos 1970 são caracterizados pela crise da estrutura do capital, em que os patamares de lucros dos trinta anos anteriores se tornam impossíveis de alcançar. Neoliberalismo, reestruturação produtiva e financeirização são as principais respostas para tentar superar a crise. No que diz respeito à reestruturação produtiva, saímos de uma hegemonia taylorista-fordista para a hegemonia toyotista, que quer que o trabalhador não só ofereça seus gestos à produção, mas também sua subjetividade” . Neste mesmo período, foi

O jornal Unipautas é um projeto da Escola de Reportagem III – Impresso em parceria com Planejamento Visual para Impresso, disciplinas do curso do Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (FACS) do Centro Universitário Ritter do Reis – UniRitter/ Laureate International Universities. A atual edição foi produzida por alunos dos turnos manhã e noite do Zona Sul. Projetos editorial e gráfico foram desenvolvidos pelos jornalistas e professores Francisco Amorim e Rogério Grilho. UNIRITTER/LAUREATE INTERNATIONAL UNIVERSITIES /// CAMPUS FAPA /// Av. Manoel Elias, 2001, Alto Petrópolis, Porto Alegre/ RS, CEP 91240-261, Fone: (51) 3230-3333 /// Reitora: Laura Coradini Frantz /// Pró-Reitora Acadêmica: Bárbara Costa /// Diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais: Marc Antoni Deitos /// Coordenador de Curso de Jornalismo: Leandro Olegário dos Santos /// Coordenador de Curso de Publicidade e Propaganda: Geferson Odirlei Barths /// Coordenador de Curso de Relações Públicas: Tânia Silva de Almeida. UNIPAUTAS /// Supervisão Editorial e Planejamento Gráfico: Francisco Amorim /// Monitoria: Matheus Closs /// Arte: Camilia Ribeiro e Pablo Magalhães ///Edição de textos: Ana Carolina Pinheiro, Andrew Fischer, Jennyfer Siqueira, Larissa Pessi, Luísa Meimes, Pâmela Bassualdo, Patrícia Vieira e Paula Chidiac. Fale conosco jornalismograd@uniritter.edu.br

registrado um aumento no número de doenças psicológicas como ansiedade, depressão e síndrome do pânico. Hoje, o mercado de trabalho exige que o trabalhador seja inovador, trazendo ideias para reduzir os custos da empresa. “Com isso, fora do trabalho, ele também está trabalhando, o que leva à exaustão extrema, além de frustração quando não alcança metas”, afirma Lívia. Para a psicóloga Luciara Itaqui, estarmos conectados todos os dias, 24 horas por dia, contribui para o aumento do número de casos: ‘‘estamos sempre trabalhando, fazendo networking, tentando de diversas formas dar conta de todos os compromissos que surgem − pois apenas os melhores terão sucesso”, salienta. Segundo a psicóloga, esse contexto contribui para que o nosso desempenho seja interpretado como mera obrigação, havendo desqualificação das habilidades e competências individuais. Embora o termo tenha sido cunhado na década de 1970, a síndrome do impostor é ainda desconhecida por grande parte da população - e também por muitos psicólogos. Segundo a ANPG, apesar do alto índice de estudantes que relatam sofrer com o rebaixamento

versão digital

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ceber um elogio e creditá-lo simplesmente à sorte. Ganhar um prêmio e buscar argumentos externos que o justifiquem. Ser convidado para palestrar em um evento e ter a certeza de não ser capaz. Tudo isso acrescido de um medo enorme de falhar e ser descoberto. Esses são alguns dos sintomas que caracterizam a síndrome do impostor. Fenômeno crescente, seus números no Brasil chamam atenção principalmente entre os pós-graduandos. “Meu orientador, quando falei sobre a minha pesquisa, me chamou de pato em uma reunião de pós-graduandos alunos seus. Ele me disse que eu não sabia fazer nada direito, os outros orientandos riram e se prosseguiu a reunião”. Esse é apenas um dos relatos anônimos presentes no artigo divulgado em abril de 2017 pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). As declarações servem para ilustrar a conclusão do estudo “O rebaixamento cognitivo, a agressão verbal e outros constrangimentos e humilhações: o assédio moral na educação superior”, de Coleta e Miranda. A pesquisa revela um número que choca: mais de 50% dos estudantes revelaram sofrer com o rebaixamento da capacidade cognitiva (28,3%) e agressões verbais (22,19%).

da capacidade cognitiva, normalmente o diagnóstico vem como ansiedade, depressão ou síndrome do pânico. Uma rápida pesquisa nos manuais médicos aponta possíveis causas para isso: a síndrome não é encontrada nem no CID 10 (Código Internacional de Doenças) nem no DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais). Além disso, não costuma ser estudada nos cursos de psicologia. Segundo Jéssica Rodrigues, psicóloga formada há dois anos, a primeira vez que se deparou com o termo foi em uma reportagem, mais de um ano depois da conclusão do curso. Já o estudante Thomas Becker, que se forma em dezembro deste ano, conta que até já ouviu falar na síndrome em sala de aula, mas de forma muito superficial. O desconhecimento das pessoas em relação ao fenômeno, contrastado com os altos índices que começam a se tornar conhecidos, demonstra que a síndrome do impostor precisa começar a ser mais debatida. O custo psicológico imposto pela forma atual como a sociedade cobra bons rendimentos é muito alto – e evidencia que já é hora de discutirmos novas maneiras de pensarmos as relações de trabalho.

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